Precisamos falar sobre o racismo: o empoderamento da mulher negra no município de São Luís - MA
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS
- 4. O racismo e suas expressões
- 5. A Mulher Escravizada: passado presente no futuro
- 6. Gêneros, raça e etnia
- 7. Leis do Racismo
- 8. OS MOVIMENTOS FEMINISTAS E A PARTICIPAÇÃO DA MULHER NEGRA
- 9. Identidades Negras Femininas
- 10. Capitalismo e apropriação de uma identidade
- 11. AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS AÇÕES DO 3° SETOR EM DEFESA DA MULHER NEGRA
- 12. LUTA E RESISTÊNCIA DA MULHER NEGRA NA ATUAL SOCIEDADE
- 13. Empoderamento da Mulher Negra
- 14. CONSIDERAÇÕES FINAIS
- 15. REFERÊNCIAS
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1. RESUMO
O tema central deste estudo, consiste em uma reflexão sobre a desigualdade, partindo-se da categoria de gênero e cor a partir de uma busca histórica da formação do Brasil, buscando-se compreender a desigualdade e o racismo sofrido por mulheres, sobretudo, destacando a importância da mulher e sua valorização no meio político e social no município de São Luís - MA. O racismo é antes de tudo, um crime que afeta diferentes sujeitos a fim de ridicularizar, humilhar e excluir, gerando desigualdades e segregação por causa de características observáveis de traços ou somente pelo tom da pele. Nesse ínterim, o presente estudo busca, através de um resgate histórico, diferentes formas de trabalho escravo até chegar ao trabalho escravo negro, retrantando assim, como ele se consolida durante décadas no Brasil. Aborda-se sobre o racismo e suas expressões, e como a escravidão afetou a mulher negra hoje em diferentes segmentos da sociedade. Em seguida, explica-se os movimentos feministas, processo de início, e a participação da mulher negra, destacando percursos históricos e dados estatísticos da situação da mulher negra na sociedade, comparando a outros grupos étnico-raciais. Destaca-se também, a identidade, sua construção e desafios que a mulher negra encontra para se entender e se aceitar, e como o capitalismo se apropria dessa construção de identidade, transformando tudo em mercadoria e lucro. Dessa forma, aborda-se ainda sobre as políticas públicas brasileiras, e como o Terceiro Setor se torna executor de políticas públicas e porta voz de muitas mulheres. Logo em seguida, apresenta-se o último capitulo, onde trata-se sobre a luta da mulher negra na atual conjuntura e o seu empoderamento. Seguindo das considerações finais, com os resultados da pesquisa bibliográfica, resposta das hipóteses e a relevância da pesquisa.
Palavras-chave: Racismo. Identidade negra. Raça. Gênero. Etnia.
ABSTRACT
The central theme of this study consists of a reflection on inequality, starting from the category of gender and color from a historical search for the formation of Brazil, seeking to understand the inequality and racism suffered by women, especially, highlighting the importance of women and their valorization in the political and social environment in the municipality of São Luís - MA. Racism is first and foremost a crime that affects different subjects in order to ridicule, humiliate and exclude, generating inequalities and segregation because of observable characteristics of traits or only by skin tone. In the meantime, the present study seeks, through a historical rescue, different forms of slave labor until reaching black slave labor, thus retranting, as it is consolidated for decades in Brazil. It addresses racism and its expressions, and how slavery has affected black women today in different segments of society. Then, the feminist movements, the process of beginning, and the participation of black women are explained, highlighting historical paths and statistical data of the situation of black women in society, comparing to other ethnic- racial groups. It also highlights the identity, its construction and challenges that black women encounter to understand and accept themselves, and how capitalism appropriates this construction of identity, transforming everything into merchandise and profit. Thus, it also addresses Brazilian public policies, and how the Third Sector becomes executor of public policies and spokesperson for many women. Soon after, the last chapter is presented, which deals with the struggle of black women in the current conjuncture and their empowerment. Following the final considerations, with the results of the bibliographic research, response of the hypotheses and the relevance of the research.
Keywords: Racism. Black Identity. Race. Gender. Ethnicity.
2. INTRODUÇÃO
O racismo ainda é um conjunto de ações presente no cenário internacional e nacional, seja no âmbito escolar, mercado de trabalho, saúde, política, futebol, dentre outros. Suas formas e práticas cada vez mais comuns, e presente em diferentes espaços, precisa ser discutido e combatido. Assim, como suas diversas formas de manifestações, nesse ínterim, deve-se buscar métodos que venham a combater tais atos, a partir dos movimentos sociais, produções científicas, consciência individual e coletiva, entendimento cultural, debates e principalmente através das políticas públicas.
A escolha do tema justifica-se devido às experiências vividas e observadas a partir do diagnóstico social, que é o racismo no estado do Maranhão, em especial na capital São Luís, bem como seus múltiplos desafios que permeiam devido à desigualdade racial que assola o Estado.
Precisa-se falar sobre o racismo, e entender o processo de dominação do homem sobre outros, considerar e aceitar que a escravidão existiu, e que as consequências de tais métodos de domínio ainda afetam constantemente, e que não existe a democracia racial.
O presente trabalho tem como principal objetivo, discutir acerca do racismo, e suas expressões, e de forma específica, compreender as múltiplas dificuldades e desafios enfrentados por mulheres negras, e como esses fatores de raça e cor interferem no cotidiano, principalmente na aceitação de identidade das mulheres lusitana, com base em pesquisas bibliográficas.
No Brasil, o debate sobre raça e gênero são elementos fundamentais para a compreensão, e principalmente para o seu enfrentamento ao processo de violação de direitos da mulher negra, uma vez que a desigualdade ainda é o ponto chave para mulher negra ser vítima da violência doméstica; vítima de mortalidade materna; da violência obstétrica; das mortes por agressões; de estupro e vítima do racismo.
A mulher negra está mais exposta e desprotegida devida sua condição social e econômica, está historicamente descriminada devido à formação de colonização do Brasil, que colocou a mulher negra na margem da desigualdade e exclusão, trazendo diversas consequências sociais, política, morais, culturais e trabalhistas. Segundo o Instituto de pesquisa econômica aplicada (IPEA), jovens e mulheres negras são mais afetadas pelo desemprego, estatisticamente, é 50% maior que de um homem branco devido a sua vulnerabilidade. Esse mesmo estudo comparou o índice de violência contra mulheres negras, colocando em destaque o feminicídio, e o racismo no estado do Maranhão, no qual identificou no ano de 2017 que a cada 38 mortos no estado, quatro são de mulheres negras, por isso, aprofunda-se a pesquisa sobre a mulher negra, e as consequências provocadas pela sociedade, no ambiente de trabalho, social e familiar.
Utilizou-se o referencial Marxista (1948), como método de investigação, caracteriza-se por ser materialismo histórico dialético, pois faz-se necessário uma análise na perspectiva de uma totalidade da realidade social, ou seja, entendendo-se a partir do processo sócio histórico, focalizando no tema racismo, a partir de recortes específico de gênero e cor. Desta forma, pode-se analisar os desafios enfrentados pela mulher negra, fazendo um resgate histórico para melhor compreender a atual realidade destas mulheres, e compreender o porquê dos fatos, como o do racismo ainda é recorrente. A partir de um resgate histórico através da questão social na pós-abolição, e os movimentos feministas. A partir dos estudos de Crenshaw (1989), Gonzales (1984), Schwarcz (2012) e outros.
Partindo-se dessa análise, aborda-se sobre o papel que a mulher negra desempenhou na pós-abolição, e como todo esse processo implica no papel que ela exerce, e ocupa hoje na sociedade. Analisa-se os aspectos e as problemáticas de gênero e raça. Utilizando-se para embasamento teórico, os seguintes autores: Carneiro (1996), Chambouleyron (2006), Silva (2010), Filho
(2014), Chauí (2008), Saffioti (2004), Scott (1989), Pereira (2003), Munanga (2005), Moraes (2003), entre outros. Quanto aos objetivos específicos delimitou-se: compreender a formação sócio raciais da sociedade brasileira; mostrar os aspectos e as problemáticas de gênero e raça na configuração brasileira, maranhense e ludovicense; identificar os desafios enfrentados por mulheres negras na sociedade preconceituosa e machista, e a forma como esses fatores interferem no cotidiano, assim como a aceitação de identidade dessas mulheres.
O trabalho de pesquisa se desenvolve através de um estudo bibliográfico, organizando e explorando informações nas principais teorias que norteiam o campo de estudo sobre a população negra. Com relação à abordagem linguística exposta acima, apresentam-se as seguintes problemáticas: de que forma deu-se a liberdade da mulher negra no âmbito mundial e quais os reflexos trazidos para o Brasil, desde o movimento feminista, na Inglaterra até os dias atuais? De acordo com a explicação descrita, como a mulher negra foi excluída e sofreu todos os abusos e preconceitos na história brasileira? E como vivem atualmente?
Dada a importante desse tema, a pesquisa será estruturada em cinco capítulos, representados da seguinte forma:
O capítulo um, expõe as abordagens históricas da escravidão nas primeiras civilizações antigas como na Grécia e Roma, e como surge a escravidão moderna, assim como suas consequências no cenário brasileiro.
O capítulo dois, aborda a relação entre racismo, injúria, discriminação e preconceito, seus conceitos e práticas. Bem como, conceituar raça, gênero e etnia. Logo em seguida, aborda-se sobre todo processo cronológico de lei abolicionista, divididos em três períodos: Brasil Colonial que perpétua-se (1500 a 1822), período Monárquico de (1822 a 1889), e Período Republicano de (1889), até as leis mais recentes que tratam da questão do racismo.
O capítulo três, apresenta um debate quanto à questão racial no Brasil, na perspectiva de raça e gênero, fazendo-se um recorte aos movimentos feministas, e a participação da mulher negra nesses primeiros movimentos em uma perspectiva crítica, e trazendo dados quanto à questão da desigualdade e suas consequências para mulher negra.
O capítulo quatro, expõe-se um debate quanto ao 3° setor e as políticas públicas no Brasil, desenvolvido após a constituição de 1988. Um percurso de origem sobre o terceiro setor no Brasil, e como gradualmente se tornou voz de movimentos populares, e executor de políticas, principalmente para as mulheres negras.
E por último, o capítulo cinco, descreve a luta da mulher negra na atualidade, bem como sua atuação e empoderamento, apresentando-se as problemáticas enfrentadas por elas, e por último as considerações finais, com os apontamentos e respostas das problemáticas levantadas no estudo.
3. ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS
A escravidão apresenta-se desde os primórdios da humanidade, nas primeiras civilizações, a mais abordada pelos historiadores é a da Grécia e Roma Antiga, a Bíblia também traz em sua história um povo específico, Nabucodonosor que submeteu o povo Hebreu a escravidão.
Em geral, tornava-se um escravo devido a condições como: não pagamento de dívidas, perda em guerra, mau comportamento, como atos de pirataria ou até mesmo, de forma voluntária para não morrerem de fome. Em alguns povos e suas culturas, a forma de escravidão, dava-se pela forma patriarcal, onde se mantinham mulheres escravas para a prostituição. Na Grécia e Roma antiga, os escravos eram povos conquistados em batalhas, muitos trabalhavam no lar, e eram nomeados de servus ou ancillu. Além disso, a escravidão não era baseada na cor, e sim por características físicas ou línguas diferentes, havia brancos e negros na mesma condição de escravos (FIGUEIRA, 2011).
Em Roma, a sociedade era dividida em camadas sociais, os patrícios, plebeus, clientes e escravos. Os escravos em geral trabalhavam nas lavouras, na cozinha, com música, alguns instruídos como professores, secretários ou médicos. Contudo, o que classificava um homem de status poderoso, chamados “amo”, estava relacionado à quantidade de escravos que possuía, podendo conceder liberdade aos seus escravos, bem como, os próprios escravos comprarem a sua liberdade. Entretanto, ressalta-se que apesar de poderem comprar a sua liberdade, eles não eram detentores de direitos (FIGUEIRA, 2011).
Marx e Engels, (1948), Descrevem os diferentes processos e formas que a escravidão ganha ao longo dos séculos:
Até hoje, a história de todas as sociedades é a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e aprendiz; em resumo, opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo entre si, travando uma luta ininterrupta, ora aberta, ora oculta — uma guerra que terminou sempre ou com uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou com a destruição das classes em luta (MARX, ENGELS, 1848, p.89).
Nos séculos XII e XIV, a expansão do comércio na Europa provoca mudanças, com a necessidade de produzir mais, com baixo custo, e a negação de querer pagar salários. A escravidão negra ou “moderna” inicia-se no século XV, com a exploração da Costa Africana e a Colonizações das Américas. “Quando a civilização europeia entrou em contato com o negro,… todo o mundo concordou: esses negros eram o princípio do mal… negro, o obscuro, a sombra, as trevas, à noite, os labirintos da terra, as profundezas abissais…” (FANNON, 1980, p.154).
O comércio de escravos vigora-se nos séculos XVI ao XIX. “Se buscarmos na história o processo da escravidão, nos deparamos com grandes impérios que usavam de mão de obra escrava para se tornarem grandes principalmente na economia” (ALFONSO, 2015, p.56).
Portugal é o primeiro país moderno europeu a usar de mão de obra negra, de início apenas para trabalhos domésticos e nas plantações de cana, nas Ilhas do Atlântico, em seguida, outros povos, tais como, espanhóis, ingleses, franceses e holandeses, também utilizaram da mesma mão de obra escrava.
Ainda que incoerente, a escravidão foi se tornando algo normal e “essencial” para economia, não somente para a sociedade europeia, foi com a exploração das colônias americanas que o tráfico atingiu grandes proporções, e formassem grandes potências idealizadas da época, uma vez que se conquistavam novas terras, “novo mundo”, se utilizava da mão de obra nativa, nomeado de “selvagens” com o discurso de inferioridade para justificar os fins.
Williams (1971, p.65), descreve em sua obra, ao mencionar que “os negros foram roubados na África para trabalhar nas terras roubadas aos índios na América”. Em outras palavras, trata-se por tanto, de roubos territoriais e de vidas humanas por um processo de gatunagem, civilizações e potências econômicas, que lucraram com o processo de roubo, exploração, humilhação e sofrimento de vários povos africanos, por um processo hegemônico com discurso de um bem comum a partir do processo de expansão territorial.
Segundo Hobbes (1651, p.45), essencialmente o “homem é o lobo do próprio homem”. A capacidade do homem pela busca da notoriedade principalmente por notoriedade econômica vale tudo, até mesmo, colocar em risco sua própria espécie, vale frisar, que tudo isso com o consentimento e apoio, não só do Estado, mas do povo, o qual via seu território sendo colonizado através do povoamento e naturalizou todo esse processo escravista.
Dito isto, em exato dia 9 de março de 1500, século XV, Pedro Álvares Cabral, parte de Lisboa com sua tripulação de 1500 homens, passa pela Costa africana e então “avista uma nova terra”. Invadindo o Brasil em 22 de abril, terra já habitada pelos seus descobridores, centenas de povos indígenas, cada um com sua terra, língua específica, economia e forma única de cuidar da natureza. “Os índios Tupinambá habitavam toda a costa brasileira na época da conquista. No século XVII, já estavam extintos” (BRANDÃO, 2009).
Sabe-se que a história brasileira, revela-nos uma ocupação que teve como foco, a exploração e comercialização de recursos naturais e territorial, além da exploração do outro ser humano. Teve como principal mão de obra, a escravista de índios na primeira metade do século XVI, após o descobrimento em 1500, demorou exatos 30 anos para começar a exploração territorial, inicia- se a sedução dos índios, as trocas para depois ser dado o golpe final.
“Os índios foram então escravizados, sobretudo para a exploração do pau-brasil, sendo desde o princípio vitimado pelo menosprezo e injuria” (CARNEIRO, 1996, p. 56). E depois substituída, devido à dificuldade de escravizar os nativos, fez-se necessário à mão de obra negra para trabalhar nas minas e lavouras de nos engenhos de cana-de-açúcar do Nordeste. No estado do Maranhão, as primeiras tentativas de importação de escravos africanos ocorrem no século XVII para serem utilizados nas lavouras.
O autor Chambouleyron (2006), descreve as primeiras tentativas de incorporar os Africanos de Cabo Verde nas fazendas no estado do Maranhão:
Em dezembro de 1692, fazia-se o primeiro assento com a Companhia de Cabo Verde e Cacheu, que se obrigava a entregar 145 escravos no Maranhão, à metade em “peças cotadas como é estilo irem às carregações que se fazem na ilha Cabo Verde para o Brasil e Índias”. A outra metade “de segundo lote tendo molecas e molecas, não entrando nas ditas quantias negras nem negras velhas”. Estipulavam- se ainda algumas condições quanto ao cumprimento do contrato e à obrigatoriedade da Companhia de enviar os escravos ainda no ano de 1693. No mesmo mês, o rei escrevia ao governador, relatando as medidas que haviam sido tomadas, explicitando a “maior conveniência” que teriam os moradores se “em lugar das fazendas se introduzissem negros para o serviço de suas roças e lavouras”. O soberano lembrava ainda que o procedido da venda dos africanos se devia aplicar no mesmo que antes se aplicava o dinheiro das fazendas (CHAMBOULEYRON, 2006, p.54).
Estima-se que entre 1530 a 1850, cerca de quatro milhões de africanos já se encontravam em condição de escravos no territorial Brasileiro. Os negros foram então retirados de seu povo para viver sem dignidade alguma, transportada em navios negreiros, ou tumbeiros de forma amontoada no porão, retirando sua cultura, retirando nome, sua história, origem e vidas para sobreviver em um “mundo novo” em prol de outros povos.
A sociedade escravista era estruturada de forma bastante rígida e cada indivíduo ocupava um lugar para ele determinado, e vale lembrar que, o que permitia essa diferenciação social era a condição do indivíduo, mais é necessário também ressaltar que a cor da pele era um requisito muito importante para definição dessa hierarquia no século XIX. Hierarquia essa que colocava de um lado: os brancos, e do outro, os negros e indígenas considerados inferiores (SILVA, 2010, p.03).
Para alguns povos luz, para o povo negro, somente trevas, sofrimento e muita dor. Mesmo que tentarmos imaginar o que foi sobreviver dentro desses navios, não chegaria perto das atrocidades que aconteciam, as mulheres negras, por exemplo, eram constantemente abusadas sexualmente durante meses nos porões dos navios, e, ao chegar a seu destino, as que tinham crianças eram separadas.
Quando se tratava de mulher, os seios eram bem examinados, pois poderia vir a servir como ama de leite e bem assim as nádegas. Tinha-se interesse em negras do traseiro grande, bem servido de carnes, porque isso era – diziam – indício de força, saúde e qualidade de boa parideira, capaz de dar novos escravos ao senhor. (MACEDO, 1974, p. 32)
A chegada dos colonizadores ao Pindorama (Brasil), é o exemplo mais claro da dominação de homem sobre outro, processo feito em outros continentes no qual usaram de força e violência para escravizar com discurso da raça inferior.
A escravidão, em primeiro lugar, legitimou a inferioridade e, enquanto durou, inibiu qualquer discussão sobre cidadania. Além disso, o trabalho limitou-se exclusivamente aos escravos e a violência se disseminou na sociedade das desigualdades e da posse de um homem pelo outro (SCHWARCZ, 1998, p. 185).
Como exposto acima por Schwarcz (1998), a escravidão mesmo com todo processo histórico em diferentes culturas, no fim de tudo, acabou limitando-se ao negro, e essa limitação criou uma condição desigual humana, acarretada de toda forma de preconceito e injúria. O racismo passa a ser fortalecido, enraizado mesmo com o título de liberdade nas mãos, à escravidão se estendeu, se multiplicou e ganhou contornos, trazendo sofrimento não somente aos filhos retirados da África, mas toda geração que dela foi gerada.
4. O racismo e suas expressões
O racismo é um fenômeno social, interligado ao processo de escravidão dos negros, compreende-se que não foi o racismo que gerou a escravidão, mas a escravidão que gerou o racismo, devido ao fato de que as circunstâncias iniciais eram por razões econômicas, e não em detrimento de raça.
A expressão é usada a partir da década de 1920, e conceituada em termos acadêmicos anos depois. “O racismo, assim como outros preconceitos, está muito ligado à aversã, ao que é ou aos que são diferentes” (SILVA, 2012, p.34). Todo esse processo de descoberta do outro ser, das justificativas para dominar outros homens, fez com que o mundo atual classificassem as pessoas, culturas, religiões, no que consideram superiores e inferiores a outra.
Neste sentido, a raça é uma categoria de hierarquização socialmente construída como consequência de relações históricas de poder, que é independente, mas também está inter-relacionada à classe e ao gênero, configurando distintas e heterogêneas formas de organização do poder e de estruturação da sociedade (QUIJANO, 2007, p. 56).
Como exposto pelo autor supracitado, a raça é uma categoria construída, que traz consigo consequências históricas, e que trouxe inúmeras modificações, principalmente na estrutura social. A forma da organização da sociedade, e relações que delas são construídas, está ligada principalmente ao seu processo de poder. “Racismo é antes de tudo uma atitude de exclusão, estigmatização, humilhação ou desprezo para com uma pessoa em razão da sua cor de pele e outros distintivos exteriores” (SANTOS, ÁLVARES, 2019, p.43). O racismo ampliou seu sentido como forte ideologia que oprime os negros até hoje. Expressa uma clara exclusão resultante da demora de se criar políticas afirmativas no pós abolição no Brasil.
Referindo-se ao racimo e seu contorno científico, Santos e Alvares (2019) descrevem:
Porém, foi somente no século XVIII, que o racismo ganhou contornos “científicos”, quando surge a classificação das espécies animais do botânico sueco Lineu, sendo o primeiro a existência de quatro raças humanas: europeia, africana, asiática e americana. Blumenbach, pesquisador alemão, por seu turno fez distinção de raças pelas cores: caucasianos (brancos); mongóis (amarela); malaios (marrom); etíopes (negra), e americanos (vermelha) (SANTOS, ALVARES, 2019, p.35).
Para o negro, fica mais evidente essa descriminação, pois sofrem diariamente, em todos os ramos da esfera social. Filho (2014), fala que o racismo pode se manifestar em outras formas não somente com a inferiorização do outro:
O racismo pode manifestar-se não somente com a inferiorização do outro, mas também com a crença em uma superioridade essencial sobre o outro, ou seja, o Racismo estabelece que certos povos ou nações sejam dotados de qualidades psíquicas e biológicas que tornam superiores a outros seres humanos. Portanto, racismo é um tratamento desigual, manifestado intelectual ou concretamente por um indivíduo ou grupo étnico em função da raça, da cor de pele ou de traços essenciais à constituição étnica de alguém ou de uma coletividade, e também a qualquer outro ato no qual se identifique a constituição de desigualdade sob critérios racialmente estabelecidos. Em regra, o racismo ou preconceito racial é o que leva à intolerância e à marginalização (FILHO, 2014, p.32).
Em outras palavras, o desequilíbrio da formação social estabelecida hoje, esta pautada na hierarquização e ideologias, que tem como foco principal a superioridade e inferioridade do outro, construindo-se, barreiras e destas diversas formas de manifestações desiguais, destas manifestações por sua vez, o racismo como principal ponto de explicação para a marginalização e a intolerância.
A partir daí, é preciso compreender que uma das características de qualquer racismo é sustentar a dominação de determinado grupo étnico/racial em detrimento da expressão da identidade de outros (GOMES, 2002, p. 42).
O preconceito e a discriminação estão em aparência constante. Tudo que é novo pode causar diferentes formas de reações, porém, a escravidão gerou reações persistentes da discriminação e do preconceito com o negro, no qual a sua desconstrução exige esforços maiores, pois suas consequências resultaram em inúmeras formas de manifestações e atrasos.
O preconceito e a discriminação racial aparecem no Brasil como consequências inevitáveis do escravismo. A persistência do preconceito e discriminação após a destruição do escravismo não é ligada ao dinamismo social do período pós- abolição, mas é interpretada como um fenômeno no de atraso cultural, devido ao ritmo desigual de mudança das várias dimensões dos sistemas econômico, social e cultural (HASENBALG, 1979, p. 73).
Faz-se importante destacar, que o preconceito varia em suas formas, este, encontra-se presente nos diferentes ramos da sociedade, os mais comuns são: preconceito racial; preconceito social; preconceito religioso; preconceito de orientação sexual; preconceito de gênero, dentre outros.
Vale frisar ainda, que o preconceito racial está ligado a ideia de superioridade de uma raça sobre a outra, pertencente à outra etnia ou raça. Ideias que até o século XIX, ganham força com os pensamentos positivistas, e resgatadas no século XX com o fascismo e nazismo. Dito isso, importante citar que não ocorre o racismo reverso entre negros contra brancos, uma vez que o racismo é diretamente interligado a uma classe historicamente oprimida (escravizada) por séculos, e não a classe historicamente opressora e privilegiada.
Em 1906, com o termo etnocentrismo, criado pelo sociólogo William G. Summer, ganha proporções drásticas responsáveis pela intolerância e preconceito, e hoje se manifesta na ideologia do racismo. Quando se trata do racismo, questiona-se muito quanto as práticas e formas de tal ato, após seu entendimento, classificam-se em três principais tipos de racismo: O racismo institucional, cultural e o religioso.
O racismo institucional – São ações pautadas de qualquer desigualdade ligada à raça, que venham ocorrer em instituições públicas ou privadas, como corporações empresárias, escolas, universidades. Ou seja, é a discriminação racial praticada pelo Estado, muito comum principalmente no âmbito da saúde, educação, trabalho e segurança pública, no qual se escolhe quem vive e quem morre, quem estuda, e quem está seguro nas cores da desigualdade.
O termo emerge e ganha definição com os irmãos Stokely Carmichael e Charles Hamilton, em resposta às desigualdades nos Estados Unidos na década de 1960. “A falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica” (CARMICHAEL; HAMILTON, 1967, p. 4).
Segundo os dados realizados por independentes e aprovadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), e consoante o relatório realizado no ano de 2014, a participação dos afrodescendentes na economia nacional é de apenas 20% do Produto Interno Bruto (PIB), apesar de representarem mais da metade da população do Brasil. O desemprego é 50% maior entre os “afro- brasileiros” do que entre os descendentes de europeus, enquanto a média salarial entre os afrodescendentes é de US$ 466, quase metade dos US$ 860 dos descendentes de europeus.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que o racismo institucional, nada mais é do que a forma que o Estado encontra de negligenciar a democracia, segregando e excluindo, dando total legitimidade para que o racismo passe despercebida e se afirme ao em vez de combatê-lo. O racismo é uma ideologia que atua nos níveis pessoal, interpessoal e institucional, perpassa as relações entre pessoas e grupos, o desenho e desenvolvimento das politicas públicas, as estruturais de governo e as formas de organização do Estado (WERNECK, 2012).
Quando o Estado se omite em discursões visíveis, ele está se negligenciando e colaborando com a desigualdade do país, quanto mais o racismo entra em constante debate e passa a ser evidenciado e deixando de ser visto como algo normal nas instituições Estatais, ocorre a necessidade de se criar políticas para corrigir tais erros. Então indaga-se, onde o Estado ganha sendo omisso?
O racismo institucional é um dos modos de operacionalização do racismo patriarcal heteronormativo – é o modo organizacional – para atingir coletividades a partir da priorização ativa dos interesses dos mais claros, patrocinando também a negligência e a deslegitimação das necessidades dos mais escuros. E mais, como vimos acima, restringindo especialmente e de forma ativa as opções e oportunidades das mulheres negras no exercício de seus direitos (GELEDÉS, 2013).
Dito isto, os dados referentes as relações entre o racismo, e as políticas estatais, fazendo um recorte na saúde e segurança da população negra, identifica-se o descaso. No caso da violência ocorrida por parte das instituições de segurança pública (violência policial), o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, fala que 5.896 boletins de ocorrência de mortes nas intervenções policiais entre o ano de 2015/2016, 76,1% das vítimas eram de negros: 5.769 homens e 42 mulheres. Jovens: 35,5% com idades entre 18 e 29 anos. Em 2018, o número de mortes cometidas por policiais sobe para 6.160 pessoas. A Atlas da Violência aponta também que a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71%, superior a de mulheres não negras.
As Estatísticas da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, em 2003 levantam em uma de suas amostragens estatísticas, que o risco de morte por doenças infecciosas, e parasitárias era de 60% maior para as crianças negras com menos de cinco anos, quando comparadas às brancas.
A questão racial ainda é fator determinante para as condições em que o negro é exposto, no âmbito da saúde, fazendo um recorte geral e de gênero, o sistema público de saúde contínua a colocar a população negra em situações desumanas e vexatória, com discriminação, exclusão social constante e evidente.
A desigualdade social expressada na saúde foi tão forte, que no ano de 2005 e 2006, estudos começam a tratar dessas situações, que envolve principalmente as mulheres negras. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios-(PNAD) de 2008, 40,9% das mulheres pretas e pardas acima de 40 anos, jamais haviam realizado mamografia contra 26,45% das brancas na mesma situação. O Ministério da Saúde em 2014, revelou a taxa de mortalidade materna entre mulheres brancas e negras, observa-se nesse ínterim, que atinge mais as mulheres negras do que as brancas “apontam que esse percentual é de 60% entre mães negras e pardas, e de 34% entre as mães brancas”.
Em 2005, exatamente 18 de abril, é lançado o programa de combate ao racismo institucional no Brasil, elaborado a partir de uma parceria internacional com o Ministério Britânico com o propósito de diminuir a pobreza, junto ao o Desenvolvimento Internacional de Redução da Pobreza (DFID), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em seguida o Ministério da Saúde (MS), Ministério Público Federal (MPF), a Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
No ano de 2009, como forma de resposta, e reconhecimento dos processos injustos sociais, culturais e econômicos presentes na história do país. O Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), o qual traz em suas diretrizes a promoção de ações de combate ao racismo, e também o incentivo à produção de conhecimento científico sobre saúde da população negra, em suas diretrizes incluem:
I – inclusão dos temas racismo e Saúde da População negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da Saúde e no exercício do controle social na Saúde; II – Ampliação e fortalecimento da participação do Movimento Social negro nas instâncias de controle social das políticas de saúde, em consonância com os princípios da gestão participativa do SUS, adotados no Pacto pela Saúde; III – incentivo à produção do conhecimento científico e tecnológico em saúde da população negra; IV – Promoção do reconhecimento dos saberes e práticas populares de saúde, incluindo aqueles preservados pelas religiões de matrizes africanas; V – implementação do processo de monitoramento e avaliação das ações pertinentes ao combate ao racismo e à redução das desigualdades étnico-raciais no campo da saúde nas distintas esferas de governo; VI
– desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação, que desconstruam estigmas e preconceitos, fortaleçam uma identidade negra positiva e contribuam para a redução das vulnerabilidades.
Considerando-se os relatos expostos acima, pontua-se que existem políticas públicas do Estado para mulheres negras, porém, deficitárias, pois estão a mercê dos maus tratos sofridos sociais, culturais, educacionais e trabalhistas, principalmente quando se trata da cor da sua pele.
O racismo cultural – Caracteriza-se por ser a ideia de cultura superior, a desvalorização, preconceito de crenças, ritos, música, religião e idiomas, tudo aquilo que envolva valores culturais. Esse tipo de racismo inclui outras formas, tais como o racismo institucional e individual. “A cultura é a ruptura da adesão imediata à natureza, adesão própria aos animais, e inaugura o mundo humano propriamente dito.” (CHAUÍ, 2008, p.55).
As primeiras definições de cultura surgem com o inglês Edward B. Taylor, que define cultura como “O conjunto complexo de conhecimentos, crenças, arte, moral e direito”. No entanto, o significado de cultura é bem amplo, com várias definições muitos subjetivas. Para Chauí, “Avalia-se o progresso de uma civilização pela sua cultura e avalia-se a cultura pelo progresso que traz a uma civilização” (CHAUÍ, 2008, p.55).
Trazendo esses pontos para o contexto multicultural que é o Brasil, formado e fortemente marcado por diferentes, e tantas outras culturas, mas principalmente pela cultura africana, pontua-se que o passado insiste em perseguir os negros. Como exposto anteriormente, com a chegada dos Africanos ao Brasil, foi de total sofrimento e angústia, muita coisa era proibida para o negro trazer, fazer ou expressar enquanto sujeito cultural que era.
No século XVI, a presença da cultura africana junto ao indígena era marcante. Porém, a sociedade tinha como referência, e imitavam as culturas europeias. Os Africanos com sua pluralidade cultural, suas tradições, ritos, cultos, culinárias e cantos se misturavam na medida em que chegavam às fazendas, e se estruturavam em grupos. Então, como forma de resistência os negros encontravam um jeito de se expressar culturalmente. A Capoeira, por exemplo, criada nas senzalas e própria do Brasil, proibida sua prática em lei até 1930, sendo registrada como bem cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 2008.
A capoeira pode ser vista, da mesma forma que as irmandades religiosas e as reuniões em batuques, como um espaço construído por escravos e libertos, africanos e crioulos, para encontros e afirmação de apoio e de solidariedade entre os membros de um mesmo grupo. Esses grupos distintos de capoeira eram conhecidos por maltas. […] (MATTOS, 2008, p.185).
A música e a dança, segundo alguns estudiosos, tinham uma ligação com o mundo religioso africano, e que, se comunicava com o mundo espiritual. Com as modificações entre os negros e a inserção da religião Católica, muitas formas e expressões culturais foram ganhando novos traços. A congada é de formação histórica afro-brasileira, que insere Santos em suas festas. Outra dança nascida na formação desta cultura, é o Lundu, criada nas senzalas, e marcado pela introdução de palmas e pelo movimento do corpo.
Compreende-se que o racismo cultural, nada mais é do que uma desvalorização, preconceito e descriminação das culturas de matrizes africanas no Brasil. A cultura pode ser usada como mecanismo de defesa e de combate ao racismo. Vale ressaltar, que toda cultura é rica, única e de valor, e que deve ser reconhecida e respeitada.
O racismo religioso – Caracteriza-se por ser uma forma de discriminação religiosa, voltado principalmente para a religião brasileira, de matrizes africanas. Busca a inferiorização e exclusão, traz um conjunto de elementos, de diferentes categorias, como a própria intolerância religiosa, discriminação, e o próprio racismo. Como explicitado anteriormente, o contexto histórico do Brasil, interfere em todas as categorias, o racismo como forma ampla de sua expressão, persegue o negro em todas as suas diversidades culturais.
Os africanos, após sua chegada forçada ao Brasil, foram proibidos de praticar a sua religião, festas e rituais. Obrigados a falar a língua portuguesa, e seguir a religião imposta pelos seus senhores de engenho, não lhes sobrando alternativa, realizavam suas práticas ritualísticas escondidos, somente assim, não esqueciam suas tradições.
Assim como existem várias definições para o racismo e cultura, a religião descreve-se como aquilo que nos liga ao sagrado, sendo assim, aquilo que mantinha contato e aproximação do sagrado foi retirado do Africano em sua chegada, e permanece como forma de racismo religioso, quando não se permite a manifestação religiosa de matrizes africanas.
No campo da religião, há um grande mito sobre a forma que os africanos influenciaram a religiosidade e a maneira como cultuam seus deuses. Algumas religiões mais conhecidas são o islamismo, o calundu, o candomblé e a umbanda (originalmente brasileira). O islamismo chegou ao Brasil com os negros no século XIX. Os africanos islâmicos eram conhecidos por malês e utilizavam como símbolos de sua religião os amuletos com orações, com o objetivo de lhes proteger do mal (MACIEL, BONFIM, GREGÓRIO, 2017).
A religião tradicional africana, em sua vertente brasileira, sofre modificações, uma fusão de elementos culturais (sincretismo), com as tradições próprias da África junto às tradições indígenas e católicas. Formando assim as religiões brasileiras de base africana. “Nada do que é humano me é estranho” (CHAUÍ, 2002, p. 297). A religião católica chegou a ser imposta como religião oficial e obrigatória, sendo assim, mesmo que involuntariamente os negros incorporaram-se ao mundo católico, dessa forma, a religião afro- brasileira tem aproximação com o catolicismo em diversos fatores.
Os africanos foram expostos aos maus tratos e obrigados a adotar uma nova religião, ainda sim, não abriram mão de seus costumes, ritos e suas crenças, em raros momentos de oportunidade organizavam suas festas em lembranças de suas origens, com seus ritos e cantos. Durante o século XIX, foram aos poucos sendo substituídos por pais e mães de santo, ainda nesse mesmo século, os rituais, costumes ou qualquer manifestação africana foram proibidos, pois, tinha-se uma compreensão de que não faziam parte da cultural europeia “hierárquica” e “certa”, além disso, representavam uma cultura atrasada. Somente no século XX, que começaram a ser compreendidas e aceitas e celebradas como expressões artísticas (KARASCH, 2000).
A partir daí, compreende-se que a ignorância em relação às culturas de matrizes africanas, criou um ambiente propício para a intolerância presente ainda hoje, associado como “práticas diabólicas”, ficam mais evidentes a falta de conhecimento, os estereótipos herdados no começo da escravidão negra, e fortalecido pela igreja, é o exemplo mais claro que temos da ideologia europeia. O não entendimento religioso causa violação e ataques constantes a terreiros, reprimindo e eliminando vulgarmente as manifestações.
Mesmo diante de toda forma de opressão, a cultura africana ou afro- brasileira, sobreviveu como forma de resistência, suas crenças e sua religiosidade permanecem vivas e fortes. O Candomblé e Umbanda, por exemplo, comum principalmente no Estado da Bahia, religião que também tem bases forte africana e brasileira, e que permanecem fortes e vivas.
5. A Mulher Escravizada: passado presente no futuro
Retirada de suas tribos da África, as mulheres africanas chegaram ao Brasil juntas com os demais em navios negreiros, em pequenos espaços com crianças, isoladas, sem qualquer dignidade. Muitas morreram durante esse percurso, as que sobreviviam a essa carnificina, eram levadas para os mercados de escravos, para serem expostas e vendidas.
Trabalhavam nas lavouras, nas senzalas, nos casarões, eram amas de leite e amantes dos seus senhores. Castigadas de toda e qualquer forma possível quando não agradavam seus donos, eram violentadas e estupradas. Carregadas de beleza que se fez em sofrimento e dor.
Para uma sociedade que considerava os escravos “coisa”, desprovidos de racionalidade, parece-nos desnecessário tal receio. A verdade é que senhores de escravos jamais admitiriam que viviam receosos com relação a possíveis investidas dos escravos contra eles, tanto é que, impunham sua autoridade pela força dos chicotes, faziam valer seus direitos de proprietários pela brutal violência do corpo e das mentes de mulheres e homens escravizados (SILVA, 2010, p.07).
Como exposto por Silva (2010), os senhores sabiam da força que os negros detinham, e para tanto, fazia-se necessário o uso da violência brutal, para não evidenciar o receio que tinham. Ou seja, eram poucos os que se rebelavam, já que eram duramente castigados de maneira bárbara e cruel, muitos desistiam de planos ou fugas. Porém, castigos bárbaros não eram dados somente em casos de desordem ou desobediência, o sofrimento era constante, eram mutilados, acorrentados, marcados, separados de suas famílias, mal alimentados, açoitados (KARASCH, 2000).
Após a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, alguns negros continuaram nas fazendas, outros foram morar aos redores das casas nas cidades, formando o que hoje é popularmente conhecida como as periferias.
Importante destacar ainda que com a Proclamação da República, em 1989, a necessidade de a construção do projeto de nação à imagem e semelhança das nações europeias, a numerosa população negra representava uma ameaça ao ideal de nação branca (DURANS, 2014, p. 397).
Os negros foram marginalizados, pois após a promulgação da Lei Áurea, não houve a criação, formas ou políticas que incluísse os ex-escravos junto à sociedade, uma vez que se optou pela mão de obra dos europeus, ou seja, foram excluídos do corpo social, sem acesso ao trabalho, saúde, lazer ou educação. Nesse tocante, o autor Souza (2008), afirma que:
O ex-escravo que trabalhava no campo muitas vezes preferiu permanecer nas áreas rurais, ocupando pequenos pedaços de terra, geralmente em sistema de parceria nos quais cedia parte de sua produção ao dono da terra que cultivava. Mas ao longo do século XX, e principalmente a partir da década de 1930, a migração de negros e seus descendentes rumos as cidades cresceram cada vez mais. Eles geralmente desempenhavam as funções mais subalternas, uma vez que só alguns poucos afro-brasileiros conseguiam se educar, prosperar nos negócios e ascender socialmente. (SOUZA. 2008, p.125).
Nessa época, as mulheres negras brasileiras, ocuparam as atividades laborais domésticas, já exercidas por elas, como, venda de comidas, lavadeiras, quituteiras, com remuneração que mal dava para o sustento familiar, e aquelas que não tinham outras formas de trabalho, tornaram-se prostitutas, nos prostíbulos. É necessário ressaltar que já sofriam agressões domésticas, verbais e sexuais.
O lugar que a mulher negra ocupa hoje na sociedade, é reflexo de todo processo já exposto, destacando-se que as mulheres negras que carregam estereótipos até hoje como principalmente de objeto de consumo, está ligado com a questão de gênero e raça, associado ao contexto histórico escravista do Brasil, o qual, colocou a mulher negra como objeto disponível dentro dos casarões, e que reforça a violência hoje, principalmente no mercado de trabalho, pois são as que mais sofrem com o assédio sexual e violência de âmbito racial.
A partir do processo de escravidão no Brasil à mulher negra foi colocada de forma inferior na sociedade, trazendo diversas consequências sociais, politica, morais, culturais e trabalhistas. A desigualdade de raça/cor afeta diretamente no mercado de trabalho, e na violência dessas mulheres. Segundo o instituto de pesquisa econômica aplicada (IPEA), jovem e mulheres negras são mais afetadas pelo desemprego, estatisticamente, é 50% maior que de um homem branco devido a sua vulnerabilidade. Esse mesmo estudo, comparou o índice de violência contra mulher negra colocando em destaque o feminicídio e o racismo no estado do Maranhão, o qual identificou no ano de 2017, que de cada 38 mortos no estado, quatro são de mulher negra. “As negras estão, em sua maioria, em postos de trabalho mais vulneráveis e precários e são minoria nos cargos de direção, gerência ou planejamento” (AMNB, 2007, p. 120).
Ao tratar-se do mercado de trabalho, o papel que essas mulheres ocupam é geralmente limitando-as à ocupações de menor prestígio. “[...] ainda uma grande parte das mulheres negras encontra-se alocada no trabalho doméstico (em torno de 56%)” (SANTOS, 2009, p 278). “A desigualdade racial e de gênero, fica mais evidente no mercado de trabalho, as mulheres negras ainda tem os baixos salários e ocupações restritas para elas. As mulheres negras ainda sustentam suas famílias ganhando um terço ou a metade da renda familiar das mulheres brancas” (SANTOS, 2009, p.279).
Segundo Moura (1983, apud Durans, 2014):
A divisão racial do trabalho durante a escravidão seria substituída pela “competição democrática” da sociedade capitalista. Tal pensamento escamoteava a construção histórica do país e virava as costas à condição da população negra durante essa formação. Essa competição democrática consubstanciada no mito da democracia racial “desarticula a consciência do negro brasileiro”, pois o mesmo se vê como incapaz frente ao sucesso profissional e educacional do branco (MOURA 1983, apud DURANS, 2014, p.67).
No Brasil, a população que se declara negra ou parda, vem aumentando significadamente, comparado ao ano de 2018, a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que a população branca representava 43,1%, a parda 46,5% e a preta 9,3%.
Ao ilustrar-se o racismo institucional no mercado de trabalho, deve comparar as diferentes configurações e cenários que envolvem a mulher negra. Segundo o IPEA, a mulher negra encontra-se mais vulneráveis seguindo dos jovens entre 18 e 29, na questão do desemprego a mulher negra chega a exatos 50%. O mesmo estudo, compara a recessão do ano de 2015 e 2016, chegando à taxa de desemprego entre negras, que é de 80%.
Segundo o dossiê sobre a Situação das Mulheres Negras Brasileiras AMNB (2007 apud SANTOS, 2009, p.279):
As famílias chefiadas por mulheres correspondem a cerca de um terço, sendo que as mulheres afro-brasileiras representam 60% das famílias sem rendimento ou com rendimento mensal inferior a um salário-mínimo (cerca de US$ 180). Já entre as famílias com renda de três ou mais salários-mínimos, a participação das chefiadas por mulheres negras cai para 29%. (p. 12)
Diante do contexto histórico vivenciado por estas mulheres, o dado estático mundial apresentado sobre o nosso país, coloca em 19º no ranking de desigualdade social da Organização das Nações Unidas (ONU), além disso, aparece entre os 10 mais desiguais do mundo, destacando a diferença entre ricos e pobres, ressalta a desvalorização e baixa representatividade da mulher na sociedade brasileira.
Os baixos salários que são direcionados as mulheres é devido á desvalorização do trabalho exercido pelas mesmas é que o sistema capitalista se apropria dessa força de trabalho onerosa e em potencial para regularização dos salários (SAFFIOTI, 2013, p.53)
O posicionamento de SaffiotI (2013), deixa bem claro que o baixo salário é devido à desvalorização da mulher na sociedade capitalista, que potencializa o trabalho do homem. Nessa perspectiva, trata-se diferencialmente a mulher negra, que fica a margem do trabalho qualificado e quantitativo, em relação a homens e mulheres. A imagem da mulher na mídia também é sempre um tema polêmico, particularmente em razão da hipersexualização, objetificação e reforço de estereótipos subalternos, constantemente questionados por organizações feministas (ARAUJO, 2014).
Segundo o Instituto de Pesquisa Ethos, Empresa de Responsabilidade Social (2018), no mercado corporativo brasileiro, somente 5% dos executivos é afrodescendente, quando se fala da mulher negra, o percentual é de apenas 0,4%. Neste contexto conjectura-se que, o baixo salário, e a ocupação de cargos ocupados por mulheres negras, não se dar somente pelo baixo índice de escolaridade, mas também, pelo preconceito racial existente há várias décadas na sociedade brasileira, e produz desigualdades entre homens e mulheres, mulheres e mulheres.
No maranhão, o contexto político e social, não é diferente das demais cidades, observam-se as mulheres negras trabalhando em serviços inferiores ao seu grau de escolaridade, ocupam atividades trabalhistas de domésticas, lavadeiras, vendedoras. Além disso, tem dupla jornada de trabalho, muitas são chefes de família.
“A mulher negra sofre, não é história é fato”. Segundo os dados do Ministério da Saúde de 2012, a mulher negra recebe menor tempo de atendimento médico, comparado ao de uma mulher branca. Esse mesmo estudo aponta ainda que somente 27,0% das mulheres negras tiveram o direito de ter um acompanhante durante o parto, sendo 46%,2% das mulheres brancas, quanto a orientação da importância do alimento materno, 62,5% das mulheres negras receberam essa informação, contra 77,7% das mulheres brancas.
Aponta ainda em Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, revelam que 60% das mortes maternas ocorrem entre mulheres negras e 34% entre as brancas. E, na primeira semana de vida, acontecem, em maioria, entre crianças negras (47% dos casos). Entre as brancas, representam 36%.
Em 2013, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizou um levantamento, no qual 10,6% de pessoas entre 18 anos ou mais de idade, afirmaram já se sentirem discriminadas ou tratadas de maneira pior (inferiores), que as outras pessoas no serviço de saúde, por um médico ou outro profissional de saúde. Das pessoas que se sentiram discriminadas em algum serviço de saúde destacaram-se: as mulheres (11,6%); pessoas entre 30 a 39 anos (11,9%) e de 40 a 59 anos (12,0%); pessoas de cor preta (11,9%) e pessoas de cor parda (11,4%); e as pessoas sem instrução ou com ensino fundamental incompleto (11,8%). Apresentando-se com o maior significativo nas regiões Norte (13,6%) e Centro-Oeste (13,3%).
Quanto à visibilidade na política, de acordo com dados apresentados pelas Mulheres Negras Decidem de 2018, aponta que dos 513 parlamentares, somente 10 são de mulheres negras. No estado do Maranhão, um estudo realizado pelo Atlas da Violência de 2017, demonstrou que de cada
100 pessoas mortas no estado, 91 são de negros, esse mesmo estudo, limitando-se as mulheres em fator racial, para cada, demonstrou que de cada mulher não negra assassinada, oito mulheres negras foram mortas. Das 127 mulheres vítimas de homicídio, 113 eram negras. Fazendo um comparativo durante os anos de 2007 a 2017, o índice de assassinato de mulheres não brancas caiu para 7,7%, e o de mulher negra disparou para 126%.
Mediante tantos confrontos de números e estáticas, não se pode negar o racismo como sendo problema social, então precisa-se ir além da observação e passar a agir sobre esses episódios de descaso.
6. Gêneros, raça e etnia
Assim como o racismo, a categoria (gênero) vem ganhando cada vez mais espaços nos debates acadêmicos, seu entendimento enquanto categoria construída socialmente e politicamente, torna-se parte integrante, e essencial para responder aos questionamentos históricos que envolvem as situações das mulheres.
Gênero na sua forma etimológica vem do latim generu, genere, que significa nascimento, origem. De acordo com o dicionário Aurélio da língua portuguesa, em uma de suas definições, classifica gênero como: “Conceito generalista que agrega em si todas as particularidades e características que um grupo, classe, seres, coisas têm em comum”.
A historiadora, Scott (1989), teórica importante quanto à conceituação de gênero, em seu livro, Gender: a useful category of historical analyses, descreve que:
Na gramática, gênero é compreendido como um meio de classificar fenômenos, um sistema de distinções socialmente acordado mais do que uma descrição objetiva de traços inerentes. Além disso, as classificações sugerem uma relação entre categorias que permite distinções ou agrupamentos separados (SCOTT, 1989, p.03).
A categoria gênero ganha contornos, e múltiplos sentidos ao decorrer da história, e das necessidades de explicação que dela surgem. Para Saffioti:
O gênero está longe de ser um conceito neutro. “Pelo contrário, ele carrega uma dose apreciável de ideologias”. Justamente a ideologia patriarcal, que cobre uma estrutura de poder desigual entre mulheres e homens, pois na visão da autora “[...] o conceito de gênero, não atacaria o coração da engrenagem de exploração-dominação, alimentando-a” (SAFFIOTI, 2004, p. 136).
Durante muito tempo, o termo gênero foi usado apenas para fazer distinção entre o masculino e feminino, ou neutro enquanto categoria biológica. A “priori”, o conceito passa a ser usado de forma para além do biológico por profissionais da psicologia, para fazer uma diferenciação entre seus pacientes entre o biológico, e seus aspectos socioculturais, de modo a compreender o processo de ambiguidade ali presente. Ou seja, o biológico correspondia ao sexo e o gênero ao sociocultural.
Segundo Santos (2013, p.64), de modo algum, o termo “gênero” deve-se limitar a descreve o que é dado socialmente sobre homens e mulheres, pois, visto desta forma, é um conceito limitado e questiona a própria noção de “homem” e “mulher.” Assim sendo, Macedo (2004), com base em Scott (1989), ressalta que o termo gênero começa a ser conceituado a partir das primeiras décadas dos movimentos feministas nos Estados Unidos, nas décadas de 1960 para fazer distinção social entre homens e mulheres nas suas relações sociais:
O conceito gênero foi construído historicamente e está relacionado à constituição do movimento feminista. A questão de gênero toca as noções individuais de masculinidade e feminilidade, o que é ser masculino ou feminino, como educar e ser educado como menina ou menino e construir uma identidade produzida pela cultura e pela sociedade, impregnada de atributos, privilégios e limitações, com explicações para as diferenças baseadas em características biológicas (MACEDO, 2004, p.76).
A partir de então, com a contribuição de conceitos, que emergem com os psicólogos, e passa a ser usado de forma crítica e contributiva pelos movimentos feministas, com o objetivo de entender os desafios vivenciados pelas relações culturais presentes que as limitavam. “As desigualdades e a segregação são consideradas como resultado da construção social e histórica do papel de gênero”. (SANTOS, 2013, p.29). Sendo a desigualdade um dos fatores principais limitantes entre homens e mulheres. Para Scott (1989), entende-se gênero como:
O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres (SCOTT, 1989, p.7)
Consideremos as denominações e compreensão de gênero, atentamos ao debate racial para entender suas complexidades sociais e desiguais.
6.1. Raça
Para Schwarcz (2001), “a raça é uma construção histórica e social.” Inicialmente, na procura de justificar seus fins (atrocidades), busca-se uma teoria para justificar as manifestações ainda presentes do racismo, falhando-se e estabelecendo-se outra forma, o científico. Nessas falhas de justificativas, surgem diferentes teorias a cerca de buscar estabelecer diferenças entre os seres humanos em “especial” (negros e brancos).
Pereira (2003):
A categoria raça, os processos sociais que ela mobiliza e as discussões que motivam no âmbito das relações raciais, quase que se pode dizer que a partir de certo momento (por volta dos meados do século XX) estão ocultos, ou no máximo se esgueiram palidamente, na maioria dos exercícios analíticos em temas ―nobres‖ das Ciências Sociais, como as reflexões em torno de sua própria ontologia e instrumentalização, como a organização do Estado brasileiro, as características das clivagens e das dinâmicas sociais, das interações culturais, da constituição da identidade nacional, etc. (PEREIRA, 2003, p. 152).
De início, para distinguir as diferentes ocupações dadas por pessoas na terra, surgem as primeiras classificações raciais. “O termo raça tem uma variedade de definições geralmente utilizadas para descrever um grupo de pessoas que compartilham certas características morfológicas.” (Santos et al. 2010, p.122).
O sueco, Carolus Linnaeus (Lineu), (1758), durante o século XVII, divide quatro variedades do homem:
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Americano (Homo sapiens americanus: vermelho, mau temperamento, subjugável);
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Europeu (europaeus: branco, sério, forte);
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Asiático (Homo sapiens asiaticus: amarelo, melancólico, ganancioso);
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Africano (Homo sapiens afer: preto, impassível, preguiçoso).
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No século XIX, “raça vai aparecer como uma conotação biológica e cultural gerando pensamentos que se arraigam numa percepção determinista do ser humano.” (PÉRIGO, 2018, p.36). Mesmo que através das crenças seja do barro, macaco ou luz, ainda sim, permanecem-se iguais enquanto seres “humanos”.
Em 1855, ocorre a divisão de raças e suas hierarquias, surgindo à hipótese de que existam raças inferiores e que essas poderiam ser dominadas pelas raças hierárquicas, (racismo científico), em seguida surgem outras teorias como: Evolucionismo, Darwinismo (1870) e Eugênicas (1883). Tais teorias tinham o objetivo de buscar através da ciência, explicações para o racismo.
Munanga (2005), destaca ainda:
Alguns biólogos anti-racistas chegaram até sugerir que o conceito de raça fosse banido dos dicionários e dos textos científicos. No entanto, o conceito persiste tanto no uso popular como em trabalhos e estudos produzidos na área das ciências sociais. Estes, embora concordem com as conclusões da atual Biologia Humana sobre a inexistência científica da raça e a inoperacionalidade do próprio conceito, eles justificam o uso do conceito como realidade social e política, considerando a raça como uma construção sociológica e uma categoria social de dominação e de exclusão (MUNANGA, 2005, p.52).
Por não ter fins científicos, em 1950, A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), sugeriu a substituição do termo “Raça Humana” para “Grupos Étnicos”. Porém, Munanga (2003, p.76), afirma que “A invalidação científica do conceito de raça, não significa que todos os indivíduos ou todas as populações sejam geneticamente semelhantes. Os patrimônios genéticos são diferentes, mas essas diferenças não são suficientes para classificá-las em raças”. A partir destas análises, compreende-se que o seu conceito está ligado à cor e tipos físicos, dando classificações externas, e consequentemente divisão social.
A raça refere-se às diferenças raciais, socialmente reelaboradas, engendradas ou codificadas que são continuamente recriadas e reproduzidas, preservando, alterando, reduzindo, ou mesmo, acentuando os característicos físicos, fenotípicos, psicológicos ou culturais que distinguiriam o branco do negro (IANNI 1978, apud SOUZA, 2005 p.86).
Desse modo, não deixa dúvidas, o entendimento de que, a dominação e exploração ocorrem pelas diferenças. Diferenças construídas, de moda a reduzir o outro.
A noção de que os povos de raça negra desempenharam um papel irrisório na longa e complexa trama da humanidade foi forjada durante o recente período sombrio da História humana, constituída pela conquista das Américas e a escravização dos africanos nestas terras (MOORE, 2007, p.38).
Tal fato, Souza (2005) explica:
Neste sentido, podemos afirmar que o conceito de raça tem sido utilizado como uma necessidade da classe dominante para garantir a reprodução social do modo de produção capitalista, através da dominação e da exploração de uma significativa fração da classe trabalhadora e que estas não podem ser superadas se a organização de uma nova sociabilidade não for proposta. Sociabilidade está tendo como objetivo a emancipação humana, haja vista que a sociedade capitalista tem como um dos seus pilares a diferença para legitimar as desigualdades sociais (Souza (2005, p.53).
Porém, o seguinte trecho apresentado por, Schwarcz (2012), onde ela faz uma ressalva , porque o termo permanecer presente nas escritas e falas:
Diversos autores adotaram as teorias raciais, naturalizando as diferenças e tornando questões políticas e históricas como dados inquestionáveis. No caso do Brasil, o termo “raça” se colocava como conceito, vinculando-se aos destinos da nacionalidade. (SCHWARCZ, 2012, p.20).
Dito isto, compreendemos o termo na sua forma sociológica e histórica, e não biológica. Usada hoje para diferenciar grupos e culturas semelhantes, e não para tentar descrever diferenças para além da étnica.
6.2. Etnia
Historicamente, a palavra etnia significa “gentio”, proveniente do adjetivo grego “ethnikos”. O adjetivo se deriva do substantivo ethnos, que significa gente ou nação estrangeira (SANTO et al. 2010, p.122).
Dentre as divisões do homo sapiens, entre “brancos”, “preto”, “amarelo” e “vermelho”, ocorre uma classificação por diferentes espaços que eles ocupam na terra, sendo assim, dentro de cada uma delas tem as variações de etnias. Logo, etnia corresponde às variedades de indivíduos que agregam entre si conjuntos de atos em comum, como: religião, costumes, valores, língua, cultura, etc. E essas variedades que diferenciam um indivíduo/grupo do outro. Algumas etnias constituíram sozinhas nações. Assim o caso de várias sociedades indígenas brasileiras, africanas, asiáticas, australianas, etc. (MUNANGA, s/d, 2005).
A autora supracitada, destaca ainda o conceito tanto de raça quanto de etnia:
Tanto o conceito de raça quanto o de etnia são hoje ideologicamente manipulados. É esse duplo uso que cria confusão na mente dos jovens pesquisadores ou iniciantes. A confusão está justamente no uso não claramente definido dos conceitos de raça e etnia que se refletem bem nas expressões tais como as de “identidade racial negra”, “identidade étnica negra”, “identidade étnico-racial negra”, etc. (MUNANGA, 2005).
Portanto, mesmo com contradições dos usos dos termos, leva-se em consideração a ideia de diferenciar/designar grupos culturais, pelas suas características existentes, tais como: religião, costumes e tradições.
7. Leis do Racismo
Todo processo na legislação brasileira para chegar à lei do racismo, caracterizou-se como sendo lento e desafiador. O Brasil que conhecemos em suas ações e políticas, sempre se espelhou em atitudes e ações de cenários internacionais, porém, durante a colonização em 1808, quando passam de colônia para reino com chegada da família portuguesa, as décadas do primeiro e principalmente do segundo reinado, o país se viu desafiado, foram necessárias pressões externas, para agir quanto às questões da escravidão ainda forte, ganhando assim uma imagem negativa, estava entre as nações vistas como “não civilizadas”.
Em 1850, o mercado de escravos perde força, ocorrendo assim uma perda no fluxo de escravos no Brasil, sobre muita pressão da Inglaterra, cria-se a lei n° 581, ou lei Eusébio de Queiros, que proibia o tráfico de navios negreiro, sua promulgação ocorre em 4 de setembro, foi o primeiro avanço em lei. Décadas depois, é apresentado e aprovado a lei n° 2.040 na câmera, lei do Ventre Livre, também conhecida como “Lei Rio Branca”, assinada pela princesa Isabel em 28 de setembro de 1871, a lei declara livre todos os filhos de escrava que nascessem a partir daquela data como exposto no art. 1° da lei (NESVES, 2001).
Nota-se que as primeiras leis voltadas para a questão escravista, foram elementos subjetivos, não eram leis que tratavam do total absolutismo, mas apenas fragmentos e lentidão para abrir mão dos escravos. Surge outra lei de destaque, a lei dos sexagenários n° 3.270, de 28 de setembro de 1885, uma lei que teve forte resistência por parte dos senhores de escravos, a lei concebia liberdade aos escravos com mais de 60 anos, e mesmo já sendo improdutivos, muitos senhores não queriam abrir mão de sua mão de obra (NESVES, 2001).
O século XIX foi o passo inicial da organização e convencimento dos senhores de escravos, havia se formado grupos de abolicionistas com membros por políticos e intelectuais da época, criando um clima tenso e frustrante para os senhores, pois o grupo proporcionava fugas constantes de escravos, aumentando assim o número de quilombos, com as frequentes ações de fugas de escravos, muitos resolvem abrir mão do processo de escravidão, mas ainda houve resistência por parte de alguns.
A grande pressão exercida por escravos fugitivos e rebeldes, apoiados pelos abolicionistas, sem dúvida nenhuma influenciou o governo a promover a abolição da escravidão. No senado alguns políticos também discursaram em favor da liberdade. Até mesmo na Corte essa ideia tornou-se viável, em particular, pela princesa Isabel, que acabou assinando, em 13 de maio de 1888, a lei que colocava um fim no sistema escravista, sem o pagamento de indenização, contrariando os proprietários (MATTOS, 2012, p. 150).
Sendo assim, cedendo às pressões inglesas, em 11 de maio de 1888 foi votado e aprovado a lei n° 3.353, Lei Áurea é sancionada pela princesa Isabel, filha de D. Pedro II, dois dias depois em 13 de maio de 1888, declarando assim a extinção da escravidão no Brasil.
O processo de abolição não pode ser resumido ao 13 de maio de 1888. Por trás da data histórica, o comportamento da população negra no país mostra a existência de uma realidade muito mais complexa. Por um lado, antes mesmo da abolição, ser negro já não significava mais exatamente ser escravo. Pesquisas recentes apontam que apenas 5% do total da população negra ou parda do país era escrava às vésperas da extinção da escravidão (ALMEIDA, 2006, p.43).
Mas isso não significava a inclusão do negro no corpo social, nem seu reconhecimento como sujeito integrante ou detentor de direitos. Trata-se de contorno de boa aparência do cenário brasileiro para o exterior, um novo padrão produtivo surgia, e havia necessidades de mudanças do cenário como afirma Almeida, 2006:
Por outro lado, a tão famosa Lei Áurea assinada pela princesa Isabel não significou a igualdade em termos de inclusão e cidadania para negros e ex-escravos, ainda que as diferenças não fossem registradas pela legislação, pelos códigos e regulamentos institucionais de maneira geral a partir dessa data. Para muitos negros, pardos e outros, o lugar social marcado inicialmente pela escravidão não seria modificado em pouco mais de um século e algumas gerações (ALMEIDA, 2006, p.38).
Porém, nunca é tarde para fazer a coisa certa, entretanto, o atraso do país em libertar os escravos, custou caro para a população negra, deixando os negros a mercê de tudo, principalmente da desigualdade e descriminação. Não restam dúvidas que todo esse processo lento do Brasil, colaborou para fortalecer e enraizar a aversão ao outro. Os negros foram capturados, retirados de sua terra, espancados, humilhados e mesmo libertos, o sofrimento não teve fim, o racismo perseguia o negro, impedindo, mesmo depois de libertos de resgatar sua cultura, suas vidas de forma digna. Ainda havia muita repulsa aos negros, pardos e mestiços (SANTOS; ALVARES, 2019).
Houve pressão de todos os lados para que houvesse o fim da escravidão, principalmente da própria sociedade, e esta mesma sociedade que buscava a extinção da escravidão, era a mesma que fortaleciam o racismo, negava-se a integrar e aceitar os negros. O racismo foi até mesmo reforçado com a chegada de alemães, italianos e outros povos europeus, que mantinham rígida distância dos afrodescendentes (MONSMA, 2010).
Era notória a persistência da prática do racismo. “Na ausência de qualquer programa de integração dessa população pobre e praticamente analfabeta, boa parte desse contingente de cidadãos e seus herdeiros permaneceu excluída dos bens materiais e culturais durante muitos anos” (ALMEIDA, 2006 p.76), a necessidade de incluí-los, porém, no que diz respeito à lei, nada foi feito durante os anos de 1888-1950, demora exatos 63 anos para criação de uma lei que se trata da questão da descriminação e injúria racial presente em todo contexto social da época. A Lei Afonso Arinos ou Lei 1390 de 3 de julho de 1951 constava apenas como previa punição, não definia como crime os atos de descriminação e injúria racial no Brasil, ou seja, somente como contravenção penal.
A Lei, não foi suficiente para inibir a prática do racismo, pessoas, “homens de cor”, ainda eram impedidos de frequentar ou ocupar dados espaços, principalmente os estabelecimentos públicos em virtude da sua raça. Logo, no ano de 1985, entra em vigência a Lei 7.437, que define como crime o impedimento de acesso a estabelecimentos públicos em virtude de raça, cor ou sexo.
Nessa perspectiva de começo do entendimento de todo um processo, observação de uma totalidade, principalmente da questão social e suas expressões, busca-se um novo olhar, um olhar mais severo quanto à prática do racismo, uma vez que a prática do racismo persistia em todos os ambientes: escolar, em hospitais, restaurantes, aeroportos, faculdades, etc.
Em 1988, com grande participação social, principalmente de movimentos sociais das minorias que surgem em 1930 durante a Era Vargas, ocorrem mudanças no cenário brasileiro, não somente para os negros, mas para todos aqueles que de certa forma eram excluídos, principalmente no âmbito do direito. Nasce à constituição cidadã, em cinco de outubro de 1988, tem como principal característica a democracia. Trazendo pontos importantes da questão dos direitos fundamentais no seu art. 5°–“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes” (BRASIL, 1990).
Outro ponto importante da constituição federal, foi a criminalização da prática do racismo, na busca de uma sociedade igualitária, estabelece-se no art. 5º, XLII, da CF, que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (BRASIL, 1990).
A Lei 7.716 (Caó.), de 5 de janeiro de 1989, vem definir os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, é uma nova roupagem da Lei Afonso Arinos, deixando de ser apenas uma contravenção penal e passa a ser crime sujeito a punições da lei.
[…] o que chama a atenção na Lei 7.716 [que criminaliza o racismo] e na sua interpretação, tal como feita pelos Juízes de Direito em suas sentenças, é que o ato de racismo era conceituado como se limitando a um ato de segregação e de exclusão. […] Ora, o problema consiste exatamente no fato de que tais formas de discriminação segregacionista são residuais no mundo atual e, quando exercidas, o são de modo sutil, disfarçando-se o motivo racial sob alguma transnominação ou tropo (GUIMARÃES, 1998, p. 36).
A lei foi resultante de pressões populares de diferentes grupos de movimento negro, mas que buscavam o mesmo ideal, a “criminalização” do racismo. Foi assinada pelo então presidente da República, José Sarney. A Lei passou a ser conhecida como Caó, apelido do autor do projeto de lei, Carlos Alberto Caó de Oliveira (o ex-deputado Caó), que era militante do movimento negro.
A partir daí, o cenário brasileiro nesse momento, assim como no momento da abolição, ocorre um sentimento de liberdade e esperança de mudança e exigência de respeito para com os negros que configuram o cenário brasileiro. Partindo desde pressuposto, pode-se compreender que essa concepção de prática (escravidão e racismo), implica até agora em processo de exclusão social dos negros, uma vez que carrega esse processo cheio de interesses, que deixou como consequência a desigualdade, difícil de superação e equiparação.
Mesmo com a lei, de criminalização da prática do racismo, pode-se notar ainda um abismo no que se refere à igualdade racial. O Atlas da Violência de 2017 aponta que a cada 100 pessoas vítimas de homicídio no Brasil, 71 são negras, um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado também no ano de 2017 sobre a desigualdade racial no país, mostram que ainda há uma grande desigualdade racial no país. Em 2016, a taxa de analfabetismo entre os brancos era de 4,2%, ante 9,9% entre negros e pardos. Esse mesmo estudo aponta no terceiro trimestre de 2018, a taxa de desocupação registrada entre a população branca que era de 9,4%, bem abaixo daquela observada entre negros (14,6%) e parda (13,8%).
[...] é evidente que só será possível diminuir problemas decorrentes dessas questões raciais se recorreu ao conhecimento histórico, direcionando os conteúdos históricos, direcionando os conteúdos escolares para um objetivo concreto, que deverá ser para a desconstrução do preconceito racial- desconstrução esta que deverá estar fundamentada nos dados históricos e nos dados atuais (SILVA. G.F., s/d).
Apesar da criação do crime de racismo, ainda não é dada a relevância necessária para tal Lei, Santos (2010), ressalta que a lei foi tão detalhada quanto ao crime, que não leva em conta outras atitudes racistas, fazendo com que, muitos dos atos fiquem impunes.
Embora o crime de racismo ser declarado como crime inafiançável, a lei do racismo ainda é pouco executada, já a de injúria racial, é o que mais abrange processos no Brasil, para melhor compreensão a diferença entre racismo e injúria, apresentam-se os respectivos conceitos. Santo (2015), descreve injúria como uma ofensa contra uma única pessoa, atingindo-lhe o decoro e a percepção que ela tem de si mesma, caracterizando a chamada ofensa à honra subjetiva. A injúria pode ser: imediata; mediata; direta; indireta ou reflexa; explícita equívoca (SANTOS, ÁLVARES, 2019).
É imediata quando é manifestada pelo próprio agente; mediata não é proferida pelo agente, mas por meio que o reproduza; direta, se o agente se referir ao próprio ofendido; indireta, quando ao ofender alguém, atingir também a terceiro; explícita, quando não deixa margem para dúvidas; e equívoca quando é vacilante ou incerta (BITENCOURT, 2012 apud SANTOS, ÁLVARES, 2019).
O racismo se compreende como uma forma de ofensa contra um grupo de pessoas por causa de sua cor. Quanto a injuria racial e racismo:
Figura 1. Características da Injúria Racial e Racismo
Fonte: (JUSBRASIL, 2016)
Trazendo-se a tabela para o cotidiano, os casos reconhecidos do teor racista principalmente do que diz respeito ao xingamento, reconhece-se no âmbito jurídico apenas como injúria simples. A injúria simples é aquela levada a cabo através de gestos, palavras, atitudes, praticada por meios idôneos para manifestar o pensamento. Ignoram-se o elemento racial que envolve o conflito, considerando-se apenas crime contra a honra (SANTOS E ÁLVARES, 2019).
Conduzindo o contexto para o dia a dia, o tratamento desigual com grupos e pessoas é comum para o sistema penal, o negro sempre foi vulnerável em toda camada social. Na verdade, o sistema penal ainda é seletivo e própria ferramenta de rotulação, fazendo com que muitas das vezes as ações praticadas de racismo inicia-se dentro do poder de “proteção”, e geralmente são os crimes que ficam sem soluções e impunes.
O direcionamento das ações define as práticas. No Brasil, atualmente as práticas de racismo vem cada vez mais se revelando, o ódio ficando evidente e a impunidade que ocorrem em inúmeros casos. Sendo assim, é necessário a determinação e firmeza das vítimas em levarem processos adiante, na maioria dos casos as indenizações são exigidas, visto que, mexer com o bolso muitas das vezes é uma solução viável para combater o racismo no país.
8. OS MOVIMENTOS FEMINISTAS E A PARTICIPAÇÃO DA MULHER NEGRA
“Não fomos vencidas pela anulação social, Sobrevivemos à ausência na novela, no comercial; O sistema pode até me transformar em empregada, Mas não pode me fazer raciocinar como criada; Enquanto mulheres convencionais lutam contra o machismo, As negras duelam pra vencer o machismo, O preconceito, o racismo”.
Yzalú
Como se deu os primeiros movimentos feministas? Porque o feminismo negro surge? Quando abordar-se em feminismo, atinamos pelos primeiros movimentos famosos, primeira e a segunda (onda), no final do século XIX, e começo do século XX, que buscavam o direito ao voto e romper com padrões históricos das sociedades.
Os pilares iniciais para o movimento do sufrágio se dão no final do século XVIII, com a França, após a revolução francesa e surgimento da expressão “feminismo” e “feminista” em 1872, e com a Nova Zelândia, primeiro país a proporcionar o voto das mulheres. O direito de sufrágio é exercido por meio do direito do voto, ou seja, o direito de voto é o instrumento de exercício do direito de “sufrágio” (MORAES, 2003, p.235).
A Nova Zelândia, a partir da insistência e liderança de Katherine Wilson Sheppard (Kate), como era conhecida nos movimentos, é se torna o pioneiro dos países, a assegurar o direito do sufrágio feminino no final do século XVIII, garantindo assim, a participação feminina nas decisões políticas a partir do voto em 1893, e depois à Finlândia em 1906.
Sendo um marco importante, o movimento político, ganha destaque visível na Inglaterra em 1897, as mulheres colhiam em suas lutas aos poucos o direito ao voto sem distinções. “As sufragetes, como ficaram conhecidas, promoveram grandes manifestações em Londres, foram presas várias vezes, fizeram greves de fome”. (PINTO; 2010 p.15). As militantes inglesas fundam a União Nacional pelo Sufrágio Feminino, de início, o movimento ainda não era tão forte, pois contavam com a participação de estudantes e mulheres de classe media e alta-mulheres burguesas, (movimento feminista liberal), somente em 1903, com a criação da fundação – União Social e Política das Mulheres - Women’s Social and Political Union (WSPU), se integra a participação das demais mulheres, é que o movimento ganha intensidade e força. Em 1913, uma militante do movimento feminista, Emily Davison, tem morte cerebral após se atirar frente ao cavalo do rei Jorge Frederico (Jorge V). Após anos de luta, em 1918 conseguem o direito ao voto.
A partir de então, o movimento feminista começa a se espalhar e se desenvolver principalmente na Europa e EUA, na Europa o movimento do sufrágio se misturava a outras pautas sociais como os movimentos dos operários. Nesta fase há a solidificação de correntes políticas entre os movimentos, como: a liberal, a anarquista, a socialista e a conservadora (cristã) (RODRIGUES 2001, apud BETTENCOURT, 2015, p. 199).
O direito ao voto, em primeiro momento era o foco central dos movimentos, algo que hoje pode-se achar simples, mas difícil de ser almejado para a época, o direito ao voto é concedido inicialmente na Nova Zelândia em 1893, depois Finlândia (1906), Inglaterra (1918), Suécia (1918), EUA (1919),
Equador (1929), França (1945), Suíça (1971) África do Sul (1993), etc. Ainda no século XXI, mulheres lutam por esse direito, na Arábia Saudita, por exemplo, somente em 2011 que se concede o direito ao voto feminino.
Fim do século XIX no Brasil, as principais contestações em movimentos de lutas das mulheres, era pela educação feminina, abolição e o voto. Ressaltando-se que os movimentos permanecem até então, formados por mulheres consideradas (burguesas), de classe média e alta, que desafiavam o novo regime, que buscavam o direito também de acesso ao mercado de trabalho.
Carneiro (2003, p.69) ressalta, “Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram, que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar!”. Durante o processo de escravidão, não tinha distinção entre homens e mulheres quanto se tratava do trabalho, era exigido da mulher negra a mesma produtividade que o homem, como afirma Santos (1980, p.59), “Da mulher negra, era esperado o mesmo rendimento na lida das lavouras, minas e engenhos de açúcar, além de servirem nos trabalhos de dentro de casa e ruas dos centros urbanos”.
Em 1910, a reivindicação pelo voto fica mais forte com a bióloga Bertha Lutz, uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPA), no Rio de Janeiro em 1922. Segundo Pinto (2010, p.16), “[…] em 1927, um abaixo-assinado ao Senado, pedindo a aprovação do Projeto de Lei, de autoria do Senador Juvenal Larmartine, que dava o direito de voto às mulheres […]”. O direito ao voto das mulheres ocorre em 1932, durante o governo de Getúlio Vargas, com o Decreto nº 21.076, no entanto, havia algumas restrições, revistas somente em 1934.
Desde 1890, que o Brasil já tinha apresentado indícios de discussões quanto à participação das mulheres, perde a chance de ter sido o primeiro após rejeição de um projeto, uma emenda constitucional. Na segunda metade das décadas do século XX, ocorre a segunda onda, conceituando gênero na sua forma crítica, e questionando o modelo de sociedade no qual as colocava no processo desigual, principalmente no mundo do trabalho.
Pinto (2010, p.16), ressalta como se inicia a segunda onda do feminismo:
No decorrer destes trinta anos um livro marcará as mulheres e será fundamental para a nova onda do feminismo: O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, publicado pela primeira vez em 1949. Nele, Beauvoir estabelece uma das máximas do feminismo: “não se nasce mulher, se torna mulher”. (PINTO; 2010 p.16, grifos do autor),
A obra da filósofa francesa Simone de Beauvoir, torna-se um clássico feminista, pois, é a partir dele que as mulheres começam a entender o processo desigual de gênero na sua perspectiva crítica. Logo depois, a líder feminista Betty Friedan cria e lança um livro em 1963, com o título ‘The Feminine Mystique’, (A mística feminina), se tornando impulsor do movimento feminista do século XX. O feminismo aparece como um movimento libertário, que não quer só espaço para a mulher – no trabalho, na vida pública, na educação […]. (PINTO, 2010, p.16).
Carneiro, (2003):
Quando falamos em romper com o mito da rainha do lar, da musa idolatrada dos poetas, de quais mulheres estamos falando? As mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres que não são rainhas de nada, que são retratadas como antimusas da sociedade brasileira, porque o modelo estético de mulher é a mulher branca. Quando falamos em garantir as mesmas oportunidades para homens e mulheres no mercado de trabalho, estamos garantindo emprego para que tipo de mulher? Fazemos parte de um contingente de mulheres para as quais os anúncios de emprego destacam a frase: “Exige-se boa aparência” (CARNEIRO, 2003, p.50).
No Brasil, em 1960, acontece à segunda onda do feminismo, onde começa a aumentar a participação das mulheres nas ruas, em 1964 ocorre à ditadura militar, se torna um cenário de muita repressão, impossibilitando qualquer forma de organizações política, ocorreu assim, uma série de violações de direitos, se tornando um lugar terrível principalmente para grupos minoritários como: negros, índios e população LGBT, foi o período mais conservador da história.
“O regime militar via com grande desconfiança qualquer manifestação de feministas, por entendê-las como política e moralmente perigosas”. (PINTO, 2010, p.17). Durante esse processo, as mulheres sofreram com abusos sexuais, psicológicos, perseguições e várias outras formas de violência que se era autorizado usar durante o regime. Em 1968, com o aumento de pessoas desaparecidas, principalmente jovens, surge o grupo conhecido como União Brasileira de Mães.
Em 1970, as mulheres após muita resistência, voltam a se organizar socialmente e politicamente, em 1975, surge o Movimento Feminino pela Anistia (MFA), tinha as mulheres como principais articuladoras do movimento, principal criadora e líder, Therezinha de Godoy Zerbini (1928-2015). A partir de então, outros grupos formados por mulheres começam a surgir, e a atuar em militância contra o governo, a favor das mulheres principalmente nos estados de São Paulo - SP, Rio de Janeiro - RJ e Salvador - BA. A Organização das Nações Unidas (ONU), decreta no mesmo ano (1975), “Ano Internacional da Mulher”. Em 1978, cresce a participação feminina também em sindicatos devido ao acesso crescente ao mercado de trabalho.
Na década de 1980, a luta pelas mulheres fica mais forte, começa a debater e se formar principalmente com as mulheres acadêmicas, e lutar junto a outros grupos sociais, o país encontrava-se na sua fase de redemocratização. Em 1985, é criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), que tratava das descriminações sofridas pelas mulheres.
Crenshaw (2002), ressalta grupos formados pelas comunidades durante esse processo:
Mulheres de comunidades que são raciais, cultural ou economicamente marginalizadas têm se organizado ativamente, em pequena ou grande escala, a fim de modificar suas condições de vida. Para isso, enfrentam não só alguns obstáculos que as mulheres de elite também enfrentam como também outros problemas que lhes são exclusivos (CRENSHAW, 2002, p. 181).
Durante todo esse processo de luta, desde os primeiros movimentos políticos das mulheres no cenário internacional e brasileiro, nota-se a invisibilidade da mulher negra dentre esses processos. No Brasil, a mulher negra começa a não se sentir representada durante o processo de redemocratização, de um lado se encontrava os movimentos negros, e do outro o das mulheres, que a priori, sempre em sua descrição história é formada por mulheres estudadas, brancas privilegiadas principalmente economicamente e socialmente.
Existe uma faixa invisível que separa as diferenças de gênero e ético-racial no Brasil. De um lado, encontra-se a questão racial que exclui e segrega a mulher negra, do outro lado, ficam as questões de gênero, que sofrem constantes impactos do outro lado da linha. Em outras palavras, quando se trata da mulher negra, não se pode deixar de analisar sempre em duas vertentes, a questão do gênero e cor.
Dito isto, Carneiro (2003), em seu artigo, Enegrecer o Feminismo: a situação da mulher negra na América latina a partir de uma perspectiva de gênero. Cita a questão da fragilidade feminina:
Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estão falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis (CARNEIRO 2003, p.12).
Analisando discussões do feminismo e sua “origem”, pode-se dizer que ali foi o ponto central de lutas sociais e políticas? As mulheres sempre foram invisibilizadas, mas, ao falarmos da mulher negra, ela é inexistente na história. Vale ressaltar, que a luta da mulher em busca do respeito, igualdade e sua liberdade, iniciou-se desde sua travessia bruta e forçada, retirada do seu corpo social, sua alma e cultura do seu continente para domínio do homem. Ou seja, antes mesmo do surgimento do termo feminismo, e antes mesmo dessa valorização dos movimentos políticos ao redor do mundo, a mulher negra já lutava por algo simples, sua “Liberdade”.
Cristina; Tristan (2018) fazem uma reflexão quanto o papel da mulher negra ao longo da história:
Apesar de ainda ser desconhecida pela ampla maioria da população, a história do povo negro é uma história marcada pela resistência, na qual as mulheres negras cumpriram um papel fundamental: com fugas, formação de quilombos, envenenamento de senhores, busca por um ritmo de trabalho menos árduo, formação de laços afetivos e comunitários de apoio, entre outros; mas também pela ousadia daquelas que se atreveram a fazer a Revolução Haitiana, a lutar pela liberdade na guerra civil norte-americana ou participar dos milhares de quilombos no Brasil (CRISTINA; TRISTAN, 2018, p.76).
Como afirma Saffioti (1986, p. 105 apud Bittencourt, 2015, p. 198). “Em nenhum país do mundo pode-se falar em feminismo no singular”. Em meados do século XIX, ocorria no Brasil várias contestações políticas e sociais, revoltas como de Malês em (1835), Balaiada (1838) e Cabanagem (1835 a 1840). Nessas revoltas, as mulheres negras se faziam presentes e determinadas a lutar.
Falar da mulher escrava no período de extrema opressão a população negra é penetrar no universo de quem viveu a experiência de ter tido sua identidade invisibilizada, ter sido submetida à violência, mas também destacam suas ações de resistência ao sistema (SILVA, 2010, p. 01).
Quanto às representatividades negras, ressalta-se que não foram poucas durante o período colonial, e período Monárquico do Brasil. Uma história esquecida por muitos, pois há quem não conheça Dandara, Luiza Mahíne, Tereza de Benguela, e tantas outras mulheres símbolos de luta durante o período colonial no Brasil, porém, muitas passaram despercebidas e esquecidas.
Lopes; Loureano (2016):
Ao mencionar a mulher escrava, resgata-se um período de extrema opressão à população negra, no intuito de investigar o universo de quem viveu a experiência de ter sua identidade inviabilizada e ser submetida à violência. Mas, também, destacam-se suas ações de resistência ao sistema escravista. (LOPES; LOUREANO, 2016, p.73).
Bittencourt (2015) destaca:
[…] É falsa a afirmação de que há um histórico do movimento feminista, mas sim uma síntese hegemônica de determinado período que caracteriza o enfoque dos diversos movimentos feministas, em que cada um assume uma posição política demarcada e delineia determinada estratégia. (Bittencourt, 2015, p. 198).
Em 1888, ocorre a abolição da escravidão, enquanto isso, no mundo as mulheres brancas estavam sendo representadas em atividades sociais e políticas, enquanto a negra permanecia esquecida politicamente e socialmente.
Esse domínio de exclusão revelam as consequências coercitivas com reguladores dessa construção, mesmo quando a construção é elaborada com propósitos emancipatórios. Não há dúvida, a fragmentação no interior do feminismo e a oposição paradoxal ao feminismo por parte de “mulheres” que o feminismo afirma representar sugerem os limites necessários da política da identidade (BUTLER, 2013, p.22).
Esse debate de gênero e étnico-racial começa a ser observado, e contestado com as feministas norte-americanas, durante as décadas de 1960, começam a formar grupos em resposta ao sexismo, e para falar das problemáticas vivenciadas pelas mulheres negras.
As feministas norte-americanas foram pioneiras na incorporação do tema das diferenças em suas abordagens, ocupando-se em discutir a presença do racismo, bem como o entrecruzamento entre gênero, raça e classe como elemento representativo das diferenças nas experiências das mulheres. (SILVA e BARBOSA 2008, apud, BARBOSA, 2010, p.01).
O século XIX, foi o grande destaque das lutas sociais e políticas das mulheres, porém desvalorizava outro movimento, e não integrava as mulheres negras. A partir de então, começa a construção de uma nova crítica para além do gênero. Em 1851, durante os movimentos sufragistas, a ex-escrava Sojourner Truth, durante seu discurso, questiona os movimentos, ao notar que nem as negras, nem os seus direitos estavam sendo notados. Na sua fala “Não sou uma mulher?”, pode-se notar tão quão despercebidas e excluídas estavam. “As desigualdades de gênero e raça são eixos estruturantes da matriz da desigualdade social no Brasil que, por sua vez, está na raiz da permanência e reprodução das situações de pobreza e exclusão social” (ABRAMO, s/d, p.40).
Outras mulheres que também fizeram crítica a parte dessa perspectiva, e tiveram um papel fundamental para colocar em pauta os dilemas vivenciados pelas mulheres negras no século XIX, foram Maria W. Stewart (1803-1879), Anna Julia Cooper (1858-1964) e Ida B. Wells-Barnett (1862- 1931).
No Brasil, os primeiros movimentos negros feministas, aparecem no final da década de 1970, mas só ganham destaque oficialmente em 1980, com a notoriedade, e um ponto importante, que foi a criticidade ao perceber que não estavam sendo representadas nem no Movimento Negro, e nem do Movimento Feminista, ocorrendo assim, uma divisão quanto sua representatividade levando em conta a perspectiva de gênero e raça.
Como afirma Gomes:
O movimento negro desconsiderava o machismo como peça na engrenagem da dominação capitalista. O movimento feminista, por sua vez, ignorava a existência do racismo. Por esse motivo, as mulheres negras perceberam que, mesmo estando presente nas lutas sociais havia uma ausência da percepção de gênero nas discussões, reflexões e proposições de superação do racismo, bem como uma ausência de raça na luta pela igualdade de gênero. (GOMES, 2008,).
Os movimentos negros feministas, surgem para colocar em pauta os problemas vivenciados pelas mulheres negras através das ações no âmbito político, pensar na vida destas mulheres, e busca-las na história, é compreender que a questão de gênero e raça fez emergir um cenário de luta e resistência da mulher negra, de início dentro das senzalas e casarões. Faz-se entender as contradições e diferenças sociais que colocaram essas mulheres distantes das escolhas e preferências.
Final da década de 70, nas regiões do Norte e Nordeste, começam a surgir grupos de modo a promover ações feministas, em Recife surge a Ação Mulher (1978), em João Pessoa é criado o Centro da Mulher (1979) e em São Luís-MA, Grupo de Mulheres da Ilha (1980). Uma vez que, durante um longo processo de luta as mulheres engajadas na questão de sua valorização e igualdade, foi deixada a retratação da sua cor, não consideraram todas as mulheres, mas, houve uma segregação, exclusão, classificação, escolha e desvalorização de outras, “as mulheres negras”.
Em 1988, na cidade do Rio de Janeiro, ocorre o primeiro encontro nacional de mulheres negras (ENMN), que contou com a participação de 450 mulheres negras de diferentes estados. Colocam suas demandas, começam a entender que também podem fazer parte politicamente, e dominar junto aos outros movimentos sociais. Trazem pautas e outras contribuições a partir das pluralidades de sujeitos que podem lutar contra o racismo, violência, desigualdade, e tantas outras formas de opressão sem fazer a distinção e individualização.
O negro do “feminismo negro” inscrevia uma multiplicidade de experiências ainda que articulasse uma posição particular de sujeito feminista. Além disso, ao trazer para o primeiro plano uma ampla gama de experiências diaspóricas em sua especificidade tanto local quanto global, o feminismo negro representava a vida negra em toda sua plenitude, criatividade e complexidade (BRAH, 2006, p.357).
A partir daí, o movimento se constitui no cenário acadêmico, ganhando intelectualidade e sendo compreendido na sua forma ampla, “enegrecendo o feminismo” é a expressão que utiliza-se para designar a trajetória das mulheres negras no interior do movimento feminista brasileiro (CARNEIRO, 2003, p.118).
Como afirma Assis (2015):
A interpretação que damos a este pensamento é que resistência é parte intrínseca da identidade negra feminina, já que as experiências de desfavorecimento social, politico, econômico e cultural vem fazendo parte de seu cotidiano desde a travessia transatlântica. Sendo assim, a categoria mulher negra é histórica e a luta contra as desigualdades que as permeiam é secular. (ASSIS, 2015, p.05).
Vale ressaltar, que o feminismo no seu geral, significa luta contra as desigualdades, separar hoje as lutas talvez não seja o ideal, a separação pode se significar fragilidades. Mas pode-se, dentro das pluralidades dos movimentos, lutar por diferentes individualidades e especificidades de grupos.
O antirracismo precisa principalmente do fortalecimento, vínculos com todas as esferas, porque não basta só conhecer, é preciso combater, para isso, inclui a ajuda do negro e do branco.
No Maranhão, Souza (2018), busca o início dessa construção de luta da mulher negra na militância e formação de grupos que viessem tratar de questões própria da mulher negra no Estado, com a necessidade de trabalhar a história, algumas militantes de grupos do movimento negro se afastam, propiciando ao surgimento de grupos específicos de mulheres:
Muitas mulheres negras ajudaram a construir cotidianamente a luta antirracista e o movimento de mulheres negras no Maranhão, a exemplo de Silvia Cantanhede, Maria Lúcia Gato, Lúcia Dutra, Silvia Leite, Paula Balthazar e tantas outras. Relembrar o surgimento do Grupo de Mulheres Negras do Maranhão é, sobretudo, compreender as lutas e proposições das mulheres que problematizaram as necessidades das mulheres negras do estado, fomentando discussões dentro das políticas públicas. (SOUZA, 2018, p.164).
A partir de então, grupos se formaram como: Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa, Grupo de Mulheres 8 de Março, e Viva Maria, grupos que hoje formam uma rede de diálogo, como afirma Souza (2018, p.123), […] “trocas uma vez que os problemas da coletividade (diversificada), hoje já não são mais vistas como assunto individual de um único grupo, mas sim de todas aquelas que vivenciam os conflitos das relações de gênero na sociedade maranhense!”.
9. Identidades Negras Femininas
Não se pode falar da identidade negra, sem antes abordar sobre o continente africano, pois, constitui-se parte da sua história com o Brasil. Considerada como berço da humanidade, “A mais marcante das singularidades africanas é o fato de seus povos autóctones terem sido os progenitores de todas as populações humanas do planeta, o que faz do continente africano o berço único da espécie humana.” (WEDDERBURN, 2005, p 06).
Como explica Moore (2007):
O fenótipo de uma espécie desenvolve-se ao longo de complexos processos nos quais as mutações genéticas randômicas favoráveis são fixadas pela seleção natural. As taxas elevadíssimas de melanina nos primeiros representantes do gênero homo são um bom exemplo de uma solução evolutiva e adaptativa nas latitudes subequatoriais, onde o bombardeio de raios solares e ultravioletas era muito intenso e muito provavelmente tornou inviável a existência de hominídeos brancos durante longo período da humanidade (MOORE, 2007, p.36).
O autor Wedderburn (2005, p 06), ressalta ainda em sua crítica, a forma pejorativa que os historiadores fazem ao se referir ao continente Africano e o impacto negativo:
O chamado ‘continente negro’– como é designado o continente africano, ainda que nenhum historiador tenha se referido à Europa como continente “branco” ou à Ásia como o continente “amarelo” – foi transformado, durante um período de um milênio, num verdadeiro terreno de caça humana e de carnificina. O impacto negativo cumulativo dessa realidade sobre o desenvolvimento econômico, tecnológico, político, demográfico, cultural e psicológico dos povos africanos está ainda por ser determinado. Mas as complexas interconexões existentes entre as singularidades apresentadas e a visão depreciativa que permeia tudo o que se refere à herança histórica e cultural dos povos africanos já começam a aparecer (WEDDERBURN, 2005, p. 10)
O continente africano delimita-se pelo oceano Atlântico e Índico, sendo o segundo continente mais populoso, e o terceiro mais extenso. Possui cinco países que devido o processo de colônias portuguesas, tem o português (Lusófona) como uma das línguas oficiais, assim como: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe.
Formado não um, mas vários grupos e etnias com suas múltiplas culturas, religiões e línguas. Apesar de ter dado início a história humana, limitou-se ao seu processo de escravidão para diferentes países, estima-se que cerca de 20 milhões de filhos da África, passaram pelo processo de migração forçada para enriquecer outros continentes. No Brasil estima-se que durante todo esse processo, tenham chegado até 1850, mais de quatro milhões de Africanos, fazendo do Brasil a maior população negra fora da África.
São veladas algumas formas de racismo no Brasil, é a “boa aparência”, “o bom cabelo”, “o tom da pele”, são coisas simples que muitas das vezes passam despercebidas em nosso cotidiano, padrões estabelecidos que fortalecem o preconceito e a discriminação.
Partindo dessas análises precisamos entender que as experiências das mulheres negras escravizadas devem ser levadas em conta na hora de escrever a história da escravidão e do próprio país, pois o conhecimento de suas experiências, suas estratégias de sobrevivência e de mobilidade social, não apenas permite que a história das mulheres seja vislumbrada num aspecto mais amplo, como torna possível uma revisão crítica da escrita histórica (SILVA, 2010, p.02).
A mulher negra sofre em duas vertentes, “ser mulher” e o “ser negra”, tendo que enfrentar em seu cotidiano, dificuldades, diferenças e violência pelo fato de ser mulher, e a discriminação pelo seu tom de pele, cabelo, nariz, boca e outros. Compreende-se que no Brasil, o racismo gira em torno da aparência, você pode ter mãe branca, mas se sua aparência condiz em tom de pele escura, você vai sofrer por isso. Nesse ínterim, inicia-se uma discussão acerca destas formas de classificar quem você é, sabemos que o Brasil é miscigenado, então como classificar as pessoas? Como se identificar?
Freire (2019):
No Brasil, é sempre uma confusão: meu pai é branco, minha mãe é negra, tenho a pele clara e o cabelo crespo. Ou, meu pai é negro, minha mãe é branca, meu cabelo é cacheado, minha pele é clara e meu nariz é bem arredondado. Pele branca, pele negra… pele meio a meio… como o mundo te define e como você se define no mundo? O que é a identidade racial de uma pessoa? Afinal, o que eu sou? Essa incerteza de pertencimento é muito mais comum do que se imagina. (FREIRE, 2019)
Mas se atentarmos na forma em que esse processo de mistura ocorreu há séculos, Collins (2017, p.23), ressalta que, “A miscigenação, resultante dos estupros na escravidão, projeto de embranquecimento no pós- abolição e dessa subjetividade fluída que não explicamos exatamente, mas constrói relações inter-raciais, criou toda confusão do assumir ser negro.” “Negro” não é uma categoria de essência numa direção à homogeneidade, existe um conjunto de diferenças históricas e experiências que devem ser consideradas e que localizam, situam e posicionam o povo negro (HALL, 2003, p.345).
A política do branqueamento junto às teorias racistas fortaleceu o cenário desigual já presente, o Estado, principal ator e responsável por fortalecer a discriminação racial, e a população negra, que hoje tem que desfazer esse processo construído durante anos.
“Não ser negro, sendo-o, implica em querer ser branco.” (INOCENCIO, 199, p.30). A aceitação da pele, da identidade racial ainda é uma questão a ser debatida, são mulheres que sofrem todos os dias, mas não compreendem o porquê isso ocorre, conjectura-se que provavelmente têm total entendimento de tal fato, mas não aceitam devido à negação de sua identidade, por se encontrar em uma sociedade que exige certos padrões de beleza e comportamento.
O tornar-se negro enquanto uma construção social e individual se materializa na concretude de sujeitos sociais, dotados de identidade, corporeidade e memória. Esses sujeitos, ao se relacionarem com o mundo, o fazem a partir de uma diferença que não é só cultural e histórica, mas está inscrita num corpo, na cor da pele, nos sinais diacríticos que, mesmo sendo transformados por meio de uma intensa miscigenação, continuam carregados de africanizado (GOMES, 2002 p.42).
Essa perspectiva da identidade negra é ampla e complicada de ser entendida e abordada, pois falar na identidade negra é buscar o ser negro, busca a origem, cultura, e religião. “Sendo o branco, europeu apresentado como o superior e exemplo de perfeição não só étnica, mas também estética, em muitas oportunidades surgem dificuldades na criação de identidade” (FARIAS, 2018, p.56). Ser negro não é condição, acrescenta-se, condição fácil de ser aceita socialmente. Toma-se como exemplo, as manifestações culturais afro-brasileiras, que busca lugar de destaque, é um exemplo de resistência de grupos que lutam todos os dias contras as manifestações do racismo, o ódio, e a intolerância, e tenta desconstruir o que aos poucos está sendo fortalecido.
Rocha (2018):
É importante ressaltar que a ideia da existência de uma “raça negra” é mitológica, pois os negros não são da mesma raça ou grupo étnico e se diferem entre si de várias formas. Em relação à tonalidade, pode- se observar que existe o tom de pele mais “avermelhado”, o mais marrom, o mais puxado para o bege e etc. Quando a miscigenação entra nesta equação, o resultado mostra que é praticamente impossível falar em “negros” simplesmente como se fossem classificados por apenas algumas características exclusivas (ROCHA , 2018, p.45).
É preciso considerar também, diversos outros contrapontos que sofrem modificações constantes nas culturas, devido aos enraizamentos do preconceito cultural. A cultura brasileira, é uma mistura de brancos, negros e índios, porém, se considerarmos que assim como os brancos, o “negro” é uma enorme multiplicidade de linguagem e cultura dos povos africanos, faz-se com que todo esse questionamento acerca da cultura, se torne mais complicado, principalmente quando considera-se que ocorre uma hegemonia de culturas por regiões, e que não se pode negar a diversidade cultural dos europeus, índios e negros, uma vez que existe um pouco de cada um em diferentes cenários brasileiros.
“A ideologia é uma das maneiras pelas quais as sociedades históricas buscam oferecer a imagem de uma única cultura e de uma única história, ocultando a divisão social interna” (CHAUÍ, 1995, p. 296).
A cor da pele ofusca o talento, bloqueia conquistas. Chegar ao poder e conseguir ficar, ainda são questões, e assunto recentes e pouco vivenciado pela população negra feminina, falta muito para alcançar, um dia foi a primeira juíza negra, outro a primeira negra na bancada em um jornal de destaque nacional, entretanto, ressalta-se, ainda falta muito, pois ainda são poucas em todas as esferas, falta ocupar a presidência e vários tantos espaços de destaque que insiste em distinguir o branco do negro.
Gomes (2002), afirma que a identidade negra na escola, é mais difícil de ser construída:
A escola pode ser considerada, então, como um dos espaços que interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado sobre o negro e sua cultura, no interior da escola, tanto pode valorizar identidade e diferenças quanto pode estigmatiza-las, discrimina0las, segrega-las e até mesmo nega-las (GOMES, 2002 p.3).
É difícil falar em aceitação, principalmente quando tem seus acessos negados devido ao seu tom de pele, como ocorre na saúde, educação, e no mercado de trabalho. As mulheres negras têm um percurso histórico, diferente das demais mulheres, quando a minoria consegue o local de fala, tantas opressões e humilhações vivenciadas passam a ser evidenciadas, é quando se tem noção de tal sofrimento, e como esse processo cria um efeito sobre si mesmo.
Segundo Carneiro (2003):
O racismo estabelece a inferioridade social dos segmentos negros da população em geral e das mulheres negras em particular, operando ademais como fator de divisão na luta das mulheres pelos privilégios que se instituem para as mulheres brancas. Nessa perspectiva, a luta das mulheres negras contra a opressão de gênero e de raça vem desenhando novos contornos para a ação política feminista e anti- racista, enriquecendo tanto a discussão da questão racial, como a questão de gênero na sociedade brasileira (CARNEIRO, 2003, 51).
Identidade é algo em processo, permanentemente inacabado, e que se manifesta através da consciência da diferença e contraste com o outro, pressupondo, assim, a alteridade. (FERNANDES, SOUZA, 2016).
Segundo os dados do PNAD/IBGE 2012, a população do Maranhão estimava-se em 6,8 milhões, 74% são de pessoas negras. Na sua distribuição espacial, 58,9% residem na área urbana e 41,1% na zona rural. Quanto à de cor, 0,1% amarela, 0,4% indígena, 10,3% negra, 21,1% branca e 68,1% é de cor parda.
10. Capitalismo e apropriação de uma identidade
“Primeiro se constrói uma estrada até onde você guarda suas coisas. Depois as árvores são arrancadas para fazer navios e móveis para o capitão. Depois plantam sua terra com uma coisa que você não pode comer.
Depois você é forçado a trabalhar para eles. Isto está acontecendo em toda África.” Alice Walker
Valente (1987) afirma que, “o negro foi tratado como mercadoria”. Nota-se uma vasta análise histórica, que supõe o mercado antes, e o que move o mercado hoje, antes com os negros, hoje com suas mercadorias, culturais e lutas.
O “problema negro” foi gerado com as formações capitalistas. Durante a escravidão, o negro era coisa, uma mercadoria, era considerada não humana e não tinha com quem competir nessa situação. Somente depois de os negros tornarem-se livres e passarem a disputar posições com os imigrantes e com outros brancos é que o preconceito e a discriminação raciais passaram a ser utilizados como armas da competição (VALENTE, 1987, p.58).
Para Netto (2001), a análise de conjunto que Marx oferece n’O capital revela, luminosamente, que a “questão social” está elementarmente determinada pelo traço próprio e peculiar da relação capital/trabalho – a exploração. Ao abordar-se sobre a “apropriação”, deve-se ter muito cuidado para não culpabilizar sujeitos individuais, o processo de globalização, facilita essa disseminação de encontros culturais, porém, o olhar capitalista, os processos e meios de mercado para obter sua lucratividade, é que deve ser questionado.
Assim, ao tratar sobre o capitalismo e apropriação, nos atinamos também a apropriação dos movimentos sócias das minorias, e o que se produz dentro dele. Ou seja, ao pensar em lutar por uma causa, o capitalismo está um passo à frente, já preparado para transformar lutas em “mercadorias”. Exemplo claro, é a indústria de cosméticos que cresceu muito com produtos voltados para os cabelos cacheados, crespos e outros. O capitalismo é de sempre duas moedas, o mercado voltado para esse público é resultante de lutas e resistência da mulher negra, cansada do mercado posto há anos “do cabelo liso”, o capital não está interessado nas lutas, mas em lucrar encima delas. De um lado, ocorre a quebra de uma regra e padrões, do outro, o lucro proveniente de lutas e resistência.
Ao mesmo tempo em que o capitalismo impõe, ele se ver obrigado a mudar quando achar necessário, de acordo com o ponto que vai lucrar mais, e assim, continuar impondo moda, forma, necessidades, etc...
Relembrando um pouco da história, “negros e mulatos eram proibidos de vestirem como brancos, não podendo usar seda ou lã fina, nem usar joias ou outros metais preciosos, sob pena de confisco” (SANTOS; ÁLVARES, 2019). Assim como os blackface, que ridiculariza as pessoas negras para entretenimento da população branca. E assim, no cenário atual, permanecem disfarçados de modismo com o blackfishing, modelos, digitais influencer, atrizes e cantoras, que querem se tornar negras em apenas algumas épocas do ano, se vestem, se pintam e criam modismo para entretenimento de quem? Porque o negro está na moda hoje?
“É um sistema que mercantiliza as relações, as pessoas e as coisas, transformando as pessoas em mercadorias” (IANNI, 1988, p.09). Transformando lutas em modismo, e descaracterizado movimentos e lutas que demoraram anos para ganhar voz e caráter político. Não se pode generalizar o mercado como apenas individualista de lucros, os mercados com produtos voltados ao negro nas periferias, tem suma importância, é a busca do si próprio cultural.
Porém, a lucratividade capitalista de bens da cultura, é um dos processos de restruturação do capital, ele se mantém e se expande através de produtos que durante muito tempo, era visto como desvalorizado, exótico e inferior. O constante modismo de brincos, tecidos, colares, turbantes, vestidos, entre outros, essa flexibilização de vendas em grande quantidade por preços baixos, leva-nos a questionar: quem realmente lucra com isso?
Os quilombos, tribos, comunidades e periferias, que produzem muitos desses produtos, não conseguem a lucratividade que os empresários de marcas e lojas conseguem, provavelmente, uma comunidade ou um quilombo, nunca chegará perto dessa margem de lucros. As pessoas querem usar produtos, mas não querem dar o preço “justo” em cada peça produzida nesses locais, são poucos os que conseguem dentro deles lugares se manter.
Ressaltando que não deve-se cometer os mesmos erros feitos na história, como: culpar, confiscar, apedrejar ou humilhar sujeitos. Tais atos, não ajudam a combater o racismo. Mas também, deve-se compreender que coisas que podem parecer simples, podem ser uma forma de resgate, resistência, conexão com suas origens e história. O que cada um leva em seu corpo é carregado de história, que pode ser de alegria ou dor, e esta deve ser conhecida e respeitada.
O negro não ganhou espaço no palco, o negro se tornou interessante. A mercadoria negra é o que interessa, começou a ter sua cultura, religião, música, cabelo, objetos e roupas, exploradas pelo capitalismo. Ser “negro”, agora é bom e legal?
O Atlas da Violência em sua pesquisa realizada em 2018, afirma que cerca de 71,5% das pessoas assassinadas no país por ano, são pretas ou pardas. Ser negro é se deparar todos os dias com segregação, exclusão, é ouvir não diariamente, é ter que conviver com olhares tortos todos os dias só porque é preto, é ser jogado na periferia sem acesso à saúde e educação de qualidade, é ser esquecido pelo poder público, é ser vítima da polícia só porque é preto.
O ser negro (a) é fortalecer e resistir, o ser “negro”, vai para além da cor da pele, é necessidade de aprofundar e conhecer, a moda que o capitalismo toma conta, é história que por muitos anos foram de sangue de negro. Transformar moda em ato político contra o racismo não é fácil, porque as negras muitas das vezes não fazem parte disso, são representados por outros, e isso que causa a exclusão do negro (a).
Admiram-se comportamentos de pessoas de pele clara, mas a negra é massacrada quando resolve assumir seus cachos, sua religião e cultura, é questionada e ridicularizada. A negra vem tentando espaço a tanto tempo na sociedade, então, porque não deixar elas brilharem com sua própria luz, com sua própria representatividade sem precisar de representatividades não negras?
Malafaia (2018), contribui afirmando que:
O negro diante da exaltação dos traços europeus, vistos como superiores, frente à ridicularizarão e a inferiorização das características negroides em nossa sociedade, tentará embranquecer a qualquer custo, para assim poder ser aceito socialmente. A partir disto, problematizamos como se dá a construção da identidade do negro mediante a esses impasses. O negro se vê obrigado a anular seu corpo na tentativa fadada ao fracasso de busca pelo corpo branco, construindo um Ideal de Ego incompatível com sua cultura, história e natureza biológica (MALAFAIA, 2018, p.48).
A mulher negra precisa se sentir entendida quando se fala do racismo, a vivência, experiências sofridas por essas mulheres não podem ser descritas, porque se resumem a dor e aos poucos negação de suas origens. A positividade passada por representatividade negra, artistas de todas as categorias como atores, músicos e escritores, jornalistas, ativistas negros, etc. São de extrema importância não somente, mas principalmente para a população negra se sentir representada e ouvida em qualquer lugar do mundo.
Os olhares bloqueiam, julgam e obrigam as mulheres a mudarem, a se “padronizarem”. A mulher negra tem que ter sua autoestima levantada, mostrar que são guerreiras, que são lindas e únicas, precisam dessa autoconfiança para combater as injustiças desse país. Segundo Malafaia (2018), A construção da autoestima no negro é algo muito frágil que demora a ser construído e quando não consolidado, pode se romper a qualquer momento. Portanto, a mistura é natural no país em que traços foram trançados em meio a povos, em vida. Assumir ser preta, assumir quem é, ter orgulho negro, é coragem, é resistência.
Em vista aos fatos supracitados, faz-se necessária uma conscientização, e valorização da negritude, e todo o elemento sociocultural que dela aflora, somente assim, terá uma possibilidade de mudança.
11. AS POLÍTICAS PÚBLICAS E AS AÇÕES DO 3° SETOR EM DEFESA DA MULHER NEGRA
“Os únicos homens realmente grandes entre os ‘não livres’ e oprimidos são aqueles que lutam pra destruir a opressão.”
Walter Rodney-Guiana Políticas Públicas surgem como forma de resposta do Estado às constantes demandas do próprio Estado e da sociedade, devido sua complexidade e amplitude. Conceituá-la ainda é um desafio, mas, na sua maioria, compreende políticas públicas como um conjunto de ações resultantes de discursos e interesses de diferentes segmentos da sociedade de modo a garantir ou legitimar.
Alguns autores pioneiros definem Políticas Públicas como:
Na visão de Lynn (1980, p.32), “é um conjunto específico de ações do governo, que irão produzir efeitos específicos”. Para Mead (1995, p.32), […] “um campo dentro do estudo da política, que analisa o governo à luz de grandes questões públicas”, para Petter (1986, p.23), “é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos”.
Na visão de Tude (2010), a politica pública corresponde como:
[…] o conjunto das decisões e ações propostas geralmente por um ente estatal, em uma determinada área (saúde, educação, transportes, reforma agrária etc.), de maneira discricionária ou pela combinação de esforços com determinada comunidade ou setores da sociedade civil (TUDE, 2010, p.42).
Para Teixeira (2002), política pública conceitua-se como: “[…] diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado.[…]” (TEIRA, 2002, p.02). O autor ressalta ainda, que elaborar uma política pública significa definir quem decide o quê, quando, com que consequências, e para quem. Para Belenovski (2013), as políticas públicas, correspondem ao direito assegurado, que se afirmaram a partir da sociedade:
Políticas Públicas são conjuntos de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado diretamente ou indiretamente, com a participação de entes públicos ou privados, que visam assegurar determinado direito de cidadania, de forma difusa ou para determinado seguimento social, cultural, étnico ou econômico. As políticas públicas correspondem a direitos assegurados constitucionalmente ou que se afirmam graças ao reconhecimento por parte da sociedade e/ou pelos poderes públicos enquanto novos direitos das pessoas, comunidades, coisas ou outros bens materiais ou imateriais. (BELINOVSKI, 2013, p.12)
Anterior à década de 20, não haviam políticas públicas, pois as ações não eram sistemáticas, e contínuas por parte do Estado (BELENOVSKI, 2013). Elas surgem a partir de constantes mudanças no cenário socioeconômico do Brasil. “As políticas públicas têm sido criadas como resposta do Estado às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior (Estado)” (GONÇALVES, 2006, p.73). Porém, o autor supracitado, ressalta ainda, que política pública não é sinônima de política estatal, ou política governamental.
Vale atentar, que as políticas públicas não limitam-se apenas com Estado, Pereira (1994), ressalta que, embora as políticas públicas sejam reguladas e frequentemente providas pelo Estado, elas também englobam preferências, escolhas e decisões privadas, podendo (e devendo) ser controladas pelos cidadãos. Como afirma Silva (2000, p.59), “As políticas públicas podem ser formuladas principalmente por iniciativa dos poderes executivos, ou legislativo, separada ou conjuntamente, a partir de demandas e propostas da sociedade, em seus diversos seguimentos.” Dito isto, compreende-se que as políticas públicas surgem como respostas às demandas da questão política para diferentes atores. Quando postas em ação, são implementadas, ficando daí submetida aos sistemas de acompanhamento e avaliação (SOUZA, 2006, p. 26).
A gestão pública tem em sua composição, o Estado como o primeiro setor, Privado como segundo setor, e as Organizações que integra o terceiro setor.
O Primeiro Setor é caracterizado pelas organizações públicas de interesse/finalidade pública. O Segundo Setor conteria as organizações privadas de interesse/finalidade privada. E, por fim, o Terceiro Setor é composto das organizações privadas de interesse/finalidade pública (FERNANDES, 1994 apud MOURA, FERNANDES, 2009, p.23).
O Terceiro Setor, “trata-se de um setor composto por uma grande diversidade de instituições que atuam em diferentes áreas e com diversos segmentos e que vem encontrando respostas criativas para muitos problemas da população” […] (GONÇALVES, 2006, p.100).
[…] Três setores: o governamental, o privado e o chamado terceiro setor, que junto com o privado e até mesmo com o governamental, assume a responsabilidade de assistir a sociedade nas questões públicas, pois de alguma forma existe ausência do Estado (SILVA; SOUZA; FARIAS; 2013, p.93).
O Terceiro Setor surge em diferentes momentos, à parte das instituições públicas e privadas, com as políticas de governo, e sendo a mais referenciada a partir dos movimentos sociais. “Sua origem esteve associada à ONU, e se referia a um universo de entidades que não representavam governos, mas tinham presença marcante em várias partes do mundo” […] (QUEIROZ, 2010, p.32).
A autora ressalta ainda, que não tem uma data exata para falar do surgimento do terceiro setor, uma vez que em seu momento primordial sempre foi ligado as Igrejas.
As organizações que hoje o compõem não são uma invenção dos séculos XIX e XX, mas se fazem presentes na Europa, América do Norte e mesmo na América Latina desde os séculos XVI e XVII, inicialmente associadas ao caráter religioso ou político (QUEIROZ, 2010, p.19).
Nos séculos XIX e XX, os Estados Unidos passa por constantes mudanças no contexto político e econômico, devido às constantes crises econômicas, como a de 1929, e a Segunda Guerra Mundial em 1945, passou então, a adotar diferentes estratégias para resolver os anseios da economia e social, mas que acabou negligenciando as pautas sociais com o passar do tempo, principalmente quando o Estado se distância da Sociedade.
Como firma Gomes (2006):
[…] após a Grande Depressão de 1929. O que ficou conhecido como New Deal no governo de Franklin Roosevelt (1933-45), não passou apenas de um conjunto de medidas de políticas econômicas e sociais na tentativa de salvar os EUA de sua maior crise econômica da história. Entre as diversas medidas, destacam-se, portanto: criação de um sistema de seguridade social, com benefícios para os trabalhadores em termos de aposentadorias; criação de um sistema de seguro-desemprego; e fornecimento de auxílio financeiro às famílias menos abastadas e com filhos em idade de dependência. (GOMES, 2006, p. 206)
O Estado de bem-estar social europeu, ou welfare state, como é mais divulgado, surge do processo de ampliação da democracia, incorporando, além dos direitos políticos e civis, os chamados direitos sociais, consolidados no Pós-Segunda Guerra (QUEIROZ, 2010).
O Welfare State é uma resposta funcional ao seu desenvolvimento das sociedades capitalistas e não representa uma mudança estrutural. É o preço pelo desenvolvimento industrial para corrigir/compensar as disfuncionalidades ou problemas estruturais da economia de classes baseada no capital do sistema (COSTA, NETO, 2016, p.79).
Na década de 1970, ocorre a crise do petróleo e junto desta, o discurso de caráter neoliberal que começa a ganhar forças, enfraquecendo e desmontando aos poucos o Estado de Bem Estar Social. No neoliberalismo, defende-se, de forma ainda mais explícita e acentuada, a ideia de que o Estado não deve interferir nos rumos da economia, ou seja, no livre mercado (LIMA, 2014).
O Estado deixa de atuar na economia e na sociedade, o Estado de bem-estar social já não estava adiantando, com o Estado frágil e indiligente, surge o Estado Regulador. Pereira (1998, p.65), “É a transição de um Estado que promove diretamente o desenvolvimento econômico e social para um Estado que atua como regulador e facilitador ou financiador a fundo perdido desse desenvolvimento”. O Estado negligente e falho, a sociedade civil e o privado começam a se organizar formando o Terceiro Setor.
Alves (2004, p. 2-4 apud COSTA, et al. 2017), esclarecem alguns termos quanto ao Terceiro Setor:
Organizações Voluntárias – é o termo mais empregado na Inglaterra para determinar o setor sem fins lucrativos. Ele é baseado na contribuição dos cidadãos, que atuam voluntariamente desde a administração de uma organização até o planejamento e a execução dos projetos propostos pelas entidades.
Organizações Não-Governamentais – frequentemente, nos países em desenvolvimento, é a expressão mais utilizada como sinônimo para o “terceiro setor”, tendo como conceito a promoção de ações que visam o desenvolvimento econômico e social.
Setor Independente – passa a ideia de estar distante tanto do primeiro como do segundo setor. Fica claro que suas atividades dependem dos recursos provenientes destes setores, principalmente do mercado.
Setor de Caridade – utilizada principalmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, a nomenclatura é destinada às organizações como um atestado de utilidade pública.
Setor Filantrópico – constitui-se a partir da doação voluntária para o subsídio de um bem público e para a promoção de serviços humanitários. É constantemente confundido com o termo “terceiro setor”
No Brasil, pode-se dizer que o terceiro setor inicia-se ainda no período colonial no século XVI, no qual existia a proteção e favores entre igreja e coronéis, a chamada benevolência. Um contexto caritativo das igrejas, ainda no século XVI, surge as primeiras Casas de Misericórdia em 1543, em Santos, considerada por muitos como o pioneirismo do Terceiro Setor, e em seguida, começam a surgir instituições ligadas sempre a igreja católica, como forma de religiosidade. A igreja Católica estava intrinsecamente ligada ao governo colonial e ao Estado brasileiro em seus primeiros momentos. “Escolas, ordens, dioceses e paróquias eram os espaços em que ocorria a vida social” (FISCHER, 2002, p. 47).
No século XIX, com o passar do império para república, a igreja e o Estado se afastam, como afirma, Campos e Marcelo (2013, p.67), “Com a proclamação da República, ocorreu a divisão entre a Igreja e o Estado, a Igreja no que lhe concerne passa a desenvolver trabalhos de assistência social, saúde e educação”. Com o fim da escravidão, há o crescimento e surgimento de cidades, consequentemente, ocorre o aumento da questão social, e a negligência por parte do Estado, então surgem mais instituições e entidades custeadas pelas igrejas. O terceiro setor no Brasil, ficou mais conhecido pelas igrejas, orfanatos, escolas religiosas e hospitais, que eram vistos como organizações importantes sem fins lucrativos (CAMPOS, MARCELO, 2013).
Na década de 20, aproximadamente 70% da população brasileira vivia no campo, tendo uma economia rural e agrícola. Três anos após iniciou- se o processo de transformações sociais, com o lema de crescimento econômico e do progresso (Belinovski, 2013). Em 1934, com a nova Constituição Federal, o Estado volta a atuar tanto na economia quanto na sociedade, porém, em 1937, tem a nova constituição e a ditadura do Estado Novo.
Com o Estado Novo, as entidades passam a ser reguladas durante o Governo de Getúlio Vargas através da Lei n° 525 de 1938, e junto criado o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), sendo extinto durante o período de regime militar.
Nos anos 70, os abusos contra a ordem jurídica, e os direitos humanos levam a igreja a se engajar na luta pela redemocratização, ao lado das demais instituições da sociedade civil (CAMPOS; MARCELO, 2013). Silva, Souza e Farias (2013), ressaltam que a década de 70, fez emergir em grande número as ONGs (Organizações Não Governamentais), no cenário brasileiro, a partir da oposição ao regime estabelecido na época:
[..] foi a partir dos anos de 1970 que a sociedade civil, em oposição ao governo militar se fortaleceu, fazendo com que as ONGs crescessem cada vez mais, vindo a culminar na década de 1990, onde passou por um processo de modernização, depois da ditadura militar, pois foi quando pela primeira vez os três setores se encontraram dentro de um sistema, pela preocupação com o crescimento das políticas sociais (SILVA, SOUZA e FARIAS, 2018, p.91)
Nos séculos XIX e XX ocorrem mudanças nas organizações sociais e na natureza de suas relações com o Estado. A corrente neoliberal impôs obstáculos à intervenção estatal, no que diz respeito, especialmente, aos problemas sociais e exigiu uma reforma no modo de administrar o Estado (GONÇALVES, 2006, p.140).
O neoliberalismo no Brasil, inicia-se ainda durante o breve período de governo de Collor em 1990 a 1992, retornando com Fernando Henrique Cardoso (FHC) em 1995 até 2002. Gonçalves (2006, p.76) [...] “recorre à desestatização, à privatização e à desregulamentação para reduzir sensivelmente a participação do Estado na atividade econômica e, sobretudo, na prestação de serviços públicos”. A privatização se impôs nesse período como a principal política estatal, inclusive na área social, mesclada por políticas descentralizadoras, fragmentação e focalização. (QUEIROZ, 2010).
Neste momento, o Estado passa a ser gerenciador da administração pública.
O Brasil se insere no processo de Estado Regulador a partir de 1990, com o Programa Nacional de Desestatização (PND), quando muda sua forma de atuação como agente produtor de bens e serviços em determinados setores da economia, iniciando um longo processo de privatização de empresas estatais e intensificando a concessão de serviços públicos à iniciativa privada (MATTOS, 2006, p.68).
Amaral (2003, p.37), no Brasil, a partir da Constituição de 1988, muitas propostas foram colocadas em prática, no sentido de reformar o Estado para a construção de novo modelo de desenvolvimento. Trouxe mudanças, desafios e avanços, principalmente ao que se refere a proteção social, visava maior responsabilidade por parte do Estado e Controle a partir da população. Queiroz (2010), ressalta que durante o processo de redemocratização do Brasil em 1988, o Estado aproveita-se desse momento para passar suas responsabilidades para os governos locais:
[…] O governo utilizou-se do discurso de democratização e modernização para uma crescente transferência das responsabilidades do governo federal para os governos locais, além da indução de parcerias com a iniciativa privada na execução, sobretudo, das políticas sociais (QUEIROZ, 2010, p.18)
Passamai e Sartor (2014), afirmam o que foi dito por Queiroz (2010), explicando esse processo de descentralização, e como isso propiciou para que o terceiro setor ganhasse espaço, e fosse executor de políticas públicas:
Nessa descentralização do oferecimento de prestação de serviços públicos que surge a ideia do Terceiro Setor, o qual aqui se torna um parceiro e executor de Políticas Públicas Sociais junto ao Estado. Portanto, junto ao governo, somou-se o Terceiro Setor. (PASSAMAI, SARTOR, 2014).
Estas entidades são consideradas de interesse social, onde se tem um único objetivo, ou seja, a ausência de lucro e o atendimento de fins públicos e sociais (SANTOS, 2000). O terceiro setor, contribuem para facilitar ao acesso de programas sociais, com as demandas crescentes, o Estado por si só não consegue da conta. São múltiplos os problemas sociais, e as dificuldades de acessar políticas, o terceiro setor se torna estratégia, para absolver as inúmeras responsabilidades que demanda do cenário atual.
Segundo Abreu (2010, p. 9), recentes pesquisas, no território brasileiro, existem atualmente entre 6 a 23 mil organizações que atuam no Terceiro Setor, com seus voluntários, e profissionais cadastrados vindos das mais diversas áreas. Ao tratar-se de políticas públicas, e a desigualdade racial, após conhecer todo o processo histórico de construção, formação social do Brasil e principalmente da formação e atuação do Terceiro Setor. Com a constituição federal de 1988, busca-se a igualdade social no país, porém, a busca da sociedade igualitária, não significou a igualdade racial para a população negra.
Infelizmente, após a abolição, os negros tiveram que superar grandes obstáculos para que conseguissem seu espaço na sociedade; somente após o século XX, por volta de 1920, que conseguiram ingressar na indústria e participar de movimentos de operários. De lá para cá, os negros foram lutando com a mesma força de sempre para conquistar seu espaço e seu lugar na sociedade. Nos tempos atuais, os negros ainda encontram grandes dificuldades, tendo que lidar com o preconceito, com a falta de oportunidade e o pouco espaço que lhes é oferecido. (MACIEL; BONFIM; GREGÓRIO, 2017, p.76).
O movimento negro no cenário político brasileiro, começa a crescer na década de 1970, a partir da junção da sociedade civil e membros do Estado, visavam estratégias que pudesse combater o racismo. Hoje, 49 anos depois, o Brasil evoluiu do que diz respeito a instrumentos de promoção da igualdade racial e combate ao racismo.
ações, políticas e programas voltados para as mulheres meninas e negras devem necessariamente considerar a necessidade de enfrentar não apenas o racismo e o sexismo, como também as iniquidades decorrentes da pobreza, da baixa escolaridade, das condições precárias de saúde, da distância dos grandes centros e das dificuldades de acesso a transportes coletivos, das diferenças culturais, das diferentes orientações sexuais e da lesbofobia, das necessidades específicas de cada pessoa, e demais fatores que interagem na vida destas mulheres específicas” (Construindo a Equidade: estratégia para implementação de políticas públicas para a superação das desigualdades de gênero e raça para as mulheres negras – Articulação de Mulheres Negras Brasileiras/CRIOLA, Rio de Janeiro/RJ: 2007).
A luta do Movimento Negro resultou na formulação de políticas públicas voltadas para promoção da igualdade racial. Entre tais políticas públicas, sobretudo no campo educacional, tem-se a lei n° 10.639/2003, e a lei n° 11.645/2008 (FERNANDES, SOUZA, 2016). A lei 10639/03, dispõe do ensino obrigatório sobre a História e Cultura Afro-brasileira e Indígena na esfera pública e privada.
Lei 11.645/08, parágrafo um:
Art. 26 - § 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil (BRASIL, 2008).
Diante disto, segundo a Pesquisa Nacional sobre Organizações de Juventude Negra em 2018, mapeou cerca de 200 entidades do movimento negro, sendo 38% das organizações localizadas no Nordeste, o estudo ressalta ainda, que o foco central de temas trabalhados dentro dessas organizações ou entidades, são sobre Arte e Cultura, mas buscam também trabalhar direitos humanos e educação.
Muitos desses grupos são voltados para juventude negra, quando se trata das mulheres negras, busca-se focar a capacitação para o mercado de trabalho, e informá-las sobre as diversas formas de violência no qual muitas são expostas diariamente. A maioria dessas mulheres é provedora do lar, e buscam através do terceiro setor, oportunidade de aumentar ou gerar renda para sustento da família.
As diversidades das organizações possibilita trabalhar diferentes sujeitos e suas diferentes dificuldades para melhor oferecer oportunidades como afirma Myers (2003, p.65) “entidades negras não devem ser vistas apenas como meios de divulgação de oportunidades, mas como parceiros potenciais na promoção da diversidade”. A diferença na luta dessas entidades, é a busca constante pelo respeito à dignidade humana; a saúde, moradia, lazer, arte, cultura e emprego, algo que busque mudar a realidade dessas mulheres, que muita das vezes é negada pelo seu principal ator o Estado.
Santos (2009), em seu artigo: “As ONGs de mulheres negras no Brasil”, faz um debate quanto a situação da mulher negra no Brasil, e situa as ONGS de mulheres negras, ressaltando a participação e o papel das ONGS:
Na atualidade, essas organizações encontram-se engajadas em uma variedade de campos sociais e políticos representando diferenciados interesses da população afro-brasileira em geral, e em especial das mulheres negras, tais como controle social da população negra na saúde pública, políticas de ação afirmativa para mulheres e negros, organização de debates e estratégias para garantir o acesso dos afro- brasileiros ao emprego e moradia, reparação para comunidades de remanescentes de quilombos, discussão sobre a violência e a segurança pública, dentre outros (SANTOS, 2009, p. 281).
Em São Luís-MA, uma instituição sem fins lucrativos, que constitui o chamado terceiro setor de grande destaque voltado para a população negra, é o Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN/MA), fundada em 1979, e desde então é engajada em militância politica em busca do direito e espaço da população negra. Ao longo dos seus 41 anos, realiza ações de educação, cultura, religião e profissionalização. A instituição, sempre age com parcerias ou instituições dissolvidas em categorias para melhor executar suas ações com eficiência.
Dentre elas, voltado para mulheres negras, encontra-se o Grupo de Mulheres Negras Mãe Andresa (GMNMA), em atividade desde 1989, que discute a situação da mulher negra e trabalha a questão da identidade dessas mulheres. A fim de discutir os dilemas sociais enfrentados diariamente pela mulher maranhense, no qual se encontrava inferiorizada e invisibilizadas. O histórico político do GMNMA seguiu a mesma lógica, pela qual passaram algumas organizações de mulheres negras no Brasil, com estruturação no seio do Movimento Negro, e a ruptura com este na busca pela independência organizacional (SOUZA, 2018).
A instituição em questão, é sem fins lucrativos, tendo como principal missão as discussões relativas às questões específicas da mulher negra. Realiza atividades a partir de diversas frentes, destacando-se o processo de participação social referente à defesa da democracia, acesso e garantia de direitos e justiça social trabalhando com atividades em bairros carentes, promovendo seminários e encontros. Refletir sobre os desafios e perspectivas para o fortalecimento e protagonismo das mulheres negras e de mulheres de setores populares do Norte e Nordeste, e suas organizações, no debate público na sociedade brasileira e nos processos de participação social referentes à defesa da democracia, acesso e garantia de direitos e justiça social, na atual conjuntura.
O Grupo de Mulheres Negras, Mãe Andresa insere-se nas atividades da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, cujo objetivo consiste em construir um processo de rearticulação e mobilização das organizações de jovens, mulheres e lésbicas negras do Nordeste no combate ao racismo e sexismo, além de fazer parte da Articulação Nacional de Mulheres Negras, que surgiu no pós-marcha contra o racismo, a Violência e pelo Bem Viver. Dessa forma, nota- se que estas instituições, atuam em diferentes esferas como no âmbito da pobreza, educação, renda, saúde, cultura, lazer, informação e conscientização. É imprescindível que todos se conscientizem da importância delas na dinâmica da sociedade.
12. LUTA E RESISTÊNCIA DA MULHER NEGRA NA ATUAL SOCIEDADE
Аtuаlmente, аs questões relаcionаdаs à iguаldаde de gênero e rаçа, tem entrаdo cаdа vez mаis no cenário dа аgendа públicа nаcionаl, tаnto com o аdvento dos debаtes e reflexões promovidos pelos movimentos sociаis, e pelа аcаdemiа. Mаs, аs conquistаs аlcаnçаdаs no cаmpo dа iguаldаde de gênero e rаçа, não podem ofuscаr os enormes desаfios аindа impostos. А persistênciа deste cenário аpontа, а cаdа diа, pаrа а forçа estruturаnte dos vаlores e convenções de gênero e rаçа, nа conformаção do quаdro mаior de desiguаldаdes que аindа mаrcа o pаís (CАVАLLEIRO, 2015).
Pаrа Pinto (2005), o conhecimento sobre аs formаs como аs desiguаldаdes de gênero se produzem e reproduzem, é condição pаrа que elаs possаm ser enfrentаdаs, por meio dа аrticulаção dа аção dos movimentos feministаs e de mulheres, do Estаdo brаsileiro, de orgаnismos internаcionаis, аcаdêmicos, e de diversos аtores sociаis que, juntos, vêm construindo а iguаldаde enquаnto umа reаlidаde.
O sexismo e o rаcismo, são ideologiаs gerаdorаs de violênciа e estão presentes no cotidiаno de todos os brаsileiros: nаs relаções fаmiliаres, profissionаis, аcаdêmicаs, e nаs instituições, o que permite аfirmаr, serem dimensões que estimulаm а аtuаl estruturа desiguаl, orа simbólicа, orа explícitа, mаs não menos perversа, dа sociedаde brаsileirа (MENICUCCI, 2013).
Pensаdorаs do feminismo negro, como Judith Grаnt, estenderаm а críticа tаmbém à teoriаs feministаs sensíveis аos múltiplos eixos de opressão, а exemplo do feminismo sociаlistа nos Estаdos Unidos, que enfаtizа а experiênciа dа opressão e explorаção sexistа, e vê outrаs dimensões (rаcismo, clаssismo, homofobiа, mаchismo etc.) como umа аdição, que resultаriа nа experiênciа de ser mulher (SАNTOS, 2012).
Аindа pаrа o аutor suprаcitаdo, o foco do feminismo negro, é sаlientаr а diversidаde de experiênciаs tаnto de mulheres quаnto de homens, e os diferentes pontos de vistа possíveis de аnálise de um fenômeno, bem como mаrcаr o lugаr de fаlа de quem а propõe. Pаtriciа Hill Collins (2008), é umа dаs principаis аutorаs do que é denominаdo de feminist stаndpoint (ponto de vistа feministа).
А reаlidаde dа mulher negrа, no Brаsil de hoje, mаnifestа umа extensão dа suа situаção vividа no período dа escrаvidão com poucаs mudаnçаs, pois elа continuа em último lugаr nа escаlа sociаl, e é аquelа que mаis cаrregа аs desvаntаgens do sistemа injusto e rаcistа do pаís (SILVА, 2003). “Ser mulher e negrа no Brаsil é а formulа que gаrаnte а suа pobrezа” (Jornаl а críticа, 2001).
Ser mulher negrа tem dois lаdos. O lаdo áspero, de ser mаltrаtаdа em quаlquer lugаr; todo mundo é mаl-educаdo com você; todo mundo sente vontаde de ser mаu educаdo com você. E tem o outro lаdo, que é o dа аglutinаção; eu sendo mulher negrа, tаmbém... tem um coletivo а que eu me reporto que é enorme em quаlquer pаrte, аqui no Rio de Jаneiro, ou Sаlvаdor, ou em São Luís do Mаrаnhão, em Belém... em quаlquer lugаr que eu vá, ou em boа pаrte dos lugаres que eu vou, tem um coletivo de militаntes, de outrаs mulheres negrаs; de outrаs mulheres negrаs que se аpresentаm enquаnto mulheres negrаs; а históriа está pelа diásporа. E em todаs estаs аtividаdes tem sempre аlguém mаl educаdo prа você аpertаr а mão... (SАNTOS, 2008, p. 258).
Аs mulheres negrаs аindа sustentаm suаs fаmíliаs gаnhаndo um terço ou а metаde dа rendа fаmiliаr dаs mulheres brаncаs. Historicаmente, elаs têm аssumido а posição de chefes de fаmíliа numа proporção bem mаior que аs brаncаs, mesmo nos cаsos em que аs primeirаs vivem com o mаrido ou o pаrceiro.
De аcordo com o Dossiê Sobre а Situаção dаs Mulheres Negrаs Brаsileirаs (АMNB, 2007, p. 12):
Аs fаmíliаs chefiаdаs por mulheres correspondem а cercа de um terço, sendo que аs mulheres аfro-brаsileirаs representаm 60% dаs fаmíliаs sem rendimento ou com rendimento mensаl inferior а um sаlário mínimo (cercа de US$ 180). Já entre аs fаmíliаs com rendа de três ou mаis sаlários mínimos, а pаrticipаção dаs chefiаdаs por mulheres negrаs cаi pаrа 29%.
É umа reаlidаde difícil ser negrа lаtino-аmericаnа, numа sociedаde construídа а pаrtir do rаcismo e do pаtriаrcаdo. Sendo o rаcismo umа lógicа em que umа rаçа se orgаnizа pаrа oprimir outrа rаçа, temos isso delineаdo nos pаíses lаtino-аmericаnos, аtrаvés dа exclusão territoriаl, sociаl, econômicа e políticа. Onde а mulher negrа аcаbа sofrendo umа duplа opressão, já que há historicаmente construídа, umа hegemoniа de um gênero sobre o outro. O pаpel dа mulher negrа é negаdo nа formаção dа culturа nаcionаl, а desiguаldаde entre homens e mulheres é erotizаdа, e а violênciа sexuаl contrа аs mulheres negrаs foi convertidа em um romаnce (SАNTOS, 2008)
Lembrа-se аindа o quаnto аs mulheres negrаs аindа precisаm аvаnçаr nаs conquistаs de direitos. Lutаr pelа mulher negrа significа lutаr contrа o cаpitаl, contrа o pаdrão de belezа eurocêntrico, contrа а hierаrquizаção dа culturа, contrа а colonizаção do conhecimento, contrа o eurocentrismo, contrа а estigmаtizаção juntаmente com а lutа pelа vаlorizаção dа culturа negrа, populаr e periféricа, de iguаldаde de oportunidаdes, por políticаs de equidаde e de repаrаção. Significа lutаr por trаnsformаções rаdicаis nа estruturа dа sociedаde (SАNTOS, 2008).
Pode-se dizer que pаrа а populаção negrа, а superаção dаs situаções de discriminаção constitui-se em um problemа que pode-se аssociаr а umа redefinição de suа própriа identidаde. Desde o processo dа Аbolição no Brаsil, há 115 аnos, а identidаde dа mulher negrа pаssа por um processo de redefinição.
Na atual conjuntura, o sistemа do cаpitаl utilizа o sistemа pаtriаrcаl, аrticulаndo explorаção do trаbаlho e dominаção ideológicа. А mulher é oprimidа e tem seus direitos violаdos, no âmbito аfetivo-sexuаl sofre dentro de seus lаres аbusos de suаs vontаdes, e tem а violаção pelo Estаdo dos direitos sexuаis e reprodutivos. Não аpenаs são inferiorizаdаs nos postos de trаbаlho, como tаmbém nos pаpeis econômicos e políticos deliberаtivos. O sistemа pаtriаrcаl, por dominаr e oprimir а mulher аcentuа аs relаções de desiguаldаdes de gênero. Ele estruturа-se а pаrtir de quаtro mecаnismos:
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А práticа dа violênciа contrа аs mulheres pаrа subjugá-lаs; 2) O controle sobre o corpo; 3) А mаnutenção dаs mulheres em situаção de dependênciа econômicа e 4) А mаnutenção, no âmbito do sistemа político e práticаs sociаis, de interdições à pаrticipаção políticа dаs mulheres. (OLIVEIRА, 2014, p. 14)
Tаl аnálise, pаrte dа ideiа de que o sistemа cаpitаlistа se beneficiа dа opressão dаs mulheres, tаnto do ponto de vistа ideológico, como nа inserção precáriа e subаlternа no trаbаlho. Dаí а importânciа dos Movimentos Feministаs pаrа umа lutа аmpliаdа que reflitа sobre аs relаções gerаis dа sociedаde, e sobre аs consequênciаs pаrа а mulher frente аo sistemа econômico, que vise umа multiplicаção contínuа de riquezаs, buscаndo, segundo Sаntos e Oliveirа (2014), umа novа condição sociаl, políticа e econômicа pаrа аs mulheres.
Elаs аindа se veem obrigаdаs а cаlаr suаs vontаdes por umа imаgem que а sociedаde impõe. А mulher, nа medidа em que vem ocupаndo novos espаços nа sociedаde, não sendo mаis obrigаdаs а cuidаr do lаr, do mаrido e dos filhos, rompem com а lógicа pаtriаrcаl, e consequentemente com suа posição de inferioridаde e obediênciа.
No entаnto, а sociedаde continuа fundаdа no pensаmento mаchistа e conservаdor, o que produz umа identidаde mаsculinа se constitui nа sepаrаção do que é intrínseco аo homem e do que é cаrаcterístico dа mulher, o que Sаbo (2002, p. 37), denominаrá como а “psicologiа dа sepаrаção”. Inegаvelmente, esses аspectos negаtivos contribuem decisivаmente pаrа а desvаlorizаção dа mulher por pаrte dos indivíduos que estão em processo de formаção, fаzendo com que eles аssumаm umа posturа de superioridаde nа questão de gêneros. Mаis que isso, tende tаmbém а menosprezаr аtitudes que а culturа dominаnte define como sendo de cunho feminino.
Аs mulheres, аo se conscientizаrem e questionаrem suаs posições nа sociedаde, buscаm аbrir аlternаtivаs que sinаlizem o declínio dessа construção sociаl desiguаl, em que há umа explorаção do trаbаlho, e umа dominаção ideológicа, utilizаndo o sistemа pаtriаrcаl, com o intuito de oprimir e violаr os seus direitos (LISBOА, 2008).
Emаncipаção é umа pаlаvrа muito usаdа em todos os contextos. Fаlа-se em emаncipаção em todаs аs esferаs, como emаncipаção femininа, de clаsses, políticа, educаcionаl, do menor etc. Emаncipаção tem o mesmo sentido de libertаção, ou sejа, tornаr livre. Emаncipаção: “аto ou efeito de emаncipаr; estаdo dаquele que, livre de quаlquer tutelа, pode аdministrаr os seus bens livremente, libertаção do pátrio poder, аlforriа, libertаção” são аlguns dos significаdos que se encontrа nos dicionários pаrа а pаlаvrа em questão (BАQUERO, 2012).
O Governo Brаsileiro juntаmente com аlguns setores dа Sociedаde Civil (Orgаnizаções Não Governаmentаis), desempenhаm esforços conjuntos pаrа reverter а situаção vulnerável dаs mulheres negrаs, implаntаndo Políticаs Públicаs e Projetos de аpoio específicos а gerаção de trаbаlho e rendа, combаte а violênciа e de trаnsferênciа de rendа. Tаis аções, enfаtizаm а urgênciа nа repаrаção dа situаção em que se encontrаm аs mulheres negrаs, oportunizаndo melhores аcessos а formаção profissionаl, educаcionаl e de gerаção de trаbаlho e rendа.
No Brаsil, а ONU, Mulheres Brаsil, e а Rede Brаsileirа do Pаcto Globаl publicou umа Cаrtilhа bаseаdа nа cаrtilhа oficiаl globаl dos WEPs (Princípios de Empoderаmento dаs Mulheres), promovendo 7 princípios de empoderаmento feminino nаs empresаs, sendo esses:
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- Estаbelecer liderаnçа corporаtivа de аlto nível pаrа а iguаldаde de gênero;
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- Trаtаr todos os homens e mulheres de formа justа no trаbаlho – respeitаr e аpoiаr os direitos humаnos e а não discriminаção;
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- Gаrаntir а sаúde, а segurаnçа e o bem estаr de todos os trаbаlhаdores e аs trаbаlhаdorаs;
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- Promover а educаção, а formаção e o desenvolvimento profissionаl dаs mulheres;
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- Implementаr o desenvolvimento empresаriаl e аs práticаs dа cаdeiа de suprimentos e de mаrketing que empoderem аs Mulheres;
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- Promover а iguаldаde аtrаvés de iniciаtivаs e defesа comunitáriа e
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- Mediаr e publicаr os progressos pаrа аlcаnçаr а iguаldаde de gênero ONU Mulheres (ONU, 2017)
13. Empoderamento da Mulher Negra
А mulher negrа brаsileirа do século XXI, está com suа visibilidаde comum sendo modificаdа. Pode-se observаr mulheres аssumindo cаrgos de poder que erаm, gerаlmente, ocupаdos por homens а 50 аnos аtrás - e tаmbém mulheres se аpresentаndo em funções cujаs quаis são considerаdаs, por grаnde pаrte dа populаção, "femininos" como, por exemplo, domésticа, porém hoje pаrа аlgumаs existe а possibilidаde de escolhа de quаl rumo seguir em suа vidа (LISBOА, 2008).
Ressаltа-se nesse ponto, que а mulher negrа é, e sempre será umа guerreirа sociаl, buscаndo аscensão e reconhecimento em suаs contribuições. Umа mulher que demonstrа forçа e estаbilidаde perаnte umа sociedаde preconceituosа e mаchistа. А necessidаde de umа mudаnçа sociаl, tаnto nа educаção quаnto umа sociаl, pois muitos аindа não veem como а mulher negrа é, como quаlquer outrа pessoа. Não umа pessoа frаcа, mаs que devido аo seu contexto necessitou conquistаr umа forçа. А mulher negrа trаz consigo umа mаrcа de lutа, determinаção, perseverаnçа, entretаnto é necessário um novo olhаr pаrа essа problemáticа, que se possа enfrentаr essа reаlidаde, sem isso não tem como viver numа sociedаde justа e iguаlitáriа, que аindа encobre situаções de risco onde а lutа é contrа todа formа de opressão.
Pontua-se que fаlаr desse аssunto аindа trаz fortes lembrаnçаs de dor e sofrimento, é preciso romper com um sistemа preconceituoso e rаcistа, entretаnto аs mulheres negrаs descobrirаm o criаr e recriаr dа suа históriа аtrаvés de cаminhos onde o rаcismo аindа fаlа аlto, o preconceito аindа se fаz presente de formа gritаnte, onde а lаvаdeirа, а domésticа, а bаbа, descobrirаm nа educаção, а mаior аrmа pаrа vencer а bаtаlhа, foi аtrаvés delа que а mulher negrа conquistou seu lugаr e vem quebrаndo bаrreirаs (BАQUERO, 2012).
No Maranhão, devido ao grande índice de pobreza e baixa escolaridade, as políticas públicas realizadas como de saúde e edução, buscam ações conjuntas de combate ao racismo e o sexismo, mas também de forma que as mulheres negras possam vencer a pobreza que assola o Estado.
O empoderamento é um poder fortalecido nessas mulheres, uma forma de combater a violência. Porém, volta-se a frisar a necessidade e a importância das ações conjuntas de Estado. As campanhas educativas realizadas pelo “Ônibus Lilás”, uma ferramenta utilizada da Secretaria de Estado da Mulher- SEMU, que tem como um dos principais propósitos desenvolver planos e programas, formulando e executando ações conjuntas, visando sempre o enfrentamento das desigualdades de gênero e a defesa dos direitos das mulheres e combate a violência. O Ônibus Lilás, foi integrado ao Programa “Maranhão Quilombola”, instituído pelo Decreto Estadual nº 30.981, de 29 de julho de 2015. Desde então, vem realizando ações estratégicas que visa melhores condições de vida aos quilombolas, junto a Secretaria de Estado Extraordinária da Igualdade Racial – SEIR.
Junto a esses órgãos de ações ativas, encontra-se o Fórum Maranhense de Mulheres, que funciona como um dos mais importantes nas lutas feministas do Estado, que agrega inúmeros grupos ativos no município, funciona como articulador de ações políticas em diversos municípios maranhenses, presentes em várias pautas e manifestações como representante, e porta-voz das mulheres.
A desigualdade de gênero e de cor, ainda está presente em todas as áreas e partes do Brasil e do mundo. Promover transformação não é uma opção, o empoderamento tem que ser articulado, constituído junto a todas as camadas que mais exigem padrões como as instituições privadas, mas, também vem junto ás organizações em fins lucrativos, governamentais e sociedade civil.
Necessita-se nesse ponto, de informação, questões básicas sobre o machismo, sexismo, racismo e todas as mazelas que cobrem o país com constantes índices de desigualdade. O Maranhão, foi um dos estados brasileiro que mais recebeu o maior número de escravos, sendo também uma das últimas províncias a abolir a escravidão. Sendo assim, as mulheres negras maranhenses necessitam de visibilidade, destaque, uma vez durante décadas foram mantidas invisíveis pelo poder público, e suas políticas. Portanto, é importante a valorização e execução de políticas voltado para a cultura, educação, religião, profissionalização e informação. Somente assim, negros e, sobretudo, negras, conseguiram ser ressarcidos e reparados.
A Casa da Mulher Brasileira de São Luís – MA, é um dos equipamentos necessários ao combate à violência contra mulher, e também de empoderamento, se tornando referencial por suas constantes palestras, boletins informativos e dados reais de violência da capital. Tendo em vista os aspectos observados, é necessário trabalhar com as conceituações de empoderamento, autonomia, especificidades, necessidades e cuidado das mulheres negras, sobretudo, com todas as ferramentas do poder público, somente assim, será possível combater a violência, o racismo e toda e qualquer forma desigual presente entre as mulheres.
14. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho, possibilitou o estudo sobre o racismo, suas diferentes formas na sociedade, a situação da mulher negra no século XXI, gênero, raça e etnia, identidade e empoderamento da mulher negra. Permitindo assim, concluir o objetivo de analisar o contexto, e elementos que colocaram a mulher negra exposta e desprotegida socialmente e politicamente.
Pode-se mencionar, quanto aos objetivos específicos delimitou-se: Compreender a formação sócia racial da sociedade brasileira; Mostrar os aspectos e as problemáticas de gênero e raça na configuração brasileira, maranhense e ludovicense; Identificar os desafios enfrentados por mulheres negras na sociedade preconceituosa e machista, e a forma como esses fatores interferem no cotidiano, assim como a aceitação de identidade dessas mulheres.
O racismo exclui e segrega, e com a mulher negra este processo não foi diferente, os aspectos e problemáticas de gênero e raça, junto ao passado escravista do Brasil, trouxeram consequências sociais, políticas, morais e trabalhista que excluiu a mulher negra em diferentes segmentos da sociedade.
No desenvolvimento do trabalho, pode-se notar que a mulher negra foi invisibilizada por vários períodos históricos, começando com as lutas nos quais muitas mulheres negras, africanas, participaram durante o período colonial, e foram esquecidas nos livros de história. O processo desigual da sociedade junto ao preconceito arraigado, fez com que a mulher negra explorasse outros meios, como o movimento feminista negro, para serem ouvidas e enxergadas enquanto sujeito, o próprio movimento político proporcionou representatividade politica e social, além de conseguir ocupar espaço e conquistar direitos junto as demais mulheres já militantes.
No decorrer do estudo, foi possível identificar as problemáticas que envolvem a mulher negra em diferentes eixos temáticos, como no mercado de trabalho e na saúde, ainda reflexo de todo processo exploratório e desigual do país. O racismo institucional, que negligência as instituições públicas e privadas e tem como principal elemento a discriminação, coloca a mulher negra em desvantagem na saúde, educação e principalmente na sua segurança. Permitindo assim, da relevância ao tema do trabalho, a mulher negra precisa buscar muito ainda, principalmente para vencer obstáculos colocados que as desfavoreceram.
Dada à importância do tema, vale ressaltar as hipóteses expostas na introdução do presente trabalho, que tinha como primeiro questionamento, os primeiros movimentos feministas no mundo, as mulheres conseguiram ocupar alguns espaços na sociedade.
No decorrer do trabalho, foi possível notar muitas conquistas a partir dos primeiros movimentos feministas, o principal deles, foi o direito ao voto, educação e acesso ao mercado de trabalho. No entanto, muito ainda é necessário almejar, a desigualdade salarial ainda é um problema áspero entre homens e mulheres, ressaltando, que durante esse processo dos primeiros movimentos, a mulher negra foi excluída politicamente, e não se viam representadas nos movimentos da época, principalmente quando se tratava do acesso do mercado de trabalho, uma vez que, muitas nunca souberam o que é está fora dele.
Como segunda hipótese, a partir do processo de escravidão no Brasil, mulheres negras sempre foram colocadas de forma inferior na sociedade, trazendo diversas consequências sociais, políticas, morais, culturais e trabalhistas.
A partir da reflexão acerca dos desafios sofridos por mulheres negras, entende-se um conjunto necessário para reverter à situação vulnerável dás mulheres negras, implantando políticаs públicаs e projetos de apoio específicos, como à geração de trаbаlho e renda, combate à violência e de transferência de renda. Ou seja, o Estado ouvindo mais e agindo na questão social destas mulheres, andando assim, de mãos dadas com a sociedade civil, que conhece de perto a realidade de muitas delas e que já fazem parte da mudança social de muitas.
Outro fator existente é o empoderamento da mulher negra, ressalta- se nesse ponto, a importância da mulher e sua valorização no meio político e social, como forma de combater a violência vivida por muitas. O Estado do Maranhão sempre foi marcado pelo índice de pobreza e baixa escolaridade, sendo assim, é necessária às ações encontradas por meio das ações, programas e políticas públicas para a valorização da mulher por meio de ações conjuntas de saúde, educação e profissionalização.
Dessa forma, para garantir que esse importante eixo temático permaneça fortalecido, é necessário assistir, apoiar, acompanhar, romper com preconceitos e dar voz para que ocorra de fato o seu empoderamento, tanto político quanto social e econômico.
Ao mesmo tempo, em que a população negra vem ganhando espaço, o Brasil vem se mostrando um país racista sem máscaras e sem pudor. A atual conjuntura, vem dando espaço para pessoas fazerem seus discursos de ódio, violência e mortes da população negra sem medo algum, evidenciando aquilo que se trata ao longo dos séculos. A injustiça social é a pior doença de uma sociedade, porque exclui, segrega e mata homens e mulheres todos os dias. As mulheres negras são a predominância da população maranhense, movem o Estado, lutando contra o racismo e a violência.
Sendo assim, espera-se uma mudança principalmente nas Leis, pois estas, ainda trazem uma sensação de impunidade, tendo que recorrer muitas das vezes as manifestações populares pacíficas, e não pacíficas, para serem vistos como sujeitos de fala e de direitos pelo Estado, e todos os seus aparatos legais de políticas públicas. Ademais, é fundamental reagir em toda e qualquer forma de descriminação.
Desse modo, conclui-se que os objetivos propostos no presente trabalho, foram alcançados, pois, ressaltou-se as múltiplas dificuldades e desafios enfrentados pelas mulheres negras e principalmente no entendimento de aceitação de identidade e empoderamento, e as necessidades que a população negra no Brasil ainda enfrenta. Frente ao exposto, com as informações apresentadas, espera-se que a investigação, sirva como referência para futuros estudos, possibilitando retomar a abordagem e aprofundamento da temática.
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Publicado por: Alessandra santos
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