Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) a pilha de escória e os impactos ambientais no bairro Volta Grande 4: Como os impactos influenciam a população residente do bairro

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como base a compreensão da relação entre meio ambiente e sociedade, mais especificamente análise da relação conflituosa dos moradores do condomínio Volta Grande 4, o legado deixado pela Usina Presidente Vargas, com relação ao meio ambiente degradado, e os entes públicos envolvidos como a prefeitura de Volta Redonda e o Instituto Estadual do Meio Ambiente (INEA). A ação civil pública (2018) é uma ótima ferramenta para o reconhecimento da relação da UPV e HARSCO, empresa que geri a montanha de escória, com o território, o despejo irregular da pilha de escória e sua consequência para a sociedade local, principalmente os moradores dos bairros em volta ao bota fora.

A partir da doação de um terreno feito pela CSN, a prefeitura permitiu o desenvolvimento do bairro e na permanência dos moradores no local, mesmo com toda indicação de que não é apropriado levando em conta seu histórico e seu aterro de rejeitos altamente toxico indicado, essa relação vem se desgastando com o tempo e a criação desses rejeitos mostra fere a política do meio ambiente e o direito a cidade, assim, a ação civil pública aqui citada acusa todos os erros e negligências que essa pilha de escória traz para o local em questão (SILVA & PEREIRA, 2020, p. 290).

Além disso, há o terreno que foi destinado para a montanha de escória, que ocupa a região leste[1] de Volta Redonda onde está inserido o condomínio Volta Grande 4. Tem como consequência, descrita na última ação civil pública (2018), poluição atmosférica, visual, e uma provável poluição hídrica, visto que essa pilha de escória está beirando o rio e, segundo a ação civil pública (2018) o material presente na montanha de escória é altamente tóxica. 

O condomínio Volta Grande 4 foi criado a partir de uma doação feita pela CSN a fim de ser um bairro operário. Este fato tem uma influência muito grande quando se trata de uma relação de poder na qual a CSN ocupa o lado dominante e, sendo esse bairro um local de despejo do material final da aciaria, este por sua vez o lado dominado da relação. Um passivo ambiental[2] que se mantém pela negligência dos órgãos competentes à fiscalização, o INEA[3], como cita a ação civil pública (2018).

Assim, como descreve SILVA (2017) o corpo gestor quando trabalha no zoneamento urbano começa a se apresentar como um indutor de uma desigualdade ambiental principalmente quando observamos a degradação na qualidade de vida que os moradores da região leste sofre (SILVA, 2017, P. 40). Sendo a sociedade o agente mais frágil, e o corpo gestor como influenciador dessa delimitação e considerando o crescimento dos bairros próximo a montanha de escória e aterrado ao pátio de rejeitos ficam os questionamentos, a condição e qualidade de vida dos moradores do Volta Grande 4 e dos bairros próximos é a mesma dos demais bairros do município? Qual a consequência dessa divisão para os moradores do condomínio?

Como esclarece a ação civil pública (2018) a escória causa danos a curto e longo prazo e representa uma ameaça muito grande para o ser humano e principalmente para o meio ambiente ali localizado, é irritante ao toque e contém metais pesados em sua composição. O condomínio foi construído num terreno doado pela CSN, servindo de aterro para a construção do bairro, entretanto, segundo a ação civil pública (2018) esse terreno foi um pátio de rejeitos da siderúrgica, e como consequência avistados metais pesados como chumbo (Pb), níquel (Ni), zinco (Zn) e cobre (Cu), todos acima dos valores indicados pela CETESB, além de testes realizados no solo cujo pH mostrou-se altíssimo, referenciando o solo como alcalino em todos os locais de coleta segundo Diagnóstico ambiental da poluição dos solos no bairro Volta Grande IV, Volta Redonda – RJ

Além disso, a faixa de Proteção Marginal é pequena, a área protegida do local se encontra fora dos parâmetros do código florestal, estabelecendo inclusive uma incoerência quanto a Política Nacional de Recursos Hídricos no que se trata do distanciamento a beira do Rio Paraíba. A nota técnica escrita pelo Diretor Adjunto da Diretoria de Licenciamento Ambiental, Hugo Zaffoli, e pelo Chefe de Serviço da Superintendência do Médio Paraíba, Douglas Muniz de Souza: “A área de armazenamento está circundada por um muro que dista aproximadamente 55 metros das margens do Rio Paraíba do Sul, no seu ponto mais próximo da margem do rio, enquanto a pilha de escória armazenada no interior do muro encontra-se aproximadamente 70 metros no seu ponto mais próximo da margem do rio”. Esse distanciamento pode nos indicar um possível despejo do resíduo no Paraíba do sul, essa é a situação a qual os moradores locais passam, sendo que o Rio Paraíba do Sul é interestadual, por isso o problema é mais grave ainda.

Tendo em vista os fatos mencionados, o meio ambiente degradado é muito prejudicial à sociedade, apresentamos como problemática a poluição hídrica, atmosférica, visual, do solo e suas transversalidades. Tudo isso para que possamos visualizar como essa degradação do meio ambiente pode afetar a sociedade, e como o corpo gestor lida com isso desde quando o condomínio Volta Grande 4 foi formado.

2. CSN e a construção da “Cidade do Aço”

2.1. O início do “território de aço”

A cidade de Volta Redonda, localizada no interior do estado do Rio de Janeiro, traz de mais reluzente o processamento que a industrialização tem perante a cidade, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é um símbolo federal quando se trata de relações diplomáticas, industrialização e todos as suas consequências. A relação entre Brasil e Estados Unidos e as condições favoráveis para a construção de uma siderúrgica marcam todo o processo de vinda da CSN e do desenvolvimento extraordinário de urbanização de Volta Redonda (OLIVEIRA, 2019, P. 21). Estes conhecimentos nos levam a acreditar que até os dias de hoje a cidade é conhecida como cidade do aço, isso porque representa nacionalmente a grande produção do aço, seu histórico é interessantíssimo além da relação, ora boa, ora conflituosa entre o corpo gestor e a população perante a indústria.

Bruno Cecílio de Oliveira (2019, p. 19) ilustra como o afeto que foi criado pela companhia “Mãe[4]” é marcado pela relação conflituosa, meio às revoltas dos oprimidos pela repressão militar, o desenvolvimento desenfreado na cidade, com construções, e zoneamento urbano, situação econômica muito favorável a Volta Redonda e consequentemente a qualidade de vida dos funcionários e os impactos à saúde e ao meio ambiente. Conseguiremos entender o complexo entre as relações aqui citadas quando nos deparamos com a formulação da CSN como agente produtor da cidade, tendo uma imensa influência econômica, política, do espaço e do trabalho em Volta Redonda, segundo Ângela de Castro Gomes (2004, p. 16) mostra que o Estado Novo se instalou como “projeto que se vinculou ao nacionalismo e à promessa de justiça social, centrada nos direitos do trabalho”.

O ciclo do café é o início da criação de Volta Redonda, conforme foi se instaurando, as florestas foram dando cada vez mais espaço aos cultivos de café, nessa era o poder econômico de todo Médio Vale do Paraíba[5] cresceu exponencialmente visto que esse ciclo foi um dos principais agentes favoráveis à consolidação da independência do Brasil (1822). Com relação a isso Carlos (2013) narra perfeitamente:

“Para o plantio dos cafezais, a Mata Atlântica foi totalmente derrubada e queimada. Esse ciclo durou tanto tempo quanto a fertilidade dos solos conseguiu sustentar produções comerciais e a terra exaurida, foi abandonada.” (CARLOS, 2013, p. 5).

O sistema capitalista é feito por ciclos, como da cana de açúcar por exemplo, entretanto eles são temporários, e o ciclo do café não foi diferente, sua crise foi iniciada pela baixa da demanda internacional, que resultou numa baixa no preço do café mesmo com uma produção ainda alta, essa etapa faz alusão aos processos capitalistas guiados por ciclos, sendo assim, os cultivos de café foram sendo substituídos por pastos e com uma pequena população instaurada nos processos agropastoril nas fazendas próximas foram substituindo os campos de café. Essa baixa abriu espaço para a produção metalúrgica, que em 1930 Getúlio Vargas trouxe muitas pautas Nacional-desenvolvimentista servindo de base e estrutura política para uma nova era que vinha crescendo muito na política brasileira (MOREL 1989).

É nesse momento, portanto, que se inicia os olhos totalmente direcionados a solução de todo esse problema situacional da crise, sendo criadas diversas comissões nos âmbitos dos ministérios a fim de estudar toda questão e solucioná-la. Em 1931 a Comissão Nacional de Siderurgia considerou viável a construção de uma usina no Vale do Rio Doce, com objetivo de defender o monopólio estatal de suas atividades, e controverso a essa proposta a Comissão Revisora considera a solução na busca por capital estrangeiro. Sendo assim, Vargas cria a Comissão dos Onze que diminuía a participação da Itabira Iron Ore, companhia inglesa de minério de ferro, foi sugerida pela Comissão Revisora para servir como prioridade na participação do capital estrangeiro, apesar de diminuir, não descartava os trabalhos que seriam feitos pela empresa. (MOREL, 1989, p. 15-16 apud OLIVEIRA, 2019, p. 20).

O CTEF, Conselho Técnico de Economia e Finanças, e o CFCE, Conselho Federal do Comércio Exterior, abraçaram toda situação de mescla do meio privado e público.

Questão Siderúrgica” e tiveram como responsabilidade juntar os interesses de todos os meios privados relacionados ao tema, sendo assim essas comissões tiveram um trabalho muito importante, já que se trata dessa mistura entre o privado e o estado para solucionar as “questões siderúrgicas (MOREL, 1989, p. 15-16 apud OLIVEIRA, 2019, p. 20).

Com o Anúncio do Estado Novo, cria-se um “divisor de águas”, como Morel explica perfeitamente, que o êxito do plano foi marcado devido à pressão que o governo sofreu, a burocracia estatal estava no centro das tomadas de decisões e discussão de todo o processo.

A importância da centralização se fez presente, visto que juntando os poderes e todos os envolvidos muito auxílio e trabalho intenso conseguiu-se resultados satisfatórios “possível com a centralização política implantada pelo regime autoritário de 1937” (MOREL, 1989, p. 16). Além disso, o DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, censurando a imprensa e assim a população fez com que se calassem a população e assim tornando uma política sem interferência e sobrepondo quaisquer vontade ou anseios populacionais e da oposição.

A ditadura vem com um propósito de trabalhar de forma simples, técnica e direta, mas para isso usa a ferramenta de calar o povo, a imprensa ou qualquer oposição (MOREL, 1989, p. 18). É de fato intrigante ver como esses meios de calar um povo funciona perfeitamente, feito na ditadura e inclusive na própria democracia, o capitalismo funcionando em ciclos e sempre que se tem uma crise, o trabalho em conjunto, mesmo com interesses de poderes distintos, funciona de uma forma extraordinária.

Além disso, é a população que perder, acontece até nos dias de hoje, isso fere a democracia, entretanto esse plano cresceu e foi tão bem fundamentado que Volta Redonda e sua população não se dá conta, assim criando uma relação de “amor e ódio” subconsciente em cada indivíduo, esse é o papel de calar o povo e induzindo ao trabalho e preocupações diárias, sendo assim um plano perfeito para afastar os mal olhares. O mais surpreendente é fato de que cada cidadão sente um desconforto e se mobiliza, o que nos exemplifica essa teoria são os movimentos sociais criados na época da ditadura “Os movimentos sociais criados por estímulos dos agentes da sociedade política [...]” (GOHN, 1991, p. 14).

A centralização política, que Regina Morel ilustra, vem acontecendo quando o estado resolve juntar com o meio privado, mais especificamente, o capital estrangeiro da Demag e Krupp e a U.S. Steel Corporation, com uma competição para o controle da usina (MOREL, 1998, p. 19-20 apud OLIVEIRA, 2019, p. 34). A intenção de crescer o capital a o investimento desta usina, visto que ela funcionava e já supria toda necessidade nacional, se difundiu, e logo veio a ideia da estatização do empreendimento (MOREL, 1989, p.21), e com isso a procura pelo estreitamento de laços com o meio privado foi cada vez mais necessário.

Porém, a Segunda Guerra Mundial veio destruindo o laço criado por Vargas e a U.S. Steel, que levou a desistência da parceria com o país (MOREL, 1989, p. 22-24). A indecisão e desconforto dos Estados Unidos (EUA) levou em conta o investimento na usina e, somente quando o Brasil seguiu para o lado dos Estados Unidos que foi firmado o acordo, realizando inúmeros acordos militares como o Acordo de Washington, vieram a garantir um crédito de 20 milhões de dólares para a construção da Usina Presidente Vargas (UPV) (MOREL, 1998, p. 25 apud OLIVEIRA, 2019, p. 34).

Além disso, a construção da Fábrica Nacional de Motores (FNM) e a Vale do Rio Doce a partir da transferência das propriedades da Itabira Iron One[6] para o Brasil só foram possíveis graças ao Acordo de Washington, com o qual a o Brasil liberaria a utilização das bases no Nordeste e matéria prima aos Estados Unidos. (MOREL, 1998, p. 30 apud OLIVEIRA, 2019, p. 34). Sendo assim, o Vale do Paraíba foi o local mais favorecido à criação da usina, contando todo o estado do Rio de Janeiro e São Paulo (PEREIRA, 2007, p. 34-35) e os elementos territoriais como a distância deste para com o litoral, serviria como base ideal caso houvesse ataques militares.

Sendo assim, no dia 30 de janeiro de 1941, foi instituído o Decreto número 3002, autorizando a construção da CSN (OLIVEIRA, 2019, p. 22). Assim, Guilherme Guinle, o presidente do Plano Siderúrgico Nacional, assumiu o cargo de presidente e Edmundo de Macedo Soares, com o cargo de diretor técnico, mostraram que o Brasil acabara de sair da posição de país do passado e entrara na posição de país do futuro. (MOURA, 2013, p. 23-24 apud OLIVEIRA, 2019, p. 22). Com isso o Volta Redonda consegue se erguer como a Cidade do Aço[7], crescendo, se urbanizando e tendo como esse processo de industrialização um acelerador da própria cidade, politicamente e economicamente.

2.2. Volta Redonda, uma cidade industrial

Cidade industrial é marcada pela caracterização local a ideia de ordem e progresso, em que sua base econômica é ou são as indústrias, como por exemplo São Bernardo do Campo. A CSN, que teve todo amparo e facilidade com o regime militar, abrange uma parcela muito grande de seu território, além da grande influência no meio político e econômico, traduz a denominada “Cidade do Aço” como uma cidade industrial (VIANNA E ELIAS, 2007, P. 1305).

Para salientar a necessidade de mão de obra para a grande siderúrgica nacional houve muitas migrações vindo do interior do Brasil, sendo de pequenas cidades e do meio rural, mais especificamente do interior de Minas Gerais e do Espírito Santos (MOREIRA, 2000 APUD OLIVEIRA 2019, P. 23), todos para um pequeno povoado de Santo Antônio de Volta Redonda, que por sua vez começou a sofrer muitas modificações para receber a população recém-chegada. A ideia era, segundo Moura (2013, p. 29) “[...] produzir um tipo de sociabilidade nova, moderna, exemplar e que refletisse um momento novo nas relações sociais e políticas do Brasil e dos ideais do governo varguista.”

É nesse momento que a cidade começa a ser programada e ganha uma divisão, a diferença de cargo e nível técnico dos funcionários da empresa são fatores primordiais na escolha para separação dos bairros, além disso, os trabalhadores que só participaram da construção da indústria e não foram concebidos à cargos da indústria não foram englobados no processo de divisão dos bairros, essa marginalização é apresentada com a diferença de condição básica. Bairros como Vila Santa Cecília, Laranjal, Rústico e Conforto, foram patrocinados pela “cidade nova” com uma infraestrutura e condição básica de moradia, e os marginalizados que foram se alocando em locais ao redor com crescimento orgânico e uma infraestrutura muito precária configurou essa divisão no povoado Santo Antônio (OLIVEIRA, 2019, p. 24).

Foi com essa configuração urbana, então, que Santo Antônio de Volta Redonda no dia, 17 de julho de 1954, emancipou-se da cidade de Barra Mansa, com todo apoio político, da CSN, plano de governo e já com a configuração de cidade surgiu Volta Redonda (PEREIRA, 2007, p. 49; VEIGA E FONSECA, 1990, P. 35). Sávio Cota de Almeida foi o vitorioso na primeira eleição da cidade emancipada, que contou com uma disputa entre PTB e PSD, Sávio Cota de Almeida tinha vínculo marcante com Alan Cruz, presidente do Sindicado dos Metalúrgicos, além disso era muito influente ao loteamento de Volta Redonda, ligado a questão latifundiária permitiu ter grandes envolvimentos e influência na própria eleição (VEIGA & FONSECA, 1990, P.35 apud OLIVEIRA, 2019, P. 24).

Sendo assim, Volta Redonda entra no processo de urbanização e desenvolvimento da cidade, em volta da CSN, após todo processo de migração do ciclo do café para o ramo empresarial metalúrgico, o que nos remete a uma possível dependência de todo o processo industrial para a economia, que acabaria tendo muita influência na própria política, visto que se tornou a principal base e estrutura para o desenvolvimento da cidade.

Assim, começa a ganhar forma Volta Redonda, o zoneamento urbano guiado principalmente pela CSN traz a divisão dos bairros regulamentados pelos cargos que cada funcionário ocupava e organicamente as periferias crescendo nas bordas da cidade. O processo de criação da periferia só continuou aumentando, visto que o fluxo migratório continuou a crescer a cada passo que a CSN aumentava a demanda de mão de obra e cada indivíduo foi a procura de uma vida melhor, tudo isso com a grande oferta de empregos.

Com essa grande quantidade de migrações, os funcionários tiveram que se estabelecerem em locais mais próximos da cidade, e esse processo mostrou a “consolidação da periferia urbana” (SILVA, E, Â., 2010, P. 4). Segundo o censo demográfico do IBGE (1950), o número de residências construídas pela CSN, grande parte dos funcionários ficariam de fora dos bairros construídos para os trabalhadores “mais da metade dessa população vivia fora dos limites da cidade construídas pela Companhia, o que a faz referir-se a um ‘espaço dividido’” (SANTOS, 2010, p. 73 apud, OLIVEIRA, 2019, p. 24).

Segundo Rosélia Piquet, no ano de 1955, a população tinha em média 56.380 habitantes, 11.089 funcionários e um número insuficiente de habitações construídas pela indústria, em torno de 3.856. Em 1960, o número cresce para 88.740 habitantes, 11.619 funcionários e apenas 4.698 habitações construídas pela CSN (PIQUET, 1985, apud, OLIVEIRA, 2019, p. 24). Com o Plano de Execução D da CSN, sobe de 114.556 habitantes (1966) para 219.300 habitantes (SILVA, E., Â., 2010, p. 4 apud OLIVEIRA, 2019, p. 24), com isso dá pra perceber claramente a carência que ficou das habitações para os funcionários, não conseguindo contemplar todos os trabalhadores, e claro, os que não foram contemplados ficaram nas margens da cidade e da companhia.

Com todo o processo evolutivo da criação e instalação da empresa, inclusive execução, os funcionários foram criando uma identidade, os mais antigos com o conceito de Companhia “mãe” (OLIVEIRA, 2019, P. 19) e os mais atuais vivendo parte do conflito da sociedade com a siderúrgica, ora, não havia habitação para todos, e todas as relações de discriminação para com os mais atuais e demais conflitos, gerando assim uma relação conflituosa entre os próprios funcionários “quanto ao aspecto subjetivo dos trabalhadores, essa passagem suscita uma questão de suma importância relacionada a autopercepção daquele coletivo, a partir de então” (SILVA, E. Â. E SILVA, L. Â., 2011, 105-106 apud OLIVEIRA, 2019, p. 25). E é essa mescla de situações vividas por diferentes gerações que foram chegando e foram trabalhando na CSN que foi sendo construído essa relação direta com a CSN e a cidade de Volta Redonda 

 “A perda de estabilidade e a introdução do FGTS e com a reforma administrativa da empresa onde todo o seu aspecto assistencial será desmobilizado, é que os trabalhadores mais jovens passarão a ser chamados ‘peões’, aqueles que rodam, e estão no mesmo lugar” (SOUSA, 1989, p. 14-15).

Levando em consideração os aspectos mencionados, Volta Redonda é um modelo de cidade, que pode ser compreendido como um dos maiores projetos sociais, alimentado pela política do Estado Novo. Um crescimento exponencial a partir de um projeto nacional-desenvolvimentista fomentado pela CSN e os envolvidos politicamente que facilitaram toda a vinda da indústria e instalação da mesma (OLIVEIRA, 2019, p. 25). Além disso, com essas relações inerentes no meio do trabalho e da construção da população da cidade de Volta Redonda, podemos inferir diretamente essa relação à uma identidade populacional, que por sua vez transcende todos os limites da fábrica, e até mesmo da cidade de Volta Redonda, criando então uma identidade nova, que Bruno Cecílio de Oliveira descreve como “trabalhador-cidadão” (OLIVEIRA, 2019, p. 25).

Talvez a principal fonte de tomada de espaço dos “trabalhadores-cidadãos[8]” foi a tomara de conhecimento dos próprios direitos e a luta por eles, a CLT e a inserção dos trabalhistas foram marcos histórico para nossa nação, trouxe uma estrutura e um norte para a busca de condições de trabalho e vida digna, além disso, com o crescimento dessa cidade planejada e uma outra parte da cidade orgânica em completo crescimento trouxeram muito de todo o conflito criado para a sociedade, como status de diversas gerações vivendo no mesmo lugar, um ponto em comum que muitos desses conflitantes tinham era a luta, o amor pela cidade e a procura de empregos, isso nos remete a uma pequena contribuição para a construção identitária e consequentemente o amor pela cidade (OLIVEIRA, 2019, p.26.).

2.3. Siderúrgica estatal e a transposição para o meio privado

A privatização da CSN interferiu muito na dinâmica de Volta Redonda. Em 1983 começaram-se falar de prejuízos feitos pela empresa, além disso foram ameaçados a fechamento e essa pressão no meio social gera desconforto quando o assunto é emprego e geração de renda.

As opiniões pró-privatização encontraram eco na política privatizante do governo Collor, que conduziu um plano de recuperação da CSN. O projeto do Governo Collor incluía o saneamento e a privatização da empresa. A partir da adoção de "medidas neoliberais" e a chamada "globalização da economia" mais fortemente sentida no Brasil nos anos de 1990, desenrolou-se um processo de saída do Estado da economia (BAER, 2002). Esta é, contudo, uma realidade da economia mundial que passava, desde as décadas de 1970 e 1980 por alterações profundas” (FONTES, 2011, p. 9)

Os blocos econômicos moveram muito as dinâmicas dos países em geral, visto que os países pertencentes aos mesmos blocos se fortaleciam e se relacionavam muito melhor que os de fora. Isso nos remete a uma possível queda em relações diplomáticas exteriores (ALCOFORADO, 1997, p. 14 apud, FONTES, 2011, p. 10). Assim, começou um enfraquecimento das empresas nacionais e isso afetou muito a CSN, que a cada dia mais seria enfraquecida economicamente e tendo um poder de influência nacional menor como é explicado magistralmente por Fontes (2011)

Empresas transnacionais, governos dos países capitalistas centrais, ONU (Organização das Nações Unidas), FMI (Fundo Monetário Internacional) e Banco Mundial defendiam a existência do Estado Mínimo, em outras palavras, um Estado que interferisse pouco nas relações econômicas e se voltasse mais efetivamente para questões sociais (Saúde, Educação, Previdência, Regulação, Segurança, etc.) (FONTES, 2011, P. 10).

Na tentativa de traçar relações diretas para o favorecimento da privatização da CSN e consequentemente de outras empresas temos o apoio do governo Collor, uma ideia baseada no neoliberalismo, governo esse que acreditava que o fato de o Brasil estar travado era o apoio em empresas nacionais que eram ineficientes, apesar de o Estado ser gigante, economicamente e politicamente e o protecionismo do mercado interno, com isso, as ações do governo Collor tem como principal consequência o início dos processos de privatizações, que fora mantido por governos futuros (ALCOFORADO, 1997, apud, FONTES, 2011, p. 10).

No ano de 1970, foi o período em que começa-se a ver um resquício de mudanças com a empresa, sendo o em 1990 a década com a qual ocorreria concretamente as privatizações, mas é na década de 1970 que o processo se inicia com a queda no crescimento ou uma possível indução estratégica a essa queda do crescimento da Siderúrgica Nacional, gerou uma concorrência frequente entre os setores privados e estatais pelos recursos cada vez mais escassos, tendo como o principal recurso econômico que vinha sendo a justificativa de maior peso para a privatização (BAER, 2002, apud, FONTES, 2011, p. 10-11).

Segundo BAER (2002), a desestabilidade entre o governo e o setor privado apareceu quando as empresas estatais estavam em grandes projetos, com grandes produções, reduzindo as ofertas de recursos para as privadas, essa disputa que foi gerada junto a uma queda na disponibilidade de recursos cada vez mais escassos gerou uma fratura nas relações entre o governo e o meio privado favorecendo a privatização (FONTES, 2011, p. 11).

Além disso, o contexto mundial nessa mesma época foi muito importante e devemos ressaltar, pois ele influenciou muito nas decisões tomadas dentro do país, o Brasil como um país de terceiro mundo tende a sofrer grandes influências de outros países, como já citado nesta monografia, que por sua vez teve de seguir muitos métodos e orientações dos Estados Unidos (EUA) e de empresas do próprio país para que a Usina Presidente Vargas (UPV) conseguisse vir para o país.

O que ocorreu foi a queda do socialismo e a ascensão do capitalismo e mais especificamente neoliberalismo, que por sua vez foi totalmente favorável à expansão de multinacionais por todo o mundo, essa tendência nos remete a um enfraquecimento de empresas estatais, um conjunto de uma pressão que a CSN já vinha sofrendo e a mudança em todo o cenário mundial com a vinda do neoliberalismo favoreceu muito essa “adaptação”, que vinha a ser a privatização da usina, essa mudança afetou várias indústrias do Brasil, mas a CSN como foco de todo o nosso trabalho, foi uma das mais afetadas, visto que era a mais visada para a privatização no momento (FIGUEIREDO, 2004, apud, FONTES, 2011, p. 10.).

Começa-se a ver uma estrutura para chegar-se às privatizações, mesmo parecendo que estava fadado a ocorrer, o governo foi criando maneiras para segurar as empresas e assim criou-se vários programas para a centralização do controle sobre as estatais a fim de simplificar as relações com a indústria “O governo ensaiou o controle da dilatação das empresas estatais pela primeira vez em 1979 com a criação do Programa Nacional de Desburocratização e a Secretaria Especial para Controle de Empresas Estatais (SEST).” (Fontes, 2011, p. 11).

Com a criação desses programas foi mais um passo dado em direção das vendas das estatais, foi uma pequena influência, entretanto a centralização e a desburocratização de uma estatal é mais um passo em direção a privatização. Sendo assim, foi impulsionado o programa de privatização no ano de 1990, com a necessidade do aumento de receita e com toda a estrutura, simplistas, e os programas que simplificaram as relações entre governo e empresa, iniciaram-se as vendas das indústrias nacionais, que por sinal foram ficando nas mãos de grandes empresas estrangeiras (BAER, 2000, apud, FONTES, p. 11).

A CSN, com toda a sua magnitude e importância para o país e consequentemente para a região do Médio Vale do Paraíba, sofreu muitas influências diversificadas para que chegasse à privatização, com certeza pela sua grandeza exigiu um processo mais intenso que muitas outras estatais, fatores externos e internos “o forte processo grevista que se deu na década de 1980 e culminou com a intervenção militar na Usina em 1988.” (FONTES, 2011, p. 22).

Volta Redonda perdeu seu principal patrimônio, uma cidade que havia crescido em torno da própria usina, em que toda a sua dinâmica girava em torno dela, começa a perder a “posse”, as tomadas de decisões e todo recurso que ela trazia para o social “– A “cidade do aço” começa a sentir e a perceber que não é de aço!” (SILVA, 2019, p. 49).

Vale salientar que a história de Volta Redonda está toda repleta pela influência da própria usina, com a organização dos bairros operários, a CSN exercia muita influencia diretamente na política, auxiliando em programas sociais, desenvolvimento regional, cultural, político e econômico, a perda desse poder estatal significa uma perda muito significativa na história da própria cidade e dos moradores que ajudaram a construi-la e suas futuras gerações

“Através da CSN, Volta Redonda foi o laboratório onde o Estado Novo experimentava todas as suas teorias de condução de um país ao desenvolvimento. A CSN funcionava como uma verdadeira prefeitura de Volta Redonda, disponibilizando médico, dentista, formação profissional, casas entre outros” (FONTES, 2011, p. 25).

2.3.1. A “Cidade do Aço” pós privatização

Volta Redonda crescia em volta da CSN, começou com uma construção planejada, até mesmo com barracões, após o período do planejamento da cidade. Muito desta cidade foi construído pela usina, ao ver a infraestrutura dos bairros operários, e a pouca estrutura dos bairros não planejados dos funcionários que chegavam após a construção da cidade. O estado novo foi implantado e assim seguia o molde de um governo que satisfazia suas necessidades básicas como de alimentação, infraestrutura, saúde educação e assistência social (BEDÊ, 2004, apud, FONTES 2011, p. 25). Ficou tão claro que nesse período a população descrevia como “eldorado”, devido ao grande crescimento mútuo da cidade e da indústria, gerando muitas oportunidades de empregos e consequentemente o grande avanço da cidade e disponibilização de qualidade de vida, isso nos remete a uma grande aceitação da estatal e um ótimo trabalho em conjunto da relação governo e empresa que favorecia muito a população (BEDÊ, 2004, apud, FONTES, 2011, p. 25).

A intervenção da CSN na vida dos operários dava-se em todos os níveis, desde a formação técnica, o médico, o dentista, (...) até o policiamento, a ronda da cidade. A Companhia possuía a Rádio Siderúrgica Nacional (...). E até uma 'moeda' própria foi criada - era o 'boró' -, vales de cor rosa com os quais os funcionários faziam suas compras. Este controle de todas as esferas da vida político-ideológico onde o Estado assumia para si a tarefa de educar e formar o novo trabalhador brasileiro, (...). (VEIGA & FONSECA, 1989 p. 20, apud, FONTES, 2011, p. 25).

Conforme o tempo decorria e o processo de urbanização e industrialização da cidade se intensificavam, a privatização da UPV parecia inevitável, e foi o que ocorreu. As greves que percorriam já na cidade (1983) eram um dos grandes motivos para ocorrer e a pressão só aumentava, juntando isso ao governo pró privatização de Fernando Collor, que por sua vez criou um plano de recuperação da CSN, isso incluía o saneamento e a privatização da siderúrgica (BEDÊ, 2004, FONTES, 2011, p. 27).

Segundo MOREIRA (2000) houve muitos movimentos contrários à privatização, porém o fato de não terem ganhado força culminou na inerente venda da CSN, que havia sido feita por leilão no dia 2 de abril de 1993. É inevitável pensar que essa movimentação gerou muito impacto negativo à população visto que o índice de demissões aumentou significativamente, e principalmente como já citado no presente trabalho, a identidade de Volta Redonda que havia sido criada caiu por terra, já que a CSN representava um “coração de aço” da cidade e agora não pertencia mais a mesma. Segundo MONTEIRO (1995), a cidade passou por um ciclo de crise e recuperação, com todo o apoio da população nas tentativas de reerguer a indústria e do próprio governo municipal, apoio este em favor as tentativas de diversificar a economia e os recursos.

“Como já era esperado, à privatização da empresa se sucedem demissões. Ao final de 1993 o quadro de 40 mil funcionários entre empreiteiras e empregados diretos se reduz para pouco mais de 20 mil funcionários, levando o município a uma crise, com aumento de inadimplência no comércio entre outros efeitos diretos e indiretos” (FONTES, 2011, p. 27).

É nesse cenário que inicia o período pós privatização da UPV, e toda consequência perante a sociedade local.

As transformações no perfil econômico da empresa se iniciaram e com diretrizes da privatização e saneamento. A política de “Saneamento da CSN[9]” visava demitir grande número de funcionários que, principalmente com a eleição do presidente Roberto Procópio Lima Netto, focou ainda mais nessas duas diretrizes já citadas (MOREIRA, 2000). “Segundo dados da Associação Comercial Industrial e Agropastoril de Volta Redonda (ACIAP VR) a Siderúrgica empregava, no fim da década de 1980, mais de 20 mil pessoas. A terceirização de serviços pela CSN no trabalho de empreiteiras, por sua vez, gerava aproximadamente 10 mil empregos.” (FONTES, 2011, p. 29).

Segundo Monteiro (1995), o quadro de demissões foi maior que se esperava, 25% dos funcionários saíram logo no começo, isso reluz à 4 mil empregados fixados e 2 mil de empreiteiras, além disso, a desativação da Fábrica de Estruturas Metálicas (FEM) resultou em grandes demissões também, com números relativos a 2 mil funcionários, ocorrendo alguns anos depois (MONTEIRO, 1995, apud, FONTES, 2011, p. 29).

E não terminou, ainda após esse quadro, os enxugamentos continuavam a crescer, chegando a um patamar ainda não visto na cidade em que representava uma parcela muito grande da população, logicamente com consequências sociais e econômicas gravíssimas “Já no período posterior à privatização, foram demitidos mais de 11 mil empregados diretos nos quatro anos seguintes. A conta chega à aproximadamente 20 mil destituições, entre mão-de-obra direta e indireta, em um período que vai de 1991 até 1996 (ACIAP-VR. Jornal Aliança, novo 1988).” (FONTES, 2011, p. 29).

O fato de a cidade crescer e se desenvolver a partir da siderúrgica, que tinha tanta influência social econômica, política e cultural na região, trouxe o descontentamento pela política de “Saneamento da CSN”, as demissões em massa nos mostra um reflexo do que viria a partir das privatizações da UPV, mostrando grandes movimentações sociais e a grande dependência de Volta Redonda para com a CSN, instaurando-se então uma crise social e econômica local.

Levando em consideração os aspectos mencionados, foi preciso um grande projeto em paralelo à industrialização para reerguer a economia da região, bem como o poder de compra dos cidadãos, com isso o governo começou a buscar alternativas para que a economia voltasse a esquentar, com isso o setor do comércio ganhou muita visibilidade e um desenvolvimento enorme. A “autoestima da cidade” deveria ser resgatada já que com a construção da identidade criada pela indústria “mãe” e a sociedade que venerava todo o envolvimento desta para com a população, o governo começou um novo plano de urbanização com destaque para o comércio e serviços em paralelo a CSN e de outros seguimentos (FONTES, 2011, p. 33). A ilustração desse tramite veio a partir de uma matéria publicada pela revista local Primeira Página, em junho de 1997, relatando toda a nova tendência desse mercado.

“FIM DO PESSIMISMO

Projeto ambicioso pretende mudar a cara da Vila Santa Cecília e melhorar o marketing sobre Volta Redonda O programa 'Vila Viva', que leva a assinatura de pesos pesados de setores da economia e da política de Volta Redonda, é um projeto ambicioso. Do ponto de vista empresarial, pretende recuperar o charme da Vila Santa Cecília, principal centro comercial da cidade do aço, com novos empreendimentos, tipo McDonalds, para a alegria da garotada, e o supermercado Bon Marche do grupo Sendas, para a satisfação das donas de casa. Mas o mais importante do projeto é a questão política: Prefeitura, CSN, CBS, Fundação CSN, políticos e empresários querem, na verdade, é sacudir a poeira e acabar com a onda de pessimismo que dominou Volta Redonda desde que começou o processo de reestruturação da Companhia Siderúrgica Nacional. (Primeira Página, jun. 1997, p.3)” (Primeira Página, jun. 1997, p.3, apud, FONTES, 2011, p. 33).

O governo ainda sim mantinha o apoio da CSN, mesmo esta privada cujo presidente era o Benjamin Steinbruch, teve a sacada genial da criação de mercados populares por toda a cidade, esses espaços eram destinados a vendedores pequenos, com baixo custo a fim de que pudessem comercializar seus produtos com baixa taxa e impostos e assim começar a gerar renda e fomentar a economia desse novo e forte âmbito, neste momento o comércio passa a crescer e difundir na população tornando-se uma alternativa muito viável para suprir a demanda de trabalhadores e de serviços, que o processo de privatização deixou desemparado "A atividade industrial, anteriormente a maior geradora de empregos na microrregião, cedeu lugar às atividades terciárias: comércio e serviços" (BENTES, 2008, apud, FONTES 2011, p. 34).

Apesar da demissão em massa causada pela CSN, o comércio abrangeu muito desse impacto e foi uma solução a fim de equilibrar e fomentar o mercado novamente, o consumidor só conseguiria voltar a comprar se tivesse emprego. Foi nessa solução que Volta Redonda mergulhou e obteve retornos e começou o início de uma nova era, um novo pilar da cidade que não se via mais como “a cidade do aço”. Mesmo com toda empregabilidade e PIB da CSN, o comércio permanece, ainda, uma das principais fontes de emprego e renda para os moradores e a própria cidade “Ainda de acordo com a ACIAP- VR, a atividade do Comércio, entretanto, gerava, no fim da década de 1980, pouco mais de 20 mil empregos, ou seja, uma parcela menor que a do total da Indústria, se somados empregos diretos e indiretos.” (FONTES, 2011, p. 31).

3. A Problematização da Pilha de Escória

3.1. Histórico da Montanha de Escória

Volta Redonda e CSN tiveram uma história muito intrigante além de um relacionamento muito intenso, sendo que a usina foi um dos instrumentos essenciais para a emancipação de Volta Redonda, como já foi citado aqui neste trabalho. Percebemos também, que a construção e organização da cidade foi dada, grande parte desta, pela CSN, e a região leste não foi diferente. Pouco urbanizada foi destinado a um local de despejo para os resíduos sólidos gerados pela aciaria, denominado de “Bota-Fora”, hoje conhecida como “pilha de escória”.

Na década de 1970 e 1980, começou o despejo nestes cinco terrenos, como mostra o inquérito do Ministério Público Federal (2011), cerca de 1.221.699 m³ de rejeitos foram depositados neste local como:

a) Compostos Aromáticos, como Benzeno; b) BifenilasPolicloradas (PCB);  c) Compostos Orgânicos, como o Clorometano e o Hexaclorobutadieno; d) Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos,  como  Benzo; e) Antraceno,  Criseno,  Naftaleno, Dibenzofurano (entre  outros); f) Metais, como Bário, Chumbo, Ferro, Cromo, Mercúrio, Zinco (entre outros). (OLIVEIRA, 2017, apud, SILVA & PEREIRA, 2020, p. 290).

Figura 1 – Localização: Pilha de Escória e condomínio Volta Grande 4

 

Fonte: Google Maps. Imagem disponível em: https://www.google.com.br/maps. Acessado em 25/05/2018

No ano de 1995, a área próxima a esse “Bota-Fora” foi doada ao Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda como bairro operário pela CSN, recebeu cerca de 550 casas padronizadas, muito próxima ao “Bota-Fora” claramente iria ser prejudicial, e logo após as construções, no ano 2000, começou a ocorrer os primeiros casos prejudiciais a população residente do bairro.

Em 2000, quatro casas deste condomínio foram demolidas pela CSN após o aparecimento de um líquido branco no piso, associados a um vazamento de materiais tóxicos em subsuperfície. Várias análises do solo e do lençol freático foram realizadas desde então nesta área, sem um consenso a respeito do grau de contaminação existente (BRÍGIDA, 2015, & OLIVEIRA, 2017, apud SILVA & PEREIRA, 2020, p. 291).

É com esse olhar que queremos mostrar no trabalho, a construção da pilha de escória está repleta de acontecimentos e falta de consenso sobre os males da pilha de escória, mas quem mora próximo sabe como funciona e o quão são prejudicados. A Harsco Metals é a multinacional responsável por administrar o “Bota-Fora”, que ficou localizado na rodovia BR 393 próximo a entrada do Volta Grande, funcionando como depósitos de resíduos da aciaria da CSN, além disso, mantém cerca de 38 % do material recebido ao mês para comercialização como pavimentação, cimento entre outros serviços que se possam utilizar a escória para tal finalidade. (SILVA & PEREIRA, 2020, p. 291).

O Grande problema é a movimentação desse material, a pilha de escória que conta hoje com uma área maior que 757.959,64 m², segundo a ação civil pública (2018), o fluxo de entrada de resíduo é muito maior que o de saída, isso nos mostra uma indução manter a pilha de escória do local, invés de removê-la como exigiu o INEA e o Ministério público Federal em seus relatórios

A Harsco Metals informou receber aproximadamente 80.000 toneladas mensais de escória. No último trintídio, o volume do material vendido teria sido aproximadamente 30.000 toneladas. A quantidade de material depositado continua a aumentar progressivamente, e não há registro histórico de período em que as saídas tenham superado a entrada (MPF, 2018, apud SILVA e PEREIRA, 2020, p. 291).

Figura 2 – Caminhão alimentando a pilha de escória

Fonte: Jornal O Dia. Disponível em: https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2018/06/5550987-drama-de-moradores-com-poluicao-da-csn-virou-filme.html.

Com isso, conseguimos perceber que na real esse pátio de escória não passa de um local de despejo incalculável dos resíduos sólidos gerados pela CSN, o grande problema que vamos adentrar e a identificação dos materiais ali contidos, e como cita Silva e Pereira (2020) não temos a precisão dos materiais ali depositados, apesar de alguns já terem sido detectados.

Com vários bairros próximos, fica extremamente negligente que uma pilha de material tóxico continue a crescer como mostrou o relatório do MPF (2018). Desde o ano de 1970 esse “Bota-Fora” vem crescendo, é exposto a céu aberto e a solo nu, sem impermeabilização e sem se situar em um lugar adequado como num aterro sanitário, além de estar muito próximo aos bairros e do rio Paraíba do Sul o qual pode trazer consequências irreversíveis para o rio para a população com os demais impactos ambientais que podem ser gerados (SILVA &PEREIRA, 2020, p. 291-292).

Os elementos químicos contidos nos resíduos despejados próximos ao bairro Volta Grande 4 e ao rio Paraíba do Sul podem dizer muito a respeito de poluição ambiental e saúde dos moradores próximos ao “Bota-Fora”. Como cita Silva e Pereira (2020) em seu trabalho, são encontrados nos resíduos da aciaria Zinco, Manganês, Níquel, Cromo, Cádmio, Chumbo e Cal Virgem, próximos a uma APP (SILVA & PEREIRA, 2020, p. 279).

Além disso, a ação civil pública coloca que a proximidade dos materiais que compõem a pilha de escória é prejudicial, inclusive ao toque, são evidências mais que importantes para considerarmos uma ameaça a qualidade de vida que nossas legislações propõem para nos defender “Trata-se de exposição ininterrupta por quase 50 anos. A população sente os efeitos da poluição. E a escória é irritante ao toque, e mais o será para as vias aéreas, depois de inalada.” (MPF; MPRJ, 2018, p. 6).

3.2. Pilha de Escória na Legislação Ambiental

Quando tratamos sobre o meio ambiente e a sociedade devemos partir do pressuposto que nos diz respeito e garante nosso direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, isso a constituição nos mostra no artigo 225 da constituição:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

É de extrema importância desenvolver o raciocínio a partir desse conceito quando se trata de meio ambiente e impactos ambientais, já que nossa constituição garante o direito a qualidade de vida, e com isso conseguimos perceber que a montanha de escória foge da ideia de desenvolvimento sustentável. Com isso, começamos a perceber que a pilha de escória é completamente prejudicial ao meio ambiente e nossa legislação e destacamos esse ponto para expor a incoerência que nossa sociedade vive, mesmo com algo que ameaça nossa saúde e nosso meio ambiente, mesmo com todo amparo da legislação não se consegue tomar providencias mais enérgicas perante a CSN e os resíduos que tanto nos assolam.

A lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, abrange a nossa Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), ela aborda e tange a preservação e melhoria do meio ambiente, lidando diretamente com a qualidade de vida dos indivíduos, mantendo como pressuposto o artigo 225 da constituição. O artigo 2° da lei 6.938 diz:

A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana... (BRASIL, 1988).

Observando os fatos mencionados, é possível visualizar os efeitos que a pilha de escória traz contra a PNMA, segundo a ação civil pública (MPF 2018) é inegável a poluição visual, a atmosférica e hídrica que assombra a população residente dos bairros mais próximos, o arraste de poeira da montanha de escória tornando o ambiente seco foi estudado e constatado pela SUPMEPCON/01002097, e tendo o destino do pó preto no rio Paraíba e na casa dos moradores locais, além disso, o MPF demonstra que o tráfego de caminhões pesados piora muito esse cenário.

Na reunião realizada no MPF em Volta Redonda no dia 13 de julho de 2018, a HARSCO informou que, dada a venda de 30.000 toneladas de escória em junho, cerca de 1.200 caminhões com capacidade de carga de 25 toneladas teriam sido necessários somente para o traslado da escória. (MPF; MPRJ, 2018, p.7).

O INEA é o órgão competente às fiscalizações e auditorias perante a administração da pilha de escória, com isso, já notificou a HARSCO sobre a importância da criação de um controle de poluição do ar, mas segundo a ação civil pública (2018) não obtiveram respostas sobre a exigência, isso nos mostra um pouco de parcialidade no processo e estagnação perante o INEA, visto que a Política do Meio Ambiente ampara e exige que o órgão público fiscalize e tome as devidas providências. É de suma importância salientar que o MPF vem processando as inúmeras tentativas de contato e fiscalização falha do INEA e a falta de resposta das empresas envolvidas na administração da pilha de escória e consequentemente aos impactos ambientais que ela traz.

Quanto ao solo, temos que destacar que a impermeabilidade pode ser um problema gravíssimo para a região, como foi citado no próprio trabalho, e segundo o MPF (2018) narra:

Se é grave a dúvida sobre a natureza de todo o material e as consequências do depósito a céu aberto, em meio a bairros residenciais e o rio Paraíba do Sul, também tormentosa é a incerteza a respeito da estabilidade e capacidade de suporte do solo não impermeabilizado sob as pilhas. Frise-se que o INEA, terceiro réu, deixou de limitar nas sucessivas licenças e TACs[10] o acúmulo de escória, propiciando que a CSN e a HARSCO adotassem no interesse próprio a premissa predatória de acúmulo infinito. (MPF; MPRJ, 2018, p.7).

O intuito da construção desse pensamento é mostrar que todas as leis e normas ambientais que as empresas envolvidas, CSN e HASRCO, infringem ao manter essa pilha de escória, além do abastecimento dos materiais tóxicos como de costume, os órgãos públicos e gestores do espaço não procuram amparar a própria sociedade, com a falta de providência perante as barbáries e os impactos ambientais que são gerados, mesmo estando amparados por lei, como estão sendo citados todas as leis que as amparam aqui para a preservação do meio ambiente porém nada é feito.

A lei N° 12.305 que diz respeito à Política Nacional de Resíduos Sólidos tem como objetivo legislar sobre a criação, transporte, despejo e manejo dos resíduos sólidos gerados no Brasil, seu artigo 1° diz:

Esta Lei institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre seus princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis.

A escória é um resultado do produto produzido na aciaria, por isso um resíduo sólido, altamente tóxico como já foi citado no presente trabalho, ele se enquadra nos amparos desta lei e deve ser fiscalizado pelos entes públicos, municipais, estaduais e federais, sendo assim respectivamente, a prefeitura, o INEA e o IBAMA. Pensando que o despejo foi feito de forma inadequada, essa lei nos mostra que um aterro sanitário deveria ser o local ideal para o despejo desse lixo tóxico, entretanto o que temos é a continuação de despejo no local, como pode com todas essas evidências o governo permitir essa condição, permitir a continuação de despejo mesmo com todas as controvérsias aqui apontadas, como já citado no MPF (2018) a diferença da quantidade de resíduo tóxico que entra é bem maior do que sai.

A lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997, está lei dispõe da Política Nacional de Recursos Hídricos que a partir disso criou-se o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos hídricos. Em seu Artigo 1° vamos destacar os incisos “V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos” e “VI - a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.”.

Segundo Silva e Pereira (2020) o depósito de escória está com uma distância menor que 200 m do rio Paraíba do Sul, considerando outros fatores como o solo permeável, arraste atmosférico e um possível desmoronamento e arraste da montanha para o rio, gera uma insegurança hídrica no corpo de água próximo, e como o sistema guandu abastece cerca de 12 milhões de pessoas pode gerar danos irreparáveis. Segundo a ação civil pública (2018):

Foi comprovado, também, que pilhas de escória há anos vêm sendo depositadas em faixa marginal de proteção do rio Paraíba do Sul e tais montes de material estão situados a menos de 200 m do corpo hídrico e a menos de 500 m das ocupações humanas, contrariando NT/ABNT 13896/97 (MPF; MPRJ, 2018, p.46).

Além disso conseguimos entender que a PNRH coloca os entes federais, população e o usuário em geral como responsáveis gerenciamento e proteção do corpo hídrico e esses entes têm que fazer o possível para a mitigação desses impactos (SILVA & PEREIRA, 2020, p. 280).

Com o decorrer e o desenvolvimento da industrialização e urbanização no mundo houve a necessidade da preocupação com o meio ambiente devido às interações industriais adversas. Várias reuniões no mundo todo ocorreram, de formas diferente, mas como o mesmo propósito, vamos destacar aqui um documento criado na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente no ano de 1992, a agenda 21[11]. Esse documento mostra a necessidade de gerar um novo padrão de desenvolvimento considerando que os desenvolvimentos são finitos e que por conta disso devemos preservar e desenvolver de uma forma sustentável (BARROSO & REZENDE, 2015, P. 2). Com isso, o conceito de desenvolvimento sustentável foi ganhando forma e sendo discutido na sociedade como um novo modelo padrão de desenvolvimento, bom para todos e respeitando o meio ambiente, como cita o artigo 225, da constituição de 1988, devemos preservar para presentes e futuras gerações.

No Brasil o conceito foi ampliado e a associação do meio ambiente e o meio social foi considerado mútuo e deve ser abordado como um tema em conjunto, ou seja, o meio ambiente e a pobreza sofrem degradação e devem ser enfrentados com urgência (BARROSO & REZENDE, 2015, P. 2). Isso nos remete ao planejamento dos bairros de Volta Redonda, e mais precisamente à Volta Grande 4, bairro este que foi criado após a pilha de escória e sofre com um processo que chamamos hoje de racismo ambiental.

O bairro foi destinado a moradia dos funcionários da CSN, os operários, isso mostra um pouco da configuração da cidade, locais como Laranjal destinados aos altos escalões da cidade não apresentam essa configuração ou a depreciação da qualidade de vida e ambiental tão próximo como vemos no condomínio em questão (OLIVEIRA, 2019, p. 24). Este é uma divisão muito bem formada em Volta Redonda, no representa de fato a diferença de classe social, classe trabalhadora e a qualidade de vida que a CSN e o município de Volta Redonda demarcam, é problema gerado pela organização da cidade que a população sofre nos dias de hoje, além de ferir nossa agenda 21, ora, se temos que tratar com urgência a depreciação do meio ambiente e da sociedade, por que não lidamos dessa forma?

Os órgãos fiscais encarregados como o INEA parecem ter muita paciência com estes problemas como cita a ação civil pública (2018), enquanto a sociedade local vem sofrendo. Segundo a ação civil pública (2018) O INEA não limitou o acúmulo de escória em consecutivas licenças e TACs, deixando subentendido que a CSN e a HARSCO permitissem um acúmulo infinito até que fosse colocado esse limite nas futuras licenças. São esses casos do INEA que destacamos tal órgão como produtor e influenciador dessa poluição, legitimando e permitindo que a sociedade continue a sofrer com a péssima qualidade de vida “limitar nas sucessivas licenças e TACs o acúmulo de escória, propiciando que a CSN e a Harsco adotassem no interesse próprio a premissa predatória de acúmulo infinito” (MPF; MPRJ, 2018, p.7).

O condomínio Volta Grande 4 é denominado de zonas de sacrifício, um local em que algum empreendimento tem um certo poder e condiciona aquele local como uma área em que possa despejar seus resíduos, ou que pode ser passível de ser sacrificada para que outra região que se considera ter um valor maior possa ter empreendimento cada vez melhores. A tendência é uma população de baixa renda e o local de baixo valor faça valer um local de despejo e sem uma expectativa de subir algum tipo de valor de mercado, no caso não faz diferença se o valor do local suba ou desça, ele só serve como despejo dos resíduos gerados, para que outras áreas fiquem com seu valor imobiliário cada vez maior. E como construímos aqui nesse trabalho, Volta Redonda foi criada e sempre separou seus bairros dessa forma, os com melhores infraestruturas com os funcionários da CSN e as zonas de sacrifício com que vinha chegando ou baixo escalão da empresa, como por exemplo o Volta Grande 4.

Com base no referencial da Ecologia Política, podemos dizer que o atual modelo de desenvolvimento promove desigualdades no acesso aos recursos dos territórios e na distribuição social dos riscos impostos por ele, produzindo “zonas de sacrifício” em que são feitas instalações danosas ao ambiente e produtoras de tais riscos (SILVA, 2019, P. 30).

Além disso, é preciso falar de saúde quando se trata de qualidade de vida e meio ambiente desequilibrado, segundo Brígida (2015) A pilha de escória pode assustar, causar ansiedade, grandes problemas respiratórios e doenças como (leucopenia, alergias, câncer e abortos espontâneos). É imprescindível entendermos o espaço como nosso, como uma extensão de nossas casas, em que trabalhamos mutuamente, nada deslocado das questões sociais. O corpo não degrada somente a parte física, isso nos remete aos problemas sociais, essas inquietudes que a pilha de escória traz, as feridas e o nariz seco, ter que varrer a casa todo o dia e tirar muito pó preto nos traz uma angústia que pode nos mobilizar, mas primeiro incomoda e pode adoecer. Para que isso aconteça é de suma importância entender o protagonismo das pessoas, ver pela perspectiva dos moradores dos bairros afetados, e com isso tomar providencias, essas subjetividades e símbolos dizem muito a respeito da dinâmica social que deve ser tratada (SILVA, 2019, p. 14).

Como podemos observar, a ação civil pública (2018) parece ser um dos únicos preocupados com o meio ambiente e a saúde, num cenário de medo e que a qualquer momento tudo pode desabar e entrarmos num problema irreversível. Nosso cenário parece se encontrar uma guerra entre interesses capitalistas e princípios básicos como o meio ambiente e a saúde, assim é descrito na ação civil pública (2018) perfeitamente:

Por perseguir o lucro privado a qualquer custo, a indústria siderúrgica ré prefere alimentar um vale de escória em Brasilândia, à beira do rio e colado a uma unidade de conservação de proteção integral, condenando-nos a vermos, respirarmos e bebermos seus poluentes – sendo especialmente grave para crianças, que sofrem e morrem mais em consequência –, até que algum comprador a remunere para trasladar e conferir fim adequado aos resíduos de sua atividade econômica. Ante a fragilidade da atuação dos mecanismos sociais de controle ambiental em face do poder produtivo predatório da CSN, a sociedade permanece refém da irresponsabilidade da siderúrgica e resta-lhe apenas voltar-se ao Judiciário na esperança de um caminho de maior efetividade no controle ambiental da CSN (MPF; MPRJ, 2018, p.11).

Com isso, conseguimos entender o descaso da CSN com os impactos ambientais, bem como os entes públicos que a eles são delegados a função de fiscalizar e mitigar os impactos ambientais.

A despeito dessa recente manifestação de exercício do poder de polícia, já se passaram quase oito anos do vencimento da última licença de operação (LO nº FE10104), sem que o INEA tenha se posicionado definitivamente sobre sua renovação e sob quais condições. (MPF; MPRJ, 2018, p.10).

Considerando os fatos mencionados estamos problematizando toda a questão da poluição que a CSN gera para Volta Redonda, mais especificamente nos bairros pobres, o bairro destacado é o Volta Grande 4, e para que isso ocorra demarcamos os amparos legais que a sociedade tem para com a qualidade de vida e do meio ambiente. É muito importante esse quadro, pois é o que vai indicar a falta de respeito e de ação dos órgãos públicos, e com isso os residentes sofrem. Os volta-redondenses criaram uma identidade com a famosa “Cidade do Aço” e como todo o progresso nacional que a UPV trazia para a cidade, essa relação traz consigo uma angústia com as privatizações, demissões em massa e o que estamos querendo destacar aqui os impactos ambientais que ela gera. Com isso conseguimos identificar esses conflitos e mesmo com todo o amparo da legislação ambiental os órgãos públicos não tomam providência em favor a sociedade deixando a mercê de seus próprios atos (BARROSO & REZENDE, 2015, P. 7).

4. A relação entre a pilha de escória e os moradores do bairro Volta Grande 4

4.1. A relação de “amor e ódio” entre a população e a CSN.

O condomínio Volta Grande 4 é um dos locais que mais sofrem com o resíduo sólido gerado pela CSN, esse foi a importância de abordá-lo no presente trabalho, é neste momento que apontaremos a relação que os residentes do bairro conduzem perante a montanha de escória. Abordamos todas as relações de legislação que ampara a luta por direitos, por um meio ambiente ecologicamente equilibrado, além de toda a construção de Volta redonda, e nesse momento vamos relacionar tudo que foi dito com as ações que a sociedade faz perante a pilha de escória.

A primeira questão é apresentar essa relação de “amor e ódio” que ocorre nos cidadãos de Volta Redonda com a CSN. A criação de uma identidade do cidadão-funcionário vem quando a CSN constitui Volta Redonda e como a principal ferramenta na emancipação da cidade, isso começa a gerar um amor pela indústria, tanto que um dos nomes pela qual a empresa era chamada é “empresa mãe” (OLIVEIRA, 2019, P. 19). Essa identidade vai manter um ótimo relacionamento com a indústria até o momento em que inicia-se as primeiras greves, estas já iniciam uma reação da sociedade com alguma angústia ou a fim de resolver algum problema, segundo Oliveira (2019) essas greves e lutas vão iniciar um processo pedagógico na sociedade em que se começa a aprender e a pensar em uma forma crítica o seu próprio espaço e lugar na sociedade, começando a se questionar na verdadeira relação que se é estabelecida entre a siderúrgica e a qualidade de vida dele mesmo. Essas manifestações começam a esboçar como a sociedade reage aos estímulos que a CSN vem dando, incluindo a montanha de escória.

Com isso, a CSN se tornou uma das peças fundamentais na vida dos funcionários e dos moradores de Volta Redonda, que por sua vez condicionavam a usina como algo muito bom na vida de todos, uma chance de ter uma qualidade de vida muito melhor, essa é a parte do lado bom gerado em cada pessoa, entretanto começa-se a gerar uma repulsa quando os direitos são cortados, como na reforma administrativa.

segundo Oliveira (2019) a primeira geração de funcionários, que vieram para construir a usina, num processo contínuo chega a segunda geração que participou das primeiras greves no ano de 1970, esse processo vai gerar um conflito de gerações que promove uma restruturação identitária que vem sendo formada desde a introdução da CSN e emancipação de Volta Redonda.

A perda da estabilidade e a introdução do FGTS e com a reforma administrativa da empresa, onde todo o seu aspecto assistencial será desmobilizado, é que os trabalhadores mais jovens passarão a se chamar, peões‟, aqueles que rodam, e estão no mesmo lugar (SOUSA, 1989, p. 14-15 apud, OLIVEIRA, 2019, p. 25).

Assim podemos entender que se inicia um processo de aprendizado e de criação de uma nova identidade, a de luta por direitos, o que demarca isso são as diversas greves que viria a frente como a “Greve dos peões” 1979, greve de 1984, 1985, 1986, “o massacre de Volta Redonda” 1988 e 1989, além de outras lutas e disputa por espaço, empregos e direitos que não se caracterizou greve (OLIVEIRA, 2019­).

É importante essa relação, pois a partir desses processos vamos ver vários outros em conseguinte, e é isso que queremos apresentar, a importância das sequencias de lutas demarcadas pode nos induzir a entender que os vários processos de greve e de luta podem nos ensinar e até mesmo criar essa identidade de luta por direitos que Volta Redonda adquiriu.

4.2. A escória na vida dos moradores do bairro Volta Grande 4

Os moradores de Volta Redonda já conhecem a pilha de escória, conta com uma poluição visual extrema como descreve a ação civil pública (2018), além disso, os moradores próximos a ela sentem a presença dela no dia a dia, além da poluição visual, a atmosférica, o pó preto nas casas mudando toda a rotina doméstica de cada cidadão, ar cada vez mais seco entre vários outros problemas que a população que mora lá conhece e que é muito bem descrito pela ação civil pública. (MPF; MPRJ, 2018, p.11). É nessas angústias produzida pela poluição e má gestão dos entes competentes à preservação e fiscalização do meio ambiente que vai surgir os gritos da sociedade pela busca de qualidade de vida e do meio ambiente, mesmo sem saber tecnicamente o que aquilo representa, vamos analisar como esses grupos vão se movimentar com base nessa relação tóxica que se inicia com a criação da identidade cidadã de Volta Redonda, como já foi citada no tópico anterior.

A pilha de escória iniciou-se antes mesmo dos condomínios da Volta Grande 4, após a doação da CSN para Volta Redonda o terreno doado foi constituído no bairro em questão, muito próximo à pilha de resíduos tóxicos de forma a ferir a PNMA, como citado no capítulo dois deste trabalho.

Além disso, a ação civil pública considera em seu relatório que os elementos são altamente tóxicos e irritante ao toque, ora, considerando esse fato como não pensar na poluição e constante contato a elementos tóxicos os residentes destes bairros sofrem? Com isso conseguimos entender que a população percebe e entende que algo está errado com o bairro, devido ao ar seco, as constantes feridas no nariz dos moradores entre outros problemas que os moradores dos bairros próximos sofrem mais que em outros bairros, o arraste das partículas que já é evidentemente considerada tóxica dentro das casas, dos nossos pulmões são condicionantes as movimentações da sociedade.

Em função desse mau cheiro, apontaram estratégias e renormatizações tomadas para lidar com a situação, tal como colocar panos nos locais em que o cheiro sai, como forma de “vedá-lo”: Camila: “Se não colocar um paninho lá, dá a impressão que você não lavou nem o banheiro, porque é lá do esgoto mesmo que sai. E a gente acorda assim, com a boca seca, o nariz ressecado”. (SILVA, 2019, p. 118).

Além disso, Gilmara Silva (2019) cita em sua tese que o volume do arraste da poeira da escória é redobrado, gerando muito incomodo e redobrando os cuidados da casa, atrapalhando suas tarefas domésticas e uma representação física do que estamos inalando ao respirar perto da montanha de resíduos tóxicos.

Camila: Aquela escória ali, gente, lá em casa, a gente varre do terraço...eu, da próxima vez vou trazer para vocês ver. A gente varre e dá aquele pó preto, e parece que a gente pegou o carvão e ralou, e jogou assim, oh. Mário: É só a senhora pegar aquele pozinho, a senhora pega o ímã assim... a senhora só faz assim... (SILVA, 2019, p. 118)

Ainda nessa construção, a tese da Gilmara Silva (2019) em consonância com nosso trabalho, apresenta ainda mais uma fala de um morador indignado, essas falas nos ajudam a manter nossa construção do raciocínio colocando as angústias em pauta e mais a frente as movimentações sociais, tudo isso precedente ao processo de greves e de corte de um cordão umbilical construído pela CSN.

Otávio: A empresa, quando começou esse problema aí, o pessoal foi falar sobre contaminação, esse negócio. O que que a empresa fez? Fez uma, vamos dizer assim, gramou, gramou a escória ali. Não sei se você sabe disso. Gramou tudinho, diminuiu bastante? Diminuiu. Porém com o aumento [das pilhas de escória], entendeu?! Com o aumento... Eu vou falar pra vocês, eu tenho piscina em casa, ele sabe disso, eu aspiro a piscina praticamente de dois em dois dias. Se você chegar lá agora você vai ver no fundo da piscina o pó preto. (SILVA, 2019, p. 119).

Além disso, uma medida de “prevenção” da CSN para com os moradores locais, foi a inclusão de placas por todo bairro considerando o solo improdutível e tóxico, entretanto a realidade é que os moradores locais já tinham produção como hortas, alguns animais e até mesmo árvores frutíferas. Essa atitude da empresa pode ser interpretada como “negação dos riscos” assim demarca a ideia de manter o bairro, os moradores e todo cotidiano que ali se estabelecia antes desse conhecimento, mantendo a vida sem que aquilo vire um pesar na consciência, ora, estão sendo avisados do solo tóxico, é só não continuar, acredito que a tendência dessa prática é essa (SILVA, 2019, p. 119).

Todavia, alguns moradores sinalizaram o quanto se sentem afetados por não poderem usar a sua terra, fazer suas plantações, consumir os frutos, demostrando que mesmo se adaptando a todas as imposições do meio – renormatizando como possível para viver no condomínio – não deixa de existir o sentimento de vida contrariada, de vida “podada” pelo meio: Joana: “Pra ser sincera, eu fiquei triste, porque assim, como a gente gosta de flor, né. Não pode colocar nenhum canteiro, não pode nem aproveitar a terra, só nos vasos que a gente pode”. Outro morador, o senhor Sílvio, complementa: “Todo mundo quer ter uma planta em sua casa, a gente não pode...” (SILVA, 2019, p. 120).

Essa narrativa da nossa construção da uma angústia nos moradores da “Cidade do Aço”, se encerra com o relato feito pelo morador cujo nome é Pedro, no trabalho de Gilmara Silva (2019), quando se trata de a desilusão desse morador que coloca que viveu um sonho e hoje a sua condição e qualidade de vida é péssima. (SILVA, 2019, p. 120).

Os moradores demonstraram, ao longo das rodas, a frustação que lhes acomete quando falam da problemática do condomínio, sinalizando o quanto a questão os afeta no 121 sentido dos sonhos frustrados, da vida contrariada: Pedro: “Eu comprei um sonho e hoje vivo um pesadelo”. (SILVA, 2019, p. 120-121).

Além disso, temos que considerar a improdutividade, e a desvalorização das terras do bairro em questão, muito bem apontada por Joana, encontrado no trabalho da Gilmara Silva (2019), em que o constrangimento social surge quando se relaciona com moradores de outros bairros, a desvalorização da propriedade é um pesar na consciência e no bolso de cada morador, esse pensamento refere-se a condição de todas as casas, o sentimento de perda da valorização do seu sonho como citado acima por Pedro, e a discriminação e o sentimento de ser menosprezados por pessoas de outros bairros. (SILVA, 2019, p. 121).

Joana: Eu comprei uma casa própria e vivo um pesadelo hoje, né?! Porque não posso vender meu imóvel, porque está desvalorizado [...] tentei vender, ele falou: “pra quê que você vai vender seu imóvel, se você mora em cima do lixão? Tá contaminado seu solo”. Todo mundo sabe, então, a gente fica muito preocupado com isso também. (SILVA, 2019, p. 121).

Destacamos a construção de um pensamento da população volta-redondense, com foco nos moradores do condomínio Volta Grande 4, essa construção contou com a identidade da cidade e a paixão pela CSN, bem como o sonho de uma casa própria e uma boa moradia. Com isso, os depoimentos serviram para mostrar os relatos de moradores que sofrem com as consequências dessa gestão irresponsável de todos os envolvidos. Com isso configuramos um pensamento e vamos finalizar o com as ações que a população tem perante a esses impactos finalizando nosso trabalho.

Figura 3 – Ecologista mostrando o risco da escória ao Paraíba do Sul.

Fonte: Jornal Beira-Rio. Disponível em: http://jornalbeirario.com.br/portal/?p=59707

4.3. A resposta da sociedade às barbáries da CSN

A sociedade sempre se movimentou para conquistar seus espaços, direitos e qualidade de vida, contra a pilha de escória não foi diferente, já temos uma base estrutural do pensamento que foi criado perante essa sociedade de Volta Redonda citada aqui no próprio trabalho, e com isso neste momento vamos apontar as movimentações que a sociedade faz, acredito que a melhor forma de mudar algo em nossos bairros é pela pressão e movimentação popular, somos detentores dos espaços e tentam nos tirá-lo a todo momento, e com muita luta, movimento, greve e pressão popular vamos reconquistar o que já é nosso por direito. Com isso temos quatro eventos fundamentais para entender o movimento da população de Volta Redonda, como cita Gilmara Silva (2019) em seu trabalho: 

Identificamos quatro movimentos sociais que atravessam o histórico do condomínio Volta Grande IV: Organização não-governamental Recriar; Movimento Ética na Política (MEP); Comissão Ambiental Sul; Associação Homens e Mulheres do Mar da Bahia de Guanabara (AHOMAR). Todavia, apenas os três primeiros têm/ou tiveram relação local e direta com os moradores. A AHOMAR entra no histórico do condomínio como um dos atores sociais que fizeram a denúncia sobre o depósito de escória em 2018, através de um relatório fotográfico entregue ao Ministério Público. (SILVA, 2019, p. 101).

A Organização Não-Governamental Recriar veio a partir de uma ONG de um espaço que já existia no Santo Agostinho, chamada Recriar, sendo que esta ONG já tinha uma afinidade com a política, com partidos políticos com foco nas questões ambientais (SILVA, 2019, p. 101). Esta ONG fez pressão para que embargasse a construção do condomínio Volta Grande 4, pelo menos até que a situação fosse resolvida, visto que o absurdo havia sido instalado e o projeto do condomínio era ao lado da pilha de resíduos tóxicos (SILVA, 2019, p.101). Na entrevista realizada pela Gilmara Silva, João falou sobre esse assunto:

João: [...] Porque ali, era uma área que tinha sido colocado muito resíduo industrial, a gente já sabia disso, a gente perguntou pra caminhoneiros, pra pessoas da CSN, aposentados, tinham pessoas que estavam morando lá na Volta Grande e já tinham trabalhado na CSN, sabiam o que que tinha sido depositado ali [...] A gente chegou a fazer entrevistas, uns bate papos também [...] Na época, o Ministério Público não tinha essa estrutura que tem hoje. Eu cheguei a conversar com o Dr. Virgínio, na época. Ali tinha uma série de outros problemas ambientais, de ONGs e tal. Ele colocou todos, já pensou? Todos num processo só. E estava tocando tudo por ali, vários processos relativos à CSN. E, aquilo foi mais um item. Mas o que que aconteceu? Aí, eu consegui mobilizar um grupo ali. (SILVA, 2019, p. 102).

Essa movimentação inicia o pensamento que estamos condicionando no trabalho, a sociedade vai aprendendo a lidar com isso, e esses processos acabam sendo lúdicos e ensinando cada vez mais os moradores próximos e que estão sofrendo com a mesma situação. A ONG ainda fez uma manifestação para tentativa de sensibilização da sociedade perante o problema, uma marcha fúnebre para tentativa de sensibilização social.

O movimento Ética na Política (MEP) foi um movimento social muito tempo com ajuda da igreja católica desde 1997, o coordenador do grupo José Maria da Silva, ex-funcionário, falou com Gilmara Silva (2019) sobre o movimento:

Nós somos de um movimento de cidadania que trabalha na dimensão do cuidado, cuidado sobretudo com as coisas públicas e aquele empreendimento teve esse caráter público/privado. Havia uma carência nacional dos metalúrgicos no final da década de 1990 e esse empreendimento, ele vem numa certa “barganha política que envolveu a federação, o Estado e o município”. E, na época, a FEEMA deu um laudo de positividade para que se instalasse naquele lugar essas casas, mas é bom que a gente saiba que já havia, não indícios, já havia acontecido acidentes naquela região por conta dos rejeitos siderúrgicos que eram colocados sem nenhum cuidado naquela região próxima ou até quase dentro da comunidade que se edificou ali. (SILVA, 2019, p. 103).

O MEP sempre foi um movimento que buscou os direitos e o espaço de cada cidadão por direito, um dos principais projetos do MEP é p pré-vestibular cidadão, muito visado em Volta Redonda e vem com uma tentativa de incluir pessoas de baixa renda nas universidades. Segundo Gilmara (2019) o MEP se destacou com seus movimentos ambientais contrários a pilha de escória, após o vazamento do líquido branco no condomínio, o MEP criou sua comissão do meio ambiente.

Em 2009 e 2010, foi seu segundo momento, a comissão de meio ambiente foi ampliada com o auxílio da Cúria Diocesana, tendo ajuda de engenheiros e o sindicato dos engenheiros. Caminhando com eles, o bispo Dom Waldyr Calheiros. Com isso, com “uma pressão e articulação com o Ministério Público Federal” (Jose Maria), conseguimos abranger nosso ponto auge do trabalho, foi com a pressão sociam que o Ministério Público Federal se envolveu no processo e gerou a ação civil pública, vitória da população. Por fim, José Maria considera que estamos com falta de liderança, e isso atrasa muito as movimentações populares e dificulta a luta por espaço “Expõe que hoje não temos mais a capacidade de mobilização coletiva que tínhamos nas décadas de 80 e 90 e que o desafio atual é a formação de novos líderes que possam “animar” a comunidade” (SILVA, 2019, p.107).

A Comissão Ambiental Sul ficou conhecida por proteger os Rio Paraíba do Sul, sendo composta por especialistas da área ambiental, técnicos, ONGs e a comunidade local (SILVA, 2019, p. 107). Gilmara Silva ainda explicita sobre o movimento social todos contra o pó da CSN que foi movido pela sociedade:

Uma importante mobilização foi feita pela Comissão em 23 de agosto de 2018, a “Assembleia dos atingidos pelo pó da CSN” e um dos casos colocados em discussão foi o do condomínio Volta Grande IV, apesar de não ter havido explicitamente a manifestação de moradores do condomínio – talvez por receio de ficarem expostos.

A Assembleia teve diversas presenças política como Vereadores, Deputados, ICMBio, Defensoria Pública entre outros entes que fizeram diferença na comissão, mesmo sendo apenas com sua presença. Entretanto, temos os moradores como principal personagem nessas reuniões, sendo que “Marcelo Bola” deu seu depoimento sobre as terras, destacando o condomínio Volta Grande 4:

Marcelo Bola: A terra é da cidade e os movimentos estão aí para que nós possamos usufruir do que é nosso. E é só a população unida, porque você não vê o poder público se manifestando em momento algum, muito pelo contrário. Quando aconteceu aquela questão do pátio de escória, o prefeito disse que não era papel da Secretaria Municipal de Meio Ambiente fiscalizar, e punir, e multar a CSN, então... seria de quem? O INEA não se manifesta, então assim, nós, a população que tá sofrendo, a população que tá adoecendo, é... Tem uma caixa aqui oh... Eu até brinco com as pessoas que aqui em Volta Redonda, se a gente vender o nosso pulmão no ferro velho, a gente vai ficar rico porque tem bastante metal no nosso pulmão [...] Esse desrespeito com a vida. Isso é um desrespeito com a vida. A CSN, ela não respeita a vida do ser humano, mas isso é muito assim do capital, né? O capital, o negócio é lucro, lucro, lucro e as pessoas... o ser humano só serve para que eles explorem e que dê lucro para eles, mas nada mais. (SILVA, 2019, p. 109)

Além disso, resgatando o caso da Drica, ele falou sobre o lago que havia sido selado no bairro, outra questão forte que a sociedade, mesmo sem conhecer tecnicamente, sente angústia e que algo está errado, sendo assim, ocorre a movimentação e a revolta.

Essa lagoa é uma lagoa que contém nafta, benzeno, e foi muito mal selada. Ela está lá no Volta Grande IV. Inclusive, quando se foi construir o condomínio do Volta Grande IV, eu e meu amigo Serginho que está lá atrás, nós nos movimentamos, nós nos falamos, mas infelizmente, o poder político e econômico foi maior do que a nossa movimentação. E hoje se comprovou que construíram o bairro em cima de uma bomba, porque a Volta Grande IV é uma área contaminada, é uma área que tem um alto índice de pessoas com doenças ocasionadas por aquelas... por estes rejeitos da CSN. E... você não vê, assim, você vê pouco empenho do poder público em fazer alguma coisa. (SILVA, 2019, p. 110).

Além disso, a AHOMAR, Associação Homens e Mulheres do Mar da Bahia de Guanabara, é outro grupo social gerado a partir de angústias da sociedade. Um papel importantíssimo no quesito de pressão social, quando esperamos uma movimentação, quanto mais pessoas e grupos sociais melhor o movimento.

Tendo em vista os aspectos mencionados, conseguimos perceber que a pilha de escória, mesmo sem conhecimento técnico, gera revolta dentro da sociedade local, e de fora também, isso mostra que queremos qualidade de vida, e lutamos por isso. As ONGs, grupos sociais e movimentação social são fragmentos que compõem nossa luta, mas parte dessa angústia e não ficamos calados. Segundo Gilmara (2019) esse movimento do território e as relações que eles foram introduzindo, gerou entre os moradores, conhecimento, passagem de experiência e o próprio conhecimento, e dessa movimentação que queremos mostrar aqui neste trabalho, as greves, e cada manifestação ou grupo vai produzindo esse conhecimento de busca por seu direito, um movimento que só se encerra quando conquistarmos nossa qualidade de vida e a sociedade é o melhor corpo para lutar por isso.

5. Considerações Finais

Dentro de toda complexidade social fica muito complicado simplesmente concluir um pensamento, então vamos fazer isso por partes. Volta Redonda foi uma produtora de sentimentos sobre os próprios moradores, um misto de emoções positivas com geração de emprego, renda e qualidade de vida, e produziu muitas emoções negativas, com elas vem as greves, as movimentações sociais contrárias a poluição, demissão em massa e todas as tentativas de nos privar de qualidade de vida. A pilha de escória é de fato uma pedra no sapato de todo cidadão de Volta Redonda, mas principalmente dos residentes do bairro.

O que podemos concluir num primeiro momento é a falta de ação dos entes públicos perante os problemas ambientais, passivo ambiental ali encontrado, e que o INEA aparentando-se inato perante o problema, e essa atitude passiva podemos concluir uma legitimação da produção dos resíduos tóxicos, visto que se eles não tomam providências, as empresas vão continuar a manter a pilha de escória. Uma vez que essa relação do órgão competente à regulamentação desse passivo ambiental ser inata, prejudica a população e essa relação se torna cada vez mais desgastada.

A prefeitura por sua vez não se pronuncia nem cria nenhum projeto nem programa para garantir essa qualidade de vida, uma baixa na poluição ou nos impactos ambientais, e ainda, construiu o bairro no território completamente poluído, essa ação também nos guia a entender que a prefeitura legitima essa dinâmica da CSN, mesmo com toda legislação nos amparando, e mostrando que temos o direito a uma vida digna, os entes públicos não se dão o trabalho de nos garantir esse direito, nos obrigando a lutar por ele.

Fico pensando se isso não pode ser visto como uma dádiva, uma oportunidade de fazer com que a sociedade se mova para adquirir os direitos, mas logo desconstruo essa ideia quando vemos que o estado tem o dever de agir pela sociedade, além disso, a legislação existe para ser cumprida, os órgãos fiscais estão somente para fazê-las funcionar e não podemos colocar a sociedade com um peso tão grande para que ela se movimente, como que se apenas movimentam-se mais rapidamente por conta desse peso, já que ela se movimenta conforme suas necessidades, acredito ainda, que com maior conforto há um trabalho muito melhor, acredito que o mundo esteja caminhando para isso, e que seja muito melhor se movimentar com qualidade de vida e lutar pelos espaços, com saúde e a lei sendo respeitada. Um questionamento que fica é porque para nós, cidadãos a legislação é feita de forma tão intensa, com encarceramento, fiscalização de impostos e a própria polícia, e quando se trata de empresa e um problema contra os cidadãos não tem a mesma intensidade?

Além disso, com essa construção de pensamento proposta no trabalho, acredito que os processos de greve, movimentos sociais e toda movimentação popular por grupos, ONGs ou individuais são processos lúdicos com os quais as outras pessoas aprendem e começam a buscar por direitos, todos que tem uma angústia ou um sentimento de revolta sobre determinada situação tem a vontade de mudar aquilo, o que ocorre é que não nos ensinaram a lutar, e essas movimentações nos mostram o caminho e nos mostram que podemos e devemos lutar por nossos direitos, principalmente no meio ambiente, pois este devemos proteger para as futuras gerações também. Construímos um pensamento histórico para concluir que a desconstrução da famosa empresa “mãe” foi feita e hoje lutamos contra ela, um movimento que necessitou de muita energia, ora que quer lutar conta a “mãe”?

Por fim Conseguimos observar que aos poucos a sociedade aprende e sendo detentores de tal conhecimento consegue lutar por seus direitos, esse espírito nos leva a uma comunidade de direitos iguais a todos. Quando lutamos e vemos que estamos em comunidade, que a cidade é uma extensão de nossas casas, conseguimos compartilhar com todos nossas angústias e positividades, dadas as mãos vamos todos caminhar juntos.     

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[1] Bairros de Volta Redonda: Água Limpa, Brasilândia, Santo Agostinho, Três Poços, Vila Americana e Vila Rica.

[2] Obrigações que a empresa tem com a natureza e o ser humano, responsabilidade social.

[3] Instituto Estadual do Ambiente.

[4] Companhia Siderúrgica Nacional – Nome vem a partir de uma construção de conceito da população com relação a CSN devido a condição, qualidade de vida e abrigar grande parte da população para trabalhar na indústria.

[5] Região de governo, abrange cidades do estado do Rio de Janeiro sendo elas: Barra do Piraí, Barra Mansa, Itatiaia, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Resende, Rio Claro, Rio das Flores, Valença e Volta Redonda.

[6] Companhia de minério de ferro de origem Inglesa funcionando no Brasil pelo decreto 8.787, junho de 1911.

[7] Uma cidade que cresceu em volta da CSN, por conta disso sofre muitas influências da siderúrgica.

[8] Denominação dos funcionários pioneiros na CSN e moradores em Volta Redonda por conta do planejamento da siderúrgica.

[9] Política que veio junto às privatizações com demissão em massa, teve efeito muito negativo no início do projeto.

[10] Termo de Ajuste de Conduta, multas a empresas como uma promessa de que será feito a mudança ambiental.

[11] Reunião que estabeleceu um documento base para ser seguido com relação a sustentabilidade e proteção ambiental.


Publicado por: christian leandro machado

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