Comparação entre o conceito de ”renda da terra” de Adam Smith e Karl Marx.

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1. Introdução

A obra “O Capital” escrito por Karl Marx, considerada por muitos a grande obra do autor, trata-se de uma coletânea em três livros na qual Marx discorre e analisa a sociedade, modo de vida, modo de produção capitalista.Teve sua primeira publicação no ano de 1867 e é discutida e estudada até hoje, porém é uma obra complexa de ser estudada e analisada. Grande parte da dificuldade de compreensão e entendimento da obra se deve ao fato de ser, de certa forma, uma obra inacabada.

Marx viveu apenas durante a publicação do primeiro livro, no qual conseguiu organizar e editar suas anotações que compõem este volume d’O Capital. Contudo para os outros volumes havia apenas as anotações e os estudos de Marx, mas não uma conclusão sobre os dados levantados. Desse modo, coube à Friedrich Engels reunir, organizar e publicar de uma forma lógica e concisa os manuscritos de Marx. Por serem anotações alguns assuntos não são explicados ou discorridos deixando alguns conceitos, ideias um tanto quanto vagas.

O presente estudo toma por base esse contexto de ser uma obra inacabada e uma citação feita à Adam Smith por Karl Marx no início do capítulo 46 do terceiro livro d’O Capital - “ Renda dos Terrenos para Construção. Reda das Minas. Preço do solo” - na qual Marx refere-se ao conceito de renda de terrenos para a construção feita por Adam Smith em seu livro “ A Riqueza das Nações”

“No tocante aos terrenos para construção, A.Smith já mostrou que a respectiva renda, como a de todos os terrenos não-agrícolas, se baseia na renda agrícola propriamente dita (Book 1, capítulo XI, 2 e 3).” (p.887)

Após esse trecho Marx não discorre como, de fato, Adam Smith mostrou que a renda dos terrenos para construção se baseia na renda agrícola, ou se há algum ponto em que discorda de Smith. Portanto, este estudo procura esclarecer o conceito de renda de terrenos para construção tanto de Adam Smith quanto de Karl Marx, para então compará-los entre si e evidenciar convergências ou divergências entre os pontos colocados por cada um dos autores.

2. Conceito de Adam Smith sobre renda da terra

Marx, ao citar Adam Smith refere-se ao livro “A Riqueza das Nações - Investigação sobre sua Natureza e suas Causas” - publicado pela primeira vez no ano de 1776 - mais precisamente ao capítulo 11, intitulado “ A Renda da Terra”. Adam Smith divide esse capítulo em três partes: Primeira parte, “Os produtos da terra que sempre proporcionam renda”; Segunda parte, “ O produto da terra que às vezes proporciona renda e às vezes não”; Terceira parte, “As variações na proporção entre os respectivos valores daqueles tipos de produto que sempre proporcionam renda e daqueles tipos de produto que às vezes geram renda e às vezes não”. Este estudo se focará na segunda e terceira parte, por serem diretamente referenciadas por Marx.

Primeira parte: “Os produtos da terra que sempre proporcionam renda”

“ Uma vez que os homens (...) se multiplicam naturalmente em proporção aos meios de sua subsistência, pode-se dizer que, basicamente, sempre há demanda de alimentos. Os alimentos sempre podem comprar ou comandar um volume maior ou menor de trabalho, e sempre é possível encontrar alguém disposto a fazer algo para consegui-los. (...)

A terra, em quase todas as situações, produz uma quantidade maior de alimentos do que o suficiente para manter toda a mão-de-obra necessária para colocá-los no mercado, (...) o excedente é sempre mais do que suficiente para repor o capital que deu emprego a essa mão-de-obra, juntamente com o lucro desse capital. Por isso, sempre permanece algo para uma renda destinada ao proprietário da terra.“ (p.187)

Para se entender quais os produtos da terra que sempre proporcionam renda é preciso entender os motivos pelos quais sempre isso ocorre e é exatamente isso o que A. Smith faz no início da primeira parte do capítulo 11.

Neste trecho Adam Smith explica que o ser humano se reproduz proporcionalmente aos meios que necessita para sobreviver, portanto sempre há demanda de alimentos. Por conta dessa contínua demanda a terra produz uma quantidade suficiente de alimentos para pagar a mão de obra empregada na sua comercialização e, desse modo, o que excede sempre repõe o capital empregado e ainda resulta em uma parcela que é destinada ao proprietário da terra, ou seja, a renda da terra.

Em uma análise mais aprofundada Smith explica que a produção agrícola sempre gera renda ao proprietário da terra, devido à sua especificidade em relação demanda, sempre existente, que é capaz de pagar tanto a mão de obra quanto o capital investido, gerar um lucro médio, além de se conseguir um chamado lucro extra, que se reverte em renda da terra.

Segunda parte: “ O produto da terra que às vezes proporciona renda e às vezes não”

“O alimento humano parece ser o único produto da terra que sempre e necessariamente proporciona alguma renda ao proprietário da terra. Os outros tipos de produto às vezes podem gerar tal renda para o proprietário da terra, e às vezes não, de acordo com a diversidade das circunstâncias.

Depois da alimentação, as duas grandes necessidades do homem são o vestuário e a moradia.” (p.200)

Depois de concluir, na primeira parte, que o alimento humano sempre gera renda ao proprietário da terra por ser imprescindível para a sobrevivência, A. Smith começa analisar os produtos que podem ou não gerar renda para o proprietário das terras, que estão relacionados com outras necessidades básicas da humanidade - o vestuário e a moradia - que geram renda de acordo com a situação.

“ A terra, em seu estado original e não tratada, é capaz de proporcionar os materiais para o vestuário e para a moradia a um número muito maior de pessoas do que ela pode alimentar. Quando devidamente tratada, a terra pode às vezes alimentar um número maior de pessoas do que o número de pessoas ao qual pode garantir vestuário e moradia, ao menos da forma em que as pessoas exigem e estão dispostas a pagar. No primeiro estado, portanto, existe sempre uma superabundância daqueles materiais que são freqüentemente, nesse sentido, de pouco ou nenhum valor. No outro estado existe freqüentemente escassez, que necessariamente aumenta seu valor. No primeiro estado, joga-se fora como inúteis uma grande parte desses materiais, e o preço dos materiais efetivamente empregados é apenas o trabalho e a despesa necessários para prepará-los e adequá-los para o uso real e, portanto, não são capazes de proporcionar renda alguma ao proprietário da terra. No segundo estado — da terra já trabalhada —, os materiais para vestuário e para moradia são sempre utilizados, e muitas vezes a demanda supera a oferta. Nessas circunstâncias, sempre existe alguém disposto a pagar por cada parcela desses materiais, mais do que é suficiente para cobrir as despesas necessárias para a sua comercialização. Seu preço, portanto, sempre pode proporcionar alguma renda ao proprietário da terra.” (p.200-201)

Neste excerto Adam Smith mostra como as rendas de terras não agrícolas possui como parâmetro a renda agrícola e para que produtos provenientes de terrenos não agrícolas possam gerar uma renda considerável para seu proprietário é necessário que a terra possa alimentar cada vez mais pessoas.

Existem dois estados, segundo Smith, em que a terra pode se encontrar: a terra em seu estado original e a terra quando devidamente tratada. No primeiro a terra possui a capacidade de disponibilizar materiais para a vestimenta e para a moradia em quantidade muito maior de pessoas do que ela pode alimentá-las. Pela grande quantidade destes materiais de vestuário e moradia faz com que possuam um valor mínimo ou até nenhum e por esses motivos o preço se baseia apenas no trabalho para preparação dos materiais, portanto não se consegue gerar renda para o proprietário da terra.

“Deixa-se a madeira apodrecer no solo. Quando os materiais para construção de casa são superabundantes a esse ponto, a parte utilizada vale apenas o trabalho e a despesa necessários para adequá-los ao respectivo emprego. Não proporcionam renda alguma ao proprietário da terra, o qual geralmente permite o uso deles a toda pessoa que solicitar permissão. (...) A pavimentação das ruas de Londres possibilitou aos proprietários de algumas pedreiras áridas da costa da Escócia auferir uma renda daquilo que nunca pudera ser aproveitado antes. (...)

Os países são populosos não em proporção ao número de pessoas que podem se vestir e morar com seus produtos, mas em proporção ao número de pessoas que podem alimentar. Quando há alimentação, é fácil encontrar o necessário para vestir e morar.” (p.202)

Neste ponto é possível perceber como o conceito de renda da terra, para A. Smith, está atrelado com a lei da oferta e procura, pois para que o setor da construção e o setor têxtil consiga gerar renda é necessário que diminua a quantidade original de matéria prima para que então estes produtos produzam renda para o proprietário da terra, também é necessário que exista pessoas dispostas a pagar o que for necessário por estes produtos, que segundo Smith sempre existe alguém disposto a pagar por vestimenta e por moradia, portanto nesse caso, para ele, sempre haverá renda. Além destes pontos Adam Smith frisa, novamente, a relação entre a renda agrícola e as demais rendas, ao passo que se a população está alimentada se torna acessível encontrar o que comer e onde morar.

Outro ponto destacado pelo autor em que se é possível obter renda refere-se à situação de determinada região, dada pelo aumento da demanda de um certo produto, mercado, setor. No excerto o autor exemplifica este fenômeno com a pavimentação das ruas de Londres que pode fazer com que proprietários de pedreiras escocesas pudessem adquirir renda devido ao aumento da demanda londrina.

“O desejo de alimento é limitado em cada um pela restrita capacidade do estômago humano; mas o desejo de comodidades e de artigos ornamentais para a casa, do vestuário, dos pertences familiares e da mobília parece não ter limites ou fronteiras definidas. Por isso, aqueles que dispõem de mais alimentos do que a quantidade necessária para seu consumo, sempre estão dispostos a trocar o excedente, ou seja, o que é a mesma coisa, o preço deles, por gratificações desse outro tipo. (...)

Dessa forma, o alimento não é somente a fonte original da renda, mas qualquer outra parte do produto da terra que depois proporciona renda, deriva essa parcela de seu valor do aperfeiçoamento das forças de trabalho na produção de alimento através do aprimoramento e do cultivo da terra.

Contudo, esses outros produtos da terra, que depois geram renda, não a geram sempre. Mesmo em países desenvolvidos e cultivados, a demanda desses produtos nem sempre é tal que garanta um preço maior do que o suficiente para pagar a mão-de-obra e repor, juntamente com seus lucros normais, o capital que precisa ser aplicado para comercializá-los. Se a renda é ou não suficiente para tanto, depende de várias circunstâncias.” (p.203)

Mesmo que a renda agrícola seja parâmetro para as outras, segundo Smith, o alimento que a gera possui um certo limite, o estômago humano, por conta de sua capacidade reduzida, diferente do desejo de comodidades e ornamentos para a casa, de vestuário. Por esse motivo quem desfruta de uma maior quantidade de alimentos em relação ao que irá consumir está propenso a trocar este excedente por artigos que geram comodidade ou por vestimentas. Porém, estes produtos não agrícolas possuem a peculiaridade de as vezes geram renda e às vezes não. Smith usa como exemplo uma mina de carvão, que para gerar renda depende tanto da fertilidade quanto a sua localização.

Se uma mina é improdutiva pouco importa se ela é bem localizada, pois sua produção não paga os gastos e, portanto, não gera lucro ou renda. O contrário também é verdadeiro, se uma mina for capaz de pagar o que nela foi investido, gerar lucro ao empresário e renda ao proprietário de nada vale se não estiver inserida em um local com boas estradas ou outras formas de escoamento do minério.

Após esta explicação Adam Smith evidencia que assim como a terra agrícola, a mina de carvão mais fértil regula o preço do carvão de sua região, ou seja, através dessa mina se estabelece o lucro normal.

“(...) Além disso, a mina de carvão mais fértil regula o preço do carvão em todas as outras minas da região. Tanto o proprietário como o empreiteiro da mina consideram, o primeiro, que pode obter uma renda maior, e o segundo, que pode auferir um lucro maior, vendendo um pouco mais barato que todos os seus vizinhos, que logo serão obrigados a vender pelo mesmo preço, embora não possam facilmente fazê-lo e embora isso sempre diminua sua renda e seu lucro, às vezes até eliminando-os totalmente. Algumas minas acabam sendo totalmente abandonadas, ao passo que outras não têm condições para proporcionar renda alguma, só podendo ser exploradas de forma rentável pelos proprietários.” (p.205)

Ao final desta segunda seção Smith compara as minas com as propriedades acima das terras, pois diferente das minas, o valor das terras inférteis não decresce pela proximidade das terras férteis quando referindo-se às propriedades sob o solo. O que ocorre é justamente o contrário, o valor dessas terras aumenta já que as terras férteis conseguem manter uma grande quantidade de pessoas e este fato proporciona um mercado para a produção as terras inférteis, que seria impossível de se manter apenas com as elas.

“A situação é outra em se tratando de propriedades acima do solo. O valor de sua produção e da renda da terra é proporcional à sua fertilidade absoluta e não à sua fertilidade relativa. A terra que produz uma certa quantidade de alimentos, material de vestuário e moradia sempre pode alimentar, vestir e alojar certo número de pessoas; e qualquer que seja a porcentagem que fica para o proprietário da terra, sempre ela tem condições de oferecer-lhe um controle proporcional do trabalho daquelas pessoas e das mercadorias com as quais aquele trabalho pode supri-los. O valor das terras mais estéreis não é diminuído pela proximidade das terras mais férteis. Pelo contrário, é geralmente aumentado por ela. O grande número de pessoas mantidas pelas terras férteis proporciona um mercado para muitas partes da produção das terras estéreis, que jamais teriam podido encontrar entre aqueles que sua própria produção poderia manter.

Tudo aquilo que aumenta a fertilidade da terra na produção de alimentos aumenta não somente o valor das terras nas quais se implantam aprimoramentos, mas contribui igualmente para aumentar o valor de muitas outras terras, criando uma nova demanda de sua produção. (...) O alimento não somente constitui a parte principal das riquezas do mundo, mas é a abundância de alimentos que confere a parcela principal de valor a muitos outros tipos de riqueza” (p.211)

Terceira parte: “ As variações na proporção entre os respectivos valores daqueles tipos de produto que sempre proporcionam renda e daqueles tipos de produtos que às vezes geram renda e às vezes não”

Nesta parte o autor discorre sobre a relação entre a variação dos valores dos diferentes produtos da terra: que sempre geram renda e que às vezes geram renda, alimentos e outros produtos, respectivamente, e como essa variação no valor dos alimentos afeta o valor de outros produtos.

“A abundância crescente de alimentos, decorrente do aumento das melhorias e do cultivo da terra, necessariamente aumenta a demanda de todo produto da terra que não seja alimento, e que possa ser utilizado para o uso ou para ornamentação. Poder-se-ia, portanto, esperar que, à medida que avança o desenvolvimento, só deveria haver uma variação nos valores comparativos desses dois tipos de produtos. O valor daquele tipo de produtos que às vezes proporcionam e às vezes não proporcionam renda deveria aumentar constantemente, em proporção àquele tipo que sempre proporciona renda. À medida que progridem a arte e os ofícios, os materiais do vestuário e de moradia, os fósseis e os minerais úteis da terra, os metais preciosos e as pedras preciosas deveriam gradualmente transformar-se em objetos de maior demanda, deveriam gradualmente poder ser permutados por uma quantidade sempre maior de alimentos ou, em outras palavras, deveriam tornar-se gradualmente cada vez mais caros. Isso ocorreu efetivamente com a maioria desses bens, na maioria dos casos, e teria acontecido com todos eles, em qualquer caso, se determinados eventos, em determinadas ocasiões, não tivessem aumentado a oferta de alguns deles em uma proporção ainda maior do que a demanda.” (p.212)

Nesse trecho Smith explana que com o passar do tempo a oferta de alimentos aumenta devido às melhorias do cultivo da terra e por conta disso ocorre um aumento na demanda de todo e qualquer produto da terra que não seja alimento e que tenha os mais diversos usos. Portanto, o valor dos produtos que às vezes geram renda deveria aumentar em uma constante quando comparado aos que sempre geram renda, em outras palavras, os produtos que sempre geram renda deveriam ficar cada vez mais caros. Isso pode ocorrer com qualquer tipo desse produto desde que a oferta não supere sua demanda.

Outro ponto analisado nesta parte é referente às minas de prata e como seu valor difere de outras extrações.

“O valor de uma canteira de pedra lavrada, por exemplo, aumentará necessariamente, aumentando o aprimoramento e a população das terras que lhe estão próximas, sobretudo se a pedreira for a única da região. Em contrapartida, o valor de uma mina de prata, mesmo que não houvesse outra dentro de um raio de mil milhas, não necessariamente aumentará com o aprimoramento da terra em que a mina está localizada. O mercado do produto de uma pedreira raramente pode estender-se mais do que algumas milhas ao redor, e a demanda geralmente será proporcional ao grau de aprimoramento e à população desse pequeno distrito. Mas, o mercado para a produção de uma mina de prata pode estender-se a todo o mundo conhecido. A menos, portanto, que o mundo todo crescesse em desenvolvimento e em população, a demanda de prata poderia não aumentar em absoluto, mesmo com o aprimoramento de uma grande região nas proximidades da mina.” (p.212)

Nesse trecho é discutido a diferença entre uma pedreira e uma mina de prata. A primeira aumenta tanto o aprimoramento quanto a população das terras que estão próximas, principalmente se esta for a única na região. Diferente da mina de prata, que mesmo sendo a única em uma determinada região não é certo que seu valor aumente o aprimoramento da terra, porém a influência de mercado da mina de prata é muito maior quando comparado à pedreira, além de que a demanda será proporcional ao grau de aprimoramento e a quantidade de pessoas próximas.

Ao fim desta terceira parte Smith relaciona o preço da prata e do trigo e analisa três possibilidades de ocorrência entre os preços. Na primeira situação o autor supõe que há o aumento na demanda da prata é superior a sua oferta, segundo ele o valor da prata aumentaria gradualmente quando comparado ao trigo. Desse modo, uma quantidade x de prata poderia ser trocada por uma quantidade cada vez maior de trigo. A segunda situação ocorre quando a oferta da prata se torna maior que sua demanda, nesse caso a prata se tornaria cada vez mais barata, ou seja, o preço do trigo se tornaria cada vez mais alto. Por fim, na terceira situação, Adam Smith analisa se a oferta da prata aumentasse na mesma proporção que sua demanda, caso isso ocorresse o preço do trigo continuaria praticamente o mesmo .

3. Conceito de Karl Marx sobre renda da terra

Karl Marx inicia o capítulo 46, intitulado “Renda dos Terrenos para Construção. Renda das MInas. Preço do solo” do livro terceiro d’O Capital explicando que onde houver renda sempre haverá a renda diferencial e que possui as mesmas características da renda diferencial agrícola, em outras palavras Marx aponta que a renda diferencial está presente em todo tipo de renda, porém este é um assunto que não será tratado neste capítulo por já ter sido abordado em capítulos anteriores, além de que a questão da renda diferencial possui uma importância prática, mas não explicativa.

Logo em seguida o autor evidencia como a renda da terra é formada.

“(...) Onde quer que os recursos naturais possam ser objeto de monopólio e assegurar ao industrial que os explora um lucro suplementar - trata-se de quedas d’água, minas de ricos veios, águas piscosas ou terrenos para construir bem situados - apodera-se desse lucro suplementar, na forma de renda, subtraindo do capital ativo, aquele que detém o privilégio de dono desses recursos em virtude de título de propriedade sobre uma parcela do globo terrestre.” (p.887)

Neste trecho inicial Marx expõe que a renda da terra surge da exploração da mesma, que possui propriedades capazes de transformá-la em objeto de monopólio, desse modo, o capitalista arrecada um, chamado, lucro suplementar, que provém da exploração da terra e este se torna renda ao proprietário da terra explorada, ou seja, a renda é uma derivação do lucro suplementar, pois caso não a seja não vale a pena para o capitalista. Desse modo a terra pode se tornar a condição, o meio ou até mesmo o produto para a geração de renda.

A terra pode ser considerada como meio para a geração de renda quando nos referimos à mineração ou à agricultura, diferente de quando tratamos da construção na qual a terra se torna o produto para a geração da renda. Pode ser usado como exemplo, para melhor exemplificar esta relação, a venda de um produto agrícola qualque, como a banana. Quando se vende uma certa quantidade de banana apenas ela que é vendida, como sendo um produto que possui um trabalho empregado em si, portanto possui um certo valor e, assim, lhe é atribuído um determinado preço, porém, novamente, apenas a banana é vendida a terra, portanto, serviu como um meio para a geração da renda. No entanto, quando se é construída uma residência em determinado terreno e esta construção é vendida não é apenas ela que é adquirida, mas também o terreno na qual a residência se encontra, ou seja, a terra se torna um produto e, consequentemente, gera renda ao seu proprietário.

Neste ponto é possível entender a renda de terra como a representação de um valor em que não existe um trabalho envolvido, em outras palavras, a terra não possui nenhum valor já que não foi necessário nenhum tipo de trabalho para que ela fosse criada, desse modo a renda age como uma forma de representar esse valor inexistente da terra, que é encaminhado ao seu proprietário.

“(...) Parte da sociedade exige da outra um tributo pelo direito de habitar a terra, pois de modo geral na propriedade fundiária se inclui o direito do proprietário de explorar o solo, as entranhas da terra, o ar e por conseguinte o que serve para conservar e desenvolver a vida. Concorrem para elevar necessariamente a renda fundiária relativa a construções o aumento da população, a necessidade crescente de habitações daí resultante e o desenvolvimento do capital fixo, que se incorpora à terra ou nela lança raízes ou sobre ela repousa, como todos os edifícios industriais, ferrovias, armazéns, estabelecimentos fabris, docas, etc. Aí não é possível reduzir o aluguel, que representa juro e amortização do capital empregado na construção, à renda correspondente apenas ao terreno, (...), sobretudo quando o proprietário da terra e o especulador em construção são pessoas diferentes, como na Inglaterra.” (p.888)

Nesse excerto há pontos que se devem considerar para que ocorra a melhor compreensão sobre renda da terra de Marx. No início o autor cita um tributo referente ao direito de habitar a terra, que surge através de um monopólio - a terra - constituído de dois aspectos - a matéria e o espaço - que possibilita três tipos de renda - Imobiliária, extrativa e fundiária - na qual resultam em apenas um tributo que é direito do proprietário da terra de receber, direito esse que é o mesmo que o proprietário tem de explorar o solo e suas potencialidades e, consequentemente, garantem a existência humana. Por essa característica a demanda por habitação se torna cada vez maior sendo necessário investimento e desenvolvimento do capital fixo nessas regiões, por conta desses investimentos em capital fixo é impossível diminuir o aluguel desses locais.

Neste ponto é importante diferenciar aluguel de renda, pois são conceitos semelhantes, porém possuem suas diferenças. Ambos representam um determinado preço destinado ao proprietário devido ao uso do solo, porém a renda é apenas renda, ou seja, a renda é nada mais nada menos que a transformação do lucro suplementar. Já o aluguel é algo a mais que a renda, nele está contido e representa tanto o juro e a amortização do capital empregado no solo, além de uma pequena parte da renda, enquanto a renda corresponde apenas ao terreno.

Marx, então evidencia dois aspectos, da terra, que se é necessário considerar, o primeiro em que a terra é explorada com a intenção de reprodução ou de extração, em outras palavras, a terra é vista como um meio para se gerar lucro. Já o segundo ponto refere-se à terra como como um fator importante e necessário para a toda a atividade humana.

“(...) Cabe aí considerar dois aspectos: a exploração da terra com o fim de reprodução ou de extração, e o espaço, elemento necessário a toda produção e a toda atividade humana. E a propriedade fundiária cobra seu tributo nos dois domínios. (...)” (p.888)

Portanto, a propriedade fundiária cobra seu tributo tanto na exploração da terra quanto em relação ao espaço, pois necessita deste, ou seja, necessita da terra em si para que se possa explorá-la da maneira que quiser e que for possível, seja ela extração de algum minério, produção agrícola.

Uma das atividades imprescindíveis para a humanidade que o autor se refere no excerto anterior é a moradia e no trecho seguinte ele explica essa relação, entre as necessidades humanas e os terrenos para construção.

“(...) A procura de terrenos para construir aumenta o valor do solo na função de espaço e de base , e ao mesmo tempo faz acrescer a procura de elementos da terra que servem de material de construção.” (p.888)

Assim a necessidade humana de residir em um local acarreta no aumento do valor do solo devido ao aumento da procura por moradia e, consequentemente, aumenta, também, a procura por materiais de construção para que se possa utilizá-los nos terrenos e assim atribuí-los como espaços. Muitas vezes essa procura por materiais de construção permite que terrenos que antes não geravam renda alguma comecem a gerar pelo aumento dessa demanda específica.

Por fim, Marx, relaciona o preço de monopólio com a renda que, segundo ele, existem dois momentos: quando a renda deriva do preço de monopólio e o inverso, quando o preço de monopólio deriva da renda.

“São duas coisas a distinguir: 1) ou a renda deriva de preço de monopólio por haver dela independente preço de monopólio dos produtos ou do próprio solo, ou 2) os produtos se vendem a preço de monopólio por existir renda.(...)” (p.890)

Segundo o autor, a renda é proveniente do preço de monopólio a partir do momento em que um produto é produzido em uma quantidade reduzida e por si só este produto atrai diversos compradores, em outras palavras a demanda é muito maior que a oferta. Portanto o excedente desse preço sobre o valor é determinado, exclusivamente, pela riqueza e pela disposição dos possíveis compradores de adquirir o produto. Para exemplificar melhor Marx utiliza como exemplo uma vinícula.

“(...) Uma vinha onde se obtém vinho de qualidade excepcional e que só pode ser produzido em quantidade relativamente reduzida proporciona preço de monopólio. O excedente desse preço sobre o valor do produto é determinado unicamente pela riqueza e pela paixão dos bebedores requintados,e em virtude de tal preço o viticultor realiza importante lucro suplementar. Esse lucro suplementar que deriva do preço de monopólio converte-se em renda e sob esta forma cabe ao proprietário da terra, em virtude de seu direito sobre esse pedaço do globo terrestre dotado de qualidades especiais.(...)”(p.890)

Já o segundo caso em que a renda gera o preço de monopólio se dá a partir do momento em que um produto é vendido acima do seu preço de produção e de seu valor, já que a propriedade fundiária não permite aplicação de capital caso não haja renda. Essa situação é explicada pelo autor com o exemplo da plantação de cereais.

“(...) Ao revés, a renda gera o preço de monopólio quando cereais se vendem acima do preço de produção e ainda acima do valor em virtude de a propriedade fundiária impedir a aplicação do capital em terras incultas, se este não lhe pagar renda.(...)” (p.890)

4. Comparação entre os conceitos de Adam Smith e Karl Marx

Por ter sido escrito anos depois de “A Riqueza das Nações” e por algumas referências a esta obra é quase impossível não traçar um paralelo entre o conceito de Karl Marx e de Adam Smith sobre renda da terra. Portanto, neste ponto, após a apresentação do conceito dos dois autores será feito a comparação entre eles.

Smith divide os produtos em dois tipos: os que sempre geram renda ao proprietário da terra, independente de qualquer fator e os produtos que as vezes geram e as vezes não geram renda ao proprietário da terra, poi depende de determinados fatores e situações. Segundo ele apenas produtos agrícolas se encaixam na primeira classificação por serem fundamental à sobrevivência humana e por esse motivo a renda gerada por esses produtos servem de parâmetro para as rendas geradas pelos demais produtos.

Adam Smith possui uma visão mais econômica sobre a discussão da renda da terra, mas mesmo com um viés de pensamento social, Marx faz referência e concorda com alguns colocações de Smith sobre a renda de terrenos.

“(...) No tocante aos terrenos para construção, A. Smith já mostrou que a respectiva renda, como a de todos terrenos não-agrícolas, se baseia na renda agrícola propriamente dita (Book 1, Capítulo XI, 2 e 3). (...)” (p.887)

Percebe-se com este excerto que Marx concorda com A.Smith de que a renda de terrenos não agrícolas se baseia na renda agrícola, porém para Smith há a diferença entre esses produtos sendo que sempre geram renda e os que as vezes geram renda, sendo esse um dos motivos dos produtos agrícolas serem a base para as outras rendas. Enquanto para Marx essa divisão não existe, para ele todo e qualquer terreno, independente do produto produzido, tem potencialidade de gerar renda, pois a renda é um fator correspondente apenas ao terreno, o que pode ocorrer, segundo Marx, é de não valer a pena a geração da renda para o capitalista, isso ocorre se não houver a geração do lucro suplementar, pois dele há a transformação em renda.

Marx usa, em uma nota de rodapé na p.888, como referência à seguinte passagem de Adam Smith para explicar que com o aumento da busca de terrenos para construção aumenta também a procura de outros elementos da terra.

“A pavimentação das ruas de Londres possibilitou aos proprietários de algumas pedreiras áridas da costa da Escócia auferir uma renda daquilo que nunca pudera ser aproveitado antes.” (p.202)

Ambos autores, portanto, concordam que terras que antes não estavam sendo utilizadas por conta de alguma situação específica do local ou qualquer outro fator, podem passar a ser importantes e gerarem renda pelo mesmo motivo. Seguindo o exemplo de Smith, com o início da pavimentação das ruas de Londres pedreiras escocesas antes esquecidas passaram a gerar renda aos seus proprietários.

Em outro ponto Marx cita o seguinte trecho de A. Smith para exemplificar como a renda da mineração é determinada, que segundo ele é determinada do mesmo modo da renda agrícola.

“Outras existem cuja produção é apenas suficiente para pagar a mão-de-obra e repor, juntamente com seu lucro normal, o capital investido na exploração. Proporcionam algum lucro ao empreiteiro, mas nenhuma renda ao proprietário. Só podem ser exploradas com vantagem pelo proprietário da terra, o qual, sendo ele mesmo o empresário da obra, aufere o lucro normal do capital por ele investido. Muitas das minas de carvão da Escócia são exploradas dessa forma, não podendo ser de outra. O proprietário da terra não permitirá a nenhuma outra pessoa a exploração dessas minas, sem que esta pague alguma renda, e ninguém tem condições para fazê-lo.” (p.204)

Desse modo, ao citar Smith para se ter argumentos de que a renda na mineração ocorre do mesmo modo que a renda agrícola, mostra que Marx concorda nesse ponto com Adam Smith. Portanto, os momentos em que Marx cita Smith ele concorda com o autor, sempre citando um trecho ou uma ideia para embasar seu argumento.

Um dos principais pontos que os dois autores divergem é em relação aos tipos de produtos que geram renda, definido por Smith, os que sempre e os que as vezes geram renda, enquanto que para Marx todo terreno gera renda e a única classificação de renda que o autor faz é quando a renda deriva do preço de monopólio ou o inverso, quando o preço de monopólio deriva da renda. Outro ponto que difere entre os dois autores, não é uma divergência de conceitos ou ideias, mas sim de enfoque referente ao tema, enquanto Smith se foca no fator econômico da renda da terra, como por exemplo do que é mais vantajoso para o proprietário da terra ou para o arrendatário. Enquanto Marx se foca no fator social da renda da terra, por exemplo, como o fator da renda afeta a relação entre o proprietário da terra e o capitalista.

5. Conclusão

A renda da terra foi um assunto discutido tanto por Adam Smith quanto por Karl Marx. Smith inicia a discussão em 1776 com sua obra “ A riqueza das Nações”, tratando-se do tema com um viés mais econômico, assim como toda essa obra. Em 1894, quase 120 anos depois da publicação de Smith, o assunto volta a ser abordado por Marx no terceiro volume d’O Capital em que o autor faz diversas referências ao que A. Smith escreveu, porém sem explicação. Marx trabalha com uma visão mais social da renda da terra, ou seja, das relações que permeiam o assunto.

Smith se baseia muito na lei da oferta e demanda ao explicar sobre a renda de terrenos, que é feita, de certa forma por Marx ao citar o autor. Porém ao se ler o capítulo referente ao assunto de ambos os autores, percebe-se que não é necessária a leitura de Adam Smith para se compreender a de Marx e vice e versa, porém a leitura do texto de Smith se torna, de certa forma, um complemento para o texto de Marx, que elucida diversas ideias e anotações do autor, além do conceito de renda da terra ficar mais claro.

O conceito de renda dos terrenos é comum para ambos os autores. Se trata de uma forma de pagamento pelo uso da terra, que é destinado ao proprietário do terreno utilizado, ela surge do lucro suplementar, ou seja, o lucro superior ao lucro médio, que é de direito de todo capitalista, sendo que este extra se transforma em lucro suplementar, que por sua vez se torna renda destinada ao proprietário da terra.

Portanto, a leitura do texto de Adam Smith não é um pré requisito para se ler o texto de Karl Marx, já que o conceito de renda da terra é igual em ambos os autores. Porém, a leitura de Smith se torna necessária para um melhor entendimento de alguns conceitos que Marx deixa sem explicação, além de se ter um pensamento crítico mais elaborado acerca do tema proposto pelos autores.

6. Bibliografia

MARX, Karl. O Capital: Livro 3 - O processo global de produção capitalista. Tradução: Reginaldo Sant’Anna. 1ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

SMITH, Adam. Os Economistas: A Riqueza das Nações Vol.1 - Investigação sobre sua natureza e suas causas. Tradução: Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultura Ltda; 1996 


Publicado por: Bruno Lázaro dos Santos Sant'Ana

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