A GUERRILHA DO ARAGUAIA: A LUTA ARMADA NO CAMPO E SUAS CONSEQUÊNCIAS HISTÓRICAS

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1. RESUMO

O presente trabalho busca compreender a discussão sobre a guerrilha do Araguaia, que inclui a luta armada no campo e suas consequências no Brasil durante a ditadura militar (1964-1985). Analisar a luta guerrilheira e a resistência armada no Brasil, as discussões em torno do Araguaia, seu papel, estabelecimento e conflitos. Compreender as condições que levaram o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) a dirigir seus militantes a uma região inóspita e remota em busca da "libertação nacional" ou do "sonho do socialismo".

Tópicos como "suicídio revolucionário", ocultação de "fatos e cadáveres", tortura de guerrilheiros e população local, foquismo, maoísmo. É necessário buscar entendimentos em torno de uma questão importante que foi "ofuscada" pelo protagonismo da resistência urbana, caracterizada pela "Ação Nacional de Libertação" (ALN), na figura de Carlos Marighela e entre outras organizações que tinham o mesmo objetivo, mas que por ideologias divergentes ou discordâncias, buscavam caminhos diferentes.

Como já foi dito, o protagonismo da luta e da resistência tomou a direção e a abordagem urbana, alguns motivos podem ter levado a tal "deslumbramento" da luta no campo, uma delas foi a negação da existência guerrilheira pelas forças armadas, A censura da mídia, longe dos grandes centros, as operações de "limpeza" administradas pelo exército, junto com a implacável repressão estabelecida na região dos conflitos, reprimindo quem ousasse falar sobre o assunto.

Palavras-chave: Guerrilha. Ditadura. Resistência Armada. Brasil. Movimentos Políticos.

ABSTRACT

The present work seeks to understand the discussion about the Araguaia guerrilla, which includes the armed struggle in the countryside, its consequences in Brazil during the military dictatorship (1964-1985). To analyze the guerrilla struggle and armed resistance in Brazil, the discussions around the Araguaia, its role, establishment and conflicts. Understand the conditions that led the Communist Party of Brazil (PCdoB) to direct its militants to an inhospitable and remote region in search of "national liberation" or the "dream of socialism."

Topics such as "revolutionary suicide", concealment of "facts and corpses", torture of guerrillas and local population, foquismo, Maoism. It is necessary to seek understandings around an important issue that was "overshadowed" by the protagonism of the urban resistance, Characterized by "National Action of Liberation" (ALN), in the figure of Carlos Marighela and among other organizations that had the same objective, but that by divergent ideologies or disagreements, looked for different ways.

As has been said, the protagonism of the struggle and resistance took the direction and urban approach, some motives may have led to such a "dazzle" of the struggle in the field, one of them was the denial of guerrilla existence by the armed forces, Media censorship, Away from the great centers, the "cleaning" operations administered by the army, along with the relentless repression established in the region of the conflicts, repressing who dared to speak on the subject.

Keywords: Guerrilla. Dictatorship. Armed Resistance. Brazil. Political Movements.

2. INTRODUÇÃO

A ditadura militar (1964-1985) foi o período vivenciado pelos brasileiros, muitas mortes, chacinas, encarceramento, tortura e privação total e parcial da liberdade, isso caracteriza o período de 21 anos, resistido à custa de muitas perdas. O recorte histórico que compreende o início dos combates da guerrilha do Araguaia vai de meados de 1966 a 1967, quando chegam os primeiro militantes na região do Araguaia, data o primeiro combate impetrado pelo exército em 1972 e tendo como final nos anos 1975 conforme destaca Gorender em “Combate nas trevas” (1987, Cap. 29).

Tal episódio requer um resgate do assunto, pois o que se tem sobre, são alguns poucos livros, alguns documentários e um filme, mas que só vieram a público em tempo recente. O maior deslocamento de tropas militares do Brasil após a 2º guerra mundial (cerca de 10 mil homens), isso credencia a guerrilha como um fato de guerra isolada, pois a mesma se deu no campo, nos entornos do rio Araguaia, no sul do Pará, mas que teve outros estados vizinhos como participantes seja no estabelecimento de bases militares, ou núcleos de fornecimento e subsídios.

Tendo os fatos relevantes “expostos” de maneira breve, pretende-se com este trabalho, somar no entendimento, clarear algumas dúvidas. Não se pode simplesmente ignorar, subestimar ou diminuir os efeitos da guerrilha, o aprofundamento teórico é base de sustentação para trabalhos futuros que ainda podem vir à tona.

O objetivo central deste trabalho é compreender e analisar a guerrilha do Araguaia no viés de conflito no campo (rural), que planejado por diversas organizações de resistência, mas apenas o PCdoB conseguiu sua efetivação, conflito este, que teve duração de mais de quatro (4) anos, mobilizando um imenso deslocamento de tropas, jamais visto em tamanha proporção após a segunda guerra mundial, foram cerca de dez mil efetivos militares, divididos entre Marinha, Aeronáutica e Exército. Interpretar as consequências históricas deste acontecimento se faz necessário para ampliar o entendimento sobre o poder de repressão do Estado ditatorial da época, como mantenedor da ideologia burguesa, camuflada sob o emblema de “ordem e progresso”.

Analisar os efeitos sobre o apoio das massas no curso do desenvolvimento da luta armada, como isso aconteceu se teve a adesão esperada, interpretar como a “falta de sincronia” com as lutas urbanas interferiu ou não na guerrilha. Avaliar a negação das forças armadas sobre os acontecimentos de guerra no Araguaia e o sumiço dos corpos dos guerrilheiros, que hoje, em dias atuais, as famílias ainda não receberam informação sobre o paradeiro de seus entes. Compreender seus impactos em futuras decisões do partido comunista e movimentos progressistas que comungavam de um ideal igual ou similar. O contexto de aceitação ou não dos erros e falhas por parte dos organizadores da guerrilha. Discutir e apreciar o que a guerrilha do Araguaia representa para atualidade do seu genitor (PCdoB) e como é repercutida no quadro militante da organização.

Neste trabalho utilizo a metodologia de exposição dos fatos de maneira breve, subdividindo a guerrilha em capítulos, fazendo uma explanação geral dos acontecimentos vividos no Araguaia pelos guerrilheiros e os enfrentamentos com as forças armadas, desde o surgimento da guerrilha até os dias finais. Finalizo o trabalho com duas entrevistas de importantes que remetem ao PCdoB, um militante da UJS, de Chapecó, que foi o único escolhido do Estado de Santa Catarina para participar de uma caravana expedicionária que visitou as cidades onde os conflitos aconteceram, a caravana foi organizada pela direção nacional da UJS, tinha como foco fazer a reconstrução de alguns momentos importantes, visitar e entrevistar moradores locais. A outra entrevista é ligada a direção nacional do PCdoB, o entrevistado também é responsável pelo acervo e publicação da Fundação Maurício Grabois, essa discussão busca tirar algumas dúvidas referentes a história da guerrilha, sua importância dentro do partido e como o partido lida com os acontecimentos do passado e de que maneira constrói o partido atualmente, seus objetivos e desafios.

3. CAPÍTULO I

3.1. OS COMUNISTAS NO BRASIL

O sonho do estabelecimento da guerrilha rural era uma preocupação constante nas organizações de resistência, o único que conseguiu de fato instaurar a “tão sonhada” guerrilha rural foi o PCdoB (Partido Comunista do Brasil), que em meados de 1966-67 deslocou os primeiros militantes até o Araguaia e começou implantar algumas ações de reconhecimento.

Um fato que possivelmente teve uma importância crucial é que o PCdoB se resguardou da guerrilha urbana, pois o foco era a preparação e efetivação da guerrilha rural e por isso conseguiu juntar forças e recursos para sua concretização, mas não se atentaram em notar que iriam ficar isolados, pois as guerrilhas urbanas estavam em declínio e quase extintas: “Por volta de 1971, às organizações de confronto violento com a ditadura entraram na fase terminal de extinção...”. (GORENDER, 1987, p.14).

Em suma pode ser analisado que não houve uma unificação da esquerda, as lutas urbanas tinham enormes fragmentações e mais distantes foi à relação com a guerrilha rural, a descentralização e a falta de unidade contribuíram para a extinção dos movimentos armados:

Todavia, o fato de todas as esquerdas agirem de maneira completamente desligadas umas das outras e num abandono teórico pulsante – com uma pesada carga estratégica legada pelo seu passado recente – faz de suas derrotas um processo de dupla falência: sua falência física, a saber, o desmantelamento da esquerda pela opressão; e sua falência teórica, impossibilitando a apreensão da realidade imediata para uma prospecção resoluta. (REZENDE, 2010, p.235)

Pensar os limitadores da guerrilha, erros, tropeços e acertos, possibilita aprofundar o debate que cerca essa “epopeia pela liberdade” (2002). Os movimentos de resistência não foram homogêneos em suas estruturas e muito menos simpatizantes dos mesmos meios que inevitavelmente levariam ao mesmo fim (libertação nacional), essa diacronia entre organizações é relevante no entendimento dos impactos que os movimentos armados revelaram no decorrer de suas trajetórias.

Os comunistas no Brasil passaram por momentos conturbados ao longo de sua existência, a clandestinidade fez parte da organização durante um longo tempo, obrigando o partido a se refugiar e agir em surdina frente à proibição legal que dificultava suas práticas. O ano de 1922 foi marcante para os comunistas no País, depois de algumas tentativas frustradas de criação e fundação do partido, finalmente se concretizava a organização, como se destaca a seguir:

Assim, em 25 de março de 1922, na cidade de Niterói, foi formalmente fundado o PCB, reunindo nove delegados, que representavam 73 associados... A saudação à fundação do partido, em nome da IC, foi feita por Rodolfo Ghioldi. Ao final dos trabalhos, foi escolhida uma Comissão Central Executiva (CCE) de cinco membros, com mais cinco suplentes. Eram eles Abílio de Enquete, Astrojildo Pereira, Antônio Canellas, Luiz Peres e Antônio Cruz Jr; com os suplentes Cristinao Cordeiro, Rodolfo Coutinho, Joaquim Barbosa, Antônio de Carvalho e Manuel Cedon. (RIDENTI, 2007, p. 25)

Figura 1: Fundação do PC

Fonte: Jornal Alerta Total.1

Essa CCE (1º) não durou muito tempo, menos de cinco anos. Os primeiros anos de existência formal do PCB foram marcados por inúmeras rupturas na direção executiva, por diversos motivos, sejam por desilusões, traições, prisões, alinhamento com outras siglas partidárias, dentre outros fatores. A unidade e coesão partidária que servira de núcleo orientador estavam em constante instabilidade.

A aproximação de Luiz Carlos Prestes foi morosa e de forma gradual ao longo dos anos, em 1930 ele se autodeclarava comunista e alinhado com o PCB, posteriormente foi preso no governo de Getúlio Vargas, acusado de dirigir um levante armado, que foi rapidamente destruído, estava frustrado, pois esperava apoios numerosos da Marinha e de oficiais do Exército e Aeronáutica, o que veio a não acontecer, como consequência, sua mulher Olga, foi presa e sem muita demora extraditada para Alemanha de Hitler, onde acabou morrendo na câmara de gás, motivada por sua origem judia.

Depois da prisão em meados de 1945, toma a frente do PCB, partido alinhado aos bolcheviques soviéticos, estava em acordo de orientação com as normas e diretrizes aprovadas na Internacional Comunista, esta última, dava linha aos partidos comunistas espalhados pelo globo. Um fato extraordinário balançou profundamente as hostes comunistas no mundo, após a morte de Stalin. O dirigente comunista da URSS N. Khrutchev revelou um relatório secreto, onde denunciava os possíveis crimes de Stalin, o grande líder soviético foi duramente atacado e o PCB, pelo menos uma parte dele, aceitou as acusações que mais tarde, seria uma das motivações que levou a quebra e reorganização dos comunistas no Brasil.

Logo após o relatório de N. Khrutchev, o interior do PCB mostrava-se cada vez mais conturbado: acusações de revisionismo, reboquismo e até apoio a burguesia nacional estavam em pauta. A formação original, encabeçada por Astrojildo Pereira já estava desmantelada, os esforços de unidade ficaram sob responsabilidade de Prestes, mas a preocupação em legalizar o Partido teve impactos que mudariam para sempre a história do PC no Brasil.

Em agosto de 1961 a nova direção, eleita no congresso e quase completamente limpa de elementos revolucionários, a pretexto de obter a legalidade do partido, retirou dos estatutos a afirmação de que o partido se orientava pelos princípios do marxismo-leninismo e do internacionalismo proletário e mudou o nome da organização. A resposta dessa direção àqueles militantes que não concordavam com tais medidas, que na prática significavam a criação de um novo partido, foi à aplicação de punições, a dissolução de organismos e a retomada da campanha de calúnias contra os que divergiam. A estes não restou outro caminho senão reorganizar o PCdoB em contra posição ao pacifismo e á abdicação dos princípios leninistas que caracterizavam a parcela partidária que ficara sob a direção de Prestes. Assim, a partir de fevereiro de 1962, com a realização da Conferência Extraordinária que reorganizou o PCdoB, bifurca-se a história de PC. A grande maioria das organizações e militantes do antigo PC, presa a uma confiança em homens como Prestes e não às concepções e princípios, permaneceu sob a direção oportunista. Só com o golpe de 1964, que colocou em maior evidência a natureza oportunista e burguesa da política da direção do Partido Comunista Brasileiro, recomeçou um novo processo de cisões que conduziu a formação de diversas organizações revolucionárias que optaram pela guerrilha urbana. (POMAR, 1980, p. 10)

A partir de então começa a jornada do PCdoB. Nenhum outro País no mundo da época teve dois “PC’s”. A cisão aqui exposta foi provada por diversos fatores e o resultado foi reorganização de um novo partido comunista e o PCB sofreu fortes dissidências que acabaram com sua base de sustentação. Pode-se afirmar que foi o genitor das mais variadas organizações de resistência à ditadura, mas ele próprio pouco atuou nos anos calamitosos do regime totalitário, sendo criticado por sua tática conciliadora, oportunista e a reboque da burguesia.

Em 1962, a nova direção do PCdoB assume, com ar de novo, com experientes comunistas que anteriormente ocuparam cargos de direção no PCB. Posteriormente vários foram expulsos do PCB, por discordarem da linha ideológica que o partido estava adotando como: o revisionismo e a aceitação dos crimes de Stalin denunciados pelo PCUS soviético. Os nomes que encamparam o PCdoB foram: João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar, Carlos Danielli e Calil Chade.

A menos de dois meses que antecederiam o golpe de abril de 1964, o PCdoB publica em seu jornal “A classe operária” um artigo intitulado: “O Partido Comunista do Brasil – autêntica vanguarda revolucionária”. Redigido por João Amazonas:

O partido se tem mantido fiel a seu programa, tem propagado com persistência a ideia da revolução como única saída para os problemas brasileiros. Mas isto não basta. Prosseguindo nessa atividade, é indispensável intervir concretamente na vida política. Os comunistas não podem ficar indiferentes a nenhum acontecimento político nem às lutas reivindicatórias das massas. Não podem adotar uma atitude sectária sob o pretexto de defender posições revolucionárias. É preciso ter em conta a concepção leninista de que a revolução é feita pelas massas e não por pequenos grupos delas divorciados. Cabe aos comunistas participar, ativamente, do movimento operário, das lutas camponesas, das ações estudantis e de todas as manifestações populares. Na etapa atual da revolução o PC do Brasil tem a missão de levantar bem alto a bandeira da emancipação nacional e de combater sem tréguas o imperialismo norte-americano, inimigo jurado do povo brasileiro. (OLIVEIRA, 2012, p.78)

É possível analisar em uma passagem da citação a cima, a discordância do PCdoB ao foquismo, em que um pequeno grupo guerrilheiro toma frente e assume o protagonismo da luta revolucionária: “É preciso ter em conta a concepção leninista de que a revolução é feita pelas massas e não por pequenos grupos delas divorciados”. Em uma passagem no Livro de (POMAR, Vladimir, 1980), é passível de identificação a repulsa pela teoria do “foco” e a proximidade com a revolução cultural chinesa, ou guerra popular, Pomar destaca as orientações, método de trabalho e convicções do PC do Brasil:

Para forjar a união do povo, elemento básico da guerra revolucionária, e para levar a cabo a mobilização permanente das massas do campo e das cidades, não se pode prescindir de uma organização política que, por sua concepção e objetivos, esteja a serviço da unidade do proletariado e da aliança operário-camponesa, aliança em torna da qual se aglutinarão todas as demais forças progressistas. Esta organização é o Partido Comunista. É evidente, pois, que não será pelos falsos caminhos de levantes de quartéis, de colunas errantes, de apoio em dispositivos militares de governo ou da chamada teoria do “foco” que o povo brasileiro conseguirá a sua libertação. Ele terá de recorrer a outros métodos para derrotar seus inimigos. O método que corresponde à realidade e às exigências da revolução brasileira é o da guerra popular. (POMAR, 1980, p.104)

Ao contrário do PCB que era alinhado ideologicamente ao PCUS da URSS o PCdoB estava mais próximo da guerra popular Chinesa, liderada pela figura emblemática de Mao-Tsé-Tung, fato se deu pelo motivo dos soviéticos não reconhecerem o PCdoB, a sustentação internacional e reconhecimento veio da China, os mesmo discordavam dos alinhamentos tomados após a morte de Stalin e tendo conhecimento de que os soviéticos apoiavam o PCB, Mao sinaliza uma aproximação ao reorganizado e novo PCdoB, que mais tarde, enviou militantes para treinamento na China, não obstante, este alinhamento não se deu sem discordâncias e questionamentos, mas se concretizou e ganhou unidade no percurso. A nova direção não esperava que dois anos após sua reorganização tivesse que enfrentar longos anos de repressão da ditadura militar.

Figura 2: Conferência do PCdoB

Fonte: Jornal Alerta Total.2

A separação dos dois “PC’s” não foi algo de fácil aceitação, muitos atritos foram gerados. Mais tarde foi possível fazer uma reflexão sobre o que representou esta separação, o que motivou tal decisão. Segundo João Amazonas, o PCUS soviético foi o principal motivador da cisão do PC no Brasil:

Se existia um responsável pela cisão era o próprio PCUS e o seu XX Congresso, que aprovou “teses bastante discutíveis” e lançou “confusão a respeito do culto à personalidade, estimulou os oportunistas de todos os matizes e aqueles que combatiam a existência de um partido independente da classe operária, autenticamente revolucionário”. (OLIVEIRA, 2012, p.76)

Em outra passagem, fica evidente a crescente motivação do PCdoB em buscar base de sustentação internacional e dar certa “originalidade” ao partido reorganizado, mostrando que o oportunismo do PCB, duramente criticado pelo PCdoB, as divergências entre os dois partidos comunistas no Brasil fica cada vez mais sólida e acirrada, alguém detinha uma grande parcela de culpa, isso foi designado ao revisionismo contemporâneo atribuído aos “soviéticos pós-morte de Stalin”, estes, que havia segundo concepções do PCdoB, se distanciado da verdadeira causa revolucionárias, sendo assim, o PCdoB busca outra base de apoio:

A partir daquelas reuniões e das articulações internacionais feitas pelo PCdoB, João Amazonas se projetou como um dos principais dirigentes de uma nova corrente do movimento comunista internacional, que se opunha ao chamado revisionismo soviético e se intitularia marxista-leninista. Essa corrente teria como referências principais a China e a Albânia. (OLIVEIRA, 2012, p.76)

Figura 3: Encontro comunista:

À esquerda, Mao Tsé-tung (China) e João Amazonas. A direita João Amazonas e Enver Hoxha (Albânia).

Fonte Esquerda: Fundação Maurício Grabois. Fonte Direita: Albânia Today. 3

Esta relação entre China e Albânia foi crucial no desenvolvimento do PCdoB, o apoio internacional conferia um valor moral e de prestígios e mostra também a perda da hegemonia da URRS como polo aglutinador dos Partidos Comunistas pelo mundo após a denúncia de N. Khrutchev. Outros autores brasileiros, ao tratarem sobre a Guerrilha do Araguaia, seu isolamento e consequências relembram a relação do PC do Brasil com China e Albânia: “Entre 1964 e 1968, os chineses haviam-lhe dado dezoito vagas em seus cursos de capacitação militar, mas desde o ano seguinte suas relações com Pequim estavam frias. Seu santuário externo mais próximo ficava a 8550 quilômetros de distância, na Albânia.” (GASPARI, 2002, p.419).

4. CAPÍTULO II

4.1. GUERRILHA DO ARAGUAIA

A guerrilha do Araguaia vem a se concretizar após anos de estudos de área, terreno, topografias e indicadores econômico-sociais, o lugar teria que dispor de certos aspectos que tornassem minimamente possível sua efetivação e continuidade, sabia-se que a luta futuramente a ser travada iria se estender por longos anos e que o apoio popular deveria ser conquistado e tais aspectos viriam do povo marginalizado, sem assistência e onde o Estado não era presente, praticamente inexistia.

A ideia de campo como “cenário favorável” é retomada [...] “O interior é o campo propício à guerra popular”. Aí existe uma população que vive no abandono. [...] a massa camponesa é uma grande força. [...] O interior é o elo mais débil da dominação das forças reacionárias no País. Estas não contam com suficientes efetivos militares para ocupar as vastas áreas rurais. (POMAR, 1980, p.22)

Os anos de repressão, privações de liberdades, assassinatos, desaparecimentos e tantos outros fatos, revelam a predominância do terrorismo de Estado que ficaram evidentes na história do Brasil. O PCdoB precisava de uma resposta enérgica, que fosse capaz de levar a frente uma nova “utopia”, sonho e esperança de libertar o País dos ditames do regime militar, em um contexto conturbado e com as lutas urbanas enfraquecidas, eis que surge a atitude dos comunistas:

Narra à história que, cerca de dois anos após o golpe militar de 1964, as selvas da região do Bico do Papagaio – na confluência dos estados de Goiás (em sua parte hoje pertence ao Estado do Tocantins), Pará e Maranhão- começaram a receber novos moradores, egressos das grandes cidades... Marcados para morrer pelas forças da repressão, dezenas de antigos quadros e jovens militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) foram daí por diante se deslocando rumo ao que viria a ser o palco de uma destacada jornada de luta do povo brasileiro pela liberdade e pelos seus direitos fundamentais. (ANTERO, 2002, p. 9)

Conforme destaca Pomar (1980), existiram alguns aspectos que guiaram o PCdoB na teorização das linhas a seguir, quando a guerrilha estava estabelecida, alguns ditames e orientações deveriam ser observados, pelos militantes do partido, combatentes ou não, foram observados, resumidamente, nove (9) pontos focais:

1º Assim, a luta armada das forças revolucionárias terá cunho eminentemente popular, será uma guerra do povo [...] (p.95) 2º [...] o terreno onde se desenvolverá a guerra popular será fundamentalmente o interior [...] (p.97) 3º [...] será prolongada a guerra de libertação do povo brasileiro [...] (p.97) 4º [...] o povo fará a sua guerra apoiado principalmente nas próprias forças [...] (p.98) 5º [...] a guerrilha será elemento imprescindível da guerra popular [...] (p.99) 6º [...] será indispensável construir o exército popular [...] (p.99) 7º [...] a guerra popular exigirá a formação de bases de apoio [...] (p.100) 8º [...] para acumular forçar e adquirir poderio, os combatentes do povo, na primeira fase da guerra popular, terão que desenvolver sua luta no quadro da defensiva estratégica [...] (p.101) 9º Assim, a guerra popular deverá guiar-se por uma política correta Em resumo, o caminho da luta armada apresenta os seguintes aspectos básicos: será uma guerra de cunho popular, travar-se-á fundamentalmente no interior e mobilizará as grandes massas camponesas, será prolongada, deverá apoiar-se em recursos do próprio País, empregará o método da guerrilha em grande escala, forjará o exército popular, estabelecerá bases de apoio no campo. Terá que se orientar, durante muito tempo, pelos princípios da defensiva estratégica e deverá guiar-se por uma política correta. (POMAR, 1980, p. 101).

Fica evidente que o PCdoB tinha formado suas linhas estratégicas de como implantar e dar curso ao seu projeto político, vias definidas, local previamente escolhido, reconhecimento da população e a classe que tal pertencia e as explorações sofridas pelo povo que ali se encontrava, faltava por a prova todas essas ponderações e sua efetividade frente os combates que estavam por vir.

Vários autores brasileiros reconhecem a destacada importância deste combate no campo, ao se falar de ditadura militar, Brasil e guerrilha são inevitáveis às necessidades em mencionar o Araguaia.

Outra ação, contundente, aconteceu na área rural. A guerrilha do Araguaia contou com cerca de cem guerrilheiros, inclusive alguns camponeses, e acabou num massacre. As forças armadas deslocaram para a região do bico do papagaio, sudoeste do Pará, entre 1972 e 1974, em torno de 04 mil homens e, em outubro de 1973, Brasília emitiu a ordem de não fazer prisioneiros no local. O envio de força militar e policial para regiões onde se supunha existirem bases de treinamento de guerrilha foi uma das características da repressão na área rural. (SCHWARCZ e STARLING, 2015, p.462)

Em reportagem investigativa, o Jornalista Fernando Portela, relata em uma passagem do seu livro “Guerra de guerrilhas no Brasil” a mística local em torno de “Osvaldão” 4 e o que viria a ser um período sombrio que estava prestes a acontecer.

[...] “Olha aqui o protegido dos espíritos!”, gritam os soldados à população assustada, cansada de tanta morte e sofrimento. A eliminação do principal comandante guerrilheiro é a certeza de que, apesar de uma dúzia, se tanto, de sobreviventes, que ainda dariam algum trabalho ás tropas do governo, a guerrilha do Araguaia acabou. Mas antes disso, a partir de 1972, um capítulo ainda desconhecido da história do Brasil, por força da censura à imprensa, iria preocupar seriamente o governo, desencadear uma repressão jamais vista em território nacional, movimentar cerca de 10 mil soldados, fomentar muitas tragédias. (PORTELA, 2002, p.64)

A guerrilha do Araguaia se consumou como um fato inédito no Brasil, com um combate travado no campo, depois de muita preparação o PCdoB resolve optar pelas vias armadas, de fato, não existiam condições políticas para outra solução (segundo entendimento partidário), todos os canais de comunicação já estavam fechado, o AI-55 acabou com a esperança de uma solução democrática, lembrando, que este foi apenas o “fechamento” de uma série de arbitrariedade que já vinham acontecendo no Brasil no pós-64.

O partido comunista do Brasil, depois de sua cisão em 1962, passou a abolir o revisionismo, que segundo seus dirigentes, era praticado por Prestes e os remanescentes no PCB, estes que acreditavam que poderiam alcançar o poder e a transição democrática por vias legais, sem apelar para violência, seguiam a orientação do PCUS Soviético, que após a morte de Stalin e a denúncia de Nikita Khrutchev, passaram a adotar um posicionamento “pacífico”, que não agradava muitos de seus antigos dirigentes, militantes e que foi o principal motivador das sucessivas dissidências e rachas.

O PCdoB fez uma atuação de bases na esfera urbana, atuando em sindicatos e frentes estudantis, mas timidamente fez algumas ações, ofuscados pelo protagonismo de outras organizações clandestinas e de resistência, que efetivaram as mais diversas ações, sequestros de personalidades políticas (Como o caso do embaixador dos USA), assaltos a banco, construção de refúgios e recrutamento de novos integrantes, que sem esperança de mudar o País, cada vez mais se dispunham a luta armada urbana.

A guerrilha rural era o ponto focal dos comunistas, que envolveu quase uma centena de jovens, na maioria estudantes, letrados e com formação política, que viriam a enfrentar as maiores dificuldades dentro da selva amazônica, isolados em grande escala, do resto do País, providos com rádios, que quando pegavam os sinais, era possível ouvir os acontecimentos do Brasil e do mundo. Esses jovens acabaram morrendo nos combates do Araguaia, seus corpos continuam desaparecidos.

5. CAPÍTULO III

5.1. PREPARAÇÃO, ARMAS E TREINAMENTOS

Os militantes do PCdoB ao chegarem à região do Araguaia, nas cidades que foram estrategicamente escolhidas, se introduziam de maneira pacata, sem pretensões, pareciam apenas novos moradores procurando um lugar para se instalarem, a região era de intensos fluxos de pessoas, idas e vindas, rotas de comércio de produtos nativos, deslocamentos constantes a cidades maiores onde se buscavam saciar necessidades que a selva amazônica não dispunha.

Os comunistas, em geral, compravam ou alugavam um terreno, construíam uma casinha a estilo rústico e nativo, ou alugavam um pequeno armazém, tudo sem despertar muita curiosidade, sem luxo, nada de ostentação e mantinham um enorme respeito ao povoado, suas tradições e culturas, os militantes tinham ciência dos seus objetivos, percorriam um imenso território em que se subdividia, a esperança na vitória era compartilhada, o mundo já lhes tinha fornecido alguns exemplos, como Cuba e Vietnã.

Os quadros do PC do B dividiram-se por três áreas, numa extensão de 130 quilômetros. Moviam-se numa superfície de 6,5 mil quilômetros quadrados. Até o primeiro semestre de 1972 eles foram 59 homens e catorze mulheres. Quando o Exército chegou, havia 69 na mata e sete a caminho. Cinco a menos que a força de Fidel ao alcançar o litoral cubano, 26 combatentes a mais do que Guevara tivera na Bolívia poucos anos antes. Seriam a centelha de uma guerra popular. Pela descrição dos documentos revolucionários, entrariam num cenário triunfal: “As montanhas e as florestas, as quebradas e os capões de mato, as grutas e as plantações mais densas, abrigarão os heroicos guerrilheiros, protegidos pela simpatia e pela violência das massas”. (GASPARI, 2002, p.410)

Aos poucos foram adquirindo confiança e respeitos das comunidades onde estavam se integrando, disfrutavam de comidas típicas e comungavam dos costumes e culturas que ali predominava, sem alardes e sem pretensões iniciais de conscientizar as massas camponesas, pois não era esse o objetivo, a priori era a integração, confiança e depois formação e pedido de apoio à causa, esta última que muitos moradores nunca conheceram, ou não entendiam do que se tratava.

Apesar de apresentar uma visão de tranquilidade, as regiões amazônicas, principalmente as que foram palcos dos combates, tinham seus problemas, grileiros e posseiros estavam em conflitos constante da luta pela terra. Com o passar do tempo, os “paulistas” (como eram conhecidos os militantes do PCdoB) passaram a se sensibilizar com a crueldade e tratamento desumano dos grileiros e fazendeiros da região, as mediações existiram e até investida armada contra os “Senhores da Casa grande” aconteciam, isso só fazia aumentar o prestígio dos “paulistas”.

Pode-se ressaltar o aspecto militar entre a guerrilha e o exército, as armas dos militantes eram em sua maioria rústicas, antigas e de baixo calibre, em comparação as forças armadas tinham armas sofisticadas e modernas, isso teve um peso no desenvolvimento da luta armada, os guerrilheiros tinham como objetivo ao longo dos combates e de vitórias subsequentes poderia se adquirir as armas do inimigo e aumentar seu arsenal, os guerrilheiros possuíam uma oficina onde se fabricava pólvora e balas, também havia um conhecimento em melhorar o potencial das armas que detinham, mas mesmo com a disposição em se superar, o desiquilíbrio armamentista era grande.

Cada guerrilheiro tinha um revólver com quarenta balas. O conjunto dispunha ainda de quatro submetralhadoras, duas de confecção doméstica, mais 25 fuzis e rifles. Essas eram suas armas de guerra (menos de uma para cada dois guerrilheiros). Somando-se a elas trinta espingardas e quatro carabinas, as armas longas eram 63. Faltavam oito para que cada combatente tivesse a sua. Armamento escasso, de má qualidade balística, bastava para pouco mais que a simples defesa pessoal. Seu poder de fogo era inferior ao de quatro grupos de combate do Exército, cada um deles com nove homens armados de oito fuzis FAL e uma submetralhadora. Por velha, a maior parte do arsenal estava com defeito. A guerrilheira Lena lembraria: “O fuzil que eu usava, nossa! [...] Pra acertar naquela árvore tinha que atirar três árvores depois”. (GASPARI, 2002, p.425)

Apesar do treinamento militar, os soldados do exército brasileiro tinham clara inferioridade em sobrevivência na selva, não sabiam diferenciar, em muitos casos, um guerrilheiro, considerado terrorista, de um vulto ou sombra de árvore, o barulho de um animal de um assovio, os oficiais davam ordens de que atirassem somente quando tivessem um “alvo positivo”, pois qualquer erro poderia “entregar de bandeja” aos militantes do PCdoB a localização dos militares.

Sobreviver na Amazônia não era nada fácil, ainda mais para um “bando” de estudantes universitários, que mal acampavam alguns dias em um sítio perto das grandes cidades quando se realizava um congresso da UNE ou encontro de jovens, no Araguaia a realidade exigia sacrifícios:

Isso era muito duro para o guerrilheiro sem formação: além da obrigação de ler clássicos militares, e livros em geral sobre revoltas populares, para posteriores debates, os 63 do Araguaia começavam a se preparar fisicamente para a luta, com piques na selva, sem fazer barulho e sem cair; exercícios de tiro em todas as posições; rastejamento, fortalecimento de músculos dos braços e das pernas; natação exaustiva no próprio Araguaia e seus igarapés. O mais pesado de todos os exercícios era o de sobrevivência na selva: saía um grupo (e todas as mulheres tomavam parte disso) com farinha, sal e munição, mais nada, além da obrigação de sobreviver ali dentro, durante um mês. E não só a sobrevivência: era preciso mapear a própria selva, para ter a ideia exata de um esconderijo (para isso, Lia, estudante de Geografia, no Rio, foi providencial). Aulas de utilização de recursos da floresta, como usar os obstáculos naturais, as impucas... Impucas são montes de cipoais, árvores caídas, que foram muito usados para atrasar o avanço dos pelotões ou camuflar um ataque, sempre de surpresa. (PORTELA, 2002, p.81)

Existia uma enorme dificuldade em localizar os guerrilheiros na mata, apesar da ajuda dos mateiros ao exército, vale ressaltar que muitos foram coibidos há prestar tal “auxílio”. Um importante aspecto é que os militantes viviam na região a mais de cinco anos antes do primeiro combate em 1972, estavam integrados na mata, já haviam feito treinamento de integração, pegaram doenças típicas como malária e leishmaniose. Aguentavam mais as situações adversas, por estarem mais tempo expostos a Amazônia, vejamos abaixo a dificuldade vivida pelos militares:

A segunda investida teve resultados mais medíocres que os da anterior. Programada para durar vinte dias, durou a metade, pois gastaram-se seis na adaptação da tropa e outros quatro foram perdidos com o cancelamento antecipado da operação. A guerrilha atacou uma base do 2° Batalhão de Infantaria de Selva e matou o sargento Mário Abrahim da Silva. A força militar não conseguiu chegar a um só refúgio dos guerrilheiros Ao contrário do que ocorrera na primeira operação, a ajuda dos mateiros contratados a 25 cruzeiros por dia (cerca de oito vezes a remuneração de uma jornada na roça) não produziram emboscadas bem-sucedidas. (GASPARI, 2002, p.431)

Mostrou-se evidente que as primeiras investidas das forças armadas não causaram grandes impactos nas forças guerrilheiras, havia uma falta em experiência de combate, se tratando de selva amazônica, o quadro se tornava ainda mais complexo, não que os guerrilheiros tinham experiência maior que os militares, pois a maioria dos que ali estavam nunca tinham tido contato com armas, mas pelo tempo de integração e treinamentos voltados especificamente para o combate na selva, os militantes comunistas levaram uma vantagem inicial.

6. CAPÍTULO IV

6.1. ORGANIZAÇÃO E DESENCADEAMENTOS DA GUERRILHA

A guerrilha se subdivida em destacamentos, os destacamentos: “A, B e C”. Cada destacamento tinha um grupo de homens, mulheres e um (a) chefe militar, este que respondia a CM (comissão militar), chefiada por Maurício Grabois, os núcleos se denominavam entre: GAMELEIRO, CAIANA E FAVEIRO.

Figura 4: Mapa da região do Araguaia

Fonte: Vários Autores. A guerrilha do Araguaia. Uma epopeia pela liberdade. 2005

No mapa é possível identificar os destacamentos, região de amplitude e bases militares. Nessa região aconteceram os combates mais violentos entre forças militares da ditadura e guerrilheiros dos PCdoB, os comandantes da guerrilha do Araguaia não eram amadores, como indica em sua reportagem o jornalista Fernando Portela:

O primeiro erro das forças do governo nessa guerrilha do Araguaia: jogar recrutas com seis meses de quartel dentro da selva inóspita, habitada por um contingente de 63 guerrilheiros, treinados dentro da própria selva, alguns com seis anos de preparação militar rígida, espartana, e um espírito de decisão surpreendente. Além disso, muito bem orientados por militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), homens com formação militar no exterior, teoricamente comparáveis a brilhantes oficiais brasileiros. (PORTELA, 2002, p.67)

Se, por um lado, existem autores que retratam que a guerrilha não conseguiu amplo apoio para levar adiante o curso revolucionário a exemplo do molde Chinês de “guerra popular”, houve relatos que os revolucionários do Araguaia tinham admiração e respeito do povo da região, que embora, poucos pegaram em armas contra o exército, eles ajudavam de alguma forma o “povo da mata” os “paulistas”, em vezes com suprimentos, informações e até iludindo o exército quando eram questionados a respeito do paradeiro dos militantes do PCdoB, como é possível observar:

Efetivamente, os guerrilheiros lograram êxitos porque contavam com o apoio da população local, que resistiu à colaboração, recusando-se – em sua maioria – a apontar os acampamentos guerrilheiros. Buscando a adesão forçada, mediante o uso da violência para que os mateiros servissem como guias, os pelotões do Exército eram ludibriados, caminhando em círculos na selva dias a fio. Como resultado, os soldados somente capturavam doenças tropicais (malária, leishmaniose etc.), e simplesmente desertavam ou sucumbiam em confrontos casuais na selva entre tropas legalistas. Os números das baixas oficiais também nunca foram revelados, podendo atingir até mais de duas centenas de militares. (AMAZONAS, 2002, p.11-12).

Um fator importante e pouco explorado é a baixa (mortes) de militares da ditadura, o governo da época foi implacável na censura, impedindo a divulgação de dados e informações (fato que se perdura até hoje), diante disso, fica difícil fazer o contraponto, assim, não é possível se ter exatidão referente a números, mas algumas histórias nos aproximam de uma noção quantitativa que ilustra alguns cenários de horrores, tanto do lado dos guerrilheiros como os dos soldados:

Um padre de Porto Nacional, na região, vê um caminhão. Ele vai até lá, saber o que é. Quando recebe a ordem de dispersar, identifica-se. “Ah, o senhor é padre?” diz um soldado. “Então venha rezar aqui...” O padre quase desmaia: o caminhão-frigorífico está cheio de soldados mortos. (PORTELA, 2002, p.93)

A constatação deste fato relatado, sobre “um caminhão cheio de soldados mortos” apenas evidência, mais ainda, o cenário de guerra que estava se travando na região, o povo da selva amazônica nunca antes tinha presenciado tamanha brutalidade, não eximindo nenhum dos lados, referente à culpa de puxar ou não o gatilho, de decepar a cabeça de um guerrilheiro com o facão, pode-se dizer que os soldados seguiam ordens, nem todos, pois alguns fugiam de suas brigadas, por temer a morte ou por não compactuar com os horrores que lhes eram obrigados a praticar, por outro lado, os guerrilheiros estavam implacável ditadura e o terror de Estado que havia se instalado no País.

Foram realizadas três campanhas do exército contra a guerrilha, uma primeira em 1972, essa investida do exército não era esperada pelos guerrilheiros, apesar dos treinamentos na selva já terem iniciados, ainda estavam em fase de preparação de alguns alojamentos, esconderijos e rede de contato, não tinham traçado nenhuma rotas de escape (para uma possível retirada se fosse o caso), a não serem as habituais para se locomover dentro da mata (alguns autores consideram que esse não era um objetivo, ou seja, a guerrilha iria levar a batalha até as últimas consequências), no entanto, o “efeito surpresa” não logrou os resultados esperados pelo exército, a guerrilha não foi suprimida e o exército ainda teve baixas significativas com seus recrutas inexperientes.

A segunda tentativa do exército se deu em 1973, mas os militantes do PCdoB se mantinham resistentes às investidas das forças do Estado, em comparação com os soldados pode-se salientar que os guerrilheiros tinham uma vantagem, pois estavam mais bem adaptados no meio onde era travado o conflito (selva Amazônica), os militares dispunham de aparatos bélicos muito superiores, quantitativamente não havia comparação, pois, os comunistas tinham entre homens e mulheres, aproximadamente 70 pessoas (O número de guerrilheiros é bem relativo, alguns falam de 63, 69, 50 e até 100 pessoas), o exército tinha quarteis a sua disposição, foi o maior deslocamento e mobilização de tropas militares após a 2° guerra mundial.

Existe o papel desempenhado das mulheres neste conflito, não foram meras coadjuvantes, ou simples apoiadoras, faziam parte de “quem atirava e de quem levava tiro”, foram repreendidas tanto quanto os homens, em vezes, podemos afirmar que a violência sofrida era desproporcional, os estupros seguidos de mortes eram frequentes quando as mesmas acabavam sendo capturadas por mateiros ou pelos militares, não podemos afirmar com precisão quem praticava o estupro, mas eles aconteciam sob tais circunstâncias.

Nossos militares são hegemonicamente masculinos, não existiam combatentes femininas, ao menos na época que aconteceu o conflito, quem empunhava armas eram os homens, fatos este, que não se repetia quando nos remetemos aos combatentes do PCdoB, a guerrilha tinha um número de 14 a 15 mulheres, que fabricavam munições, praticavam os treinamentos militares, se arriscavam na coleta e distribuição de informações, o clichê de “sexo frágil” não se aplicava nos confins do Araguaia, seja pelas guerrilheiras ou pelas ribeirinhas (moradoras locais) que carregavam peso na cabeça, roçavam e caçavam, mesmo com um “ar de igualdade” (entre homens e mulheres na guerrilha), não se pode afirmar que o machismo inexistiu, não encontrei algo que relatasse isso, apenas que as guerrilheira tiveram papel fundamental e eram integradas ao combate.

A última campanha finalizada em 1974 foi à decisiva e culminou com a eliminação dos últimos guerrilheiros que resistiam no local, isso se deu por vários motivos e não apenas pelas técnicas militares habitualmente utilizadas. A população local observou o “cerco” se fechar cada vez mais, torturas que antes já eram praticadas foram intensificadas, qualquer pessoa que mencionasse algo relativo à guerrilha era “interrogada” e por fúteis motivos poderiam acabar presas. O povo da região muito pouco sabia dos reais objetivos da guerrilha, os militares espalhavam que eram “terroristas” e os guerrilheiros defendiam-se, embora com uma precária divulgação, onde contestavam as forças militares, afirmando que lutavam pelo povo, pela liberdade e contra a supressão do Estado democrático de direito.

Se pensarmos o grau de instrução de ensino da maioria da população da época, raramente alguém de lá sabia ler ou escrever, quem dirá interpretar textos ou comunicados, neste ponto reside outro fator predominante, que explica a dificuldade na divulgação de informações, ainda mais sendo extremamente vigiado. A propaganda se faz necessário de ambos os lados, quando se trava um conflito de tamanha envergadura, mas o exército tinha uma vantagem neste aspecto, porque tinham condições de fazer esse “contato direto”, não precisava se esconder ao contrário da tática dos guerrilheiros, que estavam com menor número, sempre no contra-ataque, na defensiva e valendo-se do “efeito surpresa”.

Nesta última campanha não existia ordem de fazer prisioneiro, o objetivo era claro e a pressão existia para que não restassem vestígios futuros de que nos interiores do Araguaia e na densa floresta amazônica existiu uma guerrilha armada que lutou contra as força militares do Estado brasileiro, como evidencia o relatório da comissão Nacional da verdade:

Os combates no Araguaia começariam em abril de 1972, seis anos depois da chegada dos primeiros militantes do PC do B, quando o Exército iniciou o ataque aos destacamentos guerrilheiros. As Forças Armadas realizaram três campanhas militares e operações de inteligência na região, mobilizando cerca de 10 mil homens. No ano de 1972, foram feitos prisioneiros, mas, depois disso, a ordem do comando militar era “eliminar” todos os envolvidos. (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, p.06).

A Comissão Nacional da Verdade foi criada quando o Estado Brasileiro, até então chefiado pela Presidenta Dilma Rousseff, reconhece os crimes e ilegalidades cometidas contra os direitos humanos quando vivia sob o regime da ditadura militar:

A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Em dezembro de 2013, o mandato da CNV foi prorrogado até dezembro de 2014 pela medida provisória nº 632. (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, p.01)6.

O trabalho realizado pela CNV (Comissão Nacional da Verdade) foi de suma importância na investigação dos crimes cometidos pelo Estado Brasileiro na época. Todas as campanhas relativas ao Araguaia foram observadas: instalação dos guerrilheiros, o trabalho de investigação prévia realizada pelo exército, denominado de “inteligência”, as bases militares, o início dos combates e as ordens de aniquilamento e “limpeza”, ordenadas pelos chefes de Estado, pontuado no documento elaborado pela CNV:

O conjunto das operações da terceira campanha militar no Araguaia foi posto sob o controle direto do Centro de Informações do Exército (CIE), ligado ao gabinete do Ministro do Exército. Segundo Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio, “a terceira campanha das Forças Armadas contra a guerrilha foi uma verdadeira caçada. [...] Nenhuma lei, nenhum princípio, nada foi respeitado. Todos os guerrilheiros presos no decorrer da terceira campanha foram mortos sob tortura ou simplesmente fuzilados”. O Coronel Aviador Pedro Correa Cabral, que participou das operações e escreveu um livro sobre sua experiência, afirmou que durante a terceira campanha havia ordens de Brasília para “que não ficasse ninguém vivo”. Além disso, havia a determinação de que não se “deixas sem vestígios de que o conflito do Araguaia algum dia tivesse existido”. (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, p.36)

Apesar da importante iniciativa da CNV nenhum militar foi preso referente ao Araguaia, os corpos continuam desaparecidos e as famílias sem perspectiva de encontrar o seu paradeiro, admitir a culpa foi o primeiro passo, prestar o apoio legal as famílias também se mostra como peça importante na resolução deste “quebra-cabeça”, mas as partes principais que comtemplaria o núcleo deste cenário ainda não foram encontradas e pode ser que nunca os encontre, essa angústia segue as famílias por mais de 30 anos depois.

7. CAPÍTULO V

7.1. GUERRILHA, CAMPONESES E FORÇAS ARMADAS

A relação da guerrilha com os camponeses, já no curso da luta armada, era de “solidariedade mútua”, ambos estavam sofrendo violentamente a repressão. Os moradores foram severamente reprimidos, obrigados a servir as forças armadas, seja como guias, provedores de abrigo, entre outras tarefas impostas. As forças armadas organizaram-se através de seus mecanismos de inteligência. Antes de realizar um primeiro contato as diversas vilas da região do Araguaia, mapearam casas, comércios, roças, entre outros pontos estratégicos locais, tudo feito à surdina, pela espionagem, infiltrados, como já salientados. O local convivia com intensos fluxos de migrações, pessoas vindas dos mais longínquos “rincões” do Brasil, não era difícil construir um disfarce, embora difícil passar despercebido.

Depois de realizar a tarefa de inteligência, o exército decidiu que era chegado o momento de fazer contato, mas agora, de forma que todos notassem sua presença, homens de farda, caminhões e armas chegam aos vilarejos. Os guerrilheiros não esperavam o precipitado movimento que estava diante deles. Foi encarado como surpresa o deslocamento de tropas do Estado, por isso medidas cautelares foram necessárias, a primeira delas, embrenhar-se na mata, nos refúgios anteriormente projetados e cuidadosamente camuflados na densa floresta amazônica. Logo após seguiu-se um esquema de cartilha, tudo havia sido pensado e orquestrado para quando chegasse o instante de luta armada, as orientações teriam que ser rigidamente respeitadas e controladas.

Os militares acreditaram que seria uma “blitzkriege” (guerra relâmpago), isso porque supunham que o seu maior número e tecnologias seriam suficientes para acabar com os guerrilheiros, cerca de pouco mais de sessenta homens e mulheres, mas não ocorreu como o planejado, por diversos motivos, um deles, em especial, era o meio onde estava se travando o conflito armado.

Os camponeses recusavam-se a acreditar que os “paulistas” eram os terríveis terroristas que o exército havia descrevido, gente que convivia com eles, que hora os ajudou a realizar os partos de seus familiares, a criar escolas, que era algo inovador na região, onde prestavam auxílio odontológico sem cobrar, disponibilizavam medicamentos a preço baixo e quem não podia pagar levava de graça. O governo nunca fez tais serviços que os militantes do PCdoB realizaram, não era plausível a ideia de que aquelas pessoas, com as quais conviviam a mais de cinco anos (como foi no caso de Osvaldão, primeiro militante a chegar à região), poderiam ser pessoas de má índole e voltadas para o mal e a destruição. Deste modo podemos ter uma visão sobre esses acontecimentos com a citação abaixo:

Embora o grosso da tropa continuasse sendo o Exército, a presença da Força Aérea e da Marinha dessa vez foi maior. Mas mudaram a tática. O objetivo principal foi ganhar a simpatia da população, isolar mais ainda os guerrilheiros e pôr fim à Guerrilha no mais curto tempo. Paralelamente, as tropas foram estabelecendo uma nova relação com o povo da região, ao mesmo tempo em que realizavam emboscadas nas estradas, grotas, roças e capoeiras. Ocuparam a aldeia dos índios Suruí, obrigando-os a servirem como guias. Espalharam bases militares por toda região e distribuíram panfletos e cartas, em nome daqueles que haviam sido presos, conclamando os demais a se entregarem, pois eles estariam sendo bem tratados – uma tentativa de guerra psicológica, nessa segunda campanha. Várias picadas foram abertas na mata com o apoio de bate-paus; aviões e helicópteros passaram a bombardear locais suspeitos de serem refúgios dos guerrilheiros. Era a Operação Papagaio, comandado pelos generais Viana Moog, Antônio Bandeira e Hugo Abreu. Mesmo utilizando uma nova tática e com um número maior de soldados, as Forças Armadas insistiram novamente em enviar, para as matas do Araguaia, pelotões compostos, em sua grande maioria, por recrutas. (CAMPOS FILHO, 2012, p.61)

Não demorou e os guerrilheiros tiveram que criar seus próprios meios de contrapropaganda. Era necessário mostrar suas verdadeiras intenções, seus reais objetivos, então é criado as FORGAS (Forças Guerrilheiras do Araguaia) e um documento contendo 27 questões, chamado intitulado como ULDP (União pela Liberdade e pelos Direitos do Povo), eram editados a mão, cartas e documentos ou com o auxílio de um equipamento rudimentar de fazer cópias, isso aumentou em novembro de 1972, pois era um período de “trégua” em que boa parte das tropas haviam sido retiradas, em seu relatório, Ângelo Arroyo relata o seguinte:

O êxito maior da nossa atuação nesse período da trégua foi à ligação com as massas. Estendeu-se a nossa influência entre o povo. Ganhamos muitos amigos, e não era só apoio moral. A massa fornecia comida e mesmo redes, calçados, roupas etc. E informação. Contávamos com o apoio de mais de 90% da população. A fraca presença do inimigo na área e nossa política correta no trabalho de massa proporcionaram esses êxitos. Os guerrilheiros, todos eles, eram bastante estimados pela massa. Os de maio prestígio eram Osvaldo e Dina. Logo depois vinham: Sõnia, Piauí, Nelito, Zé Carlos (do A); Amauri, Mariadina (no B); Mundico (no C); Joca (CM) e Paulo. Os guerrilheiros ajudavam as massas no trabalho de roça. O “Romance da libertação” era recitado pela massa. Nas sessões de terecô (candomblé) se faziam cantorias de elogio à guerrilha. O primeiro aniversário de luta guerrilheira foi comemorado com a participação de elementos da massa (mais de 50 moradores) para discutir medidas contra o INCRA. A massa achava que o INCRA era nova forma de cativeiro. Criaram-se em toda região treze núcleos da ULDP. Antes da terceira ofensiva do inimigo, o trabalho junto a outras forças tinha se estendido. Ampliaram-se os contatos com comerciantes, religiosos, etc. Na propaganda, alcançou também êxito o folheto “A Vida de um Lavrador”, literatura de cordel da autoria de Beto. Uma composição musical em ritmo da toada local (lindô), da autoria de Osvaldo e Peri, alcanço êxito. A rádio Tirana era ouvida por muitos elementos do povo, e seus comentários eram bem recebidos. Aderiram à guerrilha, como combatentes, vários elementos de massa: em dezembro de 1972, entrou 1; em abril de 73, 1; de junho em diante entraram mais 5 no A, 2 no B e 2 no C. Uma boa parte da massa realizou à atividade guerrilheira. (POMAR, 1980, p.262)

A relação da guerrilha com os camponeses teve significativos resultados e impactos. Para o exército isso resultou na falta de cooperação e dificultava a localização dos “paulistas”, mesmo com toda a propaganda realizada. Em apoio à guerrilha, muitos camponeses aderiram à luta armada juntando-se nas matas, outros, apoiavam com recursos de subsistência, como alimentos, roupas, calçados e principalmente, informações.

Resistência se tornou a palavra de ordem do dia para os guerrilheiros e camponeses. Os militares queriam informações dos moradores para saber as trilhas de matas, clareiras e até onde era mais propício para pesca e caça, pois tentariam fazer rondas ou patrulhas em tais lugares a fim de pegar de surpresa os guerrilheiros, usando os aviões e helicópteros e até mesmo grupos terrestres para essa finalidade.

Os moradores eram obrigados a caminhar com os militares na mata como guias, muitos foram mortos pela recusa e outros aderiam tal “pedido” por ameaças a sua família, poderia ser presos nas bases, ou melhor, verdadeiros “campos de concentração”. Nos núcleos militares existiam lugares específicos para torturas, moradores foram levados para lá, alguns nunca voltaram para suas famílias, aleijados, deficientes e demais traumas foram recorrentes na população, abaixo uma imagem de como era a base militar de Xambioá:

Figura 5: Croquis da Base Militar de Xambioá, no Pará, tal como existia no início da década de 1970, segundo desenho feito por ex-soldados que serviram na base à época.

Fonte: Museu Paraense Emílio Goeldi.7

8. CAPÍTULO VI

8.1. ÚLTIMA CAMPANHA E FIM DA GUERRILHA

O final da guerrilha ocorreu com a última campanha armada realizada pela ditadura militar em 1973. Nesta fase do conflito a ditadura se reserva para preparar-se com objetivo de aniquilar os combatentes do PCdoB, não mais com recrutas, mas com agentes treinados em táticas anti-guerrilha, que contou com o apoio da CIA (EUA). Este período foi o mais sangrento e violento, direitos humanos foram violados desde o início dos combates, mas foi na última ofensiva que os casos mais brutais se revelaram, os militares estavam obcecados em por um ponto final e se preparam para cumprir a “missão”, como é relatado abaixo:

No final de outubro de 1972, as Forças Armadas abandonaram a região. Dessa data até outubro de 1973, foi exatamente um ano de trégua em que não aconteceu qualquer choque entre guerrilheiros e tropas federais. Estava sendo preparada à ofensiva mais violenta contra a Guerrilha. Com base nos erros cometidos, e agora envolvendo diretamente a presidência da República e a comunidade de informações, uma tática mais eficiente foi preparada. O inimigo não seria mais subestimado. Além da preocupação com a área conflagrada, os militares procuraram as ligações entre os guerrilheiros e a direção do PCdoB nas cidades. Teve inicio um período de caça aos comunistas; todos aqueles que tivessem ligação com a Guerrilha deveriam ser eliminados: a ordem era não deixar sobreviventes. Segundo o coronel da reserva Pedro Cabral, essa ordem foi determinada pelo Alto comando em Brasília. (CAMPOS FILHO, 2012, p.160)

Na região do conflito as buscas foram intensificadas, cercou-se a guerrilha com tropas e auxílio da aeronáutica pouco a pouco foi caindo os militantes, embora fossem resistentes, um desgaste grande era notável, seja por falta de contingente, armamento e até as condições físicas, chuvas intensas e torrenciais, sol escaldante, humidade extrema, a selva amazônica também “cobrara” seu preço.

Os aldeões sofriam as constantes intimidações, mal conseguiam sair de casa e quando o faziam estavam sob forte vigilância, sem conseguir dar um passo fora da rota habitual. Qualquer um que levantasse a mínima suspeita de colaboração com os paulistas era preso e sofria tortura, muitos inocentes eram enquadrados e indiciados sem nenhuma prova, a justiça não estava presente, de fato, no Araguaia, nunca esteve.

O último guerrilheiro a cair foi o místico Osvaldão. Para os militares, sua morte representava que realmente a guerrilha tinha acabado, o negro alto e forte era o comandante mais experiente da guerrilha, foi o primeiro a se instalar na região e sua captura iria demonstrar que ele não era invencível ou imortal como o povo considerava que ele fosse, foi apanhado de surpresa, em surdina, enquanto estava escondido próximo a um igarapé, não foi alvejado pelos soldados, mas sim por um mercenário local que estava auxiliando os militares, como consta a descrição:

O Arlindo matou o Osvaldão porque tava dando uma chuvinha fina, e eles iam seguindo dentro da mata, e aí quando o menino viu se mexer de lá pra cá dentro do cerrado, aí ele (Arlindo) deu com a mão e a equipe parou. Aí a equipe parou atrás, a folha úmida e ele vinha abrindo... matão fechado e ele vinha abrindo assim com as mãos... o Osvaldo, quando ele descobriu, quando ele abriu a moita assim que ele descobriu, ele quis recuar. Foi o tempo que Arlindo alvejou ele... Já foi terminando a Guerrilha, já tinha muita pouco gente. E, então... aí eles pediram um helicóptero, através de um rádio, eles usavam uma estaçãozinha montada à pilha, e entravam em comunicação com o avião que eles chamavam paquera, porque ele só andava rondando. Então eles entraram em comunicação, que aquela estação pegava até doze quilômetros, mais não. Aí veio o helicóptero pra apanhar ele... amarraram ele. Quando o helicóptero levanta, porque o helicóptero tinha... era dentro da floresta, ele não baixa até em baixo não, ele vem até uma certa altura, aí amarraram ele, amarraram mal amarrado, e quando chegou assim uns.. 20 metros, ele caiu, escapuliu, e até quebrou a perna. Ele já tava magro... tava magro, ele.. Já morto. Ele tava morto. Só foi um tiro, o tiro do Arlindo. (CAMPO, FILHO, 2012, p. 188)

O exército fez questão de pendurar o cadáver do mito Osvaldão e desfilar pelos vilarejos da região, para provar que tinham matado o “temível guerrilheiro invencível”, a população observava sem muita reação, um tanto desolada e alguns em choque por ver aquela cena de terror, passar com um cadáver preso a um helicóptero mostrando para todos, inclusive crianças. Além de ser uma imagem impactante é ao mesmo tempo desumana.

Finalizado a guerrilha e a “ameaça comunista” na selva amazônica, o trabalho dos militares ainda não tinha acabado. Precisavam limpar a “sujeira” que haviam feito. Sem muita demora acataram a ordem de Brasília de não deixar vestígios e restos do que aconteceu no Araguaia. Os materiais físicos até podem ser camuflados, escondidos e destruídos, mas a memória e a lembrança de quem viveu no período em que se conflagrou o conflito armado não se podem apagar. Mais cedo ou mais tarde os fatos aparecem para ser confrontados. A última determinação foi apagar os rastros e sumir com os corpos, como podemos observar:

No final dessa terceira fase – final mesmo, últimos dias, última semana – decidiram as autoridades que deveria ser feita uma limpeza da área, porque temiam, essas autoridades, que após a saída dos militares do Sul do Pará, a imprensa, os jornalistas, descobririam os corpos desses guerrilheiros. E essa operação – limpeza consistiu no seguinte: os agentes de informações, que sabiam onde estavam enterrados os corpos, indicavam os pontos. Um helicóptero ia a esse ponto, agentes desenterravam os restos, esses restos eram colocados em sacos plásticos, embarcados no helicóptero e levados para a Serra das Andorinhas. (CAMPOS FILHO, 2012, p. 191)

O autor finaliza contando o que de fato acontecia no possível local de desova dos corpos e fecha com o depoimento de um coronel que havia participado da tal “operação limpeza”:

Na serra das Andorrinhas, os corpos teriam sido queimados, juntamente com pneus. Dizendo ser testemunha ativa de todo esse processo, o coronel Pedro Cabral, piloto de um dos helicópteros que transportavam os corpos, afirma que por muito tempo viveu como se continuasse a sentir o odor forte que impregnava o aparelho, nessa operação macabra. (CAMPOS FILHO, 2012, p.191)

Isso de fato colocou uma vírgula sobre o desfecho final do conflito armado do Araguaia, depois desse episódio aconteceu a conhecida chacina da Lapa, onde vários dirigentes comunistas do PCdoB foram metralhados sem chance de reação e sem oportunidade de defesa:

Portador fiel de segredos inconfessáveis, confirmou a informação de que o CIEx, coordenador das operações que culminaram com a morte de 92 militantes do PCdoB na guerrilha do Araguaia, mantinha um agente infiltrado na cúpula do partido. Este agente repassou aos militares todas as informações que resultaram na morte de três dirigentes do Cômite Central a 16 de dezembro de 1976, no episódio que ficou conhecido como Massacre da Lapa: Manuel Jover Teles, um dos históricos do PCB, com passagem pelo extinto Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e que se incorporou ao PCdoB em 1967 era um espião do Exército e informou ao CIEx o local da reunião da cúpula do PCdoB. (AMAZONAS, 2002, p.38)

Em documentos obtidos através do projeto BNM, existem páginas retiradas de arquivos secretos sobre a chacina da Lapa. abaixo um recorte onde é relatado a ocorrência que resultou em morte dos dirigentes do PCdoB:

Figura 6: Chacina da Lapa.

Fonte: BNM (Projeto “Brasil nunca Mais”).8

9. CAPÍTULO VII

9.1. INTRODUÇÃO AS ENTREVISTAS

As entrevistas realizadas neste trabalho buscam aprofundar os resultados obtidos pelos meios teóricos de pesquisa, fornecendo mais um elemento de compreensão dos acontecimentos em tono do Araguaia.

Em entrevista com o dirigente partidário do PCdoB Adalberto Monteiro é possível interpretar o que a sigla pensa na atualidade, quais alinhamentos políticos estão sendo construídos, mudanças nas linhas estratégicas e manutenção ideológica que se apresenta na prática e presença no campo legislativo, como também em movimentos sociais e sindicalistas.

O dirigente comunista fala da importância do acontecimento da guerrilha do Araguaia para o Partido, enfatizando a necessidade de entender os fatos com seus devidos apontamentos temporais, bem como, as circunstâncias políticas e sociais atreladas a tal ocasião, sem propagar informações descontextualizadas, a luta armada teve um impacto positivo para a história do PC do Brasil e força motivacional para incentivar os militantes a continuar lutando por seus ideais.

Falando de tempos atuais o dirigente se mostra esperançoso, mas lembra de que as ameaças a direitos conquistados continuam rondando o ambiente aparentemente democrático que o País vivencia. Sobre os objetivos do PCdoB, Adalberto é enfático ao afirmar que o partido não abandonou suas origens e trabalha de forma contínua na defesa do povo brasileiro, nas mais variadas frentes de lutas.

O PCdoB não cogita em tempos atuais a luta armada para chegar a seu objetivo principal, que seria o Estado socialista, reconhece que o Brasil precisa de plenitude no desenvolvimento, seja ele social econômico e cultural. Sobre os desaparecidos no Araguaia e a luta das famílias pelos restos mortais de seus entes, o PCdoB diz que nunca desacreditou e continua lutando lado a lado com os familiares para a abertura dos arquivos nacionais que continuam sob sigilo e que o Estado cumpra com seu dever e aplique as punições necessárias.

Vários quadros de jovens estavam presentes na guerrilha do Araguaia e hoje o partido comunista do Brasil continua formando e agregando mais militantes em suas fileiras, a exemplo disso identificamos a UJS (União da Juventude Socialista), que atualmente é responsável pela integração e organização jovem do partido, atua principalmente no meio estudantil, mas é presente em várias frentes de atuação, tem mais de 30 anos de história.

A UJS fez uma caravana há alguns anos atrás em direção ao Araguaia, nas cidades onde os conflitos ocorreram e um dirigente dessa entidade, aqui de Chapecó- SC, o militante Jhonatan Anshau, teve a oportunidade de acompanhar essa expedição, falar com os moradores locais, vivenciar as condições em que seus companheiros outrora foram submetidos e o ambiente onde se travaram os conflitos.

O militante da UJS descreve a simplicidade dos moradores da região e a forma carinhosa com que os mesmos lembram-se dos guerrilheiros, inegável que alguns não recordam e outros ouviram muito a respeito desses acontecimentos, mas ainda impera o medo na região, falar sobre isso ainda é um tabu para muitos camponeses locais.

Na entrevista realizada, Jhonatan relata tudo que presenciou no Pará e os resultados de tal ação, que buscava principalmente um resgate histórico da guerrilha, aproximação com os moradores, as trilhas percorridas e a emoção que ele passou, podendo estar no mesmo lugar onde marcou definitivamente a vida e história do PCdoB e que serve até hoje de “combustível” para as novas gerações.

Em todos os Estados brasileiros existe a UJS, sem intitulam como a maior organização jovem do Brasil, a guerrilha do Araguaia representa para eles a bravura e coragem, serve de inspiração para a luta diária em prol dos direitos do povo, se auto declaram herdeiros dessa história do PCdoB, elaboraram até um single sobre o Araguaia: “tarda, tarda, tarda, mas não falha, aqui está presente a juventude do Araguaia” (UJS).

10.  CAPÍTULO VIII

10.1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A guerrilha do Araguaia foi um fato importante que aconteceu no Brasil, um ato de bravura e resistência como todos os movimentos políticos que seguiram o tenebroso período de ditadura no País. As muitas vidas que chegaram ao seu final na selva amazônica semearam esperanças de mudança na América latina, perversamente ocupada em vários países por ditaduras implacáveis e sustentadas pelo regime de força do Estado.

Não é possível direcionar um resultado somente negativo dos combates que ocorreram no sul do Pará, como foi analisada por membros do PCdoB, a luta armada não demandava de uma simples escolha ou opção, mas era uma obrigação, pois as vias anteriormente escolhidas foram sucumbidas pela repressão, não mais existiam mecanismos democráticos de liberdade para expressar opiniões e lutar pacificamente pelos direitos das massas historicamente oprimidas, o sistema capitalista por si só, na ótica liberal, já é excludente, “juntando” esse sistema sob uma direção de Estado ditatorial não existem escolhas, mas sim obrigações.

O PC do Brasil se auto proclamava “vanguarda” no que se refere à revolução e defesa das massas operárias e camponesas, como tal, deveria tomar uma atitude que respaldassem em suas convicções e diante do terrível cenário que estava posto na época a saída viável era a resistência e luta armada, para minimamente tentar frear os retrocessos, violações de direitos humanos, assassinatos, desaparecimentos e privação de liberdades, dentre outros direitos constitucionalmente garantidos.

O longo percurso de desenvolvimento do plano de estabelecer um núcleo armado no Brasil no viés do campo foi difícil, a repressão e censura não dava tréguas, o recrutamento era de extrema dificuldade, pois, universidades e fábricas estavam sob constantes olhares dos órgãos da ditadura e ainda o pós-recrutamento demandava de confiabilidade nos integrantes, formação e disposição, nem todos estavam dispostos a “sacrificar suas vidas” em prol de uma “ideologia”, “sonho” ou se viam na “obrigação” para com sua nação.

Os comunistas estavam cercados de exemplos revolucionários na época, a Urss, China, Albânia, Viatnan, Cuba, dentre outras tentativas como as de Guevara no Congo, na Bolívia, entre outras insurreições como em El salvador, Guatemala e demais países na América e no mundo, uma civilização mundial em grave instabilidade política, principalmente pelo medo da guerra fria e seus futuros passos. Tal magnitude incentivaram os comunistas do PCdoB a investir em uma atitude radical e colocar seus planos à prova, isso aconteceu com a Guerrilha do Araguaia.

Os erros e acertos da guerrilha já foram apontados na entrevista com Adalberto Monteiro (dirigente do PCdoB) e nas linhas que antecedem na pesquisa, mas isso não é o mais importante neste trabalho, erros de táticas militares são recorrentes nas guerras, não é caso de experiência, pois nem os militares tampouco os guerrilheiros dispunham de tal atributo, talvez a desproporcionalidade e correlação de forças desempenhasse um papel crucial no conflito, a densidade populacional da região a extensão do Brasil em territórios, viabilidade de pessoas e materiais bélicos, todas essas variáveis somam importância em uma derrota ou vitória.

Os guerrilheiros e guerrilheiras do Araguaia, pensavam que estavam lá para defender seu País, resistir contra a ditadura, com objetivos claros e precisos, tudo orquestrado pela direção partidária, eram convictos de suas ações e os riscos que delas adivinham, ademais, segundo os quadros partidários, a ideologia revolucionária não morreu na selva amazônica, mas se propagou para os anos subsequentes, motivou e continua motivando os quadros partidários comunistas, como foi relatado na entrevista com Jhonatan Anshau, membro da União da Juventude Socialista (UJS), essa entidade jovem do PCdoB que reivindica a “herança ideológica”, força e motivação da guerrilha do Araguaia, pois, a maioria dos militantes que lutaram na selva eram hegemonicamente composto pelos jovens do partido comunista brasileiro.

Uma peça importantíssima e fundamental do objetivo da guerrilha era o apoio das massas no curso do desenvolvimento armado, conscientizar, formar e recrutar os camponeses, o propósito era de um conflito popular prolongado nos moldes chineses de revolução, mas os ataques surpresas e inesperadas das forças armadas puseram em “check” tais ambições que não vieram a se concretizar da maneira esperada. E de fato não podemos negar o envolvimento das massas locais no conflito, tiveram um papel relativamente importante, poderiam ter abreviado o fim da guerrilha, mas fizeram exatamente o contrário, dificultaram as ações da ditadura e facilitaram a movimentação dos guerrilheiros e sua sobrevivência na desigual batalha que vinham travando, onde passaram mais de quatro anos dentro da mata fechada, encarrando os piores momentos de suas vidas.

A principal causa que motivou os comunistas a empunhar as armas foi às repetidas investidas do Estado ditatorial brasileiro em suprimir os direitos das populações, nada foi mais calamitoso que o AI-5, cassação de mandatos legislativos, confisco de bens e propriedades, censura extrema, corrupção entre outras atrocidades cometidas, o Brasil chegou a um momento que não restavam opções e por isso numerosas vidas foram tiradas, seja pelo lado das forças armadas, civis e guerrilheiros, todos pagaram um preço e a história serve para “refrescar” a memória, a tirania da elite obriga seus servos a viverem perigosamente, seja pelo medo ou alienação e para sair de tal situação em meio ao caos a única alternativa e eliminando os tiranos.

Quando o PCdoB decide enfrentar a ditadura através da “violência revolucionária” no campo, especificamente na área rural, de mata, os combatentes urbanos estavam praticamente aniquilados, por volta de 1970 os enfrentamentos se resumiam a meros assaltos a mão armada, alguns sequestros com raros êxitos e sem muita dificuldade de localização e prisão para os organismos de repressão, a morte de Carlos Mariguella simbolizou o fim da resistência urbana, um marco que culminou na fragilidade de reorganização das forças políticas, não se atentaram em formar novas lideranças capazes, a falta de teorização e extremismo militar se mostrou como um obstáculo a ser superado, mas que não veio a se concretizar.

Caso a ditadura fosse obrigada a lutar em duas frentes na rural e urbana talvez o resultado final tivesse sido diferente ou sofresse alterações, mas cada organização lutou por convicções próprias adquirindo características especificas e se limitando ao cenário urbano, ainda que muitas dessas organizações “sonhavam” com a luta no campo, mas estavam tão profundamente envolvidos nos conflitos urbanos que não tiveram tempo de organizar-se para a luta rural, foram aniquiladas antes de programar suas táticas com tal objetivo, deixando assim, as forças do Estado dirigir atenção total aos conflitos que estavam ocorrendo no Araguaia.

Os desdobramento e resultados dos atos revolucionários ocorridos no sul do Pará indicam que o PCdoB criou uma mística, a guerrilha do Araguaia, seus feitos e guerrilheiros formam um “totem” onde suas ações são reverenciadas por seus militantes ao longo da história, os integrantes desse partido “alimentam-se” da bravura e heroísmo que caracterizou um episódio na conjuntura nacional de outrora, conseguem impulsionar os desafios futuros, o partido e sua organização jovem não o deixa ser esquecido, alias, incentiva sua lembrança, vários cantos são entoados em congressos, como o célebre single da UJS: “Tarda, tarda, tarda, mas não falha, aqui está presente a juventude do Araguaia”.

Pensar a atualidade, em uma possibilidade de levante armado no Brasil é inviável, segundo relatos do partido, as condicionantes de outrora que levaram a tal atitude não existem mais, os objetivos do PCdoB são democráticos e visam fortalecer as relações institucionais para preservar e garantir o desenvolvimento pleno do País, segundo seu estatuto, o socialismo é o principal objetivo, mas para alcançá-lo é necessário um longo período de desenvolvimento das forças produtivas, sem essas aspirações previamente concretizadas não é possível determinar o começo do Estado socialista. Outro fato importante e bem comentado dentro dos quadros partidários é de que cada País constrói o suas plataformas levando em considerações as manifestações sociais, econômicas e culturais próprias, o socialismo no Brasil não seria ou será igual o de Cuba, da URSS ou da China, existem certas especificidades que não são comungadas, o modelo econômico pode ser igual ou similar, mas a forma de sua aquisição e desenvolvimento prático se diferencia.

11. REFERÊNCIAS

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COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Audiência Pública: Mortos e Desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. Brasília, 2014.

______. Institucional: A CNV. Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/institucional-acesso-informacao/a-cnv.html> Acesso em: 28 de setembro de 2016

GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo. 2º reimpressão. Companhia das Letras. 2002.

GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas, a Esquerda Brasileira: Das Ilusões Perdidas à Luta Armada. 2º edição. Vol 3. Editora Ática S.A. São Paulo. 1987.

HOXHA, Enver. To the Congress of the Communist Party of Brazil. Albânia Today. 1983. Disponível em: <http://ciml.250x.com/archive/hoxha/english/to_the_congress_of_the_communist_party_of_brazil.html.> Acesso em: 29 de agosto de 2016.

OLIVEIRA, Pedro. João Amazonas (1912-2002). Senado Federal. Secretaria Especial de Editoração e Publicações. Brasília. 2012.

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SCHWARCZ, M. L e STARLING, M.H. BRASIL: uma biografia. 1º ed. São Paulo. Companhia das Letras. 2015.

ENTREVISTAS COM ADALBERTO MONTEIRO E JHONATAN ANSHAU

ENTREVISTADO 1: ADALBERTO MONTEIRO, 58 anos, jornalista e poeta. É membro do Secretariado Nacional do PCdoB, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois, editor da revista Princípios.

PERGUNTAS:

AUTOR: 1 – O que significou a Guerrilha do Araguaia para o PCdoB?

ENTREVISTADO:

Foi um acontecimento relevante na história do país e do Partido. Uma vez mais, os comunistas até as últimas consequências, ao preço da própria vida, se lançaram em defesa da democracia. O Araguaia foi coerência. Os comunistas lutaram contra a violência da República Velha, contra as atrocidades do Estado Novo, contra o arbítrio do governo Dutra. Quando veio o golpe militar de 1964 não teve dúvidas. Resistir era preciso.

O Araguaia se destaca em virtude de três questões principais. Primeira: Foi a resistência armada à ditadura de maior duração, quase três anos. Segunda: A Guerrilha contribuiu para debilitar o regime militar e fortalecer o ânimo da oposição democrática. Terceira: Ela só conseguiu esses resultados porque ganhou apoio da população local. Essa síntese, com a qual concordo, foi assim apresentada pelo ex-presidente do PCdoB, Renato Rabelo.

No auge da truculência da ditadura, quando ela se arrogava inatacável, inexpugnável, o Araguaia abriu uma clareira e passou a emitir sinais de luz naquela escuridão. Sinalizou aos brasileiros que nem toda resistência armada à ditadura fora desmantelada, como não cansava de se vangloriar o governo militar. O PCdoB realizou o que se propôs: buscou organizar a guerra popular ou guerrilha rural, mobilizando o povo do interior do país. Nenhum dos agrupamentos guerrilheiros (VPR-ALN-MR8) havia conseguido chegar a esse estágio, pois foram derrotados antes que tivessem podido atingir esse objetivo.

A Guerrilha do Araguaia mostrou a radicalidade do compromisso do PCdoB com a causa da democracia, da liberdade e da soberania do país. Isso aumentou em muito o prestígio daquele relativamente pequeno e perseguido partido e, por exemplo, impulsionou a decisão da maioria dos militantes da Ação Popular Marxista-Leninista (AP-ML) de se integrar ao Partido em 1973. Posteriormente, no período que vai da Anistia (em 1979) até a redemocratização em 1985, atraídos pelo legado do Araguaia, centenas de lideranças jovens seguiram o mesmo caminho e ingressaram no PCdoB. Em 2014, nos atos referentes aos 50 anos do golpe militar, igualmente o Araguaia recebeu referências e homenagens como um dos principais capítulos da resistência armada. O PCdoB ficou conhecido, inclusive internacionalmente, como o Partido do Araguaia.

É claro que o desencadeamento da luta no Araguaia colocou o Partido na condição de alvo principal das forças repressivas – o que antes não era. Centenas de militantes foram presos, torturados e mortos. Vários dirigentes nacionais foram assassinados, entre os quais podemos citar Maurício Grabois, Carlos Danielli, Lincoln Cordeiro Oest, Lincoln Bicalho Roque, Armando Frutuoso, Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Drummond.

AUTOR: 2 – Como o Partido encara essa questão na atualidade?

ENTREVISTADO:

Continua defendendo aquela experiência como uma das mais belas passagens da luta de resistência do nosso povo contra a ditadura, e se orgulha de tê-la organizado e protagonizado, ao lado dos camponeses da região. É claro que a Guerrilha – tanto no seu conteúdo como na sua forma – só pode ser plenamente compreendida dentro do quadro histórico no qual ela foi realizada. Não podemos ser anacrônicos quanto a isso. Vivíamos ainda em meio à Guerra do Vietnã e sob a ameaça de uma hecatombe nuclear. As revoluções chinesa, cubana e argelina vitoriosas eram ainda acontecimentos muito recentes. A luta armada então parecia estar na ordem do dia nos países do chamado terceiro mundo, oprimidos por ditaduras ferozes e pelo imperialismo estadunidense.

Por outro lado, a ditadura fechou os espaços para qualquer tipo de oposição pacífica e legal. As eleições diretas para presidente e governador foram extintas. Não se respeitava a decisão soberana das urnas, pois parlamentares de oposição eram cassados por qualquer motivo. Existia uma rigorosa censura à imprensa e às artes. As prisões estavam lotadas de democratas e patriotas, mesmo aqueles que não tinham aderido à luta armada. A situação se agravou depois da imposição do Ato Institucional número 5, o famigerado AI-5. Não por acaso foi após este ato discricionário – considerado um golpe dentro do golpe – que a luta armada cresceu no país. A partir do AI-5 as prisões, as torturas, o assassinato dos opositores ao regime se generalizaram, se tornaram regra.

Citando, uma vez mais, Renato Rabelo, que militou à época, ante um regime tão sanguinário, tão truculento, vai se impondo que eram necessárias formas mais ousadas de resistência. Não era uma questão só do PCdoB. “Era uma consciência que batia à porta exigindo uma tomada de atitude. E o Partido expressa isso, por ser um instrumento, um porta-voz, dessa consciência democrática mais avançada da época”.

AUTOR: 3 – Em relação aos mortos e desaparecidos, existe algum projeto em andamento? O PCdoB encara esse episódio como um fato finalizado?

ENTREVISTADO:

Não é fato finalizado. Mais de 40 anos depois o Araguaia é inconcluso. Os arquivos, embora haja ordem judicial para isto, de fato não foram abertos. Ou, o que é pior: talvez tenham sido destruídos. Os corpos dos mortos e desaparecidos do Araguaia não foram encontrados, o que impede que familiares e companheiros possam sepultá-los em túmulo honroso. Há também o anseio não realizado da consciência democrática do país de que sejam punidos os agentes do Estado nacional que cometeram crimes hediondos.

No Araguaia, as forças da repressão cometeram os crimes mais diversos, desde a tortura até a execução sumária de prisioneiros, inclusive o macabro procedimento de decapitação de cadáveres, além do crime hediondo de ocultação de cadáveres. Tais crimes foram cometidos não só contra os(as) guerrilheiros(as), mas também contra os moradores da região.

O PCdoB desde o final da Guerrilha, sobretudo a partir da Anistia, em 1979, desenvolve ampla luta em torno do direito à memória e à verdade no que concerne à repressão ocorrida na região, e exige o desvendamento dos crimes cometidos pela ditadura. Já no final da década de 1970 colaborou com as caravanas à região do Araguaia, realizadas pelos familiares dos (as) guerrilheiros (as) desaparecidos (as). Aqui cabe destacar a atuação do ex-deputado paraense Paulo Fonteles, posteriormente assassinado por jagunços a serviço dos latifundiários. Elza Monnerat, que participou da fase de preparação da guerrilha, dirigente do PCdoB, também se dedicou muito a esse trabalho.

No presente, o PCdoB acompanhou de perto todas as expedições organizadas pelos governos brasileiros para localizar os corpos dos guerrilheiros. Ainda hoje existem mais de 60 desaparecidos. Apenas dois corpos foram localizados: o de Maria Lúcia Petit e o de Bergson Gurjão Farias. Enquanto esse mistério não for esclarecido e não se fizer justiça, o PCdoB continuará lutando e pressionando o governo e o Estado brasileiro. Recentemente acompanhamos o processo de concessão de anistia aos camponeses da região, que sofreram prisões e torturas com a ocupação militar. Grande parte deles foi solidária com os guerrilheiros e por isso sofreu nas mãos da repressão. Apenas recentemente estamos começando a conhecer toda a história. E muito nos vem pela boca desses camponeses.

Visando a resgatar a história da luta dos comunistas durante o regime militar, a Fundação Maurício Grabois (FMG) realizou o projeto Repressão e direito à resistência: os comunistas na luta contra a ditadura (1964-1985), aprovado no programa Marcas da Memória do Ministério da Justiça. Através dele, entre outras coisas, foram feitas dezenas de entrevistas com militantes que atuaram durante os anos de chumbo. Isso culminou num livro com vários desses depoimentos. A Fundação Maurício Grabois também produziu dois documentários em longa-metragem: Camponeses do Araguaia, a guerrilha vista por dentro (2013) e Osvaldão (2015) que contribuem para divulgar o legado do Araguaia.

AUTOR: 4 – Quais foram os erros do Partido na Guerrilha?

ENTREVISTADO:

Segundo o balanço feito pelo Partido no VI Congresso do PCdoB em 1983, os principais erros teriam sido de tática militar. Alguns deles. “A tática guerrilheira permaneceu no geral estável durante o período da luta”. O Exército foi derrotado nas duas primeiras campanhas, já na terceira campanha, depois de cerca de um ano de preparação, ele muda de tática. Adentra fundo na floresta, em época de chuva, com efetivos treinados, e já havia esquadrinhado a região. O comando da Guerrilha errou ao pensar que o Exército atuaria tal e qual nas duas campanhas anteriores. É de se opinar que o Comando da Guerrilha poderia ter feito uma mudança de tática, inclusive fazendo uma retirada temporária da área, uma vez que ela já era muito conhecida pelo inimigo. E outros erros, que apenas cito: “a área guerrilheira não foi ampliada, não se criaram novos destacamentos”; “não prevaleceram os métodos da defensiva ativa”; o apoio logístico não foi bem preparado e não houve trabalho na periferia da área, entres outros.

AUTOR: 5 – Qual o legado e quais ensinamentos o Araguaia deixou para o Brasil e o Partido?

ENTREVISTADO:

A Guerrilha do Araguaia integra o elenco de feitos heroicos do povo brasileiro, cujos ideais, após terem se propagado por gerações, incorporaram-se à alma, à própria consciência nacional. Contra a vontade dos opressores, esses feitos e legados passam, após longo processo de decantação crítica, a integrar o acervo de lutas que animam e credenciam o povo e os trabalhadores a enfrentarem os desafios da jornada transformadora.

É mais um episódio marcante de heroísmo do nosso povo na defesa da liberdade, como ocorreu em Palmares; nas Inconfidências mineira e baiana; no movimento tenentista; nos levantes da Aliança Libertadora Nacional (ALN). Não existe nenhuma conquista popular sem muita luta e sacrifício, mesmo quando essa luta é momentaneamente derrotada por forças superiores. Delas fica sempre a semente, que floresce mais à frente. Creio que o exemplo do Araguaia e de outros movimentos de resistência à ditadura – inclusive a guerrilha urbana – representam essas pequenas sementes regadas com sangue que um dia vieram a desabrochar na democracia que temos hoje, apesar de todos os percalços.

O Araguaia se projeta na história, também, pelo exemplo de abnegação dos guerrilheiros e guerrilheiras. Exemplo de militância revolucionária na sua autêntica expressão. Convicções e compromissos elevados com o Brasil e os trabalhadores. Convicções e compromissos com um projeto social, político transformador, com a bandeira do socialismo. Num mundo no qual a propaganda capitalista dissemina o preconceito contra a militância política, num universo político contaminado por oportunistas de todo tipo, o Araguaia segue como um exemplo que anima e impulsiona o coração e as mentes das gerações de militantes da atualidade.

A União da Juventude Socialista (UJS), criado em 1984, atualmente, é umas das principais forças organizadas da juventude brasileira. Tem como patrono o poeta Castro Alves e tem como exemplo os bravos do Araguaia.

AUTOR: 6 – Existe possibilidade de um levante armado na atualidade?

ENTREVISTADO:

Não. Para o PCdoB, as formas de luta se subordinam às circunstâncias, relação de forças, a partir daquela máxima leninista da análise concreta da realidade concreta. As condições objetivas e subjetivas não avalizam a ideia do desencadeamento da luta armada no Brasil nos dias atuais. O último grupo armado do nosso continente, as FARC, que eram ainda o resíduo do período anterior, acabou de firmar um acordo de paz com o governo colombiano.

As principais armas atualmente têm sido as lutas de massas e institucionais, como a eleição de presidentes progressistas. Isso só foi possível porque derrotamos as ditaduras militares que dominaram o nosso subcontinente nas décadas de 1960 e 1970. Lembramos, contudo, que a resistência armada dos povos quase sempre é uma resposta à brutalidade das classes dominantes. O povo não pega em armas por prazer ou por amor ao sangue, e sim por necessidade de sobrevivência e para defender o seu direito à liberdade. Lembramos o poeta alemão Bertolt Brecht: “Do rio que tudo arrasta se diz violento, mas não se diz violentas as margens que o oprimem”.

AUTOR: 7 – Qual o objetivo do Partido na atualidade?

ENTREVISTADO:

O objetivo maior do PCdoB é o socialismo no Brasil. Essa é a essência dessa legenda que hoje tem 94 anos e caminha para o centenário. Todavia, como diz o Programa, não se reuniram as condições objetivas e subjetivas para a conquista imediata e já do socialismo. Desse modo, é preciso percorrer um caminho, o Partido e as demais legendas que lutam por essa bandeira precisam acumular forças. O caminho brasileiro para o socialismo, na ótica de nosso Programa, é a luta por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, que, supere por intermédio de reformas e rupturas, os obstáculos que impedem o Brasil de avançar na construção de uma Nação próspera, democrática, soberana e desenvolvida, na qual o povo usufrua das riquezas que produz.

Nos últimos treze anos, o PCdoB, ao lado do PT e de outras forças progressistas, teve papel destacado pelo êxito dos governos Lula e Dilma. Participou e apoiou o governo, sempre leal, sempre com espírito crítico, impulsionando-o a realizar as mudanças e reformas necessárias.

Em 31 de agosto de 2016 – 52 anos depois de 1º de abril de 1964 –, o atávico e renitente golpismo das classes dominantes brasileiras, em cumplicidade com o imperialismo, mutilou a democracia.

O golpe parlamentar de hoje tem objetivo análogo ao do golpe militar de ontem: é contra a democracia, contra o povo e a soberania do Brasil.

Desde os preparativos desse golpe, o PCdoB ergueu a bandeira da defesa da democracia, associada à defesa da soberania nacional e dos direitos do povo, como núcleo de nossa tática.

Mas, no Brasil não se golpeia a democracia impunemente. Apenas começa mais uma jornada que só terminará com a restauração plena da democracia e com a preservação dos direitos do povo e da soberania de nosso país.

ENTREVISTADO 2: JHONATAN ANSHAU, 29 anos membro do PCdoB, militante da UJS, atualmente assessor do Deputado estadual comunista César Valduga.

MODALIDADE DE ENTREVISTA: Gravação de áudio, transcrito.

NOTA: Erros de pronuncia e gramática podem aparecer, pois a gravação foi transcrita de forma literal.

AUTOR:

Hoje, 28 de julho de 2016. Entrevisto o Jhonatan Anshau militante da UJS e filiado ao PC do B. Jonathan, pode se apresentar, por gentileza?

ENTREVISTADO:

Então, sou Jhonatan Anshau, tenho 29 anos, sou militante do PC do B e da UJS há 15. Comecei a militância na escola, no Colégio Marechal Bormann, em Chapecó. Estudei a vida toda lá e quando eu estava na quarta série participei a primeira vez do grêmio estudantil. Aí fui presidente do grêmio durante 4 anos. Depois continuei a militância na universidade. Antes disso participei da UNDES, uma escola de ensino secundarista aqui de Chapecó. Fui para a universidade, participei do DCE da UNOCHPECÓ. Depois fui presidente do DCE da UNUESC, fui da união catarinense de estudantes. Voltei a militar em Chapecó e hoje assessor o deputado Valduga, nessa construção...

AUTOR: Que também é um deputado comunista?

ENTREVISTADO:

Também é um deputado comunista, deputado do (PC do B). Segundo deputado estadual que o PC do B elegeu no Estado de Santa Catarina.

AUTOR:

Como foi esse contato entre a UJS e Partido Comunista do Brasil, qual que foi o primeiro contato? Foi com a militância estudantil da UJS ou foi com o partido?

ENTREVISTADO:

O primeiro contato foi com a UJS. Estudava no Marechal e dois militantes da UJS, (Michelangelo Mendonça Meneghetti e o Gerly Andam Hazan) e o Everson. 3 militantes então, vieram na escola para ajudar em um processo de grêmio estudantil que nós estávamos tocando. Vieram se apresentaram enquanto (UBES).

AUTOR:

Qual que foi esse ano? Tu lembras o ano?

ENTREVISTADO:

Posso ver depois para te passar, mas agora não lembro. Depois acho que foi 2002. Na eleição do Lula. Que ali eu já entrei nesse primeiro…

AUTOR: Que serie tu estavas?

ENTREVISTADO:

Eu estava na oitava.

AUTOR:

Oitava do ensino fundamental ainda?

ENTREVISTADO:

Fundamental ainda, ai a UJS se aproximou para participar do grêmio estudantil. A princípio eu não, aliás, eu participei de uma gestão do grêmio estudantil e depois participei de outra com a ajuda da UJS. A primeira gestão foi extremamente falida, porque a gente não tinha essa ligação com a entidade estudantil. Nós montamos o FAE, Força Alternativa Estudantil. E a gente achava que ia fazer muita coisa, acabou fazendo um torneio e fazendo um concurso de garota primavera; jogos escolares e mais nada. Questão de movimento, militância mesmo não se fazia, porque não tinha o conhecimento. Um ano depois ia ter nova eleição, eu já não queria mais saber de nada e aí o pessoal da UJS se aproximou e me convenceu a disputar a eleição novamente. Eu era vice-presidente, queria que eu disputasse como presidente. E aí acabaram me convencendo. Eu trabalhava, acabei saindo do trabalho. Daí falei: “já que eu saí do trabalho, então vou aceitar o desafio”. Aí entrei para a chapa como presidente, disputamos a eleição; vencemos a eleição. E a partir dali comecei a ir para as outras escolas também. Aquilo ali não me satisfez ficar só dentro da minha escola. Eu queria circular, ir para outros. Foi um ano que a UJS não estava na UBES. Estava fora da direção da UBES, por rolos de movimentos secundaristas ali e aí acabamos fazendo um movimento à parte da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e disputando eleições de grêmio com o pessoal que estava na UBES que era da juventude do PT. E como foi muito intenso isso, na semana que eu me elegi presidente do grêmio também teve outras 4 eleições, eram 5 eleições, e nós ganhamos as 5 eleições naquela semana. Então, nós tínhamos um movimento muito forte, mesmo não sendo aparelhado. Mas a filiação, até então eu estava na UJS, mas não era nem filiado. Ajudava, circulava escolas enquanto presidente do grêmio do Marechal, Grêmio Che Guevara. E aí acabei me filiando no PC do B, a convite do Amauri Machado, que era assessor do vereador Paulinho da Silva, ele era comunista. E depois me filiei na UJS, mas aí não dá para dizer que foi um de preferência do outro. Foi questão de assinar a ficha. Que as vezes isso é o menos importante. É o burocrático. E aí entrei no movimento pelo partido, depois, trabalhei na Secretaria de juventude, esporte e lazer e foi tendo essa construção de militância.

AUTOR:

E como foi esse contato com a guerrilha do Araguaia, ficou sabendo dentro da UJS algum curso de formação ou pelo próprio partido que divulgava essas informações de que alguma forma queria manter viva essa lembrança do Araguaia? Como foi esse primeiro contato?

ENTREVISTADO:

Eu conheci a guerrilha do Araguaia na biblioteca do partido, aqui em Chapecó, o Partido tinha sede, uma biblioteca com vários livros ótimos sobre o movimento, sobre a história do partido e acabei encontrando uma cartilha que falava da Guerrilha do Araguaia, um desenho mesmo. Era um almanaque todo desenhado, e peguei para ler, estudar e acabei conhecendo um pouco da história. Depois, 50 anos do golpe militar, a UJS estava completando 30 anos de história. A direção nacional resolveu fazer cursos de formação, eu já tinha participado de outros cursos de formação, tanto do partido quanto da UJS, mas esse, pela primeira vez, a UJS quis fazer o curso no local onde aconteceu, um pouco pela descomemoração do golpe e um pouco para levar, para gente conhecer os moradores que viveram, que estavam lá, que conheceram os guerrilheiros. A UJS organizou essa caravana para atrair e na época eram 300 mil jovens militantes da UJS no Brasil, na época foi feito um processo de seleção, tinha que fazer inscrição, contando a história de militância. Aí foram selecionados 69 jovens para participar.

AUTOR:

Representam o número de guerrilheiros que existiam no Araguaia na época?

ENTREVISTADO:

Até então, a gente não sabia do por que desse número, mas fomos sabendo depois que chegamos lá que cada um representaria um guerrilheiro. Aí foi todo esse processo, fiz a inscrição achando que não ia ser selecionado. Mandei e-mail e um dia recebi uma ligação de um telefone da Bahia. Atendi, mal consegui falar, estava ruim a ligação, falei: “Deve ser esses caras vendendo alguma coisa ou engano”, aí insistiu de novo, conseguiu a ligação, “olha, você se inscreveu para ir para a caravana do Araguaia”, falei que sim, “pois é, você foi selecionado”, daí deu aquela emoção. Eu quase chorei, aí já confirmei que ia, me organizei, consegui ajuda dos sindicatos de esquerda do município, a própria UJS de Chapecó me ajudou a pagar as passagens para São Paulo, porque de lá iriamos de ônibus. Eu consegui…

AUTOR:

Quantos dias de viagem até chegar à região do Pará?

ENTREVISTADO:

Saí de Chapecó de manhã, cheguei a São Paulo, daí no outro dia saímos às 5 da tarde, seguimos para Brasília, e depois de Brasília para Palmas, lá em Brasília pegamos outro ônibus. Palmas, Tocantins. Deu umas 30 e poucas horas de viagem direto. Lá em Palmas tinha um memorial… a caravana ia falar um pouco sobre a Coluna Prestes, a gente foi no memorial Prestes em Palmas, e depois partimos para a região da guerrilha, em Xangri-lá. Quando estávamos no memorial Prestes, quando encerrou o debate sobre a Coluna Prestes, que foi começar a questão da guerrilha, então a gente ficou sabendo que cada um ia representar um guerrilheiro, fiquei com o Bérgson, tinha que estudar a história dele e ir a apresentando para os outros.

AUTOR:

Quantos dias durou essa caravana?

ENTREVISTADO:

Sete dias. Ficamos um dia em Palmas, depois fomos para Xangri-lá, depois para a Vila dos Martírios, que é no meio da guerrilha mesmo, que hoje tem 100 moradores, um pouco mais talvez, na época tinha mais ou menos isso também. Uma região mais ou menos isolada, 2 horas de barco para chegar até lá. Aí lá primeiro teve essa apresentação com os moradores. Primeiro teve um debate aberto com os moradores locais, todos meio receosos em falar, pelo tempo, aí fizemos primeiro essa mesa redonda com 3 ou 4 moradores, depois esses moradores que participaram da guerrilha, filhos…

AUTOR:

Haviam vários que estavam lá?

ENTREVISTADO:

Na época de guerrilha, como seus 15, 20 anos, e alguns que eram novinhos. Tinha uma menina que tinha 6 meses, não vai lembra, mas estava lá. E todos muito receosos em falar, aí alguns que já… pessoal da organização já tinha conseguido conversar com eles antes, foram fazer essa primeira conversa e depois ficamos de entrevistar outros, tivemos que procurar outros moradores, buscar informações, montamos grupos de 3 ou 4 e fomos para as casas dos moradores. Fui para a casa da dona Geralda… eu já tinha tentado falar com a dona Maria. No meio daquela primeira conversa, tinha uma senhora que eu vi sentada numa mureta, nos destroços de uma casa… também gosto de fotografia, levei a câmera, vi que tinha uma outra militante da caravana sentada do lado dela, aí de longe eu fui fotografando e quando fui me aproximando, ela começou a falar que não, falei que não estava fotografando ela e sim a menina, que tentou puxar um pouco mais a conversa sobre a época da guerrilha, porque até então não tinha conseguido, estava se apresentando e a dona Maria não se abria, falava que não sabia, que não lembrava de nada. Um pouco porque ao invés de falar que éramos da Caravana do Araguaia, ela falou que éramos da Guerrilha do Araguaia, então a senhora quase saiu correndo, porque ela falou que somos da guerrilha, eu então falei que fomos ali para estudar a guerrilha. Ela foi se abrindo um pouco, falou que viveu naquela época, mas que não lembrava de nada e nos convidou para tomarmos um café a noite. Não sabia o que ela ia falar ou não. Aí depois de fazermos as entrevistas, eu fui na casa da dona Maria. Dona Maria tinha uma filha já, que era essa de 6 meses, dona Geralda, dona Maria é que eu estava conversando antes. Hoje ela tem 63 anos, e sentamos na varanda da casa dela e ela começou a contar histórias, de que guerrilheiros antes eram só moradores da cidade e auxiliavam, tinham guerrilheiros que eram farmacêuticos, agrônomos, e cada um foi para lá para atuar na sua área. Mas os moradores não sabiam que eles eram do partido.

AUTOR:

Tinha algum apelido do qual eles eram conhecidos?

ENTREVISTADO:

Todos eram de nomes diferentes, não eram os nomes verdadeiros, usavam codinomes. Eles tinham um nome, nós conseguimos como guerrilheiros por outro e os moradores por outro ainda, então tinha alguns lá que eram conhecidos por 3 ou 4 nomes diferentes.

AUTOR:

Eu vi que em alguns livros, os moradores os chamavam de paulistas, isso foi constatado?

ENTREVISTADO:

Nenhum dos que nós conversamos os chamava de paulistas. Eles falavam muito do Alexandre, Dina é conhecido por Dina mesmo. Osvaldão eles lembravam. Dina, chamavam de Dina, e o restante, a maioria era por outros nomes, que às vezes até tínhamos que ficar ouvindo a história para assimilar quem era aquele. Aí, ela nos relatou que eles ajudavam muito eles, estavam lá sempre ajudando e auxiliando, eles não tinham nada e foram, ajudavam o plantio, ensinavam a cultivar o solo melhor, não tinha farmácia e a Diná fazia os partos, os moradores tinham que viajar de barco, que só passava 1 mês por mês. Então, para eles era muito bom os guerrilheiros estarem lá. Aí que chegou o exército falando que eles eram terroristas, foi o que falaram. E eles ficaram naquela terrorista que nos ajudou tanto, se eles fossem terroristas e quisessem nos matar, não teriam nos ajudado, essa era a lógica. Não só a Dona Maria, mas depois conversando com todos, eles tinham essa visão. Então o exército começou a na região, começaram a se embrenhar na mata, e todo mundo que não era fardado, era um potencial guerrilheiro.

AUTOR:

A dona Geralda teve algum familiar envolvido ou ela em si sofreu a repressão como todos da região?

ENTREVISTADO:

Não. Ela lembra muito forte dos helicópteros que circulavam, e toda vez que circulavam, ela erguia a filha para que não atirassem, para ver que tinha uma criança ali e que ela não era guerrilheira, como escudo.

AUTOR:

A morte de civis naquela região era algo constante?

ENTREVISTADO:

Era, porque os moradores ali, ou foram torturados porque apoiaram a guerrilha, ou ajudavam as forças armadas, teve esses dois lados. O Bérgson que eu representei, foi o primeiro guerrilheiro capturado e morto. Nos relatos, ele coordenava, era o coordenador responsável por fumo, e um caboclo entregou ele às forças armadas, um dia ele foi buscar suprimento e era uma emboscada, e aí alvejaram ele, capturaram e levaram para o forte o penduraram numa árvore, espancaram muito ele e o mataram com um golpe de baioneta. Foi o primeiro guerrilheiro capturado e assassinado nessa traição de um dos caboclos. Diversos caboclos foram torturados sem nem ter culpa. O exército chegava lá em outras cidades e vilarejos, e identificavam, “você estava aqui no dia que a Dina estava aqui, no dia que Osvaldão estava aqui, há boatos que Osvaldão estava aqui na vila no dia x e você viu ele, estava aqui”, e, “não vi ele”, “não, você viu ele”, eram torturados muito, tinha uns relatos que viam o próprio filho ser assassinado e torturado, com problemas até hoje, de tanto que foi torturado, e ele não teve nenhum contato com nenhum guerrilheiro, nunca nem viu. O exército foi muito afoito, não sabiam nem quantos guerrilheiros ou quem era do exército, aeronáutica, marinha, foi todo mundo para lá, não sabiam o que iam enfrentar então todo mundo era um potencial guerrilheiro ou apoiador da guerrilha.

AUTOR:

Na época que aconteceu a guerrilha, em meados de 67 até final de 74, a região do Araguaia era muito desassistida pelo estado, não existia uma presença efetiva do estado com instituições. Hoje, ainda permanece muito desassistido, a mata ainda é densa? Como é o acesso dessa população?

ENTREVISTADO:

São Geraldo do Araguaia que atravessa o rio Araguaia, as duas cidades fazem divisa, só atravessa de balsa, não é tão complicado o acesso. Mas para chegar lá na Vila dos Martírios, é de barco, levou 2 horas para descer, as voadoras que eles chamam, e de carro é só 4 por 4, sofre bastante. Tem um auxílio do governo hoje, mas também não é tanto. É bem precária a estrutura deles… muitas casas de pau a pique.

AUTOR:

Qual foi o ano que você foi?

ENTREVISTADO:

Foi em 2014.

AUTOR:

E existem hoje postos de saúde? Delegacias, hospitais?

ENTREVISTADO:

Não. Tem um auxílio maior de saúde, antes era uma vez por mês que passavam lá e levavam, mas não tem essa estrutura, não tem posto policial. Tem o pessoal do governo que desce direto lá, do governo federal, auxiliam, eles têm um acompanhamento muito maior que na época. A escola é precária, pátio de chão batido, salas de aula pequenas, tudo muito simples. Mesma coisa que a gente ir à vila indígena aqui praticamente isso. Tudo muito simples. Inclusive indo para cidade indígena, é mais estruturado do que eles têm lá.

AUTOR:

A maior fonte de renda ainda é agricultura, caça, pesca?

ENTREVISTADO:

Sim. Fizeram um jantar para nós pescando na nossa frente, perguntamos se a mata é densa… teve uma trilha que a gente fez que dava uns 40 minutos de caminhada e ninguém podia ir sozinho com o risco de se perder. Cada destacamento nosso… somos divididos em 6 grupos ali e não podia ir sem o guia para não correr o risco de se perder.

AUTOR:

Quando vocês estavam lá, foi relatado pela população algum familiar desaparecido? A gente sabe que existem muitas pessoas que foram mortas naquela região e que até hoje não conseguiram reaver os seus corpos. Foi encontrada alguma ossada?

ENTREVISTADO:

Foram dois, uma foi do Bérgson, e a outra foi de outra guerrilheira que eu não lembro o nome.

AUTOR:

Foram encontradas ossadas?

ENTREVISTADO:

Identificadas, o Bérgson e o de uma mulher.

AUTOR:

E os moradores relatam alguém?

ENTREVISTADO:

Dos moradores parece que tem vários que foram desaparecidos. Não cheguei a encontrar nenhum parente desses desaparecidos, mas todo mundo relata que até hoje tem muito corpo que não foi encontrado. Em 2011, teve alguns moradores que começaram a se soltar para falar locais que sabiam onde estavam enterrados, e o comandante das forças armadas da época, que era o Curió, era meio que o chefão da região, todos têm muito medo, tanto que os moradores têm medo de falar da guerrilha por causa dele. Lá em 2010 ou 2011, alguns moradores começaram a falar que sabiam onde estavam alguns corpos e desapareceram. Tiveram alguns assassinatos…

AUTOR:

Isso em tempos recentes?

ENTREVISTADO:

Tempos recentes. Então as pessoas se fechavam muito, então tem muita gente que ainda não foi encontrada. E a região, é uma região que era um cemitério indígena, é muito comum… que nem aqui, a gente vai para o interior e acha uma panela de barro, um pedaço dos indígenas. Lá é comum eles ter uma caveira, um crânio humano dentro de casa, encontrou no quintal de casa, às vezes vai lá, cava alguma coisa e encontra, tanto é que a Deusa, militante do PCdoB, é gaúcha e ela estava nos acompanhando na caravana, morou na região, ela nos relatou que corre o risco de aquelas pessoas da Vila dos Martírios, serem todas desapropriadas porque é um cemitério indígena. Então além dos corpos de guerrilheiros e caboclos, tem muito corpo indígena ali, que também dificulta a identificação. Muita ossada na região inteira, às vezes encontra algum, vai para identificação, sendo de guerrilheiro, indígena, centenas de anos atrás.

AUTOR:

Você escutou algum relato de mortes de indígenas envolvidos nesse conflito armado?

ENTREVISTADO:

Eles comentaram que como estava no meio da mata, muitas vezes como os caboclos. Como o exército… não tá fardado, davam tiro, no meio da mata, assassinando, claro que se livravam do corpo.

AUTOR:

O PCdoB hoje, o que significa o Araguaia para eles hoje?

ENTREVISTADO:

Eu penso que o PCdoB identifica que o Araguaia foi extremamente importante para a redemocratização do país. O PCdoB pensou em organizar a guerrilha lá, e foi muito bem pensado, o Osvaldão foi lá para a China, aprender táticas de guerrilha, as armas foram todas escolhidas e a ideia na época era de ir para o interior, fazer a revolução do interior. Eram muito complicadas, as forças armadas estavam lá. Então iam para o interior convencer a população do interior e ir para a cidade. Aquele movimento ali fortaleceu muito a luta anti-ditadura, e as histórias que não podemos esquecer, que é do PCdoB também, tenta resgatar sempre essa história do Araguaia, porque é uma história de luta do povo brasileiro, que ao meu entender, e acredito que do resto dos militantes, deveria estar em escolas, porque é tão importante quanto Farrapos, Canudos, foi uma verdadeira revolução.

AUTOR:

Rabelo faz essa interlocução dos grandes conflitos que ocorreram no Brasil. Canudos, Coluna Prestes e todos os demais conflitos que a gente teve no Brasil. Ele faz a relação de que a dimensão do Araguaia é maior ou igual que foi um conflito grande, que teve a sua importância, mas que de alguma forma, é esquecida pela mídia, escola, meios acadêmicos. Esse resgate da simbologia, digamos assim e dos fatores históricos que aconteceram no Araguaia, parece que está vindo à tona mais recentemente, tanto pelo partido quanto por pesquisadores, parece que é um assunto recente que está sendo revivido?

ENTREVISTADO:

Acho que até nesse… após essa caravana… um pouco na Comissão da Verdade, quando foi aprovada a comissão, foi uma proposta da UNE inclusive, começou a se resgatar essa história, a ir atrás dessa história da ditadura em geral, na guerrilha. Essa caravana que a UJS fez, senti muito mais essa história se abrir, desabrochar, quando a UJS começar a estudar mais essa história. Após essa caravana, tinha muito militante que nem sabia ainda, nem todo militante pega o livro e vai, tem militante que é só de base. Eu acredito que tende a respeitar mais, a gente tem… só daquela caravana, eu vim com 3 ou 4 livros que estavam falando da história do Araguaia, fora tantos outros que foram escritos aí. Acho que a gente tem que colocar ela no patamar de Farrapos, Contestado.

AUTOR:

E para a união da juventude socialista, podemos dizer que são os herdeiros do Araguaia? Qual é o significado e a relação que a UJS estabelece com a guerrilha do Araguaia para manter viva sua própria militância? O que isso significa para a UJS?

ENTREVISTADO:

A UJS é pós-guerrilha, tanto que a gente tem aquele grito de guerra, “tarda, tarda, mas não falha, aqui está presente a juventude do Araguaia”, que o fruto daquela guerrilha… como a guerrilha foi o estopim contra a ditadura, a morte daqueles militantes que estavam lá querendo fazer a revolução, foi o estopim para vários movimentos e nasceu a UJS, e sempre relembrando muito dessa história, da guerrilha, dos combatentes que morreram que deram a vida em prol da revolução. Então não tem um militante da UJS… eu estou todo arrepiado de lembrar-se de quando eu estava lá, mas também de saber de pessoas que morreram pela gente, para a gente estar… se não fosse por aquelas pessoas que lutaram, que pegaram em armas e que morreu, a gente poderia não estar hoje aqui se organizando, militando, a gente poderia estar com sérios problemas no governo federal, poderíamos nunca ter chego a um governo de esquerdo popular. A própria Dilma foi guerrilheira, não do Araguaia, mas desencadeou em muita luta e se tem uma coisa que nunca vai fugir da história da UJS, é que é uma juventude que surgiu dessa guerrilha, militantes dessa guerrilha que… alguns que… que ia para lá e voltava, fazia esse trajeto e surgiu a UJS para continuar a luta que a guerrilha começou.

AUTOR:

A UJS é uma organização grande, organização que tem vários milhares de militantes, o Araguaia é um tema que unifica a UJS inteira? Mesmo em pontos mais remotos como Chapecó? Esse tema serve de alimento para as lutas futuras e também para a própria militância da UJS se manter viva?

ENTREVISTADO:

Totalmente. A gente vive um momento de conflitos no país hoje, estamos aí correndo o risco de perder uma presidenta eleita pelo voto, democraticamente, e certamente se vê em um momento de conflito político do país, e aí pensa em que vai fazer. Aí você para e lembra que jovens estudantes e militantes que chegaram a ir para o meio do mato, pegar em arma para lutar pelo nosso país, pela democracia. E com certeza quando eu me lembro desse fato de que houve militantes que lutaram isso fortalece a minha vontade de lutar hoje. Se eles foram para lá, pegaram em armas, se morreram e tiraram aquela ditadura. Isso faz com que fortaleça a luta hoje, posso até chegar a sair do partido um dia, pela idade, mas jamais essa história de esquerda vai me deixar, não acreditar nessa luta, não continuar essa luta e ir para o outro lado, para o lado daqueles que apoiaram a ditadura, isso não.

AUTOR:

A gente sabe que para a estratégia do partido na época da guerrilha, o apoio das massas seria muito importante para o curso revolucionário que o partido pretendia atingir, que era uma visão aos modos maoístas da China e a gente vê que teve apoio da população, mas de repente, talvez pelo número populacional, talvez o partido errou nessa análise de número populacional para ir alcançando, até porque a distância de uma cidade para a outra era muito grande. E outro ponto que é observado nessa visão estratégica, refere-se ao curso em que a guerrilha deveria seguir, a surpresa do exército em 72 também é um ponto que dificultou porque não esperavam? O que você pode contar desse ponto estratégico do partido?

ENTREVISTADO:

O partido foi para lá com essa ideia de trazer do interior, na época acharam que era o local ideal para fazer, começar essa guerrilha, começar a armar isso. Obvio que em nenhum momento eles esperavam que fosse um contingente tão grande das forças armadas para lá. Todos os relatos que a gente teve…

AUTOR:

Foi o que? 10 ou 12 mil soldados para lá?

ENTREVSITADO:

Todo o relato que a gente teve lá, é que foi surpreendente a quantidade de militares que foram para lá combater esses 100 e poucos militantes, sabiam quantos que eram, mas mesmo assim, era absurdo, e mesmo assim a guerrilha conseguiu se fortalecer. Todos esses fatores de distância de uma cidade para a outra, e até mesmo a distância das capitais, isso com certeza foi…

AUTOR:

Abastecimento e suprimento?

ENTREVSITADO:

Olha o que aconteceu com o Bérgson, tinha que andar vários quilômetros no meio da mata, para chegar num ponto que era quilômetros longe de uma vila, para conseguir pegar o fumo e comida. Se tivesse mais fácil, talvez a revolução na cidade, a guerrilha na cidade que parecia difícil, teria sido mais fácil. É que tinham outras guerrilhas urbanas que.

AUTOR:

Na caravana que vocês fizeram da UJS, nessas conversas com os moradores, foi relatada alguma espécie de convite dos militantes para que eles participassem da guerrilha? Ou de livre e espontânea vontade? Circulava-se algum documento da guerrilha? Algum informativo, jornal?

ENTREVISTADO:

Era muito na conversa. Ninguém deles me relatou que foi convidado. Muitos auxiliavam a noite os guerrilheiros vinham até a casa deles, jantavam, comiam. Muitos auxiliaram guerrilheiros, mas não…

AUTOR:

Participação direta?

ENTREVISTADO:

Nenhum relato de que tenha feito isso. Possivelmente tenha algum auxiliado, mas eles têm medo de responder isso hoje. Existe relato de um caboclo que tinha prendido um guerrilheiro e tinha entregue paras as forças armadas. No livro ele relata que parou a conversa, foi lá fora, fumou dois cigarros, voltou, encerrou a conversa e pensou o que ia fazer com esse cara que entregou um camarada. Ele voltou para casa, passou a noite, não dormiu, não teve culpa, foi a situação, o momento dele que fez com que ele.. E outros relatos de um outro que entregou ela, e no momento que ela foi capturada, ela falou para ele que não tinha pena dele por ter entregue ela, tinha pena dos filhos dele. Isso em 1980 relatos, acho que até naquela época aquele caboclo ainda tinha se embrenhado na mata, estava morando na mata, desapareceu, não voltava mais para casa, atordoado porque na cabeça dele, ela voltaria para atormentar ele, então ele andava na mata se perguntando por que ele fez aquilo.

AUTOR:

Como é o lado místico da guerrilha? Principalmente em torno da história “mágica” do Osvaldão, que ainda vive na mata. Como o povo da mata o relata? Em vários livros, ele é relatado como se fosse à figura da guerrilha, porque foi um dos primeiros a chegar à região não é mesmo?

ENTREVISTADO:

Todos eles lembram muito dele, cara grande e forte, muitos tinham medo, muito forte, mas muitos falavam que o adoravam, que ele auxiliava muito os moradores. Eu vi muito mais relato de lá, lembravam-se do Osvaldão. Tem essa história de que ele ainda está na mata, tem um senhor que falou que deveria estar na mata, não tinha morrido. Ele e a Dina, que era a moça pequena que ajudava nos partos e que eles relatavam mais era isso, do medo que o Osvaldão dava pelo seu tamanho, alguns até diziam que não era humano, e outros relatos muito fortes da Diná por ela ser uma excelente atiradora, todos falavam que os militares morriam de medo dela, se ela dava tiro, matava um.

AUTOR:

Inclusive disseram que… alguns relatos que acabaram rolando nesse tempo de pesquisa, em que, na época que ela foi capturada, morreu atirando?

ENTREVISTADO:

Na hora que ela foi capturada, deu um tiro e acertou no capitão. Os relatos contam que ela apontou o dedo para ele e falou: “Eu não te matei, mas a história vai te matar”, ou, “eu errei, mas a história não vai errar”, algo nesse sentido, atirando.

AUTOR:

Essa história dos comunistas com as mulheres é muito forte, tanto na participação feminina em outros países e aqui na guerrilha do Araguaia a presença feminina também foi significante, né?

ENTREVISTADO:

Foi extremamente a importância. As mulheres tiveram um papel fundamental ali, Diná foi destaque dessa guerrilha. Mas não naquele sentido de só vai porque é companheira. Chegava lá e tinham o mesmo tratamento que os homens, ela pegava em arma, ia para o mato, forte, resistente, fazia papel dela, ia fazer algumas coisas que seriam perigosas para o homem porque seria mais visto, e a mulher seria “frágil”, então ela ia até as vilas, e eram verdadeiras guerreiras. Foram fundamentais para a guerrilha, acredito que até sem as mulheres não teria nem seguido tanto.

AUTOR:

Vocês visitaram algum memorial ou museu sobre a guerrilha do Araguaia?

ENTREVISTADO:

Memorial da guerrilha a gente não chegou a passar, teve o memorial do Prestes, bem conservado. Da guerrilha a gente foi mais em pontos onde aconteceu, na mata, onde teve os conflitos. Tanto que a gente voltou e encontrou 5 moradores, 4 eram moradores e foram torturados e um que era das forças armadas, veio dar depoimento para nós, a céu aberto para fazer entrevista. A gente teve vários relatos…

AUTOR:

Os soldados tinham bastante medo da guerrilha?

ENTREVISTADO:

Tinham medo porque eles não conheciam o mato, os guerrilheiros conheciam, tinham o apoio dos caboclos. Esses moradores que foram torturados e que deram entrevista para nós, todos relataram torturas absurdas, mas o que muito chamou a atenção, foi o torturador que nos deu a entrevista. Ele falou que ele mesmo foi torturado, foram torturados para aprender a torturar. Então os próprios soldados eram torturados, passavam pelo sofrimento que os guerrilheiros e caboclos iam passar para aprender a torturar. Claro que não chegava ao ponto de matar, mas sofriam as torturas também. Para ver a brutalidade da ditadura. Se eles torturavam os próprios soldados, o que não faziam com os moradores e os guerrilheiros, que foram assassinados.

AUTOR:

O que fica de exemplo dessa caravana?

ENTREVISTADO:

Fica essa luta que é possível. Se naquela época, naquela região com aquelas condições foi possível fazer a luta jovem, que jovens fizeram, a gente tem totais condições de continuar essa luta hoje, muito melhor hoje, muito mais estrutura, a gente tem toda essa história a nosso favor e a luta sempre continua.

AUTOR:

E o sonho do socialismo vive?

ENTREVISTADO:

Vive, pode demorar, mas vive.

AUTOR:

E o Araguaia continua vivo?

ENTREVISTADO:

Continua. Até relatar da dona Maria, estava esquecendo. Vive tanto o sentimento do Araguaia na guerrilha, que a gente foi tomar o café na dona Maria à noite, e ela contou histórias, 70 anos hoje, e na época era muito nova, casou muito nova, marido morreu logo após o casamento, e ela ficou sem casa para morar, aí morava numa casinha caindo aos pedaços, aí outro senhor morreu e… a comunidade tem todo esse auxilio né, a comunidade era unida e os guerrilheiros fizeram isso, os militantes fizeram isso um pouco, e ela morava nessa casa até hoje. No dia que estávamos indo embora, eu fui me despedir da dona Geralda, voltei e me despedi das crianças da região e fui me despedir dela junto com algumas crianças que eu conheci lá, era no dia de páscoa. As crianças foram na pousada e queriam tomar café da manhã comigo no dia de páscoa. Depois fui lá na dona Geralda que tinha um mercadinho para comprar os doces para as crianças, falei para eles pegarem o que quisessem, deu 2 reais de doce para 4 ou 5 crianças. O quanto simples são e o quanto eles ainda querem se ajudar. Depois de me despedir da dona Geralda, passei na casa de dona Maria. Ela estava na varanda, me deu um abraço forte e me agradeceu pelo o que eu tinha feito, não entendi o porquê, foi ela quem me contou a história, eu que tinha que agradecer a ela, não tinha feito nada por ela, ela que tinha me contado um pouco da história da vida dela, e ela me olhou no olho e falou: “Não é pelo o que vocês estão fazendo hoje, quero te agradecer pelo o que vocês fizeram antigamente. Você é amigo daqueles que vieram aquela época para cá. Eles vieram e ajudaram muito a gente, quero agradecer a você pelo que vocês fizeram naquela época. Vocês são iguais a eles, vieram para cá para ajudar, para conversar, como vocês faziam”. É tão vivo isso, que aquela senhora agradeceu pelo o que os guerrilheiros fizeram naquela época. Agradeceu hoje e aquela comunidade continua em pé por isso, é a história se propagando lá do Norte, tenho certeza que isso vai se fortalecer por muitas gerações.

AUTOR:

Então é isso, muito obrigado pelo relato.

1Disponível em: <http://www.alertatotal.net/2015/08/partido-comunista-brasileiro-uma.html> Acesso em: 15 de agosto de 2015.

2Disponível em: <http://www.alertatotal.net/2015/08/partido-comunista-brasileiro-uma.html> Acesso em: 15 de agosto de 2015.

3Disponível em: <http://www.grabois.org.br/portal/artigos/141048/2012-03-20/o-pcdob-e-o-caminho-da-luta-armada.> Acesso em: 29 de agosto de 2016. (1983).

Disponível em: <http://ciml.250x.com/archive/hoxha/english/to_the_congress_of_the_communist_party_of_brazil.html.> Acesso em: 29 de agosto de 2016.

4Osvaldo Orlando da Costa estudou na Escola técnica nacional do Rio de Janeiro foi campeão de boxe pelo Botafogo e oficial do CPOR. Cursou até o 3º ano de Engenharia na Tchecoslováquia, onde viveu por alguns anos. Era natural de Minas Gerais. (Guerrilha do Araguaia, Vários autores, 2005, p.158).

5Em dezembro de 1968, a ditadura decretou o Ato Institucional nº 5, o AI-5, concentrando nas mãos do governo poder quase absolutos por tempo indeterminado. A partir de então, a ditadura pôde dissolver a Câmara de Deputados e o Senado Federal, cassar mandatos parlamentares em todos os níveis, demitir, aposentar e cassar os direitos políticos de qualquer cidadão, suspender o habeas corpus, decretar o estado de sítio e confiscar bens. Além disso, o Poder Judiciário ficava expressamente proibido de apreciar a legalidade de decisões baseadas no Ato. Após o golpe de 1964, outro golpe, a radicalização da ditadura. Memórias Reveladas. REIS e ROLLEMBER. Disponível em: <http://memoriasreveladas.gov.br/campanha/edicao-do-ai-5>. Acesso em: 10 de dezembro de 2016.

6Disponível em: < http://www.cnv.gov.br/institucional-acesso-informacao/a-cnv.html> Acesso em: 28 de setembro de 2016.

7Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/bgoeldi/v6n3/02.pdf>. Acesso em: 22 de novembro de 2016.

8Fonte: Disponível em: <http://bnmdigital.mpf.mp.br/pt-br/> Acesso em novembro de 2016.


Publicado por: Jeferson Kappes

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