SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE MENTAL: Resgate histórico da assistência social prestada as pessoas com transtorno mental e a conjuntura atual dessa assistência

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1. RESUMO

A pesquisa realizada para essa monografia busca enriquecer o conhecimento acerca do tema desenvolvido. Buscando conhecer a história da assistência a “loucura” para compreender a configuração atual dessa política onde se passou por diversos momentos cruciais para que chegássemos a essa conjuntura atual. O trabalho trará um resgate da história da loucura na humanidade e no contexto local a nível de país, perpassando sobre o contexto de reforma psiquiátrica que culminou com legislações que foram de suma importância para que se fossem alcançados os objetivos da reforma, abordaremos também a relevância do serviço social junto a essa política, o papel do profissional e em que momento ele se inseri na saúde mental para isso necessitou-se fazer um resgate do surgimento da profissão afim de apropriar-se de sua gênese. A pesquisa foi realizada com base em livros, textos, trabalhos e pesquisas já existentes que abordam a temática. Levando a aquisição e fortalecimento dos conhecimentos já existentes sobre o tema visto que o mesmo foi determinado pelo fato da vivência no campo de atuação da saúde mental durante estagio curricular obrigatório I, II, III.

Palavras-chave:  Serviço Social. Saúde mental. Loucura. Reforma Psiquiátrica.

ABSTRACT

The research conducted for this monograph seeks to enrich the knowledge about the developed theme. Seeking to know the history of assistance to “madness” to understand the current configuration of this policy where it has gone through several crucial moments to reach this current conjuncture. The work will bring to light the history of madness in humanity and in the local context at the country level, going through the context of psychiatric reform that culminated in legislations that were of the utmost importance so that if the reform objectives were reached, we will also address the relevance from the social service to this policy, the role of the professional and when he inserted himself in mental health, it was necessary to rescue the emergence of the profession in order to appropriate its genesis. The research was conducted based on existing books, texts, works and research that address the theme. Leading the acquisition and strengthening of existing knowledge on the subject since it was determined by the fact of the experience in the field of mental health performance during compulsory internship I, II, III.

Keywords: Social Work. Mental Health. Madness. Psychiatric Reform.

2. INTRODUÇÃO

O presente trabalho abordara o tema: Serviço social e saúde mental: Resgate histórico da assistência social prestada as pessoas com transtorno mental e a conjuntura atual dessa assistência.

A maneira como a nossa sociedade encara as demandas relacionadas aos transtornos mentais (crescentes e ainda mais recorrente no contexto atual) sempre foi permeado de preconceito, criou-se um tabu em torno das questões relacionadas a saúde mental que até hoje povoa o imaginário popular das pessoas, e por meio dessa pesquisa procurarei explanar sobre a história dessa assistência para possibilitar uma melhor compreensão acerca dessa temática.

Através dessa pesquisa buscou-se conhecer a saúde mental em seu contexto histórico, a evolução dessa assistência, acontecimentos marcantes que foram cruciais para seu avanço perpassando também pelas legislações criadas para garantir a humanização do tratamento das pessoas com transtornos mental e o contexto atual da assistência a essas pessoas.

Através da experiência no período de estagio curricular obrigatório supervisionado I, II, III em um CAPS surgiu a necessidade e curiosidade de debruçar-se sobre o tema para compreender a história por trás dessa assistência, assim criando subsídios para o enriquecimento de conhecimento acerca dele e para uma maior compreensão de como o assistente social é importante nessa área, bem como para entender qual o papel do profissional de serviço social nesse campo de atuação.

Essa pesquisa tem como objetivo geral: conhecer sobre a história da assistência a pessoa com transtorno mental e o papel do assistente social dentro dessa hoje então política de saúde mental. E traz como objetivos específicos: identificar o papel do assistente social na saúde mental, pesquisar sobre a fatos históricos que marcaram a trajetória da saúde mental no mundo e no Brasil, registrar ponto relevantes das legislações que estabeleceram e tornaram a saúde mental o que ela é hoje, investigar as recentes alterações dessa política.

Utilizou-se do método de pesquisa bibliográfico onde foi pesquisado sobre o tema, tendo a contribuição de diversos autores com trabalhos publicados a respeito da temática, foi selecionado vários livros, artigos, periódicos, matérias de revistas, para subsidiar a pesquisa sendo em sua maioria lido buscando aquele conteúdo que mais se encaixasse aos anseios do trabalho e a ser desenvolvido.

A estrutura do trabalho segui as normas da ABNT onde divide-se seus elementos textuais em: introdução, desenvolvimento e conclusão, estando o item “desenvolvimento” distribuído em tópicos com a finalidade de facilitar a compreensão do tema e a elaboração da pesquisa e assim concretizar os objetivos propostos anteriormente. O primeiro tópico recebe o título de: resgate histórico da loucura na humanidade, nesse tópico está descrito a trajetória da assistência as pessoas com transtorno mental, passando por fatos curiosos e relevantes. O tópico seguinte: reforma psiquiátrica, traz aspectos da reforma psiquiátrica, como sua implantação e a lutas travadas para concretiza-la. Já no tópico: legislação da saúde mental no Brasil, apresenta os aspectos importantes da legislação que respalda a estrutura atual da saúde mental em nosso país apresentando também a controversa nota técnica 11/2019 conhecida como “nova saúde mental”. Posteriormente no tópico:  serviço social em sua gênese, apresenta-se um breve resgate da profissão do assistente social perpassando pelos primórdios da profissão. E finalmente no tópico: serviço social e saúde mental, será exposto sobre o papel do assistente social na saúde mental, o início da atuação profissional nesse campo de, a sua importância, conjuntura atual e expectativas para o desenvolvimento e amadurecimento dentro profissional nessa política.

3. DESENVOLVIMENTO

Não é segredo que o tema loucura sempre esteve cercado por mistérios, temores e porque não dizer de um certo fascínio, a humanidade sempre teve uma enorme dificuldade de encarar e aceitar aquilo que não era considerado “normal” dificultando assim a existência das pessoas comuns que fugiam a essa “normalidade”.

3.1. RESGATE HISTORICO DA LOUCURA NA HUMANIDADE

Assim, a história dessas pessoas que são a “exceção” sempre esteve permeada de prejulgamentos, apesar de existir indícios de loucura desde a pré-história ainda hoje nos defrontamos com diversas controvérsias acerca da melhor forma de assistir a essas pessoas.

Durante a pré-história as pessoas vitimadas por algum transtorno mental eram submetidas a rituais tribais e caso o ritual não conseguisse cura-lhe eram abandonadas para morrer, se a fome não as matasse possivelmente os animais selvagens se encarregaria de devora-las, já naquele contexto, rondava-nos a crença de que toda e qualquer doença era oriunda de forças externas como bruxos, feitiços, forças sobrenaturais, espíritos maus, deuses e etc.

Na Grécia antiga a primeira teoria sobre a loucura relatava que: o “louco” era uma espécie de canal para o céu, para os gregos, por um certo tempo, os loucos eram reconhecidos como seres divinos, onde se considerava que, as informações proferidas por eles eram advindas dos Deuses, e além disso acreditava-se que os Deuses decidiam o tipo de loucura que a pessoa iria desenvolver e era por meio das alucinações ou delírios que alguns desses privilegiados acessavam ou melhor dizendo faziam contato com o divino, mas isso não significava que essas pessoas fossem consideradas comuns, normais. A loucura para os Gregos era carregada de uma visão mitológica que se fundia com o real, até Hipócrates (pai da medicina moderna) surgir com uma teoria totalmente distinta onde ele acredita essencialmente que a loucura seria originada a partir de desordens orgânicas (mal funcionamento dos órgãos, especificamente o fígado onde são processados os hormônios), divergindo totalmente do que havia sido pregado até então, de que tudo era responsabilidade do panteão Grego, isso ocorreu por volta do século 4 a.C. Hipócrates defendia que a loucura era causada pelas alterações na bílis, suco produzido pelo fígado e armazenado na vesícula biliar, onde essas alterações seriam responsáveis por originar a loucura.

No século 5 a.C. Platão também teve sua contribuição teórica sobre a loucura fazendo assim com que dali até o século 19   a filosofia fosse utilizada piamente para se compreender a loucura, mas apesar de a loucura aparecer frequentemente em obras filosóficas não se pode afirmar que tenha sido objeto de investigação da filosofia, mas, observasse que a filosofia não desconsidere a loucura, isso é visível em vários textos e livros de diversos filósofos como o já citado Platão, Montaigne, Descarte, Hegel, Nietzsche, Foucault entre outros. 

Na idade média a loucura ganha uma visão inteiramente religiosa onde os conceitos de “louco” e “pecador” tornam-se similares pelo fato de a moral naquela época ser basicamente definida por preceitos religiosos, se tinha crença de que a vida moralmente sã e perfeitamente normal era obtida a partir dos ensinamentos da bíblia então tudo que era avesso ao que estava nela escrito era tido como “intervenção do Mal” essa ideia era defendida pelos dois maiores pregadores religiosos da Idade Média que foram, são Agostinho e são Tomás de Aquino. Naquela época todo e qualquer transtorno por mais sutil que fosse era tido como possessão demoníaca.

Aos loucos (endemoniados) que geralmente eram acusados por crimes contra o catolicismo eram destinadas punições (proferidas sem provas o suficiente) e essas punições ditadas pelo tribunal da inquisição (tribunal eclesiástico instituído pela Igreja católica no começo do século XIII com o objetivo de investigar e julgar sumariamente pretensos hereges e feiticeiros, acusados de crimes contra a fé católica; Santo Ofício) que para conseguir a confissão dos acusados adotavam métodos macabros  de torturas para assim obtê-la.

Posterior a esses acontecimentos macabros iremos destacar a chegada do iluminismo, por volta do século XVII e XVIII onde a loucura passa a ser compreendida como a “perda da razão” largando a analogia onde a loucura seria concedida por forças divinas, mas as pessoas acometidas pela loucura não são beneficiadas de nenhuma forma com isso, ainda são vítimas de atrocidades, só que agora, de uma maneira mais racional. Aparece as teorias de alienação das faculdades mental onde as pessoas acometidas pela loucura (por hora ditas alienadas) perdem a sua identidade ou vive em estados onde se encontram totalmente alheias de si, não são consideradas responsáveis pelos seus atos completamente. É a partir dessa época que o processo de exclusão passa a relacionar-se com o de internação, com o “desaparecimento” da lepra e as vacâncias nos leprosários esses espaços passam a ser utilizados para enclausurar aqueles que não se comportavam seguindo a razão, recebendo agora o nome de “hospitais-gerais” os leprosários agora serviam para depositar naquele espaço, mendigos, louco e inválidos sem nenhuma distinção e eram expostos a população como exemplo do que era submetido os que enveredassem pelo caminho da “desrazão”. Nesse período pouco se sabia cientificamente sobre a loucura, a medicina ainda conhecia pouquíssimo sobre as doenças relacionadas a mente humana, já a filosofia por sua vez, havia se tornado refém da razão e para livrar-se da vergonha e do escândalo que era ter algum familiar louco em casa as famílias passam a internar seus parentes “alucinados” nesses hospitais-gerais ofertados. Além da vergonha alimentava-se a crença de que os “sem razão” eram perigosos e incontroláveis, sendo assim temidos e desprezados por todos inclusive por seu próprio parentes, uma vez perdendo sua sanidade a pessoa era tratada como um animal, como  foi retratado por Michel Foucault (1972, p. 76):

“Deve-se puni-los de acordo com as leis e pô-los nas casas de correção; quanto aos que têm mulher e filhos, é preciso verificar se se casaram, se seus filhos são batizados, pois essas pessoas vivem como selvagens, sem se casarem, se enterrarem ou se batizarem; é esta liberdade licenciosa que faz com que tantas pessoas sintam prazer em ser vagabundos. ”

É durante o século XIX  que as internações ficaram ainda mais corriqueiras e fúteis, tudo era motivo para se acusar uma pessoa de louca e assim trancafia-la nesses hospitais-gerais (antigos leprosários), tudo mesmo, qualquer ato que desagradasse ou fugisse do controle e entendimento familiar era o suficiente para se declarar alguém louco, com isso o número de pessoas dentro desses espaços foram crescendo o que causou uma grande revolta entre os internos saudáveis que começaram a se revoltar, e no ano de 1973 (simultaneamente a revolução francesa) estoura a revolução psiquiátrica, a loucura deixa de ser vista como um mal social e passa a se definir como doença e como uma doença passa a ser algo passível de cura, teoria essa defendida pelo médico francês Philippe  Pinel, que se torna o pioneiro da psiquiatria moderna, as abordagens defendidas por Pinel baseava-se em monitorar a pessoa acometida do transtorno e verificar se exibiam comportamentos inapropriados, e quando isso ocorria o interno era “castigado”, apesar de ainda se basear em punições esse método conseguiu tirar vários pacientes da condição de louco mudando o seu comportamento, mas a pratica é comparada a se adestrar um cão nos dias atuais. Apesar dos vários avanços observados nas pesquisas, de estudos referentes as emoções humanas, e ao funcionamento do cérebro do ser (psicologia, psiquiatria e psicanalise) por mais que se tenham crescido e amadurecido em relação ao tratamento a ser ofertado a essas pessoas com algum desiquilíbrio mental, o “louco” ainda assim sofre pois apesar de ter-se chegado a maneiras mais eficazes de tratar esses transtornos, ele não deixa de carregar o estigma e o preconceito que vem agregado a essa condição.

Com a chegada do século XX são observados ainda mais avanços na área da ciência mental que passa a contar com uma gama bem maior (deixando bem claro que me refiro a uma quantidade maior de métodos, mas não melhores)  e mais elaboradas de abordagens para enfrentar a loucura, além de abordagens como, lobotomia, o coma induzido e os eletrochoques o tratamento para os transtornados passa a contar também com interações medicamentosas e a partir da segunda década do século XX a uma crescente na fabricação de psicofarmacológicos e passa a ser disponibilizados remédios para moderar o humor dos transtornados (calmantes para os psicótico e estimulantes para os deprimidos), com um crescimento e aparecimento de novas pesquisas, estudos e avanços na área farmacológica surgem outras substâncias com a finalidade de controlar certos sintomas apresentados em determinados transtornos sem necessariamente “dopar” o paciente, observado o sucesso desses remédios nos mais diversos caso, essa época foi considerada de grande avanço tanto para a psiquiatria como para o mercado farmacêutico. Apesar do notável crescimento e de se ter revolucionado o tratamento até então ofertado as pessoas com transtorno, a psiquiatria passa a sofrer duras críticas nessa época, mesmo sendo observado que com o emprego dos medicamentos o sucesso do tratamento era visível pois acabava diminuindo consideravelmente o tempo de enclausuramento da pessoa com transtorno, passa a acusar-se  a psiquiatria de apoiar-se basicamente em inteirações medicamentosas, uma das críticas feitas por Del Sant é a de que: “Por causa da força da indústria farmacêutica, a psiquiatria passou a tratar o cérebro como se fosse um fígado e o ser humano como um grande camundongo, que só tivesse funções bioquímicas, e não um contexto social.” Já David Rosenhan foi bem mais além, professor na universidade de Stanford no ano de 1972 realizou uma experiência, designou 8 voluntários comprovadamente sadios a distintos hospitais psiquiátricos, onde lá alegariam está ouvindo vozes, resultado desse experimento? 7 deles forma diagnosticados esquizofrênicos, sendo submetidos a tratamentos desnecessários (já que eram comprovadamente sadios) baseando-se nisso a crítica realizada por ele é a de que: “ainda não sabemos distinguir sanidade de insanidade. ”

Como pôde-se observar a assistência a pessoa com transtorno mental é um tabu a ser quebrado pela humanidade não restringindo o problema a países, épocas ou civilizações e a história no nosso país não foge desse viés.

O Brasil ganha seu primeiro manicômio no ano de 1852, o hospício recebe o nome de D. Pedro II e fica localizado na cidade do Rio de Janeiro, mas, anteriormente (1830) os loucos podiam transitar livremente pelas cidades onde eles poderiam facilmente serem encontrados (como se alguém os procurasse), já nessa época existia uma parcela de louco que viviam presos nos calabouços das conhecidas Santas Casas de Misericórdia, porém não significava que ele estaria ali recebendo um tratamento apropriado para o transtorno por ele apresentado. Na época a Santa Casa de Misericórdia era conhecida por prestar assistência aos menos abonados, as suas atribuições eram definidas por seus membros que haviam sido estabelecidos pela coroa Portuguesa no Brasil. As Santas Casa de Misericórdia tinham um papel que ia além da assistência aos menos afortunados e a caridade, segundo Quiroga (2008), “ofereciam oportunidade de afirmação social, prestígio e privilégio às famílias das elites e aos indivíduos que delas participavam”.

Quando a loucura passa a ser vista como um mal social que estaria tirando a paz da sociedade e até mesmo causando prejuízos econômicos, um dos provedores da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro José Clemente Pereira articulou junto com a corte Portuguesa a viabilidade de ser fundado um “Hospital de Alienados” e assim surge o Hospício D. Pedro II. O hospício seguia a linha de tratamento defendida pelo francês Pinel, onde a cura do alucinado viria a partir de um isolamento social, para isso a localização do hospício seria bem estratégica pois ele se situava nas fronteiras da cidade, lá os loucos eram acompanhados de perto por enfermeiros que tutelavam seu comportamento a fim de conter os que fossem socialmente inaceitáveis. Naquela época o médico atuava passivamente como diretor e devia subserviência a Santa Casa de Misericórdia que com diretrizes religiosas ditava desde o tratamento empregado no hospício até o quadro de funcionários que em sua maioria eram irmãs de caridade sem nenhuma formação medica (freiras).

Por meio de decreto é criada a Assistência Médico-legal (decreto n° 206, de 15 de fevereiro de 1890), Teixeira Brandão é nomeado o primeiro diretor do Hospício Nacional de Alienados e com isso afastas as irmãs de caridade da instituição as substituindo por enfermeiras, a partir da criação da Assistência Médico-legal o estado passa a recolher não somente o louco, mas todos aqueles que fossem considerados indesejados, ou seja, exibissem comportamento social inaceitável, ainda no ano de 1890 criasse os sistemas de Colônias de Alienados, onde a principal objetivo era que os internos convivessem amigavelmente como uma família e lá nesses espaços era possível que eles também trabalhassem e a sua reinserção social dependia exatamente da capacidade de se (re) adaptar as regras de convívio social.

No ano de 1903 Teixeira Brandão se elege deputado e consegui aprovar a lei federal de n° 1. 132 intitulada de lei de Assistência a Alienados, essa lei traz o reconhecimento da loucura como competência única da psiquiatria no país, e estabelece que os hospícios são os únicos locais capazes de receber os loucos e a internação do louco fica ao encargo de um médico. Isso foi um impulso para que fossem abertos diversos Hospícios por todo o país.

Com Teixeira Brandão assumindo o cargo de deputado o Hospício Nacional de Alienados passa a ser dirigido por Juliano Moreira que fica no cargo por 27 anos (1903-1930), Sob a direção medica de Moreira o Hospício Nacional de Alienados, recebe instalação de laboratórios de patológica, de bioquímica e de analises, remodela o corpo clinico contratando novas outras especialidades, faz a retirada das grades de ferro das janelas e passa a controlar efetivamente os registros administrativos e estatístico da instituição, Moreira também salienta a importância de cada paciente receber uma atenção individualizada. Juliano Moreira deu continuidade a criação de colônias de Alienados, dentre elas o Hospital Colônia em Barbacena que carrega uma história de horrores, descaso e desrespeito que se arrastou por décadas.

Fundado em 12 de outubro de 1903 o Hospital Colônia de Barbacena iniciou suas atividades com a assistência a pacientes com tuberculose, naquela época acreditava-se que o clima fresco da montanha era propenso para promover a cura dos tuberculosos, alguns médicos também acreditavam que o clima montanhoso seria adequado para tratar doenças psíquicas. O hospital colônia de Barbacena funcionou de 1903 até 1980, tornou-se referência em psiquiátrica no país, porem seus muros escondia (ou não) as atrocidades a que eram expostos seus internos, com a fachada de um hospital psiquiátrico na verdade o Colônia de Barbacena (maior hospital psiquiátrico do Brasil) era um deposito de “lixo humano” onde depositava-se todos os que eram indesejados ou não aceitos socialmente. Aberto e mantido com o apoio da igreja católica o Hospital colônia se destinava a qualquer coisa, encarcerar e degradar seres humanos, maltratar e desumanizar pessoas menos a tratar e recuperar o cidadão, as internações ocorriam sem nenhum critério medico, nem mesmo para o diagnóstico, estima-se que 70% dos internos do Colônia não tinha nenhuma doença mental diagnosticada, inúmeras Marias e Josés foram enclausurados, torturados e massacrados, o colônia era destino certo para os que de alguma forma afetavam a “ordem pública” tornando-se o desígnio de negros (que correspondiam a boa parte da população do hospital), alcoólatras, andarilhos, mendigos, prostitutas, inimigos de políticos ou da Elite, amantes de políticos, esposas para que seus maridos pudessem viver com as amantes, crianças indesejadas, homossexuais, vítimas de estupro (muitas vezes trancafiadas gravidas), epiléticos, pessoas sem documento e aqueles que simplesmente não se enquadravam as normativas sociais da época como por exemplo homens delicados e tímidos e mulheres com senso nato de liderança e que negavam-se a contrair matrimônio. Baseando-se em uma teoria eugenistas (vindo de Eugenia que significa bem-nascido), que apostava em uma espécie de controle social que poderia melhorar (ou piorar) as qualidades mentais físicas e raciais de futuras gerações, era com essa tese de Francis Galton (antropólogo inglês) que a instituição se defendia e justificava os absurdos naquela época.

Lá os internos eram separados por sexo, idade e características físicas, chegando no colônia as pessoas perdiam tudo o que possuíam desde a roupa do corpo até o seu próprio nome, junto com isso pode-se dizer que perdiam também sua identidade e dignidade humana, as pessoas eram mandadas para a instituição a bordo de um trem que ficou conhecido como o “trem de doido” a bordo desse trem vinham pessoas de várias regiões do país, a chegada deles na estação foi comparada a dos campos de concentração nazista de Auschwitz, a maiorias dos passageiros nem sabia qual o destino final da viagem, em qual cidade desembarcaram mal sabiam eles o que lhes esperavam.

De acordo com Daniela Arbex (2013, p. 27), “Além do trem, muita gente era enviada para o hospital de ônibus ou em viatura policial. Várias requisições de internação eram assinadas por delegados. ”. Retratando a mais desmedida falta de critério para internação na instituição, podendo ser justificada pela carência de profissionais da área da psiquiatria que só passa a ser iniciada no Brasil a partir do século XIX, na época, a assistência médica psiquiátrica era bem defasada na instituição facilitando assim que o hospital Colônia de Barbacena tivesse seu objetivo principal (que deveria ser o de tratar os alucinados) distorcido desde o início de suas atividades.

O objetivo do Colônia de forma alguma era dar assistência a essas pessoas, o tratamento lá ofertado não tinha nenhum cunho terapêutico, o maior objetivo das medidas adotadas na instituição era intimidar e conter os internos. Os funcionários que ali trabalhavam na sua maioria não tinham formação nenhuma para exercer o papel ali desempenhado, os novatos aprendiam com os mais antigos como lidar com os pacientes, muitos dos funcionários não sabiam nem ler e diferenciavam a pílula que deveriam fornecer ao paciente pela cor da pílula e pelo comportamento apresentado pelo interno. Além da medicação outro “tratamento” empregado aos pacientes do colônia era o eletrochoque, atualmente conhecida como eletroconvulsoterapia, os eletrochoque eram uma medida adotada para o tratamento de doenças mentais desde 1938, porém,  essa pratica era utilizada para torturar, intimidar e punir os pacientes que se agitavam ou desobedecessem as ordens, muitos nem sobreviviam ou se machucavam gravemente, a descarga elétrica chegava a comprometer o fornecimento de energia da cidade, os eletrochoques eram administrados sem nenhuma prescrição ou acompanhamento médico, era utilizado apenas como medida punitiva contra os internos.

As atrocidades cometidas iam bem além dessas, os pacientes do colônia não tinham direito a uma alimentação digna, a agua consumida por eles vinha dos esgotos abertos que percorria os pavilhões, muitos para não morrer de cede bebiam a própria urina, eles não tinha camas para dormir, passavam a noite amontoados por conta do clima frio, dormiam sobre montes de capins as camas tinham sido retiradas com objetivo de aproveitar melhor o espaço para receber mais pessoas, a alimentação pobre e mínima era servida apenas duas vezes ao dia, muitos acabavam por se alimentar dos ratos que rondavam o hospital.

Além de sujeitos a fome, frio, tortura e desumanização os pacientes do Colônia ainda eram usados como mão de obra para serviços pesados, os considerados sadios, fortes e aptos para a atividade laboral eram levados para desenvolver uma série de atividades mas eles não recebiam nenhuma remuneração, quem lucrava era o hospital, os internos abriam estradas, cuidavam de plantações, construíam prédios e essas atividades gerava lucro para a instituição, apesar de na época a escravidão já ter sido abolida, os pacientes do colônia eram sujeitados a ela, além disso alguns internos eram responsáveis por enterrar os pacientes que morriam diariamente na instituição, muitas vezes tendo que faze-lo mais de uma vez ao dia, os mortos eram transportados em uma carroça até o cemitério da paz que ficava bem próximo do colônia e enterrados em covas rasas feitas por seus companheiros de confinamento, ali não se tinha dignidade nem mesmo na hora do morte, o Hospital Colônia de Barbacena lucrava com os paciente não só explorando sua força de trabalho mas também com a venda de seus corpos para faculdades de medicina, registro dão conta que o Hospital Colônia de Barbacena lucrou entre os anos de 1969 a 1980 com a venda de cerca de 1.853 corpos para dezessete faculdade de medicina do país cada corpo era vendido pelo valor que nos dias atuais equivaleria a aproximadamente R$ 364,00. As péssimas condições de vidas a que estavam sujeitos aqueles pacientes como, péssima higiene, alimentação defasada, e tratamento desumano fizeram que os índices de morte diárias no colônia fossem altíssimos chegando no período de maior lotação a 16 mortos por dia, isso impulsionava o mercado macabro de venda de cadáveres nenhum dos familiares autorizou a venda desses corpo, nem tomavam conhecimento, mas como as pessoas eram largadas ali a própria sorte era de se admirar se algum parente fosse reclamar o corpo.

No ano de 1976 o Hospital Colônia de Barbacena recebe 33 crianças transferidas do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, localizado no município de Oliveira, que havia sido interditado, lá as crianças recebiam “cuidados” semelhantes aos ofertados pelo Colônia, mas não foi esse o motivo de sua interdição, após uma telha cair na cabeça do diretor da instituição, o Hospital de Neuropsiquiatria Infantil foi interditado e as crianças que ali estavam realocadas para o Colônia. Lá as crianças dividiam com os adultos as mesmas condições degradantes, incluído os mesmos espaços, essas crianças estavam sujeitas ao frio, a fome, as camisas de força e correntes, aos eletrochoques, a desumanização e ao descaso, apesar da pouca idade, não havia distinção nenhuma do tratamento recebido pelos adultos. As crianças que tinha alguma paralisia e não conseguiam se mover sozinhas ficavam o tempo todo em berços na ala infantil, que era tão insipida quanto o restante do hospital, essas crianças não eram retiradas do berço para nada, só eram colocados no pátio, mas, deslocadas nos próprios berços.

Esses fatos relatados leva-nos a questionamentos: como deixaram isso tomar essas proporções? Como deixaram isso acontecer? Talvez não seja tão simples compreender tal barbárie, mas diante dos fatos observasse que, desde de sua fundação o Hospital Colônia (e outras instituições de assistência aos loucos) nunca teve uma finalidade terapêutica, mas sim política, e os profissionais que ali atuavam? Não sabia que aquilo poderia ser chamado de qualquer coisa menos de hospital? Bem os profissionais que atuaram naquela época o fazia em condições precárias e defasadas, muitas vezes só existia 1 profissional psiquiatra ao encargo de 400 pacientes, e todo profissional que tentou denunciar o terror ocorrido entre os murros das instituições psiquiátrica do país sofriam retaliações e corriam o risco até de perder o registro junto ao CRM com o pretexto de ferirem a ética medica.

O Colônia funcionou durante décadas sem ninguém denunciar o que acontecia lá dentro, mas isso mudou em 1979 quando a luta por mudanças no modelo de assistência à saúde mental ganha folego, e o estado de Minas Gerais apesar de ser responsável por produzir um dos maiores horrores que se tem notícia no cenário da loucura, acata as denúncias e passa a se posicionar favorável a reforma no sistema psiquiátrico. O fato crucial para a reforma psiquiátrica ganhar ainda mais força foi a visita de Franco Basaglia, psiquiatra italiano pioneiro da luta antimanicomial, convidado a fazer uma visita as instituições psiquiátricas públicas de Minas Gerais, Basaglia afirma durante coletiva de empresa que: - Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como esta. Essa declaração de Basaglia ganha repercussão não só em todo pais como também mundial, sendo repercutidas até pelo New York Time. Assim Franco Basaglia inspira o movimento de reforma psiquiátrica no Brasil.

Com isso, registros são realizados no Colônia, Hiram Firmino, jornalista, esteve no Hospital Colônia em setembro de 1979 lá constatou que além de existirem poucos funcionários contratados para cuidar dos pacientes a maioria não tinha formação, ainda levantou que o índice de infecção hospitalar era altíssimo (talvez pelos pacientes viverem entre urinas e fezes tanto deles mesmo quando dos ratos), consegui conversar com alguns pacientes que relataram que estavam lá por que apenas havia perdido a carteira com os documentos, tantos outros por que foram apanhados fazendo uso de maconha, a falta de critério medico e a impotência diante do sistema fizeram com que permanecessem lá enclausurados, podemos dizer que foram condenados a um prisão sem terem cometido crime algum. Segundo descrito por Daniela Arbex (2013, p.195) o relato comovente de Hiram Firmino:

“Hoje nós começamos a percorrer o ‘Centro Psiquiátrico’ de Barbacena, como o governo insiste em rotular. Os primeiros de seus dezesseis pavilhões. Suas enfermarias, seus pátios. Não encontramos os loucos terríveis que supúnhamos. Seres humanos como nós. Pessoas que, fora das crises, vivem lúcidas o tempo todo. Sabem quem são e o que fazem ali. O que os espera no fim de mais alguns dias, alguns anos. Pessoas que pedem para ser fotografadas, pedem a publicação de seus nomes. Insistem em voltar à sociedade, à família, ao afeto, à liberdade. Nem todas, porém. As alienadas, de tão drogadas, de tantos choques, tanta prisão. Crianças que não conseguem nem se locomover. Mas a maioria insiste em ter esperança de ser tratada como ser humano. Ainda há tempo.”

O Colônia foi responsável pelo maior extermínio que se tem conhecimento na história do Brasil, no período de 1903 a 1980 (86 anos) estimasse que o número de morto dentro da instituição foi de 60.000. Após décadas de descaso, negligência, morte e desumanização no tratamento das pessoas com transtorno mental, finalmente surgi uma real expectativa de mudança, com o escancaramento da realidade dos manicômios no país não era mais possível negar os horrores ocorridos naquelas instituições e é dado um enorme passo na reformulação do modelo de assistência as pessoas acometidas pela “loucura”. O Brasil agora caminhara para reforma psiquiátrica movimento que até os dias atuais luta para que as pessoas com transtorno mental sejam tratadas de forma digna e principalmente defende o modelo de assistência em que a pessoa com transtorno não seja tirada do seio da família e do convívio em sociedade.

3.2. MOVIMENTO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA

O movimento de reforma psiquiátrica do Brasil começa a tomar formas mais contundentes no final dos anos 70, especificamente em 1978, quando começa a se organizar movimento em prol das mudanças do sistema atual de saúde mental, contando com apoio maciço MTSM, associações de familiares, sindicatos e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas, o objetivo da reforma seria abolir o modelo hospitalocêntrico, utilizado até então, mudando a gestão afim de garantir modelos de atenção à saúde mental onde fosse possível viabilizar o protagonismo tanto do profissional que presta a assistência quanto do usuário do serviço de  saúde, dessa forma possibilitando a produção de novas formas de cuidado. O processo de reforma psiquiátrica acontece simultaneamente ao de reforma sanitária (movimento que lutava para viabilizar mudanças necessárias no campo da saúde) mas essas histórias podem (e devem) ser contadas separadamente embora se cruzem e se assemelhem em alguns pontos.

Após realização de congressos e conferencias são apontadas soluções para a atualização do sistema de cuidado a pessoa com transtorno mental, com o movimento do II Congresso Nacional do MTSM acontecido em Bauru São Paulo 1987, passa a se pôr em pratica ações, surgindo assim o primeiro CAPS que se localizava na cidade de São Paulo, a partir de então a luta ganha um maior impulso pois fica provado que a sim a possibilidade de desenvolver-se uma rede de cuidado que não tivesse como cerne os hospitais psiquiátricos. Pode-se afirmar que cidade de São Paulo se torna pioneira nas experiências e na execução desse novo modelo de atenção, a reforma psiquiátrica passa a mostrando-se completamente viável e possível, graças a isso, no país, passa a ganha ainda mais adeptos, um deles é o deputado Paulo Delgado que no ano de 1989 apresenta um projeto de lei com a proposta de regulamentar os direitos das pessoas com transtorno mental, o projeto de lei também trata da extinção progressiva dos temidos manicômios sem êxito na aprovação. A reforma psiquiátrica ganha maior impulso com a promulgação da CF/88, com um texto baseando-se nos princípios DUDH de 1948, a CF/88 respalda em seu conteúdo a não discriminação e o reconhecimento da dignidade humana, de acordo com Art. 5° da CF/88: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;(...). (BRASIL, 1989).

No início dos anos 90 os movimentos sociais que lutam pela reformulação do modelo de atenção à saúde mental se fortalecem conseguindo a aprovação de leis que determinam a substituição de leitos psiquiátricos por uma rede integrada em saúde mental, inspirados pelo projeto de Lei ainda não aprovado do deputado Paulo Delgado, essa movimentação acontece em vários estados, com isso, a reforma psiquiátrica passa a ganhar formas mais contundentes. Ainda nos anos 90 o Brasil participa da Conferência Regional para a Reestruturação da Atenção Psiquiátrica na América Latina assinando a chamada declaração de Caracas adotada pela OMS em novembro de 1990, com a assinatura dessa declaração o país se compromete em formular, desenvolver e pôr em pratica novas estratégias de cuidados visando a reestruturação da saúde mental em todo país é a partir de então que as novas normas, leis e diretrizes passam a vigorar.

Apesar das adequações e dessas normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde a implantação dos CAPS e NAPS é irrisório, ainda não existia um financiamento efetivo para esses novos serviços e essas normas não especificavam nas suas entre linhas a redução de leitos nos Hospitais Psiquiátricos, já existiam funcionando no país cerca de 200 CAPS porem, 93% dos recursos oriundos do Ministério da Saúde ainda se destinavam para os Hospitais Psiquiátricos.

E então após 12 anos de trâmite (1989-2001), o projeto de lei do deputado Paulo Delgado chega a aprovação pelo Congresso Nacional, mas o texto aprovado é um substitutivo da proposta de Lei original do deputado e traz alterações significativas em seu texto, e assim, surgi a lei 10.216/2001 que determina em seu conteúdo um modelo de assistência em saúde mental visionário e revolucionário.

3.3. LEGISLAÇÃO DA SAÚDE MENTAL NO BRASIL

A lei N° 10.216 de 6 de abril de 2001 dispõe sobre a proteção e sobre os direitos da pessoa acometida por quaisquer transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em Saúde Mental, sancionada pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, favorecendo ao modelo de base comunitária como serviços de tratamento a serem ofertados, mas sem determinar iniciativas para a desmonte dos manicômios, ainda assim transmitindo um novo desejo e andamento para o desenvolvimento da reforma psiquiátrica em nosso país, trazendo no seu art. 2° os direitos da pessoa com transtorno mental: “(...)Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.

Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;

II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;

VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. ” (BRASIL, 2001).

Esta lei é composta por artigos que asseguram as pessoas com transtornos mentais, para que elas não venham a sofrer discriminação por sua condição ou por qualquer outra forma de preconceito seja ele por raça, credo, orientação sexual, idade, condição financeira, grau de severidade do transtorno, sexo e etc., na lei está assegurado que paciente com transtorno mental deve receber o melhor tratamento visando a sua recuperação e/ou minimizar os prejuízos causados pelo seu  transtorno, a pessoa com transtorno tem direito  receber informações sobre o seu transtorno e as melhores forma de trata-lo para que assim seja assistida com humanidade e respeito e com a finalidade única e primordial de reestabelecer a sua saúde, o paciente tem o direito de tratar-se sem ser retirado do convívio social, de seus familiares e de sua atividade laboral (quando exercida), é garantida a confidencialidade das informações por ele prestada, ter o tratamento fornecido preferencialmente em ambiente terapêuticos menos invasivos possíveis, ser resguardada de toda e qualquer forma de abuso, exploração e/ou violação de seus direitos, ser tratada preferencialmente em serviços de saúde mental comunitário dentre outros. A lei também torna responsabilidade do estado o papel de desenvolver uma nova política de saúde mental, onde as internações só serão cogitadas quando todo e qualquer recurso extra hospitalares forem considerados insuficientes e/ou ineficazes.

Posteriormente a promulgação da lei 10.216/01 é realizada a III Conferência Nacional de Saúde Mental, sua etapa federal acontece no mês de dezembro do ano de 2001 em Brasília, durante os eventos realizados foi possível visar uma adesão das iniciativas adotadas pela Reforma Psiquiátrica, também durante a conferência, a reforma se estabelece como política de governo e os CAPS passam a ser as “meninas dos olhos” para alavancar essa modificação a assistência à saúde mental, além de defender a necessidade da criação de uma nova estratégia de cuidados aos usuários de álcool, crack e outras drogas, aponta o controle social (forma de partilhar o poder de decisão entre Estado e sociedade sobre as políticas públicas) uma das formar para certificar-se que a nova Política de Saúde Mental fosse implantada e avançasse no País.

Partir de então são adotadas estratégias para a redução de leitos em hospitais psiquiátricos e a iniciativa de desinstitucionalização surgi a necessidade da adoção de uma rede de cuidados que auxilie aos egressos das instituições psiquiátricas nesse processo de ressocialização, sendo assim, lançada a portaria 3.088/2011 que institui a RAPS.

A portaria 3.088 de 23 de dezembro de 2011, estabelece uma rede que tem por objetivos, criar, ampliar e articular espaços onde se oferte a atenção de que necessitam as pessoas com transtorno mental ou com problemas causado pelo uso indiscriminado de álcool, crack e outras drogas sendo esses serviços disponibilizados pelo SUS, em seu Art. 2° consta as orientações de como deve ser prestada essa assistência da RAPS: “(...) Art. 2º Constituem-se diretrizes para o funcionamento da Rede de Atenção Psicossocial:

I - respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a liberdade das pessoas;

II - promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde;

III - combate a estigmas e preconceitos;

IV - garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar;

V - atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas;

VI - diversificação das estratégias de cuidado;

VII - desenvolvimento de atividades no território, que favoreça a inclusão social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da cidadania;

VIII - desenvolvimento de estratégias de Redução de Danos;

IX - ênfase em serviços de base territorial e comunitária, com participação e controle social dos usuários e de seus familiares;

X - organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado;

XI - promoção de estratégias de educação permanente; e

XII - desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, tendo como eixo central a construção do projeto terapêutico singular. ” (BRASIL, 2011).

Sendo destacado a defesa e o respeito do ser humano apesar de sua condição, presando pelo seu direito de ser livre e autônomo, nota-se um amparo com a questão de proporcionar uma atenção equânime reconhecendo que a saúde é composta não somente pela ausência de patologias físicas e psíquicas no caso da saúde mental, mas sendo vista também como bem-estar social, buscando combater assim toda e qualquer forma de preconceito a que possa estar exposta a pessoa com transtorno mental ou com necessidades decorrente do uso abusivo de álcool, crack e outras drogas, idealizando que essas pessoas tenham acesso a um serviço efetivo e de qualidade onde seja oferecido uma assistência integral a suas necessidades contando com profissionais de diversas áreas do saber (psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, médico psiquiatra, enfermeiro e etc.), buscando prestar uma atenção humanizada e com foco principal nas demandas trazidas por cada usuário, desenvolvendo assim diversas abordagem para que se possibilite a resolutividade das necessidades apresentadas, sendo adotadas abordagem no território, com o intuito de oportunizar a inclusão social dessas pessoas promovendo a autonomia através do incentivo ao exercício da cidadania, primando por serviços com base no território na comunidade, onde aconteça a participação do povo e o controle social tanto da comunidade em geral como de seus usuários do serviço e seus familiares, busca ofertar um cuidado integral com base em ações intersetoriais, promovendo a educação constante de seu corpo de funcionários e levando em conta a particularidade de cada caso apresentado, centrado em um projeto terapêutico singular para o desenvolvimento de abordagens precisas e mais eficazes.

Vale ressaltar que a RAPS faz parte dos serviços de atenção prestados pelo SUS, portanto o SUS é responsável por sistematizar e estruturar a atenção a saúde mental em todo o país desenvolvendo ações de forma regionalizadas (organizada por regiões) e hierarquizadas (divisão por níveis de atenção), e obedecendo a uma ordem única em todos os níveis de governo (Federal, Estadual e Municipal).

Apesar de ter sido reconhecida a necessidade de alteração no modelo de atenção prestadas a pessoa com transtorno mental observa-se que o processo foi longo, árduo e difícil e ainda hoje encontra-se obstáculos que refreiam os avanços conquistados, um exemplo disso é a nota técnica 11/2019 que recebeu o nome de “nova saúde mental”, essa nota trata de alterações na política nacional de saúde mental além de apresentar também abordagens na política nacional antidrogas. Essa nota faz referência em seu texto à portarias e resoluções articuladas e discutidas dês do ano de 2017, mas com a eleição do atual Presidente da República senhor Jair Messias Bolsonaro viu-se uma oportunidade e digamos até mesmo que um certo apoio para respaldar essa nota que vem trazendo à tona praticas a muito abolidas.

Em seu texto a nota 11/2019 traz em sua introdução que: “(...)quando se trata de oferta de tratamento efetivo aos pacientes com transtornos mentais, há que se buscar oferecer no SUS a disponibilização do melhor aparato terapêutico para a população. Como exemplo, há a Eletroconvulsoterapia (ECT), cujo aparelho passou a compor a lista do Sistema de Informação e Gerenciamento de Equipamentos e Materiais (SIGEM) do Fundo Nacional de Saúde, no item 11711. Desse modo, o Ministério da Saúde passa a financiar a compra desse tipo de equipamento para o tratamento de pacientes que apresentam determinados transtornos mentais graves e refratários a outras abordagens terapêuticas (...)” (BRASIL, 2019). Esse tratamento que atualmente recebe o nome de eletroconvulsoterapia é na verdade o famoso eletrochoque que foi usado durante anos nos manicômios com a intenção de “tratar” aos transtornados e que não servia para esse fim e sim para repreender e torturar o paciente além disso, a legislação garante que o paciente seja tratado da forma menos invasiva possível e com o principal objetivo de recuperar e beneficiar sua saúde, apesar de o aparelho eletroconvulsor ter se modernizado ganhando até um novo nome, assim  como outra abordagem para sua utilização profissionais dizem que viabilizar esse tipo de tratamento é um retrocesso já que existem outras formas de tratamento, sem deixar de falar que esses aparelhos custam caro e investir verba pública para a compra deles é deixar de investir em outras formas de cuidados mais humanas e terapêuticas.

Além disso a nota discorre sobre o não fechamento dos hospitais psiquiátricos trazendo a proposta de inseri-los na RAPS, bem como trata-se nessa nota da internação se crianças e adolescentes.  

Despois de lutas e avanços observa-se que ainda existem um serie de tabus a serem quebrados enquanto sociedade e por que não dizer enquanto seres humanos, profissionais, atuantes na área da saúde mental ou não, a pessoa com transtorno mental  deve ser observada além da condição que cada um particularmente desenvolveu e não merecem de forma alguma serem reduzidas a uma patologia psíquica, portanto, é de total relevância que os profissionais que atuam na atenção a essas pessoas desenvolvam essa visão e é por isso que o profissional de Serviço Social se fazer presente não só nos serviços que fornecem a assistência para as pessoas com transtorno mental mas que atuem na defesa dos direitos dessas pessoas.

3.4. SERVIÇO SOCIAL EM SUA GÊNESE

Para compreendermos o papel desempenhado pelos assistentes sociais no auxílio das pessoas com transtorno mental deveremos conhecer a trajetória histórica dessa profissão dês de sua gênese até a conjuntura dos dias atuais, pois assim é possível um maior entendimento da importância dessa assistência que é prestada nos dias atuais, perpassaremos pelas rotas do serviço social para atingir as especificidades construídas através de cada etapa de desenvolvimento da profissão.

Tem-se registro de atividades associadas a pratica de serviço social dês do ano 3.000 a.C. de acordo com Martinelli (1989), as ações de assistência social eram praticadas por “Confrarias do Deserto” tendo como objetivo apoiar as caravanas que enfrentavam as travessias do deserto, entre outras funções desempenhadas pelas Confrarias do Deserto eram visitas aos domicílios onde haviam mulheres viúvas, crianças órfãos e/ou idosos também amparavam aos doentes e abandonados que residiam nas áreas urbanas, a assistência desenvolvidas por eles visava diminuir o martírio daquela pessoas através da doação de alimentos, roupas, calçados e outros bens materiais que eram adquirido através de esmolas, e assim a assistência social manteve-se tendenciosamente caridosa até o século XVII quando estoura a Revolução Francesa e a assistência social passa a ser compreendida como um direito de todos e dever do estado.

Pode-se afirmar a existência de instituições voltadas para a caridade desde a idade média, desenvolvidas por entidades religiosas onde a pratica da caridade se dava de forma leiga e essa pratica assistencialista reflete nas sociedades capitalistas, no nosso país por exemplo o assistencialismo era empregado de uma maneira que sua única finalidade era de garantir que os burgueses (possuidores das riquezas e meios de produção) permanecessem em uma situação de domínio das classes inferiores e subalternizadas. Naquela época (acredito que essa ideia vem se reproduzindo até os dias atuais) a intenção era de ludibriar a população com uma idealização bondosa e caridosa dos detentores do poder (burguesia), camuflando a real intenção, que se tratava em controlar e oprimir para assim difundir a mentalidade de exploração no Brasil. Compreende-se que por meio do assistencialismo a classe inferiorizada mantém-se sujeitas aos mandos e desmandos, oprimidas e dependentes da classe dominante, limitando direitos sociais a favores, manifestando-se totalmente na contramão do que hoje conhecemos por cidadania (baseia-se nos direitos de cidadão. Desde sua participação política, até a participação econômica e social.). O entendimento da época era que as práticas e manifestações organizadas dos trabalhadores deveriam ser coibidas para que assim fosse possível controlar a questão social oriunda naquele recorte social e temporal.

Foi no período da revolução industrial que ocorreram transformações e conquistas no modelo de produção existente na época, mas, essa evolução refletiu de forma negativa na qualidade de vida dos trabalhadores onde os mesmos estavam sujeitos a condições degradantes de trabalho, tendo sua dignidade humana ferida, podemos dizer até que expostos a uma espécie de escravidão. A partir de então a igreja católica passa a defender os trabalhadores contra o autoritarismo do sistema capitalista, dando origem a Rerum Novarum, encíclica papal (Comunicação escrita pelo papa), a Rerum Novarum foi redigida pelo Papa Leão XIII, em 15 de maio de 1891, nessa encíclica contava as condições a que estavam sujeitas a classe operaria da época e fazia ênfase a ausência de justiça e ética social na rotina das industrias, abordando também a má distribuição das riquezas produzidas pela classe operaria é então que se estabelece várias iniciativas de natureza civil como a origem de centros de estudos sociais, associações, sociedades operarias, sindicatos, cooperativas e etc. fomentando assim o surgimento de legislações trabalhistas pela proteção da classe operaria, especialmente das mulheres e crianças que também eram expostos a uma realidade desumanas de trabalho, buscava-se melhores condições de trabalho, de pagamento e de higiene.

A Igreja exercia um grande poder sobre diversas áreas como, na política, na educação, na filosofia e na ciência e com a implantação do modo de produção capitalista a Igreja Católica passa a desenvolver ações filantrópicas visando amenizar o sofrimento da esfera mais pobre da população. A classe burguesa que por sua vez detinha os meios de produção visava a expansão de seus bens e riquezas e para possibilitar esse crescimento exploravam a classe operaria, mas os trabalhadores passam a se organizar e a burguesia passa a ver-se ameaçada a organização do proletário coloca em risco seus objetivos. Naquela época até a legislação estabelecida pelo estado privilegiava os interesses da classe dominante. E é assim que ocorre a união entre a burguesia, a Igreja e o Estado com a finalidade de cercear a mobilização dos trabalhadores, impedir as manifestações da classe e camuflar as expressões sociais e política da época.

O serviço social como profissão surgi como resposta as condições estabelecidas pelo modo de produção do modelo capitalista e dos demais aspectos a ele anexado como, a alienação que é tida como o oposto da criatividade, de acordo com Karl Marx alienação trata-se de: “Estar alheio aos acontecimentos sociais, ou achar que está fora de sua realidade. ”, a contradição que pode-se colocar como sendo a produção de riqueza por uma parcela da população que não usufrui dessa riqueza produzida por ela e o antagonismo que refere-se a crueldade do sistema capitalista, um método conservador que alimenta a violação de direitos, a luta de classe com a superioridade dos ricos sobre os pobres onde os que detém as riquezas explora quem não possui meio para sobreviver alimentando cada vez mais essa diferença entre ricos e pobres. No entanto a profissão do serviço social aparece como uma forma de sustentar o sistema burguês, quando o capitalismo passa a produzir e reproduzir suas contradições e a classe trabalhadora passa se mobilizar por melhores condições de vida e trabalho, o serviço social surgi como pratica humanitária caritativa, viabilizada pelo Estado e apadrinhado pela Igreja Católica.

Pode-se observar que o aparecimento do serviço social naquele contexto histórico está diretamente relacionado a uma espécie de controle que a classe dominante desejava exercer sobre as classes subalternizadas, para isso se utilizavam de benfeitorias e caridade para controlar o descontentamento do proletariado, as ações do assistente social (na época ainda não recebia essa nomenclatura) eram respaldadas, direcionadas, idealizadas e validadas pelo Estado em conjunto com a Igreja.

Com a crescente onda capitalista, torna-se ainda mais evidentes as contradições existentes nesse sistema e a partir das reivindicações travadas pela classe trabalhadora diante das injustiças ocasionadas pela contradição existente entre capital e trabalho que começasse a galgar o caminho dos direitos sociais que deveriam ser garantidos pelo Estado, direitos esses que vão sendo ampliados de acordo com o contexto histórico e social da sociedade. Fruto das manifestações organizadas pelo proletariado explorado são elaboradas e implementadas políticas sociais junto com uma ideia de cidadania, assim passa-se discutir e vislumbra outras formas mais efetivas de confrontar a pobreza bem como o que a ocasionava.

Com a revolução francesa no ano de 1789, que carregou como bandeira o lema: liberdade, igualdade e fraternidade ressignificando os conceitos discutidos sobre cidadania existentes, a cidadania passa a ser encarada como a igualdade entre os indivíduos. É a partir da revolução francesa que à vida e à liberdade passam a ser reconhecidos como direito da pessoa humana que se consolida na primeira metade do século XX, influenciando e orientando grande parte do mundo que passa a caminha no rumo qual resulta em um novo modelo de sociedade.

Outro fato histórico que influenciou na assistência prestadas as pessoas foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, após a segunda guerra mundial, o mundo se organizou e encorajadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), países se juntam para elaborar essa declaração que constitui um avanço considerável na defesa dos direitos dos povos e das nações, lançada no ano de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos defende a liberdade fundamental e a garantia de direitos humanos para cidadãos independentemente do seu país de origem assegurando para estes direitos, civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

Fica assim evidente que o serviço social se forja na luta pela garantia de direitos para aqueles que menos o possuem e são marginalizados e inferiorizados, grupos “minoritários” sem voz nem vez, desde o engatinhar da profissão, apesar de uma presente passividade com o sistema vigente, nota-se que a assistência social já surge com essa missão, embora deturpada, de garantir os mínimos possíveis para a sobrevivência do ser humano e  dessa forma a profissão vai amadurecendo, respondendo ao anseio tanto social quanto do próprio profissional e vai crescendo e rompendo paradigmas transformando a assistência social de uma simples pratica manipuladora, controladora, caritativa, religiosa e assistencialista em um direito social que é dever do estado e direito de todo cidadão que dela necessite para prover os mínimos sociais necessários para a sua existência e suas necessidades básicas.   

3.5. SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE MENTAL

Para compreendermos melhor a atuação do assistente social na saúde mental é preciso conhecer a trajetória da profissão dentro dessa assistência.

Os assistentes sociais são designados no ano de 1905 a realizarem coletas de dados a fim de investigar o histórico familiar e de vida dos pacientes atendo-se aos aspectos sociais econômicos, físico hereditários, mentais e emocionais fazendo esse levantamento não somente do paciente como também dos seus familiares essas práticas foram adotadas pelo serviço social americano que teve forte influência na profissão aqui em nosso país.

A atuação do assistente social no campo da saúde mental no Brasil tem início na década de 40, suas atividades são influenciadas pela Doutrina Social da igreja católica e pelo Movimento de Higiene Mental, dois movimentos que se uniram e traçaram quais seriam as competências e o área de atuação do profissional.

Os assistentes sociais iniciam suas atividades de maneira irrelevante pois atuava-se de maneira submissa aos psiquiatras, suas ações se restringiam a coletar dados sociais dos pacientes e seus familiares, bem como viabilizar as altas dos pacientes sempre fazendo uma mediação com a família do mesmo e na elaboração de atestados sociais, o assistente social era subordinado médico psiquiatra e atuava de maneira acrítica.

Com a instauração da ditadura de 64 ajustes são feitos na saúde e a atenção psiquiátrica passa a ser oferecida pela previdência privada conveniada, favorecendo assim a implantação de hospitais psiquiátricos particulares, nesse período a doença mental passa a ser vista como lucrativa e o assistente social tem seu exercício profissional na saúde mental ampliado.

Quando se inicia o processo de reforma psiquiátrica no ano de 1978 o foco da assistência mental passa do modelo hospitalocêntrico para serviços substitutivos com ênfase em uma estrutura aberta e comunitária para ofertar uma atenção humanizada, que visasse tratar o indivíduo em toda a sua singularidade respeitando e favorecendo a sua total recuperação e acompanhamento sem retira-lo do convívio social e familiar, em 1980 a reforma toma contornos mais delimitados e consistentes e são apostados diretrizes mais especificas sendo elas segundo Vasconcelos, 2000, p. 193:

“-O gerenciamento e controle geral do sistema, principalmente das internações fáceis e do processo de mercantilização da assistência na rede de hospitais conveniados;

-A crítica e “humanização” da realidade interna dos asilos e hospitais, com eliminação das formas mais severas de controle dos pacientes e ensaios de programas de reabilitação social, principalmente via oficinas expressivas e atividades laborativas, e alguns processos de desospitalização;

-A criação de equipes de saúde mental (psiquiátrica, psicólogo e assistente social constituíam a equipe mínima) em ambulatórios e postos de saúde, com regionalização das ações para uma atenção primária e preventiva em saúde mental, dentro do que foi chamado de “Ações Integrais de Saúde” (AIS), esboço do que constituiu mais tarde o Sistema Único de Saúde (SUS).”

Com essas mudanças significativas no modelo de assistência, também existe a necessidade na mudança de abordagem, pois faz-se oportuno reavaliar tanto a realidade do modelo de saúde mental em si oferecido até então sendo  apresentado e representado pelos profissionais que atuam na área, quanto de um maior dimensionamento do paciente com transtorno mental pois é preciso que sejam  observados com outros olhos, passando a enxerga-los além das amarras de sua condição mental e isso faz com que se precise desmitificar uma serie de paradigmas sociais e culturais não somente dos pacientes, como de seus familiares, , da sociedade em geral e  até mesmo dos próprios profissionais.  

A reforma psiquiátrica também é alavancada com a promulgação da CF/88 e a partir de então esse novo modelo de atenção tão idealizado passa a ser esculpido. Os manicômios saem do páreo sendo substituídos pelos CAPS que tem uma proposta de um modelo de atenção descentralizado e com base comunitária onde o paciente se dirige até o equipamento de saúde para realizar o seu acompanhamento sem ser retirado do convívio comunitário e familiar e com ênfase na reabilitação social do paciente. Esse processo de ressignificação da saúde mental também é sentido pelo serviço social, isso acontece nos anos 90.

As intervenções do serviço social dentro dos CAPS passam a ter como objetivo a visualização dos usuários do serviço em sua totalidade, integralidade e individualidade, respeitando-os e oferecendo-os uma visão ampla, uma escuta qualificada afim de compreender a demanda trazida pelo usuário e fazer os acompanhamentos necessário para a resolutividade das demandas apresentadas por cada indivíduo e quando se houver a necessidade encaminha-los para outros serviços (mesmo que não sejam da saúde) para que esse paciente tenha todos os seu direitos visibilizados e garantidos enquanto cidadãos de direitos e que devem ser reconhecido como tal. Com a alteração na forma de cuidado faz-se necessário que haja uma reformulação do trabalho desenvolvido pela equipe nos CAPS passando a realizar abordagem baseadas em ações grupais tendo como base a realidade especifica de um território onde uma equipe multidisciplinar busca conhecer as demandas dos cidadãos daquele espaço afim de desenvolver ações que atinja as especificidades da comunidade.

O assistente social tem que buscar em suas intervenções não somente na saúde mental como em qualquer campo de atuação a sincronização de sua conduta profissional com o Código de Ética da profissão de 1993 dentre outras legislações, buscando assegurar ao usuário ações que promovam a cidadania e a autonomia desses usuários e seus familiares realizando ações, que não restrinja-se as paredes da instituição mas, que alcance a comunidade para que assim seja reconstruída a imagem das pessoas que possuem algum sofrimento mental e ainda são estigmatizadas até os dias de hoje, essa efetivação de direitos e eficácia do serviço social na saúde mental acontece quando o assistente social consegui articular com todos os pontos da RAPS podendo assim fazer encaminhamento para outros serviço que estão disponibilizados na rede mantendo uma comunicação clara e consistente com os demais equipamento para que  assim as demandas dos usuários seja resolvida de forma concreta, o assistente social precisa além de atuar de forma intersetorial (trata exatamente da possibilidade de fazer encaminhamento e manter uma comunicação com outros equipamentos), atuar em uma equipe multiprofissional de forma que os conhecimento de cada área de atuação especifica se interligue para dessa forma exista a cooperação e a articulação dos diversos profissionais no intuito de oferecer um serviço focalizado na recuperação do paciente, sendo enfatizada a importância do controle social para a incontestabilidade do serviço.

Como dito por França e Cavalcanti (2013, p.2):

É necessário refletir sobre quais fundamentos a estratégia da intersetorialidade tem sido traçada, pois na medida em que não há participação dos técnicos, gestores e usuários de maneira equânime para propor, implementar e fiscalizar pactuações entre políticas, objetivando os direitos sociais, os frutos da estratégia intersetorial tenderão a ser: contradições, brevidade, propostas incompletas, divergentes e sem o apoio necessário dos profissionais, da sociedade e do Estado.

Ressaltando também a importância de que as famílias desses usuários sejam acompanhadas de perto pela equipe multiprofissional visto que o contexto social-familiar é de total relevância para a recuperação do paciente com transtorno mental, bem como a possibilidade de adoecimento dos cuidadores, sendo assim crucial o apoio não só do paciente, mas do familiar responsável diretamente pelo seu cuidado. Ainda de acordo com Robaina (2010, p. 345) “ Com as tradições culturais locais, lideranças comunitárias, equipamentos comunitários, relações de vizinhança, intervenções no imaginário social sobre a loucura, entre outros. ”

Levando-nos a refletir sobre a definição de saúde feita pela OMS trazendo que saúde se trata de “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades. ”, ou seja, saúde deve ser vista não somente como a ausência de patologias infectocontagiosas, mas também como um completo bem-estar social, mental, físico e emocional.

Para que se tenha sucesso em suas intervenções o assistente social tem que se ater a desenvolver ações visando efetivar as competências técnico-operativas, ético-políticas e teórico metodológico da profissão sendo primordial para a eficácia de seus atendimentos não somente no espaço sócio ocupacional da saúde mental, assim, o assistente social deve ter o ímpeto de transformar a realidade com a sua intervenção e para adquirir subsídios para isso ele conta com um leque instrumental o qual lhe dará embasamento para as suas ações sendo alguns deles: uma escuta qualificada afim de compreender a demanda trazida pelo usuário, visita domiciliar quando julgar necessário ou quando solicitado pelo usuário ou familiar, estudo de caso para junto com a equipe multiprofissional traçar a melhor estratégia de cuidado dos pacientes dentre outras possibilidades oportunizando um conhecimento integral do usuário de modo a conseguir de fato o objetivo principal do serviço social no desenvolvimento de suas ações de efetivar e garantir direitos além de  assegurar um tratamento digno aos pacientes vislumbrando a sua emancipação e inclusão social respeitando sempre os direitos do usuário.

Um dos grandes desafios na intervenção do assistente social na saúde mental tem sido a intersetorialidade, visto que a intersetorialidade é um requisito importantíssimo para garantir a eficácia do serviço na saúde mental, tratando-se da articulação da saúde mental com os demais equipamentos possibilitando e efetivando o acesso as mais diversas políticas públicas facilitando o acesso aos direitos para que assim sejam sanadas as necessidades do paciente.  Como afirmado por Rocha (2012, p. 57,58):

Levando em conta está problematização e a peculiaridade do trabalho do assistente social na saúde mental, acreditamos que a articulação e atuação como referência em rede intersetorial deve ser exercida pelo profissional de Serviço Social, ou seja, devemos reivindicar a criação destas redes e nos apropriarmos deste espaço como forma de viabilizar direitos sociais em uma perspectiva integral, potencialmente capaz de fortalecer a autonomia do doente mental e, desta forma, colaborar para o processo de desinstitucionalização do usuário. Através das redes intersetoriais é possível intervir sobre as múltiplas expressões da questão social [...]. Assim, acreditamos que não deva ser o psicólogo ou o terapeuta ocupacional a referência na rede, mas sim o assistente social, pois a inserção neste espaço possibilita a materialização do trabalho profissional, fortalecendo a dimensão social da reforma psiquiátrica e ampliando a possibilidade de reabilitação psicossocial do doente mental.

Também para garantir o sucesso das ações no campo da saúde mental é necessária uma articulação dos saberes entre a equipe multiprofissional que recebe o nome de interdisciplinaridade, na verdade a interdisciplinaridade se coloca antes da intersetorialidade visto que a interdisciplinaridade está associada a dinâmica social da equipe multiprofissional atuante na saúde mental e a interdisciplinaridade seria a relação com os demais equipamentos da rede.

Os profissionais atuantes nessa área têm que desenvolver uma capacidade de articulação entre saberes, ciências e profissionais de diversas áreas e setores que não é fomentada durante o processo de formação profissional e isso é uma barreira a ser transpostas pelo assistente social em sua atuação na saúde mental, pode-se dizer então que o campo da saúde mental mais do que os outros diversos campos de atuação do assistente social, têm o seu fazer profissional moldado, amadurecido e desvendando durante o cotidiano laboral.

Por fim, mesmo diante de desafios e dificuldades o assistente social no campo da saúde mental busca respeitar, garantir que a luta travada pelos direitos da pessoa com transtorno mental não seja esquecida, o profissional procura fazer com que esse público seja reconhecido como cidadãos de fato e de direito, apesar da atual conjuntura política do país se encontrar em um retrocesso em diversas áreas e a saúde mental também entrou nesse páreo, o que nos leva a ficarmos alerta. Afinal o assistente social atua na efetivação dos direitos sociais e pela inclusão integral do indivíduo direitos esse que devem ser garantidos pelo estado, ou seja, o compromisso vai além do atendimento na saúde mental em si, e deve-se lembra sempre dos embates que ocorreram para que esses direitos fossem adquiridos.

4. CONCLUSÃO

Durante bastante tempo a pessoa com transtorno mental foi marginalizada, tratada como um sujeito que não era digno de respeito, direitos e de cuidados e isso refleti ainda nos dias atuais, muito se avançou não há como negar, mas ainda existe muito a ser feito.

O movimento de reforma psiquiátrica foi de suma importância pois assegurou a essas pessoas um atendimento digno e humano, o que leva a necessidade da inserção do assistente social nesse campo de atuação profissional afim de garantir-lhes os seus direitos de forma integral.

O profissional de serviço social que nasce no seio das contradições sociais, assume na saúde mental o compromisso de desenvolver estratégias para efetivação dos direitos da pessoa com transtorno mental, inserido em uma equipe multiprofissional deve buscar articular com os diversos saberes afim de estabelecer uma melhor resolutividade para as demandas apresentadas pelo usuário.

Para isso o assistente social conta com um arcabouço de leis que determinam e garantem esses direitos ao indivíduo com transtorno mental. Todavia com a divulgação de uma nota no início do ano (nota técnica n° 11/2019) que causou um grande alvoroço e repúdio aos profissionais que são atuantes na saúde mental nos coloca em alerta visto que a redação dessa nota vem trazendo uma serie de retrocesso bem preocupantes e apesar de aparentemente ela ainda não está vigorando, nada do que está dito lá foi desdito.

5. REFERÊNCIAS

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BRASIL. Ministério da Saúde. Nota técnica n° 11/2019: esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. 2019. Disponível em: Acesso em: junho/2019

BRASIL. Ministério da Saúde. PORTARIA Nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011: Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS. Disponível em:< http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html> Acesso em: junho/2019

BRASIL. Planalto. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Disponível em: Acesso em: junho/2019

FOUCAULT, Michel. História da Loucura. São Paulo: Editora perspectiva, 1978.

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MIMESSI. Carla. A loucura através dos tempos. 2017. Artigo da revideRS Saúde. Disponível em: Acesso em: junho/2019

REISDÖRFER, L.A.L et al. Fundamentos do serviço social I. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A 2014.

VIEIRA, Willian.  Como os transtornos mentais foram vistos ao longo da humanidade. 2012. Matéria revista superinteressante. Disponível em: Acesso em: junho/2019


Publicado por: Camila Eleri do Nascimento

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