Profissionais da Saúde e a Psicologia: O agir ético de uma visão integradora na assistência aos pacientes com DST/AIDS nos serviços de saúde.

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1. INTRODUÇÃO

O psicólogo e os profissionais da saúde, em seus trabalhos junto a pacientes com DST/Aids, enfrentam vários dilemas éticos, pois precisam desenvolver a consciência de alteridade. Trabalhar preconceitos, medos e o respeito à diferença, garante maior eficácia em qualquer intervenção preventiva que vá alem da simples distribuição de informação. Compreender a universalidade de ser humano e ao mesmo tempo sua variabilidade. Ao nos aproximarmos respeitosamente do outro, podemos ser capazes de percebê-lo como parte possível de nós mesmos. Não só o contato com o paciente, mas o trabalho junto a uma equipe multidisciplinar que está envolvida no cuidado do sujeito traz consideráveis questões de natureza ética, as quais o presente estudo pretende abordar.

Segundo Gonçalves et. al. (2011), o fenômeno da doença em nossa sociedade, está estreitamente ligado às noções de assepsia e impureza. Disso decorre que estar doente significa ocupar o lugar do descompasso, segundo os padrões simbólicos que organizam essa mesma sociedade. Equivaleria, então, ao sujeito a não estar incluído na vida social.

Nosso estudo pretende desconstruir o preconceito referente à DST/AIDS, descobrindo para isso o imaginário que está dissimulado e que interdita certas condutas, já que o corpo carrega as cicatrizes da moralidade dominante, e paga valoroso tributo pelo desvio, ou seja, por não estar inserido na conjuntura moral dominante (GONÇALVES et. al, 2011).

2. AIDS E GRUPO DE RISCO: UMA QUESTÃO SOCIAL

Souza (2007), refere que historicamente, a sexualidade humana está vinculada à moral e a história da igreja, que por muito tempo ditou o que era permitido praticar e o que era pecado e deveria ser evitado, disseminando sentimentos de culpa. Durante a Inquisição, prostitutas e mulheres virgens, foram condenadas à fogueira, por suspeitas de manterem relações sexuais com o diabo. Segundo Foucault, no século XVII com o desenvolvimento do pensamento capitalista, que a repressão sexual é intensificada.

A ação da igreja incentivou o controle, e a repressão foi mantida, encerrando a sexualidade dentro de casa, um privilégio dos casais que praticavam a única forma de sexo aceitável. Qualquer outra prática sexual, deveria ser escondida, ficando a relação dentro do casamento restrita aos atos regulares e aceitos: as carícias, abstinência e fertilidade passam a ser normatizadas. Nos dois séculos seguintes, as práticas reprimidas foram repensadas. O homossexualismo nesta época é visto como consequência de perversões e desvios sexuais. Mas é no século XX, que alguns tabus são discutidos, as repressões são menores e muitos comportamentos passam a ser aceitos. As relações extraconjugais, bem como as pré- matrimoniais e entre pessoas do mesmo sexo, passam a ser toleradas, de forma implícita. Certos comportamentos ainda considerados desviantes são recriminados socialmente, buscando a sociedade, respaldo científico para as práticas legais.

Atos considerados anteriormente, pela medicina, como desviantes são considerados como distúrbios em critérios diagnósticos recentes, como o DSM-III. Hoje a exploração da sexualidade é forma comum de propaganda, e muitas empresas associam seus produtos como forma de obter prazer. O controle exercido anteriormente pela igreja já não mais interessa aos capitalistas. A AIDS marca a história do século, num momento de transição histórica, em que se acreditava que as enfermidades infecciosas e as ameaças de epidemias, já não constituíam um problema para as sociedades modernas. Ao trazer à tona tabus e estigmas sociais tais como o sexo, a sexualidade, a droga, o preconceito e a violência, a AIDS nos remete a situações passadas, em que doenças graves ligadas à sexualidade foram motivos de discriminação e de culpabilização dos doentes. Essa doença que surgiu como categoria diagnóstica marcada por questões como a homossexualidade passa a ter um vírus para identificá-las, que as tornam “cientificamente perigosas".

A sexualidade dita homossexual passa a ser abertamente considerada completamente promíscua. Da mesma forma, a possibilidade de existência de doentes heterossexuais foi descartada, num primeiro momento e, transcorrido 15 anos, ainda com base na mesma vinculação, os discursos remetem paradoxalmente a uma crença na justiça do mundo, apontada com soberana convicção pelos mecanismos de defesa: a AIDS acontece com os outros e não comigo. As outras situações de risco para a AIDS têm um ponto em comum com a prática homossexual: envolvem a introdução do vírus no organismo humano circunstâncias que dependem direta ou indiretamente de ação consciente do ser humano: relações heterossexuais, injeção de drogas, transfusão, transmissão placentária. Assim criam-se as vítimas culpadas, responsáveis pelo seu padecimento merecido, que se contrapõem às vítimas inocentes do mesmo mal. A AIDS, desta forma pode ser classificada naquele grupo de doenças que dependem do comportamento e podem por ele ser modificadas. Assim a AIDS não é socialmente comparada com outras doenças, facilitando que um problema da Saúde Pública se confundisse com questões morais. O paciente de AIDS, comumente, provoca raiva, desprezo, medo e pouco desejo de ajuda por parte da sociedade, o que acarreta nele, sentimentos de ansiedade, o que dificulta as possibilidades de intervenções sociais e psicológicas.

3. DEU POSITIVO: E AGORA?

Segundo a revista Psique dados do relatório sobre a epidemia global de AIDS de 2009 do Joint Nation Programme on HIV/IAIDS (UNAIDS) e da Organização Mundial de saúde (OMS), 33/4 milhões de pessoas vivem com HIV, sendo que em 2008, 2,7 milhões de pessoas foram infectadas. No mesmo ano, o número de mortes relacionadas a AYDS foi de milhões. Em oito anos, entretanto, o número de infecções pelo vírus em todo o mundo caiu para 17%.

O vírus causador da síndrome de deficiência imunológica adquirida (AIDS) foi descoberto em 1986 e provavelmente originou-se do vírus da imunodeficiência símia (SIV) que acometeu macacos. A forma de transmissão do vírus do chipanzé para o homem ainda é incerta. Mas desde os anos 80, a AIDS desperta atenção de todo o mundo. Entretanto, ao longo dos anos o maior conhecimento do vírus e a evolução do tratamento vem transformando a face desta doença.

O artigo conta a história de Mara Moreira que há quinze anos recebeu o resultado positivo para o vírus HIV. Ela conta que fez o exame após descobrir a soropositividade de seu esposo, com quem estava casada há apenas três meses: "Meu marido era soropositivo e não sabia. Só quando ele desenvolveu uma pneumonia é que fez o exame e descobriu. Não é fácil. Na época não tinha informação do que era a AIDS. Não recebíamos informação na escola, logo, assim que recebi o diagnóstico procurei o Grupo Pela Vida para me informar, para saber como não passar o vírus para outra pessoa.” Hoje em dia, Mara é coordenadora do Grupo Mulheres pela Vida no Rio de Janeiro, uma instituição sem fins lucrativos. O forte impacto vivenciado por ela ao descobrir a soropositividade é experimentado pela maioria das pessoas que receberam o diagnóstico da doença. Entretanto, segundo Luciana Nogueira Fioroni, adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), os indivíduos têm relações distintas em função das razões que os levaram a fazer o exame ainda em função da história prévia de cuidado médico que levou ao exame de HIV.

“As pessoas reagem com choro, silêncio absoluto, riso como reação de ansiedade e angústia, ansiedade em saber o que fazer e quais recursos existem. È um momento de muita tensão que pode ser vivido de forma mais integrada do ponto de vista emocional (sofrimento, susto, medo) ou de forma mais desintegrada (negação, mimetização ou banalização). As preocupações imediatas que aparecem com mais frequência dizem respeito ao recurso medicamentosos existentes, à gravidade da enfermidade e ao sigilo em relação à soropositividade: quando/para quem/como contar sobre a HIV?, explica Luciana, que trabalha com pesquisa e assistência em HIV/AIDS desde 1993 .

A psicóloga lembra que a AIDS era e ainda é, em locais, associada fortemente à ideia de “erro moral”, que contribui para atribuir ao próprio sujeito a responsabilidade e a culpa por ter sido infectado pelo vírus HIV.

Karla Ronchini, médica infectologista do Hospital Universidade Federal Gaffrée e Guinle do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), que trabalha há cerca de 20 anos com paciente soropositivos, destaca que vem observando dois comportamentos distintos durante a revelação da soropositividade. O primeiro seria o pânico comum, pó exemplo, entre mulheres casadas ou parceiro que se descobrem soropositivo. Na comunidade Gay, ao contrário, de forma frequente, segundo ela, o diagnóstico é encarado de forma distinta. “Existem homossexuais que acham que é normal ter AIDS. Muitos praticam o Bareba- cking – montar a cavalo sem a sela -, uma espécie de roleta russa (ter relação sem proteção). Há, por exemplo, o “Quarto escuro – locais dentro das boates gays, em que os frequentadores fazem sexo de diversas maneiras, com diferentes pessoas sem nem ver o parceiro e onde não há uso de preservativo”, explica.

A trajetória do tratamento da AIDS trouxe algumas mudanças. Para a psicóloga Luciana Fiorone há duas diferenças principais: o perfil epidemiológico (mulheres mais jovens) e a representação que a AIDS tem hoje no mundo e no imaginário das pessoas.“Até a década de 1990 o diagnóstico positivo para HIV era vivido como prognóstico de morte e uma sentença de isolamento social e silenciamento sobre a própria condição, impondo, por um lado, um cenário de solidão, causado pela estigma social em torno da doença e do doente e, por outro, uma solidão autoimposta pelos próprios portadores, para evitar exposições, sofrimentos e discriminação.

É importante frisar que a Aids não constitui uma epidemia/pandemia, mas várias. As características da AIDS mudam de acordo com questões culturais, econômica, políticas, educacionais e temporais. Com o desenvolvimento de medicações mais patentes e específicas que agem em diferentes etapas do processo de infecção e multiplicação do HIV, a apresentação sobre a AIDS e sobre portador do HIV mudou. A maior eficácia do tratamento clínico e o significativo aumento da sobrevida após o diagnóstico acompanhado da diminuição das taxas de mortalidade, realmente transformam a cara da AIDS no Brasil” destaca Luciana.

A psicologia explica que é extremamente importante distinguir a condição de portador do HIV de doente de AIDS, pois isto marca limites importante sobre a relação com o corpo, com o tratamento, com as expectativas de futuro, produzindo representações afetivas sobre a enfermidade. “Se antes o maior desafio era sobreviver ao HIV, hoje parece ser viver com o tratamento que é contínuo, já que, embora existam as possibilidades de cargo indetectável, o tratamento é para a vida toda”, afirma.

Já para Mauricio Tostes, psiquiatra membro da sociedade Brasileira de Psiquiatria, apesar do histórico de preconceitos contra pessoas portadoras de HIV, o modo como a sociedade vê o indivíduo HIV positivo se tornou mais benevolente. Segundo ele “no passado, não se conheciam muitos indivíduos que se assumiam como portadores da doença. O quadro era muito associado, pela maioria das pessoas, como uma doença de homossexuais, bissexuais e usuário de drogas”. Mesmo membros do setor de saúde discriminavam essas pessoas. Muitos foram perseguidos, perderam seus empregos e foram afastados do convívio social, literalmente levados a uma espécie de ostracismo. Atualmente, com todas as campanhas de conscientização e mesmo com o surgimento de figuras de destaque na sociedade que se deslocam na sociedade e que se declaram portadores do vírus, como o falecido Betinho, ativista político, coordenador do IBASE e irmão do cartunista Henfil , o modo de ver a doença mudou consideravelmente.

Ainda assim, o médico lamenta que alguma discriminação persista, mesmo com todas as campanhas.

Para algumas pessoas, os antigos estereótipos ainda são convincentes. A AIDS foi associada por muito tempo ao homossexualismo e permanece, para grupos cada vez menores – os homofóbicos por exemplo – como a doença do outro, os portadores de HIV muitas vezes têm dificuldades para encontrar parceiros e estabelecer relações afetivas duradouras. Existe até uma campanha recente que tenta desmistificar os riscos do relacionamento entre pessoas com e sem o HIV – que é perfeitamente normal e pode ser muito seguro com o uso do preservativo.

Para Maurício, infelizmente, o problema é que hoje o cuidado com a doença está diminuindo. A partir de 1996, a mortalidade em decorrência do HIV decaiu muito – consequência de aprimoramentos na terapia e nos medicamentos. Recentemente, ocorreram episódios de aumento da incidência da doença em idosos, casos de contaminação por HIV entre indivíduos casados são comuns e ocorrem em geral como consequência de aventuras sem a proteção adequada fora do matrimônio.

Se por um lado hoje podemos observar uma maior confiança do paciente com relação ao tratamento, o fato de a AIDS ser tratável, para a infectologista Karla Ronchini, também pode ter de certa forma piorado a situação geral. Ela conta que está havendo, por exemplo, um diagnóstico tardio da infecção. “A procura pelo exame não está acontecendo mais como antes, a maioria não faz mais exames”, diz a médica. Muita gente acha que a doença tem cura, porém ela não tem. Há, entretanto, tratamento, mas muitos o desconhecem e também seus efeitos colaterais. Tem gente que abandona o tratamento por causa do mal estar e pela própria aparência física. O tratamento causa Lipodistrofia – que é a perda de gordura onde não deveria, por exemplo, na face, no glúteo e o acúmulo e outras regiões: no abdômen, na parte posterior do pescoço muitos homens desenvolvem ginecomastia (aumento das mamas). Além das alterações metabólicas, muitos pacientes ficam diabéticos e aumenta o risco de doença cardiovascular e muitas outras complicações. Além disso, é difícil ter que todo dia tomar remédios na hora certa, destaca Karla.

A psicóloga Luciana afirma que estudos mostram que as principais mudanças, durante os dois primeiros anos após a revelação do diagnóstico, no cotidiano dos portadores de HIV, vão além de questões clínicas, como a dificuldade com medicamentos. Efeitos colaterais, autocuidado, adesão ao tratamento, passando também pelo campo social e emocional, grandes medos, angústia, vivência do estigma, mudanças nas relações afetivas, sexuais e familiares, que vão caracterizar a maneira com que cada um enfrenta a doença.

Segundo George Gouvea, vice-presidente do grupo pela Vida /RJ, psicanalista e coordenador de Acolhimento/aconselhamento em HIV/AIDS muitas questões estão relacionadas ao viver com essa nova realidade. “Eles se questionam como vão viver com um vírus de difícil tratamento no seu organismo, como viverão com uma doença que carrega muito estigma e preconceito. Preocupam-se com a vida amorosa e sexual. Questionam-se se devem contar ou não contar sobre a doença para as pessoas”, diz.

O impacto e a intensidade das relações, segundo a psicóloga Luciana Fioroni, fazem com que o acompanhamento psicológico seja crucial no momento do diagnóstico. E um momento de crise aguda, vivido como se houvesse uma imensa descontinuidade entre a vida antes do HIV e depois dele. “O trabalho é no sentido de acolher os medos e dúvidas, ajudar a organizar as emoções e representações sobre HIS/Aids, manejar as angústias de morte e de mudança corporal que muitas vezes estão presentes”, explica.Ela considera importante estender o suporte psicológico também aos familiares ou cônjuges desde que o paciente aceite e os familiares também. “Temos tido experiências muito positivas quando a família pode ser também acolhida em suas dúvidas, medos e pode ser orientado a como lidar com reações dos pacientes. Mas vale distinguir que o atendimento feito em um consultório particular é bastante diferente daquele que ocorre se o paciente está em um centro de cuidado multidisciplinar”, afirma. Para Luciana, outro momento de crise é quando o paciente começa a ter que fazer tratamento medicamentoso e começa a apresentar os primeiros sinais e sintomas da AIDS. “Muitas vezes isto significa a aproximação da morte e perda de muitas habilidades e recursos que podem ser que podem ser perdidos temporariamente”, diz.

A infectologista Karla Ronchini lembra que o lado psicológico interfere muito na evolução do tratamento da doença, já que o HIV ataca o sistema imunológico. Esse sistema é considerado o mantenedor da homeostase, ou seja, determina um equilíbrio no organismo e funciona como um vigilante inclusive contra o câncer. O estado psicológico, assim como o estresse, falta de alimentação, noites mal dormidas e vida desregrada implicam num pior funcionamento do sistema imune. Uma pessoa deprimida dificultará seu próprio tratamento. Não posso garantir, entretanto, que um paciente que não se estressa, que se alimenta bem e leva uma saudável não vai piorar, afirma a médica.

Segundo a psicóloga Luciana, a infecção pelo HIV traz novos e grandes desafios. Entretanto ela diz que, em sua experiência, percebe que há mudanças positivas na vida das pessoas, por exemplo, fortalecimento dos vínculos familiares, postura mais reflexiva sobre a vida e sobre as escolhas, embora as dificuldades sejam importantes. A vida conjugal muda sobremaneira, principalmente se o casal for soro discordante, quando apenas um tem o vírus. “Neste caso observarmos que o uso de métodos que impeçam a contaminação é muito difícil, principalmente quando este casal já tem um relacionamento estável”, diz ela. Quando a pessoa está solteira, muitas vezes, se afasta de novos relacionamentos como forma de se proteger, de não precisar expor a própria soropositividade. Planos de maternidade podem ser revistos pelo receio de transmitir o vírus ao bebê ou não pode cuidar deste. “O afastamento dos amigos sempre aparece como queixa e percebemos que tal afastamento também se dá por conta do próprio portador do HIV, que vai se isolando e se fechando para proteger-se de possíveis reações estigmatizantes”, observa a psicóloga.

O emprego acaba sendo prejudicado muito mais pela rotina do tratamento e nos casos em que a pessoa desenvolve algum tipo de doença oportunista e precisa de afastamentos ou começa a ter prejuízos em seu desempenho profissional, afirma. Para Luciana, embora hoje se discuta de forma muito mais aberta a questão da AIDS, ainda se observa muito silêncio sobre o assunto. Os portadores ainda preferem não revelar sua condição sorológica.

Por outro lado, podemos perguntar por que a sociedade acaba cobrando de uma forma específica que esta pessoa se revele. Ninguém sai por aí contando que é hipertenso, diabético ou que tem câncer, afirma.

Segundo o livro “Guia e saúde da família” os seres humanos são os únicos dentre os animais, que têm a capacidade de sentir desejo sexual, desvinculado da fertilidade, e de manter esse desejo até a velhice, muito depois da concepção ter deixado de ser possível. A explicação pode estar na hipótese de que a prática sexual não só ajuda a manter o relacionamento como melhora a boa forma cardiovascular e prolonga a vida – as pessoas que têm relações sexuais estáveis vivem mais tempo que as que não tem parceiros sexuais.

4. ENTRE O DESEJO E O RISCO

Após mais de duas décadas de enfrentamento da epidemia, a Aids continua sendo um grave problema de saúde pública mundial ainda em expansão, particularmente em alguns subgrupos populacionais, entre os quais destaca-se a população de mulheres. Podemos verificar que no Brasil a variação na proporção entre o número de casos masculinos e femininos que em 1985 era de 25/1 e em 2003 chega a 1,8/1. A transmissão sexual segue sendo a principal via de contágio, seguida pelo uso de drogas injetáveis, sendo que aproximadamente 70% dos casos femininos encontram-se na faixa etária de 20 a 40 anos, ápice da vida produtiva e reprodutiva.

A partir de meados da década de 80, à medida que o número de casos de mulheres infectadas com o HIV foi ganhando evidência nos boletins epidemiológicos e nos serviços de saúde, esse movimento foi inicialmente abordado como uma questão moral – e as mulheres contaminadas sendo vistas na época como prostitutas, usuaérias de drogas ou mulheres promíscuas. Com o passar do tempo, a evidência de que se tratava de mulheres “normais” (donas de casa, jovens, infectadas por seus maridos ou parceiros fixos) exigiu novas respostas do discurso médico e das ciências sociais que, no entanto, não ultrapassaram o plano da moral. Na tentativa de contenção dessa trajetória feminina da Aids no Brasil, muitos esforços e recursos têm sido investidos em programas de informação, orientação e assistência, visando instrumentalizar a população de mulheres no reconhecimento das noções de risco e prevenção.

No entanto, vários estudos constatam que um nível básico de conhecimento sobre a doença e seus meios de prevenção não resulta efetivamente, entre as mulheres, em uma capacidade de avaliação realista sobre suas possibilidades de risco, muito menos em adoção de cuidados de prevenção. Desta forma, como abordar a dificuldade feminina de negociar o chamado "sexo seguro"? Como compreender os inúmeros casos de mulheres que se relacionam sexualmente sem proteção ou engravidam com parceiros sabidamente soropositivos? Como explicar a persistência de uma certa "tolerância", por parte das mulheres, em relação aos comportamentos de risco de seus parceiros? A experiência clínica de escuta analítica de mulheres HIV+ nos mostra que pouco tem sido investido no sentido de compreender as barreiras que as mulheres têm que enfrentar em relação a si mesmas visando a prevenção da infecção.

Muitas vezes, os procedimentos preventivos acabam sendo negados pelas mulheres, na medida em que tomar consciência desses cuidados e executá-los põe em jogo um risco mais imediato e muito mais assustador que a Aids - o risco da perda e/ou desestabilização da relação amorosa. A psicanálise nos alerta para o fato de que, do ponto de vista da subjetividade, entre as mulheres, o ideal do amor romântico é um dos principais fatores de vulnerabilidade à infecção de HIV/Aids.

A olhar a história da humanidade, notamos que sociedade sempre teve necessidade de identificar uma determinada doença como o próprio mal, que torne culpadas as suas vítimas. Assim, tivemos sucessivamente a epilepsia, a lepra, a sífilis, a peste, a cólera, a tuberculose, o câncer, e agora a AIDS. Todas estas doenças se caracterizavam por serem vistas como expressão de uma marca individual, que, em consequência, as estigmatizavam perante a sociedade. O seu portador era visto como culpado e como um indivíduo perigoso, a ser evitado. O caráter de repulsão e de punição é ilustrado de forma quase espetacular nos casos da lepra e da sífilis. Esta talvez mais ainda, por causa da sua dimensão sexual. Em meados do sec. XIX, os tuberculosos eram tratados como verdadeiros párias sociais a serem evitados a todo custo, aos quais se negavam mesmo um aperto de mão, que poderia ser fatal. Chamar alguém de tísico passou a ser um termo pejorativo. O mesmo ocorreu com o câncer no séc. XX. Mas a AIDS banalizou o câncer, tornou-o menos constrangedor, talvez porque sua capacidade de deteriorar, de estigmatizar, é muito maior. O câncer já não tem mais nenhum "significado" particular. É apenas uma doença, mesmo que seja uma doença grave. A AIDS se presta a toda uma genealogia metafórica, que vai desde a invasão devastadora do organismo pelo vírus destruidor, até à imagem da poluição sanguínea ou sexual. A AIDS é assim um significante pesado, congregando em si a herança milenar de diferentes doenças letais, que, ao longo da história, atormentaram a humanidade. É um significante que gera repulsa e afugenta. Um significante de culpa, de vergonha, de punição, de evitação e de morte. E é com esta carga letal que ela se introduziu no nosso universo simbólico.

Todavia podemos nos questionar - qual o resultado de tudo isto para aquele que teve a desdita de tornar-se o suporte encarnado deste significante, de ser por ele representado? Em outras palavras, o que é do aidético? Como vive ele subjetivamente o fato de ser o portador secreto ou público deste significante? Como é ele visto pelos outros e como vive este "dar-se em espetáculo"? Este é o seu drama, que pode ser vivido como uma verdadeira tragédia.

A psicanálise ensina que a imagem do próprio corpo passa necessariamente pela visão do corpo do outro. A identificação primeira à imagem do outro é, a condição fundamental de todo desenvolvimento saudável. A criança começa por ver a imagem especular como um outro eu, duplo do seu próprio corpo. Eu me mostro ao outro, eu vejo o outro, o outro me vê, e é nesta dialética que se estabelecem as relações identificatórias que vão permitir a vida social, as atitudes de complementaridade. É também através desta dialética que se dá o reconhecimento recíproco, estabelecendo limites e possibilitando autonomia com responsabilidade e liberdade. Como se coloca o aidético perante si mesmo e perante o outro? O comprometimento do próprio eu e de sua existência vão afetar a própria significação que o ele dá às coisas e sua própria sociabilidade vê-se empenhada numa luta pelo seu próprio reconhecimento. Diante dessa situação, o que sobra ao aidético para significar seu ser? O significante AIDS o invade, e o tira de uma certa imagem narcísica, trazendo, ao mesmo tempo, uma série de consequências penosas, como efeito deste significante maldito. A doença e seus sintomas passam a ser sua referência identificatória. O sentimento de perda se faz constantemente presente, marcado pela certeza de uma transitoriedade, pela expectativa de escassez de tempo. As coisas perdem significação. A consciência perde sua força em relação ao mundo. Existir passa a ser simplesmente estar aí. Instala-se, mais do que nunca, a angústia de existir, tanto pela alteração radical da significação das coisas, quanto pela perspectiva da morte ao alcance da mão. Os "momentos perfeitos" já não existem mais, nem se permitem ser antecipados. É o tédio, a angústia, o medo das coisas, a depressão, o sentimento de estar sobrando no mundo.

Todo este drama, é literalmente marcado pela dimensão sexual que, de uma forma ou de outra, se outorgou à doença, aumentando ainda mais o valor discriminatório de estigma. O aidético é visto não apenas como uma pessoa que contraiu uma doença fatal. Ele é visto ademais como alguém que transgrediu os limites de uma sexualidade natural. A metáfora da invasão por via sanguínea, mesmo quando ela é dada como certa, não dispensa a metáfora da poluição através da fantasia da promiscuidade sexual ou da perversão. É que a sexualidade banha o nosso próprio ser de humanos, da concepção até à morte. A não se querer ver isto em nós mesmos, basta olhar para a história dos povos, seus costumes, artes, religião, etc. Por estar tão presente em nós mesmos, em todos os nossos atos, e por ser tão enigmática, é que está sempre sujeita a tanta negação. Ao seu aspecto avassalador e insinuante, a sociedade - e a religião em particular - sempre procurou forjar meios para domá-la mais e melhor, mesmo quando uma certa atitude pretensamente libertária pretende impingir a ilusão de que a sexualidade é algo tão natural como o ato de comer ou de dormir. Existe uma dimensão estruturante da sexualidade, que é esquecido em sua especificidade que nos distingue dos animais, já que estes fazem sexo, mas não fazem amor - isto porque os animais têm sexo, mas não têm sexualidade.

5. ATENDIMENTO PSICOLÓGICO E O PAPEL DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE

Segundo Deise Dias de Souza, que publicou um relatório sobre um ano de trabalho em instituições com pacientes de AIDS, essa doença é estigmatizada, e tem peculiaridades que a distinguem de outras doenças graves e letais, como as questões relativas ao sexo e às drogas. A autora relata que nos ambulatórios os pacientes que farão o exame são recebidos pelo serviço de psicologia, enquanto no hospital, o primeiro atendimento é médico. Após a anamnese e os exames de praxe, os pacientes têm acompanhamento psicológico se quiserem. Em caso do paciente estar em hospital geral, o encaminhamento é feito através de interconsulta, dependendo muitas vezes da postura do médico diante dos problemas psicológicos do paciente.

Já em algumas instituições da saúde pública, a permanência do paciente é a menor possível, pois os leitos são poucos e a demanda é grande, não havendo tempo para um acompanhamento psicológico. Parte destas instituições, os pacientes têm acompanhamento psicológico, e quando tem alta, voltam semanalmente para o atendimento psicológico, que nestes casos, visam permitir aos pacientes lidar com as angústias relacionadas com a doença. A ansiedade nesses pacientes constitui, por si mesma, um dos sintomas mais importantes, seja no memento do diagnóstico como ao longo da evolução da doença. Cada distúrbio corporal ou cada nova internação é vivido como um avanço da AIDS e suscitam imediatamente a ansiedade, para após aparecerem outros mecanismos de defesa do ego.

O papel dos profissionais da saúde é importantíssimo, pois muitas coisas podem ser atenuadas e corrigidas pela relação madura e franca entre eles e o enfermo, sendo por isso é necessário uma preparação específica do profissional da saúde, efetuando mudanças na abordagem a pacientes com AIDS, que visem melhorar sua qualidade de vida. É importante ter a visão do tipo de doente internado, quais os objetivos ao lidar com ele e a disponibilidade de tempo para um trabalho tão amplo e individual. Busca-se facilitar o entendimento da situação, propiciar melhor evolução clínica, estimular integração social, bem como desenvolver na equipe a capacidade de reconhecer e lidar com as reações emocionais e os desafios.

Deise registra que o trabalho do psicólogo no hospital, difere do atendimento em consultório, pois em dificuldades derivadas do contexto hospitalar: o atendimento é feito no leito, sem a privacidade desejável, e estão sujeito às mais diversas interrupções. Ao contrário das pratica de consultório, no hospital não é o paciente que procura o psicólogo, é o psicólogo que vai ao paciente oferecer seus serviços. O psicólogo nem sempre consegue fazer seu trabalho de forma coordenada com o médico que o acompanha e com o pessoal de enfermagem. O psicólogo precisa também encarar o fato de que seus serviços não são a razão de ser da internação do paciente e, via de regra, constitui apenas uma demanda secundaria do paciente.

Devido às peculiaridades dos pacientes que apresentam reações emocionais diversas e variadas, entre as quais a depressão e ansiedade e a negação do diagnóstico, o que, pode acarretar ao paciente uma atitude de arrogância, desprezo e indiferença com relação à enfermidade e as recomendações médicas, e até mesmo desenvolver quadros psicóticos. Essas condições reclamam do profissional uma postura atenta para auxiliar o paciente a se reorganizar diante da grave situação pela qual está passando. Para isso, deve centralizar-se no que for mais emergente, possibilitando que o paciente possa reestruturar suas defesas. Escutar o paciente e permitir que ele expresse seus afetos é fundamental, sem perder de vista que seu objetivo é restabelecer suas capacidades interativas.

A história psiquiátrica do paciente e a apresentação de quadro psicopatologias graves durante o tratamento clínico precisa ser levada em conta, pois são tão importantes os fatos que antecedem a eclosão da doença como as reações diante do diagnóstico, relação familiar, doenças anteriores e os aspectos atuais da vida. O paciente deve ser acompanhado em casos de internação e de atendimento ambulatorial. O tratamento medicamentoso, se aliado ao tratamento psicológico, poderá repercutir em uma melhor qualidade de vida dos pacientes infectados, e se o clínico deste paciente acompanhá-lo durante todo o tratamento, este paciente, terá diminuído o seu sentimento de abandono e solidão. Pacientes que tiveram apoio, segundo alguns profissionais entrevistados, tem uma aderência maior ao tratamento, apresentando menor tempo de internação. Ainda que muitos neguem a importância de um acompanhamento psicológico na melhoria do quadro clinico do paciente, essa não é diminuída, mostrando-se importante para que o paciente tenha uma completa aderência ao tratamento. Um trabalho a nível psíquico poderá contribuir para que o paciente lide melhor com a doença, os estigmas atribuídos à doença e a ele, enquanto doente, as perdas e sentimento de culpa, bem como consiga encontrar uma forma mais digna e menos dolorosa de enfrentar a situação. O medo e preconceito são inerentes ao homem e, em crises como estas, é preciso reavaliar tudo de novo, tentando juntar os conhecimentos adquiridos nas lutas "dos outros"; alguns preconceitos podem já ter sido vencidos por esses outros e não podemos lutar contra a AIDS fazendo de conta que não somos medrosos e preconceituosos. A autora ainda pontua que, seria o caso de questionar a necessidade de uma preparação especifica do psicólogo para o trabalho com pacientes com AIDS, pois somos nós que descobrimos, ao encarar a AIDS, mais alguns de nossos limites.
Trabalhando Com Grupos - O trabalho em grupo possibilita que os pacientes possam compartilhar experiências semelhantes, reunir idéias, sentimentos, progressos e vitorias. Permite que os pacientes participem, se sintam apoiados e integrados. O momento do atendimento é, muitas vezes , o único momento onde é possível falar da dor, do sofrimento psíquico a que estão sendo submetidos, da dor, da discriminação, do preconceito, da rejeição, do medo da morte, do problema familiar. Outros profissionais, mesmo bem intencionados, não sabem, muitas vezes, lidar com os conteúdos que fazem emergir os medos tanto dos pacientes, quanto dos próprios profissionais, frente à dura realidade que a AIDS nos mostra. Desta forma, não só o atendimento ao paciente coloca-se como essencial para se propiciar ao sujeito uma melhor adaptação neste momento, como também se faz importante na Preparação da equipe para melhor atender aos casos, lidando também com suas angustias, medos e preconceitos.
Trabalho Em Equipe Interdisciplinar - Os médicos, com frequência, são vistos como relutantes em compartilhar o cuidado do doente com profissionais de outras áreas. Nos hospitais investigados, uma porcentagem dos dados obtidos parece comprovar tal afirmação, embora outra porcentagem não indique que tal comportamento se mantenha. A autora pensa ser necessário especificar sobre a importância do relacionamento com outros profissionais, do ponto de vista do psicológico. Sabendo que o atendimento psicológico não é a razão pela qual o paciente se encontra internado, o psicólogo precisa ter para si que é preciso recorrer ao médico, que é quem vai dizer, com sua autoridade de médico, e com forma própria de fazê-lo, qual é a situação real do paciente. O entrosamento do psicólogo com o assistente social e terapeuta ocupacional, é também necessário, pois o serviço social permite ao psicólogo o conhecimento das condições familiares e dos grupos em que vive o cliente, permitindo maior conhecimento dos fatores que atuam sobre ele. As atividades da terapia ocupacional constituem parte importante no processo do paciente no hospital, pois permitem descargas emocionais, possibilitando diminuição das tensões, trazendo alívio e aumentando a sua autovalorização, dando-lhe a sensação de que é útil, de que ele é merecedor de considerações como os demais. Em sua relação com a fisioterapia, o psicólogo pode se manter a par de cuidados fisioterápicos que poderão resolver muitos problemas de tensão exagerada e necessidade de descargas emocionais. Um trabalho, com a equipe, pode possibilitar aos profissionais, sobretudo aos menos experientes, uma maior adequação de suas condutas, atingindo mais rapidamente o ponto de equilíbrio necessário a uma boa relação com o paciente. Reuniões e discussões em grupo podem levar a uma visão mais global do paciente, do ponto de vista clínico, psíquico e social. As frustrações frequentes no lidar com uma alta incidência de morte, fazem-se acompanhar de desanimo e sentimentos de impotência, em muitos profissionais, movidos pelo desejo de cura. A elaboração do processo possibilita que o profissional possa ultrapassar esta fase, e passe a perceber que diminuir o sofrimento dos pacientes, permanecer ao seu lado é algo de extrema importância e faz parte desse primeiro processo, enquanto a cura ainda não é possível. O profissional também se afeta com os dramas existenciais dos quais participa e em que se envolve, pois coloca todos diante da questão de sua própria morte e daqueles a quem quer bem. Constitui um trabalho difícil, onde há falta de certezas, falta de verdades prontas, de garantias.

6. QUESTÕES ÉTICAS

Segundo o relatório da pesquisa sobre a atuação de psicólogos nos Programas de Prevenção e Tratamento às DSTs e AIDS, que o Conselho Federal de Psicologia publicou em 2009, o principal dilema ético enfrentado pelos profissionais relaciona-se a entrega dos resultados de exames aos familiares, quando o usuário não deseja informar sobre sua doença. Isso acontece quando os usuários abandonam o tratamento e são visitados pela equipe de psicólogo e assistente social, que não sabem como agir na frente da família desse usuário, preocupados com a questão ética do sigilo. Outra situação que envolve um dilema ético – a questão do sigilo versus discussão de caso na equipe, sendo destacada a importância de o psicólogo sensibilizar os outros profissionais da equipe sobre a importância do sigilo. Enfatizam que somente informações relevantes para o trabalho da equipe são reveladas e destacam a necessidade de confiar na ética de todos os profissionais, que devem participar de reuniões permanentes e frequentes.

A importância e o desafio do trabalho em equipe que contribui para uma visão mais integral do paciente, as discussões clínicas são extremamente enriquecedoras para trazer aos outros profissionais os aspectos subjetivos e a complexidade da vida do paciente.

7. ESTUDOS CIENTÍFICOS: BREVE REVISÃO

Alguns trabalhos acadêmicos começam a surgir, apontando a importância do trabalho do psicólogo junto aos pacientes de AIDS, juntamente com os outros profissionais da saúde e junto a eles, a importância da postura ética do profissional. Isso pode ser inferido no trabalho de Torres e Camargo (2008), que relatam que no processo de construção do conhecimento compartilhado, os pacientes utilizam palavras técnicas (carga viral, células CD4+, imunidade etc.) e comparam a doença com o câncer como meio de ancorar o novo conhecimento no conhecimento preexistente. Os pacientes utilizam o processo de objetificação por meio da imagem de soldados em guerra, como forma de concretizar o conhecimento sobre a ação dos antirretrovirais no próprio corpo.

Para as pessoas que vivem com HIV, a representação social da AIDS assume o conteúdo de doença crônica, incurável e ligada à morte, diferenciando a situação de soropositividade assintomática, em que existe a possibilidade de viver sem manifestar a doença mediante o uso da terapia anti retro viral. Entre as maiores dificuldades relatadas pelos participantes foram: efeitos colaterais, rotina dos remédios, problemas de relacionamento com familiares, amigos, comunidade e principalmente com o companheiro ou companheira. Também foi relatado que o início do tratamento é o momento de maior fragilidade do soropositivo. Nesse período o paciente torna-se mais susceptível ao abandono ou desistência do tratamento, situação diferente da pausa no uso da medicação, que não é percebida como um problema ou como a possibilidade de desenvolvimento de um vírus resistente. A esperança de cura permeia a aceitação da medicação antirretroviral, na intenção de controlar a doença numa espera pelo surgimento da vacina.

Já Vanda Nascimento, em sua tese de mestrado discute a questão de contar ou não sobre o diagnóstico de AIDS, já que com os benefícios decorrentes das novas terapias, as pessoas que vivem com HIV/AIDS passaram a ter novas necessidades relacionadas com o desenvolvimento de suas atividades profissionais e a possibilidade de estabelecer vínculos afetivos e sociais. A autora busca entender os sentidos da revelação (ou não) do diagnóstico pelas pessoas com HIV/AIDS. Partindo do enquadre do Construcionismo Social, foram coletados os dados de cinco grupos abertos com pessoas com HIV/AIDS, em tratamento em um Serviço de Saúde especializado. No estudo o tema da revelação do diagnóstico mostrou-se cercado de ambivalências que vêm sendo amplamente discutidas na literatura, no cotidiano dos profissionais de saúde e das pessoas vivendo com HIV/AIDS. A problemática da revelação situa-se, sobretudo, no campo das relações cotidianas e remete ao jogo de posicionamentos que pautam as identidades sociais. As pessoas falam do lugar de quem vive com HIV/AIDS, mas esse lugar é distinto dependendo do que se queira argumentar perante os diferentes interlocutores que são chamados a serem coparticipantes no diálogo. Os sentidos possíveis para a revelação (ou não) emergem no confronto com várias questões: o que se revela; porque se revela (ou não); para quem se revela (ou não); a não revelação como um direito à vida privada e como direito civil; os remédios e as mudanças no corpo como reveladores do diagnóstico. Nas posições de quem revela e de quem não revela busca-se demarcar as posições das pessoas do convívio familiar, social, profissional e do fórum íntimo para se preservarem de possíveis discriminações. A não revelação é fortemente marcada pelo estigma da epidemia. Nascimento conclui que o diagnóstico e sua revelação têm importantes repercussões psicossociais para quem vive com HIV/AIDS que não podem ser banalizadas.

Ludwig et. al (2005) fala sobre a Bioética, que trata de uma ética da vida e para a vida, entendida como uma ponte entre as ciências e a humanidade, uma construção entre pessoas, profissionais da saúde e demais áreas que atuem direta ou indiretamente com o humano. A Bioética tem características de multidisciplinaridade por estar composta por profissionais de todas as áreas, interdisciplinar porque propõe o dialogo entre as disciplinas e transdisciplinar porque transcende cada especialidade, criando um saber comum entre as áreas, no benefício das pessoas e na resolução de dilemas éticos. Em Psicologia, existe a noção errônea de que a intervenção feita junto ao paciente não é invasiva, por se dar através da fala. Porém, não podemos esquecer que as intervenções, mesmo no âmbito psíquico, vão mobilizar conteúdos aos quais a pessoa talvez ainda não esteja disposta a contatar. O respeito ao ser humano é o ponto central das discussões entre Bioética e Psicologia. A psicologia se utiliza da apresentação e discussão de casos clínicos tanto para o ensino quanto para a pesquisa. Isso é importante especialmente para os alunos que ainda não puderam entrar em contato com os pacientes, porém, algumas questões éticas aparecem quando é sabido que raros são os profissionais que usam o consentimento do paciente em tratamento para divulgar seus dados. A pesquisa em psicologia vem se desenvolvendo e com isso a necessidade de compromisso com os dados do sujeito entrevistado. São muitas as questões levantadas, como por exemplo, o que fazer diante de do resultado de pesquisa, obtida em sigilo, que revele que o sujeito possa vir a causar risco aos demais, como no caso da transmissão da AIDS? O que fazer se no serviço de controle do HIV, o paciente nega ter atividade sexual, mas em psicoterapia afirma à psicóloga ter vida sexual sem proteção? Por todas essas razões a psicologia é uma área de estudos que não pode estar excluída das discussões sobre Bioética e o seu trabalho em conjunto com os demais profissionais da saúde.

8. REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA A PRÁTICA DO PSICÓLOGO NOS PROGRAMAS DST/AIDS EM PARCERIA COM OS DEMAIS PROFISSIONAIS DA SAÚDE

O Conselho Federal de Psicologia produziu um documento de referenciadas técnicas para atuação do psicólogo em políticas públicas em serviços de DST/AIDS. Tal documento tem como escopo ser tomado como uma referência sólida e cuidadosa a fim de fortalecer as discussões e as experiências práticas da Psicologia brasileira no âmbito dessa temática tão delicada.

Tendo como conceitos centrais os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS de universalidade, integralidade, equidade, descentralização e participação da comunidade na gestão do SUS, compreendendo os pacientes das PVHA como sujeitos de direitos). A ressignificação da relação entre profissionais e usuários dos serviços, incorporada à política de humanização do SUS é entendida como uma construção coletiva de trocas solidárias comprometidas com a produção da saúde e deve aumentar o grau de co-responsabilidade dos diferentes atores, indicando uma mudança na cultura da atenção ao usuário e na gestão dos processos de trabalho. A noção de integralidade propõe inicialmente a superação da cisão entre ações curativas, assumindo significados relacionados ao atendimento centrado na pessoa e em suas necessidades. A vulnerabilidade do paciente passou a ser importante na definição de ações no campo da AIDS. Esse documento se organiza em torno de 4 eixos: dimensão ético-política do atendimento a pessoas com DST, HIV e AIDS, a Psicologia e o campo de DST/AIDS, atuação do (a) psicólogo (a) em DST/AIDS e gestão do trabalho nos Programas de DST e AIDS.

No eixo 1, são destacados alguns aspectos das políticas públicas do atendimento à pessoa com DST, HIV e AIDS, para nortear a discussão e a reflexão das referências técnicas. Políticas públicas são aqui entendidas como ações do governo, definidas, de preferência, com ampla participação, voltadas para atender as necessidades da população. Na sua criação, em 1985, antes mesmo da promulgação da Constituição, o Programa Nacional de DST e AIDS (PNDST/AIDS) já demonstrava avanços no sentido de garantir os direitos dos cidadãos. A Política Nacional proposta fundamentou suas ações em algumas diretrizes e princípios básicos relacionados à Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, que foram incorporados na Constituição Federal para a garantia da saúde como um direito fundamental. Com a criação do Sistema Único de Saúde (Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/1990), é firmado o compromisso de cumprir os objetivos de promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços com base nos princípios de universalidade, descentralização, integralidade, equidade e do controle social com a participação da comunidade (Lei nº 8.142/1990). Diante desse contexto, o PNDST/AIDS tem como desafio a implementação dos princípios do SUS em todas as suas ações. O acesso gratuito e universal e a integralidade da atenção são os esteios da política adotada para a AIDS. É com essa concepção que as ações de combate à AIDS foram estruturadas.

Diante desse contexto, o PNDST/AIDS tem como desafio a implementação dos princípios do SUS em todas as suas ações. Os psicólogos têm um importante papel na elaboração, execução e avaliação das ações oriundas das diretrizes dos programas dos governos federal, estadual e municipal voltadas para a saúde das populações, pautadas não somente nos aspectos técnicos e científicos da profissão, mas também em princípios ético-políticos que visem a garantir a atenção à saúde de todos, principalmente em relação às populações mais vulneráveis.

O eixo 2 do documento, que versa sobre a psicologia e o campo de DST/AIDS, diz que é necessário ter como um dos parâmetros para o trabalho do psicólogo, o fato de que o Programa Nacional de DST e AIDS se insere nos princípios do SUS de integralidade, igualdade, regionalização e equidade. É necessário efetivar o trabalho em equipe multi e interdisciplinar desde o processo de formação profissional e estabelecer estratégias de aprendizagem que favoreçam o diálogo, a troca, a transdisciplinaridade entre os distintos saberes formais e não formais que contribuam para as ações de promoção da saúde, tanto no âmbito individual como no âmbito coletivo. A saúde demanda um projeto social com as dimensões econômica, política, social, médica e psicológica. É essa perspectiva integrativa e plural que permite falar da Psicologia na saúde. À Psicologia cabe o papel de facilitadora do desenvolvimento desse projeto individual e coletivo, que possibilite saúde e qualidade de vida aos cidadãos. Promover saúde e cidadania é um processo que capacita a população a ter controle e a desenvolver sua própria qualidade de vida, estando assim relacionada com a subjetividade individual e social expressas no desenvolvimento da consciência individual e do grupo, o que requer que a informação esteja disponível a todos, seguida de reflexão e organização. A possibilidade de exercer controle social sobre as políticas públicas e sociais dependem de participação pública e concreta de todos os atores envolvidos. O trabalho do psicólogo deve promover a capacidade de intervenção transformadora pessoal e coletiva dos homens e das mulheres em seu cotidiano, sendo para isso necessário considerar o contexto sócio histórico, pois o desenvolvimento humano é um processo dialético e histórico que se expressa no protagonismo de cada um. Tendo como referência o sistema de saúde brasileiro, faz-se necessário decidir quais serão as áreas prioritárias e as demandas da população. A epidemiologia fornece parâmetros para a interpretação de dados e para a divulgação, promoção e prevenção de saúde, facilitando a inserção de uma ação específica e a definição das prioridades no contexto geral. A psicologia hospitalar tem a função de ser a facilitadora do protagonismo do usuário na manutenção e ou restabelecimento das suas condições de saúde. O foco de sua atenção é a cura e a reabilitação, mais do que a prevenção e a promoção de saúde. Em uma instituição hospitalar o psicólogo depara-se com problemas e limites à saúde particular do usuário que condicionam seu trabalho, fazendo-se necessário integrar a assistência e pesquisa na prática profissional na área de AIDS. Em sua prática profissional, o psicólogo vai auxiliar no processo de recriar sentidos e refazer projetos de vida, o que permitirá a apropriação da subjetividade individual e social, possibilitando o controle social da saúde e a participação ativa de cada pessoa no seu processo de saúde e doença. Para isso é necessário mudar o modelo de intervenção do método clínico clássico para práticas transformadoras, sendo também importante trabalhar com o conceito de vulnerabilidade. Não se tem grupos de risco, mas comportamentos e situações de risco e vulnerabilidade, que podem ser praticados por qualquer pessoa. O grande desafio para o trabalho do psicólogo junto às pessoas soropositivas é desenvolver práticas que ao mesmo tempo possibilitem ao usuário se apropriar de seu processo e inserir o tratamento no seu cotidiano, promovendo mudanças de atitudes e comportamento nos três níveis sexuais: cultural, interpessoal e intrapsíquico. O psicólogo deve estar à disposição de uma população sem voz, e também de profissionais em formação, oportunizando a construção de um saber ainda em sistematização, que permita ter um novo enfoque sem desprezar o caminho já percorrido, indo da tradição à inovação, reconhecendo as diferenças, ampliando o discurso-ação-reflexão, se propondo a uma nova prática. Tudo isso se estrutura em torno da exigência de uma formação básica e permanente das equipes de saúde mental – trabalho em equipe na assistência à saúde e espaço para reflexão em grupo, em horário diferente do trabalho de assistência – esse espaço se constituirá em supervisões da prática e do programa de assistência. Cabe ainda lembrar a importância do acompanhamento dos profissionais na prática cotidiana, que envolve suporte pessoa e autoconhecimento – cuidar do cuidador. Outro ponto importante é a capacitação teórico-prática, base para se formar e reciclar os profissionais e equipes de saúde. Definir que informações e habilidades precisam ser trabalhadas, informações sobre saúde em geral, especialmente sobre o SUS; informações especificas da área DST/AIDS como formas de infecção e prevenção, protocolos de assistência multiprofissional nos três níveis, autocuidado, adesão ao tratamento, etc.; informações especificas relacionando DST/AIDS e saúde mental: relacionamentos afetivos e sociais, aspectos neuropsiquiátricos, levando-se em conta que os infectados pelo vírus HIV apresentam alterações psíquicas que ocorrem com muito mais frequência que a população geral; domínio de habilidades técnicas , como por exemplo, o acolhimento individual, familiar e grupal, grupos de sala de espera e adesão, etc. O psicólogo, para realizar esse trabalho, precisa ter uma atitude de compreensão e de acolhimento, suspendendo julgamentos de qualquer natureza, atitude de disponibilidade e calor afetivo, de percepção. Em uma relação dialógica fica favorecida a troca e a construção conjunta de protagonismo e cidadania e a promoção de saúde e qualidade de vida. Outro foco na formação do psicólogo é o acompanhamento programático, que consiste na implementação e na avaliação e monitoramento das ações de assistência em AIDS, que exigem que o profissional tenha criatividade para fazer as adaptações necessárias de acordo com as demandas dos usuários. É ainda imprescindível o registro e a avaliação sistemática da atividade de forma a obter indicadores da adequação da mesma às demandas do usuário e das condições de adesão ao tratamento. Ao cuidar de pessoa que vivem com AIDS, e seus sofrimentos psíquicos, o psicólogo é levado a fazer vários questionamentos sobre as escolhas que são feitas na vida. Assim, o espaço de supervisão e acompanhamento devem permitir um acolhimento para essas angústias e questionamentos.

O eixo 3 trata da atuação do psicólogo em programas de DST/AIDS. O Programa Nacional de DST e AIDS é anterior ao SUS, e sua execução foi vitoriosa, inclusive ao incluir a dimensão subjetiva entre as preocupações no atendimento ao portador ou ao doente de AIDS. Esse eixo apresenta uma tentativa de sistematização do psicólogo no âmbito das DST/AIDS, contextualizando a prática do profissional com os princípios do SUS. Como já foi dito as ações que são comuns à equipe se inserem no paradigma da prevenção e da promoção da saúde, e estas constituem campo de atuação de todos os indivíduos envolvidos com as questões da saúde. Comumente, o psicólogo reconhece como seu núcleo de atuação a psicoterapia, a avaliação psicológica e os grupos terapêuticos. Esse tipo de leitura de sua atuação muitas vezes faz o psicólogo ter dificuldades em encontrar seu papel quando lhe é requisitado planejar um treinamento ou dirigir uma ação extramuros, ou seja, sua ação deve estar vinculada à noção de clínica ampliada. Outro conceito que deve nortear a ação do psicólogo é o de vulnerabilidade ao vírus HIV ou a qualquer DST, não só pela vulnerabilidade social que desfavorece em maior ou menor grau o indivíduo em análise, mas também pela vulnerabilidade a transtornos emocionais ou desordens emocionais, já que a presença do vírus é um preditor para essa vulnerabilidade. A forma como o sujeito reage a essa condição de portador determina maior ou menor vulnerabilidade a instabilidades emocionais. A forma de reação não é apenas individual, é também coletiva, tanto social como institucional. A prevenção deve constituir um processo de emancipação psicossexual, deve favorecer a possibilidade de o indivíduo fazer escolhas. A promoção de saúde vai possibilitar a atuação do indivíduo ou grupo no sentido da melhoria de sua qualidade de vida, minimizando os fatores de risco e potencializando os fatores de proteção. Pouco se discute acerca do papel dos psicólogos na prevenção de saúde emocional ou mental. Uma intervenção junto a um grupo de cuidadores, como família e pessoas do círculo social do usuário em fase terminal pode ser uma ação de prevenção de saúde emocional ou mental para o grupo em questão. A prevenção pode ser dividida em três níveis de intervenção: primária, secundária e terciária. A prevenção primária tem por objetivo a promoção de saúde e pode ser concretizada através de ações na comunidade como palestras, oficinas e treinamentos; aconselhamento pré e pós teste e no aconselhamento coletivo. A prevenção secundária tem por objetivo impedir o avanço de uma doença instalada e pode ser feita através da escuta psicológica e do aconselhamento individual e monitoramento da condição subjetiva. A prevenção terciária busca evitar ou reduzir a invalidez total ou parcial, após a doença ter sido curada com sequelas ou ter sido cronificada, caso da AIDS, e pode ser realizada através de intervenções na comunidade para enfrentamento do preconceito e discriminação; pela reabilitação psicossocial com reinserção no mercado ou na comunidade; pelo atendimento à família e comunicantes e pela construção de rede de apoio social. A promoção de saúde se dá por meio de ações não específicas, dirigidas à coletividade, e são voltadas para a integralidade da saúde, e para a conscientização da comunidade da importância de sua participação na gestão e na mudança de comportamento. Completando o tripé com a prevenção e a promoção, tem-se a assistência.

A assistência inclui o acompanhamento terapêutico e a reabilitação. A assistência psicológica é o núcleo do psicólogo, porém todos os profissionais têm como meta reinserir o usuário na rede social e ou no mercado de trabalho. O SUS oferece princípios doutrinários e organizativos que devem ser conhecidos pelo profissional da psicologia. Entre os princípios organizativos estão a regionalização e a hierarquização dos serviços.

A hierarquização significa que a assistência será organizada em níveis crescentes de complexidade que vão da atenção básica até a alta complexidade. A atenção básica é a porta de entrada do SUS, é a principal provedora de cuidados da atenção aos cidadãos e mantém as características de sua organização- alta cobertura, profissionais generalistas, agentes comunitários de saúde e é responsável pela resolução de 80% dos problemas de saúde da comunidade. As necessidades de saúde que não podem ser resolvidas no nível da atenção básica são encaminhadas à atenção especializada, no nível de média complexidade.

Os serviços de alta complexidade estão no mais alto nível de recursos tecnológicos para o atendimento à necessidade de saúde do usuário, como por exemplo, no serviço de transplante de órgãos ou UTI. Na atenção básica, a prevenção recebe uma atenção especial – aqui percebe-se a necessidade do profissional de psicologia contribuir para a capacitação e o treinamento de equipes básicas de saúde, inclusive dos agentes comunitários de saúde, garantindo à população: a qualidade de acolhimento; ações de educação em saúde para DST/AIDS em sala de espera; aconselhamento; comunicação dos parceiros sexuais e formas de utilização dos insumos de prevenção. Todas essas ações não são privativas de nenhum profissional, entendidas como campo de ação inter e multidisciplinar, sendo responsabilidade de todos os profissionais se saúde envolvidos no serviço.

Muitas dessas ações dependem do respeito e da valorização da dimensão subjetiva. O aconselhamento difere da psicoterapia em profundidade e objetivos: é uma abordagem baseada na escuta ativa, na troca, que visa orientar os indivíduos sobre DST/AIDS, em relação a avaliação de seus próprios riscos; dificuldades enfrentadas e adoção de medidas preventivas. Os psicólogos do Serviço de Referência em DST/AIDS devem atentar para a construção da rede de acolhimento e acompanhamento dentro do SUS, e devem propor intervenções que venham a contribuir para as ações na atenção básica. Recentemente o Ministério da Saúde, criou os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), e recomenda que pelo menos um dos componentes seja profissional da saúde mental, para ampliar a qualidade e o acesso de atenção e prevenção e redução da discriminação e do preconceito, para o fortalecimento dos direitos humanos relacionados à epidemia de HIV/AIDS e outras DST e para o aumento da efetividade das ações.

Em função da hierarquização, os atendimentos especializados em DST/AIDS estão disponíveis apenas em municípios maiores e disso decorre que os seus usuários são provenientes não só dessas cidades como também de outras. Esse dado deve ser levado em conta na elaboração do Plano Terapêutico Individual, pois aqui, na atenção especializada, o foco é o diagnóstico, a assistência, o acompanhamento e a reabilitação, onde uma atenção maior deve ser destinada à adesão ao tratamento. A adesão é extremamente complexa nesse campo pelo fato de ser necessário o uso de preservativo em todas as relações sexuais; pelo vínculo com o serviço ser contínuo e por toda a vida; pelo fato da terapia medicamentosa provocar frequentemente efeitos colaterais importantes e por surgirem questões ligadas a estigma e preconceito. A introdução dos medicamentos antirretrovirais marca, em muitos casos, a instalação da doença, ou seja, a mudança da condição de portador do HIV para doente de AIDS. Além disso, qualquer interrupção no tratamento pode ter consequências adversas severas.

Algumas das principais intervenções do psicólogo na atenção secundaria são: grupos operativos; escuta psicológica; acompanhamento terapêutico; avaliação psicodiagnóstico; assistência domiciliar terapêutica; participação no Plano Terapêutico Individual; assistência em cuidados paliativos. Espera-se que haja integração com outras áreas da saúde, destacando-se os Programas de Atenção Básica, Saúde da Mulher, Saúde Mental, Saúde da Família, etc, o que propicia a visão multissetorial. A atenção terciaria é definida como um conjunto de serviços que exigem ambiente de internação com tecnologia avançada e pessoal especializado.

A assistência psicológica envolve o acompanhamento em UTIs e pronto atendimento. São ambientes de decisões difíceis, em que estão implicadas pessoas com risco de vida. Observa-se, porém, que níveis de tensão controlados de alguma forma são necessários à manutenção do equilíbrio e do funcionamento psíquico. O atendimento às pessoas com AIDS não difere da assistência oferecida às demais pessoas internadas, no entanto, quando o psicólogo que acompanha o usuário se dispõe a assisti-lo na UTI, com certeza, a natureza do vínculo pré-existente determina melhor qualidade na relação. Vale ressaltar que grande parte das falhas no tratamento se devem à não-adesão adequada ao tratamento, mas que independentemente de qual tenha sido o fator desencadeante dessa falha, a pessoa encontra-se num momento de grande vulnerabilidade física e emocional e demanda uma assistência mais intensa por parte de toda equipe, inclusive do psicólogo.

As pessoas que vivem com HIV e AIDS estão sujeitas a algumas vulnerabilidades especificas. Uma delas são os direitos sexuais e reprodutivos. No sistema de saúde brasileiro, não há um programa específico para abordar as questões de saúde reprodutiva e de saúde sexual. Como a transmissão mais comum do HIV é por via sexual, a incorporação dessa temática nos serviços é obrigatória, e, com ela, a possibilidade de detecção de disfunções sexuais por parte dos usuários. O psicólogo deve estar preparado para responder à demanda originada por essas queixas, e responder com esclarecimentos relativos à educação sexual e direitos sexuais e reprodutivos, o que muitas vezes chega a ser parte significativa no total de suas ações. É comum que os psicólogos que atuam nos Centros de Referência de DST/AIDS sejam os que mais frequentemente recebam os casos de vítimas de violência sexual para acompanhamento psicológico, e muitas vezes acompanha o processo de decisão pelo aborto e que presta acompanhamento pós aborto. Uma norma técnica do Ministério da Saúde, de 1988, preconiza a garantia de atendimento psicológico durante e após a interrupção da gravidez ou, se for o caso, durante o pré-natal. Se não houver serviço específico para este tipo de caso na cidade, é dever do profissional de Psicologia receber o usuário em tal situação para o acompanhamento necessário. Outro aspecto de vulnerabilidade é o fato de que grande parte das mulheres atingidas pela AIDS estar em idade reprodutiva. Em função disso, o Programa Nacional de AIDS desenvolveu estratégias como o aconselhamento individual e coletivo, nos serviços de saúde que prestam atendimento à mulher, notadamente, os serviços de planejamento familiar, pré-natal e atendimento ginecológico, centros de testagem anti-HIV e aconselhamento em maternidades.

Novos estudos sugerem que as mulheres apresentam maior risco de progressão sintomática da doença, mas pouquíssimos estudos sobre o efeito dos medicamentos no corpo feminino têm sido feitos. A vinculação entre sexualidade feminina e risco está incorporada ao universo da mulher: risco de estupro, parto, violência sexual, gravidez, aborto. Risco de DST é mais um. Ao não tratar a mulher devidamente, a prática mantém a cadeia de transmissão, violando o direito dessa mulher à informação sobre formas de evitar novas infecções e à necessidade de estabelecer com seu parceiro uma prática sexual segura.

As DSTs são um co-fator importante na transmissão e no controle da infecção de pelo HIV, além de poder levar à infertilidade, às doenças neonatais e infantis, ao câncer e outras. A recomendação médica geralmente é ima medicação e abstinência sexual por um período, sem maiores esclarecimentos ou orientação quanto à prevenção. Nesse processo sexualidade e reprodução são confundidas e reduzidas a questões técnicas do modelo médico. Porém, as práticas de saúde só são eficazes quanto articuladas aos diferentes níveis da vida social.

A literatura indica que a informação completa e o apoio para que cada um decida como encaminhar a vida nunca aumentam comportamentos pouco saudáveis, antes estimulam decisões bem pensadas e sexo protegido. A gravidez de mulheres soropositivas reveste-se de dupla criminalização – legal e social. A mulher infectada, em geral, não pode optar pela interrupção da gravidez, pois é ilegal, porém, ela é considerada irresponsável pela sociedade. Parte da população feminina tem diagnóstico do HIV durante o pré-natal, por vezes, a testagem ocorre sem prévio aconselhamento, como medida preventiva para o bebê. Desconsidera-se que a mãe também merece orientação e cuidado adequados não só médico, mas psicológico, social e legal, já que um dos problemas mais visíveis tem sido a orfandade decorrente da morte da mãe. A intervenção adequada deve oferecer aconselhamento para as mulheres HIV positivas ou negativas, sobre as alternativas mais seguras de engravidar. O Programa Nacional de DST/AIDS tem se preocupado também em aperfeiçoar o atendimento a adolescentes vivendo com HIV/AIDS e em promover a integração social desse grupo, com ações como priorizar o acesso ao preservativo nos serviços de saúde; criação de espaços coletivos de interlocução para tratar de temáticas como sexualidade, saúde reprodutiva, acesso e permanência na escola, troca de vivencias e percepções. A maioria dos adolescentes que vivem em instituições de apoio, tem expectativa de viver com mais autonomia e em ambiente familiar. A revelação do diagnóstico é uma grande dificuldade para profissionais de saúde e familiares, muitos adolescentes têm tomado conhecimento do diagnostico durante a internação. A estrutura dos serviços é inadequada e pouco voltada para os adolescentes. Falta articulação dos serviços especializados de AIDS e serviços de saúde do adolescente.

Pesquisadores indicam que os adolescentes reconhecem nos profissionais de saúde um bom acolhimento individual, mas apontam a necessidade de serem atendidos por diferentes profissionais como psicólogos e assistentes sociais. A discriminação traz a essa população o receio de revelar seu estado sorológico a amigos, por receio de isolamento e discriminação na escola.

O psicólogo, na abordagem ao adolescente soropositivo, deve dar um bom suporte psicológico à revelação diagnostica; favorecer o envolvimento dele na construção de seu plano de tratamento; promover a criação de grupos de adolescentes atendidos; esclarecer sobre a possibilidade de efeitos colaterais e como agir; estimular a participação e apoio à família; criar espaço para a educação sexual e construção de um projeto de vida com inclusão social que garanta ao adolescente integralidade na assistência. Principalmente a postura profissional não deve se pautar em estereótipos e preconceito sobre a adolescência, resgatando a visão de que esse é um período de grandes oportunidades. A escola é outro campo importante de trabalho, no qual a intervenção mais comum é a ação educativa coletiva. As palestras são bem recebidas, sendo que devem ter entre 20 e 30 participantes para que se alcance um melhor aproveitamento.

O eixo 4 trata da gestão do trabalho nos programas DST/AIDS, fala sobre a incorporação dos princípios do SUS na prática cotidiana- integralidade, trabalho em equipe e incentivo à participação da comunidade. Ficam evidentes os esforços dos profissionais para ampliar a noção de saúde, e promover a articulação entre a saúde e os outros campos de saber, com a educação – são projetos que buscam envolver escolas, presídios, comunidade, orientados pelo pressuposto de que a promoção da saúde é responsabilidade de todos. Esse trabalho nem sempre é fácil, já que há muitas resistências por parte dos outros profissionais envolvidos. A importância do trabalho em equipe aparece tanto nas ações de prevenção como de tratamento, e há o reconhecimento, de que a integração da equipe é necessária, bem como a leitura de que a existência de uma rede de apoio para encaminhamento é fundamenta para que o trabalho possa atender as demandas da população atendida. De maneira geral, a participação da população é considerada em termos de estratégias de inclusão em atividades de promoção de saúde, mas há outras possibilidades de ação que podem ser incentivados.

O documento de Referências Técnicas ainda ressalta que o desafio mais premente para a atuação do psicólogo, diz respeito a superação das limitações na formação em Psicologia, que não habilita os profissionais a lidarem com as demandas encontradas no cotidiano profissional. Outro aspecto a ser enfrentado é a necessidade da inclusão de discussões sobre questões políticas e sociais, como a dificuldade de alguns usuários em aderir ao tratamento, a sustentabilidade das ONGs e do controle social.

O Ministério da Saúde, com o objetivo de divulgar o resultado de uma ação conjunta da Coordenação Geral de Saúde Mental e do Programa Nacional de DST e AIDS , no sentido de gerar novos conhecimentos, buscando promover uma política cientifica e tecnológica integradora e abrangente, capaz de inovar e produzir resultados compatíveis com as crescentes demandas que vem sendo colocadas por esses novos paradigmas, publicou em 2008 o texto “PREVENÇÃO E ATENÇÃO ÀS DST/AIDS NA SAÚDE MENTAL NO BRASIL:

ANÁLISES, DESAFIOS E PERSPECTIVAS”.

Com essa perspectiva, a prevenção e atenção as DST e ao HIV/AIDS nos serviços de saúde mental coloca em evidência a necessidade de novas abordagens da sexualidade e o sofrimento mental. Com este novo olhar, a sexualidade deixa de ser vista como sintoma, para ser encarada como algo saudável e desejável, em uma perspectiva de qualidade de vida e direitos humanos capaz de reconhecer e aceitar a diversidade, e não como mais um fator de discriminação e exclusão. Esta visão integradora possibilita uma reflexão sobre a qualidade da atenção e sobre o enfrentamento de questões relativas a discriminação e ao estigma que permeiam a vida social e familiar, além do tratamento. Coloca também em evidencia a necessidade urgente de um novo olhar em relação as DST, ainda negligenciadas em nosso país.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atuação do psicólogo juntamente com os outros profissionais da saúde na prevenção e atenção as DST e ao HIV/AIDS nos serviços de saúde mental coloca em evidência a necessidade de um novo paradigma, em uma perspectiva de qualidade de vida e direitos humanos. Esse posicionamento envolve também a capacidade de reconhecer e aceitar a diversidade, não como mais um fator de discriminação e exclusão. O agir ético dos profissionais envolvidos deve se apropriar desta visão integradora, a qual possibilita uma reflexão sobre a qualidade da atenção e sobre o enfrentamento de questões relativas à discriminação e ao estigma que permeiam a vida social e familiar, além do tratamento.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Prática profissional dos (as) no Campo da DST/AIDS. Brasília CFP, 2009. Disponível em: http://crepop.pol.org.br/novo/wp-content/uploads/2010/11/livro_web3_FINAL2.pdf acesso em 05/04/2012.

DIAS, E. C. Entre o Desejo e o Risco: O que a psicanálise tem a dizer sobre a vulnerabilidade feminina à infecção pelo HIV/AIDS. Revista eletrônica da CLIPP- Clinica Lacaniana de Atendimento e Pesquisas em Psicanálise. Disponível em: http://www.clipp.org.br/artigos_conteudo.asp?id_artigos=101&iframe=artigos_int&assunto=Artigos&icoimpressao=ok. acesso em 26/04/2012.

Guia Médico da Família, revisão médica Albert Einstein vol 5.

GONÇALVES, H. E. ET AL. Ética e desconstrução do preconceito: doença e

poluição no imaginário social sobre o HIV/Aids. Rev. bioét (Impr.) 2011; 19(1): 159 – 78. Disponível em: http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/viewFile/613/630. Acesso em 10/05/2012

LUDWIG, M. W. B. ET AL. Dilemas éticos em Psicologia: Psicoterapia e Pesquisa. Revista eletrônica da Sociedade Rio-Grandense de Bioética, n.1,v.1, outubro 2005 Disponível em: http://sorbi.org.br/revista1/bioetica-e-psicosorbi.pdf. Acesso em 10/04/2012

NACIMENTO, V. L. V. Do Contar ou Não Contar: a revelação do diagnóstico pelas pessoas com HIV/AIDS. Dissertação de Mestrado apresentado à PUC/São Paulo 2002. Disponível em: http://www.pucsp.br/pos/pssocial/pso/nucleos/npdps/arquivos/Vanda.pdf. acesso em: 03/04/2012.

Prevenção e Atenção as ISTaids na Saúde Mental no Brasil: Análises, Desafios e Perpectivas/ Ministério da Saúde, Programa Nacional de DST e Aids Brasília: Ministério da Saúde 2008. 252 p. : Il – (serie B. Textos Básicos de Saúde) (serie Pesquisas, Estudos e Avaliação n. 11) Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_atencao_aids_saude_mental.pdf. Acesso em 17/04/212.

REFERÊNCIAS TÉCNICAS PARA A PRÁTICA DO PSICÓLOGO (A) Nos PROGRAMAS DE DST E AIDS. Disponível em: http:crepop.pol.org.br/novo/wp-content/uploads/2010/11/DST_AIDS.pdf- acesso em 06/03/2012

SOUZA, D. D. O Paciente de AIDS no contexto da Ajuda Psicológica. Julho de 2007. disponível:http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/item.php?itemid=585. Acesso em 10/04/2012

TORRES, T. L.; CAMARGO, B. V. Representações Sociais da Aids e da Terapia anti - retroviral para pessoas vivendo com HIV. Psicol. teor. Prat., São Paulo, v. 10, n. 1 julho de 2008. Disponível em:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872008000100006&ing=pt&nrm=iso. Acessos em 10 abr. 2012.


Publicado por: Glaucia Franco

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