Complicações neurológicas relacionadas a COVID-19

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O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

1. RESUMO

A COVID-19 trata-se de uma infecção aguda respiratória causada pelo betacoronavírus SARS-CoV-2, o sétimo coronavírus com potencial de infecção em humanos. As primeiras manifestações acontecem nos pulmões e podem variar da ausência de sintomas, a um simples resfriado e até um desconforto respiratório fatal. No entanto, com o passar dos meses e o avanço científico acerca dos eventos sistêmicos da doença, foi observado que os coronavírus possuem propriedades neuroinvasivas e neurotrópicas e podem causar complicações neurológicas severas, como encefalite, Esclerose Múltipla, doença de Parkinson e até Síndrome de Guillain-Barré. Ainda assim, as informações ainda não possuem um consenso, dificultando a objetividade da investigação. OBJETIVO: Este projeto tem como objetivo registrar as alterações neurológicas decorrentes da infecção pelo vírus SARS-CoV-2 presentes na literatura, enfatizando o período pós-COVID e excluindo doenças neurológicas pré-existentes, e listá-las de forma que a experiência de compreensão do leitor seja clara e objetiva. Além de relacionar o grau do acometimento às complicações. METODOLOGIA: Será conduzida uma revisão da literatura do tipo narrativa cujas bases de dados eletrônicos utilizadas serão PubMed, MEDLINE e Google Acadêmico. Os critérios de inclusão serão artigos que relacionem alterações neurológicas à COVID-19, não havendo doenças neurológicas pré-existentes.

PALAVRAS-CHAVE: COVID-19; Coronavírus; Fisioterapia; Disfunções Neurológicas.

ABSTRACT

INTRODUCTION: COVID-19 is an acute respiratory infection caused by the beta-coronavirus SARS-CoV-2, the seventh coronavirus with potential for infection in humans. The first manifestations happen in the lungs and can vary from the absence of symptoms to a simple cold and even a fatal respiratory discomfort. However, over the months and scientific advances regarding the systemic events of the disease, it was observed that coronaviruses have neuroinvasive and neurotropic properties and can cause severe neurological complications, such as encephalitis, Multiple Sclerosis, Parkinson's disease and even Guillain Syndrome -Barré. Even so, the information does not yet have a consensus, making the investigation more objective. OBJECTIVE: This project aims to record the neurological changes resulting from the SARS-CoV-2 virus infection present in the literature, emphasizing the post-COVID period and excluding pre-existing neurological diseases, and listing them in a way that the reader's understanding experience be clear and objective. In addition to relating the degree of involvement to complications. METHODOLOGY: A narrative literature review will be conducted, whose electronic databases used will be PubMed, MEDLINE and Google Scholar. Inclusion criteria will be articles that relate neurological disorders to COVID-19, with no pre-existing neurological diseases.

KEY WORDS: COVID-19; Coronavirus; Physiotherapy; Neurological Dysfunctions.

2. INTRODUÇÃO

A COVID-19 é uma infecção respiratória aguda provocada por um betacoronavírus denominado SARS-CoV-2. Potencialmente grave, de transmissibilidade alta e distribuição global, este é o sétimo coronavírus com potencial de infecção em humanos (Ministério da Saúde, 2021). Encontrado pela primeira vez em dezembro de 2019, em Wuhan, na China, este é um dos vírus mais infecciosos enfrentados pela humanidade, e se tornou responsável pela pandemia que atinge todos os países do mundo (YONG, 2021; PUCCIONI-SOHLER et al., 2020).

Embora a maioria dos pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 sejam assintomáticos ou desenvolvam sintomas leves e moderados, outros pacientes desenvolvem pneumonia e dispneia grave, necessitando de cuidados intensivos (DE FELICE et al., 2020). Entretanto, com o passar dos meses e o avanço científico, foi observado que os coronavírus possuem propriedades neuroinvasivas e neurotrópicas e podem causar complicações neurológicas severas, como encefalite e síndrome de Guillain-Barré, além da doença de Parkinson e da Esclerose Múltipla (PUCCIONI-SOHLER et al., 2020; GOUVEA et al., 2021).  

Segundo NASCIMENTO (2020), as repercussões neurológicas do comprometimento sistêmico da COVID-19 prevalecem em pacientes acima dos 65 anos, mas também acontecem com alarmante frequência em pacientes mais jovens. A ciência tem caminhado em passos lentos, dado que as manifestações e as principais doenças neurológicas associadas à COVID-19 são de amplo aspecto (CARMONA et al. 2021). Entretanto, diversos estudos acerca deste tema estão sendo publicados e a compreensão científica só tem a desenvolver.

A avaliação do paciente pós-COVID deve ser minuciosa, visto que os sintomas neurológicos raramente se manifestam de forma exacerbada ou são facilmente perceptíveis, o que não impede que estas manifestações se agravem. Por isso, devemos incluir testes específicos para cada tipo de alteração, como avaliação específica do nervo olfatório, o teste das Três Gotas, Ressonância Magnética, testes de Romberg, questionários como Escala de Avaliação da Fadiga (EAF), HIT-6 – Headache Impact Test e DASS-21. Assim, as alterações poderão ser identificadas no primeiro contato.

Diante da ausência de consenso literário, este estudo inclina-se para a descrição dos dados encontrados a respeito da manifestação neurológica do vírus, com a finalidade de compreender sua atuação, seja ela a nível de Sistema Nervoso Central (SNC) ou Sistema Nervoso Periférico (SNP).

2.1. Justificativa  

A COVID-19 afetou milhões de pessoas ao redor do mundo e, além da doença propriamente dita, seus respectivos efeitos a curto e longo prazo também continuam sendo estudados e correlacionados. Dados importantes já foram publicados e divulgados acerca da infecção, entretanto, no ponto de vista neurológico, algumas lacunas são observadas na literatura. Com o propósito de evitar a incerteza do leitor diante de dados espalhados em diversos estudos, este projeto direciona a leitura e toda a informação encontrada na literatura em um único documento. Resumindo, listando e clarificando o entendimento quanto ao acometimento neurológico decorrente da infecção pelo SARS-CoV-2, agente etiológico da Coronavirus disease 2019, ou COVID-19.

3. OBJETIVOS

3.1. Objetivo primário

O objetivo deste projeto é registrar as complicações neurológicas decorrentes da infecção pelo vírus SARS-CoV-2 presentes na literatura, enfatizando o período pós-COVID.

3.2. Objetivos secundários

Listar tanto as alterações neurológicas mais frequentes quanto as mais raras da infecção pelo Coronavírus 19.

Relacionar o comprometimento neurológico à gravidade do acometimento da COVID-19.

Orientar o leitor a respeito das possíveis alterações.

4. METODOLOGIA

4.1. Tipo de Estudo

Foi elaborado um estudo de revisão de literatura de aspecto narrativo, identificando todas as possíveis complicações neurológicas encontradas em pacientes infectados pela COVID-19. Por se tratar de uma revisão de literatura, não foi necessária a submissão do estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa Científica.

4.2. Local e data do estudo

O estudo foi realizado de 1º de novembro de 2021 a 30 de maio de 2022.

4.3. Participantes

Os participantes foram pacientes acometidos pela COVID-19. No entanto, os artigos utilizados como base para a evolução deste projeto não estabeleceram critérios como doenças pré-existentes, internação, idade ou gênero. Todos os aspectos envolvendo estes critérios encontrados na literatura foram descritos neste documento, tendo em vista que a variedade entre os pacientes é grande e os acometimentos não obedeceram a algum padrão ou se manifestaram sempre da mesma forma. Toda e qualquer observação encontrada foi listada.

4.4. Variáveis analisadas

4.4.1. Desfechos primários

Complicações neurológicas a nível de Sistema Nervoso Central e Periférico decorrentes da infecção por COVID-19 foram os principais desfechos analisados no trabalho.

4.4.2. Desfechos secundários

Prevalência e equiparação foram os desfechos secundários.

4.5. Métodos de pesquisa e identificação dos estudos

Um revisor pleno independente (LKLO) conduziu uma pesquisa eletrônica dos títulos consultando os bancos de dados eletrônicos PubMed, MEDLINE e Google Acadêmico. Os estudos foram validados por um revisor master (YS), que também tratou sobre duplicidades.

Foram utilizadas diferentes combinações dos descritores - “long covid”, “neuro covid”, “covid nervous system”, “neurological covid”, “covid-19”, “long neuro covid”.

4.6. Seleção de estudos

Após a seleção dos artigos de acordo com a leitura de seus respectivos títulos, o revisor realizou uma leitura dos resumos respeitando os critérios básicos e necessários, com o intuito de selecionar apenas os artigos aptos para leitura posterior integral. Os artigos que respeitaram os critérios do estudo fizeram parte da discussão desta revisão.

4.7. Coleta de Dados

Foram incluídas no estudo todas as informações encontrados nas bases de dados citadas anteriormente que apresentaram relação íntima com o tema principal. Artigos publicados em inglês e em português foram aceitos, com data de publicação entre os anos de 2019 e 2022. Foram excluídos artigos duplicados, que abordaram doenças neurológicas pré-existentes ou fora do contexto da COVID-19 e artigos incompletos.

4.8. Extração de dados

Definidos os trabalhos incluídos, foram realizadas suas leituras na íntegra. Os dados foram extraídos independentemente por um único revisor, que fez um resumo de cada um dos artigos selecionados, frisando todos os parâmetros, informações e avaliações devidamente importantes de cada um, que posteriormente foram apresentados no corpo deste projeto.

4.9. Análise de dados

O nível de descrição e qualidade metodológica de cada estudo foi apresentado. Os itens mais importantes estão listados. Resultados dos mesmos desfechos foram descritos e analisados, através de comparação bibliográfica recente.

4.10. Estatística

4.10.1. Tipos de medidas de resultados

5. DISCUSSÃO E RESULTADOS

5.1. ALTERAÇÕES NEUROLÓGICAS DA COVID-19

Por se tratar de uma síndrome complexa, a COVID-19 é imprevisível e seus resultados vão depender da resposta imune do hospedeiro, no entanto, quando comparado a outros vírus que envolvem o trato respiratório, o SARS-CoV-2 parece desencadear uma resposta mais demorada e autoagressiva. Estudos realizados em amostras cerebrais post mortem de pacientes acometidos pelo COVID-19 exploram seu mecanismo inflamatório e evidenciam que as células gliais têm um comportamento pró-inflamatório específico quando expostas ao SARS-CoV-2, e a barreira hematoencefálica no plexo coróide apresentou um acometimento significativo, onde foi liberada uma quantidade maior de quimiocinas que caminharam em direção ao parênquima cerebral e facilitaram a neuroinflamação (BELLUCI et al., 2021; YANG et al., 2021).

5.2. NEUROTROPISMO 

A literatura nos mostra que o SARS-CoV-2 pode ter diferentes mecanismos de entrada no SNC, bem como outros vírus estudados anteriormente. São eles: viremia e inserção ao SNC pelo bulbo olfatório. Ambos os mecanismos estão envolvidos com a ruptura da barreira hematoencefálica e resultam em morte neuronal (ZHOU et al., 2020; HARAPAN et al., 2021).

Os vírus podem se ligar às células humanas através do receptor da membrana da enzima conversora de angiotensina-2 (ECA-2) e bloquearem sua função, podendo levar a um aumento anormal da pressão arterial e aumentando o risco de hemorragia cerebral (WU et al., 2020). A ECA-2 está distribuída nas vias aéreas, no epitélio do trato respiratório, parênquima pulmonar, nas células renais e em algumas outras áreas do corpo humano, e tem como função a conversão da angiotensina I em angiotensina 1-7 no sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), que é o sistema regulador da função renal e cardiovascular e está envolvido fundamentalmente no controle da pressão arterial e do equilíbrio hidroelétrico.

No entanto, somente a presença da ECA-2 não é o bastante para tornar as células hospedeiras vulneráveis a uma infecção, tendo em vista que o sistema nervoso possui baixo nível de expressão da enzima em condições normais, e ainda assim é infectado (LI, et al. 2020; FERREIRA et al. 2005). Entretanto, a proteína spike do SARS-CoV-2 pode interagir com a ECA-2 presente no endotélio capilar, resultando em microgliose, astrogliose e ativação dos linfócitos T no sistema nervoso (CARMONA et al., 2021), além disso, o estado inflamatório induzido pelo bloqueio da ECA-2 aumenta os níveis de citocina que danificam oligodendrócitos e neurônios e contribui para o rompimento da barreira hematoencefálica e consequente ataque através do sistema vascular (BAIG et al., 2020; HARAPAN; YOO, 2021).

A via olfatória começa na mucosa olfatória, que está situada na região mais alta das fossas nasais. Os neurônios dessa via são de caráter bipolar e os prolongamentos do primeiro neurônio são agrupados em feixes e formam filamentos que, juntos, constituem o nervo olfatório. Esses filamentos atravessam o osso etmoide e terminam no bulbo olfatório, onde fazem sinapse com o segundo neurônio (ou células mitrais), que são divididos em dois ramos e direcionados ao núcleo olfatório do córtex (MACHADO; HAERTEL, 2014; CARDONA et al., 2020). Com as vias aéreas infectadas, o vírus percorre o trajeto da via olfatória, atravessa a barreira epitelial e interage com os receptores de ECA-2 presentes nos neurônios e nas células da Glia, tornando o cérebro vulnerável a uma neuroinvasão. Além disso, o vírus também pode infectar os leucócitos, que podem se dissipar para muitos outros tecidos do corpo humano chegando, enfim, ao SNC (HARAPAN et al., 2021).

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5.3. ENCEFALITE/ENCEFALOPATIA

A encefalite se trata de uma inflamação do cérebro e se refere a uma ou várias lesões no parênquima cerebral provocadas comumente por infecção viral que tem como resposta comprometimento neuronal ou lesões no tecido nervoso. Seus sintomas mais comuns são dor de cabeça, febre, vômitos, convulsões e consciência alterada (ELLUL; SOLOMON, 2018).

O primeiro relato da presença do RNA do SARS-CoV-2 no líquido cefalorraquidiano foi publicado em 2020 por Moriguchi e colegas, e foi encontrado em um paciente de 24 anos com encefalite e COVID-19 que chegou ao hospital apresentando convulsão e inconsciência. A detecção foi possível através de um teste RT-PCR, pois o teste de swab nasofaríngeo não foi capaz de detectar. A ressonância magnética cerebral mostrou alterações importantes ao longo da parede do ventrículo lateral e lobo temporal direitos e hipocampo, sugerindo a possibilidade de uma meningite provocada por SARS-CoV-2. Mais casos foram sendo relatados, entretanto, a maioria dos pacientes com COVID-19 e alterações neurológicas não apresentava a presença do vírus no LCR (MORIGUCHI et al., 2020; HARAPAN; YOO, 2021).

A metanálise de Siow et al. (2021) avaliou 610 estudos envolvendo relatos de 129.008 pacientes, sendo 138 deles com encefalite, e mostrou que o tempo médio entre o diagnóstico de COVID-19 e o surgimento da encefalite foi de 14,5 dias, a incidência média da encefalite como complicação neurológica foi de 0,215% e a taxa de mortalidade por encefalite foi de 13,4%. Os pacientes mais graves da COVID-19 estão mais suscetíveis à encefalite como complicação da infecção e, embora essa não seja a complicação mais comum, seus resultados referentes a morbidade e mortalidade são bastante significativos (SIOW et al., 2021).

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5.4. SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ

Munhoz et al. (2020) mostrou que a Síndrome de Guillain-Barré está iminentemente relacionada a qualquer infecção viral, é uma complicação encontrada em vários estudos de pandemias virais anteriores e agora está sendo cada vez mais reconhecida como uma manifestação neurológica da COVID-19. O primeiro caso da SGB relacionado ao vírus SARS-CoV-2 foi publicado em abril de 2020, e a paciente se tratava de uma mulher de 61 anos que foi de Wuhan a Xangai quatro dias antes do atendimento médico, e suas principais queixas eram fraqueza e arreflexia simétrica em MMII e fadiga excessiva, evoluindo depois de três dias para MMSS com diminuição considerável da sensação de toque leve e tato epicrítico.

A revisão sistemática e meta-análise de Palaiodimou et al. (2021) relatou que a prevalência geral de Síndrome de Guillain-Barré é de 0,15% da população de COVID-19, incluindo pacientes hospitalizados e não hospitalizados, o que corresponde a 15 casos de SGB a cada 100.000 casos de infecção pelo SARS-CoV-2. Além disso, o estudo mostrou que os casos de SGB não estão diretamente relacionados as internações em UTI ou utilização de ventilador mecânico.

É importante inteirar que os casos de SGB ou qualquer outra doença neurológica que possam surgir após a vacinação por COVID-19 será apenas por acaso, quando um número tão grande de pessoas vacinadas está em pauta. Existem órgãos internacionais especializados em registrar e comparar a prevalência de SGB e outras doenças autoimunes pós-vacina e os dados estarão disponíveis de maneira clara e objetiva para o público interessado. Além disso, a interrupção da imunização só deve ser feita caso sejam apresentadas evidências suficientes de casos que excedam seus benefícios (LUNN et al., 2021).

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5.5. ESCLEROSE MÚLTIPLA

A tempestade de citocinas decorrente da infecção pelo SARS-CoV-2 pode interferir nas células gliais facilitando e se tornando gatilho para o desenvolvimento da Esclerose Múltipla. As vias imunológicas que são desreguladas pelo Coronavírus dão impulso aos mecanismos patogênicos da EM e indicam que a infecção pelo SARS-CoV-2 age como um fator de risco ambiental, estimulando a evolução da doença em indivíduos que já apresentem suscetibilidade. As interações entre hospedeiro e patógeno nos casos de COVID-19 estão sendo desvendadas em vários níveis e os estudos envolvidos reforçam essa hipótese (BELLUCI et al., 2021; MARQUES et al., 2022).

Os Coronavírus são capazes de interferir na produção e na atividade dos interferons (IFNs), substâncias que foram identificadas em 1957 por Isaacs e Lindenmann e se tratam de um grupo de citocinas naturais que possuem propriedades imunomoduladoras e antivirais que são ativadas pelas células quando expostas a alguns estímulos (PARMAR; PLATANIAS, 2005). Um estudo mostrou que o SARS-CoV-2 antagoniza a secreção e a sinalização do IFN-I, sobrecarregando o sistema IFN e consequentemente prejudicando suas propriedades antivirais (BELLUCI et al., 2021).  Os mecanismos que relacionam a infecção por SARS-CoV-2 e o curso da EM envolvem a presença dos vírus HHV-6 (Human Herpes Virus 6), EBV (EpsteinBarr Virus) e os Retrovírus Endógenos Humanos (HERVs), sendo o EBV o integrante ambiental capaz de triplicar a chance de desenvolvimento da EM.

O relato de caso publicado em 2022 por Marques et al. é o mais recente relacionando a Esclerose Múltipla à infecção por Coronavírus. O caso exposto do paciente de 74 anos relatou tetraparesia, confusão mental e bexiga neurogênica um mês depois da alta por COVID-19. Foram realizados exames de TC, angiotomografia e ressonância nuclear magnética de crânio que mostraram uma doença desmielinizante em evolução. Após a vasta investigação, pressupõe-se que o SARS-CoV-2 tenha sido o gatilho inicial para eventos imunológicos que levaram ao diagnóstico de Esclerose Múltipla.

Mares e Hartung (2020) dizem que, até o momento, as doenças autoimunes não dizem nada a respeito de um possível aumento no risco de infecção por SARS-CoV-2, e a exacerbação da EM nos pacientes infectados por COVID-19 pode ser temporária. Entretanto, o risco de progressão da doença não deve ser descartado. A confirmação da EM como complicação neurológica do Coronavírus vai depender de mais estudos a longo prazo (WANG et al., 2020).

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5.6. ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO

Sagris et al. (2021) mostrou que os mecanismos inflamatórios com potencial de contribuição para eventos cardiovasculares e AVE em pacientes afetados pela COVID-19 são vários, como por exemplo o estado pró-coagulante resultante dos mecanismos de entrada do SARS-CoV-2 no endotélio. Foi realizada uma comparação entre exames que mostrou que os pacientes submetidos ao AVE após COVID-19 eram mais jovens em relação aos não-infectados, além de apresentarem resultados piores nos exames clínicos e radiográficos. Dentre os possíveis mecanismos fisiopatológicos, estão incluídas cardiopatia e cardioembolia associadas ao COVID-19.

A revisão sistemática e metanálise de Luo et al., (2022) analisou dez estudos que somaram 26.691 pessoas de todas as idades, incluindo 280 pacientes com acidente vascular cerebral isquêmico e COVID-19, e mostrou que aproximadamente 2% dos pacientes com infecção por Coronavírus podem apresentar AVEi.

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5.7. DOENÇA DE PARKINSON

Assim como na maioria das complicações mencionadas neste trabalho, a tempestade de inflamatória causada pela infecção por SARS-CoV-2 também pode auxiliar o aparecimento da Doença de Parkinson, Wang et al., (2020) sugere que a ampla expressão de ECA-2 em diferentes áreas do SNC pode propiciar uma base molecular para o SARS-CoV-2 desencadear ou acelerar um episódio de DP.

A revisão sistemática de Hamoy et al. (2021) mostrou que o intervalo de tempo entre as manifestações da COVID-19 e o surgimento dos primeiros sinais e sintomas de transtornos do movimento (bradicinesia, tremor de repouso, face em máscara e marcha reduzida) acontece em torno de duas semanas. Embora o envelhecimento seja o principal fator desencadeante, os achados encontrados foram em pacientes abaixo dos 60 anos que não possuíam histórico familiar de DP ou presença de genes associados. Este surgimento em pacientes jovens após infecção viral sugere a relação entre a DP e o SARS-CoV-2.

A literatura ainda não possui evidências suficientes para endossar o argumento da DP desenvolvida pelo Coronavirus, bem como sua prevalência, no entanto, este deve ser um alvo de estudo na pesquisa neurológica, visto que o aumento expressivo de casos de DP com o decorrer dos anos pós pandemia é possível e deve ser mantido em observação (HAMOY et al., 2021).

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5.8. DOENÇA DE ALZHEIMER

A patogênese da doença de Alzheimer não se limita à porção neuronal, mas também pode envolver a liberação de mediadores inflamatórios gerada por possíveis proteínas agregadas que podem interagir com receptores na microglia e astroglia, facilitando a progressão da doença (HENEKA et al., 2015). Além da idade atuando como principal fator de risco para a DA, sugere-se que as infecções virais também podem atuar como um fator desencadeante. A doença de Alzheimer está em primeiro lugar entre as comorbidades da COVID-19 relacionadas ao SNC e os danos gerados causam preocupação com relação a função cognitiva e outras alterações neurodegenerativas a longo prazo (WANG et al. 2020; RAHMAN et al., 2021).

No ponto de vista do pós-COVID, os estudos com ênfase na doença de Alzheimer precisam ser desenvolvidos e elucidados.

6. CONCLUSÃO

Dado o exposto, é sabido que a COVID-19 afeta especialmente o sistema respiratório e cardiovascular. No entanto, a literatura evidencia que o acometimento ao SN decorrente da doença não é incomum e pode resultar em complicações importantes e até óbito, e devem ser supervisionados com atenção e detectados precocemente. Este estudo mostra que pacientes submetidos à UTI e idosos possuem chances maiores de complicações neurológicas pela vulnerabilidade de seus organismos, como nos casos da doença de Parkinson, Alzheimer e Esclerose Múltipla, que naturalmente têm o envelhecimento como principal fator de risco. Entretanto, os achados de Encefalite e Síndrome de Guillain-Barré em pacientes mais jovens e que não necessariamente foram submetidos à internação e VM reiteram que o desenvolvimento de doenças neurológicas está relacionado com a infecção pelo SARS-CoV-2.

7. REFERÊNCIAS

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Publicado por: Larissa Karen Lima de Oliveira

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