Com quem a Segurança Pública Pensa que Está Falando? O Dilema de Viver Entre Gigantes e Moinhos de Vento: Cartografias da Segurança Pública a Partir de um Curso de Formação da Guarda Municipal de Novo Hamburgo

índice

  1. 1. RESUMO
  2. 2. De como juntar armaduras, amores e amigos para uma aventura
    1. 2.1 Cena um: com quem a segurança pública pensa que está falando? Ou de quando dom quixote encontra o gigante.
      1. 2.1.1 Traçados e Linhas: Com quem se pode falar?
  3. 3. Bosquejos das jornadas como cavaleiros andantes
    1. 3.1 Histórias que falam de ‘uma segurança pública’ ou de uma segurança no público.
    2. 3.2 Bosquejos ético- metodológicos
      1. 3.2.1 Cena: 2: Dos Companheiros da Cavalaria andante.
      2. 3.2.2 Das Condições para que se viva uma aventura de cavaleiro andante
  4. 4. O louco aventureiro: Experimento(afeta)ções
    1. 4.1 A Sala 
    2. 4.2 Cena: O cansaço dos cavaleiros
    3. 4.3 Traçados e Linhas: A Sala viva.
    4. 4.4 BRI(COLAGENS)
    5. 4.5 A Arena
  5. 5. Gigantes, Magos e Feiticeiros: A aventura em busca de novas paisagens na segurança pública
    1. 5.1 Traçados e Linhas: A morte bate à nossa porta.
    2. 5.2 Traçados e Linhas: A conflitualidade nas formas de viver os espaços da cidade.
    3. 5.3 Cartografia da polis: O dispositivo “Polícia” como ferramenta de criação das “classes perigosas”.
      1. 5.3.1 Traçados e Linhas:  O Penta-ter
    4. 5.4 Guardas Municipais: Entre a (re)invenção do Campo Segurança Pública e a reprodução das velhas práticas.
      1. 5.4.1 Traçados e Linhas: Vagabundo ou “Cidadão à margem da sociedade”.
    5. 5.5 Cena:  Formação em segurança Pública: Por um sul a seguir.
      1. 5.5.1 Traçados e Linhas Oito: O Guarda Municipal Dramin.
      2. 5.5.2 Traçados e Linhas: O Perguntador
    6. 5.6 Cena - Novos Acoplamentos: É possível a máquina “polícia” produzir direitos?
      1. 5.6.1 Traçados e Linhas: Quais são os Lugares que o Guarda pode Habitar?
      2. 5.6.2 Traçados e Linhas: Aproximação com o Inusitado.
  6. 6. Dom Quixote encontra Dulcinéia: Diálogos entre a Psicologia e a Segurança Pública.
    1. 6.1 Cena: Os Encontros
      1. 6.1.1 Traçados e Linhas: Ser Guarda é ser Psicólogo e Pedagogo
      2. 6.1.2 Traçados e Linhas: Os Viajantes por perto
      3. 6.1.3 Traçados e Linhas: A procura de Dulcinéia.
  7. 7. Qual é o fim de um cavaleiro andante?
  8. 8. REFERÊNCIAS
  9. 9. APÊNDICE – 1 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
  10. 10. Apêndice – 2 - Carta de Anuência do Local de Pesquisa
  11. 11. Anexo I - Parecer CEP
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1. RESUMO

O campo da segurança pública no Brasil é historicamente marcado por discursos e práticas pautadas em agenciamentos e construções sociais, muitas delas relacionadas com lógicas e processos oriundos do período escravocrata do país. O país historicamente tem enfrentado graves problemas na área da segurança publica o que na atualidade não é diferente, durante a construção desta pesquisa vivenciamos mais um processo denominado de crise na segurança pública. O estado brasileiro reage a esta condição sem a construção de politicas publicas efetivas e sem a adequação de modelos pautados na valorização da vida e dos direitos humanos. O agir principalmente dos órgãos policiais no Brasil ainda é orientado por lógicas que espelham praticas do período ditatorial, como a lógica do inimigo interno e ações repressivas destinadas principalmente a parcelas mais pobres da sociedade. As Guardas Municipais tem uma inserção neste campo recente, vivendo ainda processos de construção identitários e praxis pautadas ainda em discursos de promoção da cidadania e na reprodução de ações repressivas e higienistas principalmente direcionada a públicos específicos, como a população em situação de rua. A educação é um processo dinâmico e vivencial onde convergem diversos atores e fluxos, sendo potente para a transversalização dos modelos instituídos, assim a educação em segurança pública precisa de um dialogo constante com a psicologia, considerando está ciência implicada em seu papel ético e político de transformação social.

Palavras-chave: Psicologia. Guarda Municipal. Formação. Cartografia. Segurança Pública.

2. De como juntar armaduras, amores e amigos para uma aventura

(...)E a primeira coisa que fez foi limpar umas armas que tinham sido dos seus bisavós, e que, desgastadas de ferrugem, jaziam para um canto esquecidas havia séculos. Limpou-as e consertou-as o melhor que pôde; porém viu que tinham uma grande falta, que era não terem celada de encaixe, senão só morrião simples. A isto porém remediou a sua habilidade: arranjou com papelões uma espécie de meia celada, que encaixava com o morrião, representando celada inteira.(...)Foi-se logo a ver o seu rocim; e dado tivesse mais quartos que um real, e mais tachas que o próprio cavalo de Gonela, que tantum pellis et ossa fuit, pareceu- lhe que nem o Bucéfalo de Alexandre nem o Babieca do Cid tinham que ver com ele. Quatro dias levou a cismar que nome lhe poria, porque (segundo ele a si próprio se dizia) não era razão que um cavalo de tão famoso cavaleiro, e ele mesmo de si tão bom, ficasse sem nome aparatoso. Barafustava por lhe dar um, que declarasse o que fora antes de pertencer a cavaleiro andante; pois era coisa muito de razão que, mudando o seu senhor de estado, mudasse ele também de nome,(...) até que acertou em o apelidar: Rocinante,(...) significativo do que havia sido quando não passava de rocim, antes do que ao presente era, como quem dissera que era o primeiro de todos os rocins do mundo.

Posto a seu cavalo nome tanto a contento, quis também arranjar outro para si; nisso gastou mais oito dias; e ao cabo disparou em chamar-se Dom. Quixote;(...). Recordando-se porém de que o valoroso Amadis, não contente com chamar-se Amadis(...) acrescentou o nome com o do seu reino e pátria, para a tornar famosa, e se nomeou Amadis de Gaula, assim quis também ele, como bom cavaleiro, acrescentar ao seu nome o da sua terra, e chamar-se D. Quixote de la Mancha; (...) assim limpas as suas armas, feita do morrião celada, posto o nome ao rocim, e confirmando-se a si próprio, julgou-se inteirado de que nada mais lhe faltava, senão buscar uma dama de quem se enamorar; que andante cavaleiro sem amores era árvore sem folhas nem frutos, e corpo sem alma.

Foi o caso, conforme se crê, que, num lugar perto do seu, havia certa moça lavradora de muito bom parecer(...). Chamava-se Aldonça Lourenço; a esta é que a ele pareceu bem dar o título de senhora dos seus pensamentos;(...) veio a chamá-la Dulcinéia del Toboso, por ser Toboso a aldeia da sua naturalidade; nome este (em seu entender) músico, peregrino, e significativo, como todos os mais que a si e às suas coisas já havia posto.

De início é necessário situar o leitor que chega a que percursos convido a trilhar e por que tomarei estes caminhos, dentre tantos menos tortuosos e propensos à queda. Escolho esta estrada como percurso da jornada, pelo muito que ela me inquieta e atravessa a todo instante, seja como campo de trabalho, de produção e de subjetivação, reconhecendo também que: Ao caminharmos, construímos o caminho por que passamos e modificamos suas paisagens através dos encontros que por ele venham a se dar. Este trabalho surgiu de uma inquietação, com raízes nas experiências e acontecimentos que marcaram meu encontro com o campo da segurança pública. Estou neste percurso há aproximadamente dez anos. Trata-se de um campo no qual produzo e (re)produzo práticas; Algumas destas em minha percepção acabam sendo compostas através de diversos processos, orientados por certos modus Operandi que, geralmente, estimulam a não-reflexão nas práticas cotidianas. Cabe então questionar: qual é este lugar, afinal? E a quais lógicas de produção subjetiva ele interessa?

O campo da segurança pública constitui-se no país marcado por certas condições e orientadas a práticas militarizadas, conforme Adorno (2016) os modelos de formação em segurança pública priorizam a preparação para combates e para a guerra, o que acaba por orientar um modelo de produção de subjetividades violentas, principalmente marcando a figura do outro como inimigo a ser combatido. O autor destaca que estas práticas exacerbam discursos de exclusão, negando as diferenças e diversidades, principalmente estimulando processos de extermínio da população pobre e negra historicamente o público envolvido em grandes índices de confronto com as polícias. No percurso de andar-cartográfico, pretendo compartilhar - ou melhor - partilhar(com) aqueles que dispostos à caminhada sem a certeza de um caminho previamente conhecido, estejam cientes de que encontros se darão no percurso porvir e estejam desejosos de experiências por percursos incertos. As experiências que se seguem foram construídas e marcadas como relato cartográfico através de diários de campo, construídos pelo pesquisador-artesão neste percurso aventureiro, sendo que o disparador do registro dos diários era sempre o fator afetivo que mobilizou o pesquisador seja durante as experiências ou mesmo depois de vividas, ainda quando desta trama de acontecimentos o pesquisador reviveu as passagens e via nelas relações com a pesquisa.

Por muitas vezes buscar uma intersecção entre o fazer em segurança pública e a psicologia constitue-se como a batalha de um cavaleiro andante, que percorre seu caminho sonhando com aventuras e encontros, certo de que mais vale viver as experiências neste campo, ainda que, os gigantes se confundam com moinhos de vento.

Esta pesquisa produziu se no encontro do fazer de Guarda Municipal junto ao setor de educação desta organização, mapeando a formação de profissionais através de processos existentes, num curso de formação profissional de Guarda Municipal com relação às diversas práticas e discursos que se constroem sobre o criminoso, a violência, a cidadania, o respeito às diversidades e aos direitos humanos e fundamentais de todas as pessoas.

Um curso de formação ou a própria criação das Guardas Municipais pode ser compreendido como um dispositivo, pois, segundo Foucault (1979), o dispositivo é um conjunto de discursos, decisões, regulamentos, leis e medidas administrativas, enunciados e produções científicas, podendo aparecer como um programa ou uma instituição, criado de maneira não proposital, que busca dar respostas a uma necessidade social. Este estudo busca pensar e discutir, a partir da lógica da produção de subjetividades, o fazer em segurança pública. Assim, convido para que não desistamos, pois mesmo que o caminhar nos mostre incertezas, continuemos juntos cartografando este campo-devir segurança pública.

O trabalho que você tem nas mãos é um “plano B” construiu-se, desconstruiu, reconstruiu-se novamente e gostaria que assim pudesse seguir, que quem esteja lendo faça o uso que dele servir, pois esta pesquisa não almeja estar construída, mas ser tosca e incompleta, não pretende ser o plano, mas a toca, o labirinto, seguimos assim, mais certos de estar na encruzilhada do que na linha reta. Pesquisar a formação em segurança pública é problematizar um campo em devir ou em outras palavras: É a expectativa da invenção de novas e outras máquinas de guerra, capazes de operarem mudanças no campo político e social.

No exato momento em que se construiu está pesquisa o país vivenciava, pode se dizer, mais um processo de crise na segurança pública, enquanto grande parcela da população clama por ações repressivas à criminalidade e violência, também percebe-se o aumento da (in)segurança pública. Segundo Betim (2018), com discursos que justificam intervenções militares em diversos locais do país, como no caso do Rio de Janeiro, o estado propõe ações de recrudescimento a criminalidade principalmente ao tráfico de drogas. Assim este trabalho surge nesta encruzilhada, pensar e estudar como se dá a produção subjetiva dos futuros profissionais de segurança pública em uma organização de caráter civil, porém marcada historicamente por formações de cunho militarizado.

Para tanto, o objetivo desta pesquisa foi: Cartografar como ocorrem os processos de subjetivação dentro de um curso de formação para profissionais de segurança pública na Guarda Municipal de Novo Hamburgo?

2.1. Cena um: com quem a segurança pública pensa que está falando? Ou de quando dom quixote encontra o gigante.

Correndo o risco de deturpar a maravilhosa obra de Cervantes, mas certo de que a cartografia propõe e nos convida a ocupar outros lugares, fazendo transitar no lugar acadêmico, quem ou aquilo que a muito tempo esteve a sua margem, convido o leitor para deixar nos acompanhar como guia de viagem este personagem nomeado por Cervantes como Cavaleiro da Triste Figura, que em muito tem proximidade com os sonhos e agruras dos trabalhadores deste campo o qual estamos para adentrar.

Estavam eles por dias a seguirem suas sinas de serem cavaleiros andantes, ele montado em seu fiel cavalo Rocinante. Nestes últimos dias parecia mais desvairado do que de costume. Sancho que a ele acompanhava já se via a muito preocupado com a saúde da cachola de seu senhor, principalmente depois daquele confronto com os moinhos de vento e que ele insistia que eram gigantes e dizia mais:

-Verás meu caro Sancho, jamais na história da Cavalaria Andante se verão façanhas como as nossas, principalmente depois de derrotar tão grande número de Gigantes.

Sancho retrucava novamente:

-Mas meu senhor...eram moinhos…

Ele nem deixava a frase de Sancho terminar e seguia seus desvarios.

-Há! quem dera encontrar mais uma vez um daqueles gigantes a sós, que por nenhuma magia, seja a do feiticeiro Roldão hei de perder a batalha e sair lesado como fora em nossa última.

-Sancho só ouvia aquelas loucuras e nem para o lado de Dom Quixote se atrevia olhar.

Quando do Alto d’uma coxilha Dom Quixote vê uma bela e grande carruagem transitar por cima das pastagens, não tem dúvidas dê lá surgirão grandes aventuras. Dom Quixote esporeia Rocinante que até tenta correr como um possante, mas o que faz mesmo é pinotear e derrubar Dom Quixote de um solapão.

- Sancho lhe adverte:

- Deixe-o senhor, não devemos procurar mais encrencas...

Dom quixote nem o escuta e ao subir novamente em Rocinante, sacudir a poeira e desamassar parte de sua armadura, segue em direção a grande carruagem, bradando descabidas loucuras.

- Saia daí feiticeiro Roldão, ainda não aprendestes a lição, já dei cabo a tua Dúzia de Gigantes eu e meu fiel escudeiro Sancho Pança não descansaremos em paz enquanto não livrarmos a toda a Espanha de gente como tu, pois só assim poderei descansar e voltar para os Braços de minha bela e amada Dulcinéia de Toboso.

E bradando tantas mais injúrias quanto estas, aproximou-se da bela carruagem.

Ao chegar próximo gritou ao cocheiro…

- Detenha-tê! não sabes que por estas terras não se pode andar pelas pastagens?

Do interior da Carruagem surge a cara de um homem velho, de roupa imponente, um importante comerciário da região, que diz:

- Saia da minha frente seu doido varrido.

Dom Quixote diz:

Daqui não sairá, sem antes provar dos rigores da lei da Cavalaria.

O Homem de seu canto perguntou:

- Por acaso seu doido, sabes com quem está Falando?

Dom quixote cai novamente em devaneio profundo.

-Claro que sei, pois agora é que vejo, neste momento me caiu a máscara da magia, sim Roldão vejo que tentavas me enganar para fugir do povoado.

O homem viu que a loucura de Dom Quixote era maior do que ele até ali perceberá, mandou o cocheiro chicotear o Cavalo, que ao sentir o relho em seu lombo em um pinote acerta uma patada em Dom Quixote. Este último voou por mais de dois metros caindo aos pés do cavalo de Sancho Pança que olhava de longe desanimado aquela situação.

A Carroça do importante comerciante partiu em disparada e Dom Quixote ao acordar do desmaio disse:

-Vês meu querido Sancho, que em muito breve livraremos nosso povoado de bandidos, magos e feiticeiros, como este Roldão que por ali foge, eles não tardam por esperar!

2.1.1. Traçados e Linhas: Com quem se pode falar?

De uma abordagem de trânsito no treinamento dos novos servidores surgiu a seguinte história e um dos analisadores deste trabalho, que busca pensar os processos de subjetivação na formação em segurança pública. Quando ao abordar um condutor, por estar estacionado em local proibido, este condutor, conhecido como uma pessoa importante e influente no município fala para um dos novos agentes:

- Tu sabe com quem está falando?

O aluno diz que não.

Ele diz que não é criminoso e que não está fazendo nada de errado. Se multar ele o aluno irá se incomodar, pega o telefone celular e liga para alguém.

Posterior a atividade, os alunos voltam para a sala e surge este tema como discussão, alguns dos instrutores dizem:

- Este cara é importante, tem grande influência política, não é bom se meter com eles. Não é qualquer chinelo!

Com quem a Segurança pública no Brasil pensa que está falando?
E com quem este campo quer falar? Problematizamos como e porque historicamente a segurança pública no país têm falado de formas diferentes com as diversas parcelas da população.

“Uma abordagem não é igual, na Maurício Cardoso e na Santo Afonso”. Citação de um dos instrutores durante uma das atividades operacionais do curso de formação.

Diante da construção da noção de risco atribuída a uma parcela da população, as ações, intervenções e abordagens dos agentes das guardas municipais e das policias militares, vem sendo pautadas por formas diferentes de agir e de tratar as pessoas. São elas as parcelas da sociedade que tem menos acesso aos diversos aparatos de proteção social, sejam estes jurídicos estatais ou midiáticos. Historicamente recebem um outro olhar e uma forma diferente de tratamento pelos órgãos de segurança; estas questões direcionam para a mesma população a visão  de comunidades mais perigosas, como se a criminalidade e o descumprimento às leis fossem ações específicas daqueles que vivem nas regiões mais pobres das cidades e, ao mesmo tempo, desistoricizada quanto a própria noção de criminalidade e quanto aos aparatos e procedimentos que se criam/formulam para dar conta da lei, considerando ainda que estas são linhas que transversalizam o espaço urbano.

A Segurança Pública entendida como poder do Estado, através da Polícia, segue os mesmos parâmetros sociais exemplificados acima, quando, por exemplo, chega a um determinado local da Zona Leste, centro da cidade, cujo tratamento do público e forma de atuação ocorrem com certa fineza e urbanidade, muitas vezes só no diálogo. Por outro lado, na Zona Oeste, por exemplo, nos bairros Silvio Leite, Silvio Botelho, Raiar do Sol e outros, considerada “periferia”, a forma de tratamento e abordagem é totalmente diferente, pois se criou a mazela e o estigma de que ali é área de risco e que tal procedimento policial deve ser mais enérgico. Nesse caso, não se pode dar chance de reação, em tese, ao malfeitor, o qual muitas vezes é interpelado sem motivo justificado. (NETO, 2013. p 2).

Em diversos outros momentos surgem a questão dos bairros mais perigosos em que os agentes têm de atuar de forma “enérgica e mais atenta”, sem dar espaço para que se criem possibilidade de reações sejam estas quais forem, nem que para tal precise ser incluído figuras(dispositivos) como o Caveirão (DA COSTA REBEQUE, JAGUEL, BICALHO, 2008) e outras capazes de impor força as comunidades. Surgiu assim, este discurso institucional hegemônico. Goffman (1988) Considera o estigma como uma marca subjetiva imposta nas relações que se trata com aqueles “marcados pela chaga”, esta marca faz com que acreditamos verdadeiramente que aquelas pessoas não sejam humanos e a partir deste distanciamento, talvez como forma de não enxergar as características que compartilhamos ou estamos muito próximos de compartilhar, fazemos diversas discriminações, as quais, muitas vezes reduzimos a capacidade de vida das pessoas, neste sentido produzimos o lugar do estigma, como forma de referendar sua periculosidade e inferioridade.

3. Bosquejos das jornadas como cavaleiros andantes

[Bosquejo: 1. Desenho rápido, geralmente sem pormenores, que se constitui na base inicial para a criação de uma obra; esboço.2 .A primeira versão de uma obra intelectual.3 . Descrição superficial de algo; resumo, síntese.

3.1. Histórias que falam de ‘uma segurança pública’ ou de uma segurança no público.

A Experiência na pesquisa cartográfica não pode se eximir de considerar, o que fez e ainda faz com que o artesão-pesquisador olhe e se toque (afete), reverberando memorias destas experiencias, que datam da infância de quem a viveu e que agora como artesão-pesquisador busco dar curso através de outras composições de imagens, linguagens e sensações.

Algumas destas experiências marcaram a infância de uma criança que cresceu na periferia de Porto Alegre, que admirava a polícia e as armas que eles usavam, que assistiu a jovens da sua idade serem mortos em confronto com a própria polícia ou entre gangues, que começava a entender que este destino traçado, não era escrito tão por acaso, mas por um lugar social estratificado do qual muitos não deveriam/poderiam sair.

A Faca Embainhada...

Ainda enquanto “moleque” corria nas ruas do bairro Restinga em Porto Alegre, brincava com arma de espoleta sempre alertado por minha mãe:

- Olha se a polícia te pegar tu vais preso, ou até morto, porque eles pensam que é arma de verdade(...)

Um dia correndo na rua com uma faca de minha mãe na bainha, ela pergunta...o que é isto guri?

- Isto aqui é porque eu sou polícia!

É a PE...É a PE...Bate com a mão, bate com o Pé…

Está é uma das cantigas que se escuta pela manhã, nos altos do morro Santa Teresa em Porto Alegre, em meio a vários soldados que correm nas ruas da zona sul da cidade, vai se deixando claro que lugar as forças de segurança no país tendem a ocupar. Ocupei este lugar por cinco anos e nele vivi afetos e encontros com corpos que me levaram a esta forma pesquisar.

Um dia ouvi dê um oficial do batalhão:

- Porque está lendo, soldado não precisa pensar!

O pé de porco…

Em 2009 ainda na Polícia do Exército fiz concurso para Brigada Militar, sendo aprovado e ingressando nesta organização no mesmo ano.  Lá deparei me com a condição de acreditar em proteger as pessoas e ter de se saber perder. Acabei por me reconhecer no campo da segurança pública, sentir visceralmente a dor das pessoas as quais às vezes muito pouco tínhamos a fazer...isolar um local de crime, até a perícia chegar em meio a madrugada. O medo de que nos assolava. De que a mãe da vítima chegasse antes do IML liberar o local e retirar dali o corpo...Mas ela chegava e o silêncio e a dor nos estrangulava (…) Perdemos de novo(...).

Outras vezes era andar pelas ruas e se deparar com a inquietação de porque éramos o estranho naquele ambiente. E de repente lá do fundo de um grupo de jovens na rua se ouvia:

- Ó os Pé de Porco…

- Borá lá! Todo mundo bota a mão na parede!

(A) gente de Cidadania…

- Ei, o que é cidadania?...

Ingressei na Guarda municipal de Novo Hamburgo em 2012, após ser aprovado no concurso do ano anterior e passar por um curso de formação de 6 meses, trabalhei por alguns anos num local chamado Sala de operações, recebendo denúncias das ocorrência e repassando para o atendimento das viaturas, no telefone e no trato com os colegas inevitavelmente deparava me com algumas perturbações, incômodos, palavras, alegrias e dores. Deste lugar fui convidado para ocupar outro, com certo desafio do colega que me convidou para o trabalho:

- Precisamos trabalhar para que eles sejam menos “polícia”...
A dúvida deste questionamento ecoou por todo o curso de formação e talvez ainda hoje, ou para sempre, seguirá ecoando pelos corredores da Guarda Municipal.
Seremos gigantes ou moinhos de vento?
Muito prazer, meu nome é otário
Vindo de outros tempos, mas sempre no horário
Peixe fora d'água, borboletas no aquário.
Muito prazer, meu nome é otário
Na ponta dos cascos e fora do páreo
Puro sangue, puxando carroça.
Um prazer cada vez mais raro
Aerodinâmica num tanque de guerra
Vaidades que a terra um dia há de comer
"Ás" de Espadas fora do baralho
Grandes negócios, pequeno empresário
Muito prazer, me chamam de otário
[Refrão]
Por amor às causas perdidas
Tudo bem, até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Tudo bem, seja o que for
Seja por amor às causas perdidas
Por amor às causas perdidas.
[Refrão]
Tudo bem, até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Muito prazer, ao seu dispor
Se for por amor às causas perdidas
Por amor às causas perdidas
(Letra da Música: Dom Quixote, Engenheiros do Hawaii, 2003).

Este é o percurso que trouxe e dá sequência a esta jornada aventureira, que é a formação em segurança pública numa Guarda Municipal, assim as construções que se seguem fazem parte daquilo que reverberou pelo período de seis meses do curso de formação, daquilo que fomos vivendo juntos, sentindo e construindo, das emoções e sentimentos, que se fizeram enquanto construímos ou buscamos construir como coletivo, costurado pelas afetações e movimentos que utilizamos e principalmente que eu utilizava para resistirmos como humanos nestes espaços.

Trata se aqui de uma obra que nasce ela mesma em sua orfandade, nega ou quer tentar negar sua origem, o rigor acadêmico e metodológico, ordenador de um modus de produção e fabricação de subjetividades, para que este trabalho no encontro com outras “formas”, enquanto moldes do social, procure dentro do processo de educação em segurança pública se desvencilhar da próprio academicismo, produzir objetos estranhos, sem uso prático a priori, corpos-esquizo da segurança pública. Este trabalho como jornada não se preocupa em recuperar, mas principalmente em viver aquilo que cotidianamente se vive.

3.2. Bosquejos ético- metodológicos

No caminho que se segue peço ainda certa paciência, para que possamos traçar juntos os percursos por linhas que sei não serão as mais fáceis. Mas necessários são, para a um rigor metodológico e muito próximas ainda de minha dificuldade em trabalhar as palavras, para que estas passagens possam tornar-se mais leves. Gostaria de que, nas páginas que se seguirão, está dureza metodológica se atenue para fazer com que esta figura de nossa aventura, o leitor-viajante possa acompanhar o cavaleiro andante e caminhar com a leveza que a muito este campo merece, embora, terreno muitas vezes árido e de afetações indigestas, penso que se pode seguir com prazer a sequência desta obra.

Preciso marcar caro viajante, que a pesquisa que tem nas mãos almeja exatamente ser uma não-pesquisa, desejo que seja um movimento clandestino, pesquisa que se cria num ritmo vagabundo (vaga-mundo) mais afeta a viver do que a retratar, mais preocupada com o sentir do que representar códigos de significação dados a priori. Talvez agora ela já dê indícios de falha, como em muitos outros momentos possivelmente fará, principalmente diante das expectativas que alguém venha racionalmente e conscientemente construir, mas o desejo a constrói, e este alguém que a deseja, a sonha menos científica, embora necessária, deseja se que seja visceral, que cheire a gente, suor, saliva e sangue. Que misture os cheiros e os corpos e que estes se tornem uma só coisa: Uma pesquisa sobre a educação (formação) em segurança pública. Sugiro assim que estes conceitos deve orientar aquilo que este fazer-se-pesquisa vem mobilizar. Esta pesquisa traz aquilo por que o artesão-pesquisador viveu, sentiu, chorou e regurgitou (ou aqui mesmo agora ainda regurgite), aquilo que no pesquisador cresceu como um tumor, que ele mesmo cuidou para que vivesse e que talvez um dia venha ainda a destruir o organismo, criar aí talvez um corpo sem órgãos daquilo que lhe fez jorrar sangue, suor e todos os outros fluidos corporais por todos os poros, o viver segurança pública no Brasil durante um curso de formação.

3.2.1. Cena: 2: Dos Companheiros da Cavalaria andante.

- Se bem lhe digo meu querido Sancho, 12 eram ao todo os Gigantes.

- Mas meu amo, bem vi que não se tratavam de gigantes. Eram sim moinhos de vento, destes que ao menor sopro se põem a girar e com suas pás baterem na cabeça de quem por imprevisto, ou por loucura mesmo, se põe sob eles.

- Cala te! Pois de muito longe se nota que nada sabeis das bravuras da cavalaria, pois ao acaso imaginas que, não fossem minha agilidade e destreza, muitos outros gigantes não teriam surgido. (E olhando ao alto no céu com olhar de quem desvai em sonho) Pois bem sei, que muitos são os feiticeiros e outros que conspiram para que vivamos estas aventuras”

Muitos foram os que desta nossa aventura participaram, como em nenhum outro campo, o fazer psicologia pode ser proposto individualmente, embora muitos discursos busquem construir heróis ou mitos, nossos gigantes são muitos e anônimos. Foram os doze alunos do curso de formação da decima segunda turma de Guardas Municipais, além dos instrutores, servidores e gestores que de maneira ou outra permitiram que este curso e esta pesquisa acontecessem. Foram também as pessoas que em algum momento passaram na vida de todos nós, que vivíamos este processo singular e que de alguma maneira participaram daquilo que estávamos vivendo nesta jornada formativa.”

Uma cartografia nunca é um trabalho individual, nem está ocupada e preocupada nos indivíduos, mas visa captar e registrar os agenciamentos que destes sujeitos se formam, para tanto como propõe Gallo (2008) que não há sujeitos individuais somente agenciamentos coletivos, importa olhar para aqueles aspectos que remetem para além de condições individuais, configurando toda a condição de problemas e inquietações singulares que os encontros – entre elementos heterogêneos: da ordem das coisas no mundo – agenciam com novas relações e novos usos, em oposição aos usos instituídos e estabelecidos por um discurso majoritário.(GALLO, 2008, p. 77).

3.2.2. Das Condições para que se viva uma aventura de cavaleiro andante

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos sinos sob o número: 2.955.821 e autorizado pela direção da Guarda Municipal, bem como todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido sendo explanado que em momento algum nenhum dos participantes seria identificado.

O percurso deste estudo-experimento ocorreu em encontros realizados no transcorrer do curso de formação da Guarda Municipal de Novo Hamburgo. Os encontros foram compostos de períodos em que o pesquisador-cartógrafo esteve praticando atividades como um dos instrutores do curso de formação, de momentos em que estavam juntos participando de atividades formativas e das atividades de construção das disciplinas, das relações e daquilo que surgiu no contato com os servidores integrantes da organização ou com a gestão da Guarda Municipal. As experiências-vivências foram descritas e relatadas em um diário de campo que foi sendo construído a partir das afetações produzidas no praticar de cartógrafo e que posterior foram utilizadas para os rabiscos deste desenho-cartográfico.

4. O louco aventureiro: Experimento(afeta)ções

4.1. A Sala 

“O espaço era um quadrado, certo cubículo, parecia vazia, mas estava cheia de corpos amontoados, dos vários tipos, do uso que deles se pudesse fazer. De lá não se ouviam vozes, não aquelas que se ouve costumeiramente. Haviam Grunhidos, gritos mais de animais, de cães que cavam suas tocas ou ratos que criam seus buracos...(Este era também um devorar esquizo de uma obra literária). Do fundo deste buraco, o que nos movia a todos os corpos era uma dúvida: Como na solidão da sala cavarmos uma toca?2

4.2. Cena: O cansaço dos cavaleiros

Sancho sabia do erro que era irem em direção de mais uma taberna, ainda lembrava da surra que levaram na última, mas seus apelos eram impassíveis para o seu amigo.

Dom quixote mais uma vez estava decidido que aquela taberna, pois mais parecia uma sala, um cubículo, era um castelo e dizia ele:

- Certamente este castelo é de um Mouro, que ousou vir com sua fama e dinheiro para as terras da Mancha.

No fundo dom quixote tivera uma ideia, que não ousara compartilhar com Sancho, sabiam se cansados, pois, andavam há mais de dia sem parar, montados no lombo de Rocinante, e no Burrico que levava Sancho, que mais de arrasto não iam porque isto seria caírem de vez. Dom quixote tinha um plano secreto, queria neste castelo testar a bravura de Sancho Pança, fazê-lo enfrentar um grande gladiador, destes que os castelões tem para criar aventuras sangrentas, para deleite de sua corte (fora isto que ele lera em seus livros de cavalaria e agora tinha certeza de estar vivendo).

Tinha para si, que no mais Sancho já havia dado provas de lealdade e honestidade para sagrar se cavaleiro e que derrotando um cavaleiro em uma justa não haveria Castelão que não lhe sagraria Cavaleiro Andante. Caso não desse certo, saberia no momento correto intervir ele mesmo Dom Quixote, fosse para salvar a vida de Sancho e para bem mostrar a força de seu braço.

Ao chegarem na taberna gritou dom quixote:

- Ei de Lá, baixem a porta para que o maior Cavaleiro da Mancha possa entrar com seu fiel e valente escudeiro, procuramos pouso, boa comida e belas damas.

- Sancho cochichou:

- Não esqueçais meu senhor que um bom vinho também não faria nenhum mal, inclusive ajuda a descansar os atordoados e cansados de longas viagens.

O que a dupla não previa é que na taberna estava sim outro doido, mais pelo vinho que havia há muito subido para a cabeça e que a esta altura pensava ser o cavaleiro negro. Ao ouvir os disparates de Dom Quixote vindos de fora da taberna gritou lá dentro:

- Soldado! Abri a porta,(hick) Deixai-me ver quem é este, que ousa invadir a estas terras (hick) De somente um cavaleiro a honrar a pureza da bela e Única princesa e Dama de Rossana de Montiel.

- Dom Quixote em um pulo caiu do cavalo de costas. Sacou a espada e antes do taberneiro abrir a porta partiu ela ao meio.

-Quem ousa proclamar uma além da unica e pura dama de Toboso, minha imaculada Dulcineia!

O bêbado se levanta no fundo da taberna e grita:

- fui eu vôvô. (gargalhadas gerais).

- Ah infame! Isto será honrado com a vida. mas não serei eu, pois para mim seria covardia destruir-te com uma só cutelada. Não. Será meu valente escudeiro, que lavará a Honra da formosa Dulcinéia, para provar a todos e a este castelão, que recebe gente de tão baixo valor que é comigo o segundo maior Cavaleiro andante que a Espanha já viu.

Sancho arregalou os olhos e se arrepiou.

- Está doido, meu senhor? Já viste o tamanho dele? De só um soco me parte ao meio.

- Não temais tolo, te empresto minha espada com a qual fui sagrado o maior cavaleiro da Mancha. Tome mostrai-o como se deve respeitar uma dama.

Não fora Sancho que investiu primeiro. Pois que ao tentar levantar a espada o dito Cavaleiro Negro saltou com a garrafa de vinho e moeu-a na cabeça de Sancho. Dom quixote, que vendo aquilo não se aguentou e jogou para cima do bêbado cadeira e mesa da taberna.

O taberneiro homem simples e trabalhador já por desatar em pranto ao ver os dois homens caídos e Dom Quixote a atirar cadeiras e mesas implorou:

- O que desejas senhor, para que partas daqui, por favor? Disse o Taberneiro.

-Quero que digas a todos, que pelo cavaleiro da triste figura perguntarem, que embora ferido seu fiel escudeiro não desistiu e embora, ainda não esteja no tempo de sagrar se cavaleiro, foi capaz de derrotar o cavaleiro negro e mais dois Gigantes.

O taberneiro ajudando D. Quixote a colocar Sancho, ainda desfalecido no cavalo, exclama:

-Tudo que quiseres nobre cavaleiro, o seu nome jamais será esquecido e saiba que aqui jamais precisará voltar, porque nunca entrará outro cavaleiro além deste nobre que agora sai.

Dom quixote virou-se de costas e seguiu puxando Sancho desmaiado sobre o Cavalo e disse:

-Pois assim espero!

Ao virar de costas o taberneiro teve ainda tempo para fazer um gesto com o braço para ele.

4.3. Traçados e Linhas: A Sala viva.

A sala era de uma aula comum, muitos corpos, pessoas de diversos lugares. O tema indigesto. A criminalidade, o que leva alguém a praticar um crime?

Do meio da aula o professor pergunta.

- Alguém se levanta: Mas é que este governo estimula, dando dinheiro para vagabundo! Eles nem precisam trabalhar. Preso tem dinheiro dos trabalhadores e “cidadãos de bem”. Só tem uma saída: A pena de morte! Todos os alunos estão calados, alguns talvez concordem, mas ninguém ousa se levantar e falar, talvez alguns pensassem nisto, mas não acreditavam na coragem do homem que está prestes a se erguer.

Bem aos poucos uma mão negra lá do fim da sala vai subindo. Pede humildemente licença para discordar do nobre colega. Alguns cochicham: Xii esta discussão já vimos milhares de vezes.

De repente este homem se levanta completamente, é pequeno, mas se avoluma como um gigante e de lá conta em lágrimas sua história. Meus colegas, dói que pensem assim. Hoje sou professor de jovens em um projeto de educação e esporte, porque acredito neles, mas vou lhes contar uma história. Perdi meu primeiro e único filho morto por um assaltante. Odiei ele por alguns anos, até que encontrei a mãe dele sem querer, compartilhei a dor dela e ela compartilhou a minha. Já vi o homem que matou meu filho, olhei nos olhos dele, não soube o que falar, mas queria dizer para ele, que merece uma segunda chance, que não o culpo e que nada que se faça trará meu filho de volta(...). Ao final da aula estávamos cansados, abatidos e calados, o mundo nos pesava nas costas.

Neste momento convido a darmos sequência a nossa aventura de cavaleiros andantes, para que possamos conforme propôs Cervantes, que em um dado momento a força de tanto lermos e imaginarmos, possa nos distanciar da realidade, para que em algum momento já não saibamos em que dimensões vivemos, assim e talvez, a partir daí podermos pensar em outras linhas, que nos permitam ocupar outros planos, linhas virtuais que se entrecruzam e produzem encontros-andantes, aqueles que potencializam a vida e são produtores de alegria.

“Afinal, rematado já de todo o juízo, deu no mais estranho pensamento em que nunca jamais caiu louco algum do mundo; e foi: parecer-lhe convinhável e necessário, assim para aumento de sua honra própria, como para proveito da república, fazer-se cavaleiro andante, e ir-se por todo o mundo, com as suas armas e cavalo, à cata de aventuras, e exercitar-se em tudo em que tinha lido exercitavam os da andante cavalaria, desfazendo todo o gênero de agravos, e pondo-se em ocasiões e perigos, donde, levando-os a cabo, cobrasse perpétuo nome e fama.”(CERVANTES, 1978, p 36).

4.4. BRI(COLAGENS)

Um lugar, campo do inabitável, podendo estar entre os diversos subúrbios quentes do Sul (DOS MAIS VARIADOS SUIS QUE HABITAM CADA UM DE NÓS) do mundo, onde ali ainda se produzem diferenciações. Em seu interior pululam corpos, indistinguíveis, corpos que se atravessam, se misturam, sobreposições.  Aos poucos quem chega de longe e nesta sala passa a habitar, ao canto, na penumbra, por ali fica e percebe as poucas distinções (se perceptíveis), vê mais os contornos de linhas que parecem delinear os corpos, vê ao centro um círculo, - gestos- que se atravessam, não percebe e nem sabe (talvez não queira) distinguir quantos corpos é possível contar, vê que por vezes se misturam, ocupam formas difusas(ora são móveis, mobília, ora invadem uns aos outros, os tomam sem pudor, aos olhos de outros que atentos observam. Há outros ainda, chocados pelo que observam, cadeiras acoplam se com braços, uma mesa se desdobra em outros membros...em certo instante- Agitação- os corpos querem ser tomados, ser guiados, como animais se agitam, se agridem, rasgam a pele, outros se mostram desinteressados a um canto, percebe-se: querem não se afetar, como se toda aquela profusão de corpos e agitações, de gritos e uivos pudessem passar-se sem afetações. Os corpos que agitados buscam se a-ninhar, a-grupar como ratos que se achegam a procura de calor, gritam...querem segurança...algumas linhas na névoa de palavras que se forma, parecem querer conformar uma máscara (TER)Giversar, construir o simulacro, demarcar uma identidade...todos querem agarrar se ao território por segurança...Os outros corpos seguem atrás percebem (ou imaginam perceber) um terreno firme (É que para estes corpos ser iguais os torna seguros) (IR)manar.

4.5. A Arena

Dois Gladiadores se olham, sabem que sua luta é ineficaz...qualquer resultado representa, dor, sangue e suor...mas não se deixam amainar, ficam ali...não percebem a multidão de corpos que os observa...De repente…A estocada...A investida...Os corpos se atiram um sobre o outro, puxões, socos, chutes e gritos...aliás, tudo são gritos...Um dos oponentes morde, arranca a dentadas o mais interno do ser do outro, (as palavras)...cospe as como sangue, misturadas com sangue…a velocidade do tempo se reduz ao extremo. O olhar do que está a morrer percebe, numa fração de vida que a linha demarca uma história. Um vir a ser, aquilo que estava a lhe constituir...antes de morrer divaga, mas afinal era sobre isto? Era só por estes caminhos que sempre andamos, sempre fomos um, até chegarmos nesta arena, dualizamos nossas vidas...tudo ou nada, vida e morte, afinal resumem nossa jornada.

Em outro plano este embate se dá em um encontro entre comentários sobre as instruções que serão ministradas alguns discutem o que pensam da formação da Guarda Municipal...um dos coordenadores do serviço dispara….-A última formação focou que eles são polícia, não é bom …. ruim que nem aquela de esquerda focou muito no social(...).”

5. Gigantes, Magos e Feiticeiros: A aventura em busca de novas paisagens na segurança pública

O campo da segurança pública no país sempre seguiu destinos incertos e imprecisos embora tomado por concepções e interesses diversos, muitos foram os eventos que neste percurso foram moldando o fazer e as práticas ligadas principalmente ao agir da polícia. Segundo Souza (2015), historicamente as ações policiais no país surgem relacionadas aos interesses da colônia na manutenção da ordem vigente, “status quo” social, principalmente relacionado ao medo de uma parcela da sociedade brasileira em perder os benefícios e interesses desta como elite histórica, cultural e econômica. Conforme Sousa e Morais (2011), a configuração da segurança pública e das políticas de repressão e controle da criminalidade tem suas origens na própria formação do estado brasileiro em seus aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais.

5.1. Traçados e Linhas: A morte bate à nossa porta.

Primeiro dia da atividade de estágio supervisionado, alguns dos alunos estão empregados em viaturas e outros em postos de serviço...De repente a rede do rádio de comunicação chama:

Atento! VTR Quarto, Bis, Ócta (428) verifica uma denúncia de uma vinte seis (26) próximo a escola Maria Alice!5

Nesta guarnição está um dos alunos e um Guarda Municipal “antigo”, eles respondem pelo rádio que estão em deslocamento...faz se um silêncio na rede de rádio, são alguns minutos, mas para aqueles que o vivenciam parecem eternos. Até informarem a chegada no local e a constatação do homicídio.

Os corpos dos trabalhadores da segurança pública, bem como dos novos agentes que escutam no rádio estas informações se reviram, calam de tensão, silêncios muitos, certo não-saber ocupa as ondas de rádio, inquietação e curiosidade, dúvidas, a finitude da vida tão perto!

Um agente pergunta no rádio:

- Quais as características do indivíduo morto? Tem um ex-aluno da escola que foi visto ai perto.

A confirmação: Era o jovem. Abandonara a escola a algum tempo.

Perdemos nós todos, as políticas de segurança pública perdem mais uma vez, não por não encontrar mais um criminoso, mas por ainda estarem jogando o mesmo jogo, estar no jogo é a certeza de que muito poucas vezes se ganha e alguns dos que chegam agora já começam a perceber isto. A dor oculta perpassa todos os corpos, uma solução se apresenta durante a discussão sobre a atividade de estágio os alunos já havia aprendido algumas formas de lidar com isto…

Um dos que acompanharam a ocorrência diz:

-O colega que conhecia ele disse que ele era vago!6

Os discursos e as práticas existentes nas Guardas Municipais buscam, a partir da insção ou demarcação de “soluções – vagas”, criar formas de sobreviver em um espaço permeado de tensões e jogos de forças. Muitas vezes justificando ocupar o lugar que as polícias militares exercem ou outras ainda buscando justificar este lugar(ou sendo chamadas) para tal, como se possível fosse, terem de provar sua necessidade e sua capacidade de lidar “resolver” os problemas das políticas segurança pública.

A relação da guarda municipal e das polícias com o corpo é o da disciplina, aquele corpo que foge às regras, que transgride, que se furta a estar no lugar para ele preparado, pensado e pronto, aquele corpo que emana multiplicidade e devir, que ao ser já não é, mas ainda é, cria por si só um corpo transgressivo. A necessidade da ordem e do controle impõem esta relação, como busca de normatizar, concretizar esta mudança aqueles que fogem ao padrão esperado, recebem o estigma a chaga de Vagos, termo corriqueiro para vagabundo, que não respeita as leis, criminosos ou simplesmente quem não trabalha, são alguns dos sujeitos a que este termo tende a ser atribuído pelos profissionais de segurança pública. O corpo é também o ponto zero da experiência, o processo molecular de encontro entre o caos e o plano, onde estes se manifestam e misturam, mas o caos que é o corpo também pois é vivo enquanto multiplicidade, lance de dados e frêmito intensivo de vida e de morte.(Zordan, 2016. p1). Este breve limiar busca territorializar aquilo que se está vivendo, dizer sobre o indizível e poder fazer desta experiência algo que ao menos traduza o mal estar é uma possibilidade e uma linha-saída, possibilidade e rota de fuga, para este mesmo mal estar, assim se convive e se convence, talvez a si mesmo, de que pode se conviver com isto. Não se pretende aqui explicar nem representar a experiência de cada um da morte e da vida, vale mais recortar esta cena, desenhar talvez o rabisco de uma história de quem a vive e cria seu patuá de vida, mesmo lidando da sua maneira com a morte, ainda que este movimento seja um grito em silêncio.

5.2. Traçados e Linhas: A conflitualidade nas formas de viver os espaços da cidade.

O grupo de alunos retornava para as instalações onde geralmente ocorria o curso de formação, é que neste dia as atividades ocorriam em um espaço externo, pois tratavam se de prática e aprender técnicas operacionais como possíveis confrontos com criminosos e abordagens a pessoas e veiculos.

No percurso de volta, com o microônibus da guarda municipal ao passar na área central, um dos instrutores que conduzia o veículo para e desce. Juntamente com ele, outro Guarda Municipal, os alunos ficam no veículo observando a ação.

O condutor estava incomodado, há tempos já havia comentado que aquela praça do centro da cidade estava se tornando uma bagunça.

- Como pode? que vergonha! Em pleno centro da cidade a praça cheia de mendigos, gente dormindo, em plena luz do dia, isto realmente estraga a imagem do município. Dizia:

-Quando entrei na Guarda me colocaram a pé numa praça, jamais ia acontecer isto, dava 8 horas, eu chegava perto deles e começava a cantar, dava uma alvorada para eles saírem. O Prefeito, o secretário de segurança e o diretor da guarda na época, enlouqueciam se vissem eles dormindo durante o dia, eu podia até ser exonerado.

Nesta manhã, esse Guarda Municipal desceu do veículo, mais uma vez incomodado e disposto a acordar alguém que dormia totalmente coberto e madar sair dali. Ao se aproximarem o outro Guarda Municipal diz:

- Calma ai!, vamos ver se está vivo.

Quando chegam mais perto a pessoa deitada, levanta a coberta, e olha de sobressalto a dupla se aproximar. Os guardas recuam e encontram um motorista de táxi que se aproximava dele, ele cumprimenta os Guardas e diz:

- Esse ai é tranquilo, ele ajuda a cuidar das lojas à noite, o pessoal das lojas convive e cuida dele aqui.

Os guardas deixam o morador de rua dormindo, retornam para o micro-ônibus.

O Guarda Municipal que conduzia o veículo refere junto ao grupo de alunos:

-Não tem mesmo o que fazer, por isso está assim, a população protege eles, depois reclamam que a praça está um lixo.

Uma das condições que vivemos durante o processo de formação foi o tensionamento sempre presente da segurança pública e as pessoas em situação de rua. O espaço urbano permitido para se viver não é o mesmo para todos, aos estranhos, aqueles que subvertem a ordem, a pureza, aqueles que, por estarem em outro lugar que não o esperado são vistos como “agentes poluidores” e que segundo Bauman(1999) muitas vezes são aqueles os quais que nenhum lugar certo foi idealizado, e que não foi reservado qualquer fragmento de ordem preparada pelos homens. Sendo assim o mundo daqueles que procuram pureza é simplesmente pequeno demais para acomodar a diversidade e diferença. O estranho também traz potencialidade, revira e subverte o ambiente, imprime novas paisagens tem o impacto de um terremoto nas territorializações. Como diz Selbach (2006) é o Flâneur pós moderno, que imprime outros usos e tempos para a cidade, Inventa seu espaço e busca que se conviva com ele, ainda que se busque negar sua existência ele constrói sua rede de relações, inventa novos usos para a cidade enquanto se busca impõr a eles lógicas hegemônicas, ainda que estas sigam a perversa linha da exclusão e da higienização, gritam. Eu estou aqui!

Como também gritam de outra maneira o ‘estar aí’ os servidores e alunos do Curso de formação, para trabalhadores-servidores que se constituem como uma função, a manutenção da ordem no espaço público? Precisando questionar que ordem estamos falando? Uma ordem estabelecida a serviço de quê? De quem? Neste sentido o morador de rua é bom enquanto ele cuida das lojas, desde que não atrapalhe o consumo, não perturbe o fluir de mercadoria... dentro desta perspectiva esta lógica se mantém com a figura do: Ele é tranquilo!

Segundo Valencio et al (2008)  historicamente o Brasil tem recrudescido as práticas coercitivas que impedem a expressão da cidadania das populações em situação de rua, através de ações truculentas como a busca pela eliminação do cenário dos sujeitos vulneráveis seja pela ação pública ou de órgãos específicos, chegando ao auge da beligerância e da tortura como forma de dominação política que naturalizam o autoritarismo. De outro ponto se avolumam os grupos que cobram um tratamento e um olhar para estas populações considerando as risco para a segurança pública e buscando retroceder na interlocução com os direitos humanos destas populações. O que se constata é que os órgãos de segurança pública seguem tendo em suas pautas as questões de higienização e exclusão das pessoas em situação de rua, com discursos que justificam a proteção de cunho higienista atrelando essas pessoas a criminalidade e retirando seus pertences, fichando-as nos registros policiais ou simplesmente levando as para outras cidades como justificativa de as devolver a cidades natais. Em meio a esta conflitualidade encontram se os servidores da segurança pública, uma sociedade e “cidadãos” que cobram a limpeza e exclusão dos estranhos e a garantia e manutenção de direitos das pessoas fragilizadas pela situação de rua. (Bauman, 1999).

5.3. Cartografia da polis: O dispositivo “Polícia” como ferramenta de criação das “classes perigosas”.

5.3.1. Traçados e Linhas:  O Penta-ter

(...)Atento a patrulha de “gê-emes”(GMs) que está na esquina. “Que-a-pe”(QAP) para um indivíduo que vai passar por ai, é mulato, aspecto sujo, tá de calça jeans e camisa amarela, é um conhecido penta-ter(53)7 do local.(...)

- Se visualizarem abordem ele.

A rede de rádio do treinamento é em um dado momento interrompida por esta informação dada por um dos instrutores. A construção e inserção da máscara não se dá sem dor, a educação em segurança pública perpassa a produção discursiva de uma ordem militarizada, o suspeito, o perigoso tem uma face, um jeito de ser geralmente identificado como o pobre ou marginal.

O conceito de polícia, segundo De Souza (2016), como instituição, tem origem na palavra grega politeia (pólis = cidade + téia = administração). Este termo passa ao latim com o mesmo sentido, governo, administração da cidade, no entanto com o tempo passa a designar os interesses de tutela do governo e do estado, assim polícia passa a designar a instituição incumbida de zelar pelos interesses do estado. Sua própria função vem sendo moldada ao longo dos anos, construída diante das questões e necessidades que se impõem na própria história social do ser humano, das configurações e relações sociais que se impõem na contemporaneidade. Bengochea (2004) cita, no caso específico da instituição policial brasileira, o período ditatorial como marco de modelização desta prática. Segundo Sousa e Morais (2011) a instituição policial tem legitimidade de ação quando algo que acontece não deveria acontecer, ou, quando não acontece algo que deveria acontecer, é esta instituição incumbida de usar da força a que o estado, através de suas organizações e instituições, demanda para o cumprimento da lei e manutenção da ordem. É a instituição que tem autorização ao uso da força e da coerção, embora dentro dos preceitos e limites legais.

A Polícia é um órgão governamental, presente em todos os países, politicamente organizados, cuja função é a de repressão e manutenção da ordem pública através do uso da força, ou seja, realiza o controle social (SOUSA; MORAIS, 2011, p.3).

A história da polícia brasileira é marcada por lógicas escravocratas, clientelistas e autoritárias, para Halloway (1997) este processo é percebido nos diversos tratamentos que esta organização atribui aos sujeitos, aos quais, pretende atender e a qual parcela da sociedade eles encontram se inseridos. Halloway (1997) atribui o aparecimento do “dispositivo polícia” no contexto histórico brasileiro à vinda da família real em 1808 ao país, criando assim estruturas burocráticas estatais ao modelo do império Português. As primeiras polícias no Brasil têm origem mesmo antes da república e da independência, sendo que data dessa época o surgimento das duas principais estruturas corporativas policiais existentes no contexto social da atualidade, as polícias militares e a polícia civil.

Em 1808 foi criada a Intendência-Geral de Polícia da Corte, com as tarefas de zelar pelo abastecimento da Capital (Rio de Janeiro) e de manutenção da ordem. Entre suas atribuições incluíam-se a investigação dos crimes e a captura dos criminosos, principalmente escravos fujões. O intendente-geral de polícia ocupava o cargo de desembargador, e seus poderes eram bastante amplos. Além da autoridade para prender, podia também julgar e punir aquelas pessoas acusadas de delitos menores. (SOUSA; MORAIS, 2011, p. 5).

Conforme Sousa e Morais (2011), a principal instituição a originar as polícias militares foi a Guarda Real de Polícia. Criada em 1809 e organizada militarmente, possuía amplos poderes para a manutenção da ordem pública, destacando-se que ainda na atualidade esta é uma das principais atribuições das polícias militares, sendo que estas corporações espelhavam os métodos brutais e violentos existentes nas ruas e na sociedade em geral. Como resultado da ineficiência desta organização foi em breve extinta, seus oficiais redistribuídos em unidades militares do exército e seus praças dispensados. No mesmo ano, foram criadas as Guardas Municipais permanentes, buscando suprir a falta da primeira. Note-se que neste período os principais problemas de ordem pública decorriam da manutenção do processo escravagista, sendo que estas corporações tinham na perpetuação deste sistema, seu maior desafio.

No período da primeira república, com a abolição da escravidão, estas corporações têm seu escopo alterado drasticamente, também devido ao reaparelhamento do aparato repressivo estatal. Para Sousa e Morais (2011), com a abolição da escravatura e o surgimento do federalismo descentralizado, houve uma rápida inflação das áreas urbanas do país, o que demandou profundas modificações nas estruturas policiais. Com esta mudança social, o trabalho das polícias foi reorientado da manutenção da ordem escravista, passando a focar na manutenção da ordem da população urbana que crescia desenfreadamente migrando do campo para as os centros urbanos.

Na era Vargas, a polícia tem seu papel reconfigurado novamente, para atribuições de controle social de ordem política. Conforme Bretas e Rosemberg (2013), data do período de governo Vargas o surgimento da polícia política como órgão de controle e repressão dos dissidentes ao referencial ideológico do estado. Neste sentido, certos grupos passam a ser mais vigiados e controlados pelos órgãos policiais, são os ditos sujeitos subversivos: italianos, judeus, alemães, japoneses, comunistas e anarquistas. No estado novo, o governo passa a ser o estado e a polícia o principal órgão de poder da sociedade, pois personificava o aspecto executivo da figura do ditador, configurando assim um novo projeto político ditatorial (CANCELLI, 1993).

Ao final da década de 50 e início dos anos 60, o país passa a viver um conturbado momento político, pois algumas classes populares aumentam sua participação política e o mundo, diante do período pós-guerra, vive as incertezas da então insurgente guerra fria, com a separação entre comunismo x capitalismo. No Brasil, alguns movimentos passam a consolidar aspectos políticos e culturais desenvolvendo noções sociais como a de cidadania e luta por direitos humanos e sociais. Porém, de acordo com Simões (2004), a elite empresarial brasileira, após a queda de Getúlio Vargas, passa a projetar um desenvolvimento modernizante para inserir o país como sociedade industrial no mercado internacional capitalista. Este projeto partia de premissas conservadoras e excludentes e está ideologia encontrou adeptos na então Escola Superior de Guerra (instituição de formação de oficiais do exército brasileiro). Neste contexto, a chegada de João Goulart ao poder com a renúncia de Jânio Quadros significava retrocesso ao projeto desenvolvimentista da elite brasileira.

As classes dominantes e seus aparelhos ideológicos e políticos, no pré-64 apenas enxergavam baderna, anarquia, subversão e comunização do país diante de legítimas iniciativas dos operários, camponeses, estudantes, soldados e praças... Tais demandas em sua substância, reivindicavam o alargamento da democracia política e a realização de reformas do capitalismo brasileiro (TOLEDO, 2004, p.68).

De acordo com Cancelli (1993), este emaranhado de tensões e interesses políticos difusos converge então no golpe militar de 1964. Instaurado o golpe militar, o papel das polícias militares em muitos estados, como no caso de Minas Gerais, foi incumbir-se de reforçar e orientar suas práticas como apoio ao exército, ocupando-se neste período da manutenção da ordem em defesa de um patriotismo.

Com os adventos das crises políticas havidas no Brasil, no corrente ano, e que gerou no seio do povo situação de expectativa e mesmo de ansiedade, a Polícia Militar manteve-se de prontidão nos seus quartéis, velando pela paz do Estado (OLIVEIRA, 1962, p.39).

Neste cenário, exacerba-se o papel repressivo e político das polícias que passam a ter como incumbência combater a figura do “inimigo interno”. Na contemporaneidade, o papel da polícia se redimensiona principalmente a partir do processo de redemocratização do país. Na década de 1980, as organizações policiais vêem seu papel questionado, principalmente as antigas práticas exercidas agora em diante de uma sociedade dita de direitos. No início dos anos 1990, as corporações policiais, cujas práticas históricas foram enrijecidas pelo período ditatorial, iniciam um processo de rompimento com o modelo histórico do sistema policial, principalmente devido às mudanças sociais e em especial, ao crescimento das práticas democráticas e fortalecimento da noção de cidadania. Este descompasso entre as práticas policiais e o contexto social produz nestas organizações uma crise (BENGOCHEA, 2004, p.20). Novas práticas e propostas políticas passaram a ser pensadas na segurança pública e no papel das polícias, como a abertura aos municípios da discussão sobre seu papel na segurança pública. Cabe destacar que o papel da polícia não se trata de campo estanque na atualidade, mas permeado por tensões e discursos, que ora buscam construir políticas públicas inclusivas, democráticas e protetoras de direitos, ora objetivam a manutenção de práticas repressivas e excludentes em defesa dos interesses culturais e sociais de parcelas da sociedade.

5.4. Guardas Municipais: Entre a (re)invenção do Campo Segurança Pública e a reprodução das velhas práticas.

5.4.1. Traçados e Linhas: Vagabundo ou “Cidadão à margem da sociedade”.

Durante as atividades de ensino uma figura linguística surge, “o vagabundo”. Um instrutor me relata estar incomodado com esta fala, que tem se tornado constante e profere em uma de suas aulas:

-Não quero mais que usem o termo vagabundo!

Percebo que durante as próximas atividades a turma passa a referenciar aqueles que antes nomeavam como vagabundo por: “Cidadão à margem da sociedade”, este termo passa a se ampliar para alguns dos alunos passando a nomear então aqueles sujeitos que além de cometerem crimes, ilícitos e outras situações não bem aceitas pela sociedade como morar nas ruas, por vezes utilizam para aqueles que  não tem emprego ou ainda moram em locais tidos como violentos ou estão em situação de pobreza, ou ainda não obedecem às leis de trânsito. Percebo que este termo vai tomando ao longo da formação tom de deboche.

“- Daí o Vagabundo (ops) Cidadão à margem da sociedade, vai preso e a família ainda fica ganhando dinheiro do estado para bancar ele, têm é que matar tudo!” (Fala em uma discussão acalorada).

Os movimentos de repulsa e separação das diferenças, daquilo que foge de uma identidade congelada, do desejo que vai produzindo movimentos outros e inesperados assusta um grupo. Passa-se a olhar com repulsa, diferenciar e produzir diferenciações negar a maquinaria social e se apregoar a uma identidade fixa e cristalizada é um movimento necessários para aqueles corpos que se percebem diante da possibilidade de se envolver pela diversidade e pluralidade. Deste platô extinguir o plural parece ser a solução possível.

A Guarda Municipal de Novo Hamburgo foi criada a partir da lei 05/1990, com efetivo inicial de 180 Guardas Municipais que iniciaram seus trabalhos no ano de 1992, passando por curso de formação de 133 horas aula no um total de 15 dias. Sob comando do primeiro diretor da Guarda Municipal o Cel. PM da reserva Sr. Antônio Francisco Mesquita Salgado, sendo que este convidou para seu assessor na época, o Sub-Tenente. PM da reserva Natalício Inquelman Blanco.(GUARDA MUNICIPAL DE NOVO HAMBURGO, 2019).

No ano de 2018, foram nomeados 12 servidores para participar do curso de formação de Guardas Municipais em um curso constando com 830 horas aula, conforme plano politico pedagógico do curso de formação (Guarda Municipal de Novo Hamburgo, 2018)8. Após seis meses de curso os 12 servidores aprovados no curso entram em exercício no dia 27 de novembro de 2018.(PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVO HAMBURGO, 2018).9

A função dos municípios na segurança pública pode ser pensada como um desafio recente, principalmente após a constituição de 1988 que define em seu art. 144, no que trata da segurança pública em seu § 8 as disposições das competências do município na segurança pública.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:(...)

(...) § 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei (BRASIL, 1988).

Somente a partir da constituição federal de 1988 os municípios passaram a ser pensados como entes colaborativos na segurança pública, sendo que, a partir do ano 2014, foi aprovado pelo congresso nacional e sancionado pela então presidenta Dilma Rousseff a lei 13.022 que institui o Estatuto Geral das Guardas Municipais, oficializando estas organizações e demarcando suas atribuições e funções na segurança pública. Em seu texto, o estatuto não transforma as corporações de segurança pública municipais em polícias, porém amplia o rol de atividades e competências dentro das políticas de segurança pública. Segundo Kopttike (2016) o ministério da justiça formulou e apresentou o projeto de lei em 2014, buscando garantir que as guardas municipais não se tornem polícias militares dos municípios, porém ao mesmo tempo não permaneçam restritas simplesmente ao cuidado dos prédios públicos.

Em Novo Hamburgo, no ano de 1990, é instituída a guarda municipal através da lei nº 5 de janeiro de 1990. No ano de 2008, a lei é alterada para comportar as funções de fiscalização de trânsito em âmbito municipal.

Art 1. Fica criada a Guarda Municipal de Novo Hamburgo, corporação uniformizada e armada, à qual caberá a proteção e a vigilância dos bens, serviços e instalações do município, assim como zelar pelo sossego público e cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições, no Município de Novo Hamburgo. - Redação dada pela Lei nº 1794/2008.(NOVO HAMBURGO, 2008).

No ano de 2017, o município altera novamente as atribuições da Guarda Municipal de Novo Hamburgo através da lei 3.067 de 2017 que atribui novas competências a Guarda Municipal em seu anexo I.

Anexo I(...)Descrição Analítica: Promover a vigilância e proteção dos logradouros públicos, realizando o policiamento diurno e noturno; promover a vigilância dos próprios municipais; promover a segurança e fiscalização para a utilização adequada dos parques, jardins, praças e outros bens de domínio público, evitando a depredação; promover a vigilância das áreas de preservação do patrimônio natural e cultural do município, bem como preservar mananciais e a defesa de fauna, flora e meio ambiente; garantir a segurança ao pleno desenvolvimento de atividades curriculares nas instalações das escolas municipais; garantir a integridade física e moral de toda a comunidade escolar no âmbito de competência municipal; exercer e apoiar a fiscalização da prefeitura na aplicação da legislação relativa ao exercício de poder de polícia administrativa do município, inclusive inibir e impedir ocupação ou invasão de áreas públicas municipais destinadas às políticas de habitação; promover a formação, qualificação, aperfeiçoamento e habilitação dos integrantes da GM; capacitar e treinar seus servidores ao desenvolvimento de aptidão física e de técnicas de defesa pessoal; Promover palestras, cursos, treinamento e instruções da comunidade em geral, com vista ao desenvolvimento a cidadania e consciência da preservação do patrimônio público, meio ambiente e segurança ao trânsito; elaborar planos de segurança para eventos instalações e espaços públicos sobre a responsabilidade da comunidade; coordenar suas atividades em ações do estado no sentido de oferecer e obter colaboração para ações integradas na proteção e segurança da população em geral; proteger autoridades e servidores do quadro efetivo quando de representação ou em exercício da função administrativa operacional ou de fiscalização; promover a educação, a orientação, controle e fiscalização do trânsito no âmbito da jurisdição e circunscrição municipal; realizar escoltas de pessoas, cargas e valores quando de interesse de responsabilidade do poder Público Municipal; garantir a segurança dos locais e servidores quando em atividades de ação comunitária ou de promoções de eventos populares sob a responsabilidade do município.(NOVO HAMBURGO, 2017).

Neste sentido, o que muitos autores como Adorno (2016) têm discutido é o lugar dentro das políticas de segurança pública ocupado pelas Guardas Municipais e como estas têm buscado construir sua atuação. Na grande maioria dos casos o que se observa é que estas corporações têm buscado seguir o modelo das polícias militares no que tange a repressão, em muitos casos acabam reproduzindo práticas de controle e segregatórias, ordenadas por modelos tradicionais das polícias militares. Nesse sentido, para o autor, o que as guardas municipais emulam são práticas idênticas as já executadas pelas polícias militares, citando ainda que, em vários casos, há guardas municipais sendo capacitadas para o uso de fuzis, operando lógicas nas quais não há um debate aprofundado a respeito do papel das guardas municipais nem dos municípios no caso da segurança pública.

5.5. Cena:  Formação em segurança Pública: Por um sul a seguir.

(Sancho) - Meu senhor, quem sabe possamos retornar às nossas humildes casas, penso se a esta hora minha mulher, sua sobrinha e sua ama já devem à muito procurar nós, se não andarem por aí a dizer que estamos mortos e a procurarem nossos corpos. Pois lhe digo, meu senhor, a esta altura, pelo cansaço e pela fome que aqui vou, estou já a abrir mão da ilha que me darias e da qual me faria Governador.

(Dom Quixote) - Acalma te homem, tens falado muitas tolices acaso não sabes que antes de ser governador o que de mais honroso há para um homem é sagrar se cavaleiro, deveras não entende. Se soubesses que estas aventuras que travamos só ocorrem para elevarmos o grande nome da formosa senhora dos meus dias a bela e encantadora dama Dulcinéia do povoado de Toboso. Tu também se tivésseis grande dama e o mínimo de honra, por ela farias as maiores peripécias.

Sigamos, pois, a partir de agora ao Sul, pois o Norte de todos os Feiticeiros, magos e malfeitores é o Sul para que vamos seguir…

Sancho seguiu-o sem entender palavra do que Dom Quixote havia dito.”

Nosso norte é o sul, sem bairrismos buscamos aqui problematizar as postulações, fugindo dos discursos dominantes no campo e no papel da segurança pública, encontrarmos linhas de fuga, produção de desejo no social que cria movimentos de singularidades, interessa-me discutir o papel das Guardas Municipais, principalmente da Guarda Municipal de Novo Hamburgo, com o seguinte questionamento: como tem sido conduzidas as formações nesta corporação? Como não é consenso o lugar das guardas municipais nas políticas atuais, não há também consenso entre as práticas e modelos formativos, cada município agindo e promovendo cursos de formação conforme suas lógicas e demandas locais, bem como os preceitos de determinada linha de comando. Embora recente a proibição de Policiais Militares na direção destas corporações com o advento da lei 13.022/14 (BRASIL, 2014), o que se observa é que, em muitos municípios, oficiais das polícias militares ainda assumem a posição de chefia sobre as guardas municipais como secretários municipais de segurança pública (BISPO, 2016).

5.5.1. Traçados e Linhas Oito: O Guarda Municipal Dramin.

Era uma aula junto a uma corporação externa a Guarda Municipal, ocorria no prédio do corpo de bombeiros e refere-se a conhecimentos sobre combate a incêndio.

Durante um momento da atividade um dos Alunos levanta a mão e solicita para o palestrante que estava à frente:

- Posso sentar na primeira fileira? É que não estou me sentindo bem, tive de tomar um Dramin.

(Risadas).

No retorno para a sede da Guarda alguns dos colegas(alunos) passam a chamar o colega de GM Dramin.

5.5.2. Traçados e Linhas: O Perguntador

“(Instrutor) - O Guri novo é perguntador né?

(...) Daí ele começou com uma história de: E se isso, e se aquilo(...)

Já dei a real para ele. Para com esta história de e se..., e se…

Se não tu já vai se queimar aqui na Guarda.

Segundo FENAPEF (2016) os profissionais de segurança pública convivem cotidianamente com processos de silenciamento e boicotes, seja por parte dos comandos ou dos próprios profissionais de segurança pública. O policial que expõe sua fragilidade ou medo, muitas vezes recebe a marca de menos operacional, assim muitos. relacionam alto grau de assédio moral em instituições policiais e militares de todos os níveis e relaciona estas relações com a característica de serem instituições totais com alto grau normativo e burocrático que tende a engolir e englobar a subjetividade e a afetividade dos trabalhadores. (CORREA et al, 2012).

Para De Miranda (2008) a cada vez que a mídia divulga casos de violência policial, retoma-se o debate de discutir os currículos dos cursos de formação. Esta autora refere ainda que, em pesquisas sobre as formações em segurança pública, prevalecem a socialização dos indivíduos através do exercício da função, marcadamente autoritárias e hierárquicas, pautadas no combate ao crime e na capacitação aos conflitos armados. De Miranda (2008) propõe ainda que esta característica não é marca única das polícias e instituições brasileiras, mas da maioria dos países de orientação democrática, sendo que estas organizações mostram se extremamente resistentes a mudanças na maioria dos países.

A partir da implementação da lei 13.022/14, muitos municípios que possuem guardas municipais têm implementado mudanças na gestão das instituições, como tentativa de ordenarem-se em direção ao cumprimento da legislação, tendo como fio condutor novas ações, buscando adequar as formações em linhas preventivas e comunitárias (BARROSO; MARTINS, 2016). O pano de fundo das ações são as orientações políticas para formação estabelecidas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública e Ministério da Justiça.

Em 2004, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), desenvolveu uma proposta para a formação das guardas municipais usando como referência estratégica o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), no qual cada esfera (federal, estadual e municipal) e instituição (policiais, bombeiros e guardas municipais) tinha atribuições conectadas e articuladas para a promoção da segurança. Coube aos municípios e às guardas municipais as atribuições de caráter predominantemente comunitário e preventivo. (BARROSO; MARTINS, 2016, p.43)

5.6. Cena - Novos Acoplamentos: É possível a máquina “polícia” produzir direitos?

Dom quixote e Sancho seguiam pelos bosques da Mancha quando ao longe avistaram alguns meninos por volta de 8 anos de idade.

Pois, nesta aventura até ia lá Sancho concordar com Dom Quixote, crente de não haver o mínimo risco de se envolverem em encrencas.

O nosso cavaleiro andante se aproxima dos meninos que a colher frutos de trepados em uma laranjeira estavam. De lá de baixo Dom quixote grita:

-Ei Garotos, de onde sois vós? pois devo levardes em segurança a suas mães!

Os meninos apavorados com as figuras, principalmente com Dom Quixote e sua extravagante armadura e seu cavalo Rocinante, mais em pele e osso do que outra coisa, começam a atirar laranjas nos cavaleiros. Por boa pontaria ou pela maior silhueta, o primeiro que eles acertam é Sancho exatamente na cabeça, que de tão forte solapão quase fica desacordado.

As próximas certamente acertam Dom Quixote que de uma só vez lhe arrancam o elmo da  cabeça, os dois assustados partem em disparada.

- Quem acreditaria meu velho amigo Sancho, pois certamente aí o mago Arcalaus me prega das suas, não somente com gigantes mas também e agora através do pequenos.”

5.6.1. Traçados e Linhas: Quais são os Lugares que o Guarda pode Habitar?

“Nunca me vi neste papel(...) O trabalho com as crianças me surpreendeu...Hoje vejo que a função de Guarda Municipal, está muito mais em trabalhar com estas crianças na proposta de prevenção…”

Em qual a cor da farda dos guardiões da ordem? Cecília Coimbra(2013) discorre sobre a construção das políticas de segurança pública no país e sua orientação histórica a manutenção da ordem relacionada a exclusão das classes menos privilegiadas e de trabalhadores, neste sentido muitas vezes o lugar dos órgãos de segurança pública no Brasil tem sido combater o inimigo interno desde a doutrina da segurança interna proposta no período ditatorial. Os órgãos de segurança pública têm pautado e orientado suas práticas em um modelo repressivo de manutenção da ordem com vistas a estratificação social e proteção de grupos e interesses específicos no país. Muitas das condições que vivem os policiais e agentes da segurança pública dizem respeito a uma dupla contradição diante da inexistência e ineficácia de políticas públicas para a segurança e a existência de valores morais arraigados na sociedade brasileira que se pautam pela lógica do “Bandido bom é bandido morto” os próprios meios de comunicação, a mídia e uma parcela conservadora dominam a opinião e reafirmam o posicionamento da necessidade de uma policia violenta que dê conta de conter os crimes dos “marginais”.(CRUZ, 2016. s.p).

5.6.2. Traçados e Linhas: Aproximação com o Inusitado.

“...Em frente à escola fui entregar uma fitinha (da campanha maio amarelo) e disse pra ele:

- Pede para teu pai colocar em ti.

Ele me disse:

- Meu pai tá preso!

Na hora não saia nada, não sabia o que dizer, de repente veio baixinho, como sem querer.

-Pede para tua mãe então!

É necessário discutir e questionar se as organizações de segurança pública são capazes de reconstruir suas práticas em direção a uma ação mais solidária, comunitária e responsável, com vistas à proteção dos direitos humanos e da cidadania. Bicalho (2005) considera que é possível apostar em um modelo de segurança pública e lógicas policiais, que divergem do modelo de combate ao “inimigo interno” e da doutrina de segurança nacional que opera na lógica da guerra aos “vagabundos que nos retiram os direitos de andar livremente pelo calçadão” (BICALHO, 2005, p.10). O autor ainda convida a questionar: o que estamos fazendo em direção a uma formação policial? Estas práticas estão incumbidas e responsáveis socialmente, com reflexão da ação? Neste sentido, é importante discutir e questionar: por que se mantém discursos como “direitos humanos são para bandidos” ou de que “direitos humanos devem ser somente para humanos direitos” mantendo ainda as dicotomias direta x esquerda?

Os agentes de segurança publica segundo Cruz (2016) exercem a perversa missão da manutenção da ordem estatal com um excessivo peso destacado para suas vidas, ao mesmo tempo em que executam ações da violência estatal são também vitimas dele, gerando um lugar de insegurança e medo em relação ao agir do policial. O policial na ponta é em certa medida o carrasco do rei, para cumprir as mais difíceis funções a que o estado lhe atribui, sejam desocupar famílias de uma área de invasão, seja prender ou cumprir determinações de internação compulsória estes trabalhadores se deparam com a possibilidade do inusitada e da incongruência: Ser agente de promoção de cidadania e garantia de direitos e executar a manutenção do papel institucional de um estado que nega os direitos e as diversidades.

6. Dom Quixote encontra Dulcinéia: Diálogos entre a Psicologia e a Segurança Pública.

6.1. Cena: Os Encontros

O coração de Dom Quixote estava acelerado. Sancho não sabia, mas ele tinha certeza que entre aquelas três donzelas, que caminhavam pela estrada afugentando se do sol com sombrinhas na mão, junto delas estava Dulcinéia.

Ao chegarem perto das Damas Sancho cumprimentou as:

Boa tarde! Senhoritas.

- Dom Quixote que vinha um pouco atrás repreendeu-o.

- Desça do cavalo homem! Ajoelhe-se diante da mais formosa dama que toda a terra já viu…

As mulheres começaram a rir(...)

Não entendiam nada dos disparates que Dom Quixote estava a proferir. Ele falava em Amor mais belo que o de Amadis de Gaula e Oriana, que por hora precisavam permanecer distantes enquanto ele o Cavaleiro da triste figura estivesse a enfrentar todo o tipo de Bravuras para enaltecer o nome de tão magnífica donzela.

As mulheres assustadas, seguem viagem e Dom Quixote murmura para Sancho.

- Ah, Sancho, não fosse eu tão valoroso Cavaleiro. Largaria tudo e seguiria com a Doce Dama de Toboso, deixaria para vós toda a fama que conquistamos até agora.

Sancho retruca:

- Não esqueça senhor que ainda me falta a ilha para governar, que seja ainda uma pequena e com poucas gentes.

- Mal sabes tu Sancho, Não terás só ilhas, terás continentes!

A aproximação da psicologia com o campo da segurança pública, assim como Dom Quixote em busca de sua amada Dulcinéia é uma aproximação-sonho, possível e capaz desde que uma psicologia como ciência que conheça seu lugar e as responsabilidades que opera diante das comunidades e coletivos com quem convive. Precisa antes de tudo conhecer suas linhas de atuações ético-políticas como ciência, para que possa mais do que profetizar e prescrever formas de ser e identidades homogêneas, operar na potencialização da vida, que possa junto aos trabalhadores e as comunidades viver com eles a miséria do mundo e ser companheira de viagem, não como mera observadora, mas identificar-se e perceber as novas formas de sofrimento e que muitas vezes como ciência contribui para que se fortaleçam.(GALLO, 2008, p. 72). A psicologia precisa produzir assim como as minhocas seu patuá, sua razão de ser micropolítica, que a nível rizomático possa construir seu submundo e talvez a partir deste lugar micropolítico, possa também destrua as raízes das antigas práticas majoritárias, como as minhocas que alimentam se das raízes destas velhas práticas em níveis ínfimos até o ponto em que estas já não sejam capazes de se manter, fazendo aí que se imprimam mudanças nas paisagens e nos terrenos deste campo através da criação e do surgimento de outros rizomas e outras relações mais humanitárias e preocupadas com a vida em todos os seus níveis.

6.1.1. Traçados e Linhas: Ser Guarda é ser Psicólogo e Pedagogo

Durante as atividades de estágio um dos alunos relata a seguinte experiência:

Estava acompanhando uma dupla de Guardas Municipais “antigos” um colega e uma colega e fomos chamados para auxiliar em uma escola, sobre um aluno que agrediu um colega e ameaçou a professora.

Encontramos Ele. A Colega foi para um canto conversar com o menino. Começou dizendo que já conhecia ele, que sabia que ele sempre agia assim e que não queria mais saber dessas incomodações na escola(...) Ela (colega da Guarda) seguia xingando ele (aluno), que parecia nem estar ouvindo…De-repente, Ela(Guarda) deu um tapa no braço dele. Eu me assustei, não sabia como agir, se falava para ela que não achava legal aquilo, ou se ficava ali caso ele avançasse nela (ele já era grande, podia não respeitar ela), como ela era a mais antiga não falei nada.  

- Enquanto ela estava lá também xinguei ele, mas no fundo não achei certo o que ela fez. Quando ela saiu chamei ele e tentei dar uma moral para ele, disse:

-Cara a gente vê que tu é um guri bom, porque faz isso? Tu não quer ter uma vida legal?

Ele disse que sim, que queria ir para o exército. Dai eu disse:

-Tu acha que lá tu vai durar desse jeito? Lá, assim tu ias acabar preso, olha o que eu mais quero é um dia te encontrar como um colega meu, não como bandido.

Colocando em xeque as dicotomias – mocinho x bandido – e transitando nas bordas dos lugares de saber, talvez algo se irrompa nos caminhos já tão bem traçados e delimitados moralmente no social.

6.1.2. Traçados e Linhas: Os Viajantes por perto

Em visita a um estabelecimento de ensino, aqueles que por desejo ou condição imposta, pela necessidade de assumir o cargo, também nomeados como alunos comentam que existe uma estrutura boa, relembram que onde estudaram nem sempre tiveram estas condições, um dos instrutores fala:

- É que estamos em uma área nobre em outros bairros tem muita violência e chinelagem.

Os corpos de início presos ancorados ainda por um desconhecido medo de perderem-se, iniciam se tímidos nos espaços da escola, uma criança vem, abraça um dos instrutores chama ele pelo nome, ele pergunta como está, diz para os alunos que trabalhou nesta escola por, muito tempo fez muitos amigos, os corpos se afetam surgem “flexibilizações”, sorrisos, olhares entre os alunos e as crianças, este se aproximam, conversam. Alguns dos instrutores portam armas, as crianças se aproximam querem saber, ver(tem medo e atração) por estes corpos capazes de ceifar a vida de pessoas. Um dos instrutores diz:

“- É que nós bairros da periferia as crianças não tem medo de arma, chegam e dizem: meu pai tem uma pistola dessa tiu, essa é uma 380? Meu pai tem uma 9 milímetros ou uma Ponto 40.”

Alguns dos integrantes da turma deixam se levar, percebem se ocupar outro espaço, permitem se encontrar com aqueles outros corpos, diversos e variados, crianças, professores, educação, escolar, instituições, polícia. visitamos um espaço de arte criado pelos alunos da escola, a turma passa a ampliar se, deixam se tocar, surgem comentários diante de quadros, esculturas, maquetes e lembranças, revivem a infância e permitem ser outros.

Ao sair da escola deparamo nos com infrações de trânsito, comentários:

Pais que não respeitam, que ameaçam professoras por chamarem a guarda, estes são os “tortos” só apreendem na base da multa, a turma concorda a cisão se cria novamente eles/nós:

Deixa aos que a vivem o medo da incerteza a necessidade e busca urgente de uma máscara de um terreno que possa suportar e conter o sujeito-devir que se forma.

Uma psicologia que conheça suas armaduras, que se tenha presente uma responsabilidade, luta em defesa da vida e da potência de vida, não se furta de estar próximo e de dialogar com a segurança pública. Cria espaços e se despe de preconceitos dos mais diversos para considerar o que vivem as pessoas e as comunidades, bem como os trabalhadores. Uma ciência que esteja próxima e cheire a gente que se proponha a conviver com as misérias do humano seja de que ordem elas forem. Saber questionar os processos e jogos de força que impõem as ações da própria psicologia como ciência, da  segurança e do estado buscando questionar seu papel social e seu lugar como defensora da vida e potencializadora das multiplicidades e diversidades, capaz de fomentar coletivos e incluir na agenda política e de segurança pública esta discussão parece ser uma aproximação rica e muito necessária na atualidade de tempos tão indigestos como os que vivemos na atualidade quando se fala em segurança.

6.1.3. Traçados e Linhas: A procura de Dulcinéia.

Atividade de estágio, um dos alunos está em uma viatura designada para cumprir uma ordem judicial, internação compulsória de uma gestante usuária de drogas. Ele retorna da atividade e diz:

- Foi bem difícil, atender ela, estava resistente, convencê-la a ir para o tratamento, mas o mais difícil foi ver que era uma guria nova, muito bonita, aquilo me chocou, esperava ver uma mulher feia, magra destruída pela droga, não aquela guria, ela era muito bonita ninguém diria que usava drogas.

Pensar o mundo do trabalho e o mundo da polícia implica olhar e refletir sobre dois campos significativos. Na bricolagem de saberes e práticas, entendo estar a possibilidade da construção de conhecimento que permita a passagem da vida e a produção de possibilidades de mudanças e deslocamentos institucionais.(BAIERLE, 2016, p. 961).

Um olhar que inclua a desconstrução dos lugares-dados: A mulher feia que usa drogas... ou a mulher bonita que não usa drogas. Ou ainda, o sofrimento de acatar e executar a imposição de uma internação compulsória a alguém, a uma gestante, pois não parte dela esta escolha, mas, de uma ordem judicial.... Como situar-se nestes entre-lugares do sofrimento e da função do trabalho na segurança pública? A necessidade de criar mecanismos e dispositivos de saúde mental para os trabalhadores é indispensável nesta aproximação buscando agenciamentos que possibilitem a invenção da vida, no sentido de reconhecer e considerar que os trabalhadores não são inertes a este processo, mas que o trabalho constitui-se num jogo de forças que transversalizam estas situações produzindo múltiplos sentidos.

A possibilidade de fazer fluxo onde o sintoma social está estagnado, de impor movimentos e possíveis desterritorializações nos campos tão engessados, flexibilizando o olhar de quem cotidianamente precisa lidar com as mais diversas situações e circunstâncias, aproximando se daqueles que muitas vezes são vistos como inimigos ou possíveis geradores de um conflito potencial pode ser pensada como uma linha de fuga capaz de operar mudanças no social á partir do olhar da psicologia. Os profissionais dos serviços policiais, assim como das instâncias das politicas de segurança pública vivem em seu cotidiano uma grande contradição institucional, ser pedagogo da cidadania e dos direitos humanos em instituições em que vários de seus próprios direitos são negados.

7. Qual é o fim de um cavaleiro andante?

Retornaram a dupla de Cavaleiros da divisa de Toledo. Depois do encontro e da Derrota de Dom Quixote pelo homem que se dizia Rei da Gargantulia, mas que na verdade era Sansão Carrasco, amigo de Dom Quixote, ele decidira que não poderia mais ser um cavaleiro andante. Aquelas alturas Dom Quixote já havia há muito decaído de suas forças e apaziguavam se seus “delírios”.

Sancho que via seu olhar não acreditava caido, pensava que isto não poderia ser uma saída para tão nobre Cavaleiro, que ele mesmo tinha lá suas dúvidas, se por vezes parecia tão louco, por vezes tinha lá suas razões. Pensava Sancho: quando em sua vida teria vivido tantas aventuras não fora esta jornada que se permitirá viver com o Cavaleiro da triste figura.

Dom Quixote Dizia:

- Vejo meu fiel Sancho, que minha hora se aproxima, não mais viver aventuras, não mais jurar a beleza da encantadora Dulcinéia para mim parecem ser o fim da linha.

Sancho quase parava no caminho, retrucava:

- Mas, meu senhor, o senhor ainda tem força no braço, derrotará muitos outros gigantes.

- Não Sancho é chegada minha hora. E de um recobro de consciência disse quero descansar meu magro Rocim e Voltar para minha Sobrinha e minha ama(...)

Sancho já havia perdido as esperanças quando pararam sob uma macieira, Dom Quixote dormiu e acordou de um susto.

Sancho vendo aquilo disse:

- Está bem, meu senhor?

-Sim homem.

- Sancho, já te contei das aventuras que vivem os caçadores de dragões(...)

O homem se desperta de um incerto

Sonho de espadas e de campo plano,

Toca de leve a barba com a mão

Duvidando se está ferido ou extinto.

Não o perseguirão os feiticeiros

Que juraram seu mal. Por sob a lua?

Nada. O frio apenas. Apenas sua

Amargura nos anos derradeiros.

Foi o fidalgo um sonho de Cervantes

E Dom Quixote um sonho do fidalgo.

O duplo sonho os confunde e algo

Está ocorrendo que ocorreu muito antes.

Quijano dorme e sonha. Uma batalha:

Os mares de Lepanto e a metralha.

(Jorge Luis Borges, apud.  Ministério da Cultura, 2001. p.25)

Esta pesquisa nada quis provar, não teve por propósito revirar o já revirado, pretendeu mais contornar as paisagens e as deformações no espaço, causadas no próprio tecido e território da segurança pública, que inevitavelmente se produz da interação dos diversos corpos que compõem esta paisagem. Este trabalho não focou nas manchetes nem nas matérias jornalísticas, que envolveram a formação, mas nas entonações, nas lutas, na lágrima e no sorriso de canto, no falar e no silenciar, no pulsar da pele e arrepiar dos pelos, no engolir seco e no faltar das palavras, na boca que abre e grunhe em silêncio. Não se procurou nestas páginas revolucionar, procurava-se resistir. Ainda nestas linhas não se pretendeu representar nada, nem estratificar ao máximo dos instantes, tampouco ordena-los ou controla-los, o que se almeja é fruir, liquefazer os instantes, observar seus fluxos negando qualquer possibilidade de analogias ou metáforas, retratar uma paisagem que ao mesmo tempo que se forma já não é ela mesma, pois está também em constante devir.

Assim, pensar uma psicologia implicada no social e a partir da segurança pública impõe o desafio de sentir e cartografar perspectivas, que incluam uma mudança nas relações que se estabelecem com o trágico, possibilitando arranjos em que o mal-estar ali produzido seja capaz de reinserir a processualidade nos modos de ser, abrindo-se para novas paisagens e novas formas de compor no mundo. Para que, como propõe Rolnik (1995) essa psicologia possa constituir-se como fábrica de hibridizações de forças e fluxos, produtora de diferenças fluindo aquilo que por tendência tende a aglutinar-se, fazendo daí que se processe a eclosão de acontecimentos. Estes questionamentos levam incessantemente a uma problemática: vamos resistir ao trágico com as nossas ‘velhas’ moralizações na manutenção da ordem ou afirmaremos o trágico na vida – e paradoxalmente na segurança pública?

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9. APÊNDICE – 1 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Este é um convite para você participar da pesquisa: Experiências (em) formação: Cartografias da segurança pública a partir da experiência de um curso de formação da Guarda Municipal de Novo Hamburgo, que tem como pesquisador responsável o Aluno Alexandre Henrique de Almeida, graduando em Psicologia pela Unisinos, sob supervisão da professora Zuleika Kohler Gonzales.

Esta pesquisa pretende estudar os processos de construção dos modos de ser e pensar dos profissionais de segurança pública, através da experiência como instrutor em um curso de formação de Guardas Municipais no município de Novo Hamburgo. O motivo que nos leva a fazer este estudo é conhecer a importância dos processos de formação no aprendizado dos servidores da Guarda Municipal de NH. Caso você opte por participar, você concorda em responder a entrevistas, questionários, ser observado durante o curso de formação pelo pesquisador, sendo discursos, falas e comportamentos objetos deste estudo. Em todo este processo não haverá divulgação de seu nome, nem de características que possam vir a identificá-lo. Durante a realização a previsão de riscos é mínima, ou seja, o risco que você corre é semelhante àquele existente em um trabalho de grupo ou uma conversa, porém caso aconteça algum desconforto, você pode a qualquer momento procurar o pesquisador e este buscará minimizar este desconforto. Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para o pesquisador Alexandre Henrique de Almeida pelo fone: (51) 997068016 ou e-mail: alex.h.almeida@gmail.com, ou para a professora Zuleika Kohler Gonzales, e-mail: zgonzales@unisinos.br

Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você. Os dados que você irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas em congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe identificar. Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local seguro e por um período de 5 anos.

Sua assinatura a este documento, impresso em duas vias, uma que ficará com você e a outra com o pesquisador responsável Alexandre Henrique de Almeida, indica sua concordância em participar do estudo.

                       Novo Hamburgo, _____de____________________________ de 2018.

 

_______________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

 

____________________________

Assinatura do pesquisador

________________________________

 

Assinatura da professora Orientadora

10. Apêndice – 2 - Carta de Anuência do Local de Pesquisa

11. Anexo I - Parecer CEP

Informação de Copyright:
É autorizada pelo autor a reprodução parcial desta obra desde que citada a fonte.
Maiores Informações pelo e-mail: alex.h.almeida@gmail.com

1 Desenho construído pelo autor após a atividade descrita como a Sala Viva.

2 Conceito proposto por Silvio Gallo, proposto como deslocamento 2. Na obra: Por uma educação Menor. No Livro Deleuze e a Educação, encontro concomitante a experiências e construção do desenho pelo autor. (GALLO, 2008,p. 71).

3 Imagem produzida pelo autor durante o curso de formação e construção da pesquisa, afetações do encontro com a obra de: MOSSI, Cristian Poletti. Um corpo-sem-órgãos, sobrejustaposições. Quem a pesquisa [em educação] pensa que é, v. 124, 2014.

4 Imagem de desenho produzido em uma atividade com o grupo de alunos que se trabalhava diversidade, diante da experiencia intitulada Arena.

5 26 – Código utilizado pela PM e adotado pela GM NH para caracterizar homicídio. Os nomes da escola e prefixo da viatura foram alterados.

6 Termo correspondente a vagabundo: Vulgarmente designa criminoso.

7 53 (penta-ter)– Código policial utilizado para designar usuário de drogas. e incorporado a Guarda Municipal de Novo Hamburgo, significa usuário de drogas, drogadicto, traficante ou ainda pode definir uma pessoa que não condiz com os lugares idealizados para ela. “Fulano tem cara de penta-ter”.

8 Plano Politico pedagógico do Curso de Formação de Guardas Municipais de Novo Hamburgo, 2018.

9 Site da Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo. Disponivel em: < https://www.novohamburgo.rs.gov.br/noticia/guarda-municipal-forma-turma-novos-agentes> Acesso em: 31/05/2019.


Publicado por: Alexandre Henrique de Almeida

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