A CLÍNICA PSICOLÓGICA E O EXERCÍCIO DA LIBERDADE
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. O CONCEITO FILOSÓFICO DE LIBERDADE
- 3.1 O Conceito de Liberdade em Kierkegaard
- 3.2 Heidegger e a Concepção de Liberdade e Existência Autêntica
- 3.3 Sartre e a Liberdade
- 4. PSICOLOGIA E LIBERDADE
- 4.1 Pressupostos Existencialistas
- 4.2 Conceitos fundamentais
- 4.2.1 Autoconsciência
- 4.2.2 Solidão
- 4.2.3 A consciência de Morte
- 4.2.4 A experiência de Ligação
- 4.2.5 Liberdade, Responsabilidade e Ansiedade
- 5. A CLÍNICA PSICOLÓGICA – O EXERCÍCIO DE LIBERDADE
- 5.1 A Atuação do Psicólogo e os Objetivos da Psicoterapia Existencial
- 5.2 O Encontro Terapêutico
- 5.3 A Proposta do Psicólogo Existencial
- 6. Conclusão
- 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GOMES, O. K. L. A Clínica Psicológica e o Exercício da Liberdade. Rio de Janeiro, 2016. 48 p. Monografia [Graduação em Psicologia] – Faculdade de Ciências Médicas e Paramédicas Fluminense.
1. RESUMO
O presente trabalho tem por área de estudo a Psicologia Clinica, pois visa um entendimento do conceito de liberdade e como seu exercício tem impacto na vida do cliente e muito usado nos casos clínicos para uma melhor resolução de problemas. Além da compreensão do tema, vamos buscar alinhar como devemos usar o conceito e suas ramificações no consultório, e não somente dentro dele, mas no dia do cliente ou daquele que nele necessitar.
O Objetivo do textos a serem apresentados tende a levar-nos a um compreensão mais abrangente do exercicio da liberdade e sua relação intrísica com a Psicologia, mostrando a indispensabilidade do ser livre e o quão prejudicial pode ser está aprisionado há algum problema, dificuldade, relaçao amorosa, etc.. Vamos também procurar ao decorrer do trabalho mostrar como a prática da liberdade realiza a inserção do cliente no mundo, e como isso pode ser importante para a clínica psicológica sabendo como lidar com situações de aprisionamento psicológico.
Diante do campo problemático apresentado procuraremos explicar, porém de forma elucidativa como o exercício da liberdade se apresenta no âmbito do existencialismo e como nos dias de hoje ela é vista, questionada, amada e rejeitada, retratando esse tema tão citado, porém complexo.
Palavras-chaves: Liberdade; Responsabilidade; Clínica; Psicoterapia; Escolha.
2. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo mostrar o desenvolvimento do tema liberdade, suas características, ramificações e principalmente sua intrínseca relação com a Psicologia, onde é participante ativo em suas principais teorias, suas psicoterapias e até nos prognósticos e diagnósticos dados aos clientes. Existe uma necessidade de ter o conceito de liberdade esclarecido, porém definir uma palavra não é uma tarefa tão simples. Segundo Bruno Leoni (1990), com efeito, não é fácil definir “liberdade” ou estarmos completamente conscientes do que estamos fazendo quando a definimos. Se quisermos definir “liberdade”, precisamos antes decidir o propósito da nossa definição.
A monografia propõe uma reflexão que nos leve a uma compreensão da liberdade, não uma definição de campo geral, mas bem especifico dentro da clínica psicológica, numa visão existencial. Segundo Rollo May "A liberdade é a capacidade do homem de assumir seu próprio desenvolvimento. É nossa capacidade de moldar a nós mesmos'' (MAY, R.,1993). Nessa clara definição sobre como a liberdade é presente no nosso dia a dia, podemos perceber a importância do conceito, pois a liberdade está ligada ao ato de escolher, e ao decorrer do trabalho aprofundaremos a relação entre liberdade e escolha e como isso pode ser aproveitado pelo psicólogo na clínica. Procuraremos ao longo do texto mostrar os pós e contras do ser humano livre respondendo a questionamentos como: Ser livre faz de nós ser humanos superiores aqueles que não desejam essa liberdade? Até que ponto somos realmente livres?
Quando adquirimos uma consciência livre de fobias, aversões, medo, pânico quando passamos a pensar fora da caixa nos tornamos motivados para aprender, interessados pelo que fazemos confiantes em nossa própria capacidade, trabalhamos com mais dedicação, produzimos mais e conseguimos alcançar nossos objetivos. A conquista da liberdade gera alegria e satisfação para quem o faz e resulta em realização pessoal e atitudes positivas em relação aos outros. Por isso a importância de se falar na atualidade de um assunto que nos levará a sair de inúmeras gaiolas que nos oprimem ou de permanecer nelas, o homem está condenado a ser livre ou se enganar na sua má-fé (SARTRE, 1997).
Desde do Primeiro momento em que decidi escrever esse trabalho percebi a importância do tema e me preoucupei com as dificuldades que poderia enfrentar, porém ao modo que fui adquirindo informações pude sentir que estava no caminho certo, e que consegueria levar a todos a mesma sensação que tive o ler sobre o exercício de liberdade, percebi que todas as teorias e teóricos da psicologia falam sobre o tema em questão, alguns em grande intensidade outros bem menos, porém raramente vi algum teórico não usar a liberdade como ferramenta para obter sucesso em seus textos ou em seus casos, a partir daí resolvi elaborar um trabalho que conceituasse a liberdade e que também tivesse ela como chave para muitos casos psicológicos. A importância do trabalho vai além do conceito e sua relação com a psicologia, mas como poderemos usar e trabalhar a liberdade junto ao cliente dentro da clínica, dentro dos campos terapêuticos e até depois da alta.
Vamos passar pelos filósofos e suas concepções sobre o tema, até chegarmos aos teóricos da Psicologia que fazem a transição do exercício de Liberdade como um tema também de valor dentro da Psicologia, e por fim todo o trabalho psicoterápico existencial para obter uma vida na plenitude da autenticidade.
3. O CONCEITO FILOSÓFICO DE LIBERDADE
Não poderíamos deixar de iniciar esse trabalho que é voltado para o exercício de liberdade, sem buscarmos dentro da filosofia uma base como construção de pensamento sobre o assunto em questão. Podemos em toda gama de conhecimento filosófico encontrar discursos e discussões sobre o presente tema, e o propósito de iniciarmos o conceito de liberdade numa visão filosófica é para podermos adquirir uma estrutura mais firme para os próximos passos dentro do campo psicológico.
3.1. O Conceito de Liberdade em Kierkegaard
Nesse primeiro momento vamos discutir a formação da idéia do exercício da liberdade no campo da filosofia, tendo como base inicialmente os textos do celebre pensador, filósofo e teólogo Søren Aabye Kierkegaard, onde ele descortina o conceito de liberdade, nos levando a refletir sobre toda a estrutura que cerca o conceito, como também a essência do pensamento acerca do ser humano livre.
Diante da temática proposta não poderíamos deixar de freqüentar a visão kierkegaardiana sobre a liberdade, onde podemos perceber como uma das idéias fundamentais para o filósofo, um busca sempre associada ao fato de existir como prática do exercício da liberdade, pois o autor nos deixa entender que a existência é uma tarefa que será marcada por um interesse infinito em relação a si mesmo e também ao seu destino, sendo este si mesmo um “vir a ser” que é sentido e experimentado como um contínuo trabalho realizado sob o domínio da liberdade, onde se calcula possibilidades e o existir se caracteriza pela liberdade de o individuo escolher (KIERKEGAARD, 2010).
Este trabalho se inicia apresentando a relação entre liberdade e angústia presente na maioria dos textos do filósofo, segundo o dinamarquês a angústia é algo que constitui a natureza humana, e ao mesmo tempo em que o coloca de frente de inúmeras possibilidades o impulsionando a se tornar singular e responsável pela sua existência concreta. A angústia, por assim dizer, se torna a evidência mais ferrenha da liberdade do homem, só experimentamos a angústia quando há liberdade no momento da escolha, a liberdade que se encontra sobre o controle da angústia (KIERKEGAARD, 2010).
Toda vez que nos chega aos ouvidos à palavra angústia dificilmente não associamos a situações que nos deixam ou deixaram angustiados. E esses momentos, quase sempre, conterão sentimentos e significados de "dor" ou "sofrimento". Etimologicamente, a palavra angústia originou-se do grego “argor”, que significa estreitamento; diminuição. A idéia que a palavra passa é como se alguém estivesse sufocado, como se a passagem de ar estivesse bloqueada, que acaba trazendo um sentimento de destruição do ser (PEREIRA, 1998).
Em Kierkegaard podemos observar o tema da angústia como central dentro da filosofia, a angústia está ligada ao nada, ao vazio:
“Porém existe, ao mesmo tempo, outra coisa que, entretanto, não é perturbação nem luta, porque não existe nada com que lutar. O que existe então? Nada. Que efeito produz, porém este nada? Este nada dá nascimento a angustia”.1
Neste estado o sujeito é pura possibilidade, ainda não está determinado. Arne Grøn fala sobre a importância da angústia:
“O passo chave que se dá em O conceito de Angústia é que aqui a angústia se vê como um fenômeno que forma parte da existência humana, ademais de uma maneira tão radical que a determinação do que é a angústia nos leva à compreensão do que é o ser humano. (...) O que importa é que a angústia nos ensina sobre o fato de ser pessoa. A resposta que nos dá Kierkegaard é, dito brevemente, que a angústia mostra que o ser humano é um “eu” enfrentando com a tarefa de devir [torna-se] si mesmo”.2
Kierkegaard faz algumas divisões do conceito de angústia, essa não é nossa proposta aqui, pois não nos prenderemos nessa parte, mas tão somente a relação direta com a liberdade.
A angústia não tem um objeto definido, é algo vago, indeterminado. Outra característica que a angústia tem é de não ser passageira, ela fará parte da vida do homem enquanto ele viver. Portanto, não há outra possibilidade a não ser enfrentá-la, experimentá-la, fugir não é de forma alguma a solução. E neste sentido Kierkegaard não direciona uma saída, mas fazer com que o ser humano aprenda com a angústia. O dinamarquês enfatiza a centralidade da angústia com o intuito de dizer que ela é uma categoria fundamental para que o homem adquira sua liberdade. Kierkegaard (2010) disserta sobre isso quando diz: “(...) assumindo tal aspecto (...) a angústia transmuda para ele, em uma criada invisível que, ainda sem querer, a leva aonde pretende ir”.
Delfim Santos (1982) fala sobre os dias atuais, onde o homem quer fugir dessa angústia, e naturalmente acaba não vivenciando a liberdade e não vivendo um caminho novo na sua experiência pessoal:
(...) a nossa época pode caracterizar-se pelo medo da angústia. Nunca este medo se revelou com tal intensidade, e também nunca os estados patológicos derivados do medo foram tão freqüentes. (...) em época mecanizada sob forma burocrática, em que a pretensa autenticidade e competência são garantidas pela convenção e pela rotina, em que a angústia não tem onde reclinar a cabeça, não é de se estranhar que a diagnose leve a conclusão de que o signo do nosso tempo, em todos os planos se caracteriza pela predominância da reação neurótica”. 3
Este relação com a angústia leva o homem ter medo do indefinido, medo do desconhecido, e acaba tentando fugir dessa relação procurando viver em confinamento, e o faz erguer barreiras de todo tipo contra a angústia. Kierkegaard propõe que o homem aceite sua condição de ser finito, mas que carregue em si o desejo de infinito, e que deixe fluir a condição de angústia (KIERKEGAARD,2010).
O objetivo deste primeiro momento foi descrever de maneira simples as concepções sobre angústia e sua relação com a liberdade, para Kierkegaard, a angústia seria o pressentimento de libertar-se, a liberdade como fenômeno possível para a existência. Ele usa como exemplo o relato bíblico sobre Adão que era um ser inocente, ou seja, não tinha consciência do bem e do mal, mas que quando o fruto que ele desejava é rejeitado isso acabou gerando desconforto, ele foi tomando consciência e despertou nele a possibilidade de liberdade. Vejamos no próprio texto:
“Caso se admita que a proibição faz nascer o desejo, consegue-se ter, em vez de ignorância, um saber;efetivamente, seria necessário, em tal caso, que Adão conhecesse a liberdade(...) Estamos diante de uma “explicação necessária”. A proibição deixa inquieto Adão, porque nele desperta a possibilidade de liberdade. O que se ofertava à inocência com um nada na angústia adentrou-o e conserva ainda aqui um nada: a aflitiva possibilidade de poder”.4
Disso vai nascer algum grau de consciência em Adão, Kierkegaard (2010) vai dizer que: “a realidade da liberdade com possibilidade da possibilidade”, ou seja, antes da realização de qualquer ato percebemos a representação de liberdade, isso é a angústia.
Quando o homem vivencia a angústia, ele está envolto em possibilidades, podendo executar escolhas, se torna capaz de realizar:
A possibilidade da liberdade não consiste em poder escolher entre o bem e o mal. Um tal disparate não prossegue nem das escrituras nem do pensamento. A possibilidade consiste em ser-capaz-de. Em um sistema lógico, é bem fácil dizer que a possibilidade passa para a realidade.5
Eis uma análise da natureza humana em sua complexa relação com o mundo e uma leitura psicológica do conceito de angústia. Kierkegaard contribuiu para uma concepção clara da autonomia do sujeito, na qual o homem é sujeito e senhor de sua vida. O homem livre está sempre vivenciando momentos de decisões e de fazer escolhas, arriscando-se constantemente, lançando-se no desconhecido, na insegurança, não pode existir um projeto básico para a existência do homem, se não limitaríamos a liberdade. Essa liberdade gera medo, gera angústia. Somente como sujeito livre o homem pode se relacionar com angústia. A liberdade acarreta a angústia no ser humano e pode levá-lo ao desespero, pois cada decisão é um risco que causa incerteza, a pessoa é pressionada todo tempo.
É a angústia que constitui o possível da liberdade, nela é que surge para o homem a possibilidade de constituir-se, de realizar-se e de forma singular se tornar conhecedor de suas ilusões.
3.2. Heidegger e a Concepção de Liberdade e Existência Autêntica
Temos como objetivo agora trabalhar o assunto liberdade dentro do campo de atuação do filósofo Martin Heidegger, onde tem uma leitura complexa, porém rica em conhecimento sobre o exercício de liberdade.
Precisamos antes de qualquer coisa definir alguns conceitos que Heidegger produz, com a o uso da palavra Dasein que nada mais é que o conceito de homem para o filósofo (pré-sença ou ser-aí, ser-no-mundo, ser-com-outros) onde se relaciona com as noções de angústia, liberdade, autenticidade e inautenticidade. Heidegger tem a liberdade como fator essencial na construção de uma vida autêntica, sem essa liberdade não há possibilidade alguma de realizações e algum sentido na vida (NOGUEIRA, 1976).
Heidegger faz alguns apontamentos e caminhos para obter uma vida autêntica, pois enquanto ainda estamos numa vida rotineira e cotidiana, uma que reflete uma situação de decadência, o filósofo identifica isso com existência inautêntica (NAVES, 2009).
Em meio inúmeras circunstâncias inautênticas, que cercam o homem na vida cotidiana e limitam suas chances de encontro verdadeiro rumo à autenticidade, encontra-se, porém, um sentimento que é capaz de tirar o homem desse estado, a angústia. Olha o que Gilzane Naves diz:
“Este “ser” deve ser entendido como aquele homem, que vivenciando tal sentimento inexplicável e inquietante – a angústia – é capaz de situar-se como existente no mundo numa condição de precariedade existencial, condição essa que pode remetê-lo à vida autêntica. A angústia de que fala Heidegger é a que vai além de um conceito cientificamente entendido como estado psicológico, pois é capaz de tirar o homem do sono anestesiante da vida banal (...)” 6
Quando o homem tem esse encontro com a angústia, ele é capaz de não ser mais teleguiado pelo mundo que o cerca, ele consegue se torna autêntico, original na sua existência. É através da liberdade que o homem consegue realizar uma relação com o mundo hoje, no presente, e também, construir o seu ser. Segundo Naves (2009) “Aqui é fácil alentar a semelhança e a dependência entre liberdade e transcendência: esta é capaz de realizar um desligamento e uma negação das coisas, condição que é propícia ao exercício da própria liberdade.”
O primeiro passo em direção a essa existência autêntica, ou seja, ser livre, é ter consciência, ela que vai ter uma função importante nessa caminhada, pois é ela que direciona o homem para o exercício de angústia, e através disso tira o homem do estado apático de inautenticidade, de acomodação e o transporta até a vivência de liberdade (NAVES, 2009).
A liberdade tem seu papel fundamental na busca pela autenticidade, porém ela necessita de que o homem tome consciência de seu estado, vejamos:
“Por isso, acreditamos que a liberdade é ponto fundamental em todo processo de construção da existência autêntica. A liberdade em si é algo intrínseco ao homem, mesmo que ele não tenha consciência de ser ela o primeiro caminho rumo à autenticidade. Contudo, quando desconexa da consciência, esta liberdade não se torna agente de alforria para o homem, antes mantém-no preso na vivência do que é cotidiano”. 7
É importante pontuarmos que uma liberdade autêntica só acontece quando praticamos nossa existência, olha o que Giles (1975) fala sobre essa idéia: “A plena realização da liberdade se encontra na própria fonte da existência.” Devemos pensar que não é a escolha pela autenticidade somente que torna o homem dotado de liberdade, mas também a atitude que ele tem frente a essa decisão, da idéia de ser ou não aquilo que está sendo proposto para ele ali, essa liberdade de escolha que qualifica o homem como um ser de possibilidades:
“A pre-sença é sempre sua possibilidade. Ela não tem a possibilidade apenas como uma propriedade simplesmente dada. E é porque a pre-sença é sempre essencialmente sua possibilidade que ela pode, em seu ser, isto é, sendo, escolher-se, ganhar-se ou perder-se ou ainda nunca ganhar-se ou só ganhar-se aparentemente”.8
A partir desse momento, Heidegger nos leva a pensar a idéia de homem como projeto, pois quando o homem torna-se um ser de liberdade, consciente de suas possibilidades, ele é essencialmente projeto, pois é nesse estado de consciência que ele assume a responsabilidade do seu caminhar no mundo, outrora abandonada, um estado de poder assumir sua realização. É o que diz Heidegger (1993) quando escreve: “A pre-sença é um ente que, sendo, está em jogo o seu próprio ser (...). O “estar em jogo” evidencio-se como o ser que se projeta para o poder-ser mais próprio.” Quando o homem escolhe entre as possibilidades que lhe são propostas que esse projeto vai se concretizando, ou perdendo-se.
O homem faz do mundo o projeto do seu agir, ou seja, transcende, o homem sai do estado de inautenticidade, e vai para o estado de existência autêntica, esse processo Heidegger chama ato de liberdade, ou liberdade. Ele não mais é espectador do mundo, mas agora ele se relaciona com o mundo em sua volta, Heidegger então desconstrói o pensamento gnóstico de que o conhecimento ocorre no nosso interior, mas que na verdade ele está aberto a receber o conhecimento. Dessa forma, o envolvimento com os outros também é existencial, pois não há sujeito individual sem os outros e sem mundo. Assim como o ser-no-mundo do homem se expressa pelo cuidar das coisas, do mesmo modo o seu envolvimento com os outros se expressa pelo cuidar dos outros. O sujeito pode optar por dois caminhos: deixar de ocupar-se com os outros ou ajudá-los a conquistar a liberdade de assumir seus próprios cuidados. A primeira hipótese denota atitude inautêntica, pois há apenas um estar junto. A segunda traz a compreensão de ação autêntica pelo coexistir (REALE; ANTISERI, 1990).
Em suma, Heidegger (1993) entende liberdade como a capacidade de decidir por uma existência autêntica, é ter autonomia, ser capaz de não se envolver com possibilidades inautênticas, como experiências banais, e ser dominado pelo medo. Essa liberdade tem relação intrínseca com a autonomia, o homem livre tem o poder de toma decisões, de agir, deixa de ser escravo do sentimento de morte e deixa de receber sua influência, o homem livre ele procura viver suas escolhas autênticas.
O sujeito para Heidegger (1993), não se fecha em si mesmo, ele está aberto para o conhecimento que acorre no seu relacionamento existencial com o outro. Heidegger nos deixa entender que a liberdade está fortemente vinculada à idéia de autonomia, onde o homem passa a escolher viver uma vida existencialmente autêntica, onde o sujeito se estabelece como ser-no-mundo. Para fechar o pensamento de Heidegger sobre liberdade, na clareza das palavras de Gualter Júnior:
“A liberdade relaciona-se com a autonomia, no que concerne ao desvelamento de sentido do ser chamado por Heidegger como verdade. Ser livre é desprender-se de tudo o que impede uma vida autêntica, não optando pela efetivação das possibilidades que levam à banalização existencial”.9
3.3. Sartre e a Liberdade
Nessa última parte desse primeiro momento não poderíamos deixar de falar sobre a concepção de liberdade em Jean-Paul Sartre, pois é de grande importância e oferece uma base para melhor compreender o pensamento de Sartre sobre a liberdade. Sartre conceitua a liberdade como uma condição em que o homem não pode escapar de ser livre, ele está condenado a ser livre, e a partir dessa condição o homem dá inicio a sua formação. São os valores que o homem adquire que orienta suas escolhas, e através dessas escolhas revela em nós a responsabilidade. Toda vez que o homem escolhe ele exerce essa responsabilidade pelo ato da escolha, pois ele está condenado a ser livre, ele obrigatoriamente tem que escolher, e Sartre revela que é isso é a condição básica de o homem se torna homem. A ideia é entender que ser livre não acontece de vez em quando, que quando exercitamos a liberdade que somos realmente livres, a liberdade para Sartre não é uma conquista diária, mas sim parte da condição de existência humana:
“Com efeito, sou um existente que aprende sua liberdade através de seus atos; mas sou também um existente cuja existência individual e única temporaliza-se como liberdade [...] Assim, minha liberdade está perpetuamente em questão em meu ser; não se trata de uma qualidade sobreposta ou uma propriedade de minha natureza; é bem precisamente a textura de meu ser...” 10
A escolha é o exercício da liberdade, é através dela que o homem se faz livre. O homem exercita essa liberdade em suas escolhas que são norteadas pela consciência, pois na consciência que se criva as escolhas, a consciência vai servir como filtro para cada intenção de escolha. É a partir da escolha que o homem projeta quem ele deve ser, e isso molda seus valores, aqui está o processo de vir a ser. O interessante que Sartre deixa claro que é impossível não escolher, por isso ele deixa clara a ideia de que estamos condenados a ser livres. (SARTRE, 1973).
Sartre nos leva a entender que a consciência do homem, não é algo determinado, mas, ao contrário, faz-se na materialização das escolhas. A liberdade é o que fundamenta o vazio da consciência, ou seja, o homem é aquilo que sua liberdade forma, a consciência do homem é refletida nas suas escolhas. A consciência é transcender-se, é ir para fora de sei, tentar superar-se. Escolher é sinônimo de ser livre, é na escolha que o homem se constitui como projeto no mundo, tal projeto chamado por Sartre de projeto original. Basicamente o homem escolhe, naturalmente exerce sua liberdade por causa da escolha obtendo responsabilidade nesse projeto (SARTRE, 1997).
Porém a um outro fator nesse processo, a angústia. Sartre nos mostra que quando estamos a exercer nossa liberdade através da escolha, ficamos angustiados com o que a nossa escolha pode produzir posteriormente em nossa vida, como se fosse uma ameaça:
“É na angústia que o homem toma consciência de sua liberdade, ou, se se prefere, a angústia é o modo de ser da liberdade como consciência de ser; é na angústia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesmo em questão.” 11
Escolher é uma atitude angustiante é onde o homem se lança na vida, ele é responsável por tudo o que faz do projeto fundamental, isto é, de sua existência. A tentativa de fuga da liberdade e da angústia se dá quando o homem tenta mascarar essa angústia, quando ele menti, enganando a si próprio, ele começa a rotular a angústia de outros fundamentos do seu ser existente. Quando o homem abdica da sua liberdade ele comete uma traição assistida a si próprio, ele acredita que pode fugir da angústia e consequentemente da responsabilidade, Sartre (1998) diz que “a consequência essencial das observações anteriores é de que o homem está condenado a ser livre, carrega nos ombros o peso do mundo inteiro: é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser”, ou seja, ele tenta escapar pelo fato da dificuldade aterrorizante de ser livre, pois sendo livre tem responsabilidades, então ele se refugia na má-fé que é caracterizado com um tipo de postura inautêntica, Sartre fala sobre essa condenação de liberdade e responsabilidade com clareza:
“Aquele que realiza na angústia sua condição de ser arremessado em uma responsabilidade que reverte até sobre sua derrelição já não tem remorso, nem pesar, nem desculpa; já não é mais do que uma liberdade que se revela perfeitamente a si mesmo e cujo ser reside nesta própria revelação.” 12
Sartre faz a defesa da responsabilidade colocando o homem em responsabilidade por tudo, pois quando eu escolho ser livre, eu me condeno a ser tudo aquilo oposto do que eu renunciei. Acredito que nesse momento podemos achar que há alguma possibilidade de homem não ser livre, mas não, categoricamente Sartre responde ao dizer da impossibilidade de homem escapar da liberdade da qual ele está condenado, quando o homem tenta fugir dessa atitude autêntica ele vive a má-fé:
Não se trata, pois, de expulsar a angústia da consciência ou constituí-la em fenômeno psíquico inconsciente; simplesmente, posso ficar de má-fé na apreensão da angústia que sou, e esta má-fé, destinada a preencher o nada que sou na minha relação comigo mesmo, implica precisamente esse nada que ela suprime. 13
Fugir da angústia é má-fé, um engano a si próprio. O homem é livre quando consciente disso angustiasse porque sabe da necessidade da escolha, essa angústia da liberdade é por ter que optar por alternativas. Tudo isso só confirma o fato de que a angústia está ligada à liberdade. O homem escolhe livremente suas atitudes, seus próximos passo, sendo aquele que pode realiza-lo da melhor forma. Sua liberdade de escolha está ligada ao projeto de sua existência rumo a possibilidade de ser, cada vez que tem que escolher, se sente angustiado. Para finalizar, vale dizer, a angústia não é um quietismo, nem nunca uma inércia. A angústia interage, é dinâmica e como dirá o próprio Sartre:
Esta espécie de angústia, que é a que descreve o existencialismo, veremos que se explica, além do mais, por uma responsabilidade direta frente aos outros homens que ela envolve. Não é ela uma cortina que nos separe da ação, mas faz parte da própria ação.14
O pensamento de Sartre sobre liberdade sempre e voltou a busca da vida autêntica, que é quando o sujeito exerce sua liberdade através de escolhas produzindo possibilidade de ser no mundo, constituindo-se autêntico a partir de si mesmo, assumindo a totalidade das responsabilidades de suas escolhas.
4. PSICOLOGIA E LIBERDADE
A relação entre a psicologia e a liberdade nos levará ao cume do assunto, o processo de transição do tema liberdade de conteúdo exclusivo da filosofia para fazer parte da psicologia se dá quando Kierkegaard ao definir as causas de estados mentais como a angústia e o desespero, criou um elo com a psicologia. Este elo se fortalecia com as posições de Sartre e sua crítica à psicanálise as ideias filosóficas existenciais cada vez mais se desenvolviam no campo psicoterápico, psicoterapeutas como Ronald David Laing, na corrente materialista de Sartre, e Viktor Emil Frankl, na corrente religiosa de Gabriel Marcel, propuseram práticas psicoterápicas originais (COBRA, 2001).
A psicologia existencial tem suas peculiaridades e características que a diferenciam totalmente de outras abordagens dentro da psicologia, a partir de agora seguiremos rumo a esclarecer os pressupostos existencialistas que são as matrizes para podermos desenvolver o tema em questão, e também, como esses pressupostos se relacionam com o exercício de liberdade.
4.1. Pressupostos Existencialistas
Os pressupostos existencialistas baseiam-se na compreensão do homem como fenômeno único. A ideia do homem como fenômeno único significa que este não pode ser compreendido de maneira abrangente a partir do rol de categorias e classificações, pesquisas e testes psicológicos ou experimentos, tão comuns e importantes para a validação da Psicologia como uma ciência. Esses pressupostos negam-se em todo o tempo a categorizar o homem. (CAMON, 2007).
O Homem é tomado como indefinível, à rejeição por parte do existencialismo em relação a experimentos, classificações e outras questões científicas são notórias. Camon (2007) esclarecendo o assunto, diz que através do método fenomenológico, quem vem a ser o estudo dos fenômenos da consciência e tudo o que podemos saber do mundo vem desses fenômenos, obtemos o conhecimento e compreensão da existência. Ao manter-se no entendimento da análise da consciência, Edmund Husserl, o criador do método fenomenológico, irá propor seu método para "vasculhar" o fenômeno, a saber, a redução fenomenológica que consiste numa suspensão momentânea das atitudes que temos ao nos relacionamos com as coisas do mundo. Isso consiste em deixar provisoriamente de lado todos os preconceitos, teorias, definições, etc., que nós utilizamos para conferir sentido às coisas. Tal suspensão da nossa atitude natural diante do mundo tem como escopo apreender na consciência as coisas no sentido de captá-las como elas são em si mesmas:
"a fenomenologia procura enfocar o fenômeno, entendido como o que se manifesta em seus modos de aparecer, olhando-o em sua totalidade, de maneira direta, sem a intervenção de conceitos prévios que o definam e sem basear-se em um quadro teórico prévio que enquadre as explicações sobre o visto" 15
A psicologia cientifica tem um trabalho diferente ao visualizar o homem, enquanto o existencial o observa como ser único numa relação intransferível com seu mundo, a psicologia cientifica tenta classificar e descrever os seus sentimentos. Camon (2007) diz que:
“O pensamento existencialista é embasado na impossibilidade da construção de um conjunto sistemático, do estabelecimento de regras gerais, recusando a um enquadre cientifico. Pode, por outro lado, com recursos e métodos que possui, empreitar uma compreensão profunda, iluminada e completa do homem, de seu mundo e de suas possibilidades existenciais.” 16
Camon (2007) fecha falando da necessidade da prática psicoterápica como principio existencial onde há um encontro único com o cliente, pois jamais podemos pensar num método específico para a psicologia existencial, onde o homem é um ser único, individual não podendo ser fragmentado.
O pensamento existencial se desenvolve a partir de como o homem se constitui ser-no-mundo, sua individualidade e como se caracteriza o indivíduo com os dados da sua existência. A psicologia existencial se ocupa a abordar o homem como responsável na construção do seu destino, num processo dinâmico de vir-a-ser sendo capaz de fazer escolhas livres e intencionais, isto é, escolhas das quais resulta o sentido da sua existência, em contraposição a qualquer forma de determinismo. A existência individual caracteriza-se pelo exercício da liberdade através das suas escolhas na construção do seu destino regado de responsabilidade em cada ato, essa é a base do pensamento existencial. Na medida em que o indivíduo cuida da sua existência na procura de conhecer-se e compreender-se, descobre-se na relação com o outro e constrói o seu mundo. A partir da possibilidade de escolha, opta por viver de acordo com os seus valores. Isto lhe confere um caráter único e singular, pois, responsabiliza-se por si próprio na realização do seu projeto de vida. É um processo que se estabelecer-se como individuo, pela sua forma de estar-no-mundo. Ocorre que a existência, enquanto estar-no-mundo, envolve a unidade entre o indivíduo e o meio em dimensões, que são as dimensões da existência (VAN DEURZEN-SMITH, 1996).
Podemos observar em Cohn (1997) a descrição dessas dimensões. A primeira é a dimensão física, o mundo natural, a relação do homem com o ambiente e aspectos biológicos do existir. A segunda dimensão chamada de social, caracteriza-se pela relação com os outros, onde se revela o que se é, onde as atitudes e se sentimentos seus vistos. A dimensão relacional, que trata da relação do mundo consigo próprio, da existência subjetiva, da existência fenomenológica de si mesmo na construção do mundo pessoal. E por último a dimensão espiritual, que é a relação com o mundo desconhecido.
O individuo preocupa-se na construção de significados para fugir do vazio existencial e a vida sem sentido. A existência do homem se refere à sua relação de ser-no-mundo. O ser-no-mundo significa uma luta constante do homem consigo mesmo, para não perder a dignidade existencial e características individuais (CAMON, 2002).
4.2. Conceitos fundamentais
O objetivo de falarmos sobre os conceitos fundamentais da psicoterapia existencial é exatamente o fato de eles estarem em constante relação com o exercício da liberdade, a ideia que é transmitida é que quando objetivamos ter uma vida de liberdade seja nas decisões, escolhas, projetos ou qualquer que seja o fim para esse objetivo de vida livre, esbarramos em todo o tempo nos conceitos que fundamentam, sustentam a psicoterapia existencial. Esses conceitos vão ser a base para o exercício da liberdade, através da busca pela prática de tais conceitos nossas vivencias serão mais autênticas.
4.2.1. Autoconsciência
Iniciaremos falando sobre o conceito de autoconsciência onde podemos observar Maria Thereza Erthal falando sobre o assunto magistralmente:
“muitos não conseguem obter uma imagem precisa e completa do eu, pois vivem enganando a si mesmos. Os que conseguem ter consciência da discrepância entre o idealizado e a realidade sabem seus verdadeiros limites, embora não deixem de se esforçar para atingir seus ideais”.17
A psicologia existencial acredita que a experiência de cada pessoa é única, podemos observar isso quando falamos sobre o homem como fenômeno único, a escuta empática e a autoaceitação são meios de ajudar um indivíduo a desenvolver a autoconsciência e autocompreensão vivenciando uma relação aberta, amigável e estreita com sua própria experiência. Quanto maior a consciência, maior a liberdade e quanto maior a liberdade, maior a responsabilidade. E a liberdade nos traz a ansiedade e angústia de nos sermos os únicos responsáveis por nossas escolhas realizadas conscientemente. Essa angústia é libertadora, pois se me torno responsável por minhas escolhas, também sou responsável por aquilo que será feito de mim daqui por diante, e isto é libertador. Ninguém detém o poder de me impedir de ser feliz, assim como a minha felicidade não está nas mãos de ninguém. Podemos perceber aqui a relação de autoconsciência e liberdade na produção de um ser responsável por si mesmo (ERTHAL, 2004).
4.2.2. Solidão
Um dos conceitos fundamentais mais disseminados no meio existencial é o da solidão, muitos entendem a solidão apenas como o estado de estar sozinho, porém no âmbito da psicologia existencial não se define assim. A solidão é um sentimento inerente ao ser humano, todos já passamos por algum momento em que sentimos falta de alguma pessoa, de uma coisa ou até mesmo de um momento. A experiência de solidão faz parte da condição humana, quando estamos vivenciando a solidão precisamos dar um sentido as nossas vidas, decidir como vamos viver a vida. A relação da solidão com a liberdade está exatamente nisso, quando agimos, sozinhos, nas tomadas de decisão da nossa vida. Dr. Jadir Machado Lessa no livro Solidão e Liberdade fala categoricamente sobre essa relação:
“Liberdade é algo que se conquista no presente contexto por meio de uma escuta plena ao que se precisa ser e realizar por si mesmo, uma escuta que só se dá e pode se dar em um estar plenamente consigo, em um distanciamento primário em relação aos outros, em uma unidade não previamente dada e decidida com o seu si mesmo. Assim, há aqui uma ligação originária entre solidão e liberdade, que deixa cada uma das duas se mostrar plenamente por intermédio da outra.” 18
Somos seres que vivemos socialmente, gostamos de estar perto das pessoas que amamos, porém temos a certeza que é de nós que dependem nossas opções. Contudo, para o existencialismo, a solidão não é somente um sentimento, mas também se remete ao ato de escolha, feitas estas, quando estamos sós. Nós somos totalmente responsáveis por elas. Tem haver com nossos atos, e que estes são apenas consequências das decisões diárias e constantes. A convivência social leva o homem a uma postura que nem sempre é a sua preferência. Muitas vezes, este homem se aliena de si mesmo o que pode acarretar um vazio e uma ideia de incapacidade para fazer algo de ativo sobre sua própria vida e sobre o ambiente em que vive. O homem não consegue fugir da solidão faz parte da própria vida, porém a certos momentos que ela aparece de forma avassaladora, e não sabemos como lidar com ela (CAMON, 1990).
Todo ser humano está só. Tal condição não é negociável. Perguntamos-nos todo o tempo como lidar com a solidão, pensar assim a solidão não a caracteriza como algo negativo, nem pressupor que ela precise de uma solução definitiva. Nenhum modo de ser é capaz de suprimir de uma vez por todas a condição de sermos sós e entregues apenas a nós mesmos. A solução para o problema da solidão, portanto, não é encontrar uma pessoa ou uma coisa que nos ajude a preencher o vazio existencial, não é encontrar um hobby ou uma atividade, um amor ou uma amizade. A solução não é se matar de trabalhar e se concentrar nisso para não se sentir sozinho. Também não é encontrar uma estratégia para driblar a solidão. A solução é experimentar a existência de maneira plenamente em sintonia com o fato de que se é sempre só no mundo, mesmo quando se está acompanhado, pois quando se faz isso, a vida se enche de significado, ela adquire um brilho especial que suspende todo temor diante da solidão e que abre espaço a todas as possibilidades da liberdade (LESSA, 2003).
4.2.3. A consciência de Morte
A consciência de morte é outro conceito que vem a ser discutido de forma ampla no campo existencial, pois é através da morte que as pessoas começam a dar significado a vida. A conscientização da morte proporcionou ao homem maneiras de se relacionar com ela, apesar de sempre percebemos a diversificação da manifestação perante a morte nas diferentes culturas, ainda assim, permanecem características comuns em todas elas.
Os autores Kastenbaum e Aisenberg propõem condições que contribuíram significativamente para o contexto da vida do qual emergiram as interpretações sobre a morte. Condições como a expectativa de vida, ver-se em presença da morte, possuir reduzido controle sobre as forças da natureza e o status do indivíduo. Nem todas as condições mencionadas tinham igual predomínio em dada sociedade em um momento particular de sua história. Mas parece que estes fatores propiciaram importante parte do contexto para as primeiras interpretações da morte (KASTENBAUM; AISENBERG, 1983). “O homem é o único a ter verdadeiramente consciência da morte, o único, a saber, que sua estadia sobre a Terra é precária, efêmera. A consciência da morte é uma marca da humanidade” (RODRIGUES, 1983, p. 18). Para Kovákcs (1992, p.6), “o espaço da morte na consciência ainda pode estar muito distante”.
A Compreensão da morte traz um novo conceito de vida é como se fosse ao fundo da alma, no interior, onde tudo é transformador. E quando de lá sairmos, nos tornamos mais sábios e capazes de acompanhar o processo complexo que é a própria vida. No mergulho da alma, compreendemos a natureza e ressurgimos com lições para trilhar novos caminhos (PIERRE, 1998). Augusto Angemari (CAMON, 2007, p.29) faz a ligação do tema morte com o exercício de liberdade quando ele diz “humanizando e interiorizando a morte, o homem pode alijar-lhe o caráter da restrição da liberdade”, ou seja, quando o homem entende e internaliza a ideia de morte, ele adquiri a capacidade de desfazer-se de qualquer restrição que o impede de vivenciar a liberdade.
4.2.4. A experiência de Ligação
A experiência de ligação é outro conceito fundamental do existencialismo, e nos leva ao entendimento que todos nós somos seres de ligação, ou seja, a uma necessidade existencial de nos relacionarmos com os outros, porém é preciso também esclarecer como será essa experiência de ligação se será de forma parasitoide, onde o individuo estabelece relações íntimas e duradouras com certo grau de dependência, ou de forma que preencha o outro com a ideia de completude, ou seja, ocupando os espaços vazios e mal preenchidos do outro.
Para Augras (2000), a evolução humana se define tanto na sua relação com a sociedade, quanto individualmente no encontro com os demais, o que demonstra ser o mundo, essencialmente o mundo da coexistência:
“a fenomenologia existencial postula que o mundo da coexistência não se estrutura em termos de oposição – ou de complementaridade – entre um sujeito e os diversos objetos que o rodeiam: “Os ‘outros’ não designam a totalidade daqueles que não sou, dos quais me separo, pelo contrário, os outros são aqueles dos quais a gente não se distingue, e entre os quais se encontra também”. Não se trata de justaposição, mas do encontro dentro do meio ambiente.” 19
O ser humano é um ser-no-mundo, existe sempre em relação com o outro e tem compreensão das suas experiências, ou seja, atribui-lhes significados, dando sentido a sua existência. Vive em determinado lugar e determinado tempo, mas os vivencia com uma ampla que ultrapassa essas dimensões objetivas, pois consegue transcender a situação imediata, seu existir abrange não aquilo que é e está vivendo em dado instante, mas também as inúmeras possibilidades em que todo tempo estão abertas a sua existência (FORGHIERI, 1993).
A relação é tomada como a categoria fundamental do ser, necessitamos ter importância no mundo do outro e sentir que a presença do outro tem um significado em nosso mundo. Tillich (1991, p.72) deixa isso claro quando diz que “Quando a relação amorosa não me conduz a mim mesmo, quando eu, numa relação de amor, não conduzo outra pessoa a si própria, este amor, mesmo que pareça a ligação mais segura e extasiante que já tive, não é amor verdadeiro”. Por meio da consciência do seu ser, o indivíduo se tornará livre para tomar suas próprias decisões, direcionando assim o caminho que pretende dar para a sua vida. O individuo busca agora está sempre aberto a mudanças. Mas essas mudanças precisam ser realizadas por meio de suas próprias escolhas e nunca submetidas ao outro, ou seja, a nossa experiência de ligação nos leva a uma relação impar como o outro, porém isso traz liberdade para meu viver.
4.2.5. Liberdade, Responsabilidade e Ansiedade
O último conceito fundamental a ser desenvolvido dentro desse trabalho, lembrando que há outros conceitos que não foram desenvolvidos aqui, é a harmonia conceitual entre três conteúdos essenciais dentro da psicologia existencial e a forma como eles se coligam dentro do campo psicoterápico.
A junção dos conteúdos procura dar sentido no que permite a auto-realização, enquanto tudo o que o indivíduo é capaz de vir-a-ser, facilitando o indivíduo o desenvolvimento de maior autenticidade em relação a si próprio. Quando o individuo adquiri a consciência de liberdade assumindo os riscos e sendo responsável por suas decisões surge a ansiedade frente à escolha. (ERTHAL, 2004).
Nesta perspectiva, a ansiedade surge quando eventualmente temos alguma possibilidade de liberdade. Como essa possibilidade se refere ao futuro, à ansiedade se instala. O futuro reserva possibilidades ainda não realizadas, com isso surge a necessidade de escolha e com esta, a ansiedade. A ansiedade aparece ante a escolha, e desaparece quando escolhemos, volta a surgir quando outras possibilidades surgem, e assim por diante, num movimento contínuo. A possibilidade de escolha nos aponta caminhos. As expectativas permanecem, em todo tempo somos exigidos a realizar escolhas e nos angustiamos frente as possibilidades. Rollo May descreve isso:
“Se não houvesse alguma possibilidade de abertura, alguma potencialidade lutando para 'nascer', não experimentaríamos a ansiedade [angústia]. Esta é a razão pela qual ela é tão fortemente ligada ao problema da liberdade. Se o indivíduo não tivesse alguma liberdade, não importa sua brevidade, para dar vazão a uma nova potencialidade, ele não experimentaria a ansiedade”.20
O fato é que o individuo ao escolher o futuro sempre envolve ansiedade, pois está associado ao medo do desconhecido. A ideia é pela busca de autenticidade no viver, e esta implica em aceitar a condição humana tal como ela é, e conseguir confrontar-se com a ansiedade e escolher o futuro, em vista caracterizar a maturidade individual e social (COBESTAN, 2005).
Rollo May (2000) aborda esse tema ao apresentar em seu livro “A Psicologia e o Dilema Humano”, um estudo dos conflitos pertinentes ao ser humano em meio às exigências do mundo moderno. May fala em perda da Identidade pessoal no mundo moderno, passando pelas causas da ansiedade, e tudo aquilo que envolve o conceito de liberdade e a responsabilidade dentro do sistema de valores da pessoa, onde existe a necessidade em enfrentar essa ansiedade através da consciência da liberdade.
Entendemos a necessidade de uma buscar incansável na construção do nosso projeto, sentido a ansiedade, porém não deixando ela nos dominar objetivando o exercício da liberdade e da responsabilidade em cada escolha e assim praticando uma vida repleta de autenticidade. Erthal deixa clara a conexão entre liberdade, responsabilidade e ansiedade quando fala sobre a construção do ser-no-mundo:
A consciência da liberdade e da responsabilidade, em si mesma, é geradora de angústia. Expressando suas possibilidades condutoras, o indivíduo vai moldando o mundo a si mesmo. Ao mesmo tempo em que vai se moldando ao mundo. Com medo de perder as relações significativas com o seu meio, sente angústia. A angústia existencial é essa responsabilidade inata à ameaça, à existência e à segurança. A forma de reduzir a ansiedade resultante é diminuindo suas opções, ou seja, evitando significativamente sua interação com acontecimentos. Na luta contra o que pode vir a destruir o seu ser, o indivíduo acaba deixando de ser completamente. Ao reduzir suas possibilidades de escolha, nega sua liberdade, nega sua possibilidade de ser. Advém daí a culpa que nada mais é do que fracasso no projeto, isto é, naquilo que se é capaz de vir a ser”.21
5. A CLÍNICA PSICOLÓGICA – O EXERCÍCIO DE LIBERDADE
O objetivo agora é trazer os conceitos formulados dentro da Psicologia Existencial para um encontro com as práticas psicoterápicas. Depois de analisarmos de forma exaustiva e complexa, o que autores e teóricos discutem sobre o exercício de liberdade, agora aprofundaremos o presente estudo na prática do profissional em psicologia.
5.1. A Atuação do Psicólogo e os Objetivos da Psicoterapia Existencial
O que mais vemos e o que mais nos assusta como principiantes na clinica psicológica é por onde começar atuar, qual palavra usar, e para sair desse mecanicismo, questionamentos pertinentes precisam ser levantados para está preparados com o mais amplo conhecimento acerca do atuar do psicólogo não só na parte técnica, mas também subjetiva (ERTHAL, 1994).
Não existe nenhuma possibilidade de seguirmos em frente sem um objetivo, pode parecer que há um ar de subjetividade na atuação do psicólogo dentro do campo de vivência existencial sem nenhum olhar técnico, e isso não é verdade, a meta da terapia vivencial é maximizar a autoconsciência do cliente o ajudando no processo de escolha, facilitando a aceitação dos riscos e responsabilidades das decisões, a partir disso, o psicólogo deve olhar para si como instrumento do seu próprio trabalho, pois é ele quem vai procurar maior flexibilidade e riqueza de recursos para suas ações, sendo assim eficaz no atendimento e refinando sua percepção do outro (ERTHAL, 1994).
O papel do terapeuta diante do encontro com seu cliente deve ser revestido de aceitação incondicional, compreensão empática e respeito pelo cliente como pessoa. A aceitação incondicional busca do cliente a abertura necessária para uma relação que se inicia com o terapeuta, que por sua vez deve também deixar transparecer o seu desejo desse encontro, realizando uma ligação fundamental, levando o cliente a estabelecer um compromisso consigo mesmo (ERTHAL, 1994).
Tereza Cristina Erthal (1994) que tem servido de base principal para falarmos sobre a atuação do psicólogo chama a compreensão empática de pilar do encontro terapêutico, pude aprender em sala de aula sobre a compreensão empática quando o professor deu o exemplo de um leão que está debaixo da mesa em uma sessão terapêutica onde o cliente dá certeza da presença dele na setting, o terapeuta não se assusta com tal visão, ele consegue trabalhar com o que foi apresentado. A compreensão empática nasce no terapeuta quando ele entra mundo fenomênico do cliente, sem culturas, sem crenças, sem opiniões, deixa seus valores e sentimentos pessoais do lado de fora e ele entra para a sala com o intuito de ser empático, autocongruente e transparente.
Erthal (1994) fez esse caminho na compreensão empática, sequencialmente, onde primeiro há o relato do cliente onde ele passa fatos e trás sua queixa inicial, segundo onde o terapeuta entende imediatamente a mensagem entrando no mundo do cliente e abstendo-se de si, terceiro o terapeuta capta a essência do problema, no quarto passo está à ampliação e dedução dos mecanismos que mantêm os problemas, e naturalmente o quinto passo leva o cliente a experienciar e descobre a idéia que forma a base do que ele é, sua essência.
A área de atuação da psicologia tem se organizado de forma objetiva a levar seus serviços a pessoas que procuram atendimento psicológico espontaneamente, ou que são encaminhadas por outros profissionais de outras áreas e até por indicação de clientes. Temos a partir dessa proposta a grande importância do valor de cada caso, de cada sofrimento, de cada queixa, se pensar na terapia como objeto financeiro seremos os mais desprezíveis no campo de atuação, o que deve nos motivar deve está fora do âmbito cobiçoso, que a paixão por essa profissão seja maior que nosso desejo de fazer riqueza, ser bem sucedido deve ser nosso prioridade.
O Trabalho do terapeuta existencial é entregar-se à escuta e ao acolhimento das necessidades, das dores e ao crescimento do cliente. Podemos perceber a riqueza das palavras de Lowen sobre a terapia e o terapeuta:
“A terapia é uma viagem de autodescoberta. Não uma jornada curta e simples, nem tampouco livre das dores e dos tropeços. Esta não é uma viagem que eu poderia recomendar alguém fazer sozinho, apesar da certeza de que houve os corajosos que a empreenderam por si. O terapeuta funciona como guia, ou navegador; seu treino levou-o a reconhecer perigos e aprender como enfrentá-los; além disso, será o amigo que oferecerá a mão compreensiva e encorajadora quando vier o mau tempo.”22
Nosso objetivo primário é buscar o aperfeiçoamento e a partir disso criar possibilidades de acolhimento para nossos clientes, quando estamos preparados naturalmente reconhecemos os perigos, angústias, dificuldades e fobias daquele que nos procura.
Emmy van Deurzen, psicóloga clínica e psicoterapeuta existencial e grande contribuidora para a terapia existencial na Europa, propõe alguns objetivos em relação ao trabalho do psicólogo existencial que a partir de agora procuraremos descortinar de forma elucidativa, o primeiro é facilitar uma atitude mais autêntica em relação a si próprio, ou seja, essa autenticidade seria uma busca de ser verdadeiro consigo e mais coerente nesse objetivo de ser no mundo, quando o indivíduo entra nesse processo ele se torna capaz de lidar com situações desagradáveis e tem maior percepção de si e naturalmente tem controle sobre sua ações (DEURZEN, 1996).
Isso não acontece instantaneamente, Deurzen (1996) chama atenção que essa atitude autêntica em relação a si, acontece de forma gradual no processo terapêutico, ele passa do estado de alguém ofuscado, limitado, desassimilado para agora uma pessoa autocompreenssiva, abarcada e entendida.
Somos levados a pensar que essa autenticidade é uma forma de ajudar o cliente a liberta-se de sentimentos perturbadores de negação como individuo no mundo, e problemas existenciais que sempre os cercam, com essa autocompreensão acende no cliente uma forma autêntica de existir. (COHN, 1997).
A segunda proposta oferecida por Deurzen é promover uma abertura cada vez maior das perspectivas do individuo em relação a si próprio e ao mundo, isso é, o psicólogo vai ajudar a permitir ao cliente uma relação consigo mesmo, ou seja, autoconsciência, isso será o ponto de partida para simplificar uma autoavaliação do que se acredita, sejam crenças ou valores culturais, para que quando na vivência de novas experiências no mundo que ele vive o cliente possa ter capacidade subjetiva de entender claramente o que acontece nessa situação, e com isso descobrir uma saída (DEURZEN, 1996).
A terceira proposta é clarificar como agir no futuro em novas direções, trata-se de facilitar a entrada de novas possibilidades de vir-a-ser, diferentes das desenvolvidas até agora, ajudando o cliente a descobrir sua capacidade de se auto-construir a de ter consciência da sua liberdade de ser capaz de existir, auto-determinado a tomar decisões, tornado-se habilitado a construir novas alternativas. O individuo não se torna estático, ele capaz de manobrar problemáticas nas inúmeras possibilidades de situações que ocorreram no decorrer do seu existir (DEURZEN, 1996).
Podemos perceber que Deurzen detalha o objetivo da psicoterapia existencial, sem rodeios, ele aponta aqui as possibilidades cabíveis, não que necessariamente seja obrigatório existir toda essa seqüência perfeita, podem tanto alguns não ser usado, quanto na seguir suas ordens cronologicamente escritas. Em quarto lugar o psicólogo deve facilitar o encontro do indivíduo com o significado de sua existência, agora o terapeuta reavalia a compreensão do individuo tem acerca da vida e de suas vivências, aqui se procura sentido do que faz permitir uma auto-realização, pois dentro desse processo o indivíduo tem toda possibilidade de conseguir isso, ele vive o vir-a-ser (DEURZEN, 1996).
A quinta parte é composta em promover o confronto com e a superação da ansiedade que emerge dos dados da existência, ou seja, possíveis ações de confronto ao longo da vida, com a morte, solidão, liberdade de escolha, trabalha-se para que o cliente tenha essa capacidade desenvolver métodos pessoais de superação e de responsabilidade no seu existir (DEURZEN, 1996).
5.2. O Encontro Terapêutico
O encontro terapêutico está no método fenomenológico, é a apreensão da presença do outro tal como ele se fenomenaliza, ou seja, se torna visível frente ao terapeuta, sem distorções interpretativas. A partir disso é de suma importância e necessidade para o encontro, estabelecer uma sintonia acedendo seu estado de consciência, empatia e compreensão, captando as modalidades de constituição da sua presença no mundo. O centro da questão é a realidade do outro, isto é, as suas vivencias e experiências que ele tem do mundo (CARVALHO, 1996).
O encontro terapêutico é que uma relação humana, na qual atuam ambos os envolvidos terapeuta e cliente, para o cliente uma forma de aprender sobre si mesmo, e para o terapeuta, principalmente, um aprendizado da dinâmica do outro. O psicoterapeuta existencial deve procurar sempre ter um conhecimento amplo sobre si mesmo trabalhando suas questões pessoais, para que durante o processo terapêutico ele possa ocupar o lugar do outro sem emitir julgamentos de valor. Segundo Erthal (1994), “o terapeuta deve ser autocongruente e transparente, desejando se envolver com o cliente como uma pessoa completa. Precisa compreender e aceitar o seu “self” tanto quanto o de outros indivíduos”.
Uma atitude fenomenológica é fundamental para o entendimento do mundo do outro e dos significados que ele atribui aos objetos do seu mundo, permitindo aumentar a consciência das suas experiências, compreendendo a importância que ele dá ao seu futuro e perspectivando a autenticidade de suas ações como fundamento em sua individualidade e incorporadas ao seu projeto de ser. (CARVALHO, 1996).
A atitude fenomenológica se caracteriza na concepção de Husserl (1986), pela suspensão do juízo. Essa suspensão na atitude fenomenológica promove uma abertura de sentido no fenômeno vivido pelo cliente, possibilitando a ele uma ampliação da experiência de sentido e, consequentemente, maior liberdade no encontro terapêutico.
O encontro terapêutico é caracterizando por alguns pontos como a coerência, ou seja, uma harmonia entre ambas as partes nesse processo terapêutico, um comportamento mútuo de correspondência entre terapeuta e cliente. O terapeuta precisa possuir ferramentas para compreender o mundo do outro, como o cliente tem por necessidade “deixar ser” compreendido (CARVALHO, 1996).
Outro ponto característico do encontro é o caráter fortuito de algumas relações terapêuticas, ou seja, quando no caminhar do processo algo imprevisível ou inevitável acontece, um encontro em determinado lugar (shopping, restaurantes, etc..) como lidar? Há uma recomendação elementar do não envolvimento do terapeuta com o paciente, manter-se neutro não implicaria em ignorar sua existência, até diante do caráter fortuito o terapeuta deve saber a quem deve tratar e a quem pode tratar com abertura (EIZIRIK; AGUIAR; SCHESTATSKY, 2014).
O terceiro ponto fala sobre a liberdade de deixar o outro ser como é, o terapeuta deve busca em todo tempo saber com quem está lidando e isso sempre revestido de atitude fenomenológica, ou seja, o mundo do cliente deve ser respeitado através da suspensão total de julgamentos e preconceitos, realizando assim uma abertura para o cliente obter liberdade de revelar ser como é. Podemos observar que faz parte do encontro terapêutico o exercício de liberdade, tanto da parte do terapeuta em realizando a abertura para o cliente ser quem dever ser, quanto do cliente na busca dessa liberdade que o aproxima cada vez mais de uma vida autêntica. Identificamos no quarto ponto o que não pode faltar nesse encontro, o envolvimento face a face, é nele que o encontro acontece, é preciso ter essa empatia e esse desejo de estar com o outro nesse encontro, a suavidade do olhar, a transparência do notar, ver o que é preciso ver, parece pouco para apenas uma troca de olhares mais no encontro terapêutico isso é essencial. Por fim facilitar o cliente aceitar-se como é, aquilo que foi dito anteriormente, deixar fluir a liberdade de ser quem ele é, e naturalmente o objetivo vai sendo cumprido em ele querer-se como indivíduo, sentir-se como tal e escolher-se como exercício de sua liberdade conquistada (CARVALHO, 1996).
Para fechar devemos ressaltar aqui algumas atitudes e qualidades profissionais e pessoais desejáveis do terapeuta como em relação ao nível de autoconsciência, até que ponto o cliente tem consciência de sua experiência e a necessidade de facilitar esse cliente a alcançar ainda mais consciência de si. Outra atitude importante do terapeuta é a atitude autêntica de comportamento frente ao cliente é “apresentar-se como se realmente é”, pois devemos fugir de ser aquilo que não somos, acabamos nos revestindo de profissionalismo e afastamos cada vez mais a pessoa do cliente, isso acaba interferindo na abertura necessária para o encontro terapêutico e pela busca do exercício de liberdade que é objetivo final desse encontro. A atitude de aceitação incondicional da pessoa do cliente também é desejável, é aquilo que persistimos em dizer o tempo todo: deixar de lado qualquer tipo de preconceito ou pré-julgamento para podermos atender aquele cliente, a entrada no mundo do cliente é um trabalho de também deixar para trás coisas que atrapalham essa relação, esse encontro. Olha o que Carvalho (1996, p.297) fala sobre: “Envolve interesse positivo, respeito por todas as manifestações da personalidade do cliente, escuta acreditante, consideração pelo seu sistema explicativo e respeito pela sua capacidade potencial de vir-a-ser mais autêntico.” Qualquer tipo de julgamento é deixando de lado para que haja um atendimento desejável, o respeito ao mundo do outro prevalece.
Por último se fala em compreensão empática, que é basicamente o ato de se colocar no lugar do outro, porém aproximando-se de forma tal do outro para obter a capacidade de refletir as alusões internas do outro e poder experimenta-las. Existem algumas qualidades que precisam ser mensuradas e vividas pelo terapeuta existencial, além de toda qualidade técnica e teórica é preciso ter qualidades que o diferenciam dos demais, como auto-reflexão, atitude de procura de significados e abertura a varias perspectivas (CARVALHO, 1996).
5.3. A Proposta do Psicólogo Existencial
Existem alguns elementos que permeiam o campo psicoterápico existencial, esses elementos que formam a proposta do psicólogo existencial. O objetivo agora é tirar do encontro terapêutico o necessário para que o cliente alcance a meta em obter uma vida livre repleta de autenticidade.
A proposta do psicólogo existencial inicialmente é analisar a forma que seu cliente se relaciona com o mundo. A vivência em liberdade é inseparável à existência e está ligada à saúde e ao adoecimento existencial. A saúde existencial se revela através da vivência da liberdade, do acolhimento e harmonia em relação a si mesmo, aos outros e ao mundo. A pessoa saudável existencialmente dispõe livremente das condições de relação com seu mundo de possibilidades. Pois bem, aquele que não está saudável está doente, é o adoecimento existencial que é a contraproposta do saudável existencial, ela se caracteriza pelos aborrecimentos e angústias, provindas de uma vivência no mundo de impotência, desagrado e insatisfação consigo mesmo, com a própria vida e com os outros, apatia, conformismo, pessimista fazem parte do rol de vivências do doente existencial. O sofrimento surge quando a pessoa perde a capacidade de decidir livremente sobre suas possibilidades (FORGHIERI, 2004).
. Segundo Forghieri (1993) entendemos “mundo” como o conjunto de relações significativas dentro do qual a pessoa existe. Além disso, a definição de mundo se entende sob a relação de três aspectos diferentes, o mundo circundante que basicamente é o contato do indivíduo com as situações concretas, como comer, interagir com a natureza, suas necessidades fisiológicas, entre outros. O mundo humano é a relação, comunicação e troca entre indivíduos. E o mundo próprio é a relação de um ser consigo mesmo, o com suas experiências e onde pode vivenciar a autenticidade. O terapeuta observaria dentro desses aspectos de que forma o cliente se relacionaria para compreender seu mundo para poder entender o que o assola ou dificulta sua existência.
Outro critério a ser analisado pelo psicólogo existencial é a forma que seu cliente estabelece vínculos com outras pessoas, familiares, amigos, entre outros. Esses vínculos poderão ser reflexos do seu comportamento junto ao terapeuta, como também se haverá dificuldade de relacionamentos futuros, e também uma maneira de conhecer esse cliente e saber como lida com os indivíduos a sua volta.
A forma de se relacionar com o terapeuta é a proposta principal para o psicólogo existencial, pois é na abertura dessa relação que podemos verificar a forma do cliente se relacionar com o mundo e de que forma os vínculos estabelecidos se manifestam. O vínculo com o terapeuta deixa o ambiente favorável para enfrentar as muitas adversidades, dificuldades e os altos níveis de angústia. O vínculo é um dos elementos básicos para o processo terapêutico. (SCARPATO, 2001).
Muitos psicoterapeutas procuravam encaixar as pessoas na teoria, em tentativas desastrosas de modelos teóricos, forçando uma relação terapêutica, que quase sempre não promoviam transformações existenciais sustentáveis. A Psicoterapia Existencial objetivou o cuidado, enquanto ser-no-mundo e não em interpretações particulares ou explicações mirabolantes sobre a realidade vivencial do paciente. O terapeuta na sua relação ímpar remete o indivíduo a uma busca incessante a si mesmo, estimulando-o a se reconhecer, a adquirir liberdade e sempre questionando-se no sentido de encontrar suas próprias respostas para as questões que a vida lhe apresenta (LESSA;SÁ, 2006).
Segundo Corey (1986) a preocupação do terapeuta existencial, além de tentar compreender melhor a pessoa do cliente, é também a de levá-lo a uma autocompreensão que o possibilite a dar valor ao seu futuro, podendo assim aceitar a liberdade de conduzir sua própria vida tendo sempre responsabilidades com as suas escolhas, ou seja, ajudar o cliente a encontrar um sentido para sua vida.
A relação terapeuta-cliente tem por objetivo desenvolver uma atitude de diálogo e uma postura de aceitação para com o cliente, como se entende de uma relação autêntica. A partir desses pressupostos, ocorreria o esperando por ambas as partes, o encontro existencial, em que se revelariam a proposta do terapeuta e a necessidade do cliente. A perspectiva existencial valoriza o encontro no aqui e agora, onde o outro comparece com sua alteridade, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro, afetando e sendo afetado, e não apenas enquanto uma representação (LESSA; SÁ, 2006).
Na construção dessa relação autêntica com o cliente, o aceitando e se disponibilizando para ouvi-lo e acolher seus sentimentos e suas atitudes, o terapeuta está procurando lhe proporcionar um ambiente facilitador para poder explorar as vivências do cliente, entrando em contato e acolhendo seus próprios sentimentos e atitudes. Ao se perceber com mais clareza e aceitar-se mais, o cliente terá mais capacidade para tomar suas próprias decisões e assim descobrir uma nova maneira de ser (COREY, 1986).
O terapeuta deve ter uma atitude fenomenológico-existencial, olhando para o cliente como ele se apresenta, pois é através dessa interação que será alcançada uma compreensão objetiva da realidade do cliente. O diagnóstico é feito com reconhecimento da estrutura do todo e como qualquer forma de significado ele é construído do que se passa no contato entre terapeuta e cliente. O terapeuta existencial não vai procurar algo por trás do que seu cliente diz, mas dará sentido ao próprio dizer, as pequenas manifestações como sendo em si mesmas reveladoras do sujeito. A proposta do psicólogo existencial será analisar a forma que seu cliente se relaciona com o mundo, a forma que ele estabelece vínculos, e também a forma que se relaciona com o próprio terapeuta. Essas maneiras de se relacionar são sua forma de ser, sua identidade, e são os reveladores de sua estrutura. Analisar essas relações possibilita o esclarecimento de sua essência, bem como o processo de constituição dessa estrutura de ser, e da sua identidade (PICCINO, 1986).
6. Conclusão
O propósito desse trabalho sempre foi nos mostrar como o exercício de liberdade é necessário na vida do individuo, mas principalmente como o trabalho do Psicólogo Existencial pode ajudar o cliente nessa empreitada. A Psicologia Existencial serviu como base para o trabalho, pois foram através dos filósofos existencialistas as primeiras discussões sobre a necessidade do exercício de liberdade.
O homem busca em todo tempo ser livre, livre dos problemas, livre das doenças, livre do caos, livre da angústia e desespero, livre de não conseguir nada e de não ser alguém que deseja ser, livre de ser alguém insatisfeito, livre de tudo aquilo que o assola. Observamos nesse trabalho que a Psicoterapia Existencial possui ferramentas necessárias para que essa liberdade venha ser adquirida, exercitada e mantida. Rollo May (1993) deixa exposto muito bem isso, definindo sua ideia sobre a liberdade: ”A liberdade é a capacidade de o homem contribuir para sua própria evolução. É a aptidão para nos amoldarmos”.
A Psicologia ainda estava no ventre da mãe das ciências quando a liberdade se fazia presente nos discursos dos mais celebres filósofos do mundo antigo. A Liberdade atravessou os tempos e chegou aos filósofos modernos, como Sartre, Kierkegaard, entre outros, que foram, dentre muitos, os principais responsáveis por essa transição do tema Liberdade da Filosofia, como exercício para alcançar uma vida plena, até os braços da Psicologia. E foi dentro da Psicologia Existencial que o tema liberdade se aflorou através de seus pressupostos e conceitos fundamentais.
Observamos na atuação do Psicólogo Existencial a finalidade do trabalho, o psicólogo vai ajudar a permitir ao cliente uma relação consigo mesmo e dessa maneira adquirir uma vida autêntica. A Psicologia Existencial se ocupa a abordar o homem como responsável na construção do seu destino, num processo dinâmico de vir-a-ser sendo capaz de fazer escolhas livres e intencionais, isto é, escolhas das quais resulta o sentido da sua existência, em contraposição a qualquer forma de determinismo.
Concluir o tema é difícil, mas temos a certeza que esclarecimentos valiosos foram feitos no decorrer do trabalho, é da Liberdade humana que estamos falando e tenho a certeza que sempre haverá uma busca constante em explorar esse tema de forma exaustiva e preciosa.
Em todo tempo no trabalho houve uma busca em esclarecer o trabalho realizado pelo profissional em psicologia para alcançar a Liberdade e permanecer nela, esse é o objetivo. Vamos sempre usar o necessário para buscar viver uma vida autêntica. Angemari define bem essa capacidade humana que emana do exercício de Liberdade:
“O homem, em seu próprio ser, é livre. A liberdade é fundamento de todas as essências, o homem livremente decide sua vida e assume as responsabilidades de suas escolhas. A liberdade é o determinante da condição humana, o que estrutura o homem, ela representa a qualidade de ser consciente, de negar, de transcender. Ela define a possibilidade da pessoa se recusar como coisa e se projetar para além de algo ou de si mesma. Sartre afirma que o homem está condenado a ser livre, o homem não é livre para abandonar sua liberdade.”23
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1 KIERKEGAARD, S. A. O conceito de Angústia. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2010, p. 45.
2 GRON, Arne. A Concepção de Angústia na Obra de Kierkegaard. Sevilla. Thémata: Revista de filosofia, 1995, p.18.
3 SANTOS, Delfim. O Sentido Existencial da Angústia. Lisboa: Fundação Calouste Kulbekian, 1982, p. 153.
4 KIERKEGAARD, S. A. O Conceito de Angústia. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2010, p. 53.
5 KIERKEGAARD, S. A. Ibidem. 2010, p. 54.
6 NAVES, Gilzane. Liberdade e Autenticidade em Martin Heidegger. Uberlândia: Poros, 2009, p.68.
7 NAVES, Gilzane. Ibidem. 2009, p.71.
8 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis: Vozes, 1993, p.75.
9 JÚNIOR, Gualter. A Liberdade no Pensamento de Heidegger e Gadamer. Revista Eletrônica do Curso de Direito: Puc, Minas Gerais, 2010, P.23. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/DireitoSerro/article/viewArticle/1108>. Acesso em: 19 de setembro de 2016.
10 SARTRE, J. P. O ser e o nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Tradução: Paulo Perdigão. 6ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1997, p. 542.
11 SARTRE, J. P. O ser e o nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Tradução: Paulo Perdigão. 6ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1997, p. 72.
12 SARTRE, J. P. O Ser e o Nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica. Tradução: Paulo Perdigão. 6ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1997, p. 681.
13 SARTRE, J. P. Ibidem 1997, p. 89.
14 SARTRE, J. P. O Existencialismo é um Humanismo. Tradução: Vergílio Ferreira. São Paulo: Abril S.A., 1973, p.14.
15 MARTINS, J. Estudos sobre Existencialismo, Fenomenologia e Educação. São Paulo: Centauro, 2006, p.16.
16 CAMON, Valdemar. A. A. Psicoterapia Existencial. São Paulo: Thompson Editora, 2007, p. 87.
17 ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Psicoterapia Vivencial: Uma Abordagem Existencial em Psicoterapia. São Paulo: Editora Livro Pleno, 2004, p.79.
18 LESSA, Jadir Machado. Solidão e Liberdade. 2. ed. Rio de Janeiro: SAEP Ed., 2003. p.74.
19 AUGRAS, Monique. O Ser da Compreensão: Fenomenologia da Situação de Psicodiagnóstico. 10° ed. Petrópolis: Vozes, 2000, p.55.
20 MAY, R. A Descoberta do Ser: Estudos sobre a Psicologia Existencial. Rio de Janeiro: Rocco. 1988, p.123.
21 ERTHAL, T. C. S. A Abordagem Existencial-Humanista na Psicoterapia. Rio de Janeiro: J. Bras. Psiquiatr, v.35, n° 2, 1986, p.85.
22 LOWEN, A. Bioenergética, São Paulo. Summus Editorial, 1975, p. 92.
23 CAMON, Valdemar. A. A. Psicoterapia Existencial. São Paulo: Thompson Editora, 2007, p.74.
Publicado por: Oslem Klesiano Lima Gomes
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