O Homeschooling no Brasil

índice

Imprimir Texto -A +A
icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

1. RESUMO

O presente estudo se desenvolve por meio de uma pesquisa de caráter bibliográfico e documental, objetiva discorrer sobre o surgimento do fenômeno da educação domiciliar no Brasil e compreender quais fatores influenciaram para a popularização tardia da pauta em solo nacional, utilizando, para alcançar tal exame pretendido, de paralelos com o homeschooling estadunidense e o processo histórico da educação compulsório em todo o mundo. Verificou-se, com os fatos expostos, uma similaridade entre os processos educacionais observados nos Estados Unidos e no Brasil e a relação autoritarismo/educação obrigatória presente em todas as ditaduras da história contemporânea. Revelando, por conseguinte, a tendência de crescimento exponencial do homeschooling em todas as democracias liberais e, inevitavelmente, no Brasil.

Palavras-chave: Educação domiciliar no Brasil; Homeschooling; Educação compulsória.

ABSTRACT

The present study is developed through a bibliographical and documental research, aiming to discuss the emergence of the phenomenon of home education in Brazil and to understand which factors influenced the late popularization of the agenda in national soil, using, to achieve such intended examination , of parallels with American homeschooling and the historical process of compulsory education around the world. It was verified, with the exposed facts, a similarity between the educational processes observed in the United States and in Brazil and the authoritarianism/compulsory education relationship present in all dictatorships of contemporary history. Revealing, therefore, the exponential growth trend of homeschooling in all liberal democracies and, inevitably, in Brazil.

Keywords: Homeschooling in Brazil; Homeschooling; Compulsory education.

2. INTRODUÇÃO

O homeschooling tem se apresentado nos últimos anos como uma pauta de relevância nacional. Com tal importância no debate público, torna-se indispensável uma pesquisa que aborde seu alcance popular internacional, possíveis ideias que fomentem esse apoio expressivo observado nos últimos anos e a crescente adesão por parte das famílias por todo o país. De mesmo modo, também se faz necessária um estudo dotado de uma visão metodológica amparada na racionalidade e que busca entender a pauta com base em suas proposições reais.

É inexorável para a compreensão do tema que se analise previamente as origens do movimento. Desta forma, a pesquisa aborda inicialmente a concepção de educação livre e obrigatória, realizando um retrato histórico da educação inicialmente voluntária até a popularização do modelo escolar obrigatório. Definido o processo histórico que culminou na educação estatal como uma pauta inquestionável, o estudo avança para a consequência direta deste fato: o surgimento internacional do movimento homeschooling, que é utilizado como base para a análise posterior, sobre o crescimento da pauta no Brasil. Ao final das duas investigações, teremos fatores suficientes para compreender o fenômeno do homeschooling, bem como identificar as demandas sociais por este modelo no Brasil e quais as semelhanças destas demandas com a pauta estadunidense da educação domiciliar, analisando e correlacionando os dois movimentos a fim de gerar uma reflexão crítica acerca do tema estudado.

A metodologia utilizada se aproveita da união produtiva dos métodos analíticos quantitativos e qualitativos, para coletar números e atribuir significado na pesquisa, gerando uma dupla reflexão: primordialmente sobre compreender a abrangência da educação em casa, em dados sólidos e, em segundo lugar, analisar o que esse alcance representa.

Contextualizado a existência atual da educação domiciliar, o estudo e a compreensão fenomenológica do tema são de suma importância para o educador do século XXI. A novidade do termo e a vinda relativamente recente ao Brasil, motivaram a escolha do tema em questão para essa pesquisa. O modelo ainda foi pouco explorado por pesquisadores da área da educação em termos de análise estrutural e teórica das proposições educacionais específicas que o homeschooling traz consigo.

A pesquisa tem como pergunta inicial: Como compreender a ascensão do homeschooling no Brasil como movimento, levando em consideração sua origem teórica, proposições práticas e alcance popular?

A hipótese que se apresenta é a de que tal qual o ocorrido nos Estados Unidos em 1970, a introdução do homeschooling em 2010 no Brasil retrata a insatisfação da sociedade com as diretrizes nacionais de educação. Neste sentido, a presente pesquisa se justifica pela necessidade de uma real compreensão do homeschooling como fenômeno e as causas de sua crescente popularização no país e no exterior, analisando sua origem social, validade e controvérsias no meio pedagógico, além das ideias que o embasam no debate público nacional e internacional.

Com base no exposto, esse trabalho tem como objetivo geral realizar uma análise ampla sobre a origem da educação domiciliar e os motivos de seu surgimento no exterior para posteriormente abordar os fatores que proporcionaram sua vinda ao Brasil. Para isso, esse trabalho tem como objetivos específicos: a) Compreender o fenômeno do homeschooling e da educação obrigatória; b) Analisar a origem da educação domiciliar e c) Entender e quantificar seu crescimento e popularidade no Brasil.

O trabalho encontra-se dividido, a partir da Introdução, em três seções. A primeira, intitulada “Materiais e métodos” trata das metodologias utilizadas para a realização da pesquisa e expõe os autores que nortearam as escolhas metodológicas presentes nesse estudo. A segunda seção nominada “Referencial teórico” é dividida em dois tópicos e estabelece a base teórica do trabalho, apresentando a origem histórica da educação livre e obrigatória, que servem de fundamentação para compreender o surgimento posterior do homeschooling, nos Estados Unidos. A terceira seção nomeada “O homeschooling no Brasil” analisa o recente surgimento da pauta em terras brasileiras, quantificando seu crescimento pelo país, compreendendo como seria a implementação da educação domiciliar (baseando-se na experiência norte-americana já estabelecida) e os motivos que geraram essa vinda tardia do tema para o Brasil. Por fim, colocando em discussão a nova proposta de legalização do homeschooling no congresso nacional e as perspectivas desse projeto.

3. METODOLOGIA

O presente estudo tem como alicerce inicial uma pesquisa bibliográfica e documental ampla sobre a construção teórica do tema para compreensão de sua origem e alcance social, buscando interpretar esse fenômeno e analisar suas causas. Segundo Cervo, Bervian e da Silva (2007, p.61), a pesquisa bibliográfica “constitui o procedimento básico para os estudos monográficos, pelos quais se busca o domínio do estado da arte sobre determinado tema”. A pesquisa bibliográfica, em suma, é a base do estudo. Decorrente da primeira fase da pesquisa, segue-se a análise sobre a ascensão do movimento do Homeschooling e, posteriormente, no que concerne ao surgimento no Brasil. Traçando um paralelo entre os dois eventos para realizar uma análise qualitativa e quantitativa dos dados reunidos pela pesquisa.

O método é parte integrante e fundamental na construção argumentativa consistente de uma pesquisa. O matemático e filósofo René Descartes estabelece 4 bases fundamentais para um método que privilegia a busca pela verdade:

O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida; O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las; O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir. (DESCARTES, 2017, p.13)

Desta forma, a pesquisa é investigativa e segue rigorosamente o método racional de compreensão fenomenológica, baseada unicamente na razão e desvinculada de intervenções ideológicas ou quaisquer noções pré-concebidas sobre o tema em questão. Optou-se por essa linha de pesquisa por oferecer uma abordagem metodológica ampla, fundamentada em diversos autores, pesquisas e escolas de pensamento, o que fornece conteúdo para as discussões levantadas, explicando suas causas e consequências.  Para a busca de fundamentos que foram obtidos/escritos por terceiros, foi realizada um exame de autores mais relevantes para o tema abordado, referenciando suas obras durante todo o desenvolvimento.

4. DISCUSSÃO

Esta é uma seção dividida em dois tópicos, a primeira dedicada para a construção teórica da educação obrigatória, abordando a origem da educação livre, o controle estatal sobre a educação a partir do século XIX (como também os autores que influenciaram esse processo) e os motivos e consequências da adoção desse modelo educacional em diversos locais do mundo. O segundo tópico remonta o surgimento da pauta da educação domiciliar, em meados de 1970, nos Estados Unidos. Discorrendo sobre a reação da sociedade, a adesão ao movimento do homeschooling e os pensadores que popularizaram o modelo.

4.1. Educação e Estado

A noção contemporânea e, até então, inquestionável de educação, seguia um caminho padronizado em todas as partes do mundo, mesmo que em diferentes níveis de intensidade. Em especial nas democracias liberais, vemos que os projetos educacionais partem inevitavelmente da premissa de que o Estado, como instituição, é o responsável por prover a educação (e todas os outros aspectos fundamentais da vida humana), sendo esta primeira responsabilidade supracitada se materializando em uma educação pública, que é custeada via impostos e um currículo centralizado definido pelo poder político. Nestas sociedades, além da popularidade eleitoral da pauta educacional - que é vista corretamente pelo senso comum como força motriz de um país – também coexiste a ideia popular de educação universal e obrigatória. A popularidade da pauta é especialmente maior em países em desenvolvimento, fato flagrante pelo avanço dos movimentos pela educação domiciliar durante o século XX no mundo desenvolvido, enquanto na América do Sul, por exemplo, não existem sequer legislações que abordem esse tema na maior parte dos países. Segundo a ANED (Associação nacional de educação domiciliar) em toda a América do Sul possuímos apenas 4 países que liberam a prática do homeschooling, sendo estes: Paraguai, Equador, Chile e Colômbia. Já no Brasil, segundo levantamento do instituto de pesquisas Datafolha[1] feita e divulgada em dezembro de 2019, é apontado um resultado que confirma a tese da extensa adesão popular ao financiamento estatal da educação em território nacional:

Figura 1: Apoio popular à educação pública.

Fonte: Instituto de pesquisas Datafolha (2019).

O resultado é expressivo e pode ser observado com semelhanças em outras democracias ocidentais. A França, por exemplo, diminuiu recentemente a idade para o ingresso obrigatório das crianças na escolaridade formal. A medida, implementada em 2018, cortou pela metade a idade inicial da escolarização obrigatória no país: de 6 anos para 3 anos de idade. Sendo um dos países ocidentais precursores na aplicação do modelo escolar obrigatório e estatal prussiano[2], a França, como outros países europeus, vem apresentando uma práxis progressista comum de buscar a ampliação de seu controle educacional centralizado, uma tendência de expandir cada vez mais sua obrigatoriedade mesmo em idades que anteriormente eram opcionais para a família, como as creches.

Dentre os fatos apresentados, podemos complementar a existência de uma separação histórica relevante de ao menos um século para a promulgação de uma obrigatoriedade educacional quando postos em comparação os países emergentes com as repúblicas tradicionais do velho continente:

Figura 2: Educação obrigatória no Séc.XIX.

Fonte: Education: Free and Compulsory (2013).

Antes de 1900, mais de 70% dos países que possuíam um sistema de educação obrigatório estatal eram europeus e, mesmo os Estados que tinham a obrigatoriedade exposta por lei, como a Venezuela em meados de 1880, não eram acompanhados de uma educação pública regular, isto é: a educação é obrigatória, mas o Estado não conseguia fornecê-la em um formato universal por motivos econômicos. E, além da não-universalização, os Estados emergentes que optavam por seguir o modelo educacional prussiano inevitavelmente enfrentaram o uso político-ideológico da prática educacional, uma controvérsia também observada nas experiencias educacionais obrigatórias da Europa, mas que tinha como característica uma atuação ideológica mais essencial do que doutrinária: na Alemanha, por exemplo, com a influência de Martinho Lutero foi desenvolvido um sistema público e obrigatório de educação no estado germânico de Gota, medida que seria adotada posteriormente por outros estados germânicos, com a popularização das ideias de Lutero e Calvino.

Sobre isto, diz Rothbard (2013, p.30)

Como resultados das súplicas de Lutero, o estado germânico de Gota fundou a primeira escola pública moderna em 1524, e a Turíngia fez o mesmo em 1527. Lutero fundou o Plano Escolar da Saxônia, que mais tarde se tornou, em essência, o sistema de educação estatal para a maioria dos Estados Protestantes da Alemanha. O plano foi colocado em funcionamento primeiro na Saxônia em 1528, a partir de um decreto elaborado pelo importante discípulo de Lutero, Melanchtohn, criando escolas estatais em todas as cidades e vilarejos. O primeiro sistema obrigatório estatal no mundo moderno foi estabelecido em 1559 pelo Duque Christopher, Príncipe-eleitor de Württemberg. A frequência era obrigatória, era anotada e os faltosos eram multados. Outros estados germânicos logo seguiram este exemplo.

E este modelo, embora não tivesse caráter militar ou nacionalista, representava ideologicamente uma ruptura social com a igreja católica e a alta sociedade da época, transferindo a formação dos cidadãos para o Estado, removendo uma instituição privada (a igreja) do processo. Lutero viu na educação estatal universal uma oportunidade de diminuir a influência católica na formação da sociedade e fortalecer o protestantismo, uma intenção que não doutrinava diretamente as crianças contra o catolicismo, mas surgia essencialmente como um ataque ao status quo da igreja. Esse objetivo ideológico compõe a essência da educação obrigatória europeia, enquanto os países emergentes enfrentam uma problematização muito maior: com a instabilidade política característica destas novas democracias, se observa um uso demasiado da escolarização obrigatória como meio de consolidação do poder pela educação nacional.

Desta forma, podemos definir que, primeiro: a educação europeia ocidental é superior em termos gerais pois suas estruturas democráticas sólidas lhe garantem estabilidade; e segundo: a educação obrigatória em Estados emergentes é utilizada por grupos ditatoriais como instrumento doutrinário quando estes alcançam o poder. A título de exemplo, podemos observar apenas na América Latina a Argentina sob controle de Juan Perón e o Brasil no período militar, ambos os países com educações obrigatórias e corroídas pelo conteúdo tendencioso do currículo ditado pelo poder dominante estatal e autoritário. Por outra perspectiva, a educação pública também ocupava uma posição de invulnerabilidade no debate nacional das maiores democracias, a questão da educação sempre foi majoritariamente discutida em âmbitos mais pedagógicos e econômicos, tratando principalmente sobre métodos educacionais e qual modelo estatal seguir, contudo, um debate que questionasse a premissa inicial de educação universal nunca tivera tido tamanha relevância no mundo ocidental como podemos observar atualmente. Esse apoio popular da educação pública e obrigatória não é antiga, apenas após o século XX podemos observar no mundo uma movimentação relevante em torno da adoção em série do modelo obrigatório educacional, inspirado na educação prussiana, como citado outrora. Mas houve, sim, outras experiências educacionais em um formato análogo, anteriores do que o plano nacional prussiano e até mesmo ao modelo de base estatal de Lutero.

Na cidade-estado grega de Esparta, nós temos os primeiros passos em torno de uma escolarização forçada, fornecida pelo governo e que buscava formar cidadãos disciplinados e obedientes ao Estado militarista, em contraste, a cidade de Atenas, naquela mesma época, era símbolo de uma educação voluntária que era ministrada por regra pelos que são hoje considerados os maiores nomes da filosofia ocidental: Aristóteles, Platão e dentre outros intelectuais históricos davam aulas para os jovens, sem interferência do Estado. Muitas famílias ricas na Grécia antiga optavam por pagar um sábio para instruir seu filho, uma prática que se assemelha em diversos níveis com o homeschooling contemporâneo. Essa prática tanto era endossada pela elite intelectual grega que a família do que seria o futuro rei da Macedônia, Alexandre, entregou para a Aristóteles[3] a educação do nobre.

Dentro desse sistema ateniense ainda coexistiam os sofistas[4], que apesar das críticas de Sócrates e seus discípulos (que os acusava de mercantilizar a educação) também prestavam um serviço educacional sem interferências governamentais (PLATÃO, 2016). A atuação dos sofistas também desagradava outros intelectuais por diversos fatores, como o método relativista e a ênfase no convencimento dos ouvintes, o que originaria a posteriori o termo de conotação negativa “sofisma”, terminologia da qual não vou me atentar neste estudo pois só nos é relevante que os sofistas eram professores e não suas possíveis contradições. Um ponto de observação relevante é que nesse momento histórico a obrigatoriedade da educação remetia unicamente ao militarismo e a vida de obediência ao Estado. Quando falamos de Atenas, por exemplo, podemos nos guiar pelas obras de Platão e Aristóteles e entender que o debate educacional entre os intelectuais se baseava em dois pontos centrais: A educação não deve ser mercadoria; A instrução deve conceder um esclarecimento de conceitos universais, sem priorizar a arte do convencimento (retórica) e exposição de visões particulares (opiniões).

 Ou seja, coagir os populares a escolarização nunca foi uma pauta entre os intelectuais da época. Em suma, a educação livre de Atenas não só foi mais bem-sucedida que a obrigatoriedade de Esparta como também possibilitou o terreno fértil que formou intelectuais que são relevantes no estudo filosófico mesmo séculos após suas obras. Sobre os caminhos distintos escolhidos pelas duas cidades-estados, podemos afirmar:

Em Atenas, a prática original da educação obrigatória estatal deu lugar, mais tarde, a um sistema voluntário. Em Esparta, por outro lado, um antigo modelo para o moderno totalitarismo, o estado foi organizado como um vasto campo militar, e as crianças eram apreendidas pelo estado e educadas nos quartéis com o ideal de obediência a ele. Esparta realizou a completa conclusão lógica do sistema obrigatório; controle estatal absoluto sobre a “totalidade da criança”; uniformidade e educação em passiva obediência às ordens do estado. (ROTHBARD, 2013, p.29)

Nessa dicotomia, apresentada acima por Rothbard em seu livro “Educação: livre e obrigatória[5]” podemos observar que a educação obrigatória se origina do ímpeto de controle governamental sobre a formação dos cidadãos e a obediência com a autoridade central, Esparta via os educandos como propriedades do governo, Atenas os tratava como indivíduos.

Sobre a influência dos modelos europeus para o resto do mundo, não é hiperbólico afirmar que todos os países que sofreram com a colonização e o imperialismo do velho continente acabaram, em algum momento, adotando diversos conceitos da vida europeia, a educação compulsória foi só mais uma dentre essas influências. Apesar do imaginário popular acreditar fielmente que a globalização iniciada nos anos 90 foi a maior responsável por exportar a cultura das nações desenvolvidas para os países emergentes, o professor Afonso Scocuglia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) fez uma ótima ponderação em seu artigo sobre a globalização identificando inicialmente que esse fenômeno não é de fato tão recente, mas sim representa apenas a continuidade de um processo histórico que se segue desde as grandes navegações (SCOCUGLIA, 2006)

Podemos inferir dos referenciais supracitados que a colonização serviu como força motriz da cultura educacional obrigatória, não por ter ocasionado sua implementação originalmente, mas por indiretamente propagar ideias europeias como se representassem de alguma forma o suprassumo da intelectualidade mundial da época, uma noção eurocêntrica que é observada até os dias atuais. Sobre o colonialismo e a influência educacional europeia, Ludwig von Mises[6] expõe o porquê de a educação ser, verdadeiramente, a causadora do sofrimento dessas colônias:

Trouxeram até as colônias armas e engenhos de destruição de todos os tipos; enviaram seus piores e mais brutais indivíduos como oficiais e funcionários; estabeleceram um governo colonial na ponta da espada, que, em sua crueldade sanguinária, rivaliza com o sistema despótico dos bolcheviques. Os europeus não se devem surpreender, se o mau exemplo, por eles mesmos dado em suas colônias, agora faça brotar maus frutos. De modo algum têm o direito de reclamar, farisaicamente, contra o baixo nível moral entre os nativos. Nem mesmo se justificariam, ao argumentarem que os nativos ainda não estão maduros para a liberdade e que ainda precisam de, pelo menos, vários anos para melhorar sua educação sob o tacão dos governantes estrangeiros, antes que sejam capazes de se haverem por si mesmos. Esta “educação” é, ela própria, pois, a responsável pelas terríveis condições hoje reinantes nessas colônias. (MISES, 2017, p.143)

Como denunciado por Mises à época, o colonialismo e o governo ilegítimo dos europeus criavam uma falsa impressão nos colonizadores de que sua cultura era mais rica e apreciável, o que justificaria uma educação descontextualizada da cultura local. Uma vez que nações milenares como a China e o Japão, ambos historicamente pouco interessados em absorver cultura estrangeira (como demonstrado pela Revolta dos Boxers em 1899 na China e na política imperial japonesa de portas fechadas aos estrangeiros até a queda do xogunato, em 1868) sucumbiram para a educação do molde prussiano em meados do séc. XX, podemos compreender a real extensão dessa influência europeia na formação de indivíduos do mundo inteiro mesmo antes da globalização. O desgaste dos impérios asiáticos (mais precisamente Japão e China) com o ocidente era um reflexo natural de autoproteção em que essas nações se inseriam por medo do imperialismo cultural perpetrado pelas potências europeias, que espoliavam os países menos desenvolvidos para manter sua superioridade econômica e cultural.

Sobre o caso chinês, o filósofo Hebert Spencer (2004, p.297-298) diz:

Lá, o governo publicou uma lista de obras que podem ser lidas; e considerando a obediência a virtude suprema, autoriza apenas aqueles que são amigáveis ao despotismo. Temendo os efeitos perturbadores da inovação, não permite que nada possa ser ensinado além do que procede de si mesmo. A fim de produzir cidadãos padronizados exerce uma disciplina rigorosa sobre todas as condutas. Existem “regras para sentar, levantar, andar, falar, e se curvar, fixadas com a maior precisão”

Spencer sabia que a educação chinesa vinha em uma transformação autoritária que só poderia ser proporcionada pelos valores dos colonizadores que exportavam seus costumes para o mundo, não importando o quanto negativo fossem essas ideias.

Logo, a instauração em cadeia da educação obrigatória e a condenação da educação domiciliar em todos os países civilizados não poderia ter outra causa se não a noção errada de repetir tudo o que os países desenvolvidos do velho continente faziam, com o intuito de talvez alcançar um desenvolvimento social e econômico parecido sem de fato dispor dos mecanismos que enriqueceram e melhoraram a vida desta sociedades, como o livre-mercado, a liberdade econômica/social e a industrialização (CIÊNCIA, TECNOLOGIA E GOVERNO[7], 2017).

4.2. De educação à reeducação

Existe uma relação intrínseca entre governos autoritários e o estabelecimento de programas educacionais obrigatórios durante todo século XX. Por exemplo, o Brasil só caminhou para uma educação nos moldes que conhecemos atualmente sob a liderança de Getúlio Vargas[8], que institucionalizou pelo decreto n° 4.244 de 9 de abril de 1942 a lei orgânica do ensino secundário[9]:

Art. 2º O ensino secundário será ministrado em dois iclos. O primeiro compreenderá um só curso: o curso ginasial. O segundo compreenderá dois cursos paralelos: o curso clássico e o curso científico.

Art. 3º O curso ginasial, que terá a duração de quatro anos, destinar-se-á a dar aos adolescentes os elementos fundamentais do ensino secundário.

No entanto, a obrigatoriedade do ensino para a crianças dos 7 a 12 anos de idade foi assegurada apenas 4 anos mais tarde, em 1946, pelo Decreto-Lei nº 8.529:

Art. 41. O ensino primário elementar é obrigatório para todas as crianças nas idades de sete a doze anos, tanto no que se refere à matrícula como no que diz respeito à frequência regular às aulas e exercícios escolares.

Art. 42. A administração dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal baixará regulamentos especiais e sobre a obrigatoriedade escolar, e organizará, em cada Município ou distrito, serviços de Cadastro Escolar, pelos quais se possa tornar efetiva essa obrigatoriedade.

Art. 43. Os pais ou responsáveis pelos menores de sete a doze anos que infringirem os preceitos da obrigatoriedade escolar, estarão sujeitos às penas constantes do art. 246, do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1840.

Art. 44. Os proprietários agrícolas e empresas, em cuja propriedade se localizar estabelecimento de ensino primário, deverão facilitar e auxiliar as providências que visem a plena execução da obrigatoriedade escolar.

A partir deste acontecimento podemos observar que a educação brasileira também seguiu a tendência mostrada inicialmente por este estudo, quando passou a ser construída de fato com caráter obrigatório por um líder autoritário.

Em momentos posteriores de nossa república também tivemos outras experiências autoritárias, como por exemplo no governo militar, iniciado em 31 de março de 1964 como um regime de exceção – que durou longínquos 21 anos – e foi marcado pela instrumentalização da educação como forma de massificar a população. Os programas educacionais do regime falharam em diversos aspectos:

Figura 3: Educação moral e cívica no regime militar.

Fonte: Arquivo jornal Estadão (1969).

Matérias de doutrinação e de construção de disciplina popular como a referenciada acima “educação moral e cívica” foram questionadas pelas entidades jornalísticas da época pois eram implementadas com o objetivo de manter a sociedade hierarquizada pelo meio educacional, esse movimento repressivo foi semelhante em quase todos os países da américa do sul[10] e todos estes países tiveram governos autoritários que surgiram em épocas concomitantes[11], sendo mais uma das várias exemplificações de como a autoridade que pretende mover o país pela mão de ferro[12] usa como uma de suas ferramentas principais a educação estatal obrigatória para promover um culto à personalidade em volta do líder (ou partido) de modo a garantir a continuidade do regime autoritário e a manutenção do status quo: “De mãos dadas com o sistema de escolas obrigatórias, estava o renascimento e grande expansão do exército, em particular a instituição do serviço compulsório militar universal.” (ROTHBARD, 2013, p.35), como observado, o crescimento do autoritarismo compreende, necessariamente, o uso da educação para os fins já citados acima nesta pesquisa e foi o que ocorreu em maior intensidade durante o governo varguista e o período militar. O mesmo posicionamento também é apresentado por Ludwig von Mises:

Entretanto, o problema da educação compulsória tem um significado totalmente diferente em áreas extensas, nas quais vivem juntos povos que falam línguas diferentes, misturadas em uma confusão linguística. Aqui, o problema da determinação da língua que deva ter a preferência para formar a base da instrução assume importância crucial. A decisão por um outro caminho poderá, com o passar dos anos, determinar a nacionalidade de toda a área. A escola pode alienar as crianças da nacionalidade à qual seus pais pertençam e pode ser utilizada como meio de opressão sobre todas as outras nacionalidades. Quem controlar as escolas terá o poder de prejudicar outras nacionalidades e beneficiar a sua própria. (MISES, 2014, p.133)

Abordando a instrumentalização da educação como forma de domínio, Mises traz um fator primordial deste debate: a linguagem. Uma educação obrigatória estatal inevitavelmente irá preferenciar uma língua em detrimento de outras, alienando culturas marginalizadas e reafirmando a superioridade da elite cultural daquela nação. Um caso histórico e marcante que evidencia a relação de domínio que pode ser estabelecida pela educação ocorreu na Ucrânia, durante a agressão da então recém-fundada União Soviética.

A ditadura elegeu em 1919 o objetivo de reconquistar os territórios que anteriormente eram ocupados pelo czarismo e se tornaram independentes com a revolução socialista de 1917, o plano de conquista de um dos territórios (a Ucrânia) falhou duas vezes até a tentativa final, em 1920. O historiador britânico Robert Conquest (1986) atribui esse fracasso a um fator fundamental: "Concluiu-se que a nacionalidade e a língua ucraniana eram de fato um elemento de grande peso, e que o regime que ignorasse isso de maneira ostentosa estaria fadado a ser considerado pela população como uma mera imposição usurpadora." Ou seja, a população Ucraniana resistia até então pois tinham ainda intactos os seus costumes, idioma e cultura local. A partir desse ponto, a direção central do partido de Moscou passou a endurecer as medidas contra a cultura ucraniana[13], e o principal ator dessa nova guerra pela conquista não eram mais soldados, mas sim a educação ucraniana: o partido impedia e punia quem falasse ucraniano e passou a obrigar o ensino do russo nas escolas. Conquest (2013) traz em números a extensão dessa violência governamental:

No âmbito destas purgas[14], são alvo de repressão 70% dos secretários distritais e dos sovietes, 40000 pequenos funcionários dos sovietes, a quase totalidade dos quadros do Comissariado do Povo para a Educação, 4000 professores e 200 funcionários de institutos pedagógicos. O número de detenções na Ucrânia aumenta de forma exponencial – 75000 em 1932 e 125000 em 1933 – em claro contraste com os anos de 1929-1930 (30000), 1931 (52000) e 1934 (30000). (FRANCO, 2013, p.82)

Assim dizendo, foi a educação obrigatória que contribuiu para que o domínio soviético se perpetuasse até o final do regime, em 1991. Podemos inferir desse fato histórico a reflexão de que a obrigatoriedade do ensino - a partir do século XX - foi instrumentalizada em governos ditatórias de forma a marginalizar grupos sociais que eram desprezados pelo poder vigente. O que o plano educacional soviético buscava transcendia o apenas controle político daquelas sociedades, adquirindo uma significação moral, uma ordem clara do poder central de Moscou de que a cultura russa era predominante, era mais forte. E, por essa razão, era merecedora de exterminar as demais etnias nos âmbitos políticos, econômicos e, principalmente, culturais:

Os internados eram genericamente classificados como representantes dos “inimigos de classe” sobreviventes incómodos de um tempo a ultrapassar, obstáculos vivos, quase sempre tomados como irrecuperáveis, que apenas embaraçavam a caminhada triunfal do “homem novo” e deveriam ser banidos por uma vez da sociedade. Nestas condições, o essencial do esforço carcerário era aplicado na erradicação dessas pessoas do convívio social normal, ou, num certo número de casos, na sua “reeducação” pela via da disciplina e do trabalho. (FRANCO, 2013, p.184)

Indubitavelmente, é processo natural do autoritarismo escalar em suas ações contra o indivíduo para concentrar mais poder. Na educação, essa escalada se traduz necessariamente no uso do termo “reeducar”, a ideia de “corrigir” um indivíduo com comportamento indesejável por meio de uma nova educação, travestida de libertadora e emancipadora, mas sendo autoritária e doutrinadora. Perseguir pessoas por motivações puramente políticas ou culturais não era novo, mas se tornou ainda mais simples quando a educação obrigatória tornou possível que a perseguição fosse camuflada de salvação, fazendo famílias acreditarem que ir para um campo de reeducação estatal seria de alguma forma positivo, pois foram convencidos que o comportamento “subversivo” deveria ser corrigido com rigor e disciplina, mesmo que essa reeducação, muitas vezes, significasse até a morte propriamente dita.

A reeducação, em linhas gerais, pode ser definida como a educação ideal que todo sistema totalitário busca em seus desejos mais íntimos, é a finalidade última para qual se estabelece o sistema educacional obrigatório. O sistema obrigatório surge como uma forma mais branda da consolidação de poder, agindo subliminarmente e criando obediência passiva ao Estado. E a reeducação manifesta-se como consequência deste precedente criado pelo próprio ente estatal. Quem deve, necessariamente, educar o povo? O Estado. Logo, quem deve corrigi-los, caso desviem do caminho educacional correto? O Estado. A reeducação, portanto, nada mais é do que um produto concebido pelo próprio governo. Pode-se dizer, por conseguinte, que o pilar de todo Estado totalitário moderno é o estabelecimento de um sistema educacional obrigatório (ROTHBARD, 2013).

De forma semelhante, podemos inferir que a reeducação, neste contexto, se baseia na noção política de que indivíduos livres estão exercendo de forma indesejável essa liberdade. A partir desta constatação, o que se segue é a manipulação sistemática em larga escala promovida pelos Estados totalitários, buscando corrigir pensamentos e ideias por intermédio da violência e censura. Tais tendências são evidenciadas na educação obrigatória nacional-socialista alemã e, de forma semelhante, na Itália fascista. Na Itália, especificamente, expandiram a educação compulsória, mas enfatizando métodos que eram, até então, características da educação progressista. Rothbard (2013) aponta:

O regime fascista de Gentile[15] instituiu os métodos da moderna “educação progressista”. Ele introduziu e enfatizou o trabalho manual, canto, desenho e jogos. A frequência foi forçada através de multas. Significativamente, Gentile ensinou que “a educação deve ser alcançada através da experiência, e deve ser alcançada através da ação”. As crianças eram livres para aprender através de suas próprias experiências, é claro “com os limites necessários para o desenvolvimento da cultura”. Os currículos foram, portanto, não prescritos, mas as crianças eram livres para fazer o que quisessem, com a única ênfase de estudo colocada no “estudo dos heróis como Mussolini, como símbolos do espírito nacional”. (ROTHBARD, 2013, p.44)

As semelhanças com o método “aprender fazendo” propagado por John Dewey[16] e outros educadores renomados do ocidente é evidente. Dewey, especificamente, ainda definiu esse método como “democrático”:

Creio que se pode admitir, com segurança, que uma das razões que recomendaram o movimento progressivo foi o de parecer mais de acordo com o ideal democrático de nosso povo do que os métodos da escola tradicional, que tem muito de autocrático. Também contribuiu para a recepção favorável o fato de serem mais humanos os seus métodos em comparação com as severidades e durezas tão frequentes dos métodos tradicionais. (DEWEY, 1938, p.24)

A contradição acima se torna mais evidente quando trazemos essa problemática para o Brasil e comparamos as ideias fascistas de educação à própria BNCC[17], que norteia a educação básica brasileira. Observa-se, notavelmente, que as ideias são muito próximas das defendidas pelo ministro fascista Gentile:

Sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BNCC, p.37)

Essa dualidade educacional se torna um objeto de estudo útil para uma reflexão ainda mais profunda: afinal, o que difere, de fato, a educação realizada na ditadura fascista e a educação brasileira atual? Se a forma de pensar a educação são particularmente parecidos, e ambas são compulsórias, o que torna uma autoritária e a outra, necessariamente, democrática? A diferença da educação brasileira para a educação fascista, desconsiderando as nuances de cada uma, é tão somente o tamanho do Estado em que cada uma esteve inserida. O objetivo desta correlação não é generalizar as ideias para gerar uma falsa equivalência moral entre os Estados citados, tampouco associar Dewey ou o documento da BNCC com alguma suposta pretensão fascista, conjecturar tal afirmação seria objetivamente falso. O ponto chave na compreensão desse paralelo é que uma educação obrigatória não precisa, necessariamente, fazer parte de um Estado totalitário para ser igualmente autoritária. “O ser é e não pode não ser e o não-ser não é e não pode ser de modo algum” (Parmênides, 2006). Argumentar que a Escola Nova é democrática seria supor que as intenções nobres bastariam, por si, para legitimar um sistema essencialmente antiético. Seria supor que a educação poderia, ao mesmo tempo, ser e não ser. No entanto, os adeptos da Escola Nova, como Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo[18], vangloriavam-se de uma suposta visão democrática de educação, que, por mais bem intencionada que pudesse ser, não poderia ser democrática pois não existe meia democracia. Os métodos não podem definir por si o quão livre é um modelo. A proximidade dos nortes educacionais de pensamentos supostamente distintos mostra que a escolaridade compulsória pode ser questionada independente de sua orientação ideológica, se trata primordialmente de uma oposição ao modelo e não aos métodos. Ademais, os dados da Associação nacional de educação domiciliar (ANED) corroboram com a relação autoritarismo/liberdade no âmbito educacional apresentada por este estudo:

Figura 4: Homeschooling e a legalização pelo mundo.

Fonte: ANED (2022).

O mapa denota que as regiões mais desenvolvidas têm uma tendência em ter o homeschooling como prática legalizada, enquanto países periféricos assumem uma direção contrária: a proibição. Reafirmando que, quanto mais autoritário e fechado para as liberdades individuais é um governo, mais propenso ele é em proibir o homeschooling e instrumentalizar a obrigatoriedade do ensino, assim como fizeram os soviéticos ou qualquer outro país de ímpeto imperialista do século XX.

Podemos retirar essa mesma conclusão analisando outros aspectos, como medidores sociais[19]:

Tabela 1 – O IDH e a liberdade educacional.

País:

IDH:

 

Noruega

0,957

 

Suíça

0,955

 

Irlanda

0,955

 

Hong Kong

0,949

 

Islândia

0,949

 

Alemanha

0,947

 

Suécia

0,945

 

Austrália

0,944

 

Holanda

0,944

 

Dinamarca

0,940

 

Cingapura

0,938

 

Finlândia

0,938

 

Reino Unidos

0,932

 

Nova Zelândia

0,931

 

Bélgica

0,931

Permitem homeschooling

 

Não permitem homeschooling

Fonte: PNUD (2021).

Das 15 nações mais desenvolvidas do mundo, apenas 5 ainda não permitem o homeschooling, denotando a tendência educacional mais liberal que países de alto desenvolvimento econômico e social apresentam. Já nos países latino-americanos, o inverso é observável: menos liberdade econômica, pouco desenvolvimento social e, necessariamente, menos liberdade educacional.

Parte considerável deste atraso vai além da influência cultural europeia já referenciada outrora, sendo inegavelmente corresponsabilidade da compreensão econômica comum de que o governo deveria ser o indutor do desenvolvimento de uma nação. Essa noção estatal, que como bem abordada por Mises (2014) em Teoria e História, esteve em voga durante boa parte do início do século XX, colocou o Estado em uma posição de larga aprovação popular, possibilitando o aumento de sua atuação na vida privada e controle econômico, esse intervencionismo seguiu sendo parte integrante e importante dos países latino-americanos, mesmo após o consenso de Washington.

Este imaginário popular do Estado forte não só foi um dos fatores que influenciaram o surgimento das diversas ideologias do coletivismo no século XX, como também ajudou na concepção popular de educação obrigatória e para todos. Parte popularidade da educação coercitiva é uma herança do domínio ostensivo que o coletivismo exerceu sobre todo o ocidente, como exemplificado por Mises em Teoria e História:

O coletivismo transforma a doutrina epistemológica em uma reivindicação ética. Ele diz às pessoas o que elas devem fazer. Faz uma distinção entre a verdadeira entidade coletiva, às quais as pessoas devem lealdade, e pseudo-entidades espúrias com as quais não devem se preocupar. Não existe uma ideologia coletivista uniforme, mas muitas doutrinas coletivistas. Cada uma delas exalta uma entidade coletivista diferente e exige que todas as pessoas decentes se submetam a ela. Cada seita cultua seu próprio ídolo e é intolerante com todos os ídolos rivais. Cada uma delas exige a subjeção total do indivíduo; cada uma delas é totalitária. (MISES, 2014, p.181)

É evidente que, apesar das diferenças culturais as quais naturalmente modificam um pouco o resultado em cada sociedade, a educação obrigatória foi inicialmente idealizada de uma forma semelhante nas nações ao redor do mundo, colocando inevitavelmente a educação governamental em um pedestal frente ao debate público. Dentre todos esses países, não poderia ser diferente: a cultura individualista que guiou a constituinte e toda a concepção de sociedade americana serviu como palco perfeito (e único possível) para o surgimento da educação domiciliar como pauta relevante, proporcionando as condições que nos trariam atualmente para o termo contemporâneo homeschooling.

5. RESULTADOS

Seção dedicada a expor a origem do homeschooling norte-americano, suas bases teóricas e autores relevantes, relacionando-os ao Brasil, delineando suas semelhanças e expondo seus resultados práticos na realidade educacional e social de cada país.

5.1. O homeschooling nos Estados Unidos

A educação domiciliar, como citado no tópico inicial, teve relevância como um mero contraponto aos movimentos pela educação compulsória adotadas com mais rigor a partir do século XX, pensadores e políticos mais conservadores eram naturalmente mais céticos com as tentativas de engenharia social comuns da época e viam com estranheza tamanha benevolência do governo em oferecer uma educação universal. Burke (2017), séculos antes do surgimento de um movimento relevante de educação compulsória, já manifestava sua insatisfação com os rumos da revolução francesa que evocava a destruição total dos valores sociais, incluindo a educação religiosa (Reflexões sobre a revolução em França, P.119), dentro deste contexto, podemos observar que a educação domiciliar ou não-governamental não obtivera relevância nos escritos anteriores ao século XIX pois, até então, representava o lugar-comum da educação europeia, o que dispensava alguma espécie de defesa social. Mas, como apresentado, não existe embasamento histórico para afirmar que a educação obrigatória de surgimento revolucionário foi, de alguma forma, unanimidade entre os intelectuais do ocidente.

O prosseguimento dos fatos nos leva para o surgimento da educação domiciliar como movimento e pauta política relevante no início dos anos 70, nos Estados Unidos, uma data que surpreende pelo relativo surgimento recente da pauta. A herança de pensadores das mais diversas escolas de pensamento, como libertários, conservadores e progressistas (DWYER, 2019) que contribuiu para formar uma intelectualidade que passasse a questionar o status quo e o senso comum da época, que, começando a enxergar o governo como uma espécie de ente opressor, entendiam que o Estado era prejudicial em algumas - ou todas - as suas atribuições (incluindo, então, a área educacional neste debate). Desta forma, podemos definir que, apesar de “educação domiciliar” atuar como um sinônimo do movimento em todo o mundo, o homeschooling nos Estados Unidos representa mais que “apenas” o desejo do ensinar em casa, denotando também uma postura anti-sistêmica que pode ser adotada por diferentes segmentos ideológicos. Os autores citados anteriormente evidenciam um movimento multifacetário e que cresceu em abordagens amplas, variando de vertentes econômicas ou até puramente pedagógicas. Esses autores foram responsáveis por quebrar o estigma negativo da educação não-estatal, e se destacou há época o economista e filósofo político Murray Rothbard, que introduz no debate educacional sua perspectiva libertária em “Educação: Livre e obrigatória”, Rothbard, que vinha da escola austríaca[20] de economia, foi fundamental para direcionar os seguidores e estudiosos dessa tradição econômica em torno do homeschooling, entregando ao debate da educação domiciliar uma contribuição expressiva:

Apesar de toda a conversa sobre a reforma da educação, que já leva décadas, este debate ainda não começou, principalmente porque os limites do tópico têm sido muito estreitamente delineados. Com o seu repensar amplo e inflexivelmente radical da própria estrutura das instituições de ensino, o professor Rothbard nos desperta de nossa inércia e nos chama para uma completa nova contextualização que é mais necessária do que nunca. (ROTHBARD, apud RYAN, 2013, p.10)

O relato acima foi realizado pelo professor da Universidade de Boston, Kevin Ryan (2013), no prefácio da edição original de “Educação: Livre e obrigatória”. Demonstra o impacto que o escrito de Rothbard teve na comunidade educacional da época e que o tema, mesmo em 1970, ainda enfrentava forte resistência social, sendo caracterizado pelo senso comum como algo desnecessário ou até nocivo para o bem-estar populacional. No entanto, o surgimento do homeschooling em meados dos anos 70 é popularmente atribuída ao professor de educação infantil John Holt, não a Rothbard. Holt durante vários anos figurou como o principal proponente da prática do homeschooling como uma forma de protesto aos métodos ultrapassados do Estado na educação comum e, também, como um meio de proporcionar para as crianças uma aprendizagem mais significativa e menos burocrática como vista nas escolas governamentais da época.

Para atingir tal objetivo, Holt (1967) escreveu diversos livros ensinando os pais maneiras de lidar com a educação dos filhos em casa, como em “Como as crianças aprendem” (1967). Desta forma, Holt, diferente de outros autores abordados aqui, se preocupava mais em apontar as soluções para o suposto problema da educação governamental que o incomodava e não apenas discorria sobre as consequências do modelo criticado. Podemos apontar a hipótese de que um dos motivos do sucesso de sua ideia foi a posição de educador que Holt ocupava, o que influenciou positivamente para que sua visão fosse melhor aceita pela população média norte-americana. Porém, não existe referência direta que embase uma afirmação conclusiva neste sentido, sendo, portanto, apenas uma hipótese do autor deste estudo.

Fato que o sucesso, de tão relevante que foi à época, fez surgir apoiadores das ideias de Holt que continuaram publicando e mantendo vivas as ideias do autor pela Holt GWS (Growing Without Schooling ou “Crescer sem estudar”) uma revista do autor que ainda é atualizada pela internet por educadores que defendem o direito e a prática do homeschooling nos Estados Unidos. O professor e escritor Patrick Farenga, que prossegue com o legado de Holt ao manter em voga um estilo de escrita mais voltada para o público leigo que tem interesse em praticar o homeschooling, afirmou que Holt, inicialmente, não apoiava que os pais fossem aos tribunais[21] para lutar pelo direito pela educação domiciliar:

À medida que o homeschooling ganhou adeptos e publicidade ao longo da década de 1970, as escolas e seus apoiadores ativamente recuaram para tornar o homeschooling ilegal. O ensino em casa não era ilegal nos EUA nem especificamente legal, então Holt incentivou os pais a ficarem fora do tribunal, se possível. “Não vejo sentido em confrontar as autoridades se você pode evitá-las”, disse Holt. Mas ele também aconselhou os homeschoolers a se manterem firmes se forem ao tribunal. Com base nas decisões do Estado e da Suprema Corte que apoiam a escolha educacional e os direitos dos pais, Holt aconselhou que os pais “têm o direito de educar seus filhos da maneira que acreditam; o estado não pode impor a todos os pais qualquer tipo de monopólio educacional de escolas, métodos ou qualquer outra coisa”. (FARENGA, 2020, p.4)

Anos mais tarde, em 1978, o processo judicial Perchemlides v. Frizzle[22] em Massachusetts confirmou a interpretação pela soberania das famílias na condução escolar dos filhos. O tribunal decidiu que os programas de aprendizagem independente não precisam ter "equivalência congruente" com as escolas públicas e que o estado não tem poder para impor seus planos de socialização às famílias. Segundo o juiz do caso John Greaney:

A questão aqui é... não se a socialização fornecida na escola é benéfica para uma criança, mas sim, quem deve tomar essa decisão para qualquer criança em particular... Sob nosso sistema, os pais devem poder decidir se a educação em escola pública, incluindo seus aspectos de socialização, é desejável ou indesejável para seus filhos. (Perchemlides v. Frizzle, 1978)

Massachusetts[23] passou a padronizar o tratamento aos homeschoolers de acordo com a decisão judicial emitida neste caso, um passo importante na medida que impediu novos mandados de prisão que pudessem desencorajar os praticantes do homeschooling. O precedente judicial do caso Perchemlides serviu como retaguarda jurídica para as famílias do estado e garantiu o direito pela educação domiciliar (GWS, 2020):

Figura 5: Caso judicial família Perchemlides.

Fonte: Phi Delta Kappan (2022).

Todavia, não era a primeira vez que o Estado estadunidense e as famílias entravam em desacordo sobre temas educacionais. No estado americano de Oregon, ocorreu em 1925 o processo Pierce v Society of Sisters, onde foi derrubado pela suprema corte o novo regimento estatal que obrigava que todas as crianças frequentassem a escola pública.

Assim dizendo, nessas condições historicamente intervencionistas e autoritárias dos programas educacionais, Holt teve desavenças e desistiu do sistema tradicional quando percebeu que o modelo estatal era burocrático demais e pouco inovador. O educador queria implementar aulas sem notas ou sistema de classificação de alunos, privilegiando apenas a construção do conhecimento crítico. Essa proposição foi sumariamente negada por todas as escolas de ensino básico privadas que Holt passou, aponta Farenga (2020):

Como muitos outros reformadores escolares, do passado e do presente, Holt pediu escolas e turmas menores, professores e disciplinas mais diversificados, incentivo ao pensamento interdisciplinar e muitas brincadeiras livres para as crianças. Mas a rotina da educação industrial pulveriza essas opções como muito caras ou muito românticas. (FARENGA, 2020, p.7)

As escolas negavam as propostas de Holt por ser contrário ao currículo estatal que essas instituições seguiam obrigatoriamente e, segundo, pois eram mudanças estruturais na forma de ver a educação que iriam desagradar parte da comunidade escolar, como pais de formação mais conservadora. Visões educacionais novas como as que Holt pretendia executar não podem coexistir com o modelo tradicional/burocrático do Estado, uma concepção de educação, necessariamente, vai extinguir a outra por serem inerentemente antagônicos. John Holt percebeu a existência de pais que, como ele, estavam insatisfeitos com a educação governamental e o currículo e demandavam por uma educação mais individual e livre, foi justamente esse mercado que impulsionou o autor. O pensamento inicialmente contrário aos métodos empregados pelo Estado se transformou na necessidade do homeschooling, uma vez que Holt não foi atrás de uma mudança no currículo e nos métodos, mas sim em criar uma alternativa ao modelo em si:

Depois de ver como os esforços dele e de outros na reforma escolar na década de 1960 não foram bem recebidos pelos educadores, Holt chegou à ideia de que os pais poderiam usar suas casas como base para o aprendizado de seus filhos. Usando seus contatos pessoais e recursos da comunidade, os pais que estudam em casa atuam como contratados gerais para o aprendizado de seus filhos, não como o único instrutor. Hoje, com a internet e outras mídias, há ainda mais oportunidades para localizar essa ajuda. (FARENGA, 2020)

Apesar de apontado muitas vezes para o surgimento do homeschooling, o próprio John Holt negou esse rótulo com o passar do tempo. A crítica do autor era de que as famílias estavam replicando o currículo escolar em casa, ou seja: fazendo as mesmas coisas do que em uma escola comum, só que dentro de casa. Essa discordância fez Holt cunhar o termo unchooling[24] (desescolarização):

Holt não gostou da palavra “homeschooling” porque o aprendizado sobre o qual ele estava falando não precisava acontecer em casa nem seguir os currículos escolares. Ele cunhou o termo “unschooling” para descrever essa maneira de aprender. Holt sentiu que as escolas e os homeschoolers poderiam cooperar para o benefício uns dos outros e que as escolas poderiam aprender muito sobre como as crianças aprendem observando e trabalhando com homeschoolers. (FARENGA, 2020)

No entanto, ainda é possível afirmar que Holt ajudou a fundar o movimento pela educação domiciliar. Unschooling significa, nesta instância, apenas uma vertente das diversas visões metodológicas que são unidas pelo questionamento da escolaridade formal obrigatória. Não é um termo antagônico ao homeschooling. Holt ainda voltou a utilizar o termo original (homeschooling) por ocasião de sua popularização, posteriormente[25]. Em suma, o termo homeschooling se transformou com o passar das décadas e hoje é um movimento que abrange todos as pautas pela educação livre, é um movimento multifacetário. Dwyer (2019) em “Homeschooling: The History and Philosophy of a Controversial Practice” (2019, p.753) ressalta essa diversidade de pensamentos que compõem o movimento pela educação domiciliar, grupos ideológicos supostamente antagônicos passaram a questionar o modelo estatal e se unir pela pauta de legalização do homeschooling. Dwyer afirma que podemos separar os principais apoiadores do movimento em duas vertentes:

Essas diversas influências levaram a homeschoolers sendo divididos em dois grupos, que são muitas vezes referidos como “pedagogos” (que se concentram nas falhas das escolas regulares em promover a criatividade e individualidade) e “ideólogos” (que enfatizam a autoridade de pais transmitam sua fé a essas crianças). Embora esses rótulos possam ser enganosos, elas ficaram por aqui porque refletem uma realidade real (ainda que longe de ser completa) cisão dentro do movimento, uma cisão que remonta aos primórdios do movimento de educação em casa. (DWYER, 2019, p.753)

Mesmo sofrendo dessa influência apontada por Dwyer, a educação domiciliar foi conquistando espaço nos estados norte-americanos. Sobre o alcance nacional da educação em casa, uma pesquisa da National Homeschool Association[26] observou que "o homeschooling é legalmente permitido em todos os 50 estados dos EUA, mas as leis e regulamentações são muito mais favoráveis em alguns estados do que em outros." Por exemplo, o estado de Oklahoma é considerado mais amistoso em relação ao homeschooling, pois os pais não são obrigados a contatar as autoridades do estado antes de começarem a educar seus filhos em casa. Já no estado de Massachusetts[27], por exemplo, a regulamentação é ferrenha (como aprovação de currículo e avaliação de trabalhos dos alunos). Nos Estados Unidos, é recomendado que os pais se familiarizem com as leis do seu estado antes de iniciar seu homeschooling, o modelo político federalista favorece essas diferenças de tratamento nas mais diversas áreas, a educação domiciliar, apesar de legalizada em todo território estadunidense, sofre regulamentações fortes dependendo do Estado.

Deste modo, o clima jurídico relativamente favorável não se traduz exatamente no fim das desavenças sociais sobre o tema. Dean Tong (2002), diz que um pequeno número de homeschoolers já teve de lutar contra acusações falsas de abuso infantil. "Baseando-se em consultas telefônicas que tive com (esses) homeschoolers, a maioria deles foi acusada, por tribunais de dependência juvenil, de negligência, falta de proteção, abuso emocional e psicológico, e até de provocar inanição", diz Tong. No que tange aos homeschoolers, ele diz que essas acusações infundadas são geralmente feitas por vizinhos que acreditam que as crianças devem receber uma educação mais formal, feita em sala de aula (pelo Estado).

É de relevante reflexão que, mesmo famílias que estão vivendo em um país reconhecido pela ampla liberdade individual, enfrentem represálias sociais desproporcionais por suas escolhas individuais. Podemos inferir desse acontecimento que os desafios do homeschooling transcendem o simples realizar a educação do filho em casa, necessitando de uma conscientização populacional dia a dia sobre a legitimidade do modelo, buscando evitar a visão construída pelo senso comum de que os pais que optam pela educação domiciliar estão, de alguma forma, lesando o próprio filho. Ou seja, podemos observar que os Estados Unidos não representam uma liberdade plena com relação aos homeschooling, mas ainda sim figuram como o país mais avançado nessa prática, com impressionantes 2,5 milhões de estudantes exercendo esse direito por todo o país:

Tabela 2: Número de estudantes que praticam o homeschooling.

País:

Nº de estudantes em educação domiciliar:

Estados Unidos

2.500.000

Finlândia

250.000

Reino Unido

100.000

Canadá

95.000

África do Sul

75.000

Fonte: ANED (2021).

Esse número vem aumentando nos últimos anos influenciado principalmente pelo advento da internet e a facilidade em oferecer ao filho um aprendizado de valor mesmo de casa. Apesar de motivações religiosas ainda figurarem como uma motivação importante na escolha pelo homeschooling, não existem bases suficientes para afirmar que o movimento pela educação domiciliar é uma luta exclusiva de fanáticos religiosos, essa conclusão desconsideraria as diversas associações que apoiaram essa pauta por diferentes razões. Por exemplo, no estado do Texas existe a Minority Homeschoolers of Texas, uma organização que promove o ensino domiciliar entre as minorias étnicas, como os afro-americanos, os asiáticos, os hispânicos, os judeus, os indígenas, e os anglos que adotaram crianças pertencentes a uma dessas minorias.

Parte do que engaja o surgimento dessas associações são as diversas críticas ao método e forma de administração educacional do Estado, mas existe um fator específico une os proponentes pela educação domiciliar: o modelo governamental não é e nem deve ser compulsório e, por isso, a entidade civil tem o poder de gerar alternativas privadas para os problemas que o modelo governamental apresenta. Essa alternativa pode ser útil para os mais diversos grupos, desde religiosos incomodados com a educação governamental até as minorias étnicas que se sentem ameaçadas nestes espaços. Coexiste neste panteão de motivos que levam indivíduos para o homeschooling algo que ainda passa despercebido em parte dos estudos brasileiros sobre o tema: a criminalidade. Nos Estados Unidos muitos homeschoolers optam por esse caminho por causa do medo das condições das escolas:

Em 1996, o Departamento de Educação da Flórida enviou um formulário de pesquisa para 2.245 homeschoolers, dos que retornaram (31%), 42% disseram que a insatisfação com o ambiente predominante nas escolas públicas (insegurança, drogas e pressão adversa do ambiente) foi a razão que os fez elaborar um programa próprio de educação domiciliar. (Isabel Lymann, 2008, p.9)

Ou seja, o motivo principal apontado para a educação domiciliar ganhar força é a desconfiança que a população tem da capacidade do Estado em fornecer segurança para seus alunos dentro das escolas. A mesma motivação é apontada pela pesquisa do National Household Education Surveys (NHES) de 2018 e outras pesquisas independentes. O consumo de drogas nas escolas estadunidenses é historicamente maior até que no Brasil, segundo o pesquisador Denis Moreira (1996):

Nos Estados Unidos, em 1991, o consumo frequente de maconha e cocaína atingiu as taxas de 6,8% e 0,9%, respectivamente, enquanto no Brasil as taxas correspondentes foram 0,5% e 0, 1 %, ou seja, o consumo entre os estudantes brasileiros é dez vezes menor, aproximadamente, que entre os estudantes americanos. (MOREIRA, 1996, p.587)

Desta forma, não é nova a problemática das drogas no contexto educacional norte-americano, com muitos jovens, inclusive, se introduzindo na prática pelo ambiente escolar e as más influências lá postas. O acadêmico Joseph Friedman, da Universidade da Califórnia, afirmou: “A taxa de overdose entre crianças e adolescentes americanos em idade escolar dobrou entre 2019 e 2020 — e aumentou mais 20% no ano passado”. O consumo começa cada vez mais cedo e leva adolescentes à níveis de consumo que podem ocasionar até overdoses. Podemos afirmar seguramente que os Estados Unidos vivem uma verdadeira epidemia de overdoses pelo país e muito disso se inicia na própria educação básica. Com 100.000 mortes[28] anuais por overdose, o país tem 20 vezes a média global nesse quesito. Segundo a Universidade de Michigan, o consumo de drogas ilícitas (ou seja, não incluí o álcool) vem decaindo em solo norte-americano, mas ainda está em patamares muito elevados:

Antes da década de 1990, período em que as pesquisas Monitorando o Futuro eram limitadas a alunos do 12º ano, a prevalência de uso na vida de qualquer droga ilícita atingiu um pico de 66% em 1981, o nível mais alto já registrado pela pesquisa. A partir desse ano, o uso ao longo da vida diminuiu de forma constante para uma prevalência de 41% em 1992, que se equipara a 2022 com o nível mais baixo que essas pesquisas já registraram. (Universidade de Michigan, 2022)

De mesma forma, a universidade atestou que as mudanças históricas nas pesquisas sofreram alterações pela inclusão de novas substâncias no estudo. A nova tendência entre os jovens americanos em idade escolar são os opioides, como o popular Fentanil[29]:

Houve declínios graduais, embora inconsistentes, para todas as séries desde os picos na recaída do uso de drogas em meados da década de 1990, começando em 1996 para alunos do 8º ano, 1997 para alunos do 10º ano e 1999 para alunos do 12º ano. Esses declínios também terminaram de forma escalonada em 2007, 2008 e 2009, respectivamente. As quedas foram acompanhadas de aumentos entre 2007 e 2010 entre os alunos do 8º ano, entre 2008 e 2011 entre os alunos do 10º ano e entre 2009 e 2011 para os alunos do 12º ano. Em 2013, as linhas de tendência mudaram ligeiramente à medida que novos exemplos de drogas da classe das anfetaminas foram adicionados aos questionários. (Universidade de Michigan, 2022)

Substâncias como o fentanil vem se popularizando nas escolas e sendo comercializados em cápsulas coloridas para chamar a atenção de jovens e, até mesmo, de crianças. Com essas novas características do consumo de drogas sendo identificado nos Estados Unidos, migrando da cannabis e álcool para os opioides, os cartéis de entorpecentes estão se adaptando para atingir o público em idade escolar: “O fentanil arco-íris – pílulas e pó de fentanil que vêm em uma variedade de cores, formas e tamanhos brilhantes – é um esforço deliberado dos traficantes de drogas para aumentar o vício entre crianças e jovens adultos” (DEA – 2022), O comunicado apresentado, emitido por Anne Milgram, a gestora da Administração Antidrogas dos Estados Unidos (DEA), também definiu a nova onda de fentanil como “alarmante”. Existe o temor de que jovens confiem mais no opioide por sua nova abordagem que se assemelha com doces e balas:

Figura 5: Fentanil arco-íris.

Fonte: DEA (2022).

Já são comuns os casos de overdoses nas próprias dependências das escolas. Conforme noticiado pela jornalista Regan Morris para a BBC News, uma adolescente de 15 anos[30] morreu no banheiro de uma escola californiana após consumir fentanil. O Estado americano vem intensificando o combate às drogas nas escolas com o crescimento das mortes, mas ainda com o foco errado: o poder público de Los Angeles, por exemplo, informou em comunicado de setembro de 2022:

Em resposta à devastadora epidemia de overdoses que são muito comuns em Los Angeles, o superintendente Alberto M. Carvalho anunciou hoje que a naloxona (Narcan) será disponibilizada em todas as escolas K-12 nas semanas que vem. O Departamento de Saúde Pública do Condado de Los Angeles (LACDPH) está fornecendo as doses de naloxona sem custo para o Distrito. (LAUSD, 2022)

Isto é, passou a estocar em todas as escolas da região doses de Narcan, um medicamento feito com naxolona para a reversão de overdoses. Um flagrante erro, porque busca apenas estancar as consequências em vez de resolver as causas que são estruturais da sociedade norte-americana. O consumo demasiado de drogas por jovens é produto direto da falha educacional do governo, uma vez que a própria comercialização desses produtos é feita dentro das escolas. A universidade de Chicago traduziu essa problemática no seguinte gráfico:

Figura 6: Educação formal e a introdução do uso de drogas.

Fonte: Universidade de Chicago (2020).

Com a relação drogas/escola se tornando cada vez mais extensa, podemos inferir que os resultados obtidos pelo departamento de educação da Flórida, sobre a razão do “descontentamento” dos homeschoolers, são um diagnóstico tardio: a família norte-americana está perdendo, gradativamente, a confiança na capacidade do poder público e, provavelmente, esse público não queira mais participar do ensino formal.

Nesse sentido, a educação domiciliar, em alta desde 1970, vem ganhando cada vez mais adeptos pela falta de ação do poder politico. E essa desconfiança com o poder estatal já deixou de ser exclusiva dos pais dos alunos, uma pesquisa realizada em 2017, pelo Dr. Andrew Adesman, em parceria com outros três acadêmicos, revelou que aproximadamente 200 mil jovens e crianças levavam armas brancas ou de fogo para a escola. Segundo a pesquisa, os principais motivos apontados foram medo de roubos, agressões e insegurança com o ambiente escolar no geral:

Tabela 3: Violência e insegurança nas escolas americanas.

 Grupos de   Vitimização

 Amostra Total

 % que carregava uma arma

 Não vítima de bullying

 2.5

 Vítima de bullying sem ameaças

 2.8

Vítima de bullying e faltou à escola porque se sentiu inseguro no último mês

 5.3

Vítima de bullying e se envolveu em brigas na escola no último ano

 10.8

Vítima de bullying e ameaçado ou ferido na escola no último ano

 11.9

Fonte: Academia Americana de Pediatria (2017).

As vítimas de bullying são as mais propensas para a busca de uma arma de defesa, no entanto, como apontado pela pesquisa, uma quantidade considerável de alunos não sofre de qualquer ameaça de vias de fato e, mesmo assim, se sentem intimidados pelo ambiente ao ponto de irem armados para a escola. Portanto, o consumo demasiado de drogas, o comportamento criminoso no geral[31], a cultura do bullying[32] e o histórico de massacres por várias escolas do país[33] são determinantes para o crescimento da educação domiciliar. A união de todos estes fatores, justifica a rejeição destes responsáveis pela escola pública formal.

Apesar do forte envolvimento criminoso nas escolas dos Estados Unidos, como evidenciado por esta seção, existe uma ideia popular de que o Estado tem o “poder” de acabar com o comportamento criminoso desde que eduque obrigatoriamente seus cidadãos. Rothbard (2013) aponta:

Outro argumento comum na Inglaterra em favor da educação obrigatória foi também prevalecente nos Estados Unidos. Foi o argumento de Macauley – a educação eliminaria o crime e, uma vez que é dever do estado reprimir o crime, o estado deveria institucionalizar a educação obrigatória. Spencer mostrou a falácia desta argumentação, demonstrando que o crime tem pouco a ver com a educação. Isto se tornou tão evidente agora. Um olhar sobre o crescimento de nossa juventude delinquente, educada obrigatoriamente nos EUA, é prova suficiente disto. Spencer investigou as estatísticas de seu tempo e demonstrou que não havia correlação entre as áreas de má-educação e áreas de crime, em muitos casos, a correlação foi inversa – as mais educadas eram as mais criminosas. (ROTHBARD, 2013, p.43)

A concepção acima é formulada no sentido de legitimar a educação compulsória, não só é autoritária como se mostra potencialmente preconceituosa: os defensores dessa ideia estariam defendendo, em linhas gerais, que pessoas sem escolaridade teriam predisposição ao crime. Sendo os mais pobres comumente os menos escolarizados de uma determinada sociedade, seria afirmar que o criminoso, de regra, é sempre pobre e o honesto, geralmente, sempre rico.

O crime de colarinho branco[34] e outras infrações do meio empresarial demonstram que a ação criminosa não depende de posições sociais. Os defensores da escolaridade forçada se apoiaram em uma suposta função social da escola contra o crime que não encontra respaldo histórico. o criminologista renomado James Wilson, em conjunto com o psicólogo George Kelling, mostrou no artigo “Teoria das janelas quebradas” (1982) que o crime nasce como uma sequência de pequenos atos reprováveis que vão se multiplicando até gerar uma atitude maior:

Os adultos param de repreender as crianças turbulentas; as crianças, encorajadas, tornam-se mais turbulentas. Famílias vão embora, adultos solteiros aparecem. Adolescentes se reúnem em frente à loja da esquina. O comerciante pede que eles se mudem; eles se recusam. As lutas ocorrem. A sujeira se acumula. As pessoas começam a beber na frente da mercearia; com o tempo, um embriagado cai na calçada e tem permissão para dormir. Pedestres são abordados por mendigos. (KELLING e WILSON, 1982, p.3)

Isto é, afirmar que a escolaridade obrigatória pode eliminar a criminalidade seria ignorar a própria lógica criminosa, que se baseia em oportunidades e concessões graduais que uma determinada comunidade faz ao comportamento socialmente indesejado que encoraja o ato criminoso (Broken Windows, 1982). A invalidade desta tese da “escolaridade anticrime” se traduz nos índices de criminalidade dos países com educação obrigatória.

Nos Estados Unidos, segundo o Centro Nacional de Estatísticas da Educação, por volta de 99% da população é alfabetizada e 49% dos adultos entre 25 e 34 anos tem ensino superior (número bem superior à média da OCDE[35], de 44%). No que isso impediu o tráfico generalizado de fentanil? Ou nos massacres e crimes escolares? Delegar à educação formal o papel de resolver todas as disformidades do indivíduo seria concebê-la de forma demasiadamente idealizada. O contexto autoritário da educação obrigatória, somados ao descaso do poder político em resolver as demandas populacionais, geraram, em 1970, o movimento pela educação domiciliar estadunidense. Passadas cinco décadas, podemos inferir que o Estado permanece ignorando a real causa do êxodo das famílias para o homeschooling, com o diagnóstico tardio da alta criminalidade, métodos ultrapassados e violência nos espaços educacionais, o retrato da educação norte-americana mostra que o Estado conhece os motivos dos homeschoolers, mas não tem capacidade de resolver estas demandas por sua própria incapacidade como instituição. Alas ligadas ao progressismo educacional norte-americano, como Elizabeth Bartholet[36], diretora do Programa de Defesa da Criança da Escola de Direito de Harvard, ainda ostentam a visão setentista de que o homeschooling seria um movimento de “radicais religiosos” ou uma violação dos direitos das crianças, enquanto observam o crescimento exponencial da prática pelo país e a empiria demonstrar o inverso:

Figura 7: Educação que os homeschoolers proporcionam aos filhos.

Fonte: Home School Legal Defense Association (2003).

Deste modo, as crianças formadas em homeschooling se sentem tão satisfeitas com a prática que até mesmo fornecem a mesma educação para seus filhos futuramente. Em suma, o desenvolvimento do homeschooling e seu sucesso nos Estados Unidos fortificaram a projeção global desse modelo em todas as sociedades liberais pelo mundo.

5.2. O homeschooling no Brasil

O controle que o poder político exercia sob as instituições nas décadas de 70 e 80, suprimia as vontades da sociedade civil e reduzia os direitos individuais em prol da organização centralizadora do Estado, que instrumentalizava a educação para alcançar um projeto de poder. Postas as condições do Estado brasileiro vigente à época, o homeschooling só poderia ganhar relevância nacional de vias de fato com o surgimento de um novo governo que permitisse o florescimento desse modelo, o que, objetivamente, não ocorreu na constituição federal promulgada em 1988.

 A constituição de 1988 não apresentava legislação que permitisse ou negasse expressamente o homeschooling, mas diversos incisos do próprio texto original de 1988 já corroboravam para a ideia de um controle governamental sob os rumos da educação dos cidadãos, como no artigo 205:

Art.205 - “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (CF, 1988)

Quase uma década depois, a criação da LDB[37] confirmou a intenção de tornar a educação formal compulsória e exclusiva do Estado, onde, novamente, a iniciativa privada tinha um espaço meramente auxiliador, devendo seguir as diretrizes educacionais do governo central. Em 1996, a LDB definiu que:

Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio. (BRASIL, 1996)

A LDB traduziu a meta almejada: progredir extensivamente com a obrigatoriedade da educação nacional. Por mais que existam avanços importantes na educação brasileira nos demais aspectos – como a responsabilização do poder público em caso de displicência com a educação - o texto da LDB não só reafirmou o caráter obrigatório da educação nacional como pretendia expandi-la de toda forma. Por conseguinte, quando o Estado se torna figura central do programa educacional, ele busca manter seu planejamento planificado por meio de supressões das liberdades alheias. Desta forma, as escolas particulares continuaram relegadas à posição de concessão estatal, necessitando de autorização burocrática e atendimento das normas governamentais:

Art. 7º. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino;

II - autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público;

III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no Art. 213 da Constituição Federal. (BRASIL, 1996)

Assim dizendo, os pais não podem ter outras opções legalmente permitidas se tiverem alguma discordância com o currículo nacional, afinal, as escolas da iniciativa privada nada são além de braços do próprio programa educacional do Estado. Podem representar instituições escolares bem mais organizadas, é verdade, mas ainda submissas ao que é definido pelo poder central.

O Brasil ainda passou por duas mudanças na idade mínima definida como ingresso obrigatória no ensino básico que tinha sido definida pela LDB em 1996, passando de 7 para 6 anos de idade em 2005 e, posteriormente, de 6 para 4 anos de idade em 2009. Sendo as duas últimas projetos de emenda aprovadas no congresso nacional. Trazido as implicações jurídicas que embasam o sistema educacional brasileiro, podemos compreender, afinal, o porquê de a educação domiciliar ter sido sumariamente ignorada por décadas, voltando a ganhar notabilidade novamente com o surgimento de duas vertentes diferentes na educação domiciliar que, apesar de representarem a mesma prática, devem ser analisados separadamente. Primeiro, a criação da ANED (Associação nacional de educação domiciliar) em 2010, que reuniu grupos de famílias defensoras do direito ao homeschooling.

A ANED vem desempenhando um papel importante na reivindicação da educação domiciliar no Brasil, mesmo não sendo regulamento, a associação conseguiu junto ao supremo Tribunal Federal uma liminar que impede processos contra famílias que educam seus filhos em casa:

A ANED ingressa no Supremo Tribunal Federal como Amicus Curiae e, em seguida, faz petição pedindo o Sobrestamento (suspensão) de processos judiciais, contra famílias que praticam educação domiciliar no país. O Supremo, através do Ministro Luís Roberto Barroso, concedeu o sobrestamento de todos os processos que versavam sobre o tema e, em virtude disso, nenhuma família poderia ser processada ou impedida de educar seus filhos em casa. (ANED, 2018)

Em uma decisão que relembra a histórica batalha judicial norte-americana dos Perchemlides, a corte brasileira impediu as entidades governamentais de responsabilizar judicialmente as famílias que optassem pelo homeschooling. No entanto, a decisão do ministro-relator do processo, Luís Roberto Barroso, não explicitava a educação domiciliar como sendo legalizada, apenas afirmava que não existia legislação específica sobre o tema.

Essa decisão, na prática, manteve os homeschoolers brasileiros em uma espécie de limbo jurídico que ainda não foi solucionado. Segundo publicação da própria ANED em 2022[38], desde a decisão do STF, a associação vem articulando com o governo federal para alcançar o direito pela educação em casa. O governo de Michel Temer chegou a receber a proposta da ANED, mas não deu seguimento pela proximidade das eleições em 2018. O governo eleito à época, de Jair Bolsonaro, acatou a ideia da associação, mas preferiu seguir por meio do um projeto de lei (o PL 1.388/2022), não por medida provisória. O projeto de lei citado está, atualmente, sendo revisado pelo Senado federal após ser aprovado pela Câmara dos deputados. O texto original do projeto prevê acompanhamento de escolas formais no processo educacional domiciliar, com a função de avaliar o trabalho dos pais. É uma forma de homeschooling parecida com a legalizada em Massachusetts (EUA)

Para quantificar a demanda pela educação domiciliar, a ANED realizou, em 2016, o primeiro levantamento de famílias que praticam o homeschooling no Brasil. Apesar da falta de respaldo jurídico e do ambiente relativamente hostil, o movimento vinha ganhando adeptos regularmente desde 2011:

Figura 8: Crescimento da educação domiciliar no Brasil.

Fonte: ANED (2016).

Em 2022, o Ministério da Educação (MEC) revelou que, atualmente, cerca de 17.000 famílias educam seus filhos em casa, são impressionantes 35.000 crianças em educação domiciliar, um número expressivo considerando que se trata de uma modalidade nem ao menos legalizada formalmente pelo Estado brasileiro. O MEC também publicou uma cartilha nos meios de comunicação oficiais do governo, onde buscava informar sobre a educação domiciliar no Brasil. O ministério elencou alguns motivos para a consolidação desse direito familiar.

Figura 9: Cartilha do Ministério da Educação.

Fonte: MEC (2022).

Dentre as motivações, o ministério cita que 85% dos países integrantes da OCDE (organização para cooperação e desenvolvimento econômico) permitem a educação domiciliar, reavendo o exposto na segunda seção deste estudo sobre a relação desenvolvimento/liberdade educacional. Também são referenciados a Declaração Universal dos Direitos Humanos[39] e a experiência norte-americana.

O MEC expõe, no documento, um outro olhar para a educação domiciliar pouco conhecida, e que atende trabalhores específicos que eram regulamentados pela Lei nº 6.533 de 1978 sancionada por Ernesto Geisel:

Art . 29 - Os filhos dos profissionais de que trata esta Lei, cuja atividade seja itinerante, terão assegurada a transferência da matrícula e conseqüente vaga nas escolas públicas locais de 1º e 2º Graus, e autorizada nas escolas particulares desses níveis, mediante apresentação de certificado da escola de origem. (Lei nº 6.533, 1978)

 Apesar da lei não significar nenhuma evolução real no caminho para a educação domiciliar (que até aquele momento nem ao menos era cogitada), nos fornece a problematização necessária para abordar essa faceta do homeschooling ainda pouco explorada: sua existência como um direito indispensável, não só para famílias que, a seguir o exemplo da ANED, desejam voluntariamente aderir ao homeschooling, mas como opção viável para as chamadas famílias itinerantes, que estão sempre em locomoção, seja em virtude de trabalho (no caso dos trabalhadores de um circo) ou opção minorias étnicas que desejem uma educação na própria comunidade.

Dentro dessa perspectiva, a lei do presidente Geisel indica que os alunos que são filhos de famílias que se encaixam nestas condições têm como direito a transferência de matrícula entre escolas quando se deslocarem para outras regiões. O que era uma vitória e um avanço no contexto de 1978, hoje é uma condição logisticamente inviável. Verificando essa pontos fundamentais, podemos compreender que: o homeschooling pode existir como uma alternativa meramente logística ao ensino governamental; o homeschooling não é uma escolha para determinados grupos étnicos e sociais, mas sim um direito fundamental; grupos e associações das mais diversas vertentes podem necessitar da educação domiciliar.

O MEC, então, coloca seu olhar sobre os trabalhadores itinerantes e outros povos tradicionais, que podem optar pelo ensino domiciliar por possibilitar uma formação que não seja tão deslocado de sua realidade. O homeschooling iria, em um mesmo projeto, reunir famílias insatisfeitas com a educação nacional, minorias étnicas que são culturalmente afastadas das escolas formais e até profissionais que estão em constante movimento. Assim dizendo, a educação domiciliar brasileira tem potencial para ser tão diversa quanto a observada nos Estados Unidos e em outros lugares do mundo.

Ademais, pesa contra o homeschooling em solo brasileiro as indagações sobre sua eficácia na educação das crianças e se o modelo seria capaz de fornecer o mínimo para que educandos tenham uma boa formação. Visões mais ortodoxas, como a compartilhada pela professora Elizabeth Bartholet nos Estados Unidos, se baseiam em uma crítica puramente ideológica. No Brasil, as maiores dúvidas sobre o tema – apontadas nas discussões do Senado federal[40] - são mais construtivas, abordando a incerteza do sucesso do modelo no país e sua viabilidade prática em território nacional, apontando que a população teria outras prioridades educacionais e que esse tema não é tão importante no momento ou que a desigualdade social poderia até aumentar com a aprovação de um modelo nesses moldes.

Essas incertezas acabam influenciando de muitas formas diferentes o movimento da educação domiciliar, pois leva o poder público a permitir o homeschooling mas com diversas regulamentações (como em Massachusetts, citado na segunda seção) para prevenir supostas chances da criança ser prejudicada intelectualmente por ser educada em casa. O homeschooling brasileiro ainda passa por situações jurídicas que atrapalham o seu crescimento e desencorajam os pais e responsáveis que poderiam ter interesse na prática, no entanto, o crescimento acelerado atestado pelo MEC, a popularidade do tema e recente aprovação na câmara dos deputados mostram que a educação domiciliar ainda pode ser uma realidade no Brasil.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, o exame rigoroso do homeschooling no Brasil nos traz a discussões muito anteriores ao tema central em foco. Compreender o homeschooling como movimento significa, primariamente, compreender em que momento a educação se tornou produto do Estado para que a educação domiciliar passasse a ser uma prática “alternativa”. Foi revelado nas seções iniciais, como em Educação e Estado, que algo muito similar à educação domiciliar já vinha sendo realizado em sociedades bem mais antigas, como na Grécia. Com o emprego da educação voluntária, os gregos compartilhavam em Atenas uma educação baseada na livre-associação, em contraste com o modelo obrigatório e coercitivo da cidade-estado Esparta, onde os indivíduos eram meras propriedades da autoridade central. A relação autoritarismo/liberdade ainda foi abordada diversas vezes por ocasião da temática necessitar do delineamento de qual modelo representa um estado de coisas que tende ao autoritarismo e qual reside no campo das liberdades individuais, da livre-iniciativa e da ética.

Desta forma, o estudo se desenvolve trazendo o histórico da escolaridade obrigatória e o seu envolvimento com projetos de poder autoritários por todo o mundo, revelando como esse histórico gera, em 1970, o questionamento popular da legitimidade do Estado em prover e decidir os conteúdos escolares, resultando na aprovação do homeschooling como alternativa a essa insatisfação popular. Posteriormente, é demonstrado que o Brasil passou por um período muito parecido: a insatisfação com a educação nacional e o poder público no geral serviram de catalisadores do movimento pela educação domiciliar que, embora pequeno, cresce 55% ao ano mesmo não sendo legalizado.

Assim dizendo, pode-se concluir que o homeschooling surge como uma insatisfação popular com a educação e o desejo de mais autonomia dos pais sobre os filhos, suscitando debates muito mais amplos como o direito à educação, a legitimidade do Estado e os limites das liberdades individuais. Utilizando como alicerce principal os pensamentos do filósofo político e pós-doutor Murray Rothbard, o economista da Escola Austríaca de economia que foi responsável pela popularização do homeschooling no meio de pensamento liberal e libertário, além da contribuição histórica do autor nos Estados Unidos. Com a fundamentação teórica Rothbardiana, em conjunto com outros autores, foi possível trazer reflexões antes pouco abordados com a educação brasileira no geral, de forma a complementar os estudos fenomenológicos sobre tema em perspectivas ignoradas por parte dos pesquisadores nacionais.

O presente estudo se materializou com o objetivo de entender o fenômeno do homeschooling e da educação obrigatória, a origem do homeschooling internacional e o seu surgimento no Brasil. Cumprindo uma lacuna observável nos estudos do tema em território nacional, o trabalho buscou compreender o fenômeno por meio das ideias de críticos e propositores, gerando uma reflexão mais enriquecida. Os objetivos foram atingidos com êxito, uma vez que, realizada a correlação dos fenômenos, foi possível atingir uma reflexão sobre a temática sem incorrer em defesa ideológica de qualquer forma.

A partir desta pesquisa, podemos inferir que algumas objeções ao modelo da educação domiciliar estão equivocadas, como as que tratam de desqualificação social do educando em casa, do radicalismo religioso e de ser um ensino supostamente elitista. O surgimento do homeschooling por muitas décadas foi identificado como uma suposta expressão de extremistas religiosos, no entanto, os fatos expostos mostram que a criminalidade, a ineficiência do poder público e a discordância de métodos são, efetivamente, as verdadeiras motivações para o homeschooling para o surgimento da educação domiciliar.

Autores contrários ao modelo por motivações ideológicas sustentam que tirar os alunos do sistema escolar pode prejudicar seu desempenho acadêmico, no entanto, os resultados dos alunos que passaram pelo homeschooling aponta o inverso: resultados acadêmicos mais robustos, fornecimento da mesma educação para os filhos e maior participação como cidadão na sociedade. A educação domiciliar forma alunos compromissados e politicamente ativos, que participam de associações, partidos e causas. Ademais, esses resultados educacionais positivos vão servir de inspiração e modelo para o Brasil, que nutre uma sociedade muito parecida com a estadunidense mesmo demorando mais de 40 anos para discutir juridicamente o tema do homeschooling.

7. REFERÊNCIAS

ADESMAN. Vítimas de bullying e porte de armas. Estados Unidos. 2017. Disponível em: https://publications.aap.org/pediatrics/article/140/6/e20170353/38167/Weapon-Carrying-Among-Victims-of-Bullying. Acesso em: 14/10/2022.

ANED. Homeschooling pelo mundo. Brasil. 2022. Disponível em: https://www.aned.org.br/index.php/conheca-educacao-domiciliar/ed-no-mundo. Acesso em: 21/08/2022.

Assembleia Geral da ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris. 1948.

AZEVEDO, Fernando. Manifesto dos pioneiros. Brasil. 1932. Disponível em: https://download.inep.gov.br/download/70Anos/Manifesto_dos_Pioneiros_Educacao_Nova.pdf. Acesso em: 15/11/2022.

BBC NEWS. Fentanil e morte nas escolas. Estados Unidos. 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63276346. Acesso em: 04/11/2022.

BERVIAN, P. A.; CERVO, A. L.; SILVA, R. Metodologia Científica. 6ª ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

BRASIL. Decreto-lei nº 6.533. 1978. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6533.htm. Acesso em: 12/11/2022.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília.

BURKE, Edmund. Reflexões sobre a revolução na França. Brasil. VIDE, 2017.

CONQUEST, Robert. The Great Terror. Reino Unido. Vol.1. Oxford, 2008.

CONQUEST, Robert. The Harvest of Sorrow. Reino Unido. Vol.1. Oxford, 1986.

DATAFOLHA. 67% dos brasileiros apoiam educação gratuita a todos na universidade. Brasil. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/12/22/67percent-dos-brasileiros-apoiam-educacao-gratuita-a-todos-na-universidade-diz-datafolha.ghtml. Acesso em: 21/08/2022.

DEA. Uso de opioides entre estudantes. Estados Unidos, 2022. Disponível em: https://www.dea.gov/press-releases/2022/08/30/dea-warns-brightly-colored-fentanyl-used-target-young-americans. Acesso em: 14/11/2022.

DESCARTES, René. Discurso sobre o método. Leiden. Vol.1. LaFonte, 2017.

DEWEY, Jonh. Experiência e educação. Estados Unidos. Kappa Delta Pi, 1979.

DWYER, James. Homeschooling: The History and Philosophy of a Controversial Practice. Estados Unidos. The University of Chicago, 2019.

ESTADÃO. Educação moral e cívica. Brasil. 1969. Disponível em: https://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,educacao-moral-e-civica-criacao-da-ditadura,10033,0.htm. Acesso em: 14/09/2022.

EVERYTOWN GUN SAFETY. Incidentes com arma de fogo em escolas. Estados Unidos. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/08/19/numero-de-tiroteios-em-escolas-nos-eua-e-o-maior-em-10-anos.ghtml. Acesso em: 16/11/2022.

FARENGA, Patrick. GWS. Estados Unidos. 2020. Disponível em: https://www.johnholtgws.com/writing-by-patrick-farenga. Acesso em: 08/11/2022.

FRANCO, José. Holodomor – A Tragédia Ucraniana Desconhecida. Brasil. Vol.1. Grácio, 2013.

HARVARD MAGAZINE. The Risk of Homeschooling. Estados Unidos. 2020. Disponível em: https://www.harvardmagazine.com/2020/05/right-now-risks-homeschooling. Acesso em: 10/10/2022.

Home School Legal Defense Association. Dr. Brian Ray. A educação domiciliar cresceu. Estados Unidos. 2003.

HOLT, John. How Children Learn, Estados Unidos. 1967.

KELLING, George. The Broken Windows Theory. Estados Unidos. 1982. Disponível em: http://faculty.washington.edu/matsueda/courses/587/readings/Wilson%20and%20Kelling%20(1982).pdf. Acesso em: 16/10/2022.

LAUSD. Narcan in LA school, Estados Unidos. 2022. Disponível em: https://achieve.lausd.net/site/default.aspx?PageType=3&DomainID=4&ModuleInstanceID=4466&ViewID=6446EE88-D30C-497E-9316-3F8874B3E108&RenderLoc=0&FlexDataID=122978&PageID=1. Acesso em: 11/11/2022

LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996. BRASIL.

LENTON. Diana. Genocídio índigena em tempos de Roca. Argentina. 2010.

LYMAN, Isabel. The homeschooling Revolution. Estados Unidos. Bench Pr Intl. 2000.

MASSACHUSETTS. Department of Elementary and Secondary Education. Estados Unidos. 2007. Disponível em: https://malegislature.gov/Laws/GeneralLaws/PartI/TitleXII/Chapter76/Section1. Acesso em: 12/10/2022

MASSACHUSETTS. DESE. Estados Unidos. 2022. Disponível em: https://www.doe.mass.edu/. Acesso em: 12/10/2022

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Cartilha pela educação domiciliar. Brasil. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/educacao-e-pesquisa/2021/05/lancada-cartilha-de-educacao-domiciliar. Acesso em: 14/11/2022.

MISES, Ludwig. Liberalismo. Áustria. Vol.1. LVM, 2017.

MISES, Ludwig. Teoria e História. Áustria. Vol.1. LVM, 2014.

NATIONAL FOR EDUCATION STATISTICS. Literacy in United States. Estados Unidos. 2021.

Phi Delta Kappan. The Perchemlides case. 1979. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/20299660. Acesso em: 22/10/2022.

PLATÃO. Diálogos II - Górgias. Brasil. Edipro, 2016.

PNUD. Índice de desenvolvimento humano. Nova Iorque. 2021. Disponível em: https://hdr.undp.org/content/human-development-report-2021-22. Acesso em: 04/07/2022.

ROTHBARD, Murray. Educação: livre e obrigatória. Nova Iorque. Vol.1. LVM, 2013.

ROTHBARD, Murray. Ciência, tecnologia e governo. Nova Iorque. Vol.1. VIDE, 2017.

SENADO. Debate sobre educação domiciliar. Brasil. 2022. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2022/11/16/debatedores-divergem-sobre-educacao-domiciliar-em-audiencia-publica-no-senado. Acesso em: 17/11/2022.

SPENCER, Hebert. Estática social. Inglaterra. Vol.1. John Chapman, 2004.

SCOCUGLIA, A. C. A pedagogia social de Paulo Freire como contraponto da pedagogia globalizada. Brasil. SciElo, 2006.

UNIVERSIDADE DE CHICAGO. Uso de drogas entre jovens com idade escolar. Estados Unidos. 2020. Disponível em: https://monitoringthefuture.org/results/data-products/tables-and-figures/. Acesso em: 14/11/2022.

TONG, Dean. Elusive Innocence: Survival Guide for the Falsely Accused. Estados Unidos. 2002.

[1] Datafolha é um instituto de pesquisas do Grupo Folha, conjunto de empresas coligadas do qual o jornal Folha de São Paulo faz parte. Foi fundado em 1983.

[2] Modelo educacional prussiano é como é chamado a organização da educação do Reino da Prússia, sendo o primeiro modelo educacional obrigatório ofertado por um Estado que foi abrangente para todo o território nacional (ROTHBARD, 2013).

[3] Aristóteles foi um filósofo grego, discípulo de Platão, construiu a escola ateniense do Liceu.

[4] Sofistas eram filósofos desprezados pelos intelectuais, especialmente os influenciados pelo pensamento pós-socráticos, como exposto por Platão em Diálogos II – Górgias.

[5] Nesta monografia originalmente escrita em 1972, Rothbard demonstra que o sistema educacional se baseia na compulsão e não no consentimento voluntário. O currículo é politizado para refletir as prioridades ideológicas do regime no poder e que ocorre um contínuo rebaixamento dos padrões para se adaptarem ao menor denominador comum.

[6] Ludwig von Mises foi um economista de origem judaica, de nacionalidade austríaca, um dos principais expoentes da Escola Austríaca de pensamento econômico.

[7] Neste ensaio escrito originalmente em 1959, Rothbard argumenta que o maior incentivo do governo a algo seria sua não-intervenção. Dessa ideia podemos extrair do livro vários dos fatores de pensamento que levaram ao surgimento dos movimentos liberais em diversas esferas da sociedade e em diferentes temáticas, como por exemplo, a educação. Como um farol inicial, Rothbard introduz a problemática da gestão centralizada governamental, o que é essencial para o debate do homeschooling.

[8] Getúlio Vargas foi um político populista brasileiro, líder da Revolução de 1930 que pôs fim à República Velha, depondo Washington Luís e impedindo a posse do presidente Júlio Prestes.

[9] Passados 80 anos desde o decreto, a educação brasileira ainda segue um modelo semelhante ao implementado por Vargas, apenas aumentando o tempo de permanência obrigatório no sistema de ensino. A educação primária e secundária são equivalentes ao ensino infantil e ensino fundamental/médio, respectivamente.

[10] Trazer à luz a educação obrigatória brasileira nos permite comparações com o processo educacional de outros países da américa latina, como nossa vizinha Argentina que também tornou obrigatória a educação durante a liderança do líder Alejo Roca em 1884, o qual é atribuído genocídio indígena e ímpetos autoritários (LENTON, 2010).

[11] Historiadores sustentam que os Estados Unidos da América financiaram golpes militares por toda a América Latina por ocasião da guerra fria. As interferências do governo norte-americano explicam o surgimento relativamente próximo de todas as ditaduras sul-americanas. (Operação condor, 2011)

[12] “Mão de ferro” é um termo popular para o ato de governar de forma autoritária.

[13] Segundo o autor, as medidas visavam combater a identidade nacional ucraniana, começando pela própria educação básica. (The Harvest of Sorrow, 1986)

[14] Purga ou grande expurgo são denominações para as repressões políticas que o ditador socialista Joseph Stalin promovia pelo território soviético. (The Great Terror, 2008)

[15] Giovanni Gentile foi um filósofo e ministro da educação do regime fascista de Benito Mussolini.

[16] John Dewey foi um pedagogo norte-americano reconhecido por suas teorias sobre o aprendizado pela experiência e a defesa da liberdade do educando em formular suas próprias ideias.

[17] A Base Nacional Comum Curricular é um documento normativo para as redes de ensino e suas instituições públicas e privadas, referência obrigatória para elaboração dos currículos escolares e propostas pedagógicas para a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio no Brasil

[18] Ambos assinaram, em 1932, o manifesto dos pioneiros da educação nova. Se trata de um documento que tinha pretensão de alterar o programa educacional do Brasil.

[19] O Índice de Desenvolvimento Humano é composto de expectativa de vida, educação e indicadores de renda per capita, que é usado para classificar os países em quatro níveis do desenvolvimento humano.

[20] A Escola Austríaca é uma escola de pensamento econômico que enfatiza o poder de organização espontânea do mecanismo de preços e o livre-mercado.

[21] Em uma situação muita parecida com a o do Brasil, o homeschooling nos Estados Unidos, por volta de 1970, não era ilegal nem necessariamente legal. Na falta de legislações específicas, cada caso era analisado individualmente pelos tribunais. (GWS, 2020)

[22] Em abril de 1978, a pedido do Superintendente de Escolas Donald Frizzle, do Comitê Escolar de Amherst (Massachusetts), o Tribunal Distrital de Massachusetts emitiu mandados de prisão para Peter e Susan Perchemlides. O crime do casal seria descumprir a lei estadual de escolaridade obrigatória ao se recusar a mandar seu filho de oito anos, Richard, para a terceira série. Os Perchemlides entraram com uma ação no tribunal superior e venceram a causa.

[23] Massachusetts também é o estado americano pioneiro na obrigatoriedade educacional, A frequência obrigatória e outras medidas de controle educacional vieram como herança da influência inglesa na região. Em Massachusetts, o calvinismo foi dominante:

“Massachusetts abriu o caminho estabelecendo educação compulsória, que suas leis coloniais já tinham fornecido. Tomaram o passo incomum de incluir em sua Constituição Estatal de 1780 uma cláusula expressamente garantindo autoridade para a legislatura de impor frequência obrigatória na escola. Essa autoridade foi exercida prontamente, e em 1789 a frequência escolar se tornou obrigatória em Massachusetts.” (ROTHBARD, 2013)

[24] Unschooling é uma visão que rejeita um currículo ou uma sistematização de disciplinas. Deste modo, unschoolers sustentam que buscar conhecimento e aprender é uma tendência natural do ser humano e é alcançado por interações do dia a dia e por interesses pessoais, sem necessitar de um estudo formal.

[25] “John Holt queria trazer à tona o segundo significado menos popular de não escolarizado: Não educado na escola; não obrigado a frequentar a escola; não afetado ou artificializado pela educação; naturais, espontâneos. Ao longo dos anos, à medida que o público passou a usar cada vez mais a palavra “educação em casa”, Holt deixou de usar a não escolarização em seus escritos e trabalhos e passou a usar a educação em casa como o termo mais geralmente compreendido para aprender sem ir à escola.” (FARENGA, 2018)

[26] A National Homeschool Association foi fundada em 2013 e é uma das maiores associações da educação domiciliar no país norte-americano. Se assemelha com a ANED, no Brasil.

[27] Regido pelas leis gerais capítulo 76, § 1, as famílias, em Massachusetts, precisam ser aprovadas em comitê para garantir o direito pela educação domiciliar:

Seção 1 - “Para os propósitos desta seção, os comitês escolares aprovarão uma escola particular quando estiverem convencidos de que a instrução em todos os estudos exigidos por lei é igual em meticulosidade e eficiência, e no progresso feito nela, à das escolas públicas na mesma cidade;” (DESE, 2007)

[28] Estimativa dada pelo Centro Nacional de Estatísticas de Saúde dos Estados Unidos da América.

[29] Criado por Paul Janssen, em 1960, o fentanil é um opioide sintético. A substância pode ser entre 50 a 100 vezes mais forte que a morfina e entre 30 a 50 vezes mais potente que a heroína. É a principal causadora de overdoses em território estadunidense.

[30] Melanie Ramos morreu dentro do banheiro de sua escola em setembro de 2022, depois de tomar um comprimido que continha fentanil. Ramos e uma amiga pensaram que estavam ingerindo oxicodona e paracetamol. Mas as pílulas falsificadas foram misturadas com fentanil e ela acabou intoxicada. (BBC, 2022)

[31] O tráfico, os roubos e o bullying são problemas comuns no dia a dia escolar norte-americano. Existem cerca de 200 mil crianças que vão armadas para a escola com medo da violência: “Considerando os alunos mais propensos ao porte de arma, mostramos um padrão claro de aumento da prevalência de porte de armas entre os subconjuntos de vítimas que experimentaram fatores de risco adicionais, como brigas na escola, ameaças ou ferimentos em escola e faltar à escola por medo de sua segurança.” (ADESMAN, 2017)

[32] O termo bullying se refere a atos de agressão, intimidação, chantagem e abuso físico e psicológico de crianças e adolescentes, normalmente acontecendo em escolas e ambientes infanto-juvenil.

[33] Pesquisa da organização Everytown for Gun Safety revelou que houve por volta de 193 incidentes armados em escolas em 2022, nos EUA.

[34]Crime do colarinho branco” foi um termo criado pelo sociólogo norte-americano Edwin Sutherland, em 1939. Em sua definição, crime do colarinho branco é aquele cometido por pessoa de respeito e elevada classe social, no exercício de sua atividade.

[35] Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico é uma organização intergovernamental com 38 países membros, fundada em 1961 para estimular a economia internacional e o comércio entre as maiores economias do mundo.

[36] Em publicação na Harvard Magazine, em junho de 2020, a professora Elizabeth Bartholet argumenta que muitos pais adotam esse método de educar seus filhos (homeschooling) por razões negativas, incluindo doutrinar os valores dos pais em seus filhos, isolando-os da sociedade e abusando deles.

[37] A Lei de Diretrizes e Bases da Educação ou LDB é a legislação que define e regulamenta o sistema educacional brasileiro, seja ele público ou privado. Esta legislação foi criada com base nos princípios presentes na Constituição Federal.

[38] A ANED mantém um site próprio para atualizar os adeptos da educação domiciliar no Brasil sobre a atuação da associação no território nacional e as pesquisas sobre o tema: https://www.aned.org.br/index.php

[39]  “Os pais têm prioridade de direito na escolha do género de educação que será ministrada aos seus filhos.” (Art.26, 1948)

[40] A coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, participou do debate do Senado sobre o projeto da educação domiciliar no Brasil, ela relatou que a pauta precisa ser conduzida com bastante cautela: “A educação domiciliar pode acabar aumentando a desigualdade social e educacional e sua regulamentação não deve ser prioridade no país. A gente está vendo desemprego, fome, vulnerabilidade das famílias, casos de violência, abusos físicos, psíquicos, sexuais e a gente tem um orçamento que é insuficiente para garantir o Plano Nacional de Educação, para garantir esse lugar emergencial, para olhar para esse debate. E não é o momento de aprovar uma nova política que vai exigir também orçamento para que seja implementada.” (SENADO, 2022)


Publicado por: Caio de Oliveira Minucci

icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.