LINGUAGEM E ESCRITA: A influência da fala e do meio social na utilização da variedade padrão em textos escritos
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1. RESUMO
A finalidade do ensino da leitura e da escrita consiste em formar sujeitos que sejam capazes de produzir e interpretar textos. Conhecer e dominar o sistema da escrita não implica ter resolvido às situações próprias de produção e interpretação textual: isso é um aspecto parcial e restrito desse âmbito. É necessário que o professor, ao analisar a sua prática, reflita sobre os contextos e condições nos quais o processo ensino-aprendizagem ocorre. Cabe ao professor adequar sua ação à realidade do aluno, interagindo com ela e dela extraindo, constantemente, os dados que lhe permitam tornar sempre mais consequente e efetivo o processo educativo. Desta forma, ao se modificar a metodologia em função do contexto e condições do alunado, retoma-se a ação de uma escola que, geralmente, se volta para a adaptação do aluno às suas expectativas.
Palavras-chave: Linguagem; oralidade; escrita; meio social; variedade-padrão.
2. INTRODUÇÃO
Este trabalho intitulado Linguagem e escrita: A influência da fala e do meio social na utilização da variedade-padrão em textos escritos, tem por objetivo verificar a interferência da oralidade e do meio social no processo da escrita dos alunos.
O incentivo de estudo dessa modalidade é ver como a fala influencia sobremaneira a escrita.
Quando a criança inicia o processo de aquisição da linguagem apresenta influências da fala na escrita?
A escolha pelo tema desse trabalho baseia-se no interesse de investigar a interferência da oralidade e do meio social no processo de aprendizagem da escrita das crianças.
Essa pesquisa contribui para a compreensão de professores e pesquisadores para os problemas que algumas crianças enfrentam durante a aquisição da linguagem escrita, e o quanto o meio social influencia nesse processo.
Este trabalho tem por objetivos examinar como a fala influencia sobremaneira a escrita, a interferência da oralidade e do meio social no processo da escrita dos alunos e as relações entre linguagem e escola.
À escola cabe conhecer os fatores que intervém no processo de escolarização da criança, procurando, no dia-a-dia da rotina escolar, acolher as diferenças, sem anulá-las, e envidar todo o esforço no caminho da transformação dessas formas iniciais de socialização. Conhecer as diferenças, saber operar com e a partir delas para se conseguir a mudança e a transformação social desejada. Esta é a finalidade do processo educativo- a formação de pessoas críticas, criativas e autônomas.
3. REVISÃO DE LITERATURA
Essa pesquisa de caráter bibliográfico e qualitativo pretende analisar a presença da oralidade na escrita das crianças e a influência do meio social no processo de aquisição da escrita tendo como base teórica as autoras que trazem discussões pertinentes sobre o assunto: FÁVERO, ANDRADE e AQUINO (2003) e SOARES (1989).
Como sabemos, quando os alunos chegam à escola dominam, em sua essência, a gramática da língua, a variante linguística de seu grupo familiar, de sua região. No momento em que a criança inicia o processo de aquisição da escrita é bem provável que escreva como fala, ou que apresente influências da fala na escrita.
De modo geral, as línguas apresentam-se sob duas modalidades principais: a oral e a escrita. Tais modalidades são de suma importância para o estabelecimento da interação entre os sujeitos. Os estudos acerca das relações entre fala/escrita não são novos; contudo, nos últimos anos, têm ganhado corpo devido ao grande avanço dos Estudos Linguísticos. De acordo com Fávero, Andrade e Aquino: “a escrita tem sido vista como estrutura complexa, formal e abstrata, enquanto a fala, de estrutura simples ou desestruturada, informal, concreta e dependente do contexto” (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2009, p. 9).
A fala, portanto, era tida como não planejada, presa à situação enunciativa, voltada às necessidades mais imediatas, dispersa, sendo considerada um “caos”, enquanto a escrita era caracterizada como planejada previamente, mais ligada à cultura de um povo e à elaboração intelectual, coesa e bem estruturada. Desse modo, percebemos que a língua escrita foi e é supervalorizada.
Se por um lado na oralidade não se pode falar em erro, já que as variantes constituem maneiras alternativas de dizer a mesma coisa e a transgressão é apenas um fator social, por outro lado, na língua escrita, o erro é visto de outra maneira, uma vez que a escrita deve obedecer a um código convencionado que não prevê variação.
Segundo Fávero, Andrade e Aquino “para analisar adequadamente um texto (falado ou escrito), é preciso identificar os componentes que fazem parte da situação comunicativa, suas características pessoais (personalidade, interesses, crenças,
modos e emoções) e de seu grupo social (classe social, grupo étnico, sexo, idade, ocupação, educação, entre outros), pois eles favorecem a interpretação dos papéis dos interlocutores (falante-ouvinte-audiência (facultativa)/escritor-leitor) num evento particular, determinado, dados os componentes linguísticos desse texto.
“São também relevantes para a análise as relações entre os participantes, a observação do papel social (poder, status), das relações pessoais (preferências, respeito) e a extensão do conhecimento partilhado.” (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, p.71e72)
É fundamental que o professor conheça a realidade de seus alunos para que possa intervir de maneira consciente e responsável para o desenvolvimento pleno de seus educandos.
Para Soares (1989) o uso, pelos alunos provenientes das camadas populares, de variantes linguísticas social e escolarmente estigmatizadas provoca preconceitos linguísticos e leva a dificuldades de aprendizagem, já que a escola usa e quer ver usada a variante padrão socialmente prestigiada.
4. FALA E ESCRITA
Historicamente a fala nos é dada, pois, onde quer que haja seres humanos, há linguagem verbal oral, ao passo que a escrita, precede a leitura e é uma convenção que necessita ser intensiva e ‘sistematicamente aprendida’. Então na escrita o estatuto do erro tem natureza diferente
[...] porque representa a transgressão de um código convencionado e prescrito pela ortografia. Aqui também há um forte componente de avaliação social, pois erros ortográficos são avaliados muito negativamente. Mas podemos considerá-lo uma transgressão porque a ortografia é um código que não prevê variação. A ortografia de cada palavra é fixada ao longo de anos e até séculos no processo de codificação linguística. (BORTONI- RICARDO, 2006, p. 273).
Se na oralidade o que a sociedade chama de ‘erro’ é concebido pela sociolinguística como variantes linguísticas, maneiras diferentes de dizer a mesma coisa, a exemplo de vontad[e] / fala[r], as variantes não - padrão vontad[i] / fal[á] são utilizadas na maior parte das regiões do país, com a escrita não ocorre o mesmo, como vimos na citação o código convencionado e prescrito pela ortografia não prevê variação.
Além disso, temos a realidade da escola onde
[...] O uso, pelos alunos provenientes das camadas populares, de variantes linguísticas social e escolarmente estigmatizadas provoca preconceitos linguísticos e leva a dificuldades de aprendizagem, já que a escola usa e quer ver usada a variante-padrão socialmente prestigiada. (SOARES, 1989, p. 17).
De acordo com a referida autora, “nossa escola tem-se mostrado incompetente para a educação das camadas populares, e essa incompetência, gerando o fracasso escolar, tem tido o grave efeito não só de acentuar as desigualdades sociais, mas sobretudo, de legitimá-las.”
Para Fávero, Andrade e Aquino (2003) A escrita tem sido vista como de estrutura complexa, formal e abstrata, enquanto a fala, de estrutura simples ou desestruturada, informal, concreta e dependente do contexto. “Não se trata, simplesmente, de se ensinar a criança a falar, mas de desenvolver sua oralidade e saber lidar com ela nas mais diversas situações”. (DIAS, 2001, p.36) Ou seja, mostrar aos alunos a grande variedade de usos da fala, dando-lhes a consciência de que a língua não é homogênea, monolítica, trabalhando com eles os diferentes níveis (da mais coloquial ao mais formal) das duas modalidades – escrita e falada -, isto é, procurando torná-los poliglotas dentro de sua própria língua.
Entretanto, com o surgimento dos estudos do texto, o enfoque vai deixando de fixar- se apenas no produto e se desloca para o processo. A linguagem deixa de ser vista como mera verbalização e passa a ser incorporada, nas análises textuais, a observação das condições de produção de cada atividade interacional. A elaboração do texto escrito – assim como do oral – envolve um objetivo ou intenção do locutor. Contudo, o entendimento desse texto não diz respeito apenas ao conteúdo semântico, mas à percepção das marcas de seu processo de produção. Essas marcas orientam o interlocutor no momento da leitura, na medida em que são pistas linguísticas para a busca do efeito de sentido pretendido pelo produtor.
“Além disso, a escola não pode ignorar a complexidade da linguagem de qualquer criança, independentemente do meio, família de que provém e das experiências linguísticas que tenha vivenciado até então.” (MURRIE; LOPES e LOUZADA; 2001)
As crianças que ocupam os bancos da escola pública vêm dos mais diferentes segmentos da sociedade, de diversas regiões, com experiências linguísticas bastante diferenciadas, trazendo para a escola as variedades desprestigiadas do português. A escola quando tenta “erradicar” as formas de linguagem menos prestigiadas, está informando ao aluno: você fala “errado”, escreve “errado”; e, por tabela: os valores culturais, a língua da sua comunidade também são “errados”.
Ora, agindo assim, a escola estará endossando os preconceitos e as discriminações sociais.
Quando a escola tenta substituir a língua que o aluno já fala por outra, a dita “culta”, ela fracassa e assim será enquanto não perceber que o respeito à fala do aluno é condição primeira para atingir o objetivo mais amplo: ensinar tudo a todos.
A aquisição e o desenvolvimento da linguagem não se dão em virtude de uma atividade isolada do sujeito, mas se dão, fundamentalmente, a partir da interação com o adulto. Tanto mais rica e fluente é a linguagem quanto mais rica é a interação social. É na interação que a criança se exercita na atividade constitutiva da linguagem.
Se nos reportarmos à situação de fala das crianças pequenas, não escolarizadas, poderemos observar e compreender como isso se dá.
Uma criança de 2 anos, oriunda de família de classe média, com pais de nível universitário cuja linguagem obedece, via de regra, aos padrões cultos de concordância, produz frases do tipo:
-“Tem um monte de corações cor-de-rosa”
-“Ela tem os olhos azuis”.
Ao lado de:
_”As crianças mi batis”.
_ “Elas brigas comigo”.
_Eles correram”.
Ora, não é tão difícil assim imaginarmos que uma criança, com a mesma idade da anterior, cujos pais não são escolarizados, possa produzir frases que não obedeçam ao padrão acima:
_”Tem um monte de coração cor-de-rosa”
_ “Ela tem os olho azul”.
ozóio azú” ozóio azur”.
Ao lado de:
_”As criança mi bati”.
_”As criança bati ni mim”.
_”Elas briga cumigo”.
cum eu”.
_”Eles correro”.
correu”.
Se nos detivermos um pouco na análise das frases anteriores poderemos constatar, no mínimo, que:
-
A primeira criança procura incorporar uma regra de formação do plural dos nomes e da estrutura dos verbos. O fato de usar “batis”, “brigas”, por analogia com o plural das expressões nominais, revela que há uma hipótese que a criança testa a partir de uma generalização: plural= “s”.
Ao lado desta hipótese, porém, observamos que ela já incorporou o plural de outros verbos: “correram”, e as duas formas convivem no momento. É provável que esta criança chegue a concluir, muito antes de entrar na escola, que deve dizer: batem, brigam, em função da contínua interação com seus pais, que são usuários destas formas.
-
A segunda criança fala de acordo com as “regras” das pessoas com quem convive e, por isso, para ela o plural é marcado num só elemento da frase, numa determinada posição. Acrescente-se que em relação ao plural das expressões nominativas: “os olho azul”, “ozóio azú”, “ozóio azur”, mantém-se a marca de pluralidade num só elemento (“os”), inclusive em “ozóio”. É importante que, se não entrar em contato com outras manifestações linguísticas que não a da sua comunidade, esta criança chegue à escola com essa “regra” bastante enraizada. É também possível que os seus primeiros escritos manifestem isso, registrando o que e como pronuncia: “ozóio”, “azur”, “azú”, “bati”, “correro”, “cumigo”, “cum eu”. Qualquer criança que ingressa na escola já traz, portanto, uma rica prática de linguagem, maior ou menor conforme o exercício efetivo da comunicação e a variedade de suas experiências. A escola não pode interromper esse processo: deve manter e aprimorar os comportamentos sociais da interação verbal, multiplicando as experiências de atividade discursiva para diferentes propósitos sobre temas, em diferentes condições de produção e interlocução.
É preciso, urgentemente, que a escola não só propicie, mas sobretudo permita que seus alunos possam expressar-se com liberdade, sem medo, sem imposições. Recuperar a fala do individuo, seu poder de expressão verbal é condição fundamental para o processo ensino-aprendizagem ser bem-sucedido.
O aprendizado das operações de transformação do texto falado para o escrito coloca-se como imprescindível para o melhor domínio da produção escrita que se tem evidenciado muito problemática entre nossos estudantes. A aplicação de atividades de observação que envolvem a organização de textos falados e escritos permite que os alunos cheguem à percepção de como efetivamente se realizam, se constroem e se formulam esses textos.
O trabalho do professor de língua portuguesa constitui-se em multiplicar, aumentar, e acrescentar os recursos expressivos de que a criança não dispunha. O aluno deve, a longo prazo, estar em contato com as formas que coloquialmente não usa, e saber usá-las em situações formais.
5. LINGUAGEM, ESCRITA E PODER
Segundo GNERRE (1994) a linguagem não é usada somente para veicular informações, isto é, a função referencial denotativa da linguagem não é senão uma entre outras; entre estas ocupa uma posição central a função de comunicar ao ouvinte a posição que o falante ocupa de fato ou acha que ocupa na sociedade em que vive. As pessoas falam para serem “ouvidas”, às vezes para serem respeitadas e também para exercer uma influência no ambiente em que realizam os atos linguísticos. O poder da palavra é o poder de mobilizar a autoridade acumulada pelo falante e concentrá-la num ato linguístico (Bourdieu, 1977). Os casos mais evidentes são também os mais extremos: discurso político, sermão na igreja, aula, atc. As produções linguísticas deste tipo, e também de outros tipos, adquirem valor se realizadas no contexto social e cultural apropriado. As regras que governam a produção apropriada dos atos de linguagem levam em conta as relações sociais entre o falante e o ouvinte. Todo ser humano tem que agir verbalmente de acordo com tais regras, isto é, tem que “saber”: a) quando pode falar e quando não pode, b) que tipo de conteúdos referenciais lhes são consentidos, c) que tipo de variedade linguística é oportuno que seja usada. Tudo isto em relação ao contexto linguístico e extralinguístico em que o ato verbal é produzido. A presença de tais regras é relevante não só para o falante, mas também para o ouvinte, que, com base em tais regras, pode ter alguma expectativa em relação à produção linguística do falante. Esta capacidade de previsão é devida ao fato de que nem todos os integrantes de uma sociedade tem acesso a todas as variedades. Somente uma parte dos integrantes das sociedades complexas, por exemplo, tem acesso a uma variedade “culta” ou “padrão”, considerada geralmente “a língua”, e associada tipicamente a conteúdos de prestígio.
(...) criança das classes favorecidas, afirmam os partidários da teoria da deficiência cultural e do déficit linguístico, vive num ambiente rico em estimulações verbais: é incentivada a perguntar e a responder, é ouvida com atenção, os adultos leem para ela e as situações de interação verbal são numerosas e estimuladoras da reflexão, da abstração, do pensamento lógico. Como consequência, a criança desenvolve-se linguística e cognitivamente, e não enfrenta dificuldades de aprendizagem quando ingressa na escola. (SOARES, 1989, p. 21)
A língua padrão é um sistema comunicativo ao alcance de uma parte reduzida dos integrantes de uma comunidade; é um sistema associado a um patrimônio cultural apresentado como um “corpus” definido de valores, fixados na tradição escrita.
Uma variedade linguística “vale” o que “valem” na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais. Esta afirmação é válida, evidentemente, em termos “internos”, quando confrontamos variedades de uma mesma língua.
A associação entre uma determinada variedade linguística e a escrita é o resultado histórico indireto de oposições entre grupos sociais que eram e são “usuários” (não necessariamente falantes nativos) das diferentes variedades. Com a emergência política e econômica de grupos de uma determinada região, a variedade por eles usada chega mais ou menos rapidamente a ser associada de modo estável com a escrita. Associar uma variedade linguística a comunicação escrita implica iniciar um processo de reflexão sobre tal variedade e um processo de “elaboração” da mesma. Escrever nunca foi e nunca vai ser a mesma coisa que falar: é uma operação que influi necessariamente nas formas escolhidas e nos conteúdos referenciais.
Os cidadãos, apesar de declarados iguais perante a lei, são, na realidade, discriminados já na base do mesmo código em que a lei é redigida. A maioria dos cidadãos não tem acesso ao código, ou, às vezes, tem uma possibilidade reduzida de acesso, constituída pela escola e pela “norma pedagógica” ali ensinada. Apesar de fazer parte da experiência de cada um, o fato de as pessoas serem discriminadas pela maneira como falam, fenômeno que se pode verificar no mundo todo, no caso do Brasil não é difícil encontrar afirmações de que aqui não existem diferenças dialetais. Relacionado com este fato está o da distinção que se verifica no interior das relações de poder entra a norma reconhecida e a capacidade efetiva de produção linguística considerada pelo falante a mais próxima da norma. Parece que alguns níveis sociais, especialmente dentro da chamada pequena burguesia, têm tendência à hipercorreção no esforço de alcançar a norma reconhecida. Talvez não seja por acaso que, em geral, o fator da pronúncia é considerado sempre como uma marca de proveniência regional, e às vezes social, sendo esta a área da população linguística mais dificilmente “apagada” pela instrução.
A separação entre variedade “culta” ou “padrão” e as outras é tão profunda devido à vários motivos: a variedade culta é associada à escrita, como já foi dito, e é associada à tradição gramatical; é inventariada nos dicionários e é a portadora legitima de uma tradição cultural e de uma identidade nacional.
Assim como a escrita representa em boa medida um fenômeno de difusão cultural, em boa medida também a existência de variedades linguísticas escritas é resultado da difusão de algumas modalidades (ou macromodalidades) expressivas.
É difícil pensar qualquer caso de processo de formação de uma língua padrão hoje observável que não seja também um caso de contato direto ou indireto de línguas e de culturas. Pode ser um caso de contato linguístico muito delimitado em termos de classes sociais, no sentido de que somente alguns membros de uma elite política ou cultural de uma determinada comunidade linguística estão em contato com os membros de outra comunidade, na qual já existe uma variedade linguística escrita.
Nos poucos casos em que nos é dado seguir em detalhe o processo de formação de uma variedade linguística destinada a preencher as funções de língua padrão, já existe não somente algum tipo de modela externo de variedade “culta” escrita e padronizada, que os responsáveis pelo processo de transcrição para uma variedade escrita conhecem, mas também, o que talvez seja ainda mais importante, já existe a própria ideia de língua escrita e padronizada.
Todas as pequenas mudanças linguísticas que vão definindo a variedade padrão da língua fazem parte de um rumo algo previsível: o modelo ideal e talvez inconfessado é o das línguas escritas, como uma tradição não somente de variedade escrita, mas mais especificamente de uma variedade própria para conteúdos expositivos e “científicos”.
6. LINGUAGEM E ESCOLA
SOARES (1989) aborda as relações entre linguagem e escola, tendo como principal foco de interesse a contribuição dessa análise para a compreensão do problema da educação das camadas populares no Brasil. Segundo a autora, a própria escola rejeita as camadas populares através de contradições. Uma primeira explicação:
A ideologia do dom, segundo a qual as causas do sucesso ou do fracasso na escola devem ser buscadas nas características dos indivíduos: a escola oferece “igualdade de oportunidades”; o bom aproveitamento dessas oportunidades dependerá do dom
– aptidão, inteligência, talento – de cada um. Nessa ideologia, o fracasso do aluno explica-se por sua incapacidade de adaptar-se, de ajustar-se ao que lhe é oferecido. Por que o fracasso escolar está maciçamente concentrado nos alunos provenientes das camadas populares, socioeconomicamente desfavorecidas? Serão esses alunos menos aptos, menos inteligentes que os alunos provenientes das camadas dominantes, socioeconomicamente favorecidas? A busca de resposta para essas questões levou ao surgimento de uma outra ideologia: a ideologia da deficiência cultural.
A ideologia da deficiência cultural prega que tal como a ideologia do dom, aqui também o ‘erro’ estaria no aluno: segundo a ideologia do dom, ele seria portador de desvantagens intelectuais (dom, aptidão, inteligência); segundo a ideologia da deficiência cultural, ele seria portador de déficits socioculturais. Segundo essa concepção, as condições de vida de que gozam as classes dominantes e, em consequência, as formas de socialização da criança no contexto dessas condições permitem o desenvolvimento desde a primeira infância, de características – hábitos, atitudes, conhecimentos, habilidades, interesses – que lhe dão a possibilidade de ter sucesso na escola. Ao contrário, as condições de vida das classes dominadas e as formas de socialização da criança no contexto dessas condições não favoreceriam o desenvolvimento dessas características e, assim, seriam responsáveis pelas dificuldades de aprendizagem dos alunos delas provenientes.
A terceira explicação: ideologia das diferenças culturais. Os termos deficiência, privação, carência remetem ao sentido de falha, ausência; as expressões deficiência cultural, privação cultural, carência cultural significam, pois, basicamente, falta ou ausência de cultura. Por isso, são cientificamente indefensáveis: não há grupo social a que possa faltar cultura, já que este termo, em seu sentido antropológico significa
precisamente a maneira pela qual um grupo social se identifica como grupo, através de comportamentos, valores, costumes, tradições, comuns e partilhados. Negar a existência de cultura em determinado grupo é negar a existência do próprio grupo.
O que se deve reconhecer é a diversidade de culturas, diferentes umas das outras, mas todas igualmente estruturadas, coerentes, complexas. Qualquer hierarquização de culturas seria cientificamente incorreta.
A escola como instituição a serviço da sociedade capitalista assume e valoriza a cultura das classes dominantes; assim o aluno proveniente das classes dominadas nela encontra padrões culturais que não são os seus e que são apresentados como “certos”, enquanto os seus próprios padrões são ou ignorados como inexistentes ou desprezados como “errados”. Nesse caso, a responsabilidade pelo fracasso escolar dos alunos provenientes das camadas populares cabe à escola, que trata de forma discriminativa a diversidade cultural, transformando diferenças em deficiências.
O que a escola comprometida com a luta contra as desigualdades pode fazer é vitalizar e direcionar adequadamente as forças progressistas nela presentes e garantir às classes populares a aquisição dos conhecimentos e habilidades que as instrumentalizem para a participação no processo de transformação social. Uma escola transformadora é, pois, uma escola consciente de seu papel político na luta contra as desigualdades sociais e econômicas, e que, por isso, assume a função de proporcionar às camadas populares, através de um ensino eficiente, os instrumentos que lhes permitam conquistar mais amplas condições de participação cultural e política e de reivindicação social.
A oralidade, a leitura e a escrita estão presentes em nosso cotidiano de forma articulada. Uma contribui para o desenvolvimento da outra. Diante disso, uma das principais tarefas da escola seria fazer com que todos os educandos tenham o conhecimento e domínio das múltiplas funções da linguagem, onde esta possui diferentes manifestações e tem por objetivo a ação da comunicação entre as pessoas. De acordo com DIAS (2001, p. 25) “nossa tarefa, como educadores, seria abordar os mais variados tipos de textos em sala de aula, analisando as semelhanças e diferenças, a estrutura textual de cada um, o vocabulário utilizado, buscando incentivar a leitura, a interpretação e a produção pelos próprios alunos dos mais variados portadores de textos existentes e utilizados em nossa sociedade”.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nos estudos realizados, concluímos que o meio social influencia o processo de aquisição da linguagem e a fala influencia sobremaneira a escrita.
Ao analisarmos as relações entre linguagem, sociedade e escrita, esta pesquisa contribuiu para a explicação do fracasso escolar na aprendizagem.
Em síntese, mostra ser inadmissível deixar de vincular o ensino da língua materna às condições sociais e econômicas de uma sociedade dividida em classes. (capítulo1)
As diferenças linguísticas refletem e expressam diferenças culturais. A comunicação pedagógica se dá segundo uma “economia” (capítulo2)
As relações entre linguagem e classe social são particularmente importantes para o ensino da língua materna, sobretudo nas escolas que servem às camadas populares. Um ensino da língua materna comprometido com a luta contra as desigualdades sociais e econômicas reconhece, no quadro dessas relações entre escola e sociedade, o direito que têm as camadas populares de apropriar-se do dialeto de prestigio, e fixa-se como objetivo levar os alunos pertencentes a essas camadas dominá-lo, não para se adaptarem às exigências de uma sociedade que divide e discrimina, mas para que adquiram um instrumento fundamental para a participação política e a luta contra as desigualdades sociais. (capítulo 3)
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. 10. ed. São Paulo: Scipione, 2001.
GNERRE, Maurizio. Linguagem, Escrita e Poder. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
DIAS, Ana Iorio. Ensino da linguagem no Currículo. Fortaleza: Brasil Tropical, 2001.
BORTONI - RICARDO, Stela Maris. Nós cheguemu na escola, e agora?: Sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
MURRIE, Zuleika de Felice; LOPES, Harry Vieira Lopes; LOUZADA, Maria Silvia Olivi. O ensino de português: do primeiro grau à universidade. 5. Ed.- São Paulo: Contexto, 2001.
BOURDIEU, P. Cultural reproduction and social reproduction Jn: KARABEL, I., HALSEY, A H. Power and ideology in education. New York: Oxford University, 1977.
Publicado por: ÁQUILA ELISIÁRIO SILVA DE PAULA
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