EDUCAÇÃO INFANTIL: A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA NA FORMAÇÃO DE LEITORES DE MUNDO
índice
- 1. RESUMO
- 2. Introdução
- 3. A EDUCAÇÃO INFANTIL ATRAVÉS DA HISTÓRIA
- 3.1 O surgimento da Educação Infantil e as transformações políticas e pedagógicas
- 3.2 A Educação Infantil no Brasil
- 3.3 A Legislação sobre Educação Infantil no Brasil
- 4. A LITERATURA INFANTIL ATRAVÉS DA HISTÓRIA
- 5. OS BENEFÍCIOS DO TRABALHO COM LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
- 5.1 A Literatura Infantil como ponte para o saber
- 5.2 As primeiras leituras
- 5.3 A escolha do material
- 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
- 7. Referências
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1. RESUMO
O objetivo deste estudo monográfico foi identificar as principais contribuições da Literatura na Educação Infantil para o desenvolvimento ético, estético e intelectual do ser humano; conhecimentos e formação, que em tese, se estendem além dos muros da escola. O uso da literatura nas instituições de ensino é constantemente criticado, visto que historicamente, o texto literário tem sido utilizado numa vertente estritamente pedagógica, excluindo-se a percepção sobre o uso estético da linguagem, e os recursos de expressão, deixando, assim, de ser um livro para divertir, tornando-se um texto para ser sinteticamente estudado. Para o desenvolvimento do referido estudo, utilizou-se o método de pesquisa bibliográfica com o objetivo de apresentar um breve histórico da Educação Infantil, e as vantagens obtidas com o trabalho com Literatura nesse segmento, reiterando sua importância na promoção do conhecimento de si e do mundo, possibilitando situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia das crianças.
Palavras-chave: Literatura, Educação Infantil, Desenvolvimento
2. Introdução
Para a realização dessa investigação, centramo-nos na noção de a escola ser o local por excelência de formação do indivíduo leitor, visto que ela ocupa o espaço privilegiado de acesso à leitura. O trabalho com os textos desde as séries iniciais, que observamos em nossas escolas, salvo raras exceções, se concretiza em estudos fragmentados de textos, o que pode gerar ideias deturpadas do sentido original da obra completa. O fim geralmente é o uso do texto para assimilação de conteúdos de gramática e ortografia, ou outros conteúdos, meramente instrucionais, excluindo-se a percepção sobre o uso estético da linguagem, e os recursos de expressão. Sobre isso, Zilberman, (1998, p.30), afirma que o texto sugerido nos livros didáticos, vem sempre acompanhado de exercícios de análise,
Os objetivos de leitura e estudo de um texto literário são específicos a este tipo de texto, devem privilegiar aqueles conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias à formação de um bom leitor de literatura: a análise do gênero do texto, dos recursos de expressão e de recriação da realidade, das figuras autonarrador, personagem, ponto-de-vista, a interpretação de analogias, comparações, metáforas, identificação de recursos estilísticos, poéticos, enfim, o estudo daquilo que é literário. (ZILBERMAN, 1998, p.43).
A prática da leitura, assim, vai perdendo o seu encanto, e o encontro entre as crianças e os livros, que deveria ser uma relação de amor e cumplicidade, torna-se o avesso. A leitura passa a ser considerada algo enfadonho – e de fato passa a sê-lo – na medida em que essa tarefa vislumbra o encontro de respostas solicitadas pelo educador. Os livros passam a ser apenas um meio, e não meio-e-fim.
O conceito de leitura reduzida pode estar intimamente ligado a esse tipo de trabalho com os textos escolares, sob um viés meramente pedagógico. Todo e qualquer texto possui duas ou mais dimensões, seja ele um artigo de jornal, uma música, uma poesia. Sentidos objetivos, subjetivos, poéticos; há interesses e desinteresses na transmissão de uma informação através do texto. Decifrar os mais variados sentidos que ele contém é uma leitura ampliada, o aluno dessa forma, aprende a se situar criticamente na sociedade.
A criança, primeiramente, escuta a história lida pelo adulto, depois percebe o livro como um objeto que ela pode tocar, ver e tentar compreender as imagens, ampliando gradativamente sua compreensão até se tornar um leitor autônomo. Nesse ínterim, ela se une aos personagens da história e consegue viver os enredos e sentir-se no ambiente em que os eventos narrados acontecem, ao mesmo tempo em que percebem que as histórias infantis acontecem no mundo do faz de conta e começam a manifestar seu senso crítico, despertando, nesse caminho, para uma aprendizagem mais lúdica e prazerosa.
Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto – em cuja percepção rio experimentava e, quanto mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber-se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão eu ia apreendendo no meu trato com eles nas minhas relações com meus irmãos mais velhos e com meus pais […] A decifração da palavra fluía naturalmente da “leitura” do mundo particular. Não era algo que se estivesse dando superpostamente a ele. Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz. (FREIRE, 1989, p. 9 e 11)
Desse modo, as instituições de educação pré-escolar podem se valer do repertório de histórias que as crianças ouvem em casa e a contação de histórias, o que, por sua vez, constitui grande fonte de informação sobre as várias formas culturais de lidar com as emoções e questões sociais, contribuindo para a formação do pré-leitor
A leitura de histórias é um momento em que a criança pode conhecer a forma de viver, pensar e agir e o universo de valores, costumes e comportamentos de outras culturas situadas em outros tempos e lugares que não são seus. (BRASIL, 1998, p. 143).
Segundo Coelho (2000), o conceito de pré-leitor se divide em duas fases: primeira infância (dos 15/17 meses aos 3 anos) e segunda infância (a partir dos 2/3 anos). Esse período é caracterizado pela conquista da linguagem, em que “o mundo natural e o mundo cultural (o da linguagem nomeadora) começam a se relacionar na percepção que a criança começa a ter do espaço global em que vive”.
Diante das considerações acima, o presente trabalho verificou até que ponto os adultos envolvidos no processo de educação de crianças com menos de 6 anos percebem a importância da Literatura não apenas na construção de conhecimentos, mas para o desenvolvimento ético, estético e intelectual do ser humano.
Conforme Corsino (2010), tanto o conceito de infância quanto o de literatura infantil sofreram (e sofrem) alterações ao longo da história. A visibilidade da criança é ainda contraditória; ora ela é vista pela ótica da falta, do vir a ser, ora por suas competências e possibilidades. A imagem da criança enquanto sujeito ativo no mundo sócio-histórico-cultural, que interage no meio se formando e transformando, ainda não está totalmente disseminada. Estas ambiguidades e contradições se expressam nas produções culturais para as crianças que nem sempre conseguem se libertar do cunho moralizante originário e também nas formas como estas produções chegam às crianças, pelas mediações dos adultos.
Assim, considera-se importante uma breve incursão sobre os aspectos históricos da Educação Infantil, tema que será abordado no primeiro capítulo, delineando a evolução do atendimento às crianças até seis anos de idade, que segue do simples “cuidar” para o “educar”. O segundo capítulo enfatiza a Literatura Infantil, mostrando os respectivos avanços e contribuições dos autores mais importantes do século XVII até os dias contemporâneos. No terceiro capítulo, apresentam-se os caminhos da pesquisa e os sujeitos observados, assim também, é proposto ao leitor reflexões sobre o uso adequado do texto como um instrumento potencializador na formação de leitores de mundo na Educação Infantil.
CAPÍTULO 1
3. A EDUCAÇÃO INFANTIL ATRAVÉS DA HISTÓRIA
Este capítulo tem por objetivo fazer um estudo sobre a Educação Infantil descrevendo as mudanças das políticas nessa etapa de educação, apresentando seu advento no Brasil e sua legislação, a fim de verificar o espaço que a formação ética, estética e intelectual do ser humano passou a ocupar nas instituições educacionais brasileiras.
3.1. O surgimento da Educação Infantil e as transformações políticas e pedagógicas
Durante muitos séculos, o cuidado e a educação da criança eram tarefas familiares, principalmente das mulheres. A criança era considerada um adulto em miniatura e logo que superava a fase de dependência de necessidades físicas passava a participar das atividades cotidianas dos adultos e era integrada a esse meio social como um adulto. (Oliveira, 2002)
A educação infantil, bem como a infância, teve sua descoberta somente nos séculos XVI, XVII e XVIII, quando então se reconheceria que as crianças precisavam de tratamento especial antes que pudessem integrar o mundo dos adultos. Na Idade Média não havia clareza em relação ao período que caracterizava a infância, muitos se baseavam pela questão física e determinava a infância como o período que vai do nascimento dos dentes até os sete anos de idade
A primeira idade é a infância que planta os dentes, e essa idade começa quando a criança nasce e dura até os sete anos, e nessa idade aquilo que nasce é chamado de enfant (criança), que quer dizer não-falante, pois nessa idade a pessoa não pode falar bem nem tomar perfeitamente as palavras, pois ainda não tem seus dentes bem ordenados nem firmes… (Ariès, 1978 : 6)
A institucionalização da infância, fruto da modernidade, em meados do século XVIII, se configurou por uma separação das crianças com relação à rotina dos adultos e teve na escola, um espaço educativo reservado a receber as crianças, num modelo disciplinador, comportamental e normatizador, que atendesse às expectativas da sociedade da época.
De acordo com Campos (1980, p. 37), no início da década de 1920, alguns industriais “beneméritos” (grifos no original), criaram creches junto as indústrias, para os filhos de seus operários. Já em 1925, foi feita uma regulamentação das escolas maternais, que eram semi-internatos funcionando junto as indústrias. Em 1943, com a legislação trabalhista, a creche aparece como uma exigência às empresas que tivessem mais de 30 empregados mulheres. Entretanto, essa primeira investida na área das creches se perdeu e elas ficaram relegadas àquelas instituições filantrópicas que procuravam atender às crianças abandonadas ou filhos de empregadas domésticas, numa escala muito pequena, entrando o Estado apenas com parte das verbas. O reconhecimento da Educação Infantil como parte integrante da Educação Básica só ocorreu em 1988, quando pela primeira vez, passa a ser regulamentada na Constituição Federal, e mais tarde, com as reformas curriculares.
Assim, podemos perceber que a creche foi, historicamente, uma instituição destinada a abrigar e cuidar de crianças cujas famílias não possuíam estrutura para fazê-lo. Conforme Kramer (1995) as crianças das diferentes classes sociais eram submetidas a contextos de desenvolvimento diferentes, já que, enquanto as crianças das classes menos favorecidas eram atendidas com propostas de trabalho que partiam de uma ideia de carência e deficiência, as crianças das classes sociais mais abastadas recebiam uma educação que privilegiava a criatividade e a sociabilidade infantil. Na prática, tínhamos dois tipos de instituição atendendo a crianças da mesma faixa etária: a creche, que atendia à criança carente, onde o assistencialismo predominava e a pré-escola, que atendia à classe média, prevalecendo o caráter pedagógico no atendimento. Atualmente, como discutido por Silva e Bolsanello (2002):
O trabalho com crianças de zero a seis anos pressupõe o cuidado e a educação como intrínsecos à relação cotidiana. De um lado, as crianças necessitam dos cuidados essenciais ligados às questões de alimentação, vestuário, saúde, pelos quais todos os seres humanos são subjugados. De outro, necessitam também da interferência imediata, em especial do adulto, para a realização destes cuidados e outras tarefas do dia a dia. Fica evidenciado que as atividades ligadas estritamente ao ato do cuidado são de extrema importância e que este ato não pode pretender-se desvinculado do processo de desenvolvimento, embora esta desvinculação tenha prevalecido (e ainda prevaleça) na concepção de atendimento às crianças em muitas creches e escolas de educação infantil, por décadas.
Se antes as escolas responsáveis pela fase inicial do aprendizado da criança adquiriam caráter de assistência social, hoje é consenso que essas instituições são, sim, um assunto do âmbito da Educação. Mais do que isso: especialistas, educadores e pesquisadores reconhecem a importância do desenvolvimento integral nos primeiros anos de vida e encaram a vivência escolar como parte essencial desse processo.
3.2. A Educação Infantil no Brasil
As primeiras instituições brasileiras de atendimento às crianças de zero a seis anos surgiram ainda no Império com intuito de amparar as que eram abandonadas nas ruas das cidades, como os orfanatos, os asilos para pobres e a Santa Casa de Misericórdia, com sua roda dos expostos. Mas foi o desenvolvimento da medicina e da microbiologia – e a viabilização da amamentação artificial – que possibilitou amparar essas crianças sem os alarmantes índices de doenças e de mortalidade da época.
Um dos pioneiros nessa experiência no exterior foi o médico Friedrich Froebel – discípulo de Pestalozzi e idealizador dos Jardins de Infância. Froebel (1782-1852) propôs a criação de jardins de infância, onde as crianças – pequenas sementes que adubadas e expostas a condições favoráveis em seu meio ambiente, desabrochariam em um clima de amor, simpatia e encorajamento – estariam livres para aprender sobre as mesmas e sobre o mundo. Essa ideia chega ao Brasil na década de 1870, com divulgação no jornal do médico Carlos Costa, e é aplicada na sala de jardim de infância aberta ao lado de uma igreja protestante americana instalada em São Paulo. A iniciativa inspirou duas outras: uma no colégio Menezes Vieira (Rio de Janeiro/1875) e no Caetano de Campos (São Paulo/1896), que adaptou a pedagogia de Froebel para a realidade brasileira. Em 1924, já eram 47 as instituições entre creches e jardins de infância pelo Brasil, principalmente nas capitais.
A partir daí, muitas creches são instaladas para atender aos filhos dos operários, sempre ligadas à Assistência Social, embora houvesse, em muitos casos, profissionais da área pedagógica orientando seu funcionamento. Por volta da década de 1970, com o aumento do número de fábricas, iniciaram-se os movimentos de mulheres e os de luta por creche, resultando na necessidade de criar um lugar para os filhos da massa operária. A partir de 1980 a sociedade passa a discutir a possibilidade de inclusão das pré-escolas na Educação Básica, intenção concretizada na Constituição de 1988. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, ratifica essa decisão, enfatizando que a Educação é um direito da criança e que deve, portanto, ser universal.
3.3. A Legislação sobre Educação Infantil no Brasil
Em 1988, a Educação Infantil passa a ser reconhecida como parte integrante da Educação Básica, quando pela primeira vez, passa a ser regulamentada na Constituição Federal, em que se faz referência, inclusive, a direitos específicos das crianças, que não sejam aqueles circunscritos ao âmbito do Direito da Família
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). (BRASIL, 1988)
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei federal 8069/90), entre os direitos estava o de atendimento em creches e pré-escolas para as crianças até os 6 anos de idade.
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (BRASIL,1990)
Posteriormente, entramos em um período de debate em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que se estendeu até meados da década de 90. Nesse interim, sem a aprovação da LDB, o Ministério da Educação, em conjunto com outros segmentos, define uma política nacional para educação infantil, criando uma Comissão Nacional de Educação Infantil (CNEI), com o fim de formular e implementar políticas na área. Em 1994, aconteceu a Conferência Nacional de Educação para Todos, e um dos eventos preparatórios à conferência foi o I Simpósio Nacional de Educação Infantil, que aprovou a Política Nacional de Educação Infantil, com o apoio da Comissão Nacional de Educação Infantil (CNEI).
Assim, a partir da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 (ECA, Lei Federal 8069/90) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996 (Lei 9394/96), a Educação Infantil foi colocada como primeira etapa da Educação Básica no Brasil, abrangendo as crianças de 0 a 6 anos, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental. Nesse período, a avaliação far-se-á mediante acompanhamento a registro do seu desenvolvimento. Nesse momento acontece a também a Municipalização, e a Educação Infantil, recentemente incluída como primeira etapa da Educação Básica no Brasil, passa a ser responsabilidade dos Municípios, com certo vínculo financeiro com o Estado.
Art. 211. .........................................................................................................................................................................................................................................................
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996). (BRASIL, 1988)
Essa inclusão significou um grande avanço, pois possibilitou a desvinculação de seu aspecto estritamente assistencialista, garantindo-lhe além disso, um caráter pedagógico, percebendo-se um considerável avanço, no tocante à técnicas, metodologias e abordagens – inclusive com escopo na legislação – ultrapassando os limites do simples “cuidar”. Contudo, conforme análise de Vieira (2007), ainda na década de 60, o ensino de literatura, por exemplo, se pautava pela ênfase historiográfica e pelas abordagens de características estilísticas ensinadas privilegiando-se a ordem cronológica das obras. O foco não estava nos textos literários, estes se configuravam nas antologias escolares totalmente fragmentados. Esse tipo de abordagem do texto literário, no entanto, foi exaustivamente discutido no âmbito das reformulações curriculares, ocorridas cerca de duas décadas depois, nos anos 80, considerando a importância da Literatura ao longo da história.
CAPÍTULO 2
4. A LITERATURA INFANTIL ATRAVÉS DA HISTÓRIA
Este capítulo aborda o histórico da literatura infantil desde o século XVII até os dias contemporâneos, destacando-se importantes escritores que trouxeram contribuições relevantes em suas obras, como um novo modelo de literatura para o publico infantil e apontando a literatura como facilitadora no processo de formação de leitores de mundo.
4.1. Breve histórico da Literatura Infantil
A Literatura Infantil tem seu início no século XVII, com o surgimento dos Contos de Fadas (“Conte de Fee”, em francês), pelo escritor francês Charles Perrault, edições de narrativas folclóricas contadas pelos camponeses, governantas e serventes para que elas se adequassem à audiência da corte do rei Luiz XIV (1638– 1715). (FARIAS, 2012) quando o publica diversos textos sobre os contos de fada, uma variação do conto popular ou fábula, transmitida oralmente, que surgiu para transmitir conhecimento e valores culturais de geração para geração, onde o herói ou heroína tem de enfrentar grandes obstáculos antes de vencer o mal. Perrault retratava a sociedade da sua época em suas histórias, influenciado pelo folclore, considerado o principal elemento da Literatura Infantil daquele tempo. O autor, se tornou, assim, o responsável em estabelecer embasamento para um novo modelo literário, além de ter sido o primeiro a dar aperfeiçoamento a esse tipo de Literatura. Destacam-se em sua obra, Chapeuzinho Vermelho, a Bela Adormecida, o Gato de Botas, Cinderela, e o Pequeno Polegar.
O caráter pedagógico das histórias infantis pode ser observado já em sua origem, nos trabalhos do também francês François Fénelon, contemporâneo de Perrault. Fénelon, escolhido para o honroso cargo de preceptor do jovem duque de Borgonha, herdeiro presuntivo da coroa, dedicou-se a trabalhar no sentido de corrigir o comportamento do príncipe por meio de fábulas, que ele próprio ia escrevendo. Antes disso, a pedido da duquesa de Beauviller, escreveu De L'éducation des filles ("Da educação das meninas"), primeira obra significativa em sua carreira de escritor e educador. O livro usado para orientar a duquesa na educação de suas filhas, alcançou grande sucesso, tornando-se obra de referência para as famílias da época, bem como texto de consulta para os estudiosos da pedagogia.
Os textos de Fénelon transmitiam apenas valores de caráter educacional, por isso, foram adaptados a fim de atender à educação dos pequenos leitores. A percepção lúdica da leitura considerada tão importante para o desenvolvimento da criança não se fazia presente nessas obras, e a literatura direcionada para o público infantil e adulto era exatamente a mesma. Esses dois universos diferentes, porém considerados tão iguais não eram distinguidos pela faixa etária ou por etapas de maturação psicológica. De acordo com Zilberman (1987, p. 13) esta mudança ocorreu devido “a emergência de uma nova noção de família, centrada não mais em amplas relações de parentesco, mas num núcleo unicelular, estimulando assim, o afeto entre seus membros”.
Assim, a mudança desse paradigma resultou em alterações significativas no relacionamento criança-adulto, proporcionando bons resultados para o seu desenvolvimento emocional e afetivo. Nessa época, percebeu-se que a criança da classe popular não tinha acesso à escrita e a leitura propriamente dita, enquanto a criança pertencente às altas classes aproveitava os grandes clássicos da literatura daquele momento.
Seguindo o caminho da Literatura Infantil, surge no século XIX, Hans Cristian Andersen, autor dinamarquês conhecido por demonstrar a ideia de que todos os homens deveriam ter direitos iguais, evidenciando em seus textos padrões de comportamento que deveriam ser adotados pela nova sociedade que se organizava, e apontando, inclusive, confrontos entre “poderosos” e “desprotegidos”, “fortes” e “fracos”, “exploradores” e “explorados”.
Entre 1835 e 1842, Andersen lançou seis volumes de contos infantis, traduzidos para diversos idiomas. Ele continuou escrevendo seus contos infantis até 1872, chegando à marca de 156 histórias. No começo, escrevia contos baseados na tradição popular, especialmente no que ele ouvia durante a infância, mas depois desenvolveu histórias no mundo das fadas ou que traziam elementos da natureza.. Entre suas obras, destacam-se “O Patinho Feio”, “O Soldadinho de Chumbo”, “A Pequena Sereia”, “A Roupa Nova do Rei”, “A Pequena Vendedora de Fósforos”, e “A Rainha da Neve”.
Nesse mesmo século, Luis Jacob e Guilherme Carlos Grimm trazem um novo estilo para a literatura, sob o signo do romantismo. Surgiu assim, uma literatura capaz de encantar o publico infantil de todo o mundo através de lendas e do folclore, utilizando a singeleza e personagens populares, como alfaiates, camponeses, entre outros, com a frequente presença de personagens mágicas. Esses autores se dedicaram à criação de várias fábulas infantis, e em 1812, editam a coleção de contos de fada, entre eles “A Gata Borralheira”, “Branca de Neve”, e “João e Maria”, que se transforma de certo modo, em sinônimo de literatura para crianças. Como afirma Carvalho (1982):
E são os irmãos Grimm que, animados pelo espírito romântico, vão buscar as suas estórias, “vivas”, na pureza e na simplicidade das fontes folclóricas, e revalorizar os contos maravilhosos, com a mesma dimensão que alcançaram no século XVII. (CARVALHO, 1982, p. 104).
Diante dessas considerações, acompanhamos o raciocínio de Coelho (2000, p. 27) entendendo que a literatura infantil “como toda linguagem”, expressa uma determinada experiência humana, e dificilmente poderá ser definida com exatidão”. Portanto, cada período incluiu e produziu literatura ao seu jeito, alguns enfatizando mais o caráter pedagógico, outros o lúdico. Contudo, não se pode ignorar a relevância e contribuição de um e outro para a Educação Infantil ao longo dos tempos, levando as crianças de ontem e de hoje, a manifestar seu senso crítico, despertando, nesse caminho, para uma aprendizagem mais lúdica e prazerosa.
4.2. Literatura Infantil no Brasil
O aparecimento da literatura infantil no Brasil foi iniciado pelo aceleramento da urbanização que ocorreu entre o fim do século XIX e o começo do século XX. Segundo Lajolo e Zilberman (2004, p. 28), depois desse momento, passa a existir um grande contingente de consumidores de bens culturais e o conhecimento passa a ser importante para o novo modelo social. Com isso, começava a se firmar no Brasil o desenvolvimento das traduções e adaptações de obras literárias para o público infantil e juvenil, e surge então, à compreensão da necessidade de uma literatura nacional própria para a criança brasileira que precisava se instruir, um público ávido por consumir os produtos culturais dos novos tempos.
Inicialmente, essa literatura foi utilizada no campo escolar com o objetivo de ensinar conteúdos da língua portuguesa, ou seja, como um recurso especificamente didático, a qual, infelizmente, o acesso foi mais facilitado a população que possuía maior renda social. Sandroni (1998) salienta:
Até os fins do século XIX, a literatura voltada para crianças e jovens era importada e vendida no mercado disponível apenas para a elite brasileira, constituindo-se principalmente de traduções feitas em Portugal, pois, no Brasil ainda não havia editoras e os autores brasileiros tinham seus textos impressos na Europa. (SANDRONI, 1998, p. 11).
Nessa época de valorização do saber, aparecem as primeiras manifestações de reforma pedagógica e literária que visava à formação de um novo modelo de geração brasileira. Dessa maneira, Monteiro Lobato foi, sem dúvida, um divisor de águas na literatura infantil brasileira, se destacando com a publicação de sua grande obra, como aponta Sandroni (1998):
Com a publicação de A menina do narizinho arrebitado, em 1921, José Bento Monteiro Lobato inaugura o que se convencionou chamar de fase literária da produção brasileira destinada especialmente às crianças e jovens. (SANDRONI, 1998, p. 13).
De acordo com a autora, A menina do nariz arrebitado se tornou um marco na Literatura Infantil nacional, devido ao fato de Lobato utilizar em suas narrativas a realidade comum e familiar da criança nas histórias dos livros, além de ter rompido o vínculo com o padrão culto, introduzindo a oralidade tanto na fala das personagens como no discurso do narrador, com uma linguagem mais próxima a das crianças, o que possibilitou mais emoção durante a leitura e a escuta dessas histórias.
Monteiro Lobato incorporou temas do folclore em suas obras, influenciando diversos autores, sobretudo a partir da década de 1970, que produziram um novo modelo de literatura infantil, levantando temas e problemas da sociedade brasileira, utilizando, contudo, uma linguagem inovadora e poética, com enfoque ao humor, o imaginário, possibilitando assim, que a criança leitora se tornasse mais reflexiva e participativa. Lobato acreditava na capacidade dos pequenos leitores em adquirir consciência critica baseada na simplicidade das palavras que eram compreendidas com facilidade pelas crianças.
Segundo Bordini, (1998), a revalorização da cultura popular foi retomada na década de 1970 e a partir desse acontecimento surgiram grandes autores que procuravam introduzir em suas obras valores conduzidos por Monteiro Lobato para o melhoramento da Literatura Infantil.
Com o avanço da escolarização nos anos 1980, os textos passaram a apresentar conflitos e questionamentos entre a criança e o mundo, e as ilustrações adquiriram um lugar de destaque no material, tanto quanto à escrita. O universo infantil teve, assim, uma representação atrativa e convidativa, motivando o senso crítico dos pequenos leitores. Os livros para crianças, por essa época, tiveram uma valorização crescente, e uma série de cuidados com o conteúdo, e também com os aspectos materiais e ilustrativos, tiveram de ser tomados durante sua elaboração, detalhes importantes que tiveram como objetivo facilitar o manuseio e o entendimento das crianças.
Verifica-se, portanto, a mudança ao longo dos tempos do entendimento do que é literatura infantil, havendo uma ressignificação do objeto, tornando-a um veículo de várias linguagens que possibilita à criança leitora a busca e o encontro de novas descobertas.
O livro infantil torna-se, assim, um recurso importantíssimo para o desenvolvimento de capacidades e habilidades de ordem cognitiva e socioafetiva, como a coordenação motora, a criatividade, a percepção visual, e noções de cores e de espaço, além de garantir o acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, todos estes consistindo nos principais objetivos para a Educação Infantil.
Concepções de infância, literatura e as mediações de leitura são as três pontas da trança que tecem o trabalho de literatura junto às crianças, não só na escola, mas nas diferentes esferas por onde circulam. (CORSINO, 2010, p. 187).
CAPÍTULO 3
5. OS BENEFÍCIOS DO TRABALHO COM LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Este capítulo tem por objetivo fazer um breve relato sobre os benefícios do trabalho com literatura na Educação Infantil, lançando luz a experiências bem-sucedidas, enfatizando as interações e brincadeiras como ponto norteador do currículo da Educação Infantil.
5.1. A Literatura Infantil como ponte para o saber
Os textos literários provocam reflexões de natureza cognitiva e afetiva, permitindo ao leitor a entrada em um mundo desconhecido, porém, instigante, que desenvolve o imaginário, e desperta a curiosidade. Considerando, dessa forma, a leitura como uma forma de se perceber o mundo e a realidade que o cerca., a literatura possibilita a formação de cidadãos capazes de entender a realidade social, atuar sobre ela e transformá-la.
Segundo Coelho (2000)
Desde as origens, a literatura aparece ligada a essa função essencial: atuar sobre as mentes, nas quais se decidem as vontades ou as ações; e sobre os espíritos, nos quais se expandem as emoções, paixões, desejos, sentimentos de toda ordem […]. No encontro com a literatura (ou com a arte em geral) os homens têm a oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer sua própria experiência de vida, em um grau de intensidade não igualada por nenhuma outra atividade (COELHO, 2000, p. 29)
Entendemos, assim como enfatiza Oswald (1997), que um projeto educativo que se articule em torno de uma proposta ético-política de educar com a literatura, significa convidar a escola, em se libertando de sua predileção por desenraizar a literatura do seio da cultura, inserindo-a numa abordagem educacional colonizadora, abrindo espaços para que a leitura possa ser reescrita como prática da liberdade.
Os leitores constroem significados sobre o que ouvem ou leem usando seus conhecimentos prévios, criando imagens que estão ligadas às suas próprias experiências e interações humanas, e construindo significados na medida em que interagem com outras crianças e adultos, comentando as histórias. Contudo, se a forma de trabalhar o texto literário no contexto escolar deve sofrer mudanças, a seleção desse material, de igual maneira, também deve se atualizar, não se pautando na concepção tradicional da prática leitora, centradas na visão do professor, mas variando de acordo com a perspectiva social e cultural e de formação do sujeito. Para que o convívio do leitor com a literatura resulte afetivo, nessa aventura espiritual que é a leitura, muitos são os fatores em jogo. Entre os mais importantes está a necessária adequação dos textos às diversas etapas do desenvolvimento infantil. (COELHO, 2000, p.32).
O trabalho com o texto literário, na Educação Infantil, inclusive, não deve ter o ensejo de alfabetizar as crianças, tendo em vista que, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, as práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem garantir experiências que possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos. Ainda de acordo com o documento
A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças. (BRASIL, 2010, p. 18).
A Literatura, na Educação Infantil, é capaz de promover o conhecimento de si e do mundo, incentivando a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, objetivos elencados como eixos do currículo nas práticas pedagógicas da Educação Infantil.
Consideramos, como Nunes (1990), que a literatura, mais do que introduzir as crianças no mundo da escrita, ao tratar a linguagem enquanto arte, traz as dimensões ética e estética da língua, exercendo um importante papel na formação do sujeito. Assim, o contato da criança com a literatura é essencial para a sua formação como leitor de mundo e, além disso, quanto mais cedo as histórias orais e escritas forem inseridas em seu cotidiano, maiores serão as chances do desenvolvimento do prazer pela leitura. O ideal, com base no percebido, é que o professor seja o mediador, familiarizando o aluno com o texto literário e sendo uma ponte entre o texto e o leitor que ainda não adquiriu autonomia
Ler enriquece a todos até certo ponto, mas, como diz o escritor catalão Emili Teixidor, para certas obras o leitor não apenas precisa de ajuda, mas um certo ‘valor moral’, uma disposição de ânimo de ‘querer saber’. Nem todo mundo, nem sempre, o deseja. É útil pensar a educação literária como uma aprendizagem de percursos e itinerários de tipo e valor muito variáveis. A tarefa da escola é mostrar as portas de acesso. A decisão de atravessá-las e em que medida depende de cada indivíduo. (COLOMER, 2007, p. 68).
Os livros devem fazer, assim, parte da realidade da criança, precisa ser um objeto tão comum quanto uma peça de roupa, para que o ato de ler – imagens e posteriormente o código escrito – seja um ato tão comum quanto vestir-se. Para isso, pode ser de grande valia trabalhar com um cantinho apropriado para a leitura na pré-escola, ampliando seu contato com a literatura infantil nos primeiros anos de vida.
5.2. As primeiras leituras
De acordo com Vygotsky (2000, p.110), “aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança”. O processo de desenvolvimento progride por meio do aprendizado e o autor explica esse processo pelo conceito de zona de desenvolvimento proximal, que é definido como a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, quais sejam, a solução independente de problemas, e a solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes, respectivamente.
No caso dos livros infantis, a criança primeiro ouve a história contada pelo adulto, relacionando o enredo com as imagens. Após essa etapa, a criança já se sente capaz de recontar a história, guiando-se pelas ilustrações e imitando a fala do adulto, prosseguindo seu desenvolvimento até se apropriar, naturalmente, da linguagem escrita, em um exemplo perfeito da zona de desenvolvimento proximal, definido por Vygotsky. O que a criança é capaz de realizar hoje somente com ajuda, amanhã realizará sozinha“, ou seja, a zona de desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã”. (VYGOTSKY, 2000, p.113). Neste sentido, a iniciação da leitura infantil, poderá se dar de forma prazerosa e significativa em um ambiente com ações planejadas de acordo com as fases leitoras, num caminho que proporcione à criança desenvolver a imaginação, emoções e sentimentos. A leitura de texto para a criança pré-leitora não se trata de uma leitura convencional, tendo em vista que a criança de 1 a 2 anos não se prende a uma história, interessando-lhe o movimento, o tom da voz e o colorido das páginas, sendo mais adequado, nessa fase, a leitura frase a frase, de modo solto, curto, promovendo um diálogo entre a criança e o livro. Como esclarece Martins (1990):
A leitura se realiza a partir do diálogo do leitor com o objeto lido, seja escrito sonoro, seja um gesto, uma imagem, um acontecimento. Esse diálogo é referenciado por um tempo e um espaço, uma situação: desenvolvido de acordo com os desafios e as respostas que o objeto apresenta, em função do prazer das descobertas e do reconhecimento de vivências do leitor. (MARTINS, 1990, pg. 33)
Em tempo, o pré-leitor faz parte da categoria inicial que envolve a fase da primeira infância, que vai dos quinze meses aos dois anos, e a segunda infância, quando a criança está completando os três anos. Na primeira fase, a criança inicia o conhecimento da realidade que a rodeia, estimulada pelos contatos afetivos, momento em que conquista a própria linguagem e nomeia o que está à sua volta. Já na segunda infância, começa a predominar os valores vitais, e sensoriais. É um período egocêntrico e de interesses por jogos e brincadeiras, com um crescente impulso de adaptação ao meio físico e novas formas de comunicação verbal.
Assim, pais e educadores devem servir de estimuladores da criança, apresentando-a diversas possibilidades de conversação e expressões, contribuindo assim, para aquisição da linguagem oral, instrumentalizando-a para, em sequência, ingressar no mundo dos livros, da leitura e da linguagem escrita.
Na educação infantil, o texto literário tem uma função transformadora, pela possibilidade de as crianças viverem a alteridade, experimentarem sentimentos, caminharem em mundos distintos no tempo e no espaço em que vivem, imaginarem, interagirem com uma linguagem que muitas vezes sai do lugar-comum, que lhes permite conhecer novos arranjos e ordenações. (CORSINO, 2010, pg. 184)
5.3. A escolha do material
Em seu primeiro contato com a literatura infantil, a criança revela um prazer singular pela leitura de imagens, manuseio fácil, possibilidades emotivas que o livro pode conter e a escuta de histórias, no qual o encontro da relação descoberta/desconhecido se torna ponto de partida para a capacidade de comunicação com o mundo, conforme cita Abramovich (1991)
Ler histórias para crianças é também suscitar o imaginário e ter a curiosidade respondida em relação a tantas perguntas, é encontrar outras idéias para solucionar questões (como as personagens fizeram…). É uma possibilidade de descobrir o mundo imenso dos conflitos, dos impasses, das soluções que todos vivemos [……]. (ABRAMOVICH, 1991, p. 22).
Levando em consideração esses aspectos, o livro infantil com o apoio de imagens torna-se o elemento principal do processo de aproximação com o gênero literário, sob a forma de experiências, brincadeiras, e interações. Segundo Coelho (2000, p. 161), livros que contam histórias através da linguagem visual, sem o suporte de textos narrativos ou com o apoio de pequenas falas escritas, são chamados de livros de imagens. Esses livros são ideais para o começo dos trabalhos com a criança pré-leitora, sendo bem vindos, ainda, os livros de pano, borracha, com texturas diferentes, com gravuras coloridas e atrativas, tendo em vista que a criança nessa fase motiva-se, também, pelo tato.
Esses modelos de livros sem palavras apresentam muitas estratégias que possibilitam para as crianças o reconhecimento dos seres, das coisas e dos acontecimentos de seu cotidiano, relacionando as histórias com o arcabouço cultural do qual já se apropriaram. Segundo Abramovich (1991)
Há prazer de folhear um livro, colorido ou branco e preto [...] livros feitos para crianças pequenas, mas que podem encantar aos de qualquer idade, são, sobretudo, experiências de olhar, de um olhar múltiplo, pois se vê com o olhar do autor e do olhador/leitor, ambos enxergando o mundo e os personagens de modo diferente, conforme percebem o mundo. Saborear e detectar tanta coisa que nos cerca usando este instrumento nosso tão primeiro, tão denotador de tudo, a visão. (ABRAMOVICH, 1991, p. 33).
A autora enfatiza a importância de manipular um livro com perspectivas de lançar um olhar novo, voltado para os significados e representações imagéticas traduzidas no livro. A criança, assim, a atribui significações ao texto e às imagens, segundo o sentido dado pelo autor, estabelecendo diálogo com sua própria vivência.
De acordo com Corsino (2010) uma biblioteca ou sala de leitura em creches e pré-escolas pode ter livros de vários gêneros – dos informativos aos literários. Cabem também gibis, revistas, filmes, desenhos animados, músicas e cantigas, brinquedos, cenas e personagens de histórias, pedaços de panos para se transformarem em roupas, adereços (chapéus, coroas, sapatos, colares, entre outros). Ainda segundo a autora, no espaço da biblioteca, a linguagem escrita pode desempenhar diversas funções, tal como ocorre no nosso cotidiano, suscitando diferentes leituras, como a leitura informativa, para buscar mais conhecimentos sobre um determinado assunto; a leitura injuntiva, para seguir uma orientação para a realização de alguma ação; e a leitura literária, para fruição e prazer, para estimular a imaginação e reflexão, entre outras, e sendo assim, cabe ao professor organizar situações em que as crianças tenham a oportunidade de ler para consultar, pesquisar, se divertir, ampliar suas experiências, imaginar etc.
Dessa forma, os volumes deverão estar expostos de forma atraente e acessível às crianças, evitando caixas fechadas e livros empilhados de forma desordenada. O material precisa ser arrumado de maneira que possa ser visto, manipulado, consultado e apreciado. O educador, deve assim, estimular as leituras coletivas, a organização de cenas, brincadeiras e dramatizações das histórias, interações diversas entre o texto verbal e visual dos livros e as diferentes linguagens.
No que diz respeito à aprendizagem da leitura, Coelho (2000), orienta que no período dessa descoberta, o adulto responsável pela educação do pequeno leitor deve utilizar textos breves, combinados com grande quantidade de imagens e com poucas páginas, cujos temas fundamentais a serem abordados devem ser simples, fáceis de decifrar, e que, de um livro para o outro, serão esclarecidas as dificuldades de compreensão e entendimento da leitura para essa fase do pré-leitor. Esses livros devem especialmente retratar de coisas e objetos vivenciados no dia-a-dia da criança, como comer, dormir, brincar, vida familiar, higiene, lazer, entre outros, o que possibilitará o meio de acesso á realidade das experiências existenciais da criança.
Dessa forma, observam-se pontos importantes que tratam do valor psicológico, pedagógico, estético e emocional do livro-imagem, responsáveis em estimular à atenção visual e o desenvolvimento da capacidade de percepção da criança. Partindo desse princípio, infere-se, que essa estratégia facilita a comunicação entre a criança e a narrativa, pois estimulam à atenção visual do iniciante da leitura, além de ativar a sua potencialidade criadora e enriquecer a sua imaginação.
Como complementa o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), “ter acesso à boa literatura é dispor de uma informação cultural que alimenta a imaginação e desperta o prazer pela leitura”. (BRASIL, 1998, p. 143).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciar este trabalho, tive algumas inquietações que dizem respeito ao uso da Literatura Infantil para estimular a formação da criança em sua experiência inicial com a leitura, ou seja, a criança pré-leitora. Busquei embasamento nas referências bibliográficas para investigar possibilidades sobre as formas de trabalhar com essa temática e acompanhar em práticas de leitura as formas de contribuição e os significados para estimular o desenvolvimento ético, estético e intelectual das referidas crianças.
A literatura é um meio de encontrar a si mesmo e encontrar o mundo. Quando lemos um livro, não reconhecemos os personagens em cada história: transportamos a nós mesmos para ela, a história para nossas vidas, somos o herói e o vilão. Ali estão nossa coragem, nossos amores, nossos rancores, e nossas paixões.
O mundo fica muito maior pelas lentes de um livro. Tão grandioso e tão incrivelmente pequeno. Aventuras inacreditáveis podem ser vividas pelo mais simples dos mortais. Meninos tornam-se homens, e homens tornam-se meninos. E quem escreve tem o prazer magnífico de ser por alguns momentos senhor do destino. As desventuras, vitórias e derrotas ficam por sua conta. Alguém à beira da morte pode ser salvo como num passe de mágica.
Pela literatura aprendemos a decidir nosso próprio futuro, aprendemos a nos posicionar de forma critica e reflexiva diante da sociedade. O leitor é herói e vilão, é homem e menino.
A construção de um espaço de leitura dentro das salas de aula possibilita aproximar o pré-leitor da literatura infantil como fonte de prazer, permitindo o desenvolvimento do imaginário das crianças através da leitura de imagens, das possibilidades e descobertas oferecidas pelo objeto livro como suporte lúdico, atrativo e criativo. As crianças manipulam e o livro, percebendo as ilustrações, as suas diferentes formas, o colorido das páginas e tateando as diferentes texturas oferecidas pelas obras. As crianças, portanto, descobriram detalhes que em um primeiro momento não eram observados, mas que tornaram-se essenciais para que realizassem novas descobertas, assimilando às anteriores que eram desconhecidas.
Diversas propostas de atividades podem ser desenvolvidas em sala de aula, contribuindo de forma significativa para o desenvolvimento da oralidade na criança nos momentos em que as mesmas realizam a leitura das imagens. A contação de histórias na Educação Infantil é uma atividade fundamental para a formação dos pré-leitores; com esse procedimento, pode ser aprimorado a escuta, o desenvolvimento cognitivo e imaginário das crianças, além de promover um nível de interação maior com o grupo.
O presente estudo teve como objetivo identificar as principais contribuições da Literatura na Educação Infantil para o desenvolvimento ético, estético e intelectual do ser humano; conhecimentos e formação, que em tese, se estendem além dos muros da escola, considerando as diversas possibilidades de leituras a partir da leitura de imagens e das percepções simbólicas da criança em contato com o objeto-livro adequado à faixa etária da criança matriculada na Educação Infantil.
O primeiro capítulo fez um estudo sobre a Educação Infantil descrevendo as mudanças das políticas nessa etapa de educação, apresentando seu advento no Brasil e sua legislação, a fim de verificar o espaço que a formação ética, estética e intelectual do ser humano passou a ocupar nas instituições educacionais brasileiras.
O segundo abordou o histórico da literatura infantil desde o século XVII até os dias contemporâneos, destacando-se importantes escritores que trouxeram contribuições relevantes em suas obras, como um novo modelo de literatura para o publico infantil e apontando a literatura como facilitadora no processo de formação de leitores de mundo.
Por último, o terceiro capítulo relatou os benefícios do trabalho com literatura na Educação Infantil, lançando luz a experiências bem-sucedidas, enfatizando as interações e brincadeiras como ponto norteador do currículo da Educação Infantil.
Assim, o contato da criança com a literatura é considerado essencial para a sua formação como futuro leitor e quanto mais cedo as histórias orais e escritas forem inseridas em seu cotidiano, maiores serão as chances do desenvolvimento do prazer pela leitura. Cabe às instituições de Educação Infantil promover projetos para estimular à leitura e organizar espaços educativos com a finalidade de criar condições para que as crianças pequenas compreendam desde cedo à importância do habito de ler.
Portanto, compreender, conhecer e reconhecer características particulares do pré-leitor é necessário para que de forma prazerosa, o educador ofereça um ambiente que instigue, enriqueça e amplie suas possibilidades de entender, de ver as coisas e de ler o mundo, esses procedimentos são considerados grandes desafios da Educação Infantil e dos profissionais de educação para uma possível formação de crianças leitoras e adultos críticos e reflexivos.
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Publicado por: George dos Santos Pacheco
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