AFRICANIDADES: Um Olhar Pedagógico para o Ensino da Cultura Africana na Sala de Aula

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1. RESUMO

O presente trabalho monográfico tem como tema estudo teórico sobre o ensino da cultura africana na sala de aula. Como a cultura africana é uma das culturas mais influentes na formação do povo brasileiro e, através da Lei 10.639/03, tornou-se obrigatório o seu ensino nas salas de aula, é necessário um aprofundamento sobre o assunto para que o ensino aprendizagem ocorra de forma satisfatória. No entanto, a falta de conhecimento e noção para sua aplicação didática tem atrapalhado o alcance dos objetivos propostos pela lei, como tem estagnado a progressão do ensino da cultura africana no âmbito educacional. A metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica, a qual enriqueceu este trabalho com informações importantes para a sua conclusão, abordando assuntos diversificados, os quais compõem a história da África e a cultura africana em si. Sendo ainda um desafio para os docentes trabalharem com a cultura africana na sala de aula, devido a resistência dos pais e alunos e, por muitas vezes, pela falta de conhecimentos necessários para uma ensino de qualidade, a difusão da cultura precisa ser amparada por uma didática objetiva e impulsionadora de mudanças.

Palavras – Chave: Africanidades. História da África. Cultura Africana. Lei 10.639/03.

SANTOS, Ana Paula Borges dos Reis Queiroz Santos. Africanidades: Um olhar pedagógico para o ensino da cultura africana em sala na aula. 2016. 41 folhas. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós Graduação em Africanidades e Cultura Afro Brasileira) – Centro de Ciências Empresariais e Sociais Aplicadas, Universidade Norte do Paraná, Londrina, 2015.

ABSTRACT

This monograph is themed theoretical study on the teaching of African culture in the classroom. As African culture is one of the most influential cultures in the formation of the Brazilian people and, through Law 10.639 / 03, became mandatory their teaching in the classroom, a deepening on the subject is necessary for the teaching and learning takes place in satisfactorily. However, the lack of knowledge and feel for its didactic application has hindered the achievement of the objectives proposed by the law, as has stalled the progression of African culture teaching in the educational field. The methodology used was literature, which enriched this work with important information for completion by addressing diverse issues, which make up the history of Africa and African culture itself. Being still a challenge for teachers to work with African culture in the classroom due to parental resistance and students and, often, lack of knowledge necessary for a quality education, the dissemination of culture must be supported by a objective didactic and driving changes.

Words – Key: Africanity. African History. African culture. Law 10.639/03.

2. INTRODUÇÃO

2.1. Tema

Estudo teórico sobre o ensino da cultura africana na sala de aula.

2.2. Justificativa

A história da África e a cultura africana, mesmo sendo uma das que compõem a cultura brasileira, sempre ocupou uma posição sucinta ou quase imperceptível na área educacional. A sua influência, apesar de ampla, nunca possuiu o valor devido ou foi atribuída a importância correta.

Com a promulgação de leis que obrigam o ensino da História da África e da cultura africana na sala de aula, a educação brasileira ganhou um novo olhar e uma nova perspectiva. Contudo, dois fatores preponderantes ainda atrapalham o andamento satisfatório deste ensino: as resistências provenientes de preconceitos e a falta de formação específica dos docentes.

O ensino da cultura africana é complexo e exige muita desenvoltura dos docentes para ultrapassarem as barreiras da resistência dos pais e alunos, do racismo e em como lidar com ele no âmbito educacional, dos estigmas e em como desenvolver trabalhos gradativos que mudem a visão, a percepção e a ação dos seus alunos perante as temáticas que envolvam tal cultura.

Justifica-se, portanto, a necessidade do aprofundamento do estudo que trata da história da África e da cultura africana e de sua difusão em sala de aula, abrangendo ações pedagógicas que viabilizem a realização de um trabalho eficiente e que proporcione aos discentes uma aprendizagem qualitativa.

2.3. Problema

Como as ações pedagógicas podem contribuir para o ensino da cultura africana na sala de aula?

2.4. Hipótese

Ao trabalhar a cultura africana como parte formadora da sociedade brasileira, o docente iguala a importância de tal cultura às demais, quebrando a exaltação feita à cultura europeia durante séculos.

2.5. Objetivos

2.5.1. Objetivo Geral

Promover, através de um olhar pedagógico, ações que viabilizem o ensino da cultura africana no âmbito educacional.

2.5.2. Objetivos Específicos

  • Abordar a forma como a cultura africana foi difundida nas escolas ao longo dos anos.

  • Elaborar ações pedagógicas que direcionem o ensino da cultura africana na sala de aula.

2.6. Metodologia

Este trabalho foi realizado com embasamento total em pesquisas bibliográficas. De acordo Azevedo (2001, p.105), “[...] a pesquisa científica é um processo que consiste em interpretar fatos segundo um referencial teórico. O resultado é, entre outras facetas, o acúmulo e a predição, o que contribui para a ampliação dos horizontes do próprio referencial teórico, num fluxo de retroalimentação constante”. A pesquisa científica amplia a possibilidade de aprofundamento em um determinado assunto. A pesquisa bibliográfica é o relato das pesquisas científicas reproduzidas em bibliografias. Sendo que, tais bibliografias são bases para pesquisas e desta forma, as problemáticas impulsionadoras das mesmas, são enriquecidas com novos conhecimentos.

Conforme Barros; Lehfeld (2000, p.70), “a pesquisa bibliográfica tanto pode colaborar com a formação acadêmica do aluno, quanto com a produção inédita de trabalhos de reanálise, críticas e interpretação de diversas áreas de conhecimento”. Através da pesquisa bibliográfica há uma amplitude do conhecimento, o que possibilita ao pesquisador, contestar informações anteriores, analisá-las, aprimorá-las ou até mesmo formar um novo conceito, partindo da afirmativa inicial.

Segundo Cervo; Bervian (2002, p.66), “a pesquisa bibliográfica é meio de formação por excelência e constitui o procedimento básico para os estudos monográficos, pelos quais se busca o domínio do estado da arte sobre determinado tema”. A pesquisa bibliográfica ainda se constitui um dos instrumentos mais confiáveis para a produção do trabalho científico, pois, antes de ser editado, passa por análise criteriosa, o que atribui ao mesmo, uma credibilidade acentuada, se comparado aos demais métodos de pesquisa científica.

2.7. Organização da Pesquisa

Este trabalho monográfico está constituído em quatro capítulos. O primeiro capítulo desta monografia trata da parte introdutória, abordando o tema, a justificativa, o problema, a hipótese, o objetivo geral, os objetivos específicos e a metodologia utilizada para a construção deste trabalho.

O segundo capítulo possui um subtítulo e aborda, de forma sucinta, a difusão da cultura africana nas escolas por décadas e a forma com que esta foi negligenciada no âmbito educacional. Neste capítulo também são evidenciados acontecimentos históricos e personagens que ficaram ocultos nos livros didáticos do ensino básico, como também, foram desmistificados personagens e atos aos quais, erroneamente, foram atribuídos honras e perfis positivos, camuflando assim, a realidade omitida da história.

O terceiro capítulo possui um subtítulo e trata de situações e práticas educacionais as quais viabilizam o ensino da história da África e dos africanos, da cultura africana e afro brasileira em sala de aula. Neste capítulo também constam algumas situações que exigem um olhar pedagógico diferenciado para o seu trato, fazendo com que o professor ocupe papéis diversificados dentro da instituição escolar.

O quarto capítulo trata da conclusão deste trabalho monográfico e suas considerações finais. Neste capítulo consta o desfecho da problemática proposta inicialmente e as sugestões pertinentes à solução desta.

3. ABORDAGEM HISTÓRICA DA DIFUSÃO DA CULTURA AFRICANA NAS ESCOLAS AO LONGO DOS TEMPOS

3.1. O continente africano e sua invisibilidade no cenário educacional

Durante décadas o ensino da África e dos africanos foi fragmentado, o que empobreceu o conhecimento pleno deste continente. Citado na disciplina de geografia, os estudos abordavam a extensão territorial deste continente, a população, os conflitos políticos, ressaltando o alto índice de pobreza e doenças como ebola, AIDS e cólera. Na disciplina de história, o Egito ganhou destaque, como também, o deserto do Saara. Contudo, esses locais não eram claramente associados como que pertencentes ao continente africano.

Uma parte significativa dos estudantes do Ensino Fundamental das décadas de 80 e 90 tinha uma noção de que a “África” era um país e de que países como Egito e Marrocos, eram pertencentes ao continente europeu. Da mesma forma, o contato inicial que se tinha da África era através da abordagem sobre os negros escravizados, os quais nos referíamos erroneamente como “escravos”, tendo assim uma visão de que a África surgiu a partir de então e que essas pessoas eram animais que evoluíram a partir do contato que tiveram com os europeus e os demais povos colonizadores. Criando assim um conceito de povos sem cultura, sem história, sem conhecimento.

O continente africano é um dos mais antigos da história da humanidade. No entanto, há uma ingratidão acentuada por parte da história ao tratar deste continente, destes povos e da infinita riqueza cultural contida e advinda deste lugar. Segundo Silva (2011):

Na variante mais divulgada do mito, diz-se que o Olodumaré ou Olorum, o deus supremo, lançou, do céu até as águas ou pântanos que lhe ficavam abaixo, uma corrente, pela qual fez descer Odudua, com um pouco de terra num saco ou numa concha de caracol, uma galinha e um dendezeiro. Odudua derramou sobre a água a terra, e nesta colocou a palmeira e a ave. A galinha começou imediatamente a ciscar o solo e a espalhá-lo, aumentando cada vez mais a extensão da terra. Daí o nome que tomou o lugar onde isto se deu: Ifé, o que é vasto, o que se alarga. [...] Ilê Ifé era habitada possivelmente desde o século VI, a data mais antiga fornecida até agora pelo método de radiocarbono a materiais recolhidos de escavações na cidade. (SILVA, 2011, p. 479, 480 e 481).

Há provas científicas da antiguidade do local, assim como atividades de agricultura de subsistência, existência de pequenas aldeias e provavelmente fundição de ferro. Ou seja, Ifé é uma localidade na qual já viveram pequenas comunidades, as quais desenvolviam atividades para sobrevivência. Já havia uma história muito antes de diversos países surgirem. Por exemplo: o Brasil. O que não impossibilitou que muitos países subjugassem os africanos, impondo o seu domínio e a sua cultura.

[...] Por volta do século I, os grupos de aldeias neste território começaram a se reunir em microestados, dando início à lenta evolução política. Povos de língua de trono nígero – congolês original tentaram se instalar, por sua vez, na parte oeste da África equatorial [...] Seguindo os cursos d’água, os pioneiros avançaram rapidamente e, por volta do ano 1000, já tinham penetrado em toda a região. Muitos deles somaram a atividade agrícola à posse de alguns bois. (PRIORE; VENÂNCIO, 2004, p. 5)

Uma parte dos povos africanos, desde a antiguidade, já exerciam atividades de agricultura, pecuária, adubagem e irrigação. Já desenvolviam as negociações com outros povos. Essa diversidade de atividades ocorreu muito antes do desenvolvimento de inúmeros países europeus, sendo inclusive, contemporânea a era cristã.

A África, berço da humanidade, foi o local de surgimento de várias atividades importantes, como a fundição do ferro e a agricultura.

[...] Os botânicos afirmam que muitos dos grãos alimentícios africanos evoluíram a partir de plantas locais, o que contradiz a ideia antiga de historiadores de uma difusão da agricultura a partir de um único lugar, o crescente fértil do Oriente Médio. Ou seja, a agricultura nasceu na África [...] O cultivo de vegetais surgiu quando as populações descobriram que tubérculos, como o inhame, poderiam se renovar caso fossem cultivados. A palmeira de dendê, de onde se extrai o óleo, era cultivada tanto nas zonas de florestas como nas savanas [...] A história da produção do peixe seco ocupa grande espaço na história de muitas das sociedades africanas, processo iniciado há mais de 10 mil anos [...] Há cerca de 6 mil anos, a região da África Central passou por um processo de domesticação de animais que incluíam cabras, ovelhas, porcos, galinhas e, nas zonas mais propícias com pasto adequado, o gado selvagem se transforma em rebanhos domesticados. Por meio dos traçados das pinturas rupestres e dos ossos pré – históricos, é possível reconstruir essa trajetória. (PANTOJA, 2011, p. 21 E 22).

É estarrecedora a forma que o continente africano ficou invisível aos olhos dos educadores de décadas anteriores. É inadmissível que os estudantes não tivessem acesso a essa gama de informações, sobre um continente que difundiu conhecimentos importantes à sobrevivência das sociedades atuais. A omissão da contribuição africana para as demais sociedades é gravemente injusta. Foi deixado de atribuir, a quem seria de direito, os méritos pela criação de métodos que são utilizados para a expansão de diversos ramos de atividade, os quais beneficiam a humanidade até os dias atuais. A agropecuária sempre foi uma atividade de suma importância para o desenvolvimento da economia, principalmente a brasileira. Outra atividade comercial importante é peixe seco que, até hoje, é muito comercializado nas cidades litorâneas. O que prova que, mais uma vez, o continente africano passou invisível na história, devido à nunca ter sido enfatizado que, antes mesmo da Europa ser uma grande potência, a África já descobria e difundia conhecimentos importantes e indispensáveis para a sobrevivência do homem. Até a arqueologia prova a existência de tais atividades milenares. No entanto, o foco que serve como insight para que a África seja lembrada, ainda é a escravidão.

O pontapé inicial, o surgimento do Homo Sapiens, há 160 mil anos na África. Assim como, surgiu no Egito, a primeira civilização há cinco mil anos.

Quanto à escravidão, evento mais lembrado e ligado ao continente africano, vale ressaltar que já existia, muito antes do tráfico de escravos pelos colonizadores europeus. Conforme afirma Visentini; Ribeiro; Pereira (2013):

Antes da chegada dos europeus, a maior parte dos povos africanos estava organizada em reinos independentes, mas não isolados do mundo exterior. Até o advento dos traficantes de escravos europeus, os árabes já praticavam o comércio negreiro, transportando escravos para a Arábia e para os mercados do Mediterrâneo. (VISENTINI;RIBEIRO;PEREIRA, 2013, p.40)

O homem já era subjugado à escravidão, mesmo antes do tráfico europeu. Isso ocorria por contração de dívidas, derrotas em guerras, por ter cometido delitos ou troca de familiares por alimentos. Com o comércio dos africanos com os povos árabes, o interesse dos últimos pelo ouro dos países da África, os incentivou a escravizar alguns dos seus parceiros comerciais. A prosperidade do comércio no Mediterrâneo chamou a atenção de alguns países europeus, os quais estavam por ampliarem a riqueza da coroa, o que os levou às grandes navegações marítimas, para explorar terras para colonizarem e extrair suas riquezas.

Juntamente com o processo de expansão marítima, colonização de outras terras e negociações com os países africanos, os europeus viram no tráfico de escravos, uma rentabilidade realmente significativa para eles. Levando – os assim a focar, especialmente, nesta nova atividade econômica.

A partir do século XVII, entretanto, atraídos pelo lucrativo tráfico negreiro, muitos reinos africanos, como Sego, Oio, Benin e Daomé, passaram a organizar expedições militares de captura de escravos. [...] Os principais agentes do tráfico de cativos na África eram chamados pombeiros: portugueses brancos, mulatos, negros livres ou escravos de confiança eram encarregados de levar os escravos do interior da África para a costa, a fim de serem comercializado pelos portugueses. [...] Para os cativos a viagem para a América portuguesa era o início de uma infernal epopeia, à qual poucos sobreviviam. Os navios, chamados tumbeiros (túmulos marítimos), transportavam de cem a quatrocentos cativos, acorrentados, dois a dois, nos porões, numa viagem que se estendia de trinta a sessenta dias. (KOK, 2012, p. 21 e 22).

Diversos reinos compunham o continente africano. Muitos deles eram inimigos. A possibilidade de enriquecer, juntamente com o enfraquecimento ou aniquilação das tribos rivais, impulsionaram os africanos a serem os algozes de seus conterrâneos. Devido a prática do tráfico de escravos pelos próprios africanos, Angola e Benguela prosperaram economicamente entre os anos de 1670 e 1750.

A viagem para a América portuguesa foi regada a sofrimento e dor. Muitos dos negros escravizados não chegavam ao Brasil com vida. Antes das viagens eles eram batizados com um nome cristão, pois, por serem considerados infiéis, não poderiam ingressar em um continente cristão.

Durante a viagem de travessia pelo Atlântico, inúmeros negros africanos eram acometidos por doenças, como diarreias, escorbuto, sarampo, varíola e sarna, devido as condições precárias de suas acomodações. Dentro dos navios, os africanos mais inconformados com o destino desconhecido, eram surrados em meio aos outros, para servir de exemplo aos mais rebeldes. Sendo que muitos eram surrados até a morte. Os que estavam muito debilitados, devido as doenças, eram descartados, sendo jogados ao mar para se afogarem. Muitos dos negros escravizados se suicidavam, como forma de se libertarem da escravidão. Algumas das negras que eram transportadas juntamente com seus filhos, se jogavam ao mar junto com eles, para que ambos não sofressem mais com a privação da liberdade.

Os relatos da escravidão em todo o mundo são aterrorizantes. Contudo, os relatos do período de travessia entre a África e o Brasil expõem, mesmo que superficialmente, a dor, o desespero, a falta de esperança, vividos pelos cativos, como também, a dimensão da crueldade humana. Essas são informações que não constam nos livros didáticos das últimas décadas, os quais embasaram o ensino da disciplina de história.

A importação de escravos africanos para a Bahia começou em seguida ao estabelecimento dos primeiros engenhos de açúcar. Não é possível estabelecer uma data precisa, mas é aceitável uma estimativa que localize não muito antes de 1549 nem muito depois de 1550. [...] O escravo era sempre escravo. Em quase nada diferenciava que trabalhasse nas plantações de cana-de-açúcar, fumo, algodão, com enxada e a foice, ou que trabalhasse no engenho ou no interior da casa do senhor, como doméstico, recadeiro, canoeiro, carregador, cozinheira, copeira, engomadeira. Era sempre escravo. (TAVARES, 2008, p. 54 e 55).

Um dos primeiros portos a receber os primeiros negros escravizados, foi o de Salvador. No período colonial, toda a economia estava baseada no trabalho de africano escravizado. Vindo para substituir os indígenas no engenho do açúcar, o qual representava a maior economia da agricultura da época, os cativos africanos passaram a ser uma mão de obra mais rentável. Com o tráfico de escravos a Coroa Portuguesa lucrava sobre os impostos cobrados sobre os cativos importados. Assim, ao chegarem aos portos, os africanos eram alimentados, passando pelo processo de engorda, tinham os dentes esfregados e eram besuntados com óleo, para esconder a pele escamosa e transmitir uma aparência saudável, sendo expostos nos mercados para serem comercializados.

Os negros africanos eram separados por localidade de origem, o que definia, aos olhos dos senhores, quais serviriam para determinadas atividades econômicas como, mineração, plantações de açúcar, plantação de café, pecuária e atividades domésticas. As negras africanas, em sua predominância, trabalhavam nas casas dos senhores de engenho. Desempenhavam atividades na cozinha, como copeira, dama de passeio da senhora, ama de leite, arrumadeira, entre outras. Entretanto, as atividades domésticas não as livravam da violência. Inúmeras negras eram estupradas por seus donos, os quais se impunham a elas como seus senhores, gerando filhos mestiços. Por sua vez, ao tomarem conhecimento do envolvimento de seus esposos com as escravas, a senhora da casa grande maltratava as cativas, ferindo-as de várias formas possíveis. Quando algum objeto ou utensílio da casa era danificado, as escravas eram punidas com chibatadas.

Em face ao terror e a violência que sofriam, os negros africanos não ficavam passivos a sua nova vida. Houve lutas e resistência dos africanos ao sistema escravista da época. Muitas revoltas ocorreram por todo o país. Inúmeros negros fugiam para quilombos, o que devolvia aos mesmos a esperançada liberdade.

Ninguém sabe ao certo quando começou a história do Rei Zumbi. [...] Velhos livros contam que, um dia, trinta ou quarenta escravos guinés fugidos de uma fazenda nordestina fundaram um núcleo independente em um outeiro inóspito da serra Barriga, nas Alagoas, então Capitania de Pernambuco. [...] Talvez isso tivesse acontecido por volta de 1605. [...] No Brasil daqueles tempos, mesmo na Bahia e em Minas Gerais, havia muitos quilombos, mas o QUILOMBO DOS PALMARES (o núcleo fundado pelos guinés e transformado, depois, em grande nação governada pela vontade suprema de um Rei negro) foi o maior de todos. [...] Composto de uma série de aldeias localizadas com estratégia e ligadas entre si por uma rede de caminhos ocultos na floresta, “Palmares” atravessou quase todo o século XVII e chegou a abrigar, de uma só vez, alguns milhares de negros encandeados pelos ásperos rumos de liberdade. (SANTOS, 2010, p.7)

Zumbi dos Palmares foi o líder do Quilombo dos Palmares e é, até hoje, o símbolo da resistência negra no Brasil. A região do Quilombo dos Palmares abrigava cerca de 20 mil escravos. De difícil acesso o quilombo era protegido por florestas tropicais. Lá os habitantes sobreviviam das plantações, caça e pesca. No entanto, por incomodar os brancos, o Quilombo dos Palmares passou a ser alvo do governador Souto Maior, o qual pediu auxílio ao bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, famoso pela crueldade de seus atos.

Em 20 de novembro de 1695, traído por um dos seus homens que sucumbiu às torturas, Zumbi e seus homens foram surpreendidos e mortos. Sua cabeça foi pregada em um poste de uma praça da capital pernambucana para servir de intimidação aos rebeldes. As terras do Quilombo dos Palmares foram distribuídas aos vencedores.

Em 1703, um dos negros de Palmares, Camuango, que fugiu nas primeiras investidas do bandeirante Domingos Jorge Velho, fundou um quilombo pequeno, mas que fora destruído anos depois. Alguns fugitivos de Palmares se refugiaram em quilombos na Paraíba, os quais foram destruídos em 1735.

Depois de Palmares, os quilombos de Minas Gerais eram os mais importantes, dentre os quais se destacaram o quilombo do Ambrósio e o quilombo Grande. O quilombo do Ambrósio atingiu uma população de mil negros. Destruído brutalmente pelo capitão Antônio João de Oliveira, formou-se, no mesmo local, o quilombo Grande. [...] Para exterminá-lo, foi organizada, em 1759, uma grande expedição, sob o comando do capitão Bartolomeu Bento de Prado, que, após um imenso massacre, voltou trazendo como troféu 3 mil pares de orelhas! (KOK, 2012, p.37)

Os negros não tinham sequer direito a vida. Já lhes foram tiradas a liberdade e a possibilidade de continuarem em sua terra natal e de praticarem os seus costumes, ainda eram perseguidos e massacrados. Nem mesmo após a morte seus corpos eram respeitados. Muitos eram degolados, mutilados e ainda tinham seus órgãos colecionados, como se fossem partes dos corpos de animais.

Contudo, os negros lutaram desde a suas capturas em seus países de origem, até o fim de suas vidas. Mostraram aos seus algozes que pagariam qualquer preço por sua liberdade.

[...] Vamos encontrar quilombos em São Paulo, na Bahia, no Norte e em Mato Grosso, onde, curiosamente, uma mulher chegou a governar. [...] Por vezes os quilombos tinham constituição apressada e duração efêmera, sendo destruídos por alguns capitães do mato ou mesmo por dissensões internas. Noutros casos, porém, alcançavam tamanha importância que exigiam pedidos enfáticos por parte dos senhores, ao governo, no sentido de destruir o foco subversivo. É o que ocorre quando os “moradores e mineiros” próximos a Cuiabá pedem ao governador para que mande destruir Quareterê, em 1769. (PINSKY, 2011, p. 85 e 86).

O quilombo de Quariterê era liderado pela rainha Tereza. Neste quilombo havia a produção de algodão para as vestimentas dos quilombolas e para comercialização da região, lavouras, tenda de ferro para transformar os ferros que eram utilizados contra os negros, em instrumentos para seu labor. A sua destruição foi festejada por Portugal e considerada como um ato heroico. Pois cada quilombo representava um insulto ao governo. Era a comprovação clara da fragilidade dos governantes perante os negros, os quais eram vistos como inferiores. O quilombo era uma aglomeração de negros livres numa sociedade que primava pela escravidão, tornando-se um mau exemplo para outros escravos e incentivo para novas fugas.

Quando um negro fugia, ele saía do encarceramento da terra de seus senhores e passava ao encarceramento da cidade. Porque a sua cor logo o denunciava. A força militar e os capitães do mato logo saíam a sua procura. Por sua vez, os cidadãos brancos de outras fazendas exigiam alguma comprovação de alforria. E, para a sociedade da época, negro era escravo, até que fosse provado o contrário. O quilombo representava um sonho de liberdade, dentro de uma sociedade de objetivos iguais, na qual um não era inferior ao outro, podendo viver como o ser humano que era.

Fora as fugas para os quilombos, houve inúmeras revoltas. Sendo uma das mais conhecidas, a Revolta dos Malês, na Bahia, em 1835. Planejada por um grupo de africanos convertidos ao islamismo, onde se encontravam escravos idosos e respeitados pelos conhecimentos e pela religiosidade. Os africanos se reuniam na residência de Manuel Calafate no dia 24 de janeiro de 1835. Houve uma denúncia e a polícia invadiu a residência. Os negros resistiram a polícia, partindo um grupo para invadir a cadeia instalada na parte inferior do prédio da câmara municipal. O outro grupo foi avisar o ocorrido aos escravos e libertos que trabalhavam nas residências de aristocratas no Corredor da Vitória. Os negros armaram-se de lanças, espadas e facas contra a polícia. Foram vencidos e muitos foram condenados à morte, castigos físicos e expulsão para a costa ocidental da África.

Em 1845 o parlamento inglês promulgou a Lei Bill Aberdeen, que declarou ilegal o tráfico negreiro. O Brasil ignorou a nova lei e continuou a traficar africanos cativos. Quando surgia a possibilidade de serem surpreendidos por navios fiscalizadores ingleses, a “carga” era lançada ao mar com pesos e pedras, uns presos aos outros, para morrerem afogados e assim, não serem flagrados em um comércio ilegal.

A Lei Bill Aberdeen conseguiu diminuir o tráfico de escravos ao Brasil, mas ainda não excluía a posição de escravos dos que foram traficados. Por fim, em 1850 foi promulgada a Lei Eusébio de Queiroz, a qual extinguiu o tráfico negreiro no Brasil. Assim, todos os tumbeiros que eram apreendidos com negros africanos, tinham que devolvê-los a costa africana.

Outras leis surgiram como paliativos para não cederem definitivamente a abolição da escravatura. Em 28 de setembro de 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre, que declarou livres os filhos de escravos nascidos a partir daquela data. Apesar de a lei garantir a liberdade às crianças nascidas a partir daquela data, os pais ainda permaneciam como escravos. Dessa forma as crianças permaneciam, mesmo que indiretamente, subjugadas aos senhores de seus pais.

Em 1885 foi promulgada a Lei Saraiva – Cotegipe, mais conhecida como a Lei dos Sexagenários, a qual liberta os escravos a partir de sessenta anos. O que parece um alívio para os escravos idosos, torna-se um fardo. Quase que a totalidade dos escravos com 60 anos ou mais, foram nascidos no Brasil. Sendo assim, não tinham uma terra para voltar. Os seus pais, provavelmente já haviam falecido. Os filhos, quando não separados pelas comercializações, ainda eram cativos. Ou seja, foi dada uma liberdade que eles não tinham como usufruir plenamente, pois o vigor e a saúde física foram desgastados durante os trabalhos árduos do cativeiro. Não tinham parentes para sustentá-los, não tinham mais a casa e o alimento fornecidos pelos senhores e agora estavam inseridos numa sociedade, na qual ainda era escravagista e na qual teria que abrir caminhos para conseguir sobreviver.

Em 13 de maio de 1888, pressionada pela Inglaterra e por outros países europeus, a princesa Isabel promulgou a Lei Áurea, através da qual, foi declarada a extinção da escravidão no Brasil.

O Brasil foi o último país a abolir a escravidão. O que deveria ser um dia de alegria, tornou-se uma faca de dois gumes. Os negros escravizados, agora livres, ganharam a sonhada liberdade, mas não tinham como usufruir a mesma. Agora não tinham casas, alimentos e empregos. Tiveram que voltar a trabalhar com seus antigos senhores, disputando as oportunidades de empregos com imigrantes europeus e asiáticos que chegam ao Brasil. O país não conseguiu absorver todos os negros libertos, o que ampliou em larga escala a desigualdade econômica e social no país, como também, o surgimento das populosas favelas das grandes metrópoles.

Outra questão interessante era como se dosava o saber que deveria ser distribuído pelas várias camadas da população, o que correspondia, naturalmente, á visão hierarquizada daquela sociedade e a um conceito de cidadania reduzido. Existia uma distinção fundamental entre os elementos constitutivos do povo. Os escravos não eram considerados pessoas, mas coisas. Havia uma massa de homens livres e pobres que, por não possuírem mais nada além de sua liberdade e a força do seu trabalho, era destituída de direitos como, por exemplo, o voto. (VILLELA, 2011, p. 108)

Os negros eram desprovidos de humanidade perante os olhos dos brancos. Passaram séculos ansiando pela liberdade e quando a conseguiram não puderam usufruir dos direitos de todos os cidadãos, sendo alguns deles, o acesso à educação, a escolha dos seus governantes, bem como, uma vida digna.

No início do século XX, ainda existia muita discriminação racial, mesmo com a abolição da escravatura. Os negros agarravam-se às poucas oportunidades que surgiam, as quais sempre eram voltadas para sua sobrevivência numa sociedade excludente.

Livre do cativeiro, como notara Sinimbu, o negro não temia confrontos. Ia subindo, vencendo, invadindo, galgando, pelo valor, a postos até então tidos como inacessíveis à sua capacidade e à sua cor. Deslocavam-se os preconceitos raciais ao mesmo tempo em que a sociedade cada vez mais sofria a influência da cultura negra, que se adaptava sem desaparecer [...] Rindo do negro, achando-lhe graça nos costumes, nas superstições, considerando-o um elemento passivo, distante, inferior, incapaz de transmitir qualquer coisa, o branco não sentiu que ia sendo contaminado, assimilando hábitos de que se havia rido, mas que de um momento para outro se estampavam indeléveis no seu “eu”. (VIANNA FILHO, 2008, p.166)

O Brasil foi modificando-se. A política ganhou novos rumos, a sociedade ganhou um novo perfil e outros costumes foram agregando-se a eurocentrista que formava a sociedade brasileira. Entretanto, a cultura negra, a qual foi forçada e desrespeitada pela europeia, acabou por influenciá-la. Por ser uma cultura rica, forte e com povos de coragem e força, os quais sempre lutaram por sua liberdade e pela sobrevivência dos seus costumes, a influência africana se fez tão marcante, ao ponto de influenciar a nação brasileira em uma avalanche de riquezas culturais. Antes o que era motivo de repudia, tornou-se uma das composições da cultura do povo brasileiro.

Nas primeiras décadas do século XX, as políticas educacionais e a população brasileira evoluíram substancialmente. A cultura africana foi se expandindo e tornou-se parte deste povo. Entretanto, o fato da cultura africana estar entranhada no cotidiano das pessoas, não extinguiu a discriminação racial existente desde a época escravagista.

No ano de 2008, visando reparar a falta de informações sobre a cultura africana, a qual faz parte das três culturas que formaram a população brasileira desde o seu primeiro século após a colonização, foi promulgada a Lei 10.639/2003, a qual tornou obrigatório o ensino da cultura africana nas escolas do país.

De fato, a história do passado africano é muito importante para ser relegada a uns poucos e merece ser conhecida e apreciada não só na África mas em todo o mundo. Embora o papel da África na história mundial tenha sido usualmente negligenciado [...] devemos nossa própria existência ao continente africano. (CONNAH, 2013, p. 262)

Durante décadas o ensino nas escolas brasileiras reforçou a visão eurocentrista. Ou seja, colocou a cultura europeia como a mais importante na formação da sociedade brasileira. Os conteúdos voltados ao continente africano eram muito sucintos, o que não deixava evidente a real influência que esta cultura possuía no Brasil.

A visão pouco crítica não permitia que, no campo educacional, fossem percebidas as falhas que a educação possuía e a que nutria por muito tempo. Era camuflada uma visão de igualdade perante a sociedade, a qual não existia. Portanto, foi necessária que, assim como diversas manifestações ocorreram para lutarem pelos direitos dos negros, também houvesse uma mudança significativa no campo que transforma a visão, a percepção e aprimora o senso crítico das pessoas, que é a ‘educação’.

4. UM OLHAR PEDAGÓGICO PARA O ENSINO DA CULTURA AFRICANA E AFRO BRASILEIRA

4.1. Práticas de ensino da cultura africana e afro brasileira como fator preponderante de mudanças

Para se combater o racismo e poder valorizar a cultura africana, a qual compõem a brasileira, é necessário que haja um profundo conhecimento histórico sobre o continente africano. É importante que características diversificadas das localidades e povos sejam destacadas, assim como, as similaridades percebidas no nosso dia a dia, as resistências do período escravagista sejam ressaltadas e toda distorção da educação focada no eurocentrismo seja corrigida.

[...] Diferentemente dos indígenas, que, desde o início da colonização, tiveram a atenção dos missionários empenhados na catequização e, muitas vezes, na sua proteção, os negros que para cá vieram nunca mereceram atenção especial dos padres e de quem quer que fosse. [...] Ao contrário, eles o tinham em pouca conta. [...] De qualquer modo, os jesuítas estavam entre as pessoas, como fazendeiros, advogados, médicos, que produziram a ideologia de depreciação do negro como indivíduo semi-humano e destinado ao trabalho servil. Aliás, faz parte da mentalidade do escravizador justificar os maus – tratos pela inferiorização da capacidade de compreender e de comportar-se desses seres considerados primários. (ARANHA, 2006, p.329).

Nas décadas de 70, 80 e 90, a imagem que se tinha do trabalho realizado pelos jesuítas era de bondade, docilidade, conversão à religião cristã, respeito pelo ser humano. Contudo, a história foi difundida por um único ângulo, através do qual se percebia o trabalho que foi feito com os indígenas. No entanto, a pessoa caridosa e respeitosa, cheia de instruções e boas intenções, representada no papel do catequizador jesuíta, logo é transformada, quando surge a possibilidade de observar outro ângulo, através do qual o jesuíta faz acepção do negro escravizado no direito ao estudo, não os considerando sequer humanos.

Outra imagem a ser transformada é a da princesa Isabel, a qual protagonizava, nos livros de história, a heroína que libertou os escravos. Até o início da década de 90, o ato da assinatura da Lei Áurea, ecoava como uma indignação à escravatura, por parte da família real e como um presente dado aos negros: a sua liberdade. Inúmeros estudantes foram ludibriados por esta forma de difusão da história e focavam mais no ato de benevolência real, do que na própria abolição da escravatura. Por isso mesmo é de extrema importância que a informação seja passada de forma completa e verdadeira, na qual o Brasil resistiu ao máximo em libertar os negros escravizados e que só o fez após décadas de pressão.

No auge da Didatura Militar, em 1971, organizou-se em Porto Alegre o Grupo Palmares, liderado pelo professor Oliveira Ferreira da Silveira. Naquele ano, pela primeira vez, por iniciativa do grupo, celebrou-se o 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares no longínquo 1695. O Dia da Consciência Negra, idealizado por Silveira, surgia em contraposição ao 13 de maio, dia da abolição da escravatura. (MAGNOLI, 2009, p.322)

Mesmo na década de 70, período em que a história ainda tecia a imagem da princesa Isabel como a heroína dos escravos e a Lei Áurea como a concessora da liberdade, regada de oportunidades de uma vida melhor aos escravos, existiam grupos com visões críticas a estes acontecimentos e a forma como eles foram passados à população. Era mais significativo ressaltar um marco da luta pela resistência à escravatura, do que por uma falsa liberdade. Daí surgiu o Dia da Consciência Negra, o qual passou a ser de conhecimento de todos e a ocupar uma data significativa no calendário brasileiro, há poucas décadas.

Segundo Magnoli (2009, p.158), “na declaração de 1950 da Unesco, estava escrito que o Brasil ‘sofre menos do que outras nações os efeitos’ do preconceito de raça, e, por isso, era preciso compreender as razões da ‘harmonia que existe no Brasil’”. Contudo, houve uma ‘maquiagem’ de harmonia existente entre as raças no Brasil. Como houve uma inundação de negros africanos, chegando a superar o número de habitantes do país, teríamos que conviver com um mínimo de tolerância. Pois, as cores se misturaram, assim como as crenças e todas as culturas em si. O que não quer dizer que não haja racismo. No entanto, considerando o período da década de 50, se comparado com os Estados Unidos, o Brasil seria considerado um país de harmonia entre suas raças, devido a nos Estados Unidos a segregação racial, a opressão sofrida pelos negros e os conflitos raciais em si, representarem problemas demasiadamente significativos para serem contornados.

No âmbito educacional os negros tardaram a ter sua história reconhecida. Porém, ainda que timidamente, movimentos negros conseguiram pressionar o governo para que algumas injustiças fossem amenizadas.

A LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, afirma que:

Título V

Dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino

Capítulo II

Da Educação Básica

Seção I

Art. 26º

§ 4º O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia. (BRASIL, 1996)

Mesmo estando contido como obrigatório na LDB, o ensino da cultura africana nas escolas ainda não acontecia e ainda não acontece como deveria. Há muitos entraves que impossibilitam o trabalho dos educadores, sendo um deles, a falta de preparo e conhecimento para lidar com temas voltados à cultura africana, principalmente os que esbarram na religiosidade, estereótipos de beleza física e o racismo.

Para reforçar o ensino da cultura africana nas escolas, surgiu a Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003, a qual acresce a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Art. 26-A, o qual informa que:

Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro Brasileira.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro Brasileira serão ministrados no âmbito educacional de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira. [...]

Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’”. (BRASIL, 2003)

Como parte dos docentes não possuía mais que o magistério do Nível Médio supõe-se que a maioria desconhecia os fundamentos da LDB, a qual assegurava o ensino das matrizes indígena, africana e europeia. Dando a cultura europeia o mesmo destaque que sempre teve em sala de aula. Sendo assim, a Lei 10.639/2003 surgiu para ressaltar a importância do ensino da cultura africana nas escolas tornando-a componente obrigatório no currículo escolar. Por ser lei, teve que ser cumprida. No entanto, a qualificação dos docentes ainda era insatisfatória quanto ao conhecimento da cultura africana e em como poderia ser inserida em sua didática e prática em sala de aula, principalmente ao conciliá-la com outras disciplinas.

A deficiência quanto a aplicação da Lei 10.639/2003 se dava também pelo tipo de educação eurocentrista que a maioria dos docentes tiveram, a falta de conhecimento de assuntos voltados a essa temática e a pouca quantidade de material bibliográfico que auxiliasse no ensino.

Em 10 de março de 2008 foi promulgada a Lei 11.645, a qual veio agregar a LDB de 1996:

Altera a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro – Brasileira e Indígena”. (BRASIL, 2008)

A Lei 11.645/2008 veio para complementar a obrigatoriedade do ensino da outra cultura que compõem a LDB de 1996 e que, igualmente à Cultura Africana, também não tinha o valor devido nas escolas, que é a Cultura Indígena. No entanto, por ser composto por diversos povos e outras culturas, é válido ressaltar que, a cultura africana e indígena são mais percebidas em algumas regiões do Brasil do que em outras. O significado da vivência de tais culturas, bem como, de suas características, é mais notado em alguns estados do que em outros. Por esse aspecto, entre outros, o nível de identificação com essas culturas é mais alto do que em outras localidades. Há por exemplo, a Bahia, a qual possui características fortes da cultura africana nos mais diversos âmbitos e o estado do Pará e Amazonas, nos quais a cultura indígena é mais predominante.

Nos estados do sul a percepção quanto à cultura europeia e asiática é maior que em outras regiões. Porém, não é por causa da maior ou menor escala de potencialidade das culturas, nesta ou naquela região, que uma cultura ou outra não deverão ser estudadas e valorizadas.

No PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais – Pluralidade Cultural, informa que:

Para os alunos, o tema da Pluralidade Cultural oferece oportunidades de conhecimento de suas origens como brasileiro e como participante de grupos culturais específicos. Ao valorizar as diversas culturas que estão presentes no Brasil, propicia ao aluno a compreensão de seu próprio valor, promovendo sua auto-estima como ser humano pleno de dignidade, cooperando na formação de autodefesas a expectativas indevidas que poderiam ser prejudiciais. Por meio do convívio escolar possibilita conhecimentos e vivências que cooperam para que se apure sua percepção de injustiças e manifestações de preconceito e discriminação que recaiam sobre si mesmo, ou que venha a testemunhar e para que desenvolva atitudes de repúdio a essas práticas. (BRASIL, 1997, p. 39)

O PCN de Pluralidade Cultural norteia o professor sobre os temas e os subtemas que podem e devem ser tratados em sala de aula. Em tais assuntos, constam outros, os quais aparecem através dos debates em sala de aula, possibilitando ao grupo desconstruir e reconstruir conceitos, proporcionando ao aluno a reflexão crítica que o levará a formar a sua opinião, de forma clara, sobre a diversidade cultural no qual está inserido.

O professor pode e deve iniciar o ensino da cultura africana a partir da Educação Infantil. É necessário fazer com que a criança, mesmo pequena, perceba a diversidade a sua volta. É importante que bonecos e bonecas de cores diferentes estejam presentes na caixa de brinquedos da escola, para que as crianças se identifiquem com eles.

Nas cantigas de roda, as crianças devem tocar umas nas outras, brincarem em grupos, para que, apesar de notarem a diferença das cores de suas peles e da consistência dos seus cabelos, elas possam formar um grupo homogêneo. Nesta fase as crianças estão encantadas com as ofertas de desenhos, principalmente da Disney, nos quais as princesas são loiras de olhos azuis. Bonecas como a Barbie têm destaque na preferência das pequeninas. Sendo que alguns conflitos de cores podem ocorrer devido a criança estranhar o colega com a pele diferente da sua. O docente tem que estar atento aos possíveis focos de exclusão de algum aluno por parte do grupo, principalmente se o motivo for a cor da sua pele.

É indispensável que o grupo de crianças tenha uma rotina sempre trabalhando a valorização e o estar junto ao outro. Por esse motivo as crianças estão sempre juntas nas rodinhas, nos lanches, na hora do sono e nas refeições.

Como as crianças são bastante atraídas pelo áudio visual e pelas contações de histórias, um bom livro para ser trabalhado é ‘Menina Bonita do Laço de Fita’, da autora Ana Maria Machado. O livro relata a estória de um coelhinho branco que se apaixona pela cor de uma menina negra, tentando assim, ficar pretinho a todo custo.

Era uma vez uma menina linda, linda.

Os olhos dela pareciam duas azeitonas pretas, daquelas bem brilhantes.

Os cabelos eram enroladinhos e bem negros, feito fiapos da noite.

A pele era escura e lustrosa, que nem pelo da pantera-negra quando pulava na chuva. [...] Ainda por cima, a mãe gostava de fazer trancinhas no cabelo dela e enfeitar com laço de fita colorida. Ela ficava parecendo uma princesa das Terras da África, ou uma fada do Reino do Luar. [...] O coelho achava a menina a pessoa mais linda que ele tinha visto em toda a vida. E pensava: - Ah, quando eu casar quero ter uma filhinha pretinha e linda que nem ela... (MACHADO, 2011, p. 3, 4 e 5)

O mais importante nessa estória infantil não é ressaltar a valorização da menina ‘negra’ por parte do coelho ‘branco’. A autora compara os olhos negros da garota a azeitonas, sendo uma comparação de fácil ligação para o público infantil. Como também, o cabelo enroladinho é citado e não as palavras ‘cabelo duro’, como pejorativamente são chamados os cabelos crespos. A pele é comparada a cor de uma pantera-negra, sendo este um animal de interesse e admiração das crianças. Os enfeites de cabelos são citados e a comparação da menina com uma ‘princesa das Terras da África’, o que tende a gerar a curiosidade na criança em saber sobre essas ‘Terras da África”. Seria um pontapé inicial para que outros assuntos voltados a cultura africana fossem introduzidos na aprendizagem. O momento em que o coelho deseja ter uma filha da cor daquela menina, valoriza a cor negra, atribuindo a esta o valor que realmente tem.

Assim, em um simples livro de estória infantil, a professora pode tratar de assuntos diversos, como: reconhecimento da diversidade, valorização dos aspectos físicos africanos, dentre muitos outros.

O livro de estória infantil ‘Os Mil Cabelos de Ritinha’, dos autores Paloma Monteiro e Daniel Gnattali, também é uma ótima opção para trabalhar a diversidade e a valorização da estética dos cabelos afro. Segundo Monteiro; Gnattali (2013, p.18), “a Ritinha era assim, cheia de sonhos e alegria. Cada dia um penteado, todo dia uma fantasia. Ela agora só pensava no irmãozinho que vem vindo...” É uma oportunidade de se trabalhar penteados na sala, sugerir desfiles com penteados e vestimentas africanas. Sendo umas das diversas possibilidades para serem trabalhadas na Semana da Consciência Negra.

A valorização dos penteados afros e das vestimentas, através de atividades de cunho artístico, acaba por envolver e chamar a atenção dos pais, os quais também recebem uma parcela do conhecimento da cultura africana, desde quando a maioria não teve a possibilidade de conhecer esta cultura da maneira devida.

Quando a criança tem a possibilidade de ter acesso à cultura africana na Educação Infantil, já há um espaço para que esta cultura possa ser ainda mais enraizada no seu conhecimento, quando chegar ao Nível Fundamental I.

Com um pouco mais de maturidade, os docentes podem iniciar a introdução da cultura africana através da identificação de objetos, músicas e costumes originários da África, os quais são percebidos na população brasileira dos dias atuais.

Na alfabetização o trato e construção de palavras e frases deverão se dar através da extração do vocabulário africano. Os textos propostos também deverão conter contos, receitas e poemas africanos.

Nos ciclos do Ensino Fundamental, é necessário que as histórias brasileiras sejam ensinadas na íntegra, relatando a verdade ofuscada através do ‘Descobrimento do Brasil’, da ‘Missão Jesuíta’, da ‘Lei Áurea’, ressaltando, principalmente, a luta e a resistência dos negros africanos, tendo o cuidado de não dar ênfase à inferiorização do negro até os dias atuais, pois serviria como reforço negativo. Fazendo assim com que os alunos negros se enxergassem como componentes de uma ‘cor inferior’. Erro cometido pelos docentes durante décadas, mesmo sem a noção das consequências.

A valorização de manifestações artísticas também é importante para que o aluno possa sentir, na prática, o que é vivenciar e fazer parte da cultura africana. Contudo, um dos maiores entraves tem sido a resistência de muitos pais, quando o assunto é ‘candomblé e umbanda’. Muitos pais se opõem a participação dos filhos em manifestações religiosas, mesmo que meramente representativas. Em alguns casos, os alunos que possuem outras religiões, são orientados a ignorar completamente quaisquer assuntos que tratem de religiões de matrizes africanas em sala de aula. Nesta fase é muito comum ocorrerem queixas na coordenação escolar, conflitos nas reuniões de pais e, até mesmo, conflitos em sala de aula, quando também ocorrerem os atos de preconceito e desrespeito entre os alunos, no momento em que uma parte assume pertencer às religiões de matrizes africanas.

Outro problema que ocorre é quando o Professor possui uma religião a qual condena as de matrizes africanas e simplesmente pula esta etapa do ensino, como se a religiosidade não existisse ou fosse desnecessária. Desrespeitando assim a Lei 10.639/2003.

O que todos os educadores, educandos e pais devem compreender, é que não temos que aprender sobre a cultura africana só porque há uma lei que obriga a tal ação. O que todos deveríamos ter consciência e que ‘é uma cultura’ e como tal, merece o mesmo respeito que qualquer outra. E, a ênfase dada à cultura africana é por esta compor o quadro das três mais influentes na formação brasileira.

Na Constituição Federal contêm o seguinte:

Título II

Dos Direitos e Garantias Fundamentais

Capítulo I

Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias; [...]

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política [...] (BRASIL, 1988)

O Brasil é um país laico, e como tal, não pode aderir a uma religião apenas. Mesmo tendo sido potencialmente influenciado pela religião católica, pois era a religião de Portugal na época da colonização, atualmente há um crescimento significativo de outras religiões, como as afrodescendentes, a evangélica protestante e outras de origem europeia e asiática. Como um país de diversidade cultural e religiosa, o Brasil procurou assegurar, através da Constituição Federal, que todos tivessem o direito de cultuar as religiões que desejassem e, inclusive, tivessem os locais de culto protegidos por lei. Portanto, todos são iguais perante a lei, tendo os seus direitos e deveres de forma equitativa.

No entanto, apesar da lei ser obrigatória, não seria interessante que esta fosse imposta aos pais, mediante a aversão ao ensino da cultura africana aos seus filhos. A escola tem que ter uma flexibilidade significativa do tratar desse assunto com os pais, procurando não recuar nas suas posições, mas também, não ampliando a resistência desses, quando deparados com as imposições das leis promulgadas em nosso país. Os educadores devem sempre tratar do currículo da cultura africana como o ‘estudo de uma das culturas que formaram a nossa’.

Uma parcela dos pais e alunos resistem ao assunto ‘religiosidade’. Por esse motivo, é importante que o professor desenvolva estratégias para chegar ao ponto que deseja. A desmistificação de alguns atos e palavras são mais interessantes de serem trabalhados e podem gerar maior interesse no seu público alvo. Um exemplo rico é trabalhar a palavra ‘macumba’. Tanto pode ser utilizada na disciplina de Língua Portuguesa, quanto pode dar ao professor a possibilidade de explicar que ‘macumba’ é um instrumento musical e não um feitiço, como é disseminado por muitas pessoas.

Um problema que é impulsionador de novos conflitos é quando os gestores escolares, os quais são de religiões de matrizes africanas, querem transformar suas escolas em terreiros de candomblé, obrigando os seus alunos a participarem de cultos religiosos realizados dentro da instituição escolar, sob a penalidade de perderem pontos ou mesmo serem reprovados. É um erro gravíssimo. Seria um ato de imposição da religião e intolerância religiosa com os alunos que possuem outras religiões. Por esse motivo, não há a necessidade de repetição dos mesmos erros cometidos por aqueles que tentaram sufocar a religião afrodescendente em nosso país. O trabalho dos docentes devem se dar de maneira prazerosa e o mesmo efeito os alunos devem sentir ao se depararem com o ensino dessa cultura complexa. O ensino deve ter sempre como base o respeito a diversidade.

A cultura africana é rica em contos e mitos, o que dá margem para trabalhos variados. A influência da cultura na culinária, artesanato, músicas, danças e vocabulário pode ser trabalhada por muitos anos, devido a sua riqueza e complexidade. O aluno precisa sentir-se parte dessa cultura. Precisa identificar-se com ela e identificá-la em tudo a seu redor.

O Nível Fundamental I é uma base para o Nível Fundamental II e o Nível Médio, e, como tal, deve ser ricamente trabalhado para que a progressão do conhecimento nos níveis seguintes ocorra com eficácia.

As disciplinas, matérias ou currículos, como são chamados a Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências e Artes, devem sempre conter pontos de ligação com a História da África e sua cultura, como também, o tema transversal ‘ética’, deve ser incansavelmente trabalhado, juntamente com o tema ‘Pluralidade Cultural’.

O período do Nível Fundamental I abrange a faixa etária que vai da infância ao início da adolescência. Sendo esta uma fase de crucial importância, devido a necessidade de quebra de estigmas e preconceitos, formação de caráter, adequação comportamental, importância do trabalho em equipe, respeito ao outro e valorização de si mesmo. Os alunos desse período tendem a sofrer o ‘bullying’ por diversos motivos. Porém, muitos são acometidos por apelidos pejorativos relacionados a sua cor, aspectos físicos como lábios grossos, cabelos crespos e narizes achatados, o que gera muitas agressões físicas entre os alunos, lesões emocionais e psicológicas graves nos vitimados e baixa auto estima. Os professores devem reprimir esses atos de forma enérgica e realizar trabalhos voltados a ética de maneira constante, até conseguir mudar o quadro.

O trabalho junto às famílias também é necessário, pois muitas atitudes cometidas pelos alunos contra seus colegas negros são originadas e reforçadas dentro de seus lares. Nesse aspecto é importante que a Lei 9.459 de 13 de maio de 1997 sirva para reprimir esses atos degradantes e depreciativos, e incentive a reflexão de atitudes preconceituosas.

Art.1º Os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

Art. 2º O art. 140 do Código Penal fica acrescido do seguinte parágrafo:

Art. 140 [...] §3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem:

Pena: reclusão de um a três anos e multa”. (BRASIL, 1997)

É válido ressaltar a todos os alunos que, não somente o preconceito racial é perverso, como também, é crime. E que todos os que descumprem a lei são passíveis de punição. Ressaltando também que, discriminar as pessoas por suas religiões, procedência nacional e etnia, também são crimes. No entanto, o trabalho deve ser direcionado para um ângulo diferenciado. Os alunos devem compreender que não é só pelo fato de haver a possibilidade de punição legal que a discriminação racial deve ser reprimida. Mas sim por ser um ato desumano, desonroso, imoral, injusto, que pode levar à consequências graves e irreversíveis na vida dos que cometem e dos que são vitimados por ele.

Para que a cultura africana possa ser aprofundada quanto a seu conhecimento, faz-se necessário quebrar a visão deturpada, a resistência e a falta de respeito pela mesma, proveniente de alguns alunos, pais e educadores. A visão do negro não deverá ser de um coitado e fraco, passivo, inferior, o qual aceitou a escravidão e que não lutou por sua liberdade e que, atualmente, precisa de uma lei para protegê-los. Mas sim, de um povo que foi injustiçado, violentado, tendo suas crenças e culturas desrespeitadas e oprimidas, como se não tivessem uma história, só porque eram diferentes, quando comparados a sociedade europeia, a qual era a dominante daquela época. E, da mesma forma que toda a sociedade brasileira contribuiu para injustiçar os negros, somente por não aceitar a cor da sua pele, atrasando assim o seu desenvolvimento político, econômico e social, privando-os dos direitos e deveres de cidadãos, hoje existe sim, a necessidade de haver leis que protejam os direitos dessas pessoas, visando amenizar os efeitos decorrentes de anos e anos de exploração e retardo educacional e profissional.

No Nível Fundamental II a faixa etária dos alunos corresponde a adolescência. Neste período o professor deve explorar mais a energia deles e aplicar o estudo da cultura africana de forma mais dinâmica. As propostas educacionais podem abranger gincanas, feiras culturais, apresentações em grupos concernentes a músicas africanas ou afro brasileiras, representações teatrais de lendas e mitos africanos, apresentação de fantoches, entre uma ampla gama de possibilidades. Tudo que envolve ação agrada a esse público.

Na fase da adolescência, os alunos tendem a valorizar tudo o que os aproxime de outros grupos. É uma fase de buscar a sua identidade. Quando não consegue se inserir em um grupo, o aluno nessa fase pode tornar-se mais arredio e desinteressado nos estudos. Principalmente se o fator que o leva a não se agrupar seja por motivos de acepção por parte dos colegas, timidez ou mesmo, por ter baixa autoestima. Bock; Furtado; Teixeira; afirmam que:

[...] O estigma refere-se às marcas – atributos sociais que um indivíduo, grupo ou povo carregam e cujo valor pode ser negativo ou pejorativo. [...] Estes são atributos facilmente reconhecíveis como carregados de um valor negativo para a maioria das pessoas e determinam, para o indivíduo, um destino de exclusão ou a perspectiva de reivindicação social pelo direito de ser bem tratado e ter oportunidades iguais. Esta dificuldade é “perpetuada”, ao longo das gerações, pela educação familiar, pela escola, pelos meios de comunicação em massa, por cada um de nós em nosso cotidiano, o que leva à construção de uma carreira moral para o indivíduo estigmatizado, isto é, sua identidade vai incorporar este atributo ao qual corresponde um valor social negativo. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002, p. 209).

O fato de uma pessoa ser negra, para alguns grupos, é um sinal de inferioridade quanto a beleza física, representando uma imensa possibilidade de ser criminosa, ou caracterizada como de pouca higiene. É comum que frases racistas ainda bramem nas escolas como se fossem piadas. Sendo estas frases passadas de pai para filhos, se perpetuando por longos anos: ‘preto e pobre nesse país não prospera’, ‘preto não tem vez’, ‘preto quando não defeca na entrada, defeca na saída’, entre tantas outras frases que causam repúdio aos ouvidos.

Nas salas de aula, como o período da adolescência representa o desenvolvimento da puberdade e da sexualidade, os adolescentes tendem a chamar a atenção uns dos outros, se expondo mais. A disputa pela atenção do outro, alvo de interesse, vai além da aparência física e chega a ofensas a aqueles que surgem como concorrentes. As ofensas se acentuam visando diminuir as qualidades do outro, principalmente se a concorrência se der para uma pessoa negra. O fator cor de pele torna-se um quesito crucial para ofensas com intenções de inferiorizar o outro perante o grupo. Mesmo não sendo um trabalho estritamente educacional, mas também familiar, os docentes tem que retomar o PVN sobre ‘ética’ e agir até como um psicólogo. É um trabalho cuidadoso e complexo, mas o docente terá que trabalhar a autoestima dos alunos afetados pelo racismo e, concomitantemente, levar o ofensor a analisar a sua postura repugnante, fazendo uma análise comparativa de atos semelhantes aos seus, interligando-os a outros tipos de preconceitos que causaram horror, como o holocausto.

Esta também é uma fase em que visitas a museus afro brasileiros, filmes sobre os mais diversos assuntos voltados a História da África e a cultura africana sejam apresentados aos alunos para que eles tenham a real noção do sofrimento desse povo, da resistência à escravidão, pagando muitas vezes com a própria vida, assim como, a parte das músicas, da religiosidade e da alegria que os representam tão bem.

Quanto à exploração da história mundial, é interessante que haja um aprofundamento quanto a desmistificação de que a África era um continente de seres animalizados, sem cultura e sem história. É um período para apresentação de diversos documentários que tratem da parte histórica e geográfica do continente africano, dos seus antepassados e da África na atualidade.

No Nível Médio o trato da cultura africana já flui com maior tranquilidade. Os alunos já seguem da adolescência para a fase adulta. O poder de argumentação é maior, assim como a autonomia para decidir se quer ou não conhecer mais sobre a cultura africana. Nesse período, por já ter abrangido inúmeros poemas, artes, músicas, história africana e afro brasileira, bem como, alguns filmes, exposições de teatro e fantoches, o professor pode e deve ousar mais. A turma poderia ser convidada a visitar um terreiro de candomblé e um babalorixá (pai de santo) ou ialorixá (mãe de santo) poderia palestrar para eles, sendo que, no final da visita, abriria o grupo para perguntas. Esse é um tipo de atividade que, até os que professam outras religiões, ou até mesmo não demonstram afeição pelo assunto, ficam curiosos e instigados a ver tudo de perto. A curiosidade é a maior motivação. Posteriormente poderia haver um debate em sala de aula com os pontos mais relevantes da visita e os alunos poderiam apresentar um relatório sobre o que observou in loco e qual o seu ponto de vista sobre a importância da visita ao terreiro de candomblé para a ampliação do seu conhecimento sobre a mais famosa religião de matriz africana já conhecida.

Para fechar o Nível Médio, é importante que os educandos tenham a noção da amplitude da cultura africana na formação do vocabulário usado no Brasil, da arquitetura, nas músicas, no gingado da dança e do futebol, em tudo que nos cerca e no que somos. É necessário que essa identificação da africanidade esteja marcada na memória de cada um. Que nada dessa cultura rica e sobrevivente venha a se perder.

Ao chegar ao continente africano, os europeus encontraram reinos, impérios e grandes cidades. Os europeus, que pouco sabiam a respeito da África e suas ilhas, passaram a escrever sobre aquilo que aprendiam no contato com os africanos. [...] Cada sociedade, no entanto, tem sua maneira especial de guardar, conservar e transmitir suas histórias, saberes e tradições. Como diz um velho provérbio angolano: “os brancos escrevem nos livros e nós escrevemos na alma”. [...] Há povos que conservam e transmitem seus conhecimentos pela escrita, outros transmitem pela oralidade. Isso não quer dizer que um seja superior ou inferior a outro. Apenas são diferentes. (BARBOSA,, 2007, p. 50)

A escravidão dos negros africanos foi justificada pelos europeus pelo fato de não encontrarem a ‘escrita’ e pré julgarem que isso representava não ter história ou cultura. Inúmeras pessoas foram subjugadas a escravidão por outros povos por considerá-las diferentes e assim, indignas da liberdade com a qual nasceram. No entanto, os algozes foram tão ignorantes, que ao conhecerem o povo africano, se depararam com uma cultura rica, ampla e mais antiga que a deles. Assim foi formado o Brasil. Das diversas culturas que formaram o povo brasileiro, a africana é a mais ampla e significativa delas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino da História da África sempre foi deficitário. Os capítulos nos livros de história eram extremamente reduzidos, escondendo a complexidade de informações que poderia ter a respeito desse continente, o qual o berço da humanidade. Por sua vez, a África foi vista, durante muitos anos, através de um perfil traçado por pobreza, miséria, fome, guerras civis, vida selvagem e doenças. É como se desse continente só viessem coisas negativas aos olhos do restante do mundo.

Por falta de conhecimento os professores também deixaram a desejar. A cultura africana era citada como componente na formação do povo brasileiro, mas não era aprofundada. Não tinha o mesmo valor em sala de aula, como era o caso da cultura europeia. Dos três povos que mais influenciaram a cultura do Brasil, o índio era lembrado na data de 19 de abril e o negro somente era lembrado no dia 13 de maio, obtendo um papel reduzido perante a ‘grandeza’ do ato da princesa Isabel.

Durante décadas de lutas, movimentos negros pressionaram os governantes para que medidas fossem tomadas e amenizassem o impacto negativo que a escravidão teve para os negros no Brasil. Não haveria a extinção do racismo, o qual os governantes ainda tentam camuflar e o qual vitima os negros brasileiros. Nem iriam acabar com a pobreza e a marginalidade, as quais são compostas, em sua predominância, pela população negra. Contudo, paulatinamente, as conquistas irão fazer a diferença na sociedade, pois, aos poucos, o povo tem conseguido tirar as vendas dos olhos e enxergar a verdade que se esconde por trás de uma falsa democracia, de uma falsa igualdade. Não há como o povo se identificar com o que não conhece e com o que ficou camuflado. Não há atrativo algum em querer ser comparado e admirar uma cultura a qual foi difundida ressaltando, avidamente, pontos negativos. A História da África e dos africanos é uma história escondida dentro da história do mundo. E, como as demais, deve ser atribuída respeito e importância, pois, equitativamente, contribuiu para a história de todos os outros continentes.

Para que a Constituição Federal fosse obedecida e a LDB 9.364/1996 pudesse sair do papel, surgiu a Lei 10.639/2003, a qual obriga as escolas a ensinarem, junto aos currículos obrigatórios, a História da África e a cultura africana. Outra vitória significativa foi reconhecer o dia 20 de novembro no calendário brasileiro, Dia da Consciência Negra. Para coibir atos racistas, punindo os infratores da lei, também foi promulgada a Lei 9.459/1997. Ou seja, aqueles que insistem em se sentir superiores e pra isso fazem acepção de pessoas pela cor de suas peles, podem pegar a pena de um a três anos de reclusão e multa.

A educação é um instrumento de formação de opiniões, consciência crítica e viabilização de mudanças na sociedade. Certamente tais mudanças não ocorrerão em curto prazo. No entanto, o conhecimento da cultura africana, quando eficientemente explorada e difundida, terá êxito no alcance dos objetivos educacionais, os quais visam a atribuição do valor devido a esta cultura, redução significativa de preconceito de qualquer natureza, principalmente os que englobam cor de pele e a religiosidade, a identificação satisfatória da influência desta cultura na nossa e formação da identidade livre de estigmas e senso de inferioridade.

O docente precisa participar de formação continuada e/ou outros cursos que o leve a conhecer consistentemente a História da África e a cultura africana, pois não há como ensinar o que não se tem conhecimento. O educador também tem que buscar estratégias didáticas que viabilizem o ensino aprendizagem e que otimizem o tempo para tais aplicações. O trabalho esbarra em diversos fatores que inviabilizam o ensino, como: o racismo, a religiosidade e a resistência para o que é diferente. Portanto, cabe ao educador desenvolver outros papéis, os quais o permita alcançar seus objetivos com eficácia. Nesse período os educadores trabalham como pais, pois ajudam a reprimir falhas advindas dos lares de seus alunos, ocupam o papel de um psicólogo, pois é quem vai auxiliar os alunos a vencerem a baixa auto estima, os estigmas, superar os preconceitos e a rejeição dos colegas, contribuindo assim para criar e conservar uma atmosfera de igualdade e respeito em sua sala de aula e fora dela, orientando e ajudando seus alunos a serem multiplicadores, mesmo fora do ambiente educacional.

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Publicado por: Ana Paula Borges

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