O papel da ética no enfrentamento das grandes epidemias e catástrofes

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1. RESUMO

A presente monografia objetivou demonstrar a ética no enfrentamento às grandes epidemias e catástrofes.

O trabalho desenvolveu-se com a descrição dos principais eventos cataclísmicos sofridos pela Humanidade e suas conseqüências naturais, mormente as grandes epidemias.

Analisou-se o atendimento médico sob o ponto de vista da Ética com ênfase na conduta inicial e no manejo secundário das situações pós-catástrofe. Considerando a fome e as pestilências como as mazelas mais incidentes, o autor apresenta soluções que serão discutidas em seus aspectos éticos e bioéticos. As modernas tecnologias como a criação de organismos geneticamente modificados e a nanobiotecnologia são considerados.

Os desafios da bioética são analisados, assim como a legislação acerca desses tópicos. Ressalta o autor a necessidade da positivação jurídica da ética frente aos novos e possíveis conflitos bioéticos gerados. Também comenta o que já existe normatizado dentro da atual legislação.

Palavras chave: Ética, Epidemias e Catástrofes, Bioética.

THE ROLE OF ETHICS IN FACE OF MAJOR EPIDEMICS AND DISASTERS

ABSTRACT

The present monograph aimed to demonstrate the ethics in coping with to major epidemics and disasters. The work has been developed with the description of the main cataclysmic events suffered by Humanity and its natural consequences as well the epidemic diseases.

The medical care has been analyzed from the ethical point of view with emphasizing the primary care and the secondary management.

The starvation and pestilence are the worst consequences, and the author develops solutions that are discussed in ethical and bioethical aspects. The modern technologies in genetics and nanobiotechnology are commented.

The bioethics challenges have been analyzed as well the legislation. The bioethical conflicts and the new technologies need to be regulamented by specific legislation.

Keywords: Ethics, Epidemics and Disasters, Bioethics.

2. INTRODUÇÃO

O termo ética, do grego “ethos”, a maneira correta de se conduzir, de se comportar, de se estabelecer e relacionar com os outros seres humanos despertaram desde os primórdios da humanidade um sentido de idiossincrasia natural com o desenvolvimento da espécie e sua adaptação com o meio ambiente, desenvolvendo aptidões próprias e reconhecendo a necessidade de um comportamento uniforme, vinculado à necessidade da preservação da raça humana. Ficou bem estabelecido, em bases históricas que o sentido da ética nos tempos pré-históricos sempre esteve vinculado à perpetuação da espécie. Inicialmente com a introdução da proteína na dieta alimentar, conseguida graças ao comportamento predativo do homem, estabeleceram-se códigos instintivos para a sobrevivência e a tecnologia para o desenvolvimento de armas objetivando expansão política e territorial, visando à supremacia sobre outras espécies. A necessidade de um convívio social determinou a formação de núcleos populacionais, para maior proteção da espécie humana, desenvolvimento de habilidades naturais e capacidade de enfrentar inúmeras adversidades. Este fator de resiliência contribui de forma insofismável para o comportamento do homem no tocante ao enfrentamento das grandes catástrofes e epidemias.

Para que possamos discorrer sobre a ética no enfrentamento de grandes epidemias e catástrofes necessitamos recordar as diversas situações que ameaçaram a preservação da raça sobre o planeta. A história da humanidade sempre se notabilizou pela capacidade inventiva da inteligência humana, superando todas as dificuldades e promovendo avanços técnicos e científicos.

Entre as situações fora do controle humano estão as grandes catástrofes, conhecidas desde os primórdios da civilização, um exemplo típico é a destruição das cidades romanas de Herculano e Pompéia no século I antes de Cristo por ocasião da erupção do vulcão do Monte Vesúvio.

Em aspectos que seriam relacionados exclusivamente às atividades humanas, em situações que poderiam ter sido evitadas ou mesmo abrandadas, estão incluídas as grandes epidemias, os desequilíbrios no meio ambiente causados pelos desastres ecológicos e suas conseqüências, os quais serão abordados e também analisados sob o prisma do comportamento ético no enfrentamento destes terríveis acontecimentos. A importância dos valores éticos, bioéticos e quais seriam as soluções possíveis para o controle das variadas situações de conflito.

3. AS GRANDES CATÁSTROFES

A História nos traz acontecimentos que atestam a veridicidade dos fatos. Sabemos que a maior tragédia que já aconteceu para a humanidade foi a terrível epidemia de Peste Negra que assolou a Europa nos anos de 1347 a 1351, na realidade uma pandemia, pois foi trazida de Constantinopla através dos navios mercantes que serviram de transporte para os ratos vetores da pulga contaminada com a bactéria “yersinia pestis”. Segundo dados históricos1, é possível que esta terrível doença tivesse início na China também assolada por devastações impiedosas durante 14 anos consecutivos no século XIV. A Peste Negra matou 75 milhões de pessoas e foi a maior tragédia que se abateu sobre o globo terrestre até hoje.

Retrocedendo no tempo vamos imaginar o Planeta Terra há 100.000 anos a.C. quando conviviam os ancestrais do Homo Sapiens juntamente com o homem de Neanderthal. Tiveram este contato porque os continentes africano, asiático e europeu eram unidos, permitindo substanciais deslocamentos migratórios de nossos antecedentes que habitavam na África de encontro aos “neanderthais” situados mais ao norte, onde atualmente localiza-se a Europa. Como ocorreu a extinção destes hominídeos ainda não sabemos, muito embora se suspeita que fossem vítimas dos humanos mais desenvolvidos, na ânsia de expansão territorial e conquistas. A mesma coisa pode ter ocorrido com os australopitecos. Talvez tivessem sido extintos por alguma catástrofe natural que porventura tenha ocorrido, mas infelizmente não existem indícios deste tipo de acontecimento. Se tivesse ocorrido algum desastre climático nessa época provavelmente não atingiria uma mortalidade tão apreciável como se verificou na Europa do Século XIV, conforme relatamos acima e que dizimou mais da metade da população da Europa.

Até então os mares não haviam subido e era possível que uma pessoa caminhasse desde a África, atravessasse a Europa e chegasse até a América, cruzando o Estreito de Behring entre a Ásia e o Alaska. Existem indícios que há 20.000 anos a.C. processaram-se mudanças substanciais na Terra; os mares começaram a subir em conseqüência do degelo, as temperaturas aumentaram e processaram-se grandes transformações no planeta. A separação dos continentes através das águas do mar e inundações de locais onde já havia núcleos populacionais pode ter causado uma catástrofe de proporções cataclísmicas.

Seria o episódio da Arca de Noé uma representação verídica e insofismável deste período cataclísmico que a humanidade viveu? Quantos mortos? E as conseqüências desta tragédia? A fome, doenças, desequilíbrios do meio ambiente. A ética e a repercussão sobre a dignidade humana ficariam em evidência, trazendo à baila discussões filosóficas intermináveis sobre qual seria o comportamento moral frente a todas estas mazelas. A Bíblia em Gênesis23, nos trás uma documentação histórica destes fatos desde os tempos imemoriais;

Então, disse Deus a Noé: Porque estou para derramar águas em dilúvio sobre a terra para consumir toda carne em que há fôlego de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra perecerá. (BÍBLIA SAGRADA, Gênesis 6:17).

Assim, foram exterminados todos os seres que havia sobre a face da terra; o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus foram extintos da terra (BÍBLIA SAGRADA, Gênesis 7:23).

Acontecimentos que poderiam perfeitamente ser vivenciados e reportados através dos habitantes da outrora Jericó, cidade do Oriente Médio que florescia há 8.000 a.C. Justamente nesta época o nível dos mares havia finalmente se estabilizado.

A humanidade, tal qual aconteceu com os dinossauros há 60 milhões de anos, poderia ter sido extinta por ocasião das profundas e substanciais alterações que se processaram. Placas tectônicas e grandes fendas se abriram, continentes se afastaram, com inundações catastróficas, alterando o meio ambiente, exterminando flora e fauna e as repercussões comuns a todas grandes catástrofes pelas quais passou a humanidade.

Como não dispomos de dados estatísticos os registros são efêmeros. Assim como o incontável número de mortos em 2.297 a.C. quando uma inundação sem precedentes ocorreu na China. Uma pandemia ecológica que assolou o país asiático com a subida das águas dos rios Amarelo e Yang-tsé. Com certeza morreram mais de 900 mil pessoas (estimativa de mortes na alagação de 1887), pois naquela época não haviam ainda barragens construídas pelo homem. Até hoje o grande país asiático pena com as cheias destes rios. Estima-se que deve ter afetado uma quantidade muito maior, pois os sobreviventes pereceram em decorrência de doenças e de inanição.

Com certeza a mais dramática e documentada tragédia na Idade Antiga foi a erupção do Monte Vesúvio acontecida no dia 24 de agosto de 79 destruindo as cidades de Herculano e Pompéia. Foram contabilizados 20 mil mortos. Em conseqüência do lançamento de nuvens de cinzas escaldantes, acrescida da água aprisionada em uma cratera do vulcão houve a formação de uma larva que cobriu toda a extensão do desastre, preservando corpos de pessoas e de animais. Como aspecto de repercussão ética ficou comprovado através da petrificação dos corpos, o achado de um cidadão que morreu em sua propriedade ao lado de uma pilha de ouro e prata, juntamente com outros homens, supostamente saqueadores que aproveitavam para agir ilicitamente.

O terremoto de Antioquia, na Síria em 526 e a peste em Constantinopla em 542 foram os acontecimentos de pior repercussão na Idade Média. Já havia sido desintegrado o Império Romano do Ocidente. A primeira calamidade deixou 250 mil mortos, e a peste bubônica que assolou o Império de Justiniano deixou um número maior de vítimas: 300 mil.

As grandes tragédias da humanidade e que causam o maior número de vítimas são indiscutivelmente as doenças, a inanição e todas as conseqüências advindas destas mazelas. Daí deriva a importância de se exemplificar o significado, à luz do comportamento humano, dos valores éticos, valores morais e a bioética como paradigma insofismável da dignidade humana.

Se somarmos as vítimas da Peste Negra, no século XIV, da epidemia pelo hantavírus na Inglaterra nos séculos XV e XVI, da Gripe Espanhola no início do século XX e a AIDS já em nossos dias, chegamos a uma cifra espantosa de aproximadamente 140 milhões de mortos. Não podemos também esquecer a terrível epidemia de varíola no México, trazida pelos conquistadores espanhóis que deixaram quatro milhões de vítimas. Somando as perdas de vida na I Guerra Mundial e da II Grande Guerra teremos 74 milhões de mortos, portanto praticamente metade das baixas com estas terríveis pandemias. As guerras também produzem fome e devastação, mas não nos fixaremos nesta análise, pois o escopo se reveste na análise dos fatores éticos e seus desdobramentos perante as grandes catástrofes e epidemias. Importante é afirmar a resiliência da raça humana no enfrentamento destas situações, tanto na destruição imposta pelas guerras, como nas adversidades encontradas nas grandes catástrofes. Conforme Stephen Spignesi (2002)4, as dez maiores catástrofes da História estão enumeradas no quadro abaixo:

TABELA 1: AS 10 MAIORES CATÁSTROFES DA HISTÓRIA

EVENTO

ÉPOCA

NUMERO DE MORTOS

PESTE NEGRA

1347 - 1351

75 MILHÕES

GRIPE ESPANHOLA

1918 - 1919

40 MILHÕES

EPIDEMIA DE AIDS

SÉCULO XX

20 MILHÕES

FOME NA CHINA

1876 - 1878

13 MILHÕES

FOME NA CHINA

1333 - 1347

9 MILHÕES

FOME NA INDIA

1896 - 1901

8 MILHÕES

FOME NA UCRÂNIA

1932 - 1933

7 MILHÕES

FOME NA UCRÂNIA

1921 - 1923

5 MILHÕES

VARÍOLA NO MÉXICO

1520 - 1521

4 MILHÕES

HANTAVIRUS NA

INGLATERRA

1485 - 1551

3 MILHÕES

Encerrando esta análise, é preciso ratificar a fome como uma das mazelas que mais interferem na dignidade humana, corrói o significado do Estado Democrático e de Direito, ferindo o Estatuto dos Direitos Humanos.

Somando as vítimas de inanição, somente na China, na Índia e na Rússia, mais precisamente na Ucrânia do tempo da União Soviética chegamos a um total de mais de 42 milhões de mortos, cifra subestimada, pois sabemos da existência de núcleos populacionais de extrema pobreza na África e na América Latina.

Interessante lembrar que existem também aquelas catástrofes que se tornaram famosas e algumas encontram espaço na mídia até os dias de hoje. O naufrágio do Titanic é o exemplo mais significativo, entretanto o número de vítimas (1.513 pessoas) é bem inferior aos naufrágios, em tempo de guerra do navio de passageiros alemão Wilhem Gustloff onde pereceram 9 mil refugiados e do transporte Goya, com 7 mil vítimas, ambos em janeiro de 1945 no Mar do Norte.

Os acidentes aéreos repercutem enormemente, felizmente as baixas são menores. O maior acidente aéreo de todos os tempos ocorreu em março de 1977, no episódio da colisão em Tenerife envolvendo o vôo KLM 4805 e o vôo PANAM 1736. Pereceram 583 pessoas. Em agosto de 1985 o vôo JAL 123 bateu no Monte Otusaka a 100 km. de Tóquio, deixando 520 mortos. E o terceiro maior foi em novembro de 1996 quando um avião saudita e outro do Cazaquistão colidiram no ar, fazendo 349 vítimas.

E para finalizar citaremos as grandes catástrofes determinadas pelos desastres ambientais. Desastres nucleares como aconteceu em 1979 em Three Mile Island nos Estados Unidos com prejuízos da ordem de 1,1 bilhão de dólares e em 1986 com a explosão do reator nuclear de Chernobyl quando ocorreram 31 mortes imediatas, 335 mil pessoas evacuadas e inestimáveis número de vítimas contaminadas. Só para se ter uma idéia entre os anos de 1990 e 1998 foi diagnosticado 1.791 casos de câncer de tireóide na população afligida, residentes nas proximidades. O vazamento químico de Bhopal na Índia (causado pelo gás metil isocianeto) em 3 de dezembro de 1984 causou quase quatro mil mortos, mais de 11 mil pessoas inválidas e prejuízos ao redor de três bilhões de dólares. O recente vazamento de petróleo no Golfo do México5 segundo fontes não oficiais já despejou no mar uma quantidade superior a 500 mil barris de petróleo sobrepujando o desastre com o petroleiro Exxon Valdez que causou o derramamento de petróleo em área de preservação ambiental no Alasca, onde vazaram 257 mil barris (40 bilhões de litros) de petróleo e prejuízos da ordem de três bilhões de dólares e que ainda podem chegar a oito bilhões em face de múltiplas demandas judiciais ainda em andamento, sem contar com o dano incalculável ao meio ambiente cujos espécimes de vida selvagem na área ainda não conseguiram recuperar-se mesmo com todo esforço desenvolvido por ambientalistas. O site cmibrasil6 (2010) noticiou em 17 de maio que o vazamento de petróleo no Golfo do México seria de aproximadamente 800 mil litros por dia, mostrou ser muito maior, pelo menos dez vezes mais como indicam estudos independentes. A situação não havia sido controlada em 23 de junho do corrente quando ocorreu uma colisão envolvendo um robô submarino e a tampa de contenção que dirigia o óleo para um navio. Conforme uma equipe de cientistas estima-se que o vazamento derrama de 35 mil a 60 mil barris diários. É sem sombra de dúvidas um desastre ambiental de proporções incalculáveis.

4. AS CONSEQUÊNCIAS DAS GRANDES CATÁSTROFES E EPIDEMIAS

Com a evolução da tecnologia e o conhecimento científico, o impacto ambiental, sócio-econômico e psicológico causados por uma determinada catástrofe é proporcional ao grau de desenvolvimento de uma nação; existe um desequilíbrio muito grande nas diversas populações humanas e o enfrentamento a uma situação trágica irá variar conforme a idiossincrasia do sistema quer seja populacional ou também relacionada ao meio ambiente. Na antiguidade não existiam tantas discrepâncias, tampouco havia grandes diferenças sócio-econômicas; a ignorância sobre todos os fatos que ocorriam eram atribuídos a deuses e entidades variadas que necessitavam serem aplacados em sua fúria exigindo sacrifícios humanos. Esta situação típica da completa ignorância é um aspecto ético importante a ser abordado, pois a escravidão relacionada às conquistas e a antropofagia uma conseqüência da fome extrema devem ser considerados, pois afetam a dignidade humana.

Conforme explicitado acima observamos que a principal catástrofe que se abateu sobre o planeta ocorreu no século XIV dizimando quase metade da população da Europa. Nesta época da História da Civilização não havia saneamento básico, ignorância quanto às formas de transmissão de doenças, e atraso nos conhecimentos médicos que alcançaram algum progresso na Idade Antiga principalmente com os gregos, egípcios e babilônios. Tampouco a grande epidemia de gripe ao final da I Grande Guerra que dizimou 40 milhões de pessoas, não encontrou o respaldo de adequado controle sanitário, profilaxia e utilização de medicamentos efetivos, tais quais os antibióticos surgidos mais de duas décadas depois.

Além das doenças devemos considerar a fome como a mais degradante penalidade à dignidade humana. A fome é a conseqüência das mais variadas calamidades e desastres. Ela surge após inundações, terremotos, furacões, pestes, desequilíbrios da fauna e da flora, também causadas por políticas governamentais em estados totalitários e corrupção em todos os níveis, levando inexoravelmente a população a um estado de escravidão ou subserviência. A fome leva ao canibalismo, mutilação e profanação de cadáveres com quebra total do paradigma da dignidade da humanidade.

As principais catástrofes ambientais surgiram pela mão do homem e julgo pertinente a citação de Shaw, George Bernard (apud SPIGNESI, 2004, Pag. 211): “Na arte da vida, o homem nada inventa; mas na arte da morte ele supera a própria Natureza e consegue produzir com as máquinas e a química toda a carnificina da praga, da pestilência e da fome”.

Não é por demais insistir no conceito da degradação progressiva pelo qual passa o nosso planeta, quantidades monumentais de poluentes, gás carbônico, produtos químicos dos mais variados, depredação de rios, florestas, habitat de animais silvestres, caça predatória, pesca através de meios ilícitos e sem obedecer aos ciclos biológicos, descarte de organismos geneticamente modificados no meio ambiente, utilização do solo sem estudos de impacto ambiental, construções em áreas de mangue e outros mananciais de utilização vital para o desenvolvimento da fauna e da flora em equilíbrio. Não é à-toa que catástrofes ocorram nestes tempos contemporâneos com causas muito bem conhecidas, em evidência o aumento populacional associada à miséria extrema resultado de políticas governamentais incorretas.

Recentemente o filme 2012 que trata de um grande cataclismo envolvendo todo o globo, tornou-se sucesso de bilheterias, apoiado nas coincidências do calendário maia, profecias de Nostradamus e outros alfarrábios fatídicos. É bem interessante lembrar que não é novidade a notícia de mau agouro que culmina com o fim de nossos tempos. Em tempos remotos, no século XIV, a China até então isolada do mundo, sofreu uma catástrofe atrás da outra, durante 14 anos consecutivos. Ocorreram terremotos, inundações, peste, fome e pragas de gafanhotos. Quem vivesse naquela época na China, logicamente iria imaginar que o fim dos tempos chegara. Era o 2012 nos anos de 1333 a 1347.

5. O ATENDIMENTO MÉDICO SOB O PONTO DE VISTA DA ÉTICA

A tecnologia sem dúvida cumpre o papel primordial nas ações empreendidas por uma nação ou grupo populacional após uma catástrofe, seja ela ambiental, causada por agentes biológicos ou por efeitos naturais procedentes de fenômenos provocados pela Mãe Natureza.

O desenvolvimento de políticas de saúde objetivando a prevenção de um sem número de situações possíveis de dramaticidade em acontecimentos cataclísmicos tem se tornado comum nos últimos tempos, principalmente em países evoluídos. São desenvolvidos treinamentos de resgate e atendimento de primeiros socorros através de equipes multidisciplinares com especial ênfase de atuação de equipes da Defesa Civil e especializadas no atendimento ao trauma. Ações conjuntas com unidades militares são desejáveis. Naturalmente, dependendo da gravidade e da extensão de um acontecimento, obviamente torna-se impossível agir com a plenitude das condições necessárias vigentes. Infelizmente alguns países não dispõem suficientemente de recursos objetivando o sucesso no empreendimento de atendimento à urgência. A gravidade das condições pós-catástrofe será proporcional ao grau de pobreza de determinada nação.

É importante que as equipes de atendimento às catástrofes sofram processo de contínua educação através de simuladores de catástrofes, sendo estimulados diversos exercícios práticos para vivenciar as mais variadas situações cataclísmicas.

Os aspectos éticos referentes ao atendimento médico foram consolidados na 46ª. Assembléia Geral da Associação Médica Mundial (WMA) realizada em Estocolmo, na Suécia em setembro de 1994 e revisada em nova assembléia concluída na África do Sul em 2006.

Analisando-se sob o prisma da Medicina, uma calamidade é caracterizada por uma situação aguda, súbita, abrupta, onde a demanda de recursos é insuficiente para garantir o apoio médico, fornecimento de víveres, atividades de resgate, abrigo e apoio psicológico. Os aspectos de triagem e atendimento à população atingida por uma calamidade devem seguir os preceitos do Código de Ética Médica e inúmeras vezes nos defrontamos com assuntos controversos na esfera da bioética, como a ortotanásia e a distanásia. Em pacientes gravíssimos atingidos por radiatividade extrema e considerados como tratamento emergencial além das possibilidades, lembrar a possibilidade de distanásia, ou ‘medical futility’, como uma forma de dispêndio de recursos preciosos e muitas vezes escassos, o que é condenado eticamente frente a calamidades. A prioridade em situações pós-catástrofe deve ser considerada àqueles pacientes em iminente perigo de vida. Outros feridos e indivíduos psicologicamente traumatizados que necessitam de tratamentos secundários podem receber atendimento posteriormente ou por equipe de assistentes e psicólogos.

Os princípios da bioética devem ser respeitados: a autonomia, a beneficência, a não maleficência e a justiça. Os conceitos de ortotanásia e distanásia devem ficar em evidência e a relação médico-paciente obedecer aos preceitos do Código de Ética Médica.

As equipes de atendimento devem ser multidisciplinares com ênfase às especialidades cirúrgicas, mormente a ortopedia e a cirurgia geral, com o apoio da anestesiologia e especialidades associadas, principalmente relacionadas ao atendimento de pacientes com intensos transtornos psíquicos. É absolutamente pertinente enfatizar a necessidade de não se discriminar qualquer equipe médica de atendimento baseado em fatores como afiliação, nacionalidade, raça ou religião. O enfrentamento às situações de epidemia leva a uma reflexão sobre a importância da formação técnica e humanística do profissional de saúde tendo como base o compromisso ético com a população.

Países desenvolvidos como os Estados Unidos, Japão e Israel dispõem de equipes em alerta, prontas para o atendimento de situações emergenciais de catástrofe, escolados por guerras e desastres naturais, desenvolveram tecnologia impressionante de assistência e apoio logístico. Equipes americanas e israelenses provaram recentemente no Haiti, por ocasião do terrível terremoto, um socorro exemplar.

Neste terremoto que atingiu um país como o Haiti, considerado país vulnerável, onde 80% da população se encontra abaixo da linha de pobreza, a situação de atendimento se mostrou calamitosa. Falta de água, falta de energia elétrica, ausência de comunicações telefônicas e via rádio, falta de combustível, quebra do atendimento básico de urgência por destruição de hospitais e serviços de saúde, faz parte da cotidiana realidade.

Necessário se faz a imediata implantação de ações fundamentais no controle da situação. O planejamento é fundamental e deve estar baseado no tripé básico: comando, conhecimento e controle; os três “C” vitais que precisam transformar a situação de desespero e pavor em um caos controlado, onde os planos de contingência e administração da incerteza devem conduzir a um planejamento racional para o enfrentamento do cataclismo. A implantação do programa de enfrentamento do desastre é o Plano de Contingência, ou seja, fazer uma hipótese de planejamento que passa pelo estudo da situação: avaliação da ameaça, avaliação da vulnerabilidade, avaliação do risco, avaliação de meios disponíveis e priorização de condutas.

A preocupação inicial é com a segurança das equipes de socorro, a escolha de locais abrigados é fundamental. Um exemplo foi a equipe israelense que, por ocasião do terremoto do Haiti, escolheu como abrigo um estádio de futebol. Ali não haveria riscos de desabamentos e poderiam contar com a proteção externa das cercas já existentes.

Na priorização de condutas se faz necessária à preocupação de acesso à água potável através das modernas tecnologias em transformar a água poluída em própria para o consumo. Este é um procedimento no qual a nanotecnologia pode contribuir. Adiante discutiremos a importância desta nova tecnologia, seus benefícios, riscos e controvérsias que podem ser suscitadas no campo da bioética.

Passado o atendimento inicial, necessário se faz o prosseguimento das ações preventivas, visando a profilaxia das doenças e o combate a fome. Em que pese à ajuda humanitária fomentada pelos países dispostos a ajudar, nos deparamos na maioria das vezes com déficit na obtenção de número apropriado de vacinas e de alimentos para suprir as necessidades dos flagelados.

Não é objetivo do presente trabalho enumerar as doenças que afligirão a população afetada, tampouco relatar e especificar as condutas de Saúde Pública que serão levadas a efeito neste determinado momento.

O escopo do presente é avaliar e trazer à baila os aspectos relacionados à ética e a bioética trazendo à luz do conhecimento da moderna tecnologia genética as soluções para o enfrentamento às mazelas conseqüentes a grandes catástrofes.

6. A FOME E A PESTE COMO CONSEQUÊNCIA

Um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é imprescindível a todas as formas de vida. Não podemos aceitar que, nas situações de desastres ambientais, totalmente dependentes da ação humana possam ainda ocorrer inúmeras situações de desrespeito à ordem natural da Terra causando efeitos danosos à segurança, à saúde e ao bem-estar da população. Situação como caça e pesca predatórias, desmatamento, incêndios florestais e gerais, uso excessivo de defensivos agrícolas, poluição atmosférica de diferentes agentes com danos à camada de ozônio, uso inadequado e gasto excessivo de água, ressecamento do solo com formação de desertos e erosão da terra, lixo industrial e atômico, derramamento de mercúrio e outros metais em rios, consumo excessivo de energia, esgotamento de recursos naturais não renováveis, são alguns exemplos característicos.

Entretanto não basta apenas a conscientização da população e a legislação específica para coibir os abusos que ora se apresentam e se tornarão tanto mais agudos e profundos à medida que os índices populacionais crescem e necessitam de maior demanda, seja em termos de víveres quanto de necessidades básicas de moradia e subsistência.

A fome e as doenças são os dois principais flagelos que afetam a dignidade humana, e compõe a dualidade cruel e insana que se estabelece em conseqüência a qualquer das formas de cataclismo, seja por causa natural ou pela mão do próprio homem. O meio ambiente agredido também produzirá doenças das mais variadas, como por exemplo, saturnismo, anencefalia, asbestose, paralisias, silicose, intoxicações por organoclorados e organofosforados, intoxicações por inúmeras bactérias levando as diarréias, desinterias, cólera, parasitoses e muitas outras.

A fome por escassez de todos os recursos naturais após um desastre por forças da Natureza associa-se a um sem número de pestilências trazidas por animais contaminados e vetores de epidemias, dizimando a população que sobreviveu ao cataclismo.

Além das políticas governamentais e da ajuda humanitária necessitamos de elementos que visam os suprimentos básicos da necessidade humana, quais sejam o controle da inanição através de insumos que garantam a demanda por demais reprimida nestes momentos angustiantes, como também propiciar a profilaxia das doenças através de medicamentos eficientes, em especial as vacinas polivalentes e específicas conforme a zona geográfica e agentes endêmicos prevalentes.

7. A GENÉTICA NO ENFRENTAMENTO ÀS EPIDEMIAS E CATÁSTROFES

Com a evolução das ciências biológicas, notadamente no final do Século XX e início do Século XXI, decifrando-se o código genético e estabelecendo-se a técnica científica da engenharia responsável pela hereditariedade, conseguiu-se modificar a constituição genética de células e organismos mediante a manipulação de genes. Disso resultou progresso no tratamento de moléstias a nível molecular, dando origem a farmacogenômica, trazendo esperança e cura ao portador de inúmeras moléstias crônicas, doenças genéticas e também ao câncer.

A biotecnologia é a ciência da engenharia genética que se utilizam os organismos celulares produzindo as alterações necessárias para que estes sejam aplicados na indústria, na medicina, no meio ambiente e outras aplicações científicas visando à obtenção de um organismo com caracteres diferentes e inexistentes na espécie, e com isto obtendo êxito no controle das mais variadas situações. Um exemplo é a produção de uma planta transgênica, que em razão da mutação genética, torna-se resistente a pragas, com o escopo de aumentar a produção combatendo a escassez de alimentos. Com o uso de técnicas de DNA recombinante foi possível a produção de plantas, frutos e sementes geneticamente modificadas mais resistentes às intempéries. Estes alimentos, além da grande tolerância a herbicidas, podem ser mais nutritivos e baratos competindo com os similares orgânicos. Na pecuária e na avicultura também é grande o potencial obtido com o melhoramento genético, implementando o aumento na produção do leite bovino ou caprino e propiciando maior quantidade de carne pelo desenvolvimento de novas raças com caracteres projetados. É o exemplo do chester, onde se deu importância na prevalência do peito da ave em relação às coxas e asas.

A engenharia genética já é uma realidade segundo DINIZ (2007, Pag.711), atualmente cerca de 60 % dos alimentos industrializados já possuem algum tipo de matéria-prima transgênica. A soja transgênica pode ser encontrada em biscoitos, achocolatados, sorvetes, leite em pó, queijos com leite de soja e bebidas com soja. O milho transgênico é utilizado na fabricação de sucrilhos, pipocas, óleo de milho para cozinha, etc.

A utilização dos métodos biotecnológicos para o controle das epidemias tem especial importância na descoberta de vacinas para moléstias infecto-contagiosas.

O controle das doenças transmissíveis através da produção de medicamentos e vacinas em escala industrial passa sem sombra de dúvidas pelo crivo de modernas técnicas de engenharia genética. O combate à fome, da mesma forma, possue vínculo com a produção de alimentos transgênicos, que tem a premissa de eliminar a inanição e trazer à população atingida o controle da situação pós-catástrofe.

8. A NANOTECNOLOGIA E SUAS POSSÍVEIS INDICAÇÕES

O objetivo da nanotecnologia é o de criar materiais e desenvolver novos produtos e engenhos através da manipulação de átomos e moléculas com propriedades físicas e químicas previamente determinadas. Conforme Lêdo (2007)7, a nanotecnologia, por manipular átomos, poderia ser considerada, em princípio, o limite final para o projeto e criação de novos materiais. Este aspecto nos leva a considerações ilimitadas quanto à utilização da nanotecnologia, pois manipulando partículas formadoras de átomos podem ser criados novos átomos, alterando a constituição molecular dos elementos. Podemos imaginar a confecção de novos materiais e estruturas híbridas capazes de resistir a tremores de terra, suportar altas temperaturas e mesmo participar de atividades de salvamento e resgate a vítimas de incêndios, radiações nucleares e abalos sísmicos. É um campo aberto a nossa imaginação. Para se ter uma idéia, em escala nanométrica o carbonato de cálcio (giz) é mais duro que o aço, e o carbono puro é condutor de eletricidade o que não acontece em escala macrométrica haja vista que o diamante não possue estas características. Poderiam ser confeccionados materiais úteis no tratamento de fraturas e outras lesões graves em vítimas de desastres, reduzindo o tempo cirúrgico e estabelecendo superávits na relação custo, tempo e efetividade.

Entre os setores de maior relevância as indústrias químicas e farmacêuticas e o setor de agronegócio, onde se espera investimentos substanciais conforme dados de entidades científicas. Contribuiria com o advento de novos agentes para o combate às epidemias e para o aumento da produtividade de nutrientes, em similaridade a tecnologia da produção de transgênicos extremamente úteis em áreas de carência de alimentos e na produção de vacinas e outros medicamentos.

A nanobiotecnologia tem obtido grande parcela de investimentos globais na área da nanociência. O objetivo seria unir as características de força e condutividade elétrica da matéria inorgânica com a capacidade de auto-reprodução, adaptabilidade e reparação do biomaterial buscando um organismo híbrido que possa fazer o trabalho de uma máquina controlada pelo homem e com atuação diversificada. Pode-se imaginar as implicações éticas e bioéticas destas novas tecnologias. Não existe legislação específica para estes fins. Com o substancial progresso tecnológico a positivação jurídica ainda não formou a consciência necessária para o seu julgamento. È necessário ter em mente o substrato necessário aos principais referenciais éticos e o respeito à dignidade humana.

9. OS DESAFIOS DA BIOÉTICA

O meio ambiente equilibrado e sadio, assim como a necessidade de desenvolver mecanismos que visem o bem-estar e a saúde da população, envidando esforços no sentido do progresso científico para a produção de vacinas e alimentos passam pelo crivo da Bioética. Seria os alimentos transgênicos a solução para o controle da inanição em um país assolado por uma grande catástrofe? O combate às pestilências, resultado das conseqüências de um cataclismo, poderiam ser mais efetivos se dispuséssemos de vacinas produzidas através de engenharia genética? Conseguiríamos controlar os desastres naturais tais quais aqueles produzidos por derramamento de petróleo através da biotecnologia, produzindo-se OGM capazes de neutralizar os efeitos da agressão ao meio ambiente? Qual seria o benefício da nanobiotecnologia e o risco da criação de nano-máquinas auto-replicantes? Trata-se de um desafio bioético. Inicialmente é importante se analisar os prós e os contra dos transgênicos. Estes alimentos são produzidos através da manipulação genética de organismos vegetais ou animais. Consiste na introdução de um ou de vários genes no genoma de um indivíduo de espécie diferente, visando à produção de um organismo com características diferenciadas do original. É vantagem insofismável, como o aumento da produção de alimentos comprovados por diversos estudos. O estudo de W. Mullins (2005)8 indicou a produção de 254 milhões de quilos com o plantio do algodão transgênico. Borchgrave na Bélgica demonstrou economia de 50% na utilização de herbicidas no milho e na soja modificadas geneticamente e ficou registrada na Cooperativa Cotrijal dos EUA a produtividade de quatro sacos e meio de soja transgênica superior à soja convencional. Um estudo da USP demonstrou ganho na produtividade com a soja modificada de US$ 66,00 por hectare. Existem igualmente vantagens de maior resistência e durabilidade dos grãos na estocagem e armazenamento.

Os desafios da biotecnologia incluem o aumento da resistência aos antibióticos, riscos da contaminação genética da biodiversidade e do ecossistema por poluição ambiental e descarte de OGM, contaminação do solo e aparecimento de pestes e pragas resistentes a pesticidas. São relatadas alergias de difícil controle como também risco de extinção de espécies. Um relatório agrícola crítico conduz a suspeita de mortalidade exagerada da população de abelhas na Alemanha e nos Estados Unidos em função do milho transgênico. Conforme Walter Haefeker9, citando Albert Einstein “se a abelha desaparecer da superfície do planeta então restariam ao homem apenas mais quatro anos de vida. Com o fim das abelhas acaba a polinização, acabam as plantas, acabam os animais e acaba o homem”. Seria a maior das catástrofes, e sem dúvida vinculada à mão do homem agredindo a Mãe Natureza. A polêmica dos transgênicos está definitivamente vinculada a Bioética. Pesquisas recentes dão conta de dados alarmantes em pesquisas com a soja transgênica. Na Rússia, Erina Ermakova10 e na Itália, Manuela Malatesta11 identificaram efeitos danosos em ratos. A primeira comprovou mortalidade de 55% da população em estudo duplo-cego e a segunda verificou alterações hepáticas e pancreáticas em roedores. Na Austrália verificou-se que a introdução de genes de feijão em ervilha geneticamente modificada produziu inflamação dos pulmões em rato12.

Em que pese pesquisas desfavoráveis aos OGM, sabemos hoje do avanço na utilização de nutrientes trangênicos em todas as partes do mundo e como citamos acima os alimentos industrializados já contam com 60% de algum tipo de matéria prima transgênica. O Relatório do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia13 revela que o Brasil aumentou consideravelmente a sua área de lavouras transgênicas. No mundo todo, de 1,7 milhão de hectares para 90 milhões em período de aproximadamente 10 anos, espera-se o cultivo de 200 milhões de hectares em 40 países distintos até o ano de 2015. Os Estados Unidos atualmente tem 48% de área plantada com OGM.

Muito embora existam trabalhos e pesquisas em desfavor dos alimentos geneticamente modificados, a produção e a comercialização iniciada em 1996 nos Estados Unidos não demonstraram malefícios comprovados na raça humana, restando apenas hipóteses e conjunturas, ainda sem o suficiente respaldo da comunidade científica.

Em conclusão, a utilização de organismos geneticamente modificados, apesar de controvérsias de natureza bioética, deve ser a solução para a profilaxia das conseqüências de uma catástrofe, seja através do combate à fome, seja pela produção de OGM para uso em vacinas e outros medicamentos nos quais se consegue a síntese de proteínas essenciais para a vida humana.

Aparentemente as pesquisas voltadas para áreas da nanotecnologia estão se sucedendo sem o devido respaldo de controle e monitoramento. A consciência das implicações éticas é insipiente e os preceitos da autonomia, não maleficência, beneficência e justiça deveriam ser postas em evidência. O impacto da tecnologia em nano-escala ainda não é conhecido e deveremos ficar em alerta para os possíveis riscos e desdobramentos. A necessidade de uma Convenção Internacional para o estudo e a normatização de aspectos éticos e jurídicos é imperiosa. Temos o exemplo histórico deste processo que foi a Declaração de Helsinque em 1964 onde foram aprovadas as normas disciplinadoras da pesquisa clínica e tratamento. Após as discussões de natureza bioética, as implicações de ordem morais e filosóficas serão motivo de positivação jurídica, exsurgindo o biodireito como elemento doutrinário e legal.

Finalizando este importante tópico, não podemos deixar de discutir a internacionalização das pesquisas clínicas voltadas ao combate das grandes epidemias, a AIDS, por exemplo, que trouxe controvérsias em relação aos estudos de pesquisa “duplo standard” efetuadas em países periféricos com vulnerabilidade social. O poder das indústrias farmacêuticas voltado às pesquisas de novos medicamentos pode estar negligenciando as necessidades epidemiológicas de países mais pobres, geralmente onde é grande a incidência de doenças tropicais. Graves desvios éticos podem ocorrer, mormente àquelas pesquisas em que se utilizam placebos, prejudicando os portadores do vírus HIV em países vulneráveis. O desafio da Bioética no que tange às pesquisas científicas com objetivo de combate às grandes epidemias, seja na profilaxia ou tratamento, está nas próximas revisões da Declaração de Helsinque. Isto permitirá a participação democrática da sociedade organizada e ações governamentais no controle ético das pesquisas em países periféricos, objetivando os princípios de autonomia, beneficência e justiça com respeito aos direitos humanos fundamentais.

10. LEGISLAÇÃO

A Constituição Federal de 198814 estabelece no artigo 225, capitulo VI o direito do povo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever do Poder Público e da coletividade em defendê-lo e preservá-lo. A preocupação do legislador com o meio ambiente ainda está registrada na Constituição nos artigos 5, 20, 22, 23, 24, 170 e 186. Com relação à tutela ao meio ambiente existem ainda 18 leis federais, três decretos-lei federais, 17 decretos federais, 13 resoluções do CONAMA, 24 leis estaduais paulistas e seis decretos estaduais paulistas. A Lei 6.938/81 referente à Política Nacional de Meio Ambiente estabelece a responsabilidade objetiva por dano ecológico e a necessidade de estudos de impacto ambiental. A Lei 7347/8515 regula a ação civil pública para a tutela e a defesa em juízo do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. O cumprimento à legislação contribuirá sobremaneira para a profilaxia de desastres ambientais e representa não só o amparo legal como a manifestação ética da consciência humana da preservação das espécies. A Lei 11.105/200516 estabeleceu os limites legais e porque não dizer, éticos da pesquisa, utilização e descarte de OGM. As pesquisas com células-tronco, a clonagem e outros assuntos de natureza bioética estão bem definidos. Os esforços para ações planejadas e orientações para a prevenção de situações de desastres tiveram início com a Conferência de Yokohama em 1994. Em 2005 a II Conferência Mundial sobre calamidades culminou com a Declaração de Hyogo que definiram as orientações e ações planejadas para o enfrentamento de desastres para a próxima década em todo o mundo. No âmbito do Ministério da Saúde, no Brasil, a coordenação geral de Vigilância em Saúde Ambiental constituiu a comissão referente ao atendimento emergencial aos estados e municípios acometidos por desastres naturais e/ou antropogênicos, trata-se da Portaria n° 372 de 10 de março de 200517.

Com relação ao aspecto ético do atendimento médico com escopo voltado às situações de distanásia e ortotanásia, devemos nos reportar a lei pioneira paulista n° 10241/99 sancionada em 1999 pelo então Governador Mario Covas, lei esta que permitia ao paciente a recusa ao tratamento doloroso ou extraordinário para o prolongamento da vida, em situações terminais. A Resolução1805/200618 do Conselho Federal de Medicina foi um grande avanço na normatização da ortotanásia. Entretanto uma ação civil pública por parte do Ministério Público levou a uma expedição de liminar da 14a. Vara Federal do Distrito Federal que impediu a eficácia desta resolução. O anteprojeto do Código Penal com relação ao artigo 121 parágrafo 4° restabelece legalmente os princípios da resolução do CFM com relação a ortotanásia conforme seu enunciado19:

”Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão”. (ANTEPROJETO de Lei, Código Penal, artigo 121, parágrafo 4° - Exclusão de ilicitude).

Sabemos que, em situações cataclísmicas, emissão de radiações, queimaduras e outros elementos químicos muitas vezes as vítimas encontram-se em situações do tipo “turning point”, ou seja, tratamento emergencial além das possibilidades clínicas.

11. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob o prisma da ética colocamos em evidência a necessidade da atuação dos meios governamentais e não governamentais, relacionados à área de saúde a fomentar políticas de contínua educação operacional a guisa da redução dos riscos de desastres naturais e catástrofes. Outras áreas técnicas devem estar em alerta, tanto preventivas como operacionais. O preparo do profissional é inquestionável e a educação continuada deve fazer parte de currículos de graduação e pós-graduação. Os preceitos dos códigos de éticas profissionais devem ser postos em evidência. Não olvidar a legislação e o princípio constitucional da dignidade humana, pilar fundamental do Estado Democrático e de Direito. A exegese da positivação jurídica em referência à Bioética necessita ser intensa, constante e atualizada.

Ações de entidades públicas e privadas devem objetivar maiores investimentos em biotecnologia, seja no campo da genética ou em nanociência, com o escopo principal de combate às grandes epidemias. As pesquisas científicas devem ser estimuladas no combate às doenças infecto-contagiosas, com absoluto controle ético evitando a maximização de interesses privados. Muito embora se tenha conseguido índices de redução da transmissibilidade da AIDS, epidemia de maior impacto da era contemporânea, ainda persistem problemas éticos nos estudos afins. Através de próximas revisões da Declaração de Helsinque se buscará um adequado ponto de equilíbrio na resolução dos conflitos éticos da pesquisa biomédica com os interesses da indústria farmacêutica.

A Bioética é de fundamental importância no enfrentamento das catástrofes e epidemias, seja no campo da macrobioética, onde se avalia a preocupação com a preservação do meio ambiente, combate à fome e produção de medicamentos e vacinas, como também na estratégia de atendimento às vítimas em que tange aos tópicos relacionados a distanásia e a ortotanásia.

12. REFERÊNCIAS

A BIBLIA SAGRADA, Gênesis 6,17 e 7,23. Sociedade Bíblica do Brasil. Barueri, SP.

ARICÓ, Carlos Roberto. Arqueologia da Ética. São Paulo: Ìcone, 2001.

ANTEPROJETO de lei. Código penal. Artigo 121, parágrafo 4°.

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DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. 4.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.

GARRAFA, Volnei; Lorenzo, Cláudio. Helsinque 2008: redução de proteção e maximização de interesses privados. In Medicalização da Vida. Ética, Saúde Pública e Industria Farmacêutica. Organizadores: Caponi,S; Verdi,M.; Brzozowski,F.S.; Hellmann, F. Editora Unisul, 2010.

JORNAL DA ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA, SOS Haiti. A Ética em eventos de calamidade, p. 18 e 19. Março/Abril 2010, Ano 51, n° 1365.

GRECO, Dirceu B. Ética, Saúde e Pobreza. As Doenças Emergentes no Século XXI. Disponível em:

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LÊDO, J.C.S; HOSSNE, W.S; PEDROSO, M.Z. Introdução às questões bioéticas suscitadas pela nanotecnologia. BIOETHIKOS – Centro Universitário São Camilo – 2007; 1(1):61-67.

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RELATÓRIO DO SERVIÇO INTERNACIONAL PARA A AQUISIÇÃO DE APLICAÇÕES EM AGROBIOTECNOLOGIA. Disponível em: <http://www.isaaa.org/resources/publications/briefs>. Acesso em 28/06/10.

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1 SPIGNESI, Stephen J. As 100 maiores catástrofes da história. Tradução Favio Marcos e Sá Gomes. Rio de Janeiro-RJ: Editora Bertrand Brasil Ltda, 2005.

2 SAGRADA, BÍBLIA. Gênesis 6:17. Sociedade Bíblica do Brasil. Barueri, SP.

3 SAGRADA, BÍBLIA. Gênesis 7:23. Sociedade Bíblica do Brasil. Barueri, SP.

4 SPIGNESI, Stephen J. As 100 maiores catástrofes da história. Rio de Janeiro-RJ: Editora Bertrand Brasil Ltda, 2005.

5 Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae acesso em 22/05/10 às 18 horas

6 Disponível em: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/05/471916.shtml acesso em 22/05/10 às 18 horas.

7 LÊDO, J.C.S; HOSSNE, W.S; PEDROSO, M.Z. Introdução às questões bioéticas suscitadas pela nanotecnologia. BIOETHIKOS – Centro Universitário São Camilo – 2007; 1(1):61-67.

8 Disponível em: http://www.monsanto.com.br/produtos/biotecnologia/perguntas-maisfrequentes/aspectoseconomicos/ acesso em 05 de agosto de 2010.

9 Disponível em: <http://www.transgenicos.pr.gov.br/modules/noticia/article.php?storyid=9. Acesso em 02 de agosto de 2010.

10 Disponível em: http://www.lobbywatch.org/archive2.asp?ascid=7080. Acesso em 05 de agosto de 2010.

11 Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12448776. Acesso em 06 de agosto de 2010.

12 Ìdem: pubmed/24441651.

13 Disponível em: http://www.isaaa.org/resources/publications/briefs. Acesso em 28/06/10.

14 BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil, DF: Senado, 1988.

15 BRASIL. Lei Nº 73.47-85, de 24 de julho de 1985.

16  BRASIL. Lei Nº 11.105, de 24 de março de 2005.

17 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 372, de 10 de março de 2005.

18 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução Nº 1.805/2006. Publicada no D.O.U., 28 nov. 2006, Seção I, pg. 169.

19 ANTEPROJETO de lei. Código penal. Artigo 121, parágrafo 4°.


Publicado por: Jomar Giostri

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