Revolta Protestante - Motivações, Influências e Fatos

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1. INTRODUÇÃO

Desde seu inicio, a religião cristã foi perseguida, proibida e por séculos seus seguidores viveram se reunindo escondido, contudo muitos foram martirizados nas arenas romanas. Contudo o movimento crescia sem que pudesse ser combatido até que o Imperador Constantino lançou um edito em que a religião cristã pela primeira vez era aceita como uma das religiões do Império.

Como diz Jesse Lyman Hurlbut:

Da repentina mudança de relações entre o Império Romano e a Igreja surgiram resultados de alcance mundial. Alguns úteis e outros danosos, tanto para a Igreja como para o Estado. É fácil verificar em que sentido a nova atitude do governo beneficiou a causa do cristianismo.

Cessaram, como já dissemos, as perseguições. Durante duzentos anos antes, em nenhum momento os cristãos estiveram livres de perigos, acusações e morte. Entretanto, desde a publicação do Edito de Constantino, no ano 313, até o término do império, a espada não foi somente embainhada, mas enterrrada. (2007, p. 88).

Daí em diante o Cristianismo cresceu chegando a ser a religião dos imperadores, e seu poderio aumentou atraindo a partir desse momento não mais pessoas que verdadeiramente se convertiam (pondo em risco sua própria vida), mas pessoas inescrupulosas que só pensavam em conseguir vantagens e mais poder.

Com isso a Igreja que se mantinha pura doutrinalmente durante séculos passou a ser incomodada por novas doutrinas em seu seio, e não soube combater esse mal iniciando assim o que muitos historiadores falam em ser o “início da Igreja Católica Apostólica Romana”, que passou a se formatar na forma mais parecida com a que vemos hoje: com grande hierarquização, forte separação entre os clérigos e os fiéis e dogmas que hoje são concretos, mas eram desconhecidos no tempo dos apóstolos.

Essa modificação da estrutura eclesiástica da igreja – que passou de igreja perseguida e marginal à igreja mais poderosa do império – incomodou muitos e durante séculos seus esforços para tentar mudar seu pensamento ou até mesmo formar novas denominações foram em vão.

Esse projeto de pesquisa busca tratar exatamente destes movimentos que fracassaram e como a sociedade europeia mudou a ponto de até influenciar a formação de um pensamento de reforma que pudesse se adequar à ideia vigente da época.

É de extrema importância para a historiografia, a busca por entender como se deu a Reforma e seus motivos e influências. Aprofundar nos motivos e influências pode tirar o véu da sociedade europeia da época, mostrando o dia a dia desse povo não somente a conhecida causa da revolução que Lutero criara.

Muitos podem questionar o porquê do nome Reforma, para um movimento que causou uma ruptura gigantesca na Igreja, contudo deve-se avaliar que os movimentos tanto de Lutero quanto os que lhe influenciaram eram em seu inicio uma tentativa de mudança de conceitos dentro da Igreja, contudo com o tempo e a perseguição causada, passaram a lutar contra a própria igreja a fim de se separarem. Muitos não sabem das causas da reforma e tampouco que havia muitas outras que a precederam, com resultados não tão satisfatórios, mas com influencia decisiva na Reforma mais famosa.

O primeiro capítulo é dedicado a conhecer as revoltas que assolaram a Igreja, sendo imprescindível para o entendimento dos motivos que levavam a buscar a reforma, seus pensamentos, líderes e como foram combatidos pela Igreja em questão. Destaco as principais revoltas do período do fim da Idade Média e o começo da Renascença, sendo possível ter uma visão da sociedade da época e suas mudanças mais significativas. Mostra-se também que mesmo eles não sendo vitoriosos em suas tentativas seus escritos eram levados a vários cantos do continente, mantendo assim uma chama que continuava acesa e era acessada pelo povo principalmente pelas universidades e se expandia para a população comum.

O segundo capítulo trata da parte crucial desta pesquisa, os motivos que levaram ao sucesso de Lutero em detrimento ao fracasso das revoltas anteriores. Afirma-se que as mudanças da sociedade europeia influenciaram decisivamente o sucesso da Reforma Luterana, explicando cada uma com base em livros de pesquisadores renomados como Jesse Lyman, Max Webber, Justo L. Gonzàlez e Earle E. Cairns. Motivos estes que são pouco destacados nas pesquisas sobre a reforma protestante, contudo acredito serem de extrema importância para entender como esta obteve sucesso enquanto as outras não. E esse é o ponto determinante, em que mostro que mesmo as outras reformas serem bem estruturadas e possuírem líderes carismáticos e pessoas que acreditavam em suas ideias, o momento em que aconteceram ainda não era favorável, sendo que não possuíam o apoio necessário para enfrentar as perseguições que a Igreja os infligiam.

Como diz González:

Por outro lado o impacto que Lutero causou se deve em boa parte às circunstâncias que estavam fora do alcance de sua mão e das quais ele mesmo frequentemente não se apercebia. A invenção da imprensa fez com que suas obras fossem difundidas de uma maneira que tinha sido impossível fazê-lo poucas décadas antes. O crescente nacionalismo alemão, de que ele mesmo era de certo ponto participante, se prestou a ser um apoio inesperado e muito valioso. Os humanistas, que sonhavam com uma reforma segundo a concebida por Erasmo, ainda que consequentemente não pudessem aceitar o que lhes parecia ser os exageros e a rudeza do monge alemão, tão pouco estavam dispostos a que o esmagassem sem antes ser escutado, como tinha ocorrido no século anterior com João Huss. As circunstâncias políticas no começo da Reforma foram um dos fatores que impediram que Lutero fosse condenado imediatamente e quando por fim as autoridades eclesiásticas e políticas se viram livres para agir, já era demasiado tarde para calar o seu protesto.

Ao estudar a vida de Lutero e também a sua obra, uma coisa fica bem clara: é que a tão esperada reforma se produziu, não porque Lutero ou outra pessoa se havia proposto a isso, mas porque ele chegou no momento oportuno e porque nesse momento o Reformador, e muitos outros junto dele, estiveram dispostos a cumprir sua responsabilidade histórica. (1995, p.41).

O terceiro capítulo vem mostrar a Reforma em si, destacando os principais momentos e uma analise tanto da revolta quanto de seu líder. Ressalta-se também como Lutero soube aproveitar esse momento único para conseguir a vitória tendo perspicácia e sabedoria.

Por fim, encerra-se a pesquisa com as considerações finais, fazendo uma conclusão de tudo que foi escrito e pesquisado, reforçando minha posição em destacar o quanto a Europa mudou com o fim da Idade Média e o quanto isso foi decisivo na luta pela reforma na Igreja e o sucesso da Revolta de Lutero.

2. CAPÍTULO 1 – OS MOVIMENTOS RELIGIOSOS QUE FRACASSARAM, PORÉM ECOARAM SOBRE OS TEMPOS

Durante toda sua existência a igreja católica sempre enfrentou cismas e tentativas de separações ou buscas por novos modos de viver a fé cristã, tendo em muitos momentos que utilizar de influência real para acalentar uma revolta ou até mesmo de exércitos próprios em busca de calar os revoltosos para manter uma imagem de exclusividade da fé e única a ditar as regras sagradas das escrituras. A igreja reinava absoluta e poderosa, tendo o Papa o poderio terrestre pra dizer o que deveria ser feito tanto pelos vivos como pelos mortos, e também a certeza de quem iria pro céu ou pro inferno. Muitas revoltas foram fortes em suas reivindicações tanto na moral como no ensino das escrituras pela igreja, porem eram sucumbidos pela força imperial de suas estruturas religiosas.

Para estudarmos a revolta que “deu certo”, interessante é começarmos por alguns movimentos e reformadores que não deram, buscando perceber com sensibilidade onde elas sucumbiram. A Idade Média foi determinante para a consolidação do poderio da Igreja, elevando os ideais da cristandade e na pessoa do papa, chegou à plenitude de seu poder. Grandes catedrais de pensamento teológico eram construídas nas universidades sendo que na teoria a Europa estava unida.

De acordo com Gonzáles:

Mas em meio a todos esses elementos de unidade, à primeira vista inquebrantáveis, existiam tensões e pontos fracos, que mais tarde derrubariam o grande edifício que a cristandade medieval construíra com seus ideais elevados. (2011, p. 448).

Diante dessa aparente superfície de calmaria os movimentos que tentavam reformar a igreja eclodiam em pensadores que buscavam a compreensão da igreja em seus temas, contudo o que mais conseguiram foi trazer a tona em um pequeno período de tempo esses temas sendo posteriormente sucumbidos pela força esmagadora da igreja que tudo via e ouvia. São considerados precursores da Reforma de Lutero, sendo essenciais na formação de uma identidade reformadora junto ao jugo papal, sendo que não conseguiram aglutinar em si mesmos os pressupostos para obter o sucesso que Lutero conseguiu (e que vamos analisar mais adiante). Muitos precursores tinham os mesmos objetivos ou a mesma determinação, porem se viam em um momento que o apoio tanto da monarquia, quanto do povo não estava ainda consolidado. Ainda não havia uma burguesia efervescente nas cidades, os reis e príncipes ainda viviam dominados pelo medo de perder a salvação e muitos da liberdade renascentista ainda não existia.

Como diz Earle E. Cairns:

Os místicos tinham tentado tornar pessoal a religião, mas os reformadores, como Wycliffe, Huss e Savonarola, empenharam-se mais numa tentativa de fazer a Igreja voltar ao ideal do Novo Testamento. (1988, p. 204).

E foi esse ideal de retorno ao novo testamento que impulsionou os reformadores a lutar por suas ideias, aproveitando momentos de luta interna na Igreja ou de descuido eles cresceram se tornando um movimento ou mesmo sendo guiados por algum líder carismático que demonstrava ao povo seus pensamentos.

Como diz Jesse Lyman Hurlbut:

Durante este período, especialmente no seu ocaso, manifestaram-se réstias de luz religiosa, presságios da futura Reforma. Cinco grandes movimentos de reforma surgiram na Igreja; contudo, o mundo não estava preparado para recebê-los, de modo que foram reprimidos com sangrentas perseguições (2007, p. 168).

Iniciaremos agora o estudo destes cinco grandes movimentos para em seguida analisarmos numa ótica dos acontecimentos que levaram a sucumbir.

2.1. ALBIGENSES, 1170

Também chamados de cátaros, “puros, puritanos”, foram um grupo que conseguiu proeminência no sul da França, rejeitando a autoridade da tradição, distribuíam o Novo Testamento e eram contrários às doutrinas romanas do purgatório, à adoração de imagens e às pretensões sacerdotais, sendo também relacionados aos maniqueístas e gnósticos. O termo Albigense se refere à cidade de Albi, situada no sudoeste Francês, onde a influência dos cátaros era gigantesca, espalhando seus ensinamentos em várias partes da França, Espanha até a Inglaterra. Não se consideravam hereges e sempre atacavam o poderio do papa em suas pregações. “Eles se julgavam herdeiros dos apóstolos e foram condenados por isso”, escreve Mark Gregory Pegg em The Corruption of Angels (“A Corrupção dos Anjos”, inédito no Brasil). Em 1208, o papa Inocêncio III organizou uma “cruzada” contra eles sendo então os seus seguidores dissolvidos com o extermínio de quase toda a população da região, não somente a considerada herética, mas inclusive os católicos, se encerrando em 1214.

2.2. VALDENSES, 1170

Comerciante de Lyon na frança, Pedro Valdo nascido em 1140 aos vinte anos deixou todos os seus bens aos pobres e fundou um movimento espiritual baseado na mendicância e na pobreza, coisa bastante diferente da vida em que a Igreja daquela época vivia sempre rodeada de riqueza e ouro por todos os lados, sendo criticados pelos religiosos, criou em 1175 uma fraternidade laica juntamente com um conjunto de pregadores sem hierarquização ou títulos clericais, que viajavam pelo centro e sul da França, pregando e ajudando os pobres. O arcebispo de Lyon o desautorizou, porém Valdo apelou ao papa Alexandre III, que não desautorizou o movimento, mas recomendou que Valdo e seus seguidores fossem hierarquizados e seguissem os ritos da Igreja, coisa que Valdo não fez, ousadamente continuou independente em face de toda a hierarquia estrutural, causando ainda mais celeuma ao traduzir a bíblia para sua língua, o provençal, e atacar dizendo para seus seguidores voltarem ao evangelho puro sem bulas e determinações posteriores feitas por papas.

Diante destes acontecimentos Pedro Valdo foi excomungado em 1184 pelo papa Lucio III, e seu movimento foi considerado herético sendo que logo eles fugiram da perseguição e se esconderam nos Alpes, onde vivem até os dias de hoje seus ensinamentos e seguidores. Foram várias as perseguições que a Igreja fez contra o movimento, levando cada vez mais a radicalidade, seus principais dogmas eram a negação do purgatório, as indulgências, o culto aos santos e os sacramentos, pregando a autoridade somente da bíblia como autoridade de fé.

Quando se fala em Pedro Valdo, logo vem à mente a figura de São Francisco de Assis, que semelhante o primeiro também era um rico mercador que doou todos os seus bens aos pobres e buscar conscientizar a Igreja a retornar a um modo de vida mais simples como na época dos apóstolos. Porém termina aí as comparações, pois um é venerado como um dos maiores santos da Igreja Católica, e o outro é quase desconhecido pela maioria dos estudantes de religião. O que causou isso foi a tomada de decisões após a ida dos dois lideres a Roma, sendo que Francisco após ser ouvido pelo papa Inocêncio III seguiu todos os ritos que a Igreja lhe impunha para que fosse reconhecido sua nova ordem, pelo contrário Pedro Valdo desobedeceu a ordem de Alexandre III e não se submeteu à autoridade do bispo de Lyon, sendo excomungado posteriormente. Ou seja, Valdo foi considerado herege e Francisco um santo somente pelo favoritismo Romano, caracterizando assim uma máxima que foi instituída pelo papa Bonifácio VIII, com a bula UNAN SANCTAM que afirma que “fora de Roma não há salvação”.

Sobre os dois personagens destacados aqui, Dom Estevão Bettencourt diz:

A Igreja atingiu o auge do seu prestígio no plano temporal sob o pontificado de Inocêncio III (1198-1216), que era tido como o Representante do Rei dos Reis. Valdo viveu numa época em que se dava a ascensão desse prestígio perante os soberanos cristãos deste mundo. Essa ascensão assustava muitos fiéis piedosos, que, ao lado dos valores, viam contra-valores nesse poderio da Igreja. Daí a reação de alguns indivíduos e grupos contra o fausto da face visível da Igreja. Pedro Valdo é uma das expressões desse "susto". São Francisco de Assis o foi no início do século XIII, com a diferença, porém de que Francisco guardou fidelidade à Igreja, ao passo que os valdenses romperam com ela. O movimento franciscano não travou polêmica contra a autoridade da Igreja, mas ao contrário edificou a Igreja, acompanhado pelos frades ditos "mendicantes" dominicanos, carmelitas e agostinianos. (fonte: http://www.pr.gonet.biz/kb_read.php?num=1179).

2.3. JOHN WYCLIFE, 1329 – 1384

Formado na Universidade de Oxford, Wyclife era conhecido pela sua erudição e lógica, revelando-se como homem dotado de privilegiada mente e disposto a usar seus poderosos argumentos até as ultimas instâncias. Nascido em 1329 pouco se sabe sobre sua infância ou adolescência, indo muito cedo estudar em Oxford até se tornar doutor em teologia e chefiar os conselhos que diriam aquela instituição.

Durante este tempo a Coroa Inglesa possuía sérias tensões com a Cúria Romana. Como o papado naqueles dias estava em Avignon (período do Cativeiro Babilônico), desagradava ao povo inglês enviar dinheiro a um papa que estava sob tutela e influência do inimigo o rei Frances, causando na sociedade inglesa um sentimento de nacionalismo que rivalizava com a ideia papal de comandar todos os rincões da Europa com uma única profissão de fé e autoridade.

Como diz Earle E. Cairns:

Esse sentimento nacionalista natural aumentou o ressentimento real e da classe média por causa do dinheiro desviado do tesouro inglês e da administração do estado inglês através dos impostos papais. (1988, p. 204).

Wycliffe tinha grande vontade de reformar a Igreja eliminando a imoralidade dos padres e a grande corrupção que reinava sobre os clérigos. Sua pregação era fortemente focada na volta dos costumes simples do Velho Testamento e no desprendimento dos bens que os religiosos possuíam. Sua pregação contra o clero Romano agradou a sociedade inglesa da época sendo que se suas ideias fossem iniciadas em outro lugar certamente seria martirizado. Começou a divulgar ideias contrárias a muitos dogmas romanos como a crítica a doutrina da transubstanciação, a autoridade do papa entre outras críticas que ecoaram fortemente naquele tempo. Em 1382 terminou a tradução do Novo Testamento para o inglês, coisa que a Igreja Romana condenava veementemente, contudo agradou ao povo inglês que via nisso uma independência maior dos religiosos romanos, e incentivava a crescente sensação de nacionalismo.

Sua principal base de pregação foi a ideia de “Senhorio”, onde Wycliffe declarava que o único senhorio vinha de Deus e todo senhorio emanava Dele sendo que a autoridade dos clérigos era somente uma concessão que Ele permitia.

De acordo com Gonzáles:

Qualquer pessoa tem domínio ou senhorio sobre outra somente porque Deus lho concede. Mas existe também um senhorio falso e ilegal, puramente humano. Este é uma usurpação, em vez do senhorio verdadeiro. A Bíblia nos fornece um critério claro para distinguir entre os dois: Jesus Cristo, a quem pertence todo domínio, não veio para ser servido, mas para servir. Da mesma forma, somente é legítimo o senhorio humano que se dedicar a servir, e não a ser servido. (2011, p.489).

Essa foi sua máxima, e com isso conseguia provar que a autoridade dos religiosos e até do papa era uma autoridade não emanada de Deus, pois eles viviam em uma vida de luxo e de pessoas que os serviam mais do que tudo.

Contudo essa ideia atacava diretamente aos reis e nobres ingleses que também possuíam uma autoridade que supostamente emanava de Deus e como eram servidos, eram usurpadores dessa autoridade. Isso lhe causou descontentamento dos nobres e da Coroa, que se revoltaram neste momento com Wycliffe e não mais o apoiaram. Contudo seus ensinos se espalharam pela Europa influenciando até Lutero e sua reforma.

Como diz Earle E. Cairns:

As habilidades de Wycliffe influenciaram na preparação do caminho para a reforma na Inglaterra. Ele deu aos ingleses sua primeira Bíblia no vernáculo e criou o grupo lolardo para proclamar ideias evangélicas entre o povo comum da Inglaterra. Seus ensinamentos de igualdade na igreja foram aplicados à vida econômica pelos camponeses, que se revoltaram na Revolta dos Camponeses de 1381. (1988, p. 206).

2.4. JOHN HUSS, 1369 – 1415

Nos tempos em que o Rei inglês Ricardo II tomou como esposa Ana da Boêmia, muitos estudantes deste território se deslocaram para estudar em terras inglesas, sendo que ao retornarem a suas cidades, levavam consigo os escritos de Wycliffe. John Huss (ou João Huss) que naquele momento era um estudante na universidade de Praga leu e tomou pra si os ensinamentos de Wycliffe. Nascido de uma família camponesa, que vivia na aldeia de Husinec, ingressou na universidade de Praga ainda adolescente, chegando a ser reitor e exercendo marcante influência em toda Boêmia. Suas pregações em muito contribuíram para a identidade nacionalista dos boêmios, num momento de lutas contra o domínio do Império Alemão que dominava a região.

De acordo com Gonzáles:

Outro fator político importante era a tensão entre os boêmios ou checos e os alemães. Estes últimos, mesmo sendo minoria relativamente pequena, tinham muito poder. Na Universidade de Praga, por exemplo, sem serem a maioria, eles tinham três votos, e os checos somente um. O sentimento nacionalista boêmio aumentava cada vez mais, e foi um dos fatores importantes no curso posterior da reforma hussita. (2011, p. 494).

Precursor da Reforma religiosa da Boêmia, Huss ensinou que o papa não possuía nenhuma autoridade de remissão de pecados quando vendia indulgências aos fiéis, criticava a ganância dos padres e a imoralidade que reinava no seio das paróquias, onde padres só eram castos nominalmente, tendo vários filhos bastardos e até mulheres vivendo com eles em suas casas.

As obras de Wycliffe tiveram impacto gigantesco na pessoa de Huss, porém o Boêmio estava mais preocupado com a parte prática da Igreja e ao contrário do reformador inglês, Huss era um homem extremamente gentil contando com grande apoio popular.

Neste período havia três papas rivalizando o poder da Igreja, e com as reviravoltas políticas o papa vencedor acabou proibindo a leitura das obras de Wycliffe e a pregação fora dos lugares de culto do catolicismo (catedrais, mosteiros e igrejas paroquiais), atingindo Huss que possuía seu maior ponto de pregação na capela de Belém na Universidade de Praga. Huss começou então a um detalhado exame de consciência que o levou a continuar pregando em seu púlpito a reforma desafiando as ordens papais.

De acordo com Gonzáles:

Esse foi seu primeiro ato de desobediência, e a ele seguiram muitos outros, pois, quando em 1410 foi convocado a Roma, a fim de dar conta das suas ações, ele se negou a ir, em consequência, o Cardeal Colonna o excomungou, em 1411, em nome do papa, por não ter acedido à convocação papal. Apesar disso, Huss continuou pregando em Belém e participando da vida eclesiástica, pois contava com o apoio dos reis e de boa parte do país. (2011, p. 495).

Huss se tornou um grande problema para a Cúria Romana e também para o Imperador Sigismundo, que buscava o reconhecimento de seu trono pelo papa João XXIII, com o passar do tempo Huss foi novamente excomungado pela igreja e fixado um prazo para que ele se apresentasse diretamente ao papa, com ameaças de se não o fizesse a cidade de Praga ficaria sob interdito. Por essa decisão Huss abandona a cidade e vai para o sul da Boêmia, onde continuou a pregar e dedicar à literatura. Nesse tempo Huss foi procurado com a noticia que haveria um grande concílio em Constança e que sua presença seria fundamental para a defesa de suas ideias, tendo até um salvo-conduto emitido pelo imperador.

Até esse ponto a vida de Huss se assemelha bastante com Lutero, pois os dois eram reformadores que criticavam a venda de indulgências, fato comum em suas épocas, e questionavam a autoridade do papa para decidir sobre o futuro de um povo, protegidos pelos interesses dos reis e poderosos que defendiam uma maior autonomia religiosa. Entretanto as decisões tomadas no Concílio de Constança contra John Huss foi determinante para que a reforma definitiva só fosse mesmo impetrada quase um século depois na Alemanha. Huss chegou na esperança de ser ouvido por uma grande plateia e também de defender seu ponto de vista, contudo muitos perigos lhe esperavam e rumores de que ele era um herege já se espalhavam em todos os lugares.

De acordo com Gonzáles:

João XXIII o recebeu com cortesia, mas poucos dias depois o chamou para o consistório papal. Huss foi, mesmo insistindo que viera para expor sua fé diante do concílio, e não do consistório. Ali ele foi formalmente acusado de herege, respondendo que preferia morrer a ser herege, e, se o convencessem de que o era, ele se retrataria. A questão ficou suspensa, mas a partir de então Huss foi tratado como um prisioneiro, primeiro em sua casa, depois no palácio do bispo, e por ultimo em uma série de conventos que lhe serviam de prisão. (2011, p. 496).

Mesmo com reclamações do imperador a quem havia lhe dado o salvo conduto, nada foi feito e Huss continuou no cárcere por um grande tempo enquanto muitos acontecimentos se desenrolavam no Concílio de Constança. Foi levado a presença dos inquisidores e formalmente acusado de heresia, sendo lhe dado a opção de retratação. Contudo Huss estava determinado e em nada fraquejava sempre defendendo seus escritos, seu ponto de vista e seus seguidores. Foi condenado a fogueira em 6 de julho de 1415 permanecendo sereno em seus desígnios, morreu cantando o hino em grego “Kyrie eleeson” (Senhor tem misericórdia).

2.5. JERÔNIMO SAVONAROLA, 1452 – 1498

Como diz Jesse Lyman Hurlbut:

Jerônimo Savonarola, nascido em 1452, foi um monge dominicano, em Florença, Itália, e chegou a ser prior do Mosteiro São Marcos. Pregava tal qual um dos profetas antigos, contra os males sociais, eclesiásticos e políticos de seu tempo. A grande catedral enchia-se até transbordar de multidões ansiosas não só em ouvi-lo, mas também para obedecer aos ensinos. (2007, p. 171).

Diferente dos dois últimos que estudamos, Savonarola seguia os ritos católicos com veemência e fé, e somente almejava renovar a conduta moral e de fé de sua cidade Florença.

Como diz Earle E. Cairns:

Wycliffe e Huss foram estigmatizados como hereges que colocaram a Bíblia como primeiro padrão de autoridade; Savonarola, porém, estava mais interessado na reforma da Igreja em Florença. (1988, p. 207).

Savonarola era um grande monge que assumiu como prior da Catedral de São Marcos, com pregação fervorosa e grande orador, vivia para a pregação da palavra e dos dogmas da fé, contudo criticava muito a avareza e a acumulação de riqueza dos sacerdotes, sendo que em muitas vezes proclamava os fiéis a vender seus bens e se libertarem das vaidades, queimando as roupas luxuosas e doando dinheiro aos pobres. Vendeu muitas terras que pertencia a igreja e ao convento e com isso ganhava cada vez mais a simpatia e a admiração do povo de Florença. Contudo o clima político estava instável e após a queda dos Médicis, Savonarola apoiou o Rei Frances Carlos VIII e conseguiu que a cidade de Florença não fosse saqueada.

Entretanto uma aliança com o papa Alexandre VI, vários estados italianos, e os monarcas da Espanha e da Alemanha foi formada para lutar contra o Rei Frances, sendo que por várias vezes o papa buscou o apoio de Savonarola tendo seus pedidos negados todas as vezes, pois o monge permanecia fiel a seu compromisso com o monarca Francês. Isso lhe causou grandes problemas sendo que o papa enviou sua excomunhão não sendo aceita por Savonarola, porém o papa resolveu atacar a cidade de Florença, proibindo os comerciantes florencianos de venderem em Roma e ameaçando a cidade de interdito dentre várias outras medidas que causaram furor e descontentamento aos cidadãos de Florença, sendo que após um tumulto causado pelos poderosos da cidade, a turba revoltada se deslocou pra São Marcos pedindo a presença de Savonarola sendo preso.

De acordo com Gonzáles:

Enquanto o frade orava, alguns dos seus seguidores mais fiéis empunhavam as armas em sua defesa. Posteriormente, o profeta se entregou aos que exigiam que ele fosse preso. Ao ver o antes tão poderoso pregador amarrado, muitos zombaram dele, cuspindo nele e dizendo-lhe palavrões. (2011, p. 533).

Savonarola ficou por muito tempo enclausurado sendo torturado diversas vezes em busca de alguma confissão de culpa ou heresia, porém o monge continuou firme em suas convicções, fazendo com isso que os poderosos da cidade o acusassem de heresia sem relatar qual tipo de heresia isso se tratava.

De acordo com Gonzáles:

Nos três julgamentos, Savonarola foi condenado sem misericórdia. Os legados do papa não conseguiram mais do que a confissão de que ele tivera a intenção de apelar a um concílio universal. Por fim, sem obter a confissão desejada, condenaram-no como “herege e cismático”, embora nunca tenha declarado em que consistia sua heresia. (2011, p. 533).

A única piedade que Savonarola obteve foi ser enforcado antes de ser queimado juntamente com dois de seus seguidores, sendo que os três morreram com serenidade exemplar.

Este capítulo mostra como os séculos anteriores à reforma de Lutero foram efervescentes e prepararam o caminho para a grande reforma Alemã, com muitos dos pensamentos de Lutero sendo iniciados nestes tempos, contudo ainda faltavam fatores para que o sucesso fosse alcançado de forma definitiva, e isso aconteceu quando o religioso alemão começou a pregar suas teses na catedral de Wittenberg, sendo determinante para o sucesso da Reforma Alemã.

Esses fatores serão apresentados e discutidos nos capítulos seguintes da presente pesquisa.

3. CAPÍTULO 2 – A EUROPA NO PERÍODO QUE ANTECEDE A REFORMA E AS MUDANÇAS NA SOCIEDADE EUROPEIA QUE CULMINARAM NO SUCESSO DE LUTERO

Durante a Idade Média, a Igreja Católica consolidou seu poderio sobre o mundo, muito por ter se tornado uma instituição rígida e seus tentáculos estarem em praticamente todos os estados; outra justificativa foi por possuir o monopólio da fé, apregoando para si o título de “única igreja de Cristo”, conduzindo a Europa a sentir uma necessidade intensa de buscar seus serviços e benfeitorias a alma humana. Os 10 séculos da chamada “Idade Média”, foram importantes para a sua expansão e solidificação colossal, aproveitando em muitos casos a desagregação política que caracterizou esse momento na Europa, período em que os grandes líderes se sucumbiram deixando um vácuo de poder político, sendo em muitas localidades aproveitado pela igreja para manter seu status como líder do povo.

Como vimos no capítulo anterior, havia um grande movimento de renovação eclodindo em vários cantos da Europa, sendo alguns pouco lembrados e outros que causaram grande desgaste na Cúria Romana, contudo todos esses focos eram suprimidos ou eliminados com os mecanismos que a Igreja possuía. Seu grande poderio era intensamente utilizado para calar os grandes pensadores e reformadores da época, pois nenhum rei queria problemas com a igreja de Roma e seu poderio.

Como diz Jesse Lyman Hurlbut:

Enquanto o governo dos Estados vacilava e mudava sucessivamente, o império da Igreja permanecia cada vez mais forte. Durante esses séculos de instabilidade, a Igreja era a única instituição sólida. As reclamações de domínio por parte de Roma eram quase sempre apoiadas pelo clero, desde o arcebispo até o sacerdote mais humilde. Durante a Idade Média, o monasticismo cresceu por toda parte. Monges e abades uniam-se aos padres e bispos na luta pela conquista do poder. A Igreja possuía fortes aliados em toda parte, que jamais falhavam na defesa de seus interesses. (2007, p. 127).

Os impérios cresciam e ruíam, contudo o poder da Igreja permanecia como o único farol da cristandade que cuidava das mazelas das guerras e dos pobres, os imperadores precisavam de sua benção e a coroação era feita pelo próprio papa que deslocava de seus aposentos para entregar a coroa numa forma de legitimizar a coroação e simbolizar que a coroação possuía a aprovação de Deus.

A sociedade medieval era caracterizada pelo poder do rei e sua nobreza e da igreja e seus sacerdotes, sendo a população excluída de todas as decisões e processos de modificação social, incluindo os direitos que hoje são tão normais a todos os cidadãos, não havia sentimento de nação ou de pertencimento de uma, sendo o homem comum somente uma propriedade do rei em questão que tinha muitos afazeres e poucos prazeres. Dentro desse panorama que a Europa começa a mudar e a Idade Média começa a ruir, sendo que as mudanças atingiriam dessa vez não só a sociedade, mas também a Igreja que até aquele momento reinava absoluta na vida religiosa do povo. Essas modificações estruturais na sociedade europeia foram essenciais para que Lutero obtivesse sucesso anos mais tarde em sua revolução e impedissem que a Igreja Católica o perseguisse sistematicamente e lhe impusesse um castigo para que sua luta não vingasse.

Ironicamente, no fim da Idade Média, esse também foi um dos motivos que levaram a mudança de pensamento dos povos europeus impulsionando a formação de estados nacionalistas e a vontade de cada povo seguir seu próprio caminho e desejos. A Idade Média consolidou e fortificou as estruturas tanto políticas quanto religiosas da Igreja Católica, porém novos ventos estavam a soprar na Europa e mudanças de comportamento no seio do povo causaram um abalo na estrutura eclesiástica e dogmática da igreja.

Uma eclosão de eventos quase que simultâneos levaram a sociedade medieval a uma mudança de percepção tão grande que mudaram pra sempre a forma de viver do povo europeu e culminaram décadas à frente a influenciar um frade alemão a causar um rasgo na estrutura religiosa da igreja que nunca mais foi estancada.

Dentre vários fatores que possam ser utilizados para explicar esse sucesso, essa pesquisa focará, nos mais significativos ao modo de ver do pesquisador, sendo explanados e analisados a seguir:

3.1. RENASCENÇA

Sem dúvidas a Renascença foi um dos grandes movimentos que ajudaram tanto a Europa a mudar seus paradigmas como ajudou ao pensamento crítico da reforma a alcançar tantos lugares que antes não chegaria. A renascença marca a transição da era medieval para o mundo moderno, sendo a palavra usada para significar um renascimento da cultura e da literatura clássica.

Como diz Earle E. Cairns:

Num sentido amplo, a Renascença pode ser definida como aquele período de reorientação cultural em que os homens trocaram a compreensão corporativa, religiosa e medieval da vida por uma visão individualista, secular e moderna. (1988, p. 211).

Ainda Earle E. Cairns diz:

A atenção se focalizou nas ruas de Roma e de Atenas em vez de olhar para as ruas de Nova Jerusalém. A concepção teocêntrica medieval do mundo, em que Deus era a medida de todas as coisas, foi substituída por uma interpretação antropocêntrica da vida, em que o homem se tornada à medida de todas as coisas. Deu-se mais importância à glória do homem do que à glória de Deus. (1988, p. 212).

Com o aumento do comércio entre a Europa e o Oriente, as cidades começaram a ter um enriquecimento vertiginoso e com isso o comércio passou a ser mais importante que a agricultura. Os grandes comerciantes passam a investir em cultura e começam a ser patronos de artistas, pintores e escultores. Com destaque pra Renascença Italiana - que possuía uma classe média com muitos recursos – virou mania interessar-se por tudo que pudesse tornar a vida mais agradável e cheia de confortos. Pela primeira vez houve uma ruptura entre a vida religiosa de um homem e sua vida diária, sendo que o homem passou a ter mais tempo de ler coisas “livres” da interferência da Igreja, fazendo desenvolver na população média um sentimento de independência das ideias. As letras clássicas estavam de novo na moda e livros de filósofos gregos eram debatidos entre as pessoas que antes não teriam acesso a tais livros, colaborando para uma busca por novas verdades para serem discutidas.

3.2. A INVENÇÃO DA IMPRENSA DE GUTENBERG

A aquisição de livros na Idade Média era tal dispendiosa que em muitas igrejas da época a bíblia era presa por uma corrente para que não houvesse o perigo de ser roubada durante a noite. Isso também acarretava uma falta de leitura do povo que não possuía recursos para adquirir livros sendo que isso afastava da grande população o interesse em aprender a ler.

Outro grande problema era a dificuldade em se copiar os livros, sendo que os copistas demoravam até anos para terminar uma obra completa, tendo muitas vezes que utilizarem de abreviaturas para facilitar o trabalho, porem difíceis de entender.

Com isso em 1456, Gutenberg aprimora uma técnica que já era usada muitos anos antes na China e na Coréia, sendo utilizado um conjunto de tipos móveis de chumbo fundido, muito mais resistente que os de madeira utilizados anteriormente.

De acordo com Gonzáles:

Apesar disso, a imprensa teve impacto notável sobre as letras renascentistas. Em primeiro lugar, os livros se tornaram relativamente mais acessíveis. Quando somente havia manuscritos, e mesmo durante várias décadas depois da invenção da imprensa, os livros eram tão caros que em muitas bibliotecas eles estavam amarrados às estantes com correntes. Um erudito de recursos médios podia possuir apenas alguns poucos. Com a invenção da imprensa, foi possível começar a reproduzir em quantidades maiores alguns dos livros mais apreciados da antiguidade. (2011, p. 517).

A reinvenção da imprensa veio a ser um aliado arauto da Reforma que se aproximava, sendo agora mais fácil produzir livros e textos de grandes pensadores a preços mais baratos. Antes uma bíblia custaria o salário de um ano de um operário da Idade Média, agora os livros circulavam facilmente aos milhares ajudando a expandir muitas ideias dos grandes reformadores.

Como diz Jesse Lyman Hurlbut:

A imprensa possibilitou o uso comum das Escrituras e incentivou a tradução e a circulação da Bíblia em todos os idiomas da Europa. As pessoas que liam a Bíblia prontamente se convenciam de que a Igreja papal estava muito distanciada do ideal do Novo Testamento. Os novos ensinos dos reformadores, logo que eram escritos também eram logo publicados em livros e folhetos, e circulavam aos milhões em toda a Europa. (2007, p. 179).

3.3. O NACIONALISMO E O INICIO DA CLASSE MÉDIA

A Europa da Idade Clássica possuía em sua estrutura estatal, o conceito muito difundido de cidades-estados como a maior unidade política que eles poderiam organizar. Durante o Feudalismo, muitas destas cidades importantes na época clássica foram sendo esvaziadas e deixadas de lado, sendo que seus moradores migravam para os feudos com o intuito de produzir para se alimentar, e viver de forma a ter somente o senhor feudal o imperador e o papa como lideres. Contudo com o fim da Idade Média o sistema de feudos foi se desintegrando e as cidades tornaram a se encher de pessoas. As estradas e as rotas comerciais viviam abarrotadas de gente comprando e vendendo e a burguesia começava a florescer trazendo coisas de todas as partes do mundo para serem comercializadas. Nessa época começa a surgir na Europa o espírito nacionalista, sendo esse um movimento diferente das guerras medievais entre papas e imperadores.

O futuro da Europa estava não mais nas cidades-estados, e sim nas nações-estados que passavam uma sensação maior de pertencimento sendo pelo idioma em comum ou pelos traços culturais e tradição.

Como diz Earle E. Cairns:

A Inglaterra, a França e a Espanha foram as pioneiras na formação dessas nações-estados. A formação na Inglaterra se deu ao longo de uma monarquia constitucional em que a soberania era dividida pelo monarca e pelo parlamento. Os corpos representativos do povo na França e na Espanha não se tornaram tão poderosos como o parlamento na Inglaterra. A França e a Espanha se desenvolveram como nações-estados em que o soberano era absoluto. À medida que as cidades cresciam e o comércio se desenvolvia, surgiu a classe média. E ela procurava participar na vida política e religiosa. (1988, p. 217).

Esse nacionalismo sepultou o sonho de um só povo debaixo de um imperador e de um papa, sendo que os povos começaram a pensar em si mesmos como cidadãos de algum reino ou nação não aceitando mais de bom grado uma influência externa decidindo sobre o seu futuro, isso atingiu diretamente a Igreja que até aquele momento não permitia utilização de traços culturais e tradicionais de cada local em seus ritos e cerimônias.

Como diz Jesse Lyman Hurlbut:

O patriotismo dos povos começou a manifestar-se, mostrando-se inconformado com a autoridade estrangeira sobre suas próprias igrejas nacionais; resistindo às nomeações de bispos, abades e dignitários da Igreja feitas por um papa que vivia num país distante. O povo não se conformava com a contribuição do “óbolo de São Pedro”, para sustentar o papa e a construção de majestosos templos em Roma. (2007, p. 179).

Muitas reformas foram sendo implantadas e os imperadores começaram a diminuir o poder e a influência dos papas sobre suas terras, tendo tanto a França quanto a Inglaterra derrotado os esforços de Bonifácio VIII de manter o controle do clero em seus países, sendo que a partir desse momento todos os bispos eram aceitos somente depois do aval do rei, sendo que esse poder só seria implantado com o apoio da classe média que começava a ter cada vez mais poder e dinheiro, estes sendo contrários a entregar altas somas de dinheiro a bispos estrangeiros apoiaram as monarquias na luta, fazendo inflamar no coração do povo mais ainda o sentimento de nacionalismo.

Como diz Earle E. Cairns:

Nota-se também que os soberanos da Europa jamais teriam conseguido vencer o papado se não tivessem o apoio da classe média formada pelo comércio emergente fomentado pelo renascimento das cidades e pela renovação do comércio a partir de 1200. Os comerciantes das cidades e os ricos proprietários de terras, ambos membros da classe média, sustentaram os monarcas em sua oposição ao controle papal de suas regiões. A soberania descansava mais sobre os governantes das nações-estado que sobre Roma. (1988, p. 219).

A Reforma Protestante era uma forma de religião muito mais vantajosa para a classe média e a burguesia, sendo que durante séculos os burgueses sofriam com a condenação do lucro por parte da igreja católica. A usura também era muito criticada e isso enfurecia os setores bancários, que utilizavam do lucro sobre os empréstimos para sobreviver.

Mesmo sendo a reforma de Lutero mais alinhada com as ideias católicas sobre o lucro e a usura, as reformas posteriores foram se moldando ao ideal mais burguês, tendo um fator determinante para o apoio deste grupo que almejava juntamente com as monarquias locais tanto o investimento pesado no comércio e na economia, quanto se apoderar das terras da Igreja.

Como diz Webber:

E mesmo quando a doutrina se fez ainda mais conciliadora, como por exemplo, em Antonino de Florença, jamais deixou de existir a sensação de que a atividade dirigida para o lucro como um fim em si fosse basicamente um pudendum que só as injunções prementes da vida constrangiam a tolerar. [alguns moralistas da época, em particular da escola nominalista, aceitavam como um dado os esboços já bem desenvolvidos de formas capitalistas nos negócios e procuravam – não sem enfrentar contraditores – dá-los por lícitos, aceitando, sobretudo que o comércio era necessário, que a indústria que neles se desenvolvia era uma fonte de ganhos legítima e eticamente inatacável, mas a doutrina dominante repudiava o “espírito” do lucro capitalista turpitudo ou pelo menos não conseguia valorá-lo como eticamente positivo]. (2007, p. 65).

Com a reforma a prática do trabalho passa a ter uma visão mais humana e menos pautada nos ditames religiosos, o que antes era tido como errado e pecaminoso a alma humana agora estava sendo tratado como uma atividade benéfica e sendo incentivada a busca por melhor qualidade de vida. Quando a reforma se torna concreta, inicia com isso uma mudança de valores na sociedade sendo que tudo que era base do pensamento católico passa a ser execrado e combatido pelos pensadores reformados e a ideia de trabalho agora será uma máxima que se equivale ao amor ao próximo.

Como diz Webber:

Mas à medida que a ideia de sola fide se lhe torna mais clara em suas consequências e vai ficando cada vez mais aguçada sua consequente oposição aos ”conselhos evangélicos” do monacato católico enquanto conselhos “ditados pelo diabo” aumenta a significação da vocação numa profissão. Ora a conduta de vida monástica é encarada não só como evidentemente sem valor para a justificação perante Deus, mas também como produto de uma egoística falta de amor que se esquiva aos deveres do mundo. Em contraste com isso, o trabalho profissional mundano aparece como expressão exterior do amor ao próximo, o que de resto vem fundamentado de maneira extremamente ingênua e em oposição quase grotesca às conhecidas teses de Adam Smith, em particular quando aponta que a divisão de trabalho coage cada indivíduo a trabalhar para outros. Trata-se, como se vê, de argumento essencialmente escolástico que logo é abandonado, cedendo o passo à referência cada vez mais enfática ao cumprimento dos deveres intramundanos como a única via de agradar a Deus em todas as situações, que esta e somente esta é a vontade de Deus, e por isso toda profissão lícita simplesmente vale muito e vale igual perante Deus. (2007, p. 73).

Termina-se o presente capítulo da pesquisa acreditando serem os temas explanados acima os mais preponderantes no sucesso da Reforma Protestante que com Lutero teve seu primeiro sucesso marcante e depois se espalhou pela Europa não mais sendo possível parar, pois com todas essas mudanças ocorridas a sociedade europeia havia mudado de forma profunda e permanente. Busca-se destacar isso, pois em muitas pesquisas o tema da Reforma é mostrado sem se olhar os motivos, somente expondo os fatos e as consequências, não deixando um olhar mais apurado sobre os movimentos anteriores (pra muitas pessoas nem existem movimentos de reforma anteriores a Lutero). No próximo capítulo será apresentada uma visão geral da reforma e alguns pontos de seu pensamento.

4. CAPÍTULO 3 – LUTERO E SUA REFORMA

4.1. O TERMO “REFORMA”

Este termo comumente utilizado possui várias interpretações dependendo da visão que o leitor está inserido. Se for utilizado por um historiador católico romano será entendido somente como uma revolta de protestantes contra a igreja universal, contudo ainda temos as visões de historiadores protestantes que a veriam como uma volta aos padrões indicados no Novo Testamento e por historiadores seculares como uma revolução.

Como diz Earle E. Cairns:

O bem conhecido termo “Reforma Protestante” foi consagrado pelo tempo. Porque a reforma procurava voltar à pureza original do cristianismo do Novo Testamento é que se continuou a usar o termo para descrever o movimento religioso de. Os reformadores estavam interessados em desenvolver uma teologia que estivesse em completa concordância com o Novo Testamento; eles criam que isso seria possível a partir do instante em que a Bíblia se tornasse autoridade final da Igreja. (1988, p. 224).

Contudo o termo pode ter um sentido diferente se olharmos que não houve uma reforma como queriam os que protestavam, mas uma divisão no seio da igreja levando a uma nova configuração religiosa a partir de então não só na Europa, mas em todos os continentes que os missionários a levassem. Entretanto, a ideia inicial da maioria dos ditos “reformadores” era mesmo de uma reforma da Igreja levando os padres, bispos e papas a uma volta aos ensinamentos do Novo Testamento, combatendo os ensinos que eles consideravam fora da pureza evangélica e condenando as práticas de poder e lascívia que os sacerdotes praticavam. A reação da Igreja como já se sabe foi de combate aos reformadores, ora os levando ao cárcere para assumirem seus erros, ora os perseguindo e sufocando as revoltas, queimando e proibindo seus escritos.

Como fala Luiz Maria Veiga:

Desde o século XIV, algumas pessoas da própria Igreja já vinham tentando mudar esses costumes, procurando combater a corrupção e retomando as preocupações com o mundo espiritual. O alto claro, no entanto, não dava muita atenção às críticas ou, então, procurava reprimi-las. Muitos dissidentes foram classificados como hereges e frequentemente punidos com a morte na fogueira. (2004, p. 27).

Neste capítulo iremos pesquisar a história da revolta mais famosa e de seu líder, agora já compreendido que as transformações da sociedade europeia foram fator determinante para sua vitória e sua influência, fazendo assim que o tema seja mais completo em sua compreensão e encaixe no espaço tempo da história. Ao checar esses dados e suas influências, é possível agora compreender de forma mais rica os costumes e as crenças da sociedade da época, nos trazendo o real entendimento da efervescência social, religiosa e política que Lutero vivia e participava, sendo também influenciado diretamente dela.

Segundo Chaunu (1975), a história da igreja não pode ser somente uma história coletiva, pois isso seria trair a verdade, visto que essa história é também a aventura individual de cada alma na sua relação com Deus, isto é, a história dos pecadores, dos santos e dos profetas, sem deixar de considerar que somos simultaneamente pecadores, santos e profetas.

4.2. LUTERO: UMA BIOGRAFIA

Nascido na Saxônia, Alemanha, na cidade de Eisleben, no dia 10 de novembro de 1483, como de costume naquela época Lutero recebeu o nome do santo do dia, Martinho. Lutero começa a estudar na escola latina de Mansfeld. Ao se formar, passa algum tempo em Madeburgo e em Eisenach, onde lê pela primeira vez a Bíblia, que ele consultava na sala dos copistas. Ali se relaciona com grandes mestres, terminando seus estudos em gramática e latim. Segundo Chaunu (1975), esse jovem já demonstrava uma grande piedade e inquietude em seu relacionamento com Deus. Esta inquietude se revela conforme se desenvolve sua relação com Deus, através da crença na justificação e na salvação através da morte e ressurreição de Jesus Cristo.

Chaunu (1975) nos mostra que a educação de Lutero foi influenciada pela devotio moderna (devoção moderna), que compreende o apelo ao texto, mas, mais ainda, o apelo à imagem, o que era muito presente na época em questão. Vale lembrar que, também nessa época, é publicado o livro A Imitação de Jesus Cristo, de Tomás de Kempis, convidando o cristão a participar da cruz de seu salvador e mostrando que a relação de Deus com o homem só pode ocorrer se for absolutamente gratuita. Com Jesus julgando os atos da humanidade, não se faz necessária à mediação de terceiros, como a Virgem Maria e os santos. Lutero se inquietava com essa situação, se preocupando exaustivamente sobre o processo de penitências infinitas que a Igreja da época exigia, isso já o incomodava e nada conseguia acalmar seu coração.

Chaunu diz:

Lutero, que viveu dentro deste contexto, descreve-o dizendo: “Nunca era possível fazer penitências suficientes, nem cumprir as santas obras necessárias e por que, apesar de tudo, continuamos aterrorizados com a cólera de Deus, aconselhamos a virarmos para os santos que estão no céu e que se situam como mediadores entre Cristo e nós, ensinam-nos a rezar à amada mãe à amada mãe de Cristo, lembrando-nos que ela dera de mamar a seu filho e que ela poderia muito bem pedir-lhe para moderar sua cólera contra nós e assegurar sua graça”. (1975, p. 78).

Lutero concluiu seu mestrado em Erfurt, e a pedido do pai começa a estudar Direito. Em 1505 entra para a Ordem dos Eremitas Agostinianos e celebra sua primeira missa alguns anos depois. Foi convidado para lecionar filosofia moral em Wittenberg, no mesmo tempo em que continua a estudar teologia, tornando bacharel e depois doutor em teologia passando a lecionar sobre os Salmos na Universidade de Wittenberg, e tendo bastante sucesso nas suas preleções exegéticas sobre a Bíblia sendo também nomeado Superior no Convento.

Lutero era um homem das letras e dos estudos e com dedicação começa a procurar cada vez mais o entendimento da bíblia nas línguas originais, compreendendo que a Igreja havia se afastado do intento bíblico primeiro.

Como diz Earle E. Cairns:

Lutero então, passou a ensinar os livros da Bíblia no vernáculo e, para fazê-lo melhor, começou a estudar as línguas originais da bíblia. Aos poucos desenvolveu de que somente na Bíblia podia encontrar a verdadeira autoridade. De 1513 a 1515, deu aula sobre os Salmos; de 1515 a 1517, sobre os Romanos e depois, Gálatas e Hebreus. Entre 1512 e 1516, quando preparava suas aulas, encontrou a paz interior que não conseguia nos ritos, nos atos ascéticos ou na famosa teologia germânica dos místicos, por ele publicada em 1516. A leitura do verso 17 do capitulo 01 de Romanos convenceu-o de que somente pela fé em Cristo era possível alguém tornar-se justo diante de Deus. A partir daí, a doutrina da justificação pela fé e a sola scriptura, a ideia segundo a qual as Escrituras são a única autoridade para o pecador procurar a salvação, passaram a ser os pontos principais do seu sistema teológico. (1988, p. 234).

Por possuir um espírito profundamente sincero e apaixonado, Lutero achava que os recursos que a Igreja lhe oferecia não possuíam efetiva fórmula para a salvação de sua alma, levando-o a questionar se os pecados que possuía seriam mesmo perdoados com as penitências, orações, castigos físicos e a vida monástica que a Igreja cobrava. No seu interior Lutero chegou a questionar por algum tempo se Deus era mesmo bom ou um tirano que impiedosamente lhe cobrava por todos os pecados. O que acontecia com a mente de Lutero não era o questionamento em si sobre Deus, mas a visão que a Igreja lhe impunha naquele momento e essa duvida lhe tirava o sono, sendo preponderante futuramente em sua teologia o papel da Igreja de Deus na salvação das pessoas.

Lutero sofria com isso, pois não conseguia ainda entender que o que a Igreja ensinava sobre a personalidade de Deus e do pecado não seriam necessariamente a verdade, e que essa teologia foi sendo moldada através dos séculos que a Igreja havia se desviado e adaptado pelo poder. O seu sofrimento era tal que o seu superior e também conselheiro espiritual do mosteiro o incentivou a estudar as línguas originais da Bíblia e que fosse lecionar na universidade. Nesse momento Lutero passa a ter mais comunhão com a Bíblia e vê nela uma resposta para seus anseios e duvidas, buscando casa vez mais as palavras que o levavam a compreender que Cristo passava pelas mesmas angustias que ele, e via que a doutrina da fé impressa nas escrituras estava totalmente em desacordo com o que a Igreja pregava.

Como diz González:

A grande descoberta veio provavelmente em 1515, quando Lutero começou a dar conferências sobre a epistola de Romanos, pois ele mesmo disse, depois, que foi o primeiro capítulo desta epistola onde encontrou a resposta para suas dificuldades. (1995, p. 50).

A partir desse momento Lutero já inicia seu distanciamento teológico, contudo permanece exercendo seu ministério pedagógico e religioso com tranquilidade, dedicando seu tempo ao estudo e a sua vida espiritual, tentando não se envolver em polêmicas ou discussões sobre a base espiritual da fé cristã.

González diz:

Sua grande descoberta embora tivesse lhe trazido uma nova compreensão do evangelho, não o levou a protestar de imediato contra o modo em que a igreja entendia a fé cristã. Pelo contrario, nosso monge continuou dedicado a seus labores docentes e pastorais e, embora aja indícios de que ensinou sua nova teologia, não pretendeu contrapô-la à que se ensinava na igreja. O que é mais notável é que ele mesmo não tinha percebido que sua grande descoberta se opunha a todo o sistema de penitências e, consequentemente, à teologia e às doutrinas comuns na sua época. (1995, p. 51).

Lutero viveria sua vida religiosa e acadêmica sem maiores percalços ensinando em sua universidade e debatendo academicamente com seus pares, contudo uma manobra muito utilizada durante a idade média para aumentar a arrecadação de fundos para a Igreja o colocou em rota de colisão com o todo poderoso papa e o clero da época e deu início a um movimento que alcançou proporções gigantes e mudou a configuração cristã da Europa.

4.3. TETZEL E AS INDULGÊNCIAS

Naquele período o Papa era Leão X, um dos piores e mais avarentos papas de um período de trevas para o papado romano, onde a corrupção era comum e notória. Leão X pretendia terminar a ampliação da Basílica de São Pedro iniciada por seu predecessor Júlio II, e ao receber a visita de Alberto de Brandeburgo que pertencia a uma poderosa família alemã e possuidor de duas sedes episcopais almejando conseguir fundos para ocupar também o arcebispado de Mainz, Leão X viu na ganância de Alberto uma forma de obter os fundos que precisava e permitiu que fosse iniciada uma grande campanha de vendas de indulgências tanto para auxiliar Alberto quanto para reformar a basílica. A indulgência era uma forma de arrecadar fundos utilizada pela igreja há séculos que utilizava da fé das pessoas mais humildes sendo uma troca de dinheiro pela salvação daquela pessoa. As indulgências juntamente com a venda das relíquias eram métodos bastante utilizados pelos papas da idade média sendo que na Europa daquela época existiam tantos pedaços de madeira da cruz de Cristo, que davam para construir mais de mil cruzes.

Como diz Earle E. Cairns:

As indulgências estavam diretamente ligadas aos sacramentos da penitência. Após arrepeder-se e confessar o pecado, o sacerdote a absolvição desde que o pecador pagasse com alguma coisa. Ensinava-se que a culpa e o castigo eterno eram perdoados por Deus, mas havia uma exigência temporal que o pecador deveria cumprir em vida ou no purgatório, através de uma peregrinação a um lugar sagrado, do pagamento de uma importância à igreja ou de alguma obra meritória. A indulgência era um documento que se adquiria por uma importância em dinheiro e que livrava aquele a comprasse da pena do pecado. Cria-se que Cristo e os santos tinham alcançado tanto mérito durante suas vidas terrenas que o excedente estava guardado no tesouro celestial do mérito, de onde o papa poderia sacar no interesse dos fiéis vivos. (1988, p. 229).

Para esse intento foi dado ao frade dominicano João Tetzel, homem sem escrúpulos, autorização para seguir para a Alemanha central para a venda de indulgências, e Tetzel utilizaria dos métodos mais espúrios de persuasão e medo a fim de conseguir seu intento.

Diz-nos González:

Tetzel e seus subalternos proclamavam que indulgência que vendiam deixava o pecador “mais limpo do que saíra do batismo”, ou “mais limpo do que Adão antes de cair”, que “a cruz do vendedor de indulgências tinha tanto poder como a cruz de Cristo” e que, no caso de alguém comprar uma indulgência para um parente já morto, “tão pronto a moeda caísse no cofre, a alma saía do purgatório”. (1995, p. 53).

Lutero e os seus seguidores se revoltaram com essa exploração que o povo sofria com esse religioso nefasto; com isso o monge alemão foi levado a afixar as suas famosas 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, condenando a venda de indulgências buscando levar esse assunto a um debate, não com a intenção de se separar do romanismo, mas de reformá-lo. Lutero combatia com veemência Tetzel, mas, contudo achava que se suas teses chegassem ao conhecimento do papa seria compreendido e algo seria feito para remediar essa situação, entretanto quando as coisas começaram a crescer demais Lutero foi obrigado a declarar arrependido, coisa que não aceitava fazer.

As teses eram um ataque moderado ao sistema de indulgências, e possuía um caráter bem diferente de outras teses que Lutero já havia escrito anteriormente; essas teses atacavam diretamente a exploração do povo humilde e questionava o conceito da salvação ligado a ela.

Como diz González:

Segundo Lutero, se era verdade que o papa tinha poderes para tirar uma alma do purgatório, tinha que utilizar esse poder, não por razões tão triviais como a necessidade de fundos para construir uma igreja, as simplesmente por amor, e assim fazê-lo gratuitamente (tese 82). E ainda mais, o certo é que o papa deveria dar do seu próprio dinheiro aos pobres de quem os vendedores de indulgências tiravam, mesmo que para isso tivesse que vender a basílica de São Pedro (tese 51). (1995, p. 54).

Lutero foi duramente atacado durante esse tempo, e só não sucumbiu porque estava sob os olhos de um grande príncipe Frederico, o sábio da saxônia, que se recusou a entrega-lo aos grilhões várias vezes.

Como diz González:

Durante todo esse período, Lutero havia contado com a proteção de Frederico, o Sábio, eleitor da Saxônia e, portanto senhor de Wittenberg. Frederico, não protegia Lutero por estar convencido de suas doutrinas, mas sim porque lhe pareceu que a justiça exigia um julgamento correto. A principal preocupação de Frederico era ser um governante justo e sábio. Com esse propósito fundou a universidade de Wittenberg, muitos de cujos professores lhe diziam que Lutero tinha razão, e que se enganavam aqueles que o acusavam de heresia. Pelo menos, enquanto Lutero não fosse condenado oficialmente, Frederico estava disposto a evitar que se cometesse com ele uma injustiça semelhante a que havia acontecido no caso de João Huss. (1995, p. 58).

A contenda se tornou inevitável, uma bula papal enviada a Lutero ordenava que seus livros fossem queimados e estipulava prazo de sessenta dias para o monge se submeter à autoridade romana, durante o tempo que a bula percorreu a Alemanha, vários de seus livros foram queimados; a fúria tomou conta de Lutero que com a mesma atitude queimou a bula papal e outros livros que continham doutrinas dos papas. Não havia mais como evitar a o rompimento. O império estava sendo dividido, e isso não agradava o imperador eleito Carlos V, católico convicto, sendo então o momento de buscar resolver o problema. Lutero foi chamado a se defender na Dieta de Worms em 1521, na presença do imperador Carlos V que o interrogou sobre a autoria dos livros que estavam sobre analise, sendo que Lutero assumiu que eram deles e que havia muitos mais que não estavam ali, nesse momento o interlocutor o perguntou se queria se retratar dos ensinos que estavam escritos nos livros em questão, sendo que Lutero pediu um dia para se retratar, revelando não estar temerário da presença do imperador e sim porque temia a Deus. Foi dado um dia para que Lutero respondesse e ao chegar o momento como uma rocha inabalável Lutero disse que não havia nada a se retratar assumindo seus ensinos e declarando que se alguém o convencesse pelas escrituras que estava errado queimaria todos os seus livros, de outra forma não retiraria uma vírgula.

González diz:

No dia seguinte correu a notícia de que Lutero compareceria diante da dieta e a assistência foi grande. A presença do imperador em Worms, rodeado de soldados espanhóis que abusavam do povo, havia exacerbado ainda mais o sentimento nacional. Uma vez mais, em meio ao maior silêncio, se perguntou a Lutero se se retratava. O monge respondeu dizendo que o que havia escrito não era mais do que a doutrina cristã que tanto ele quanto seus inimigos sustentavam, e, portanto ninguém deveria pedir-lhe que se retratasse daquilo. Outra parte tratava sobre a tirania e as injustiças a que estavam submetidos os alemães, e também disto não se retrataria, pois tal não era o propósito da dieta, e tal negação somente contribuiria para aumentar a injustiça que se cometia. A terceira parte, que consistia em ataques a certos indivíduos e em pontos de doutrina que seus oponentes refutavam, certamente não haviam sido escrita com demasiada aspereza. E assim tão pouco dela se retrataria, a não ser que lhe convencessem que estava enganado. (1995, p. 64).

Esses foram os feitos de Lutero, que depois teve que ficar escondido no castelo de Wartburg a mando e proteção de Frederico para que não fosse morto pela igreja. Seus ensinos e lutas contra a cúria romana foram conhecidos por todo o império alemão incentivando aos nacionalistas lutar contra uma religião estrangeira. Os estados alemães foram divididos por reformados e romanos, sendo que os príncipes do sul, guiados pela Áustria, seguiram sendo defensores de Roma e os do norte seguiram as teses de Lutero.

Como diz Jesse Lyman Hurlbut:

Enquanto viajava em regresso à sua cidade, Lutero foi cercado e levado por soldados do eleitor Frederico para o castelo de Wartburg, na Turíngia. Ali permaneceu guardado, em segurança e disfarçado, durante um ano, enquanto as tempestades de guerra e revoltas rugiam no império. Entretanto, durante esse tempo, Lutero não permaneceu ocioso; nesse período, traduziu o Novo Testamento para a língua alemã, obra que por si só o teria imortalizado, pois essa versão é considerada o fundamento do idioma alemão escrito. Isso aconteceu no ano de 1521. O Antigo Testamento só foi completado alguns anos mais tarde. (2007, p. 182).

Lutero com seus ensinos influenciou as reformas que se sucederam, incentivando as lutas de humanistas e religiosos como Ulrico Zwínglio e João Calvino na Suíça, os anabatistas e os reformadores ingleses. Lutero morreu em 18 de fevereiro de 1546 aos 62 anos na cidade de Eisleben, deixando seis filhos e mudando pra sempre a visão cristã da Europa.

5. CONCLUSÃO

A Revolução Protestante presidida por Lutero teve um valor exponencial que ainda não foi devidamente destacado, sendo um recorte fiel ao momento da Europa naquele século, estudar a Reforma é olhar para uma sociedade que chegou a um patamar de liberdade intelectual que ficou depois caracterizado como a nova sociedade ocidental, e abriu espaço para a formação dos conceitos de democracia e laicidade que vivemos nos dias de hoje.

Uma sociedade em que não haja imposições religiosas é algo pretendido por uma grande parcela da população mundial, e poder protestar ou contestar contra algo que se acha errado também é um direito inalienável de toda sociedade livre, contudo só se chegou a esse patamar depois de muitos anos de luta e de mudanças na sociedade europeia. Sem as revoltas anteriores e o pensamento renascentista não seria possível Lutero vencer o poderio da maior instituição da época, que expandia seus domínios para além das fronteiras e conseguia até amedrontar imperadores e reis. Hoje nossos valores de liberdade e democracia têm que reconhecer que em Lutero foram definitivamente conquistados, pois após sua revolta uma nova visão de como viver a religião foi possível.

Um novo mundo era descoberto no mesmo instante da Reforma e isso serviu de base e argumento para que uma dualidade de intenções fosse marcado; de um lado um ardor missionário que desde o “ide” de Jesus não existia mais, e um processo de dominação e subjulgo era perpetrado em nome desse “ide”.

Como cada segmento religioso via os “novos selvagens” era determinante para como seriam tratados, mas na maioria a imposição de largar seus costumes para abraçar a religião dos europeus foi preponderante, sendo que na América o destaque foi para como os espanhóis lidavam com os ameríndios da America Central e do Sul, lhes impondo a Santa Cruz e a inquisição aos seus dominados. Na colonização protestante da América do Norte as formas de expansão do cristianismo foram diferentes, sendo que os colonos isolaram os nativos, não querendo contato com seu povo, mas mesmo assim o massacre e a sede de sangue aconteceram da mesma forma por motivos expansionistas.

Enfim as mudanças na sociedade após a Reforma sempre são destacadas em estudos e teses, contudo a intenção desta pesquisa sempre foi olhar para as influências que quase não são destacadas e que foram cruciais para a Reforma. Olhar somente para as causas que levaram a Reforma é negligenciar um momento bastante rico da sociedade europeia, em que o pensamento medieval estava em linha de colisão com o mundo moderno que iniciava.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

6.1. Livros:

BETTENCOURT, D. Estevão. Ciência e fé na história dos primórdios. São Paulo: Agir, 1958.

BOMBASSARO, Luiz Carlos. Giordano Bruno e a filosofia na Renascença. Caxias do Sul, RS: Educs, 2007.

CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos Séculos: uma história da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1988.

CHAUNU, Pierre. O tempo das reformas (1250-1550)II. A reforma protestante. Lisboa: Lugar da História, 1975.

CURTIS, A. Kenneth; LANG, J. Stephen; PETERSON, Randy. Os 100 acontecimentos mais importantes da história do cristianismo. São Paulo: Editora Vida, 2004.

GONZÁLEZ, Justo L. E até os confins da terra: uma história ilustrada do Cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1995.

GONZÁLEZ, Justo L. História ilustrada do Cristianismo: a era dos mártires até a era dos sonhos frustrados. São Paulo: Vida Nova, 2011.

HURLBUT, Jesse Lyman. História da Igreja Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2007.

VEIGA, Luiz Maria. A Reforma Protestante. São Paulo: Ática, 2004.

WEBER, Max. A gênese do capitalismo moderno. São Paulo: Ática, 2006.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

6.2. Filmes:

LUTERO. Direção: Eric Till. Produção: Dennis A. Clauss, Brigitte Rochow, Christian P. Stehr, Alexander Thies, Luther Produções.

NOME DA ROSA (Der Name derRose – filme original). Direção: Jean-Jacques Annaud. Produção: Bernd Eichinger, Jake Eberts, Tomas Schuly. Roteiro: Andrew Birkinet al. Elenco: Sean Connery, Christian Slater, F. Murray Abraham,Michael Lonsdale, Valentina Vargas et al. 1986. Inglês. Color. 130 min.

6.3. Sites:

Reforma e contra-reforma, Brasil Escola. Disponível em:< https://monografias.brasilescola.uol.com.br/historia/reforma-contrareforma.htm>. Acesso em 03 de dezembro de 2015.

A Reforma Protestante – as novas religiões cristãs do sec. XVI, Brasil Escola. Disponível em: . Acesso em 15 de dezembro de 2015.

Reforma Protestante, Slide Share. Disponível em: . Acesso em 01 de Fevereiro de 2016.

Biografia dos heróis da fé: John Huss. Disponível em: < http://biografiadosheroisdafe.blogspot.com.br/2010/01/john-huss.html>. Acesso em 15 de Janeiro de 2016.

Biografia dos heróis da fé: Jerônimo Savonarola. Disponível em: < http://biografiadosheroisdafe.blogspot.com.br/2010/01/jeronimo-savonarola.html>. Acesso em 15 de Janeiro de 2016.


Publicado por: Bruno Lombard da Cruz

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