Políticas de Ações Afirmativas de corte racial no Brasil: um panorama histórico
índice
- 1. Resumo
- 2. Introdução
- 3. I – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DAS AÇÕES AFIRMATIVAS
- 3.1 O contexto global
- 3.2 O contexto brasileiro
- 3.3 O surgimento e a definição do conceito de políticas afirmativas
- 4. II – O SURGIMENTO E A IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL
- 4.1 O esboço das primeiras medidas
- 4.2 Governo FHC: reconhecimento do racismo e implementação das primeiras medidas afirmativas
- 4.3 Governo Lula: ação afirmativa na prática
- 4.4 Governo Dilma: continuidade do legado petista
- 5. Conclusão
- 6. Bibliografia
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1.
ResumoEsse trabalho pretende apresentar como se deu o surgimento do debate das políticas afirmativas no Brasil, seus antecedentes históricos globais e nacionais, assim como os marcos regulatórios de sua implementação. Considerando ser muito extensa a abordagem de todos os programas de políticas afirmativas elaborados nessas últimas décadas no Brasil, serão realçados aqueles que concernem aos domínios da educação e do trabalho e que criaram mecanismos de discriminação positiva visando à inclusão da população negra nesses setores e, consequentemente, a redistribuição das condições e oportunidades sociais. Esse tipo de discriminação positiva tem nas políticas de cotas sua forma mais conhecida.
A abordagem dos antecedentes históricos pode ajudar a entender quais eventos históricos e questões sociais nutriram a revisão jurídica e ética atual sobre liberdade, igualdade e discriminação racial, da qual as ações afirmativas fazem parte.
Palavras-chave: Descolonização, Terceiro Mundo, multiculturalismo, ações afirmativas, cotas
2. Introdução
Como bem observou o sociólogo Antônio Sérgio Guimarães (2008), no Brasil, quando se recorre ao discurso das pessoas para se entender como elas processam conceitos como de cor e de raça, percebe-se que o mito da democracia racial ainda está fortemente enraizado no imaginário coletivo. É nesse cenário que as ações afirmativas de cunho racial são interpretadas, por uma parcela da população, como algo desagregador, chegando a provocar reações inflamadas que apregoam o valor da miscigenação brasileira e da nossa aparente convivência multirracial pacífica, traços que inegavelmente nos diferenciaria do resto do mundo. O mito da democracia racial utiliza-se, no entanto, desse traço social – a evidente miscigenação brasileira – para sustentar um discurso de dominação política, no intuito de desmobilizar as reivindicações que proponham mudanças nesse setor (Halsenbalg, 2006). Além disso, esse mito termina por confundir ou mesclar alguns discursos distintos, como por exemplo aqueles evidentemente discriminatórios – que se caracterizam pelo temor da insurgência de conflitos raciais e de uma competição supostamente injusta por recursos investindo na manutenção do status quo vigente – e aqueles bem intencionados, baseados nos preceitos do marxismo clássico – que defendem ser a desigualdade econômica a causa primordial do racismo (Praxedes, 2003). No entanto, esses discursos podem incorrer em um reducionismo economicista que limite toda a questão racial à luta de classes, terminando por encobrir os dispositivos simbólicos mais complexos do racismo.
O mito da democracia racial ofusca o verdadeiro objetivo das ações afirmativas. Diferente do que se pode imaginar, as políticas afirmativas não têm a intenção de ‘impedir’ a convivência pacífica, mas, ao contrário, pretendem garantir que grupos historicamente discriminados tenham acesso igualitário às oportunidades, promovendo a sua inserção nos mais diferentes estratos sociais. Isso não quer dizer, todavia, que não gerem alguns tipos de conflitos e debates calorosos sobre o assunto. Mas é preciso ter em mente que isso é parte integral do processo de mudança: desacordos, debate, novas ações políticas e mais desacordo.
Em 1955, Florestan Fernandes e Roger Bastide, em seu livro marcante para os estudos das relações sociais no Brasil, Brancos e Negros em São Paulo, já alertavam para o potencial absurdo de algumas críticas desfavoráveis a pesquisa que elaboraram neste livro sobre as relações raciais e que consideravam a sua “(...) contribuição perigosa, como se os investigadores fossem responsáveis pelas tensões latentes ou abertas, que eles se limitaram a descrever e interpretar” (Bastide & Fernandes, 1971:10).
Assim considerando, se divergências e conflitos surgem, estes não são fruto das ações afirmativas, mas reflexo daquilo que está mais profundamente enraizado em nossa estrutura social brasileira.
Esse trabalho pretende apresentar como se deu o surgimento do debate das políticas afirmativas no Brasil, seus antecedentes históricos, assim como os marcos regulatórios de sua implementação. Considerando ser muito extensa a abordagem de todos os programas de políticas afirmativas elaborados nessas últimas décadas no Brasil, serão realçados aqueles que concernem aos domínios da educação e do trabalho e que criaram mecanismos de discriminação positiva visando à inclusão da população negra nesses setores e, consequentemente, a redistribuição das condições e oportunidades sociais. Esse tipo de discriminação positiva tem nas políticas de cotas sua forma mais conhecida.
A abordagem focada na discriminação positiva atende ao fato de que as ações afirmativas não se restringem meramente às cotas raciais – esta medida é somente uma forma possível das ações afirmativas. Com efeito, ações afirmativas podem assumir diferentes abordagens e são amplamente empregadas na discussão sobre a descriminação racial e a igualdade de direitos.
No primeiro capítulo abordar-se-ão os principais contextos históricos, tanto nacionais como globais, que antecederam a adoção das políticas afirmativas. Esse tipo de contextualização pode ajudar a entender quais eventos históricos e questões sociais nutriram a revisão jurídica e ética atual sobre liberdade, igualdade e discriminação racial, da qual as ações afirmativas fazem parte.
No segundo capítulo será apresentado um apanhado histórico das políticas afirmativas no Brasil a partir da década de 1980, desde os projetos de lei que ficaram somente no papel até as mudanças políticas mais sensíveis nos anos 1990 e 2000, evidenciando os avanços no debate das questões raciais a partir do processo de redemocratização brasileira até a gestão do governo atual da presidente Dilma Rousseff. Os marcos regulatórios das políticas afirmativas no Brasil serão destacados para evidenciar os mecanismos de discriminação positiva nos ambientes da educação e do trabalho.
3. I – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DAS AÇÕES AFIRMATIVAS
Com o objetivo de enriquecer o debate acerca das ações afirmativas é preciso entender que estas são resultado de diversas discussões éticas e jurídicas contemporâneas, e que foram orientadas a partir de uma série de eventos históricos importantes, entre os quais o fim da Segunda Guerra Mundial e a vitória sobre o nazismo, o processo de descolonização da Ásia e da África, a intensificação dos fluxos imigratórios, sobretudo do Sul em direção ao Norte, e o surgimento de novas correntes de pensamento nas ciências sociais, como o culturalismo e o multiculturalismo. Esses acontecimentos históricos intensificaram o questionamento do racismo assim como a reconceitualização de termos ‘ocidentalizados’ como tradição, modernidade, cultura, etnicidade, raça, cor. O negro deixa de ser objeto de ‘curiosidade’ para as ciências sociais e passa a ser visto como um ator social, enredado em relações que, na grande maioria das vezes, o desqualifica somente em razão de sua condição racial.
3.1. O contexto global
A prática das ações afirmativas de cunho racial no Brasil tem seu começo basicamente no final do século XX, mas resultou de uma série de transformações que ocorreram no Brasil e no mundo e que remontam aproximadamente ao período do final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. O final da guerra é um marcador de tempo importante porque é o momento em que intelectuais, comunidade científica e dirigentes políticos compartilham a urgência de se entender as origens do racismo, a fim de evitar outros conflitos que tenham como base a eugenia e o extermínio étnico. Isso significa dizer que as ações afirmativas dessa natureza somente surgem quando o racismo se torna um problema científico e político evidente, pelo advento de uma doutrina determinista que se conflitaria com tradições humanistas da cultura ocidental. A busca por formas de superar o racismo se tornou o principal vetor político dessa época.
Naquele mesmo ano em que a Segunda Guerra finda, forma-se a Organização das Nações Unidas (ONU), orientada pelo objetivo de garantir a paz no mundo e criar um espaço aberto de diálogo entre os dirigentes políticos das diversas nações. Por sua amplitude de atuação, contém diversas ramificações e organizações subsidiárias, entre elas a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que nasce com o objetivo de contribuir para a paz e segurança no mundo mediante a ampliação das bases educacionais, científicas e culturais (Maio, 1999).
No preâmbulo da Constituição da Unesco, plena de proposições de cunho humanistas, fica patente a preocupação com o impacto ideológico do nazismo e a difusão da ideia da igualdade entre as raças.
A grande e terrível guerra que acaba de terminar não teria sido possível sem a negação dos princípios democráticos, da igualdade, da dignidade e do respeito mútuo entre os homens, e sem a vontade de substituir tais princípios, explorando os preconceitos e a ignorância, pelo dogma da desigualdade dos homens e das raças1.
Orientada pelo espírito racionalista, a Unesco passa a buscar novas evidências científicas que ajudem a erguer um novo mundo pós-guerra, mundo este baseado, sobretudo, na negação dos preceitos racistas. Assim, nos anos 1950, a Unesco divulga a Primeira Declaração sobre Raça, na qual afirma que “raça é menos um fato biológico do que um mito social e, como mito, causou severas perdas de vidas humanas e muito sofrimento em anos recentes” (Maio, 1999).
A formação da Unesco revelava o desejo dos então dirigentes, líderes econômicos e políticos dos Estados Nacionais de garantir da paz e estabelecer uma plataforma política e filosófica que orientasse o restante do mundo.
Se por um lado a perspectiva do final da guerra e o surgimento de organizações internacionais como ONU e Unesco são cruciais para se entender os pressupostos que influenciaram o desenvolvimento das políticas afirmativas no Brasil, os movimentos sociais e as pressões políticas que surgiram de baixo para cima em todo o mundo e principalmente no Brasil também devem ser analisados em seu devido valor. A Unesco exerceu um papel determinante para o questionamento científico do conceito de raça, mas representa, em outra análise, a vontade daquelas organizações e países que detinham e detêm o poder e controle econômico.
Foi exatamente nos meados do século XX que o processo de globalização se tornou mais intenso para diversos países, acelerando ainda mais o tempo e estreitando os espaços, resultando numa difusão midiática de manifestações de minorias sociais, guerras civis, atentados e novas proposições de paz que ocorriam em diversas partes do mundo. A pobreza, a guerra e a desigualdade, sobretudo nos países que permaneceram social e economicamente subdesenvolvidos, passam a se tornar parte das publicações das notícias internacionais. Além disso, percebe-se um afluxo imigratório intenso de populações do Sul em direção ao Norte, resultando numa diversificação étnica crescente das populações residentes no Norte (Santos, 2010:28). Os acontecimentos locais, cada vez mais conhecidos através da difusão das mídias globais, foram, em alguns casos, tomando um formato oposto ao próprio processo generalizado da globalização, produzindo uma maior consciência social deste processo e também da tecnologização em si, assim como da própria existência do contexto local e da multiplicidade de tradições e culturas. Em suma, paradoxalmente, o ‘particular’ foi tomando um corpo cada vez mais delineado devido ao surgimento do generalizante ‘global’.
O processo de descolonização num contexto de globalização, por exemplo, criou oportunidades para que as minorias étnicas reivindicassem reconhecimento identitário e espaço para suas tradições culturais e que essas fossem entendidas em pé de igualdade com a modernidade. Dessa forma, cultura e tradição são ressignificados e valorizados, pondo em questão os rótulos de ‘atraso’ e ‘estagnação’utilizados em geral pelos que se anunciavam como defensores do desenvolvimento, modernização e globalização (Clifford, 2004). No continente africano, as reivindicações pela revalorização dos valores culturais e a defesa de um senso de pertencimento ‘étnico’ crescem, de fato, no contexto de globalização pós-guerra, mas se expressa inicialmente anos antes, ainda na esteira dos conflitos coloniais (D’Almeida-Tropor, 1993). No entanto, a Segunda Guerra acelerará a tomada de consciência nacionalista e o desenvolvimento de reivindicações locais e tornará crescente a ideia de resolver os problemas coloniais num plano internacional, sobretudo quando constituída a ONU, no final da guerra (D’Almeida-Tropor, 1993:157).
Alguns anos antes da descolonização africana, diversos territórios colonizados na Ásia passam pelo processo de libertação, entre eles a Índia (1947) e a Indonésia (1949). Um novo mundo emerge, o chamado Terceiro Mundo, termo lançado em 1952 na tentativa de nomear e entender esses povos oriundos dos países mais pobres do globo. Nesse período, os países do Terceiro Mundo estavam vivenciando uma fase totalmente nova, que exigia tomadas de decisões políticas que influenciariam profundamente o seu futuro.
As insurgências populares no então chamado Terceiro Mundo inspiram novos ideais políticos e sociais em diversas partes do mundo. Entre eles, Mahatma Gandhi, na Índia, promove uma resistência à colonização inglesa, tendo como princípio o Satyagraha, uma forma não-violenta de protesto. Sua tenacidade e seus princípios marcam a história da Índia e também contagiaram outros ativistas democráticos e antirracistas como Martin Luther King, nos EUA, e Nelson Mandela, na África do Sul (Anastasiade, 2005).
Se as dimensões econômicas e trabalhistas da globalização a tornaram um processo relativamente opressor, é inapropriado não considerar os seus aspectos positivos, que permitiram que ativistas de lugares tão distantes no mundo assumissem propostas sociais, políticas e até mesmo espirituais diferentes do que o sistema vigente propunha e estabelecia. Seria superficial dizer que a globalização é somente uma palavra nova para o imperialismo econômico ou ocidentalização cultural, apesar de possuir uma faceta bastante opressora2. Contudo, apesar de segmentada e desigual, a globalização tem se mostrado como um processo que pode, paradoxalmente, favorecer o nascimento de projetos emancipatórios, tendo sido essa corrente chamada de ‘globalização alternativa’ (Santos, 2010). É em meio a essa intensificação das redes globais que o pressuposto do multiculturalismo surge questionando a visão eurocêntrica de termos fundamentais, como cultura, justiça, direitos e cidadania (Santos & Nunes, 2010). O multiculturalismo como projeto emancipatório preza pelo princípio de reconhecimento da diversidade, visando resistir à lógica de homogeneização cultural. O nascimento do multiculturalismo é determinante para a emergência das ações afirmativas, por considerar que as culturas minoritárias são frequentemente discriminadas, percebidas como movimentos particulares. A luta das mulheres, dos movimentos antirracistas ou pelo reconhecimento de identidades étnicas caracterizam as reivindicações que normalmente são agrupadas no ideal multicultural.
O movimento do multiculturalismo surge nos Estados Unidos, na década de 1960, alinhavado com as lutas dos direitos civis por parte dos negros americanos (Bénichou, 2006). O contexto de luta despertou nos negros americanos o sentimento de valorização de suas origens e da sua identidade e recebeu também influências do processo de descolonização africana (Molla, 1992).
Pode-se então inferir desse dado histórico – que aponta para a associação entre a origem do multiculturalismo e o processo de descolonização africana – a relevância das transformações ocorridas no continente africano para as articulações políticas no resto do globo.
Entender em sua complexidade o processo de descolonização dos países africanos ajuda a compreender também como e por que tradição, cultura, diversidade, multiculturalismo e ações afirmativas se tornaram conceitos tão relevantes na atualidade, muitas vezes até servindo de ícones de empoderamento de minorias frente à opressão do processo de modernização.
O processo de descolonização africana se inicia entre as duas Grandes Guerras, mais precisamente em 1922, quando o Reino Unido publica uma declaração unilateral acordando a independência do Egito. Todavia, essa independência não pode ser considerada um exemplo das lutas que viriam a seguir, pelo fato de ter sido uma independência meramente teórica, pois ao governo britânico era reservado o direito de interferência na política interna do país (D’Almeida-Topor, 1995:129).
O auge do processo de independência dos países africanos se dá em meio ao período da Guerra Fria, que se inicia no pós-guerra, em 1945, e finda com a extinção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991. Esse cenário mundial não era muito propício às novas propostas políticas e ideológicas, pois o período da Guerra Fria se caracterizou pelo mundo repartido em dois blocos: o dos países alinhados ao capitalismo e liderados pelos Estados Unidos e o dos países alinhados à ideologia socialista, liderados pela URSS.
Na década de 1950, mais de vinte nações africanas tornaram-se independentes, entre as quais Marrocos, Tunísia, Líbia, Sudão, Etiópia, África do Sul e Gana. Já na década de 1960, outros países alcançam a independência, como Argélia, Mali, Níger, Chade, Zaire, Senegal, Tanzânia, Quênia, Somália, Nigéria, entre outros. Depois da década de 1960 somente as colônias portuguesas, como Angola e Moçambique, continuaram a luta pela independência, alcançada posteriormente na década de 1970 (D’Almeida-Topor, 1995:205).
O anticolonialismo se espalhou rapidamente pelo mundo, se mostrando um dos primeiros sinais positivos da globalização. Os movimentos de libertação na Ásia inspiraram aqueles da África e ambos conquistaram aliados nas próprias metrópoles europeias e em outras partes do mundo. As vitórias obtidas em lutas nacionais serviram de exemplos para os povos que ainda restavam sob o controle de regimes coloniais. As lutas antirracistas foram inevitavelmente associadas à libertação do jugo colonial, assim como à colaboração para a chamada luta de classes, visto que um importante campo de atuação da luta política era dominado por trabalhadores urbanos.
Em meio ao mundo polarizado que não representava por completo o desejo de libertação dos Estados africanos, forma-se no continente em 1963 a Organização da Unidade Africana (OUA), na busca de conciliar as duas vertentes ideológicas num só bloco. As principais propostas eram a erradicação de todas as formas de colonialismo do continente e a não-ingerência nos assuntos internos dos Estados-membros, o que colocava em xeque a ideia de unificação do continente (D’Almeida-Topor, 1995).
Como foi dito, as lutas pela libertação do jugo colonial significavam por vezes a luta pela igualdade racial, e a história de vigência do apartheid e a luta pelo seu fim na África do Sul constituem um capítulo à parte. O termo apartheid se refere a uma política racial segregacionista na qual a minoria branca era detentora do poder político enquanto a imensa maioria negra devia somente seguir a legislação separatista. A luta contra o apartheid teve como líder principal Nelson Mandela, que, após ficar 28 anos preso por suas posições políticas, assumiria a Presidência da África do Sul em 1994, como o primeiro presidente negro do país. Durante o seu processo criminal, e ainda quando estava prestes a ser condenado, em 1964, Mandela reafirma sua posição antirracista, buscando congregar negros e brancos, posição essa que manteve por toda a vida política:
Durante minha vida, eu me dediquei à luta do povo sul-africano. Eu lutei contra a dominação branca e eu lutei contra a dominação negra. Eu defendi o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual todos vivessem em harmonia e com chances iguais. (Guiloineau, 2009:92)
Por sua vez, nos Estados Unidos começa também a se configurar um campo de luta pela igualdade racial no país, a partir da década de 1960. Ondas de protestos contra o sistema vigente de segregação racial trouxeram para a cena líderes como Martin Luther King, Malcolm X, Rosa Parks e grupos como os Panteras Negras, que apresentaram diferentes propostas de ação política e que marcaram definitivamente a luta racial nos EUA e no mundo (Stepto, 2003). O movimento pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, buscando integrá-los à sociedade americana, foi um marco para um país que vivia significativa segregação racial entre brancos e negros, prática formalizada legalmente desde 1896 pela Suprema Corte Americana pela lógica conhecida como separate but equal (Stepto, 2003:398). Atos de desobediência civil não-violenta foram organizados e finalmente, em meados da década de 1960, o então presidente Lyndon Johnson estabeleceu uma série de atos legislativos em que era proibida aos poucos a discriminação contra os negros. Apesar da extinção da segregação formal, os negros continuaram vítimas de exclusão, sobretudo econômicas, que são visíveis ainda hoje (Kellough, 2006).
É esse contexto político de intensificação de lutas contra a segregação racial e a favor da igualdade de direitos que propicia a crítica gradual à lógica etnocêntrica no mundo, propiciando o surgimento de novas ideias que nutrissem a possibilidade de igualdade independente da cor, etnia ou gênero3.
Se por um lado é a intensificação das trocas globais que favoreceu o surgimento de novos pensamentos e perspectivas, não se pode ocultar que a globalização é um evento do qual muitos são ainda excluídos, sobretudo no que diz respeito ao acesso e divulgação de informação. Evidentemente, existe no mundo globalizado uma assimetria na distribuição de informação e consequentemente de poder, o que torna a maneira e a intensidade na qual o indivíduo recebe e lida com a informação um indicador do seu nível de ‘capital informacional’ ou ‘capital cultural’ (Bourdieu, 1992).
Então é preciso reconhecer que, mesmo quando emancipatório, esse fluxo global exige que se esteja conectado de alguma maneira e isso exige normalmente investimento financeiro, entre outros recursos. Além disso, a experiência transnacional individual – resultado da globalização – deve ser analisada levando em conta algumas variáveis como status social, origem nacional, etnia e gênero (Roudometof, 2005).
Finalmente, os contextos históricos ora apresentados foram cruciais para a definição daquilo que se reconhece como os princípios das ações afirmativas aplicadas no Brasil. A hipótese que este trabalho sustenta é que as ações afirmativas tiveram uma assimilação internacional a partir de certos marcos históricos, argumento este que encontra apoio, por exemplo, no trabalho empírico do cientista político Thomas Sowell (2004) sobre a aplicação e os resultados das ações afirmativas na Índia, na Malásia, no Sri Lanka, na Nigéria e nos Estados Unidos, todas essas iniciativas surgidas a partir de meados do século XX. Entende-se também que as ações afirmativas no Brasil não são meramente uma assimilação, mas produto de diversas referências mundiais, entre as quais as já citadas. A maneira pela qual o Brasil irá interpretar e aplicar essas políticas, assim como os resultados posteriores, só pode ser compreendida se abarcada a idiossincrasia brasileira e analisado como a questão racial foi tratada por nós ao longo da história e como tem sido desenvolvida na literatura crítica a respeito.
Assim, as ações afirmativas brasileiras seriam resultado de uma ‘globalização’ (Roudometof, 2005): processam-se localmente e a partir de uma lógica estrutural própria as influências culturais e políticas globais. Local e global podem ser conceitualmente opostos, mas na realidade são extremamente ramificados e interdependentes.
3.2. O contexto brasileiro
A questão racial marca o pensamento social brasileiro desde sua fundação. Na verdade, mais do que uma mera questão social, a raça se apresenta como um dramático dilema. Depois de enfrentar o impasse do racismo científico estruturado pelo pressuposto do darwinismo social, o ideal do branqueamento foi adotado por diversos intelectuais a partir dos anos 1920 e 1930, visto como solução que nos desviaria dos possíveis efeitos perversos e possivelmente degenerativos da miscigenação. Nesse período ganha espaço a tese do culturalismo, reinterpretando positivamente a história da miscigenação e considerando as contribuições da cultura africana para a formação social brasileira (Skidmore, 1993).
Desde então, havia sido poucos os escritores a dar atenção à etnografia e sociologia dos africanos e seus descendentes (Skidmore, 1993). Artur Ramos torna-se uma figura emblemática dessa época devido a seus estudos fecundos sobre a cultura afro-brasileira, pela sua contribuição decisiva para a fundação, em 1941, da Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia e, finalmente, por ter assumido a direção do Departamento de Ciências Sociais da Unesco em 1949. A Unesco, que tinha como pressuposto lutar contra o paradigma do racismo, patrocina nessa época diversas pesquisas sobre o negro no Brasil, convencida de que seríamos um exemplo, para o mundo, de convivência multirracial pacífica. (Skidmore, 1993; Maio, 1999)
O quadro de referência racista e o pessimismo quanto ao futuro da nação são questionados, ao passo que a vertente culturalista ganha terreno, propiciando a redefinição positiva da identidade brasileira. O postulado culturalista ganha espaço no pensamento social brasileiro principalmente através da publicação da obra de Gilberto Freyre Casa Grande & Senzala, em 1933. Nesse trabalho, Freyre retraça a “história social do mundo agrícola escravista nos séculos XVI e XVII”, assim como “atenta para os diversos meios pelos quais o africano e o mulato influenciaram o estilo de vida da aristocracia agrícola no que se refere à alimentação, ao vestuário e aos costumes sexuais” (Skidmore, 1993:266) Nesse sentido, Freyre atribui valor ao fato de a sociedade brasileira ser etnicamente misturada, sendo este nosso patrimônio inestimável. As leituras críticas à obra de Freyre indicam, no entanto, haver em sua análise uma reconstrução idílica do passado escravista, assinalando a miscigenação como um indicador de tolerância racial. Esse ideal de uma tolerância racial tem servido de base para aquilo que ficou conhecido como o “mito racial” ou o mito da “democracia racial brasileira”. O mito da democracia racial teria se firmado não de forma naturalizada, mas por meio de uma imposição política, através da “proibição social, ou até institucional, de se falar em racismo e preconceito racial” (Agier, 1992: 103-104 apud Hasenbalg, 1996: 238). É com necessário cuidado que se trata desse tema, visto que se tornou um dos principais mitos combatidos pelo Movimento Negro no Brasil e fortemente questionado no meio acadêmico no final do século XX.
Ainda em meados dos anos 1930, percebe-se um crescente interesse, nos estudos, pelas temáticas que abordavam os aspectos ‘exóticos’ que a cultura africana expressaria no Brasil, fundando as abordagens folclórica e culturalista sobre o tema. Os eventos acadêmicos que marcaram esse campo de estudos, os Estudos Afro-brasileiros, foram os Congressos Afro-Brasileiros ocorridos nos anos de 1934 e 1937.
Alguns anos mais tarde, o foco do estudo e de interesse muda, saindo dos Estudos Afro-brasileiros, até então muito mais interessados em entender o negro e suas ‘particularidades’, para o Estudo das Relações Raciais no Brasil, compreendendo que o que se entende sobre negro é produto de uma complexa rede de relações sociais. Essa mudança se processa principalmente pela crítica ao modelo de tolerância e democracia racial, que se tentava reforçar nas pesquisas das ciências sociais.
Os trabalhos pioneiros que evidenciaram a existência de preconceito e discriminação racial no Brasil e puseram em xeque o mito da democracia racial ainda nos anos 1950 foram: O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade em mudança, de Luís de Aguiar Costa Pinto, em 1953, e Relações entre negros e brancos em São Paulo, de Florestan Fernandes e Roger Bastide, em 1955.
No plano das políticas internacionais, os contatos com a África tiveram um aumento significativo a partir da década de 1970. Com o processo de descolonização africana em curso, o governo brasileiro começou a desenvolver uma política de presença na África (Teles dos Santos, 2000 apud Sansone, 2006:97). De fato, nesse período o governo procura estreitar laços com diversos países ditos de Terceiro Mundo, na intenção de ganhar maior aceitação internacional como nação. Também foi durante a década de 1970 que dois institutos brasileiros de pesquisa, consagrados à temática africana e negra, receberam maior apoio do governo: o Centro de Estudos Afro-orientais de Universidade Federal da Bahia, criado em 1959; e o Centro de Estudos Afro-asiáticos da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, fundado em 1974 (Sansone, 2006:97).
No final da década de 1970 é lançado o livro que se torna posteriormente um divisor de águas na temática das relações raciais no Brasil: Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil, de Carlos Hasenbalg. O que diferencia esse livro são a abordagem inovadora e a análise de dados estatísticos, utilizando-se de informações produzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para demonstrar que “desigualdades econômicas e sociais entre brancos e negros não podem ser explicadas nem pela herança do passado escravagista, nem podem ser explicadas pela pertença de negros e brancos a classes sociais distintas” (Guimarães, 2008:74). Essas desigualdades seriam resultado mais das “diferenças de oportunidades de vida e formas de tratamento peculiares a esses grupos raciais” (Guimarães, 2008:74).
Em 1978, o Movimento Negro Unificado (MNU) é fundado e o engajamento político negro retorna com força no cenário brasileiro, buscando atacar de maneira contundente o discurso nacional que apregoava a democracia racial (Guimarães, 2008:75). Sobre a fundação do MNU, Domingues (2006) destaca:
No plano externo, o protesto negro contemporâneo se inspirou, de um lado, na luta a favor dos direitos civis dos negros estadunidenses, onde se projetaram lideranças como Martin Luther King, Malcon X e organizações negras marxistas, como os Panteras Negras e, de outro, movimentos de libertação dos países africanos (...) Tais influências externas contribuíram para o Movimento Negro Unificado ter assumido um discurso radicalizado contra a discriminação racial.
No plano interno, o embrião do Movimento Negro Unificado foi a organização marxista, de orientação trotskista, Convergência Socialista. (Domingues, 2006:112)
Os novos ventos de redemocratização impulsionaram o discurso crítico contra a democracia racial, cada vez mais articulado e propiciando um novo panorama político, em que organizações como o MNU pudessem cada vez mais ganhar espaço e voz. O MNU não somente golpeia a ‘democracia racial’ como também reintroduz a ideia de raça, reivindicando uma origem africana para identificar os negros (Guimarães, 2008:75). O vocabulário político se estende para incluir as ideias de antepassados, de ancestrais e de raça, demarcando e reconhecendo a história negra daqueles brasileiros que seriam seus herdeiros. Ganha ainda mais proeminência, nesse período, a mensagem do orgulho negro, da consciência negra e da negritude, criando-se uma demanda renovada por informações e símbolos africanos para recriar o conceito de cultura negra no Brasil (Sansone, 2004). A África e os ritos africanos passam a ser reinterpretados e a serem usados como ícones poderosos na conquista de reconhecimento identitário negro, posicionamento político e status social. Assim, a etnicidade, ou seja, a tentativa de um grupo marcar suas diferenças em relação a outros grupos, passa a ser a palavra de ordem nessa busca identitária, e a pesquisa da história do negro brasileiro e da ‘reconstrução’ de suas origens africanas tornam-se primordiais.
Não se pode deixar de destacar que as organizações negras tiveram grande expressão na organização de uma imprensa própria, além de uma série de organizações políticas e culturais em diversas partes do Brasil. Só pra se ter uma ideia, a partir na década de 1940 surge uma quantidade importante de organizações que promoviam a mobilização negra e a valorização da cultura afro-brasileira, como por exemplo a União dos Homens de Cor (UHC), o Teatro Experimental do Negro (TEN), a Associação Nacional do Negro, a Frente Negra Trabalhista, a Associação Cultural do Negro e o Comitê Democrático Afro-brasileiro (Domingues, 2007).
A Constituição brasileira de 1988 torna oficial toda a expectativa brasileira pelo estabelecimento da democracia. Além de reconhecer, pela primeira vez, que a sociedade brasileira é multiétnica, a Constituição de 1988 também reconhece as diferentes ‘raízes’ de grupos sociais e étnicos que devem ter sua forma de viver respeitada. Outro avanço que deve ser considerado é a concessão, por parte do governo, de títulos de propriedades aos descendentes de comunidades quilombolas, ou seja, às comunidades sobreviventes da escravidão e originalmente formadas por escravos fugitivos (Wade, 1999). Além disso, na Constituição de 1988 a prática do racismo é reconhecida e devidamente criminalizada.
Considerando as influências externas para as mudanças na abordagem da questão racial no Brasil, percebe-se que grandes organizações internacionais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial, a ONU e a Fundação Interamericana (IAF) estão amplamente envolvidos no estudo e financiamento de pesquisas dos afrodescendentes na América Latina, a partir de meados do século XX (Wade, 1999). E, ainda, algumas fundações estrangeiras como Ford, Rockfeller, Interamerican, Novib, MacArthur e Icco tornam-se presentes no financiamento de projetos sociais, inclusive os com vieses étnicos. Tanto essas fundações como as ONGs internacionais passam a formar uma rede global de importação e exportação de várias expressões mercantilizadas de negritude e se articulam intensivamente com os ativistas negros (Sansone, 2006:125).
De acordo com Wade (1999), deve-se considerar que os governos latino-americanos começam a adotar novas políticas destinadas às populações negras tanto por um desejo interno e democrático para lutar contra a exclusão social, como por serem pressionados externamente por essas organizações internacionais que propunham projetos sociais e financiamentos expressivos. Atendendo a essas pressões externas, o discurso sobre as minorias políticas locais se amplifica e se apropria dos princípios dos direitos humanos, resultando intencionalmente num caráter internacional das demandas internas e se alinhando às propostas internacionais.
Segundo Sansone (2006), no processo complexo da globalização, um grupo considerável de negros começa a “sentir e a pensar em termos internacionais”, associados a uma rede de importação e exportação da cultura negra e da criação do chamado Atlântico Negro: processo de troca simbólica e material entre versões da cultura negra de várias regiões do Atlântico, incluindo os países africanos e aqueles que receberam os negros vindos pela diáspora africana. Por exemplo, o Brasil recebeu forte influência da resistência negra americana e seus estilos – como a dança de rua e os cabelos black power – assim como das expressões musicais – jazz, blues, hip-hop, funk e soul. A Jamaica, com a figura de Bob Marley – um defensor e difusor do pan-africanismo no mundo –, contribuiu para que o rastafarismo, o reggae e os cabelos dreadlocks fossem assimilados no Brasil como elementos característicos e tradicionais da expressão negra.
Vista esta síntese de algumas das mudanças ocorridas no Brasil no que tange à temática racial, pode-se entender como e por que, no ano de 2010, se observa uma mudança drástica, como aquela indicada pelos dados do Censo 2010, na composição da cor ou raça declarada no Brasil. De 191 milhões de brasileiros, em 2010, 91 milhões se classificaram como brancos, 15 milhões como pretos, 82 milhões como pardos, 2 milhões como amarelos e 817 mil como indígenas. Sendo assim, a população preta e parda passou a ser considerada maioria no Brasil (50,7%) (Lamarca & Vettore, 2012).
O significado das classificações de cor passa diretamente pela visão de quem o utiliza, isto é: para se compreender a mudança ocorrida na nova forma de declarar a cor da pele no Brasil é preciso saber quem emprega esse termo. Segundo Piza e Rosenberg (1999), o movimento negro tem empregado o termo ‘negro’ tanto para definir a população brasileira composta de descendentes de africanos (pretos e pardos) como para designar as populações que possuem traços culturais capazes de identificá-las como negras, na intenção de reportar a sua condição de minoria política. A mobilização do conceito de raça pelo movimento negro não reflete senão o fato de que a raça continua a ser importante nas interações sociais, só que, na maioria das vezes, não aparece nomeada. Nomear seria então a tentativa política de evidenciar o problema do racismo. Além disso, o movimento negro utiliza o conceito de raça não somente como elemento de mobilização, mas também de mediação de reivindicações políticas, organizando os negros em torno de um projeto comum de ação (Domingues, 2007).
Observa-se portanto que, no Brasil, as percepções sobre o negro passaram por várias etapas, desde ser a causa da degeneração da raça, com o racismo científico, passando por elemento a ser assimilado e ‘amenizado’ pelo branqueamento e terminando por ser entendido como indivíduo enredado em relações sociais nas quais a questão racial toma diversos contornos simbólicos. O fortalecimento das organizações negras, sua articulação com ONGs e fundações internacionais e a recuperação do conceito de raça favoreceram para que suas demandas fossem atendidas e ganhassem espaço no debate público. Além disso, na década de 1990 o movimento negro passa a ser um ator envolvido na formulação das políticas raciais e termina, nos anos 2000, por ocupar cargos e se inserir em espaços governamentais como nunca antes, como será demonstrado no segundo capítulo.
3.3. O surgimento e a definição do conceito de políticas afirmativas
Antes de se iniciar a apresentação pontual dos conceitos que fazem parte do debate das ações afirmativas é preciso estar claro que sua gênese se produz em bases de interpretações jurídicas e que por isso geram muitas controvérsias no debate público. Essa controvérsia é gerada sobretudo porque, na maioria das vezes, essas políticas são de caráter pró-ativo, apoiadas no eixo da discriminação positiva. Essa situação se demonstra aparentemente paradoxal, pois o combate ao racismo se utiliza dos mesmos critérios da ação discriminatória, qual seja, a categorização dos indivíduos pela sua cor e, evidentemente, a discriminação inversa. Efetivamente, as ações afirmativas ferem o princípio jurídico de isonomia, que tem por base o tratamento igual a todos os civis. Todavia, as ações afirmativas tendem a denunciar que a isonomia é meramente ideológica, pois somos todos diferentes e ao longo da vida essas diferenças podem ser reforçadas no intuito de se garantir a manutenção das estruturas de poder e distinção social.
É preciso ter em mente, no entanto, que as ações afirmativas são programas e medidas muito mais abrangentes e que não se restringem somente à discriminação positiva, ou seja, à política de cotas. Segundo Edward Kellough (2006), uma variedade de políticas têm sido baseadas nos princípios das ações afirmativas. As ações afirmativas assumem igualmente diferentes abordagens e têm sido empregadas amplamente para discutir a não-discriminação e a igualdade de direitos. Kellough ressalta que, evidentemente, trabalho e educação têm sido as áreas onde mais se emprega esse tipo de política, visto que visam, acima de tudo, à inserção social das minorias.
Antes de abordar algumas das polêmicas que tangem o tema das ações afirmativas, se faz necessário apresentar claramente alguns conceitos que são usados frequentemente, assim como conhecer um pouco da história do seu surgimento. Os conceitos ora postos em definição são: ações afirmativas; políticas afirmativas; discriminação positiva; e igualdade de oportunidades/igualdade de condições, e se baseiam nos argumentos de Kellough (2006) e no decreto brasileiro n. 4.228 de 13 de maio de 2002.
Ações afirmativas: São programas e medidas especiais adotadas e orientadas pelo Estado ou por organizações privadas objetivando a correção de desigualdades e a promoção da igualdade de condições. A ação afirmativa tem como objetivo promover a representação de certos grupos e pessoas, geralmente nas áreas do trabalho, cultura e educação, redistribuindo as oportunidades.
Políticas afirmativas: São políticas orientadas e planejadas pela agenda das ações afirmativas, são a tentativa de fazer valer, na prática, a garantia de direitos e proteção das minorias étnicas, raciais ou de gênero, usando por vezes o recurso da discriminação positiva.
Discriminação positiva: É definida como um tratamento deliberadamente desigual entre candidatos, favorecendo pessoas de grupos que tenham sido vítimas habituais de discriminação. Ou seja, a discriminação positiva significa selecionar e recrutar pessoas de grupos previamente em situação de desvantagem, objetivando acelerar o processo último que é tornar a sociedade mais igualitária.
Igualdade de oportunidades/igualdade de condições: A igualdade de oportunidades é a base de diversos programas que têm como objetivo assegurar a proibição da desigualdade. No entanto, somente uma política de proibição da discriminação pode ser insuficiente, por isso a necessidade de se estabelecer determinadas medidas que garantam o cumprimento formal dessa igualdade. Assim, a ideia de igualdade de condições passa a ser entendida como mais completa que a de igualdade de oportunidades, para abarcar as novas demandas de igualdade.
O recrutamento de minorias e as intervenções nos moldes das atuais ações afirmativas tiveram sua primeira expressão oficial na década de 1960, nos Estados Unidos. Pela Ordem Executiva n. 10.925, o então presidente John F. Kennedy requeria aos contratantes do governo federal empreender uma ação afirmativa para assegurar que os candidatos empregados tivessem sido tratados, durante o processo seletivo, sem nenhuma discriminação de raça, credo, cor ou origem nacional (Kellough, 2006). Dessa forma, estabeleceu-se não somente uma proibição de discriminação de minorias no processo de seleção federal, como se encorajou a contratação de pessoas pertencentes a essas minorias.
Como mencionado no primeiro capítulo, os anos 1960, nos Estados Unidos, foram marcados pelas lutas pelos direitos civis e por igualdade racial. Disso depreende-se que a decisão do presidente Kennedy pelas ações afirmativas foi deliberada num contexto de fortes reivindicações e pressões sociais. Por conseguinte, diversas teorias políticas foram sendo desenvolvidas na tentativa de acompanhar essas mudanças que tangiam os ideais liberais de liberdade, igualdade e justiça. Dentre os teóricos que tentaram abarcar essa nova realidade, está o filósofo estadunidense John Rawls, que ficou conhecido pelo seu livro A Teoria da Justiça, de 1971. Sua obra é formulada em continuidade às discussões suscitadas pela campanha pelos direitos civis no país. Mundialmente difundida, a teoria de Rawls evidenciou a importância de se conceder direitos às minorias e de se implementar ações afirmativas (Höffe, 1991). Assim, as políticas de compensação social foram sendo adotadas não só nos Estados Unidos, mas como em diversos outros países que constataram e buscaram corrigir as desigualdades sociais, sobretudo aquelas de caráter étnico-racial.
Seguindo o princípio de considerar o surgimento das políticas afirmativas em relação com os contextos políticos e sociais que as antecederam, seria ingênuo não localizar as ações afirmativas junto à lógica do ideal liberal existente vigente em diversos países que as adotam. É justamente na contestação da eficácia do princípio de igualdade das Constituições nacionais de caráter liberal que as ações afirmativas surgem (Gomes, 2001). Joaquim Barbosa Gomes (2001) sustenta que, na contemporaneidade, a lógica jurídica ocidental passa por uma revisão por ser constatado que a simples inclusão da igualdade no rol de direitos fundamentais não a torna um direito inalienável, mesmo com este efetivamente assegurado pelo sistema constitucional. O foco e o vocabulário jurídicos mudam e, ao invés de primar pela igualdade de oportunidades, visa-se à igualdade de condições.
Imperiosa, portanto, era a adoção de uma concepção substancial da igualdade, que levasse em conta (...) também certos comportamentos inevitáveis da convivência humana, como é o caso da discriminação. Proibir a discriminação não era bastante para se ter a efetividade do princípio de igualdade jurídica. Isso é só a vedação da desigualdade, mas não garante igualdade jurídica. (Gomes, 2001:4)
Considerada a proibição da discriminação somente como uma vedação da desigualdade, os juristas que defendem as ações afirmativas garantem haver necessidade de se privilegiar uma justiça compensatória, que tenha como pilar a premência de corrigir os efeitos perversos da discriminação racial ocorrida no passado em sociedades que adotaram políticas de subjugação de grupos e/ou de indivíduos. Nesse sentido, ao adotarem os programas de preferência em prol de certos grupos sociais historicamente marginalizados, essas sociedades estariam promovendo, no presente, uma ‘reparação’ ou ‘compensação’ pela injustiça cometida no passado aos antepassados das pessoas presentes a esses grupos sociais.
O princípio geral de igualdade perante a lei é posto em questão e cresce a ideia de que o Estado, ao invés de somente reprimir a discriminação, numa atitude negativa, deveria atuar positivamente nas relações socioeconômicas, garantindo dignidade humana àqueles que socialmente são oprimidos por um sistema simbólico que os desvaloriza.
Paradoxalmente, nesse novo panorama liberal o Estado ganha mais expressão, pois deve garantir “os direitos sociais, culturais e econômicos a todos os seus governados, ou seja, os direitos de segunda dimensão, que abrange setores como a saúde, assistência social, educação, trabalho, transportes e todos os outros de assistência vital” (Gomes, 2001:6).
As políticas afirmativas aparentemente tangem outro assunto muito caro às sociedades liberais contemporâneas, que é a excelência da mão de obra, vide a alta competitividade que o mercado liberal impõe. Contudo, como afirma Kellough (2006), a discriminação positiva não pretende preterir os mais aptos por não se encaixarem no perfil de minoria. Ao contrário, será considerada a igualdade profissional e intelectual dos candidatos e serão preferencialmente selecionados aqueles que se encaixarem em minorias. Infelizmente os argumentos que propõem a ligação entre o despreparo profissional a uma discriminação positiva como a política de cotas, por exemplo, serve somente a manter e fortalecer preconceitos raciais.
Resguardada a importância das ações afirmativas, por colocarem em evidência o racismo institucionalizado no Brasil e por provocarem discussões públicas acerca das discriminações, o seu advento não deve encobrir a necessidade de atendimento de outras reivindicações válidas, até mesmo para a garantia de igualdade e do combate ao racismo em si. É necessário, portanto, ampliar ainda mais o debate sobre as ações afirmativas para que estas não sirvam, paradoxalmente, para a garantia da reprodução dos aspectos maléficos da estrutura liberal.
A garantia de igualdade de condições por parte do Estado não pode servir como um obstáculo para se pensar outras estratégias estatais visando a amenizar a desigualdade social no Brasil, como, por exemplo, a redistribuição mais justa das riquezas. Como foi dito anteriormente, a corrente do marxismo clássico é certamente muito limitada para explicar e combater o racismo e estudos recentes indicam que mesmo em um país socialista como Cuba o racismo ainda é presente nas sutis dimensões simbólicas da linguagem, dos signos e códigos (Sarduy & Stubbs, 2001). Todavia, esse mesmo estudo indica que os negros se beneficiaram vastamente do projeto socialista e da redistribuição de renda entre os pobres, e que o país pode se orgulhar de ter incentivado a população negra a alcançar grandes realizações sociais, mesmo que estas estejam curiosamente concentradas nos esportes, na música, na medicina e nas Forças Armadas (Sarduy & Stubbs, 2001:8).
Em suma, visto que as ações afirmativas se originam pela recusa de que somente a garantia da liberdade individual promoveria o êxito social dos negros, esta política, quando bem direcionada, pode também provocar outros debates públicos que reivindiquem a ampliação dos benefícios sociais por parte do Estado.
4. II – O SURGIMENTO E A IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL
No capítulo anterior foi apresentado um panorama geral dos antecedentes históricos que proporcionaram a criação de um cenário propício para o surgimento e aplicação das políticas públicas que amenizariam as desigualdades sociais resultantes da discriminação racial. Foi mencionado também que a Constituição de 1988, decretada no auge do processo de redemocratização do país, teria aberto espaço para a implementação de políticas afirmativas. Contudo, a formalização dos princípios democráticos e de inclusão social da Constituição de 1988 é resultado de um período profícuo de debates e de pressões políticas presentes no processo de retomada democrática. Salientamos também que as ações afirmativas tratam de viabilizar a igualdade de acesso social a outros grupos considerados minorias políticas, como mulheres, indígenas e pessoas com deficiência. Consequentemente, apesar de sublinharmos neste trabalho somente as ações afirmativas destinadas à população negra, elas estão inscritas num contexto amplo, em que diversos atores lutam pelo reconhecimento de suas demandas. Portanto, outras minorias organizadas também contribuíram para que as ações afirmativas destinadas à população negra tivessem espaço na esfera institucional brasileira.
4.1. O esboço das primeiras medidas
O primeiro registro de discussão pública de políticas elaboradas nos moldes atuais das ações afirmativas de cunho racial data de 1968, durante o governo do presidente Costa e Silva. Naquele momento, técnicos do Ministério do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho se apresentaram favoráveis à criação de uma lei que obrigasse as empresas privadas a manter uma percentagem mínima de empregados ‘de cor’, na tentativa de corrigir o problema da discriminação racial no mercado de trabalho. Tal lei não chega, contudo, a ser formalmente elaborada (Moehlecke, 2002).
Depois de 1968, somente em 1983 houve a primeira formulação de um projeto de lei alinhada de fato aos pressupostos de uma política afirmativa (Moehlecke, 2002). Nessa época, Abdias Nascimento, proeminente ativista social, era deputado federal e propôs o projeto de lei n. 1.332, que dispunha sobre a adoção de ações compensatórias voltadas para as populações negras. O projeto não teve aprovação no Congresso Nacional, mas significou um passo considerável para o movimento de reivindicação, que a partir de então começa a ser crescente. Esse projeto de lei compreendia pontos como reserva de vagas para negros na seleção de candidatos ao serviço público, bolsas de estudos, incentivos às empresas do setor privado que contribuíssem para a eliminação da prática de discriminação na esfera do trabalho e inclusão positiva da família afro-brasileira no sistema de ensino. Outra reivindicação de Abdias era a introdução, nos conteúdos escolares, da história das civilizações africanas e do africano no Brasil (Moehlecke, 2002).
O projeto de lei de Abdias e o interesse de mudança do processo seletivo foram as primeiras idealizações das práticas afirmativas, isso é, expressão de já existir o ideal político de reparações sociais que, no entanto, naquela conjuntura, não conseguiram ser realizadas. Notamos também que as duas iniciativas partiram de movimentos individuais ou coletivos de pessoas que estavam inseridas em setores do Governo Federal.
A mobilização social, ainda muito reprimida no período de chumbo da ditadura militar, começava a ganhar mais expressão graças ao iminente processo de redemocratização. Entretanto, no movimento de resistência clandestino, não havia muito espaço para o debate das questões raciais e a inclusão das demandas da população negra. Isso não significa, porém, que o movimento negro tivesse perdido sua expressão e força –no período ditatorial a repressão ao movimento negro era uma das prioridades da segurança nacional (Alberti & Pereira, 2007).
No estado de São Paulo, em 1986, durante o governo Franco Montoro, foi criado o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, com o intuito de desenvolver e efetivar políticas que contribuíssem para a inserção social da população negra. Por sua vez, no Rio de Janeiro, o governo Leonel Brizola cria, em 1991, a Secretaria de Defesa e Promoção das Populações Negras, que tinha princípios semelhantes à de São Paulo mas que, no entanto, torna-se extinta em 1994, no mandato do governador Marcello Alencar (Santos, 2009).
No âmbito nacional e num crescente movimento de redemocratização, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) traz à tona as pesquisas realizadas em 1976, e que tiveram suas conclusões censuradas pela ditadura por conter informações contundentes sobre a desigualdade racial no Brasil. Não por menos que durante o Censo de 1970 o quesito ‘cor’ foi deliberadamente excluído, pelo simples fato de já terem sido verificados nos Censos de 1940, 1950 e 1960 indicações de que cor e desigualdade no Brasil guardariam uma relação estreita (Ipea, 2003).
Com o processo corrente de redemocratização, o movimento negro se reorganiza e se mobiliza com mais força. Nesse período, os objetivos do movimento tornam-se outros. Não se deseja mais integrar o negro à sociedade brasileira simplesmente, mas sim denunciar o mito da democracia racial, assim como pressionar o Poder Público para que os problemas raciais passassem a fazer parte da agenda política brasileira.
Como já foi mencionado, na Constituição de 1988 consta uma cláusula provisória que permite ao Estado atribuir títulos de propriedade aos descendentes das comunidades de quilombo. Essa cláusula refletia uma pressão por uma política de reconhecimento que já começava a emergir, visto que em 1984 o governo brasileiro considera, por decreto, a Serra da Barriga patrimônio histórico, em função de ter sido local do antigo Quilombo dos Palmares. Ainda no ano de 1988, foi criada a Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura e que tinha como função promover e preservar a cultura afro-brasileira. É importante salientar o contexto da criação da Fundação Palmares, pois naquele ano completavam-se cem anos da Abolição da Escravidão no Brasil, ocorrendo diversas manifestações que reivindicavam o reconhecimento das desigualdades raciais no país. Contudo, apesar de representar um avanço, a vinculação da Fundação Palmares ao Ministério da Cultura refletia uma visão marcadamente cultural das relações raciais (Ipea, 2003), ainda relegando a figura do homem negro a uma esfera meramente culturalista, como era marcante nos estudos antropológicos dos anos 1930 e 1940.
4.2. Governo FHC: reconhecimento do racismo e implementação das primeiras medidas afirmativas
O enfrentamento da questão racial ganha novo impulso a partir da década de 1990, tendo como marco a mobilização civil durante a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, que contou com a participação de dezenas de milhares de pessoas em homenagem ao tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares (Ipea, 2003).
Além de chamar a atenção da sociedade civil para essa data comemorativa e marcar a importância histórica do personagem de Zumbi, a comissão organizadora da Marcha tinha também um objetivo político prático: evidenciar a situação desigual na qual a população negra vivia. Assim, foi entregue um documento ao então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, contendo informações sobre a situação do negro no Brasil, assim como propostas de ação para a superação do racismo e das desigualdades raciais. Em função de tal manifestação, o presidente do país institui em 20 de novembro de 1995, por decreto, o Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra (GTI População Negra), ligado ao Ministério da Justiça. Nos moldes sugeridos pelo manifesto, o GTI População Negra ficava responsável por propor ações integradas de combate à discriminação racial, visando ao desenvolvimento e à participação social da população negra (Figueiredo, 2007). Como prioridade, deveria desenvolver e incentivar pesquisas orientadas para o desenvolvimento social e econômico dessa população, para que as medidas e decisões políticas estivessem adequadas à realidade da população negra e das relações raciais no país.
Em um dos materiais elaborados pelo GTI População Negra, o objetivo da ação afirmativa é descrito como uma política que visa “eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros” (Santos, 1999:25) O GTI População Negra era formado por um colegiado de oito representantes da sociedade civil oriundos do Movimento Negro e dez representantes governamentais.
Como vimos, o racismo e a discriminação tornaram-se pauta de discussão pública na década de 1980, culminando na elaboração da Constituição Federal de 1988 que os criminaliza. Entretanto, o tipo de abordagem do tema proposto nesse momento é diferente, visto que a criação do GTI População Negra admite a existência no país de um racismo institucionalizado (Silvério, 2002) – isto é, um racismo legitimado pelo Estado e profundamente arraigado às estruturas sociais –, devendo ser objeto de estudo por parte do Governo Federal, com o objetivo final de propor ações para corrigir esse problema social.
O GTI População Negra realizou dois seminários sobre a temática de ações afirmativas, a partir dos quais elaborou 46 propostas de políticas afirmativas, tangendo áreas como educação, saúde, trabalho e comunicação. Entre essas políticas, algumas foram implementadas, mas com parcos recursos financeiros e impacto social bastante restrito.
Em 1996, outro importante passo foi dado com o lançamento do I Programa Nacional dos Direitos Humanos (I PNDH), pela Secretaria de Direitos Humanos. Nesse Programa estava contemplado o desenvolvimento de ações afirmativas para o acesso dos negros aos cursos profissionalizantes, à universidade e às áreas tecnológicas, assim como a formulação de políticas compensatórias que promovessem social e economicamente a população negra. A chamada discriminação positiva também estava prevista: o governo se comprometia a apoiar iniciativas privadas que promovessem o combate à discriminação racial (Moehlecke, 2002). Os avanços obtidos nesse Programa também devem ser atribuídos em grande parte às organizações civis e ao Movimento Negro, que desde a Marcha dos 300 anos de Zumbi ganha mais voz e espaço na esfera política, devido à forte pressão e reivindicações de direitos.
No documento do I PNDH, as ações afirmativas compreenderiam os princípios da equidade e de reparação, propondo, sobretudo: a) revogação de normas discriminatórias existentes na legislação; b) mapeamento e tombamento de documentos de reminiscências histórico-culturais afro-brasileiras; c) inclusão do quesito cor em todos os sistemas de identificação e registro sobre a população negra; d) estímulo à inclusão e ênfase à história do povo negro em livros didáticos e e) estimular a representação de grupos étnicos em propagandas institucionais (Jaccoud, 2002; Brasil, 1996).
Além dessas propostas, entre as finalidades fixadas pelo I PNDH estavam o estímulo à criação de Conselhos da Comunidade Negra e a afirmação do princípio da criminalização do racismo prevista na Constituição de 1988.
As metas e propostas, contudo, não conseguiram ser efetivadas por falta de delegação de órgãos executores e de recursos financeiros destinados para tal fim.
Ainda no ano de 1996, em continuidade das discussões promovidas pelo GTI População Negra e pelo I PNDH, o Ministério da Justiça, apoiado pelo Itamaraty, elabora e produz o seminário internacional Multiculturalismo e Racismo: O papel da Ação Afirmativa nos Estados Democráticos Contemporâneos (Silvério, 2002).
Na área legislativa nacional, a década de 1990 se inicia com diversos projetos de lei que previam descriminação positiva e políticas reparatórias para a população negra sendo propostos por deputados federais e senadores. Contudo, esses projetos foram sistematicamente reprovados. Somente a partir de 2001 foram aprovadas políticas de ação afirmativa de recorte racial, tendo como base o sistema de cotas e a necessidade de se ampliar a representação dessa população em diversos setores sociais (Moehlecke, 2002). O Supremo Tribunal Federal (STF) expede, em 2001, um edital de licitação que prevê cotas para negros nos serviços terceirizados do próprio Tribunal. Seguindo essa mesma vertente, alguns dos Ministérios se comprometem a incluir a discriminação positiva em seus processos seletivos a partir do ano de 2001. A partir dessa época, então, notamos as seguintes mudanças no processo de seleção dos Ministérios:
a) O Ministério do Desenvolvimento Agrário anuncia a criação de cota de 20% para negros na estrutura institucional do Ministério e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Alguns anos depois, a Fundação Palmares passaria a ter uma interface direta com esse Ministério, visto que essa organização assumiria a responsabilidade pela identificação e pela delimitação de áreas de remanescentes de quilombos.
b) Até o fim de 2002, todas as empresas que prestam serviços para Ministério da Justiça têm que reservar 20% de suas vagas para negros.
c) O Ministério das Relações Exteriores passaria a conceder, a partir de 2002, bolsas de estudos federais a afrodescendentes que se preparassem para o concurso de diplomatas do Instituto Rio Branco.
d) O Ministério da Reforma Agrária adotou medidas favorecendo candidatos negros a cargos terceirizados.
As modificações mais significativas ocorreram, no entanto, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Em 1995, durante a realização da 83ª Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, a delegação brasileira, chefiada pelo MTE, reconhece oficialmente a existência da prática de descriminação racial no mercado de trabalho brasileiro. Como medida para combatê-la, ratifica a Convenção n. 111 da OIT (Discriminação no Emprego e na Profissão) e cria o Programa Brasil, Gênero e Raça – Implementação da Convenção n. 111, coordenado pela Assessoria Internacional do MTE. Tal programa visava promover a igualdade de oportunidades e de tratamento e combater a discriminação no emprego e na profissão (Ferreira, 2000).
No ano seguinte, foi criado por decreto o Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação (GTEDEO). Como resultado do Programa Brasil, Gênero e Raça, são criados os Núcleos de Promoção da Igualdade e de Oportunidades e de Combate à Discriminação no Emprego e na Profissão nas Delegacias e Subdelegacias Regionais do Trabalho. Além de receberem denúncias, esses Núcleos promoveram ações preventivas, educativas, pondo em evidência a ilegalidade de qualquer prática discriminatória.
O ano de 2001 foi um marco para o debate público das questões raciais no país. Visando se preparar para a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas em Durban, na África do Sul, foi criado, através de decreto, o Comitê Nacional para a Preparação da Participação Brasileira, envolvendo representantes governamentais e não-governamentais. Esse Comitê contou com a contribuição de pré-conferências e encontros que ocorreram no segundo semestre de 2000, promovidos pela Fundação Cultural Palmares, assim como pela Secretaria de Direitos Humanos. Esse longo processo de preparação culminou na realização, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), da I Conferência Nacional contra o Racismo e Intolerância, em julho de 2001. As propostas apresentadas e aprovadas em assembleia constituíram o documento chamado Plano Nacional de Combate ao Racismo e Intolerância – Carta do Rio (Santos, 2007). Entre as propostas contidas nesse documento, havia uma que posteriormente suscitou muita discussão pública e resistência por boa parte das camadas intelectuais: o estabelecimento de cotas para negros nas universidades públicas (Santos, 2008).
Em 2002, foi lançado o II PNDH, que amplificava a importância da valorização da população negra e definia formalmente o termo afrodescendente, que se consagrou como oficial e ocupou o lugar proeminente no vocabulário daqueles que elaboram e promovem as políticas raciais no Brasil. Neste II PNDH, estabelecem-se metas para melhorar as condições de vida da população negra, no plano econômico e no social, incluindo projetos de ação na área de justiça, trabalho, educação e cultura. Fica reconhecido também que os males da escravidão impactariam ainda hoje a vida dessa população e que suas condições de desigualdade social seriam resultado do processo de exclusão social em razão do racismo.
Ainda em 2002, mais precisamente no dia 13 de maio de 2002, dia em que se completavam 114 anos da Abolição da Escravatura, foi finalmente criado o Programa Nacional de Ações Afirmativas (Brasil, 2002), o qual visava implementar medidas para ampliar a participação de afrodescendentes, mulheres e pessoas com deficiência na administração pública federal. A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça ficou a cargo da implementação do programa.
Como foi dito anteriormente, a questão racial começou a ganhar espaço na mídia com as discussões em torno da adoção do sistema de cotas, por algumas universidades públicas, para garantir e favorecer o acesso da população negra. Ainda no ano de 2001, no estado do Rio de Janeiro, foi instituída, pelo então governador Anthony Garotinho, a lei n. 3.708, que estabelecia o sistema de cotas de até 40% para as populações negra e parda nas universidades estaduais (Uerj e Uenf). Contudo, somente no vestibular de 2003 a cota passou a ser realidade e, apesar de incidir sobre o total das vagas oferecidas, teria que ser preenchida por candidatos que fossem oriundos do Sade, o Sistema de Acompanhamento do Desempenho dos Estudantes do Ensino Médio. Ou seja, tentou-se unir o acesso de estudantes do ensino médio com o critério racial.
Apesar de terem sido iniciadas oficialmente as medidas para adoção das políticas de ação afirmativa ainda durante o governo Fernando Henrique Cardoso, é no mandato de Luiz Inácio Lula da Silva que a questão racial fica mais evidente e ganha corpo através da crescente discussão pública, a nível nacional.
Embora seja possível afirmar que no governo Fernando Henrique Cardoso já havia iniciativas federais voltadas à população negra, a análise dos documentos do período revela que a estratégia discursiva e a política deste governo foi promover o reconhecimento sem investimentos no aspecto redistributivo, embora a desigualdade racial fosse a principal justificativa para as políticas de valorização da população negra, aliás, expressão fartamente encontrada nos documentos oficiais deste período (Lima, 2011, grifo nosso).
4.3. Governo Lula: ação afirmativa na prática
Desde o dia de sua posse, em 1º de janeiro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já anunciava em seu discurso oficial o compromisso com a valorização da diversidade étnico-racial brasileira, colocando ênfase nas novas políticas governamentais que pretendia implementar a fim de combater a discriminação, sobretudo a racial. Podemos dizer com segurança que foi durante seu governo que o tema da igualdade racial ganhou mais terreno nas esferas institucionais e governamentais.
Em março de 2003, foi criada pela medida provisória (MP) n. 111, convertida posteriormente na lei n. 10.678/2003, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), instituição de nível ministerial que se define como responsável pela formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial visando à consolidação do tema da igualdade racial. A Seppir, em sua atuação institucional, procura garantir principalmente a transversalidade da questão racial, em articulação com ministérios e com as secretarias dos governos estaduais e municipais.
Em análise comparativa entre as gestões dos governos FHC e Lula, a socióloga Márcia Lima (2010) argumenta que, ao passo que “as ações afirmativas que ocorreram na gestão FHC forma tímidas e posteriores a Durban”, no governo Lula “o termo ‘igualdade racial’ passou a ser amplamente utilizado e, inclusive, institucionalizado com a criação da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial” (Lima, 2010:12).
Quanto à atuação da Seppir, seria injusto reduzir suas ações e programas à elaboração do Estatuto da Igualdade Racial, mas é também impossível não registrá-lo como o seu grande marco. O Estatuto da Igualdade Racial entra em vigor com a sanção da lei n. 12.228/2010. Esse Estatuto reforçou as definições legais de discriminação racial e das ações afirmativas, garantindo à população negra o direito à saúde, à educação, à cultura, ao acesso aos meios de comunicação, ao esporte e ao lazer através do incentivo à implementação de programas destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas existentes. Além disso, estão previstos o direito ao livre exercício dos cultos religiosos de matrizes africanas, a inclusão no mercado de trabalho, o acesso à terra e o direito à moradia e a condições de trabalho adequado à população afrodescendente. A capoeira passa a ser considerada arte marcial afro-brasileira e cria-se uma agência especial que exige que as escolas em todos os níveis incluam a história e cultura dos afro-brasileiros em seus currículos.
No seu site institucional, a Seppir justifica que seu surgimento “nasce do reconhecimento das lutas históricas do Movimento Negro brasileiro”4. De fato, como observou Márcia Lima (2010), foi durante a gestão de Lula que o movimento negro passou a ser um ator envolvido na formulação das políticas raciais, ocupando cargos públicos e se inserindo de forma inédita no aparato governamental.
No governo Lula, as políticas afirmativas destinadas à educação estão organizadas tanto em bases de demandas por reconhecimento com intuito valorativo/identitário, tanto com intuito redistributivo. O que se pretende é atuar na correção dos resultados e das oportunidades desiguais para suprir as carências socioeconômicas dos membros do grupo em questão. Entre estas políticas afirmativas destinadas â educação, as que se destacam é a lei n. 10.639, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática da História e Cultura Afro-brasileira – de reconhecimento com intuito valorativo/identitário –, o Programa Universidade Para Todos (ProUni) e o apoio às ações afirmativas nas universidades públicas – de reconhecimento com intuito redistributivo.
O ProUni nasce em 2004 com a proposta de aproveitamento de cerca de 100 mil vagas ociosas, nas universidades privadas, por estudantes de baixa renda, com subsídio estatal. A estratégia para alcançar esse objetivo foi a concessão de bolsas de estudos integrais ou parciais a estudantes de baixa renda em cursos de graduação e sequenciais de formação específica de instituições privadas de educação superior. O ProUni apresenta uma política de cotas para os que se autodeclaram pretos, pardos ou índios e optam por ser beneficiários deste sistema no ato de inscrição. Como segunda estratégia, o governo decidiu expandir a oferta de vagas nas universidades federais, bem como construir e ampliar novas unidades e campi. Até o fim de 2007, segundo o Ministério da Educação, 14.826 novas vagas foram criadas nos cursos de graduação (Júnior, Dalfon & Campos apud MEC, 2009).
O ProUni, em termos redistributivos, é a política afirmativa de maior impacto no Governo Lula. Ainda segundo informações do Ministério de Educação, “o ProUni já atendeu, desde sua criação até o processo seletivo do segundo semestre de 2009, cerca de 600 mil estudantes, sendo 70% com bolsas integrais” (Lima apud MEC, 2009).
O Programa de Financiamento Estudantil (Fies), criado em 1999, no governo FHC, ganha maior expressão no governo Lula, quando é reformulado para se tornar mais acessível para os estudantes de classes média e baixa e também adotar o critério racial no índice de classificação, aumentando as chances de os solicitantes negros e pobres conseguirem o financiamento. Os dois programas – ProUni e Fies – podem até mesmo funcionar conjugados, permitindo ao bolsista parcial do ProUni financiar até 100% da mensalidade (Júnior, Dalfon & Campos apud Henriger, 2009).
Apesar dos benefícios destacados pelo próprio Ministério da Educação, não podemos ocultar que esse programa sofreu pesadas críticas, sobretudo pelos docentes e discentes das universidades públicas, que alegaram que com o ProUni o governo deixaria clara a posição de reduzir investimentos em áreas sociais, apostando no mercado e no ensino privado5.
Outro ponto a ser destacado é o fato de que, durante o governo Lula,
a maioria dos programas (77%) foram instituídos por decisões internas às universidades, geralmente por seus conselhos universitários, enquanto as demais decisões (23%) foram resultado de leis estaduais. Isso mostra que o empurrão em direção às políticas de admissão mais inclusivas não podem ser creditado apenas à iniciativa governamental (Júnior, Dalfon & Campos apud Gemaa, 2011).
4.4. Governo Dilma: continuidade do legado petista
No governo da presidente Dilma Rousseff observamos o prosseguimento das políticas afirmativas amplamente firmadas no governo Lula e que têm sua coroação pela aprovação da lei n. 12.711, que institui a obrigatoriedade da adoção de ações afirmativas raciais e sociais nas universidades federais, em agosto de 2012.
Alguns meses antes, em abril de 2012, o STF decidia de forma unânime pela constitucionalidade das cotas raciais e do programa ProUni após o partido dos Democratas (DEM) ter proposto a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 186, que alegava que essa política feria preceitos fundamentais da Constituição Federal, como o princípio de não discriminação, do repúdio ao racismo e da dignidade humana (Júnior, Dalfon & Campos 2012: 9).
A lei federal n. 12.711/2012, que regulamenta as cotas, institui reserva de 50% das vagas nas universidades federais do país para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, incluindo também percentuais para negros e indígenas na proporção da população de cada estado. O terceiro artigo esclarece da seguinte maneira essa resolução:
Art. 5º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).6
Como mostram as pesquisas mais recentes do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Gemaa/Iesp) da Uerj, às vésperas da sanção presidencial da lei, 64% das universidades já praticavam algum tipo de ação afirmativa. Se consideradas tanto as esferas federais e estaduais, esse percentual totalizava mais de 71% das universidades públicas brasileiras (Júnior, Dalfon & Campos 2012 apud Gemaa, 2011).
Análises críticas à formulação da lei n. 12.711/2012 apontam, no entanto, para a preservação da autonomia das universidades no que tange à organização do processo seletivo e a possibilidade de não preenchimento das vagas indicadas, visto que somente a reserva não garante sua ocupação (Júnior, Dalfon & Campos, 2012).
No que diz respeito às políticas afirmativas voltadas para a esfera do trabalho, o governo Dilma estuda, desde novembro de 2011, a proposta de criar cotas para negros no serviço público, possivelmente alinhadas às decisões governamentais anteriores que favoreciam a discriminação positiva dos negros em seleções públicas7.
5. Conclusão
Como vimos, ações afirmativas de cunho racial resultam de discussões éticas e jurídicas contemporâneas e de sua consequente revisão de conceitos como igualdade e discriminação racial. Por sua vez, essas revisões ocorrem em função de eventos históricos recentes ocorridos no século XX, como o combate do racismo por parte de ONU ao final da Segunda Guerra Mundial, o processo de descolonização da Ásia e da África, a emergência de novas demandas de reconhecimento identitário e étnico, a intensificação dos fluxos imigratórios alargando os contatos entre os Hemisférios Norte e Sul, assim como a convivência e o confronto entre a ‘modernidade’ do Norte e o ‘atraso’ das culturas do Sul. Essa polarização do mundo – Norte como sinônimo de prosperidade, Sul, estagnação –, fruto do paradigma eurocêntrico até então reinante, com notórias raízes no pressuposto da desigualdade das raças, entrou em choque quando insurgiram ondas de insatisfação pelo Terceiro Mundo, as quais tiveram como consequência a formulação de novos paradigmas, que criaram ainda outras dicotomias, mas que propuseram novas saídas, novas formas de pensamento. Emerge o conceito de multiculturalismo, que denuncia a prática da discriminação e do racismo da lógica opressora eurocêntrica e põe em evidência o valor da multiplicidade em contraste com a superficialidade vazia de sentido que a homogeneidade cultural traria. Entre as dicotomias que surgem desse embate ideológico estão o paradigma eurocêntrico versus o multicultural, mas também o de violência versus não-violência, de desenvolvimento econômico e modernidade versus cultura e tradição, de homem ‘branco’, ‘cidadão global’ versus o valor da etnicidade e do engajamento político local, de colonização versus descolonização etc.
Essas oposições agora não servem mais para justificar e garantir a ordem do mundo, mas para questioná-la e abrir espaço para as vozes do Sul. O que simbolizava ‘atraso’, de acordo com o paradigma eurocêntrico, se transforma em símbolos poderosos de ação e trasformação, como salienta Sansone (2004). Assim, cresce no chamado Atlântico Negro o desejo pelo reconhecimento identitário e étnico das populações afrodescendentes, fazendo com que a África e os ritos africanos passem a ser buscados e reinterpretados, embasando e fortalecendo os preceitos políticos da consciência negra e da negritude.
O Brasil acompanha esse fluxo de mudanças globais e é também estimulado, internamente, pelos ‘novos ventos’ de redemocratização, a repensar liberdade democrática e igualdade civil. A mudança de foco das pesquisas sociais demonstra ter sido crucial nesse momento. A mestiçagem não é mais algo a ser evitado, como queria o racismo científico. O negro não é mais visto como ‘raça inferior’, nem tampouco como mero objeto de ‘curiosidade’ antropológica a ser descoberto em sua complexidade de cores, costumes, línguas e rituais, como convinha à abordagem culturalista e folclorista.
Com o avançar da década de 1970, as pesquisas brasileiras buscam uma visão mais igualitária também nessas investigações sociais, passando a entender que a posição de marginalidade largamente ocupada pelo negro não é mero resultado da perversa lógica escravista ou da desigualdade econômica e social existente no país. Compreende-se, por um lado, que a dinâmica do capitalismo criava certamente obstáculos à integração social dos negros, mas que haveria algo mais presente na trama social brasileira: o negro no Brasil vivenciaria, no estabelecimento de suas relações sociais, um mecanismo de desqualificação bem particular, desqualificação que ocorreria especificamente por sua condição racial. O ideal coercitivo da ‘democracia racial’ brasileira é posto em xeque com a patente prática da discriminação racial no Brasil.
Com a força dos apoios de organizações internacionais e diante do território fecundo da democracia que ressurgia, o Movimento Negro se articula e pressiona o governo para que as políticas afirmativas fossem sendo incorporadas, em razão da inegável situação desigual na qual a população negra vivia. No governo FHC assume-se oficialmente que o racismo existe no Brasil e que deve ser combatido. Esse combate é travado através da criminalização da discriminação e também pelas políticas que prezam pela justiça redistributiva e compensatória, afirmada, sobretudo, pela discriminação positiva. O GTI População Negra, formado durante esse governo, deixava claro que seus objetivos eram eliminar desigualdades historicamente acumuladas, assim como ‘compensar’ as perdas provocadas pela discriminação. Além disso, o I e o II PNDH foram cruciais para a valorização, mesmo que ainda em teoria, da população negra e trouxeram à baila o termo ‘afrodescendente’, amplamente utilizado atualmente nos discursos afirmativos. Porém, é somente no início do século XXI que as políticas afirmativas passam da teoria para a prática, quando diversos Ministérios, entre eles o de Desenvolvimento Agrário, da Justiça, das Relações Exteriores e Reforma Agrária assumem reserva de vagas para negros em seus processos de admissão. Uma mudança institucional realmente notável ocorre no final do governo FHC, com a criação do Programa Nacional de Ações Afirmativas, que visava implementar medidas para ampliar a participação de afrodescendentes na administração pública federal.
Nos governos petistas de Lula e Dilma, os programas sociais são amplamente desenvolvidos e os programas de transferências diretas de renda tornam-se prioridades. Entre estes programas sociais se destacaram aqueles de caráter afirmativo e de discriminação positiva, sobretudo na área da educação. Os programas ProUni e Fies ajudaram a criar vagas nas universidades e , ao proporcionarem o financiamento dos estudos, beneficiaram, em conseqüência da situação social em que se encontravam, muitos estudantes negros, mesmo que em meio a críticas à mercantilização da educação. O governo Dilma termina por coroar os avanços dos governos anteriores, sancionando a lei n. 12.711/2012, que institui a obrigatoriedade da adoção de ações afirmativas raciais e sociais pelas universidades federais.
Diante dessa retrospectiva dos últimos anos de pesquisa das relações raciais no campo das ciências humanas e da implementação das políticas afirmativas no Brasil, concluímos que estas estiveram amplamente delineadas pelos princípios jurídicos da política redistributiva compensatória e que prezaram por colocar em prática o seu ideal último, qual seja, oferecer condições especiais àqueles socialmente excluídos.
Essa perspectiva afirmativa evidencia durante o governo FHC a existência do racismo no Brasil e também reconhece que é nas estruturas mais fundamentais e sedimentadas da organização social brasileira que a discriminação se reproduz. Essa nova perspectiva nos permite também depreender que o Estado brasileiro, durante toda sua história, operou para legitimar o racismo e fornecer bases legais e simbólicas para a institucionalização de mecanismos discriminatórios.
Ainda no campo das ideias, as ações afirmativas negam as definições ocidentais padronizadas do conceito de igualdade social. Essa redefinição conceitual propõe não mais enxergarmos as diferenças entre classes sociais como fator histórico enquanto a igualdade universal entre os homens como algo intrínseco e natural, alcançada após a dissolução das desigualdades econômicas e materiais e/ou a observação das leis, como o axioma que afirma que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Isso significa que, tanto o enfoque estritamente econômico não é capaz de atingir por si só o ideal de igualdade universal entre os homens, como a simples vigência das leis igualitárias não tornou a igualdade um direito inalienável. A igualdade, assim como a desigualdade, é um produto histórico, resultado de interações sociais e é justificada direta ou indiretamente pelos paradigmas sociais que uma determinada sociedade compartilha. Evidenciar que igualdade entre os homens e desigualdade econômica são construtos sociais é salientar que a luta pela igualdade está inserida numa trama complexa e que as convenções de exclusão social se (re)produzem sempre em diversos níveis sociais, sejam eles materiais ou simbólicos. Assim, não é somente amenizando as diferenças econômicas ou punindo discriminações que atingiremos a igualdade como uma consequência natural, afinal, discriminações são por vezes sedimentada num nível muito profundo dos esquemas mentais sociais.
O princípio de igualdade que antes era pautado pelo conceito de igualdade formal, reduzida à garantia jurídica de que “todos são iguais perante a lei” (que, apesar de não conseguir tanger problemas complexos como do racismo, foi crucial para o questionamento de privilégios) se amplia e abrange o conceito de igualdade material e substancial. A igualdade material definida pelo ideal de justiça social e distributiva – orientada por critério socioeconômicos – e a igualdade substancial definida pelo reconhecimento de identidades – orientada por critérios como raça e etnia – são sobrepostas e tornam-se pilares da ação afirmativa. A junção dos conceitos de igualdade permitiria reconhecer os grupos discriminados e oferecer, através da discriminação positiva, a correção destas de desigualdades e a promoção da igualdade de condições.
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2 Entre as opressões mais visíveis da globalização se poderia citar, por exemplo, o trabalho agrícola na América Latina, sobretudo a partir da Revolução Verde. Essa dita revolução, caracterizada pela introdução do capital empresarial no campo, com suas fortes maquinarias e produtos industrializados, geraram um nível altíssimo de desemprego e péssimas condições de vida para o agricultor (Kay, 1995). A opressão que a intensificação da globalização gera também pode ser inferida no continente africano. Por não disporem do aparato científico e tecnológico mais moderno, aos países africanos fica relegada uma posição bastante vulnerável dentro do sistema global de trocas econômicas.
3 Recentemente, a ONU consagrou o decênio 2012-2022 aos afrodescendentes, estimulando a valorização da memória e da história dos herdeiros da Diáspora Negra em diversos países, buscando, com isso, sobretudo, eliminar a estigmatização racial. Fonte: Jornal O País. Disponível em: <http://www.opais.net/pt/opais/?det=25585&id=1787&mid>. Acesso em: 17 mar. 2012.
4 O que é. Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Disponível em: <http://www.seppir.gov.br/sobre>. Acesso em: 10 jun. 2013.
5 Ver entrevista com professor Roberto Leher, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e ex-presidente da Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior (Andes). Disponível em: <http://www.adur-rj.org.br/5com/pop-up/prouni_repercussao.htm>. Acesso em: 25 mar. 2013.
6 Brasil. Lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=77463D972C199F3333C4ECF42EE0D307.node2?codteor=1063512&filename=LegislacaoCitada+-PL+5112/2013>. Acesso em: 25 mar. 2013.
7 UOL. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/11/21/criacao-de-cotas-para-negros-no-servico-publico-esta-em-fase-inicial-de-discussao-diz-ministra.htm>. Acesso em: 25 mar. 2013.
Publicado por: Caroline Peres Couto
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