PETRÓPOLIS. DESCONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DA CIDADE SOB O ASPECTO DOS ANTECEDENTES E O CONTRATO DE IMIGRAÇÃO - A MEMÓRIA COLETIVA E A ANTROPOFAGIA DO PODER

índice

Imprimir Texto -A +A
icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

1. RESUMO

Este artigo tem como objetivo entender a relação da construção da memória coletiva e das estruturas do poder que em movimento antropofágico as classes sociais vão se alimentando entre si sob um olhar hegemônico de sua história. Buscamos a desconstrução deste pensar homogêneo, mediante análise intertextual, transversal e crítica dos antecedentes e do contrato de imigração de dezessete de junho de mil oitocentos e quarenta e quatro em confronto com a narrativa da história oficial de Petrópolis, veiculada pelo IHP e repetida ao longo do tempo sem apontar minimamente para novas pesquisas e olhares historiográficos, mantendo uma sociedade estagnado no tempo com ares imperial de conservadorismo patriarcal.

Palavra–chave:  Petrópolis. História. Imigração. Memória Coletiva. Poder.

2. INTRODUÇÃO

Petrópolis foi nomeada como Cidade Imperial pelo decreto n. 85.849/81. Traz em sua atmosfera social este espírito arraigado estático em suas estruturas, atingindo mesmo as camadas mais empobrecidas em um cenário conservador em sua própria história construída pelo Instituto Histórico de Petrópolis e institucionalizado pelo Museu Imperial, traçando um maniqueísmo purista de vilão e herói.

Assim a questão norteadora se traduz no seguinte questionamento: A história oficial de Petrópolis sob o recorte da imigração germânica, produzida ao longo do tempo pelo Instituto Histórico de Petrópolis e institucionalizada no Museu Imperial, possui criticidade necessária para efetivar ou conduzir a uma sociedade pensante, por meio de confrontos com as demais fontes históricas?

Os objetivos: entender a construção da memória coletiva e o poder pela história oficial reproduzida, sua resistência por meio dos diferentes blocos, social-econômico diante da mera possibilidade da questionamento desta narrativa. Produzir, assim, uma desconstrução com a confrontação entre os antecedentes históricos, o contrato de junho de 1844, os primeiros anos de imigração e a narrativa oficial que ao longo do tempo buscam a mantença de estamentos que se acomodam entre si em um movimento antropofágico, que se alimentam em conservadorismo e estagnação presos a um passado que não se aproxima ou mesmo conversa com o presente e suas estruturas mantendo-se em um status quo ante.

Como fontes utilizadas a historiografia de Petrópolis produzida pelas instituições oficiais, em confrontação com as publicações do Governo da Província no Jornal do Commercio/RJ, 1840 a 1849, cartas dos Colonos Keuper, Hofner, 1851/1892 trazidas pelo historiográfico Gustavo Ernesto Bauer em visita à Alemanha como convidado do Consulado daquele País e o contrato de imigração de 1844.

Neste sentido a metodologia utilizada parte dos ensinamentos de Le Gof (1990) e Marc Bloch (2002), para análise intertextual e transversal das fontes primárias e da produção historiográfica petropolitana, com a compreensão da construção de uma memória coletiva, tendo como base a sociologia de Maurice Halbwachs, em contraponto com contra-história trazida por Michel Foucault, para o desenvolvimento do movimento antropofágico do poder.

A história de Petrópolis, perpetuada traz um romance quase infantilizado do sonho de um Imperador em construir um palácio de veraneio em um local de clima ameno e de um Major que suplicou pelo acolhimento de conterrâneos amotinados em um navio aportado no Rio de Janeiro, cujo destino era a Austrália. Tendo deste fato surgido a idealização de uma colônia de características físicas germânica.

Seguindo este viés, dois vilões, transformados em único, Charles Delrue e a Companhia de Dunquerque, acusados de fraude contra os colonos importados nos 13 navios que aportaram entre junho a setembro de 1845. Fraude desde o pagamento por passagens, de promessa contatual pela Província, ao não cumprimento do contrato no que tange a alimentação à bordo.

Entrementes, ao analisar o contrato de imigração e seus antecedentes verifica-se a história moldada para atender a um projeto de branqueamento de população e de mercado lentamente em transição, diante de uma pressão já iniciada para o fim do modelo escravista, bem como a construção de uma memória coletiva subordinada a um poder que mesmo diante de suas poucas variações criou uma estrutura antropofágica que leva a uma sociedade homogênea isenta de criticidade.

Trazer questionamentos sobre a história oficial que se mostra sem mínimo confronto de paradigmas e de novas pesquisas com diversidade de fontes, é relevante para que a sociedade envolvida busque em seu âmago, sua própria compreensão sob o olhar contemporâneo, induzir a uma criticidade, podendo ser capaz de autoanálise e mormente de modificação de estruturas que se mantem desde seu nascedouro como cidade. Estruturas estas que impedem mobilidade social e reproduzem estamentos sob contos de benevolência patriarcal.

3. NARRATIVA OFICAL DA CONSTRUÇÃO DE PETRÓPOLIS

Os antecedentes históricos à vinda dos colonos germânicos para Petrópolis, na narrativa oficial limita-se ao sonho do Imperador D.Pedro II em residir em local de clima ameno e de uma colônia agrícola à sua volta, na compra da fazendo perdida em dívida por seu pai, e, aos feitos de engenharia do projeto de Koeler e a aquisição e aforamento das terras das fazendas do Itamaraty e do Córrego Seco. Não sendo encontrado nos anais sobre a cidade análise sobre a motivação da colonização, senão que precisavam de mão de obra liberta para o novo traçado das obras da Estrada Geral da Estrela (FROES. 2006) em uma análise mais técnica e detalhista deste período colonial[1].

Na construção da Estrada, teria sido utilizada a mão de obra dos colonos amotinados no navio Justine, que por suplica do Major Koeler, também de etnia germânica e já na chefia do traçado teria suplicado ao Imperador D. Pedro II que acolhesse seus conterrâneos, o que teria sido de pronto atendido. Episódio que teria despertado o sentimento de piedade do Major, pela situação de concidadãos em sua terra natal, e, incentivado a escolha e o apressamento da imigração.

Já o Discurso de 1981 da então Presidente do Instituto Histórico de Petrópolis, nos remete a linha historiográfica positivista dos vultos que iria moldar até o presente as publicações de tão importante Instituto para desconstruções e entendimento contemporâneo, que engessaram no tempo.[2] Texto que, embora fale em “invocar perguntas”, estas não foram feitas, como se observa que mesmo passado cerca de duas décadas deste discurso, na mesma data comemorativa a narrativa foi no mesmo tom.

Em comemoração aos 155 da formação da cidade de Petrópolis foi publicado artigo intitulado “Cento e cinquenta e cinco anos de colonização alemã em Petrópolis”. De autoria de Jeronymo Ferreira Alves Netto, Associado Titular, cadeira nº 15 do IHP.

O artigo referendado, se submete à repetição historiográfica, narra que o Presidente da Província Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho assinou em julho contrato com a firma Delrue e Cia de Dunquerque para que fossem contratados imigrantes para trabalhar nas obras que estavam em andamento. Neste sentido continua o artigo que houve intepretação literal do contrato, “ao invés de remeterem colonos alemães, especializados na abertura e melhoramento das estradas enviaram família inteiras, sendo interessante assinalar que a maioria dos imigrantes não possuía a especialização pretendida”.

O que se observa, mesmo passados 150 anos (2000) da chegada dos colonos, e duas décadas do discurso da patronesse do IHP, mesmo ambos períodos já envoltos à novos questionamentos e paradigmas, há, no entanto, a mantença da construção da narrativa de um acaso, do acolhimento paternal, recorrendo aos planos urbanísticos do Major Julio Frederico Koeler e o sonho do imperador para a construção de uma colônia agrícola em Petrópolis.

Na mesma linha de narrativa de acolhimento, e justificativa de despreparo para o recebimento dos colonos, o Almanaque de Petrópolis, n. VI-maio de 2018 intitulada “Os imigrantes e a formação de Petrópolis” editada e divulgada pelo Museu Imperial, menciona um erro de tradução no contrato:

“Em 1844, o presidente da província do Rio de Janeiro, Aureliano Coutinho, assinou um contrato com Charles Delrue, vice-consul do Brasil em Dunquerque com o objetivo de contratar 600 casais de colonos para trabalharem nas obras que aqui estavam sendo realizadas. Porém, na tradução do contrato para o alemão por descuido, vieram 600 famílias, totalizando mais de 2200 germânicos” (KNIBEL E RESENDE,1984, p.8 )

Outro historiográfico no IHP, que contribuiu imensamente com pesquisas genealógicas, descreve, desta vez falta de interpretação: “O contrato eram de 600 casais. Porém mal interpretado pelo Vice-Consul, que mandou quase 600 famílias ultrapassando a casa de 2300 alemães entre casais com e sem filhos, solteiros e outros que vieram acompanhados até pelos avós” (INSTITUTO HISTÓRICO DE PETRÓOLIS. OLIVEIRA, Martins, Associado Titular, cadeira nº 10).

Contudo para além da justificativa para o despreparo que por sua vez traz um alinhamento ao paternalismo acalentador é claramente necessário para os fins perseguidos com a imigração serem alcançados. Fins os quais podem observados nas publicações de Aureliano Coutinho e pelo Visconde de Abrantes, uma preocupação em manejar as imigrações de forma a evitar conflitos com as estruturas do poder que se estabeleceram e dependiam da mão de obra escrava, acarretar o pensar de acaso e acolhimento era de suma importância não somente para com esta elite, mas para um olhar humanizado para com os novos Obrigados e camuflar sua real condição de servidão contratual para si mesmos evitando fugas.

Oficialmente, o Imperador pai acolhedor, o Major heroico que clamou em nome de seus conterrâneos em desfortuno.

Embora toda narrativa oficial esteja em parte de acordo com realizada pelas autoridades envolvidas na imigração e colonização ou seja, alinhada desde sempre com os ideais ali perseguidos, segue a história de Petrópolis, sem questionamento e, quando estes são feitos são firmemente rechaçados pelos grupos que carregam no presente a imigração como fonte de poder, ainda que ilusório, levantando-se em voz acalorada para defender a honra dos heróis da cidade, e, por consequência suas próprias estruturas. (DELUIZ, 2019).[3]

4. DOS ANTECEDENTES AO CONTRATO DE 1844

Para entender esse recorte mister voltar aos antecedentes do contrato de imigração. Em 1837, o governo brasileiro aprovava lei que oferecia isenção de taxa de ancoragem para qualquer navio que transportasse mais de 100 colonos brancos. Medida clara de atração de navios ao porto brasileiro que, já era parada para reabastecimento para prosseguimento de viagem para outras rotas migratórias. [4]

Já neste período o modelo escravista de produção com os ideais iluministas propagados e a Revolução Industrial diante da necessidade de mercado, começou a ser questionado. Vale ressaltar que, tendo a Inglaterra como pagadora da independência do Brasil a principal força de pressão pela mudança de modelo de produção.

No mesmo ano, aportou no Rio de Janeiro o Navio Justine, uma brigue francesa que saiu de Dunquerque com destino à Austrália, tendo como passageiros, germânicos. A narrativa que se repete é do paternalismo de pesar e acolhimento:

“Foi durante este último trabalho que ocorreu o "Episódio do Navio Justine", que levava trabalhadores alemães para a Austrália, os quais, devido aos maus tratos a bordo, revoltaram-se, obrigando o comandante do navio a aportar no Rio de Janeiro. Tomando conhecimento do fato, Koeler entrou em entendimentos com as autoridades e conseguiu o desembarque destes trabalhadores no Brasil, para serem aproveitados nos tabalhos (sic) de restauração do Atalho do Caminho Novo”. CURSO DE HISTÓRIA DE PETRÓPOLIS (2) NETO, Jeronymo Ferreira Alves, Módulo II em http://www.ihp.org.br/26072015/lib_ihp/docs/jfan20020512.htm

Embora motins não fossem raros pelas condições precárias de viagem, não teria sido esta a razão do Justine de ancorado no Rio de Janeiro, mas para reabastecimento. Fato corriqueiro, diante das rotas navegatórias e destino. Nestas ocasiões de parada agenciadores do governo brasileiro subiriam a borda com a intenção de aliciar os colonos para desembarcarem, permanecerem no Brasil e trabalharem, muitos levados para as obras em Petrópolis. (MELINDEZ, Rev Histórica, vol 34,n.68).

Ressalte-se que, não somente a obra mencionada era gerida por Koeler na Serra da Estrella mas principalmente que esta seção fazia parte do complexo de estradas abertas denominada Caminho Novo, que ligaria a Capital as Minas Gerais, e diante deste cenário ainda não havia permissão oficial para importar colonos brancos. Temos assim três fatores norteadores: necessidade e oportunidade de mão de obra, e branqueamento da população, que trazem nesta sedução e instigação, colocado por MELINDEZ, a aproximação da historicidade.[5]

Somente em 1840 a Lei 226 concedeu competência exclusiva ao Presidente da Província para contratar com empresários ou companhias que se organizassem o estabelecimento de colônias agrícolas industriosas na província. Iniciava-se assim, oficialmente o projeto de imigração em massa.

Nos anos seguintes uma convocação intensiva da Companhia de D. Pedro II, tendo Koeler como acionista e administrador e responsável pelos termos e leitura do contrato e, arrendatário para o aforamento das terras [6]

Na abertura da Assembleia Legislativa Provincial em 1 de março de 1844, discursa Aureliano Coutinho:

“Para fazer a colonização em grande escala como forão os designios da assembleia pela sua providente lei de 30 de maio de 1840, n. 226, era mister dispor e preparar as cousas para promover a vinda de colonos brancos e recebe-los na província convenientemente e assim dissipar com antecedência muitos preconceitos e prevenções que se tem espalhado no estrangeiro contra a ideia de colonização do império em consequência do pouco feliz êxito que teve a colônia de Nova Friburgo[7]. (...) também expandi ordem ao chefe da segunda secção para averiguadas semelhantes no alto da serra da Estrella, onde sua Majestade, o Imperador manou edificar um palácio para sua residência, na futura povoação denominada Petrópolis, a qual logo que a estrada normal da Estrella tenha chegado a este ponto, deve ter incremento rápido, poderosamente coadjuvado pela colonização(..)”Jornal do Commercio. Ano 1844. Edição 00078.

A leitura deste discurso, se percebe o frisar “colonos brancos’, e, que o acaso não existiu. A imigração era um projeto político e Koeler fazia parte integrante dele, como acionista da Companhia destinada ao comércio do aforamento destas terras, como chefe da segunda seção das obras da Serra da Estrella e mais, como arrendatário por 9 anos das terras da fazenda do Corrego Seco. [8]

“O major Julio Frederico Koeler roga aos senhores que pretendem terrenos no Corrego Seco e ficarão de entregar os requerimentos que dirigem a SM a esse respeito de lhe remetam quanto antes estes requerimentos (...) prestará o mencionado Major a qualquer pessoa informações sobre os terrenos e condições do contrato (..)” Jornal do Commercio RJ Edição 002247 ano 1843.

Neste sentido percebe-se que, tanto as obras da expansão do Caminho Novo e de Petrópolis estavam antes da contratação dos 13 navios que trariam os colonos à pleno vapores e com plano elaborado e programado, e, de interesse direto econômico-financeiro de Koeler.

5. DO CONTRATO

Em 17 de junho de 1844 é publicado na seção de atos oficiais da Província do Rio de Janeiro, o contrato entre o da Província e casa Delrue e a Cia de Dunquerque. Contudo, antes de adentrarmos à letra do contrato, mister ressaltar a fala do Presidente da Província Aureliano Coutinho ainda em 1 de março de 1844:

“(...) M. Charles Delrue negociante e armador de Dunquerque e ali vice-consul do Brasil, fez-me por intermédio do cônsul geral do  Império, a proposta de por a disposição da Província as dezoito embarcações que possue (...) como afiançarão ao nosso consul muitos banqueiros de Paris para o transporte que qualquer colono que a província quisesse introduzir, e, que se encarrega da escolha e embarque, prestado todas as garantias acerca da moralidade e quaisquer outras circunstâncias que se exijam dos colonos. (...)”Jornal do Commercio. Ano 1844. Edição 0078

Resta claro que houve por parte do Governo da Província a responsabilidade pelos termos e condições do contrato, bem como com a escolha do contratante, que por sua vez seria o responsável pela casa contratada, vice cônsul do Brasil ou seja também representante dos interesses do País em terra estrangeira.

Letra o artigo primeiro do contrato:

“Artigo 1º- O governo da província do Rio de Janeiro se obriga a pagar aos agentes da casa Commerical de Charles Delrue, no Rio de Janeiro a quantia de 245 francos porcada colono contatado na Europa e apresentado neste porto até perfazer o número de seiscentos colonos trabalhadores e bem assim pelas mulheres dos que foram casados legitimamente, na inteligência de que estes serão preferidos, igualmente pagará a metade dessa quantia (..) porcada um filho desses casaes que for de díade de 5 até 15 anos, contando que por parte de contractados e importados dos mesmos se observem as seguintes condições.” Jornal do Commercio/Rj. Ano 1844. Edição 00162

Na interpretação literal deste artigo não deixa dúvidas: o número total de trabalhadores é de 600 (seiscentos), a preferência por casados, com suas mulheres e filhos. Mulheres não eram de toda a sorte naquele tempo histórico consideradas “trabalhadores”. Tem-se ainda a partícula aditiva “e” entre o número de colonos trabalhadores e suas mulheres e filhos sem número definido limitativo.

Deste modo, não há que se falar em número determinado fechado de colonos dentre os não trabalhadores, tendo a vista a variação dos casados e dos número de filhos, totalmente aberto no contrato.

Não é crível erro de tradução, tratava-se de contrato internacional, entre o Governo da Província, cônsules e vice cônsul, não podendo ser esquecido que Charles Delrue era Vice Consul do Brasil.

A versão dada para um número excedente pelo Presidente da Província foi de dificuldades de arregimento de acordo com as condições do contrato, tendo Charles Delrue julgado fazer “um serviço ao país e a si saindo um pouco fora das condições”, perpetuando a ideia de acaso e a benevolência do Imperador, amenizando o tom para seu contratado, disponibilizando Petrópolis como solução à uma emergência: o imprevisto da chegada do primeiro navio contratado 1 ano antes.

“(...) o total dos colonos importados em diferença dos navios S.M o Imperador, sempre solicito pela prosperidade, e engrandecimento de seu império, logo que chegou de Dunquerque o primeiro navio “Virgine” trazendo a seu bordo 160 desses colonos, não só autorizou o seu Mordomo a oferecer ao governo da Província suas terras de Petrópolis, para nelas se estabelecerem (...) vistos que eram destinados aos trabalhos da Serra da Estrella (...)”. Jornal do Commercio/RJ. Edição 253, ano 1845.

Na Relação de colonos assinada por Antonio Rangel de Vasconselos d´Antas, último Diretor da colônia de 17 de dezembro de 1859, relação publicada por Guilherme Auler no Suplemento do Clube 29 de junho n. 28, 29 de junho, verifica-se que a maioria dos colonos vinham com três a quatro filhos em média, poucos solteiros, referências à famílias de 3 a quatro membros.

No relatório de 30 de agosto de 1845 enviado ao vice- presidente da Província Candido Batista da Oliveira por Candido José de Abreu Fróis no desembarque dos colonos do navio George, consistia na relação: 72 colonos trabalhadores, 32 mulheres casadas, 61 maiores de 5 a 15 anos, sendo incluídos entre os colonos trabalhadores (não inclui as mulheres, cujo número é colocado em um grupo a parte) 19 indivíduos maiores de 40 anos, 44 indivíduos de 18 a 40 anos e 9 indivíduos de 15 a 18 anos. Neste navio o registro de 208 indivíduos. [9]

Destarte, os ascendentes, sem os mencionar especificadamente, são incluídos entre os colonos trabalhadores para fim de relatório e claramente seria aproveitados para o objeto do projeto.  

Chega-se a um viés interpretativo de que, o contrato abriu-se em número final ao dar preferência a casais incluindo filhos. Mal redigido ou com consciência de sua letra? Acreditamos pelos precedentes com o plano de imigração em massa, assim mesmo, descrito pelo Presidente da Província, tratou essa abertura de preenchimento intrínseco das finalidades do projeto migratório.

5.1. Da etnia

Na continuidade do contrato determina o item segundo: “Os colonos deverão ser ou Portugueses, ou Belgas, ou Franceses, Italianos, Alemães, Hespanhois ou Suissos e não serem menores de dezoitos anos nem maiores de quarenta”. (sic)

Em aparte, a limitação da idade é em si contradição com o artigo primeiro que deixa aberto para filhos. Entendemos uma contradição proposital com o fito de atender ao fim para o trabalho nas obras em execução em primeiro plano, mas em convergência com o branqueamento da população.

A Etnia era uma grande discussão sobre qual a melhor a ser introduzida da qual o Imperador tentava-se manter-se afastado, sendo certo que, Koeler de etnia germânica, que mantinha influência junto ao Presidente da Província, possuindo ainda experiência quanto ao trabalho executado pelos colonos do Justine, e, ainda, ser um povo que se mantinha “puro” contendo até mesmo as invasões mouras, era assim uma escolha que atendia à vários interesses.

Podemos dizer que o branqueamento da população era um ideal, consoante palavras de Aureliano Coutinho no mesmo discurso da Assembleia Legislativa da Província em 1 de março de 1844, ao mencionar experiência anterior de contratação de mão de obra livre:

(...) com um deles tratei 400 colonos dos Açores, moços de 18 a 35 annos, robustos, morigerados, e trabalhadores, para serem empregados das obras públicas, experiência tem se mostrado que seu trabalho é mais inteligente e menos difícil de ser atingindo (...) Esse contrato é vantajoso para a província mas corre o risco de fugidos, apenas compensando pelo fato de ser população branca (...)” Jornal do Commercio/RJ Ano 1844. Edição 0078.

Destarte, a escolha da etnia para a primeira leva em massa de imigração de mão de obra livre não poderia ser feita ao acaso, vislumbrando atender a própria substituição de modelo de produção e conter a negritude e miscigenação. Branquear a população era parte integrante deste projeto migratório.

Observaremos na carta do Pastor Stroler um estranhamento total por parte dos germânicos dos pretos e mulatos, com tom totalmente depreciativo, ou seja, a visão eurocêntrica e etnocêntrica necessária para o fluir do branqueamento.

5.2. Dos obrigados e a fraude

Os colonos contratados, foram denominados de Obrigados, por estarem vinculados perante a letra do contrato à dívida contraída pela passagem para pelo governo da Província para a firma de Charles Delrue.

Consoante o contrato a cônsul brasileiro respectivo (da localidade de arregimento) deveria tomar conhecimento total das condições dos colonos e que eles tenham total conhecimento dos termos contratuais.[10]

“4º - Nenhum será contratado sem que o consul brasileiro resectivo o abone como bem morigerado o reconheça nele todas as condições aqui exigidas e sem que intervenha no contracto que com eles fizer o emprezário, além de lher fazer conhecer o governo da Provincia do Rio de Janeiro, se obrigar a pagar ao mesmo empresário suas passagens e de suas famílias como empréstimo (ilegível), eles colonos obrigando-se os mesmos a virem trabalhar nas obras da província até pagarem essa soma (...)” Jornal do Commerico/RJ. Ano 1844. Edição 00162.

No mesmo artigo permite-se os colonos a serem “livres” se quitarem antecipadamente a dívida ou se contratados por particular desde que este quite o empréstimo para com a Província.  

De modo que, os colonos vinham para o Brasil sob modo de produção de servidão, seja perante o governo, seja perante ao particular. Mas não foi encontrado na história oficial menção destas condições de contrato para com os colonos, somente controvérsias quanto ao prazo de pagamento e sua data inicial.

Na chegada dos colonos ao porto do Rio de Janeiro, denunciaram que, a firma contratada os fraudou, cobrando passagens de cada um que embarcasse, e, no ato do embarque exigiam os recibos deste pagamento, bem como, não foram cumpridas as condições de alimentação constando no contrato.

Com as denúncias foram prestados os depoimentos perante a autoridade designada pelo governo da Província. Os depoimentos são comuns, todos narrando o mesmo fato, sem contradições entre eles.  Conforme Oficio enviado ao Palácio do Rio de Janeiro em 16 de agosto de 1845 de José Carlos Pereira de Almeida Torres para o Vice- Presidente da Província, contendo a tradução do relato dos colonos:

“(...) Em Dunquerque, na casa Delrue, de alguns que se encontravam inteiramente sem meios, com ameaças extorquiram documentos de confissões de dívida, e, a outros arrancaram os recibos passados, sob pretexto de anexa-los aos outros documentos e assim apresenta-los ao Governo da Província (...). Acervo Gustavo Ernesto Bauer

Urge ressaltar que no artigo Segundo do contrato, exige que copias autenticadas deste, sejam entregues aos contratados, bem como do oficio que o segue, dando ciência aos respectivos cônsules das instruções sob pena de reponsabilidade dos mesmo, tudo sob responsabilidade dos cônsules. [11]

Neste sentido, sendo os cônsules representantes oficiais de seus países, tanto o governo do país pátria quanto o de recepção possuíam responsabilidade intrínsecas de fiscalização e cumprimento pela contratação e condições que estes colonos tiveram, por assim dizer em havendo a fraude, esta teve participação por ação ou omissão do Governo da Província, que tratou de eximir-se em silêncio e assim permaneceu a história oficial na investigação destes fatos.

Não encontramos sequer menção destas condições, somente recaindo sobre a Casa Delrue, que vale lembrar tinha em Charles Delrue como vice –cônsul, até hoje mantendo-se afastado qualquer envolvimento governamental.

Com a premissa de vilania única de Charles Delrue e a Cia de Dunquerque, e o benevolente Imperador que somente cobraria a dívida dos colonos passados 5 ou 9 anos. Neste período, claro, mantinham-se em servidão pelos termos do contrato.

6. DAS CARTAS DOS COLONOS

Gustavo Ernesto Bauer, historiográfico de Petrópolis e descendente de imigrantes de 1845, em 1963 foi convidado pelo Consulado da Alemanha in loco pesquisar sobre as origens de seus antepassados. [12]     

Em visita a seus parentes distantes, foi lhe mostradas cartas recebidas por colonos, escritas em alemão, na qual língua Bauer era fluente. Nas cartas [13] há uma contradição aparentemente, de relato de sentimentos, entre o apelo aos que ficaram na terra natal não migrarem e uma certa emanação de felicidade com o novo país. Na primeira parte da carta enviada em 27 de janeiro de 1860 assinada por Georg Magnus Hofner, descreve sobre sua nova família constituída, casado e com dois filhos. Passa a descrever a imigração:

” (...) nossa chegada se realizou depois de uma penosa viagem, embora não perigosa, em nosso destino definitivo Petrópolis, não vimos nada além de pântanos e lamaçais (..). Nem caminhos, nem pontes, nada. Sem casas, sem onde recorrer para obter viveres. (..). A floresta virgem, os pântanos e lamaçais transformaram-se em uma cidade nesses 14 anos de nossa fixação aqui. Agora já existem mais de mil casas (..) chega-se a pensar que, por artes magicas elas sugiram da noite para o dia. (...) no entanto há alguma coisa a lamentar, apesar da boa remuneração recebida até hoje, Petrópolis transformando-se em cidade modificou-se economicamente, atingindo o orçamento mensal dos pobres colonizadores, devido ao aumento de preço de todas as utilidades, a tal ponto que um ai de família apesar de toda a atividade de trabalho, não consegue equilibrar o seu orçamento; antes havia crédito no pequeno comercio local mas atualmente isso não existe mais (...). Fonte Acervo Gustavo Ernesto Bauer.

Em outra carta datada de 30 de setembro de 1860 assinada por Magnus Keuper e Christian Keuper, a descrição de uma terra infértil e sustento precário “As hortaliças sofrem iguais danos, de modo que nós, da lavoura, temos que produzir dobrado e assim mesmo nosso esforço não fica equilibrado para sustentar a família.” E continua:

“Por isso volto a dizer, a todos os pais de família, fiquem como os seus em sua própria terra onde apesar de tudo, poderão viver mais tranquilos. Aqui alguns tem tentado outros lugares mas tem sido em vão e acabam voltando. Bem sobre estes fatos vou para aqui e pelo citado acima vocês podem tirar suas próprias conclusões. (..) Não obstante, os salários atuais não serem elevados e não haver trabalhos para todos o luxo domina todos inclusive a plebe de tal maneira que aos domingos não se podem distinguir um serviçal de seu patrão, tal a semelhança indumentária”. Fonte: Acervo Gustavo Ernesto Bauer.

Os tons das cartas são dicotômicos. Um misto de conquista e de dissabores, comuns acreditamos a qualquer outra imigração, entrementes, existentes dois pontos a serem destacados: o claro engodo da colônia agrícola que não somente perpetua na história, necessário para o acaso do acolhimento paternal, mas também o que foi vendido como atrativos das famílias. E podemos notar em um segundo ponto, o já evidente distanciamento financeiro entre os “patrões e a plebe”, e, ainda assim, mesmo diante das dificuldades financeiras básicas de subsistência e distanciamento entre camadas narrados, os colonos buscam de forma ansiosa e se encontram como iguais em sociedade, ao menos na aparência, diante de um cenário cultural/religioso.[14]

Impende salientar que, parece haver uma autocensura na narrativa da carta quando após descrever os desfortunos em detalhes quando cita “uma evasão de colonos”, afirma: “(..) vou parar por aqui e pelo citado acima vocês podem tirar suas próprias conclusões.”

Este corte, e cuidado com as palavras, denotam uma vigília, ainda que esta não se estabelecesse de forma incisiva, mas tácita ou psicologicamente. Contudo veremos pela Carta do Pastor Stroler que esta vigila era incisiva.

7. DA CARTA DO PASTOR STROLER

Se por um lado as cartas dos colonos não tiveram qualquer repercussão, mesmo publicadas no ano de 1973 no Jornal Tribuna de Petrópolis na coluna de Bauer, o mesmo não se pode dizer da Carta do Pastor da Igreja Luterana Frederico Teodoro Stoeler. Que em 1864 deixou o Brasil, segundo as fontes oficiais por motivo de doença.

A carta foi publicada na Tribuna de Petrópolis nos dias 19 e 20 de março de 1942. Com o intuito de desconstitui-las e colocar em dúvida sua autenticidade, foi associada com proposital publicação do jornal, diante da Segunda Guerra Mundial com o fito de promover a desconstrução germânica. [15]

Descartada como autentica, encontrado suposto plano de inveja e produção de calúnia, mais uma vez como em toda história produzida que contrarie as dos vultos é rechaçada como um plano destruidor de honra, moldado pela inveja, para expulsar o pastor concomitante, no mesmo artigo cientifico que coloca a carta como montada para mera desconstrução germânica afirma que foi verificada sua autenticidade em sindicância aberta pela Câmara Municipal de Petrópolis, (1865) culminando pela expulsão do pastor., embora na história oficial pela própria Igreja Luterana mantenha-se o afastamento por doença. [16]

A narrativa da carta em conjunto com as cartas dos colonos, no mínimo nos faz pensar e no plus, não diferem em interpretação intertextual e do poder em si dentro do mesmo recorte.

“O governo concedeu para a construção de ruas e caminhos mensalmente a somma de 45.000 francos. Havia pois serviços e bons ganhos; os colonos trabalharão bem e constantemente, mas não receberão pagamentos e sim tudo por conta. Koeler tinha o privilegio de estabelecer vendas. Os colonos receberão mantimentos; Koeler fez os preços, por certos motivos Koeler abandonou este privilégio e consentiu o commercio livre, mas como os colonos nunca receberão dinheiro nunca puderão pagar. (..) então apareceu a fome. Koeler forçou aos colonos a entregar a ele as cartas destinadas para antiga pátria com o pretxto que ele sabia expedir seguramente. Uma carta que dizia a verdade foi destruída mas quem achava tudo bello e magnifico foi gratificado.(...)

Não podemos olvidar que Koeler era arrendatário de todas as terras da fazenda do Córrego Seco, vale dizer dos prazos de terras dos colonos e das aforadas à particulares, até 1849, entretanto, morreu antes em 1847 sob circunstancias suspeitas com um tiro “acidental.”  [17]

De acordo com o contato de imigração os colonos eram “Obrigados” de modo que, estavam vinculados àqueles termos. No discurso de Aureliano Coutinho sobre as vantagens do trabalho imigrante, “muitos fugirão, mas ao menos são brancos”. Na carta do colono “muitos vão para outros lugares da Província, mas acabam por voltar” e claramente imediatamente se auto censura.

Na Edição do Jornal do Commercio/RJ, de setembro/1845 ou seja, ainda chegando os últimos navios dos 13 contratados, há uma defesa em nome de um empregado de Koeler acusado de matar de fome (sic) os colonos. Observamos em vários momentos o Governo da Província vem à público contornar situações de denúncias, sempre buscando à desmenti-las, colocando-as de forma simplória, teatral como “caluniosas, “difamatórias’, “invejosas”. E, até o presente seguem as instituições oficiais nesta linha de pensamento de defesa prévia, sem o mínimo esforço de perseguir o contraditório histórico.

Na carta do Pastor, eleva o Imperador como benigno acolhedor que diante da compaixão acolheu os colonos. O que mais uma vez traz a referência de acaso, acolhimento, vilão e herói e a separação da figura do Imperador e do Governo da Província.

“O governo, no entanto, tinha-os abandonado, Com o projecto de construir estradas e canaes para o interior da província do Rio de Janeiro e estabelecer uma via de comunicação com Minas Geraes, não se lembrou mais dos trabalhadores engajados na Europa e por isso não tinha feitos preparativos alguns para alojá-los. Foram desembarcados na Praia Grande O ardente calor, o desconhecimento da língua, a falta de mantimentos e de segurança contra os negros inclinados a roubar e a immoralidade canalha dos mulatos, levarão os deploráveis imigrantes a total desesperação.”

Percebe-se que, desde os primórdios da concepção da imigração e da colonização a figura do Imperador foi moldada para manter-se distante, somente como interventor benigno. Mantendo-se a áurea do divino. No que tange a figura de Koeler na narrativa da história é criada nos mesmos moldes o pesaroso, o acolhedor, o homem forte, que a frente de um grande projeto, que iria logo após, muito além das fronteiras de Petrópolis, e, até o presente tem sua honra defendida, mantida imaculada em rede televisiva local e canal de rede social. E assim permanece o historiador como o Juiz dos Infernos encarregado de distribuir o elogio ou o vitupério aos heróis mortos (BLOCK,2002).

Qualquer forma de questionamento é imediatamente rechaçado, no passado os autores destes subversivos textos, eram afastados oficialmente por doença, como o caso de Stroler e do Padre Wildman (este no primeiro momento afastado por doença, e posteriormente expulso oficialmente após incitar a revolta ocorrida em 1956, já não havia como estabelecer o disfarce da doença).  Presente e passado, se encontram no argumentum ad hominem, em tudo que contrarie o stablishmet.

8. CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA COLETIVA

HALBWACHS(1990), nos diz que não temos um único momento de memória individual, que todas nossas memórias são construídas por um coletivo e mais, pelo pertencimento. Neste sentido, até mesmo quanto estamos à sós nossas lembranças vem acompanhadas por alguém ou um grupo.

Nesta contextualização não há como contestar, eis que, de fato, mesmo em nossas memórias intimas, ou acionadas na solidão, não estamos sós.

Também difere memória coletiva de memória histórica, sendo a primeira advinda da transmissão pela tradição e a segunda pelo aprendizado. Assim, a memória histórica somente surge diante da necessidade pelo afastamento dos fatos do passado ou da necessidade de ruptura do pertencimento. Em sendo assim, ao contrário da memória coletiva, a memória histórica seria linear para um novo grupo de poder.

Outro ponto que o autor coloca é o afastamento técnico do labor do historiador em produzir detalhes, diverso da tradição, de modo que o historiador “se desvia do conjunto e toma de alguma forma a parte pelo todo” (IDEM. .p.58).[18]          

Não obstante ignorar pelo seu tempo histórico, a história social, a história vista de baixo e a microhistoria neste processo, há ainda assim, uma aproximação de que a história é produzida em linhas gerais, para e pelo poder que a constitui. [19]

Contudo, em confronto com este pensar, há uma intervenção contínua de fora para dentro, e, não somente de dentro para fora, e não um romper para iniciar a outra. Concluir pela necessidade de ruptura para criar-se a memória histórica é fragmentar algo não fragmentável, eis que, a tradição por si é uma forma de poder sem a necessidade de ser escrita, quem detem o conhecimento da tradição já manipula as camadas ao redor.

As linhas de separação colocadas de forma nítida pelo autor, como se a memória coletiva fosse imune a memória histórica até determinado ponto de ruptura, como se fossemos dois seres, ambos imunes até um ponto especifico, às influencias de uma sobre a outra. Entretanto, estes dois seres se encontram pelo agir do poder ativo em ambas as memórias. Este ponto de convergência, nos recolhe ao pensamento crítico, haja vista não ser possível separar com uma linha divisória a tradição da história.

No contexto da história global, vemos que há de fato em linhas gerais uma separação da memória coletiva e da memória histórica, o que, nos traz a fragmentação trazida por HALBWACHS, entrementes quando ao analisamos sob microscópio, podemos notar que uma incide na outra e alimentam-se entre si.

No caso de Petrópolis, edificada pelo sonho de um Imperador em formar uma colônia agrícola, onde colonos acolhidos por suplica de misericórdia e compaixão, levantaram as pedras da Cidade que vinha a ser Imperial. Embora já havendo inúmeros documentos publicados em jornal da Província do Rio de Janeiro, de circulação da época, (devendo levar em consideração o número de população letrada naquela período de 20% e assim dirigido a este pequeno grupo)[20] que narravam claramente o plano migratório, em um movimento reverso, houve a necessidade de adaptação da memória histórica em tom romanceado protetivo para com os colonos, para que a continuidade dos intentos governamentais seguissem sem muito alarde ou entraves também com o próprio grupo dominante. Construiu-se desta forma a memória coletiva de fora para dentro como se absorve desde a “fraude’ Delrue às cartas dos colonos.[21][22]

Outro exemplo é a homenagem a estes colonos. Anualmente é realizada uma festa denominada Bauernfest, que em 2020 estará em sua 31ª edição

Podemos perceber a influência dos poderes e memórias que se alimentam entre si. Originalmente pensada pela neta de Gustavo Ernesto Bauer e um pequeno grupo, ensaiada em sua garagem, com a finalidade de consubstanciar e celebrar o por meio da dança e da música (Festival Germânico), a memória de seus ancestrais e dos que edificaram uma cidade inteira, passou ao longo do tempo para a “festa da cerveja” nos moldes da que ocorre em Blumenau/SC (oktuberfest), patrocinada pelo poder público desde 1990.

Desde então a cada ano maior em espaço, com preços abusivos, e fora de alcance da maior parte da população, tornando-se uma festa turística e menos daqueles que migraram para fugir da crise da colheita que assolava a região e da instabilidade política, a história dos homens e mulheres comuns principalmente detentores de suas próprias ambições mola propulsora de qualquer movimento migratório espontâneo. Dos que tentaram em escritos e em revolta (1856), questionarem o modelo administrativo, sendo silenciados pela história. Este silêncio aceito e perpetuado oficialmente.

Sem que tenha por parte dos remanescentes descendentes dos colonos, dos historiógrafos, e, historiadores da cidade, questionamento a estas estruturas, uma vez que em ambos os casos, também alimentam-se de diferentes formas ou em banquetes, deste movimento antropofágico.  Os poucos que confrontam são banidos em defesa da honra e dos costumes. Caluniadores!

De maneira que toda a história, desde a saída da Região do Reno, a arregimentação, o deslocamento para Dunquerque (França), a viagem, a acomodação primeira, o contrato a que foram concebidos, o modo e como se deram as mantenças básicas, de trabalho, os revoltosos, foram laborados para serem esquecidos ou moldados como resiliência ou compensatório, tal como Keuper escreve “(..) aos domingos não se diferenciam patrão e serviçal pela indumentária”. Uma igualdade aparente que se mantem para uma conformidade ideológica e, em redundância, alienante.[23]

Há assim um movimento de imersão histórica romanceada, que trouxe e permanece na construção do pertencimento à corte Imperial caricata. Neste viés, a memória histórica e suas estruturas de narrativa influi e constrói a memória coletiva, onde qualquer desconstrução da primeira, torna-se ameaçadora de establishment.

Se por um lado esta construção histórica traz um olhar de aceitação e apaziguamento dos descendentes para com seus antepassados, por outro impede a criticidade necessária das estruturas que as envolvem para com o presente e um olhar para um futuro não estático e reproduzido.

Como aborda Le Goff (1990), “tal como o passado não é a história mas seu objeto, também a memória não é a história, mas um de seus objetos e simultaneamente um nível elementar de elaboração histórica.”. Destarte, a oralidade (tradição) e escrita são coexistentes. Não dissocia-las é imprescindível para compreensão e modificação de paradigmas.

9. CONTRA-HISTÓRIA E A ANTROPOFAGIA DO PODER

“A história é o produto mais perigoso que a química do intelecto elaborou (...). A história justifica o que quiser. Não ensina rigorosamente nada, pois tudo contem e de tudo dá exemplos” (VALERY Paul, APOUD Le Goff, 1990). A história serve a um poder e as suas variáveis.

Le Goff afirma que “toda história é bem contemporânea, na medida em que o passado é apreendido no presente e responde portanto aos seus interesses” (IDEM). O que percebemos na história de Petrópolis por meio da ausência de qualquer outro paradigma não positivista é justamente este resultado da equação, história e memória: Petrópolis, a cidade Imperial ainda vive em seus burgos e para que continue essa movimento digestivo antropofágico novos questionamentos, novos paradigmas são abomináveis destruidores de honras. 

Foucault em Microfísica do poder (2014), busca o pensar crítico, referendado para a construção de Le Goff em História e Memória. Mas este olhar crítico se volta, também e principalmente para o paradigma marxicista. Que seria uma forma de substituição do poder por quem conta a história e para quem conta esta história, neste ponto se coadunando com a  positivismo.

Outro ponto colocado é que a procura por verdades é em si para o atendimento à determinado nicho ideológico, e não o esmiuçar de estruturas em todos as suas direções, ainda que estas e necessariamente não o levarão a uma verdade, mas sim para abertura de questionamentos, cujo conceito de liberdade estaria no próprio e per si no questionar dos meios da prática histórica.

Não há na história de Petrópolis o questionar de paradigmas quiçá das estruturas, que Foucault se apropria de Nietzsche e denomina “História-genealogia”. Que ao seu pensar seria a análise do começo de forma minimalista de todas as estruturas que se tornam o emaranhado do poder, “acima, abaixo e de todos os lados”. Por meio deste estudo genealógico da história se perceberia que todas as camadas e classes sociais se alimentam desta história construída que cria seres ideologicamente alienados, incapazes de pensar crítico dentro de suas próprias estruturas.

Tal como um movimento antropofágico, camadas se alimentando de seus vencidos dentro de sua própria cadeia alimentar, tomando para si sua energia vital, fundindo-se com sua história e memória. Dentro deste movimento encontram uma certa acomodação doutrinada floreada pelo tom romanceado, de luta, guerra, superação, pesares, compaixão e acolhimento paternal, alternando-se entre si sem modificação.

10. CONCLUSÃO

A produção historiográfica do IHP se coloca como a própria memória da cidade, conforme sua patronesse discursou em 1981, “Nós do Instituto Histórico pretendemos ser a Memória da Cidade. Uma Memória que sabemos não anda bem, mas que medicada de acordo voltará a existir” (IHP. JUDICE,1981). O medicamento foi produzido com as antigas fórmulas, na reprodução de narrativa que se furta ao longo do tempo na investigação e interpretação textual, na análise de paradigmas, permeando e perpetuando o olhar para o passado sem mínimo questionamento pelo presente. O que acarreta uma história estática moldada por poderes que permanecem à se alimentarem dos mesmos modelos.

Conforme FOUCAULT, 2014: “Nada muda a sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo e ao lado dos aparelhos do Estado em seu nível muito mais elementar no cotidiano não forem modificados”. Conquanto, a aceitação desta história pelos próprios descendentes dos colonos, sua macro e micro sociedade modelam esta sociedade de estamentos mantida em aparência de iguais.  

Entrementes basta um olhar um pouco mais observador para seus espaços culturais e de mercado que leva à percepção destes estamentos mudos, conformados, que diferente do narrado por Keuper sequer se identificam em indumentária, mas apenas na memória coletiva construída historicamente da Cidade Imperial.

A ausência destes questionamentos e quase um impeditivo coercitivo leva a principal pergunta para elaboração deste artigo: por que? Por qual motivo é quase um sacrilégio o mero questionamento sobre o que já contado?

A busca pela resposta não somente nos leva a novos olhares para a história, mas também a uma possível modificação de estruturas pelo pensar crítico em todas as direções, o que importa até em uma auto-análise e auto-crítica. Só não há esta disposição quando esta história serve, alimenta de alguma forma os próprios interesses desde suas conveniências, convivências e pertencimento.

Há assim um movimento antropofágico da própria força vital que é o pensar, a força motriz do movimento. Que impulsiona modificação de status que passam a incomodar. Mas outra pergunta surge como ou em que momento este status passa a incomodar? Não cremos ser possível delinear um linha tão clara como HALBWACHS traça, contudo tomando FOUCAULT a própria liberdade estaria no ato de questionar.

Neste sentido, não pela busca por uma verdade, retornando a um ponto de poder, mas de movimentação de um terreno pantanoso de sedimentos colocados ao longo do tempo. A movimentação em si deste terreno, trazendo estes sedimentos à tona, já traz per si uma modificação das estruturas que ali se assentaram.       Este não somente é o principal de dever do historiador desprender de mecanismos que tornam o homem prisioneiro, consoante nos coloca Marc Block em Apologia da História ou O oficio do Historiador, mas o norteador.

Defesa estática na honra do homem histórico, é algo que não se encaixa em qualquer dimensão de uma produção historiográfica que não seja para manutenção de status de uma sociedade. Como observamos na narrativa da construção de Petrópolis. Onde grupos sociais-políticos- econômicos e religiosos ditam uma construção de memória coletiva e histórica em torno de uma nomenclatura de cidade imperial, de um palácio institucionalizado, simbolizada pela iconografia de uma coroa, sob ainda influência direta da família imperial no principal meio de mídia jornalística, preservando vultos com um olhar de privilégio.

Olhar este que embora excludente, incide em torno de sua construção de memórias por meio da benevolência patriarcal uma falsa sensação agregadora e de acomodação de camadas e sobre camadas que se digerem em sua força vital do pensar e agir, ainda que dentro de um inconsciente coletivo, que para proteção de pequenos grupos, questionar é subjetivamente ameaçador.

Neste sentido discursos de desconstrução que porventura surgem sem também sofrer este questionamento contínuo e de todos os lados não são modificadores, mas alimentadores de outras estruturas, que causam uma substituição tornando ora linear de poder de rupturas e regresso de fácil visualização ora circular menos perceptível e mais danoso, uma vez que, esta não percepção impede a própria pergunta e a identificação de pontos que entremeiam e se entrelaçam nestas substituições.

Destarte entender este movimento antropofágico é compreender que sem perguntas não há modificação, mas meros movimentos que se perdem em consumo entre si. E o ponto de partida desta pergunta é a produção historiográfica, para seguindo com novos olhares questionadores sobre as fontes históricas movimentem estas estruturas e nos modifique para uma sociedade pensante, com capacidade de se desestruturar em não submissão de suas entranhas, se desafixando neste ritual de memória e história e de história e memória, podendo assim identifica-los em um exercício do pensar e agir.

Não é assim, o objetivo mudar a história contada, mas deslocar dela uma verdade absoluta inquestionável por meio da criticidade, já que esta verdade jamais pode ser alcançada pelo deslocamento do longo tempo, contudo, ser vista por múltiplos olhares de perguntas pelo aprendizado contemporâneo cujas repostas levam a outras perguntas que tornam uma sociedade livre para pensar no que pode-se aprender com o passado, para um futuro de compreensão de um todo heterogêneo.

11. REFERÊNCIAS

ACERVO BAUER. Gustavo Ernesto. Cedido por Vera Eleane Bauer Castor. Inventariado em 22 de novembro de 2019 por Monassa Tatiana. Documentos n.21 e 29.

ALCANTARA, Musquim Priscila. Desconstrução da memória germânica em Petrópolis durante a segunda guerra mundial. Disponível em: http://www.ufjf.br/virtu/files/2010/05/artigo-7a7.pdf

BLOCH, Marc. Apologia da História ou O ofício de Historiador. 2002. Jorge Zahar Editor Ltda. RJ.

DELUIZ. Ney -RESGATANDO A HONRA DO MAJOR KOELER. Pesquisa que analisa os boatos difamatórios sobre o alemão Major Julio Frederico Koeler, responsável pelo Plano Diretor da cidade de Petrópolis. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OM46JcBX_Mk , acesso 19/3/2020.

DIÁRIOS ASSOCIADOS. D.A PRESS. Jornal do Commercio/RJ. Anos 1943/1946. Edições 00247.00078, 00162, 00253, 00313, 00128. Disponível em http://bndigital.bn.gov.br/artigos/jornal-do-commercio-rio-de-janeiro/

FOUCAULT. Michel. A microfísica do Poder. 2014 28º Edição. Paz e Terra.

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. FERREIRINHA Isabella Maria Nunes. RAITZ. Tânia Regina. As relações de poder em Michel Foucault: reflexões teóricas. Revista de Administração Pública. ISNN 0034-7612

HALBWACHS. Maurice. A Memória Coletiva. Tradução SHAFFTER Laurent Léon. 1990. Edições Vértice.

INSTITUTO HISTÓRICO DE PETRÓPOLIS. COSTA, Fernando de Souza. Petrópolis cidade de Koeler e de todos nós. Disponível em: http://ihp.org.br/?p=5073

INSTITUTO HISTÓRICO DE PETRÓPOLIS. FROES. Carlos Oliveira - A SAGA DE UM CAMINHO -Gênese e Evolução do Território Petropolitano, Disponível em: http://ihp.org.br/?p=4181

INSTITUTO HISTÓRICO DE PETRÓPOLIS. NETTO.  Jeronymo Fererira Alves. Cento e cinquenta e cinco anos de colonização alemã em Petrópolis. Disponível em: http://ihp.org.br/?p=939

INSTITUTO HISTÓRICO DE PETRÓPOLIS. JUDICE. Ruth Boucault. Discursos – Fundação de Petrópolis – 16 de março de 1981. Disponível em http://ihp.org.br/?p=5285

INSTITUTO HISTÓRICO DE PETRÓPOLIS. OLIVEIRA CURSO DE HISTÓRIA DE PETRÓPOLIS. NETO, Jeronymo Ferreira Alves, Módulo II em Disponível em: http://www.ihp.org.br/26072015/lib_ihp/docs/jfan20020512.htm

INSTITUTO HISTÓRICO DE PETRÓPOLIS. OLIVEIRA. Paulo Roberto Martins de. Antecedentes e a criação da imperial colônia alemã. Disponível em: http://ihp.org.br/?p=1156

Le GOFF. História e memória. Tradução Bernardo Leitão...{ET AL.} –Campinas, SP. Editora da UNICAMP, 1990 (Coleção Repertórios).

MARCHELLI, Paulo Sergio. Revista Usinos, volume 10, número 3, setembro • dezembro 2006, APOUD Censos Demográficos. Análise de projeção de Coelho de Souza (1999, p. 22).

MELINDEZ, José Juan Pérez. Tradução: SANDER. Luís M. Reconsiderando a política de colonização no Brasil Imperial: os anos da Regência e o mundo externo. Revista Histórica, vol 34,n.68. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v34n68/a03v34n68.pdf

MUSEU IMPERIAL DE PETRÓPOLIS. KNIBEL E RESENDE,1984, Os imigrantes e a formação de Petrópolis. Almanaque de Petrópolis, n. VI-maio de 2018.

TRIBUNA DE PETRÓPOLIS. Caderno Especial Colonização Alemã, 28 de junho de 2009, Instituto Histórico de Petrópolis.


[1] A publicação de PETRÓPOLIS - A SAGA DE UM CAMINHO -Gênese e Evolução do Território Petropolitano, por Carlos Oliveira Fróes, nos anais do IHP, é uma obra única que procura tratar, desde seu preâmbulo, com isenção de emoções e trazer detalhes sobre todas as fases da Colonial Fazenda Imperial, com esmera preocupação em detalhes sobre o tema ao que o título se refere.

[2] DISCURSOS – FUNDAÇÃO DE PETRÓPOLIS – 16/03/1981 Ruth Boucault Judice, associada titular, cadeira n.º 33, patrono Padre Antônio Tomás de Aquino Correia 16 de março de 1843! Neste dia nascia Petrópolis. Com um privilégio: o de receber em 1845 uma leva de famílias alemãs para sua colonização. Com Petrópolis nascia também a sua História, cantada e louvada por vários oradores em muitas oportunidades como esta. Não serei redundante. Quero falar hoje sobre nossa Petrópolis atual. Uma cidade de clima excepcional a poucos quilômetros do Rio, de topografia rara, incrustada na Serra dos Órgãos entre morros de verdes abundantes e toda direcionada pelos rios que a decoram. Nasceu como fazenda imperial, de um Imperador amante das artes, da cultura e do progresso. Por isso Petrópolis é paradigma de arquitetura do final do século XIX. O ecletismo e o produto da Revolução Industrial, que eram estilos vigentes na Europa, na época de D. Pedro II vieram para cá de encomenda, como foi o caso do Palácio de Cristal (comprado pelo Conde D´Eu). Tais estilos estão presentes nas estruturas metálicas de nossas antigas fábricas que vinham da Bélgica. No recortado dos chalés (já produtos das primeiras máquinas tico-tico) construídos em harmonia com a paisagem. No neo-classicismo da arquitetura palaciana, do qual a Casa da Câmara é flagrante exemplo, não só na sua fachada de ordem jônica como na sua decoração adequada, onde estão presentes os raios de Júpiter, os colares de pérolas, as linhas de óvulos, as palmetas e volutas, enfim toda a gama de modernatura neo-clássica. Importante também sua arquitetura popular de inspiração eclética, além dos neo-góticos das igrejas do começo do século. Tudo isso foi fruto da inspiração de um imperador. Quis ele somar à colonização germânica, o plano urbanístico de um alemão, o Major Koeler, resultando desses somatórios a nossa cultura local, um verdadeiro patrimônio de artes, usos e costumes que brotaram desse amalgama do brasileiro com o alemão, na Serra. Depois disto, com o advento da República, passou a ser, no verão, sede dos presidentes e das embaixadas. Nasceu nobre e sobreviveu assim. Mas nunca se esqueceu do seu colono, do bravo lavrador que lavrou a primeira terra da cidade recém-formada. Isto está patente nos quarteirões que ainda guardam seus nomes de origem – Bingen, Westefalia, Ingelheim, Mosela, Siméria e tantos outros; lembra-se também dos primeiros operários oriundos das famílias germânicas, formando mão-de-obra de grande especialização, haja visto a qualidade do que se construiu no final do século passado e no início deste. Não podemos esquecer da indústria prestigiada por D. Pedro, nascendo firme e forte, tão forte que tem resistido aos impactos do falso progresso! Podemos dizer que toda esta memória está adormecida, mas pronta a reagir à primeira solicitação. O povo é sensível. Basta provocá-lo com perguntas que a sensibilidade brota.Eu, como Presidente do Instituto Histórico, no momento, lancei esse desafio a mim mesma, – o de sensibilizar toda a população para o valor de seu patrimônio -.Nós do Instituto Histórico pretendemos ser a Memória da Cidade. Uma Memória que sabemos não anda bem, mas que medicada de acordo voltará a existir.Somos um país novo e uma cidade mais nova ainda. Mas nascemos em berço de ouro, em berço coroado com a coroa do nosso querido Imperador D. Pedro II.A proximidade do Rio, as condições climáticas e a escolha do Imperador – que fazia de Petrópolis o seu descanso e seu retiro cultural – ajudaram essa cidade a crescer dentro de parâmetros europeus. Caminhamos muito, em pouco tempo. Fomos a primeira das poucas cidades planejadas no Brasil. Temos uma arquitetura que sem ser barroca nem colonial é também de grande valia nas artes.O urbanismo do Major Koeler é tecnicamente tão atual, que os próprios técnicos hoje, depois de estudá-lo cuidadosamente, concluíram que é a solução mais viável, mais espontânea, para a formação da cidade. Concluíram que crescer acompanhando o curso dos rios, preservar os morros sem escondê-los, para que sua vegetação proteja não só os mananciais de água, como purifique o ar e manter a estética da paisagem que eles emolduram continua sendo a solução ideal. Não são difíceis nossas soluções. Basta refazer o que o Koeler programou. Hoje, com as facilidades do avanço da técnica e toda abertura para o progresso, falta-nos apenas aprender a coexistir com o passado, usando para isto a preservação. Já se disse que os verdadeiros homens de progresso são os que têm um respeito profundo pelas coisas do passado.A nossa responsabilidade é grande, pois corresponde a nossa herança que foi enorme. Para nossa reflexão: em sã consciência, a Petrópolis que vamos entregar aos nossos filhos é a mesma que recebemos de nossos pais? Melhoramos essa Petrópolis ou a pioramos? Soubemos respeitar o que já é tradição, ou apenas ignoramos que ela existe? Aos homens públicos aqui presentes, deixo essas perguntas. Que as respostas venham em forma de ação, pois urgentemente Petrópolis pede um Futuro para o seu passado.

[3] RESGATANDO A HONRA DO MAJOR KOELER, Pesquisa que analisa os boatos difamatórios sobre o alemão Major Julio Frederico Koeler, responsável pelo Plano Diretor da cidade de Petrópolis. https://www.youtube.com/watch?v=OM46JcBX_Mk , acesso 19/3/2020.

[4] LEI N. 70 - de 22 de Outubro de 1836. Art. 9º Do 1º de Julho de 1837 em diante ficão alteradas, pela maneira abaixo especificada, as seguintes imposições: 1º O imposto de ancoragem, estabelecido pelo art. 9º, § 1º da Lei de 31 de Outubro de 1835, será elevado a trinta réis por tonelada das embarcações nacionaes, que não forem de cabotagem, e das Estrangeiras

[5] O caminho geral das Minas e do Ouro.

[6] Edição 00234, ano 1841- Jornal do Commercio/RJ. Hemeroteca Digital 

[7] Nova Friburgo foi instalada como colona agrícola com fracasso diante de terra inférteis e de topografia.

[8] Decreto 155 de 1843 anexo 3.

[9] Acevo Gustavo Ernesto Bauer

[10] Em uma publicação de julho de 1846 no jornal “La Dunkergoise”, assevera o Consul da Prussia “(...) Essa organização Delrue possuía contrato com o governo Imperial do Brasil pelo que se responsabilizava pelo transporte de 600 alemães em perfeita condições de tratamento ao Rio de Janeiro. Logo a Casa Delrue distribuiu copias desse contrato a agentes seus (...) as copias foram distribuídas em grandes quantidades (...) desde abril de 1845 começou um grande êxodo (...).” Fonte: Acervo Gustavo Ernesto Bauer. Observe-se que a determinação de que todo o processo seria acompanhado por Consul brasileiro na localidade da arregimentação ou foi ignorado ou foi em consentimento. Nas duas hipóteses a omissão ou participação do Governo da Província resta certa e totalmente afastada historicamente. 

[11] Desde 1817 os cônsules figuravam ente suas funções a supervisão do comércio e o despacho no exterior de navios destinados aos seus países, tarefa que exigia a presença de agentes consulares a serviço do Brasil. Fonte: http://novayork.itamaraty.gov.br/pt-br/historia.xml acesso 22/3/2020.

[12] Ofício de 8/11/1963 emitido pela Embaixada da República Federal da Alemanha. Em seu acervo inúmeras reportagens e artigos publicados nos jornais daquele País, acompanhando sua visita, bem como um trabalho minucioso de resgate da memória germânica e suas tradições, o que se refletiu na luta pelo Museu do Colono inaugurado em 1976.

[13] As cartas originais permaneceram na Alemanha, sendo transcritas por Bauer e posteriormente traduzidas.

[14] O engodo da colônia agrícola como forma de arregimentação de colonos se consubstancia no Relatório de Inspeção de 30 de julho de 1845 destinado ao Governador da Província pela Comissão nomeada para examinar os colonos: “Outrossim, tem a notar a comissão que exigindo o contrato que metade dos indivíduos de cada uma leva seja de trabalhadores mencionados no contato, ainda deste vez não foi esta condição satisfeito, pois poucos indivíduos destas levas que tinham os officios exigidos.” (5 navios referidos- Marie, Leopold, Curieux, Agripina e Marie Louise”). Acervo Gustavo Ernesto Bauer.

[15] ALCANTARA, Musquim Priscila. DESCONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA GERMÂNICA EM PETRÓPOLIS DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, http://www.ufjf.br/virtu/files/2010/05/artigo-7a7.pdf

[16] “Após a investigação, os vereadores leram o seu relatório opinando para que a Câmara levasse ao conhecimento da Presidência da Província que o resultado das syndicancias mostrarão ser ella real e verdadeira e nesse sentido foi remettido officio pelo Presidente da Câmara”. (IDEM)

[17] Pelo projeto de Estatuto da Cia de Petrópolis de janeiro de 1845 concedia a Koeler amplos poderes como o monopólio de todas as madeiras encontradas nas florestas não reservadas a particulares, o controle de certos ramos de negócio e do comércio de milho, sal, comestíveis secos e molhados e de todos os artigos relacionados à construção civil. Fonte

[18] “A história, já o dissemos, deixa parecer esses intervalos onde nada acontece aparentemente, o onde a vida se limita a repetir-se, sob as formas um pouco diferentes, mas sem alteração essencial, sem ruptura, nem revoluções. Mas o grupo que vive, orginalmente e sobretudo para si mesma, visa perpetuar os sentimentos e as imagens que formam a substancia de seu pensamento”(IBID)

[19] O autor falecido em 1945, não pode contemplar para sua análise a Nova História (1970), de modo que, não teve oportunidade pelo seu tempo histórico de rever seu trabalho.

[20] MARCHELLI, Paulo Sergio. Revista Usinos, volume 10, número 3, setembro • dezembro 2006, APOUD, Censos Demográficos. Análise de projeção de Coelho de Souza (1999, p. 22).

[21] Carta de Aureliano Coutinho para o Ministro de Londres (...) é admirável a atividade que tem o Major Koeler que em três mezes estavam todos assentados. Em casas ou choupanas. Todos receberão terras e estão cultivando. Enquanto as plantações não podruzem está providenciado que eles trabalhem nas obras da Estada e na construção do palácio”. Jornal do Commercio/RJ Edição 313/1845

[22] Na Edição do mesmo periódico n. 128/1846 de autoria do Visconde de Abrantes político e diplomata brasileiro atuando em Berlim 1844/1846 , questiona a promessa de pagamento de passagem pelo governo brasileiro que só atraiu “vagabundos e miseráveis”(sic)

[23] A história que se repete e se reproduz continuamente em Petrópolis é positivista, dos grandes vultos, onde mesmo os colonos são romanceados para encaixar neste paradigma.  Conforme narrativa publicada pelo IHP do Discurso proferido no Obelisco, em cerimônia dedicada aos colonizadores germânicos: 16/03/1998, onde a tal unidade referida em movimentos pós república e pós segunda guerra os bairros citados à exceção de Mosela, Bingen, Siméria, Castelânea, Quarteirão brasileiro e Italiano, foram todos renomeados. “Os colonos nos legaram um senso de unidade, deixando fortes sinais na preservação dos costumes e culto à língua. Homens, mulheres e crianças, deram a nossa terra a fisionomia primeira. Petrópolis de Westfália, Mosela, Renânia, Darmstadt, Wormstadt, Ingelhein, Nassau, Bingen, Siméria, Castelânea e Palatinados Central e Inferior, notadamente porque de várias dessas regiões originaram essa brava gente, que não obstante prestarem homenagens à Cidade, também o fizeram em honra à Família Imperial criando a Vila Imperial e Vila Teresa, e o mesmo ocorrendo com relação aos grupos nacionais integrantes da população petropolitana, incluindo por isso aos Quarteirões, além das reverências à região dos colonizadores, ao Governo das províncias, e tributo ao país através dos nomes Quarteirão Brasileiro, Mineiro, Presidência, Princesa Isabel, e ainda ao povo italiano, francês, inglês, suíço, juntando-se à Renância Superior, Worns, dentre outros. (...)Köeler era um ecologista por natureza, preservando os vales, qualidade de vida de seus moradores, respeitando a natureza, caminhos de acesso mais suaves, ao lado dos cursos d’água. Era idealista, mecenas e um espírito franciscano por excelência, bastando-se como exemplo o fato de doar sua Fazenda, situada em Quitandinha para ser incorporada à criação e ampliação da Cidade de Petrópolis. Em cada canto uma lembrança quer no Valparaíso, Morin e arredores. Revivendo o tempo, resgatando a cultura, história, os fatos, as coisas, praxes e tradições, lutemos a que permaneça acesa a chama do existir, jamais se arrefeça da história e das memórias atuais e das gerações do porvir o grande legado de nossos colonos alemães cujos nomes estão perpetuados neste obelisco e no coração de nosso povo. (...)Petrópolis vive hoje mais uma Bauernfest. Gosto de apreciar as avenidas repletas de galhardetes, flâmulas, símbolo de nosso preito aos Colonos Alemães, em meio aos palcos preparados para as danças, amplos, iluminados e bonitos.. . Por duas vezes estive na Alemanha, aprendi a admirar e a contemplar sua paisagem, cultura, arquitetura, beleza e civilização. O passeio pelo Reno foi inesquecível. A música, o folclore, a alegria. Têm muito de brasileiros ou temos muito de alemães, sobretudo no bom humor e simpatia. Seus pratos – deliciosos – desde o eisbein, choucroute, purê de maçã, strudel, salsichas e tantos mais. E a cerveja? As casas, cada qual mais bela, desde os cortinados, à higiene, arquitetura, pintura ou esculturas fascinantes!. Por diversas vezes nos desfiles de abertura e encerramento da Bauernfest passei horas a ajudar a enfeitar charretes e carruagens. Sabemos que esta festa nasceu graças ao Clube 29 de Junho, entidade que tem em sua Presidência a Sra. Emygdia Hoelz Lyrio e dileta Diretoria. Para mim, mais que Clube, é uma Casa de Cultura. Sinto-me feliz. Feliz por conhecer um pouco do muito que realizam. Nossos colonos e descendentes são os principais responsáveis hoje e sempre a que Petrópolis: “Altiora Semper Petens”, mantenha-se sempre nas alturas!” PETRÓPOLIS CIDADE DE KOELER E DE TODOS NÓS Fernando de Souza Costa, associado titular, cadeira n.º 19, patrono Galdino Justiniano da Silva Pimentel. http://ihp.org.br/?p=5073 acesso em 04/04/2020.


Publicado por: Tatiana Fantoni Monassa

icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.