O USO POLÍTICO DE MEDIDAS SANITÁRIAS E ESTRATÉGIAS DE IMUNIZAÇÃO NO BRASIL DO INÍCIO DO SÉCULO XX

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1. RESUMO

No cenário atual, onde uma doença coloca o Brasil e o mundo frente a uma pandemia, um debate vem à tona: o uso político de medidas sanitárias por políticos e governantes brasileiros ao longo da nossa História. Neste contexto, o presente artigo lançará um olhar para a cidade do Rio de Janeiro no início do século XX, onde um projeto sanitário transforma a cidade em palco da maior revolta urbana de nossa história. Analisaremos também como esses acontecimentos levaram a cidade a um conflito ideológico cujo a busca pelo poder e os interesses de variados grupos transformaram a Revolta da Vacina em uma cortina para suas reais intenções.

PALAVRAS-CHAVE: Covid-19; política; Revolta; Vacina.

2. INTRODUÇÃO

A recente disputa política acerca da obrigatoriedade da possível vacina contra o Coronavírus (SARS-CoV-2 Covid19) aliado as teorias conspiratórias sobre a origem do vírus na China trazem à tona grandes semelhanças ao mesmo apelo político utilizado em 1904 que culminaram com a eclosão da Revolta da Vacina no Rio de Janeiro. Com a disputa política que vemos no Brasil de 2020 entre a escolha da vacina e a obrigatoriedade da imunização da população entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo João Dória nos leva questionar como essas medidas de saneamento básico, imunizações em massa e campanhas de conscientização social são constantemente transformadas em estratégias políticas e de manipulação popular, cujo os interesses sempre visam o poder ou a manutenção de privilégios elitistas ao longo da História no Brasil? Neste artigo lançaremos nosso olhar para a politização de medidas sanitárias ocorridas no Brasil do início do século XX, período em que o Rio de Janeiro vive um movimento higienista, visando a contenção de epidemias e uma melhoria na imagem da cidade, esta que estava em um processo de crescimento populacional ao mesmo tempo em que não tinha um controle sanitário.

Milhares de brasileiros vieram de estados em crise ou mesmo do Vale do Rio Paraíba, interior do Rio – onde as fazendas de café passavam por uma crise – para tentar a vida na capital. Houve também enorme entrada de migrantes do exterior, em especial portugueses e italianos. O aumento populacional, sem uma melhoria na infraestrutura da cidade e sem que houvesse emprego suficiente, gerou o aumento da criminalidade e a queda na qualidade de vida que já não era das melhores. Vadiagem, alcoolismo e prostituição também se intensificaram. Como se não bastasse, havia ainda outro grave problema: epidemias de várias doenças se espalhavam pela cidade. A má fama do Rio cada vez mais se espalhava internacionalmente. (MOURELLE, 2020)

Esses problemas denegriam a imagem da cidade capital brasileira na época, e o medo do contágio era tão grande que criaram uma má fama da cidade internacionalmente: O Rio de Janeiro chegou a receber o triste apelido de “túmulo de estrangeiros” e muitos navios que passavam pela América do Sul começaram a evitar passar pela cidade com medo de que a tripulação e os passageiros tivessem contato com doenças como a varíola e a febre amarela, que assolavam a capital brasileira. Como exemplo, podemos citar o navio italiano Lombardia[2], de passagem pela cidade em 1895, que teve 234 das 337 pessoas a bordo infectadas pela febre amarela.

Diante destes problemas, uma sucessão de medidas começou a ser tomadas pelas autoridades políticas, porém a forma como elas se desenvolveu levaram a insatisfação popular, “criando um cenário de conflito que deflagaria mais tarde a Revolta da Vacina” (MOURELLE, 2020).

2.1. Objetivo Geral

Analisar as questões sociais e econômicas que enfrentava a cidade do Rio de Janeiro em 1904, fatores estes que levaram a eclosão da Revolta da vacina.

2.2. Objetivos Específicos

Localizar semelhanças com o cenário vivido no Brasil atualmente frente a onda de desinformação acerca da criação de uma vacina contra a (Covid-19).

Analisar o discurso político utilizado pelos governantes durante a Revolta da Vacina e onda de desinformação ocorrido no período.

2.3. Metodologia

Este artigo utilizará como metodologia, um estudo bibliográfico acerca dos acontecimentos ocorridos no Rio de Janeiro do início do século XX.  Período em que a república recém-proclamada enfrentava muitos problemas sociais e revoltas populares.

3. A POLÍTICA HIGIENISTA X REVOLTA: UM CENÁRIO PROPÍCIO PARA A TENTATIVA DE UM GOLPE

Na recém proclamada República brasileira, o cenário que se via na cidade do Rio de Janeiro era de crescimento populacional, segundo Sevcenko (2018), a capital do país passaria nesse momento, por um processo vertiginoso de metropolização elevando a população de 522.651 habitantes em 1890, para 1.157.873 em 1920. Esse aumento considerável da população era resultado inúmeros fatores:

O refluxo para o Rio de Janeiro das pessoas egressas de fazendas arruinadas do vale do Paraíba após a lei da Abolição, as miríades de migrantes internos atraídos pela febre fiduciária do Encilhamento e pelas promessas do que se apresentava concretamente como o maior mercado de trabalho comercial, industrial e de serviços do país; além é claro dos grandes contingentes de imigrantes estrangeiros despejados anualmente naquele porto, atraídos pela avidez infrene dos cafeicultores e empurrados pela desventura implacável da própria miséria. (SEVCENKO, 2018, p.74)

Esse aumento na população desenfreou uma busca por habitações em uma cidade que não fora planejada para acolher uma demanda populacional enorme como essa, logo, a solução veio da redistribuição e locação de biombos dos grandes casarões do centro da cidade.

Assim transformados em imensos pardieiros, esses casarões acomodavam a maior parte da população urbana e transformavam a região central num torvelinho humano, que pululava penoso e irrequieto desde as primeiras horas da manhã, na luta por oportunidades de sustento cada vez mais escassas. (SEVCENKO, 2018, p.74)

Como consequência desse sufocamento habitacional na capital, houve o aumento do desemprego, somado a falta de infraestrutura da cidade – era suja sem uma política de saneamento – começa a crescer os índices de criminalidade um problema que alarmavam os órgãos de imprensa. Sevcenko (2018), afirma que a imprensa trovejava reprimendas ao governo diante de inépcia atuação frente ao aumento da criminalidade urbana.

A crônica policial ganhava espaços cada vez maiores com a descrição enraivecida do aumento dos roubos, assaltos, arrombamentos e homicídios, assim como da vadiagem, da mendicância e do alcoolismo. Mas muito pior era a insegurança social que essa situação engendrava, visto que era essa população miúda e turbulenta que dominava efetivamente o centro da cidade. (SEVCENKO, 2018, p.75)

Soma-se todos esses problemas às várias epidemias que assolavam a cidade coma a varíola e a febre amarela, era suficiente para a arranhar ainda mais a imagem da cidade assim como do país no exterior.  Ao assumir o poder Rodrigues Alves, implantou um programa de obras públicas financiadas por setores externos iniciando assim uma recuperação economia, esta que por tempos esteve prejudicada graças a política de recessão imposta por Campos Sales seu antecessor.

Desmentindo o apelido de Soneca, o presidente atacou logo as obras de saneamento e reforma urbana da cidade, como prometido no discurso de posse. Para isso conseguiu poderes quase ditatoriais para o engenheiro Pereira Passos, nomeado prefeito e para o médico Oswaldo Cruz, nomeado diretor do Serviço de Saúde Pública. (CARVALHO, 2019, p.88-89)

Essa remodelação da cidade, no entanto se deu de forma brutal, segundo Mourelle (2020), mais de 14 mil pessoas foram expulsas de suas casas, sem ter para onde ir e sem o governo indicar uma solução de moradia.

 Seguindo exemplos de Paris onde o governo propôs a abertura de boulevards e avenidas, que impedissem a população de tomarem de assalto cidade, o que tornaria mais fácil a repressão.  Nesses moldes o governo começou a pôr em prática em prática seu projeto, reprimindo e derrubando becos, casarões e vielas.

As vítimas são fáceis de identificar: toda a multidão de humildes, dos mais variados grupos étnicos, que constituíam a massa trabalhadora, os desempregados, os subempregados e aos aflitos de toda a espécie. As ações do governo não se fizeram somente sobre seus alojamentos: suas roupas, seus pertences, sua família, suas relações vicinais, seu cotidiano, seus hábitos, seus animais, suas formas de subsistência e sobrevivência, sua cultura. Tudo enfim, é atingido pela nova disciplina espacial, física, social, ética e cultural imposta pelo gesto reformador. Gesto oficial, autoritário e inelutável, que fazia, como já vimos, ao abrigo das leis de exceção que bloqueavam quaisquer direitos ou garantias das pessoas atingidas. Gesto brutal, disciplinador e discriminador, que separava claramente o espaço do privilégio e as fronteiras da exclusão e da opressão. (SEVCENKO, 2018, p.78)

Ao mesmo tempo em que as obras públicas avançavam, o projeto de saneamento a cargo do médico Oswaldo Cruz começa a ser posto em prática.

Oswaldo Cruz enfrentou, em primeiro lugar, a febre amarela, adotando métodos já aplicados em Cuba. Atacou a doença por dois lados, pela extinção dos mosquitos e pelo isolamento dos doentes em hospitais. Logo a seguir, voltou-se para a peste bubônica, cujo combate exigia a exterminação de ratos e pulgas e a limpeza e desinfecção de ruas e casas. O trabalho começou em abril de 1903. Brigadas sanitárias, compostas de um chefe, cinco guardas mata-mosquitos e operários da limpeza pública, percorriam ruas e visitavam casas, desinfetando, limpando, exigindo reformas, interditando prédios, removendo doentes. (..) Tal atividade evidentemente provocou reboliço na cidade e perturbou a vida de milhares de pessoas, em especial os proprietários das casas desapropriadas para demolição, os proprietários de casas de cômodos e cortiços anti-higiênicos, obrigados a reformulá-los ou demoli-los, e os inquilinos forçados a receber os empregados da saúde pública, a sair das casas para desinfecções ou mesmo a abandonar a habitação quando condenada à demolição. Além disso, Pereira Passos, na ânsia de fazer da cidade suja, pobre e caótica na réplica tropical da Paris reformada por Haussmann, baixara muitas posturas que interferiam no cotidiano dos cariocas, particularmente no dos ambulantes e mendigos. Proibiu cães vadios e vacas leiteiras nas ruas; mandou recolher a asilos os mendigos; proibiu a cultura de hortas e capinzais, a criação de suínos, a venda ambulante de bilhetes de loteria. Mandou também que não se cuspisse nas ruas e dentro de veículos, que não se urinasse fora dos mictórios, que não se soltasse pipas. (CARVALHO, 2019, p.89-90)

Com todo esse cenário de opressão uma lei obrigando a vacinação contra varíola a terceira epidemia listada como meta por Oswaldo Cruz coloca em polvorosa toda a população inflamada por discursos de opositores do governo e conservadores como o de Rui Barbosa:

“Não tem nome, na categoria dos crimes do poder, a temeridade, a violência, a tirania a que eles se aventuram, expondo-se voluntariamente, obstinadamente, a me envenenar, com introdução no meu sangue, de um vírus sobre cuja influência existem os mais bem fundados receios de que seja condutor da moléstia ou da morte” (SEVCENKO, 2018, p.21)

Já não bastasse todo esse clima tensão entre os opositores e a população acerca da vacina, uma morte ganha enorme repercussão; após a vítima, uma mulher vir a óbito pouco tempo depois de receber a vacina antivariólica e o médico-legista atribuir a morte como infecção generalizada ocasionada pela vacina, era suficiente para a oposição alarmasse a câmara e a imprensa.

O impacto foi tamanho que o Dr Oswaldo Cruz, diretor da Saúde Pública, jovem de trinta anos de idade, responsável por toda a campanha de saneamento da capital e diretamente subordinado ao ministro da justiça e do interior, sentiu-se obrigado a intervir pessoalmente no caso. Reexaminou o cadáver e impugnou o atestado do médico-legista, declarando-o de má-fé, visto seu autor ser positivista e simpatizante a resistência a lei da vacina obrigatória. O episódio permaneceu obscuro, a causa do óbito tornou-se política e o calor das acusações recrudesceu de ambos os lados. (SEVCENKO, 2018, p.22)

Em meio a todos esses eventos em 31 de outubro de 1904 a obrigatoriedade da vacina é aprovada é regulamentada no Congresso, definindo os procedimentos e encarregando o Departamento de Saúde Pública a sua responsabilidade. Segundo Sevcenko (2018, p.23) “foi o próprio Oswaldo Cruz quem elaborou o regulamento, que não estava mais sujeito a discussões e deveria ser aplicado a toda população incontinenti. A publicação desse decreto em 9 de novembro desencadeia a revolta da população:

No dia seguinte, 10 de novembro, as agitações se iniciaram com toda a fúria que as caracterizaria. Grandes ajuntamentos tomaram a rua do Ouvidor, a praça Tiradentes e o largo São Francisco de Paula, onde oradores vociferavam contra a lei e o regulamento da vacina. A polícia, informada e com recomendações expressas de proibir e dispersar quaisquer reuniões públicas tratou de prender os oradores improvisados, sofrendo a resistência da população, que a atacava com pedradas. (...) a noite do dia 10 caiu sob uma atmosfera de tensão e insegurança, prenuncio dos horrores que estavam por vir. (SEVCENKO, 2018, p. 26)

Nos dias seguintes uma sucessão confrontos começaram a ser deflagados, “Garotos soltavam bombas de brinquedo e, a partir daí tiveram correrias e perseguições da polícia até a praça Tiradentes e o largo do Rosário” (CARVALHO, 2019 p. 96). Nesse episódio foram presas 18 pessoas acusadas de porte de armas proibidas. Os combates foram intensos entre a polícia e a população que se aproveitaram das reformas para se armarem e revidarem os ataques;

Os populares se armaram de pedras, paus, ferros, instrumentos e ferramentas contundentes se atracaram com os guardas da polícia. Esta, por sua vez, se utilizava de sobretudo de tropas da infantaria, armadas de carabina curtas e piquetes de lanceiros da cavalaria. A população acuada se refugiava nas casas vazias que cercavam os locais em obras e metiam pelos becos estreitos onde uma ação militar coordenada se tornava impossível. (SEVCENKO, 2018, p.28)

E a revolta prosseguiu no dia seguinte em meio a uma grande concentração popular convocada pela Liga contra a Vacina Obrigatória. Dada a relevância que os episódios estavam alcançando grupos opositores ao governo tentavam garantir para si a liderança do movimento:

Lauro Sodré e Barbosa Lima tentam garantir para si a liderança do movimento popular, atribuindo sentido político-parlamentar a insurreição. A manifestação seria, do ponto de vista desses líderes, um sinal de esgotamento dos programas político e econômico conservadores dos presidentes paulistas - Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves - e marcaria um momento de reação em que a população estaria a exigir o retorno do republicanismo férvido, de tipo ditatorial, contra os barões do café e os credores estrangeiros, representados pela linha do florianismo, do trabalhismo e da aliança com jovem oficialidade militar. Era como a liderança da Liga pretendia usufruir dos tumultos para realização de seu próprio projeto político. (...) para os amotinados não se tratava de selecionar líderes vão plataformas, e, sim, mais crucialmente, de lutar por um mínimo de respeito à sua condição de seres humanos. Desde então, a situação da Liga diminui significativamente no seio do movimento que tende a tomar um curso dispersivo e espontâneo.  (SEVCENKO, 2018, p.30)

Em meio a toda essa sensação de desordem uma outra ala pretendia se aproveitar da situação para pôr em ação um plano de assalto ao poder.

Projeto de assalto ao poder estava sendo encabeçado pelos jacobinos e florianistas, mas ironicamente era financiado às ocultas, pelos monarquistas, que haviam sido excluídos da política republicana e eram representados sobretudo pelo Visconde de Ouro Preto, por Andrade Figueira, Cândido de Oliveira e Afonso Celso. Varella era o principal elemento de ligação entre os 2 grupos e o seu jornal, o comércio do Brasil, ultra agressivo e financiado pelos monarquistas, era o principal órgão de agitação do grupo conspirador.  (SEVCENKO, 2018, p.42)

Os eventos a seguir marcam o caráter golpista e a tentativa de tomada do poder pelos militares incidentes, segundo Sevcenko (2018) os militares reuniram-se no dia 15 no Clube Militar para traçar o curso do movimento.

Para Carvalho (2019) era necessário ter algum apoio popular, para legitimar o golpe, seja para convencer alguns indecisos dentro da elite civil e militar. “O modelo de tal ação fora o próprio 15 de novembro, quando se atribuiu aos líderes civis a tarefa de convencer o povo enquanto os militares providenciavam a derrubada do governo” (CARVALHO, 2019 p.120)

 Entre os presentes estavam os generais Silvestre Travassos, Olímpio da Silveira, o ex-tenente-coronel Lauro Sodré, o major Agostinho Gomes de Castro e o capitão Antônio de Morais. Como resultado decidem aproveitar o momento turbulento para sublevar a mocidade das escolas Militares e com elas marcharem rumo ao Palácio do Catete e depor o presidente, para que em seguida instaurassem uma Ditadura Militar preconizada pelos ideais positivistas da época.

O resultado dessas missões foi canhesco. Gomes de Castro foi preso, ao tentar sublevar os Cadetes da escola do realengo, pelo próprio comandante da instituição, general Hermes da Fonseca. Já o general Travassos, em companhia de Lauro Sodré e Alfredo Varela, consegue depor o general Macedo Costallat, Comandante da escola militar da Praia Vermelha, e obtém o apoio dos alunos, cerca de 300, para o seu projeto de marchar sobre o Catete. Apercebendo-se, entretanto, de que o Arsenal da escola dispõe de muita pouca munição. tentam, então, entrar em contato com outras unidades para conseguir armas, munição em reforços, mas são malsucedidos. Dispõem-se a marchar assim mesmo para o palácio presidencial. (...) o governo enviou uma força de infantaria comandada pelo general de brigada Antônio Carlos da Silveira Pirajibe para dar o primeiro combate a coluna que vinha da Praia Vermelha. A tropa rebelde informada da vinda do adversário, parou na rua da passagem à sua espera. A noite era escura e chuvosa, as lâmpadas dos postes estavam todas apagadas, não havia condição alguma de visibilidade. Aproximando-se do local i ouvindo o tropel de um vigia avançando, o general Pirajibe deu-lhe ordem de fazer auto, o cavaleiro retrocedeu às pressas o oficial ordenou então que a tropa disparasse. Os alunos responderam ao fogo, seguindo-se um rápido mais intenso tiroteio às escuras, que deixou inúmeros mortos e feridos de ambos os lados. Em pouco tempo, as tropas governistas debandaram e os cadetes estavam dispersos. (SEVCENKO, 2018, p.43)

Temendo a tomada do palácio pelos revoltosos Rodrigue Alves reforça as defesas “cavaram-se trincheiras, fortificadas com arames farpado e sacos de areia. Esperava-se o pior; a batalha decisiva era eminente.” (SEVCENKO, 2018, p.46)

Os cerca de 300 cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha e um esquadrão do Primeiro Regimento de Cavalaria, que iniciaram a revolta, foram desmobilizados em menos de 24 horas, tendo fim após navios da Marinha ancorarem à frente da escola militar e o encouraçado Deodoro e lanchas torpedeiras abrirem fogo. Contingentes do Exército que se declararam leais ao governo também atuaram contra seus colegas revoltosos. Na Bahia e em Recife chegou a ter repercussão a tentativa de golpe militar, com alguns tentando se juntar à rebelião, porém rapidamente houve repressão das forças legalistas, sem maiores dificuldades. (MOURELLE, 2020)

Imagem 01 - Bonde tombado pelos manifestantes da Revolta da Vacina

Fonte: Casa de Oswaldo Cruz (Agência Senado)

No dia seguinte 16 de novembro, o presidente Rodrigues Alves enfim revoga o decreto de obrigatoriedade da vacina, com tal atitude o movimento reflui e a revolta é controlada. Quanto aos militares revoltosos, “foram detidos e aprisionados; a Escola da Praia Vermelha foi fechada e seus alunos exilados em regiões de fronteira e em seguida desligados do Exército” (SEVCENKO, 2018, p.52). A cidade então ressurge toda destruída e como saldo a Revolta teve um número incalculado de mortos de ambos os lados, terminara aquela que se tornara a maior revolta urbana já ocorrida no Brasil

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando os eventos ocorridos durante o período em que precedeu, durou e terminou a Revolta da Vacina, podemos verificar o uso político por meio de seus atores em diversos momentos: o primeiro foi logo no discurso de posse do presidente Rodrigues Alves, que cria no imaginário das elites locais uma cidade nos moldes da Paris do século XIX, que por meio reformas urbanas tocadas pelo arquiteto Haussmann, tornara a cidade-luz mais atraente e segura. Um projeto que via a sanitarizarão como bandeira nesses moldes era muito atraente e bem vindo, dado o cenário sujo e poluído que tinha a cidade. Porém ao colocar em prática tais medidas, a população mais pobre que vivia nos becos, cortiços e casarões logo foram as mais humilhadas pela “ditadura Sanitária”, contribuindo e muito para a elevação dos ânimos populares. O segundo ponto mais crítico foi o projeto de vacinação obrigatória imposto à população, essa ação eleva a política sanitária ao seu extremo dado o cenário social conservador, cheio de regras e superstições da época, serem expostas ao crivo do governo para se vacinarem era um prato cheio para opositores do governo tramarem uma revolta. Quando a população se revolta com as humilhações impostas pelas reformas forçadas e a obrigatoriedade da vacina, logo opositores do governo tentam novamente se levantarem como liderança política do movimento, mas logo, ao perceberem que a população não estavam interessada em tomar o governo, tampouco depor o presidente, mas apenas em uma vida digna para os seus, logo são consumidos e somem no movimento. Por fim a tentativa militar de tomada do poder através de um golpe contra o Presidente Alves, mostra o lado mais político de toda essa trama.

Concluímos assim, analisando tais eventos que independente das reais intenções e ações que deflagaram a Revolta, a questão política sempre esteve voltada a algum tipo de interesse, seja por status, questões financeiras ou simplesmente pelo simples exercício do poder, não importando assim a que preço ou a quem essas ambições poderiam vir a prejudicar, e nesse jogo político os mais pobres e desassistidos sempre foram os mais prejudicados.

5. REFERÊNCIAS               

ABREU, Regina. ―Colecionando o outro: o olhar antropológico nos primeiros anos da República no Brasil‖. In HEIZER, Alda; VIDEIRA, Antonio Augusto Passos (Org). Ciência, civilização e república nos trópicos. Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2010. pp. 245-253.

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 

CRESCÊNCIO, Cintia Lima. Revolta da vacina: higiene e saúde como instrumentos políticos. BIBLOS, [S.l.], v. 22, n. 2, p. 57-73, mar. 2010. ISSN 2236-7594. Disponível em: . Acesso em: 21 out. 2020.

Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil: 1832-1930. Disponível em http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br. Acesso em: 20 nov. 2018.

FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL (Brasil) (comp.). Oswaldo Cruz: o médico do brasil. 2003. Projeto Memória 2003. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2020.

LOPES, Myriam Bahia. O Rio em movimento: quadros médicos e(m) História: 1890-1920. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2000. LUSTOSA, Isabel. Insultos Impressos: a guerra dos jornalistas na Independência (1821-1823). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

LUZ, Madel T. ― O corpo da cidade. In. PECHMAN, Robert Moses (Org.). Olhares sobre a cidade. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994. pp. 181-193.MOURELLE, Thiago..> Acesso em: 17 nov. 2020.

MOURELLE, Thiago. Revolta da Vacina: desinformação ou rebelião justa?. In: ARQUIVO NACIONAL (BR) Portal de Estudos do Brasil Republicano. Revolta da Vacina. In: ARQUIVO NACIONAL (BR). Portal de Estudos do Brasil Republicano. Que Republica é essa? [S. l.], 21 jan. 2020. Disponível em: http://querepublicaeessa.an.gov.br/temas/200-revolta-da-vacina.html Acesso em: 22 dez. 2020

SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Editora Unesp, 2018.

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: tensões sociais e a criação cultural na Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 

Danilo José Noronha[1]  


[1] Especialista em Educação a Distância (UNIP) e em Formação de docentes para o Ensino Superior (UNINOVE). Licenciado em Ciências Sociais (UNINOVE) e em História pela (UNISA). É professor na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

[2] Em outubro de 1895, ancorara no porto do Rio de Janeiro o caça-torpedeiro Lombardia, da marinha real italiana, que ali permaneceu por alguns meses. Em janeiro do ano seguinte surgiu a bordo um primeiro caso de febre amarela, a que muitos outros se seguiram. Dos 340 tripulantes, 234 morreram — entre eles, o comandante do navio. A tragédia teve repercussão mundial, com desastrosas consequências para a imagem do Brasil.

Disponível em http://www.projetomemoria.art.br/OswaldoCruz/verbetes/quarentena.html Acesso: em 19 nov,2020


Publicado por: Danilo Jose Noronha

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