O Partido Trabalhista Brasileiro (1945/1964)
índice
- 1. Introdução
- 2. Uma questão histórica relevante
- 2.1 Explicação clássica de Weffort sobre o populismo/trabalhismo
- 2.2 Explicação ALTERNATIVA PARA O FENÔMENO POPULISTA/trabalhista
- 2.3 POLÊMICA TEÓRICA SOBRE A QUESTÃO DA MANIPULAÇÃO POLÍTICA NO POPULISMO/trabalhista
- 3. As origens históricas do PTB e sua formação
- 4. O PTB gaúcho, o pensamento de Alberto Pasqualini e a “complementaridade conflitiva” entre Vargas e Pasqualini
- 5. O PTB em São Paulo
- 6. O PTB e o Ministério do Trabalho
- 7. O PTB e os sindicatos
- 8. A dissidência do trabalhismo – O Movimento Trabalhista Renovador (MTR) de Fernando Ferrari e outras divisões dentro do PTB (Grupo Compacto e parcelas do PTB que integraram a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e a Frente de Mobilização Popular (FMP))
- 8.1 O MTR de Ferrari
- 8.2 O grupo compacto, a divisão interna do PTB, e a participação de deputados trabalhistas nas frentes parlamentares
- 9. PTB – Do getulismo ao reformismo
- 10. Tendências ideológicas internas do ANTIGO PTB
- 11. Evolução da representação parlamentar trabalhista no Legislativo Federal (Câmara dos Deputados e Senado Federal – 1945 a 1964)
- 12. Conclusão
- 13. Complemento
- 14. Bibliografia
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1.
IntroduçãoEste trabalho segue a orientação adotada por Campello de Souza (1976), segundo a qual o sistema partidário brasileiro tem sua composição influenciada significativamente pela atuação do Estado na vida nacional, ou seja, o Estado é considerado um ator importante, decisivo, na composição do quadro político-partidário.
Estabelecida essa premissa, dado que a formação do PTB teve decisiva ingerência do Ministério do Trabalho (Gomes e D’Araújo, 1989), é conveniente justificar a relevância do estudo do PTB. Segundo Schmitt (2000:27), o referido partido foi a agremiação política que exerceu a hegemonia da esquerda brasileira durante a terceira República, entre 1945 e 1964. Como razão adicional para estudá-lo, pode-se citar o fato de que o PTB foi, entre as três principais agremiações políticas da “República Populista”(que eram, além dele próprio, o PSD e a UDN), a única a registrar crescimento percentual da representação parlamentar no período compreendido entre 1945 e 1962, segundo Schmitt (2000:23 e 24).
2. Uma questão histórica relevante
2.1. Explicação clássica de Weffort sobre o populismo/trabalhismo
A teoria clássica acerca do populismo/trabalhismo, de autoria de Weffort, hegemônica nos meios acadêmicos, considera o populismo como sendo o sistema político resultante da manipulação e da tutela da classe trabalhadora pelo Estado e pelos líderes populistas carismáticos, principalmente Vargas. Por esse argumento, o operariado urbano brasileiro não teria consciência de classe, tendo sido iludido pelos líderes populistas e trocado os direitos políticos pelos sociais, os quais foram materializados na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Weffort e seus adeptos consideram que os operários brasileiros foram mera “massa de manobra” das elites representadas politicamente, no Estado, pelos políticos carismáticos populistas.
Explicação de Weffort sobre o populismo/trabalhismo: a classe proletária brasileira foi simplesmente tutelada e iludida pelas classes dominantes, dominadoras e dirigentes, por intermédio da ação política dos líderes populistas, e que os direitos trabalhistas e sociais foram uma “doação” aos trabalhadores das metrópoles, e que, em troca, o operariado urbano brasileiro não se comportou de modo reformista e revolucionário, e sim de maneira conformista.
2.2. Explicação ALTERNATIVA PARA O FENÔMENO POPULISTA/trabalhista
Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira, os dois autores da Universidade Federal Fluminense (UFF) se opõem a essa teoria, defendendo o ponto de vista de que não houve, unicamente, manipulação dos trabalhadores pelo Estado e pelos líderes populistas, e sim ocorreu uma interação entre o proletariado urbano, o Estado e os empresários, na qual os sindicatos, representando os trabalhadores, fizeram reivindicações, as quais foram em parte atendidas pela concessão dos direitos sociais e trabalhistas contidos na CLT.
Para Castro Gomes e Ferreira, as conquistas trabalhistas e sociais representadas pela CLT foram, também, decorrência da organização e da combatividade da classe proletária brasileira, e não consequência apenas da manipulação supramencionada.
Para a maior parte da doutrina hegemônica da Ciência Política Brasileira, a concessão da legislação trabalhista ao operariado nacional funcionou como um mecanismo de controle da classe dominante empresarial detentora do capital sobre o proletariado urbano. Por meio da concessão dos direitos trabalhistas, os empresários tinham a expectativa de que os operários renunciassem ao socialismo/comunismo e se contentassem com os direitos sociais, de forma que o capitalismo no Brasil continuasse a ser uma economia de mercado.
2.3. POLÊMICA TEÓRICA SOBRE A QUESTÃO DA MANIPULAÇÃO POLÍTICA NO POPULISMO/trabalhista
O próprio Weffort relativiza suas interpretação de que o populismo seja essencialmente a manipulação de classes, do operariado pelas elites, ao escrever que ““o populismo foi, sem dúvida, manipulação de massas mas a manipulação nunca foi absoluta”. (Weffort, 2003,p.70). Assim, para o autor, é preciso e necessário “discutir o problema de saber até que ponto os interesses reais das classes populares foram efetivamente atendidos pelos líderes e até que ponto elas serviram de “massa de manobra” para os grupos dominantes” (Weffort, 2003,p.81) in Domingos (2008:179,180).
Os professores da UFF (Gomes, Ferreira e Aarão Reis, principalmente este último) contrapõem-se ao argumento de Weffort e Ianni, alegando que “houve um protagonismo crescente das classes trabalhadoras na história republicana brasileira depois de 1945” Domingos (2008:179,180). Aarão Reis (2001), citado por Domingos (2008:180), escreve que o aludido protagonismo “gerou uma reação dos setores conservadores da sociedade, que se sentiram ameaçados. E essa ameaça tinha uma razão, o que ele definiu como tradição trabalhista, que fora constituída no quadro da urbanização e da industrialização do país, sendo caracterizada por um programa nacionalista, estatista e popular, política externa independente, Estado intervencionista, desenvolvimentista, regulador, redes de proteção para os trabalhadores (...)”. Na opinião de Aarão Reis (2001:347), citado por Domingos (2008:180) “É justamente esse protagonismo popular que vem sendo acobertado pelo epíteto do populismo: nada mais do que uma invenção das forças conservadoras na tentativa de destruir a tradição trabalhista, apagando-lhe o nome, rebatizando-a. Foi assim que do trabalhismo fez-se o populismo”.
3. As origens históricas do PTB e sua formação
As origens do PTB estão relacionadas a alguns dos objetivos que Getúlio Vargas, com o respaldo das elites brasileiras, tentou alcançar ao longo de seu período no poder (1930-1945 e 1951-1954), tais como: a neutralização da influência do Partido Comunista Brasileiro no meio urbano – industrial e sindical, entre os operários das cidades; o amortecimento da luta de classes na sociedade brasileira, por meio da “doação” da legislação social e do trabalho, reunida na “Consolidação das Leis do Trabalho”, de 1943; a consolidação da base política varguista entre o proletariado dos maiores municípios brasileiros. O que foi escrito acima será confirmado por transcrições de textos de estudiosos no assunto.
Segundo Benevides, “O PTB poderia servir de instrumento de mobilização – principalmente frente à ameaça comunista...” (Benevides,1989:23). Segundo a mesma autora, “Getúlio criou o Partido Social Democrático com a mão direita e o Partido Trabalhista com a mão esquerda” (Ibidem:31). Gomes e D’Araújo (1989) concordam com Benevides em relação ao argumento de que o PTB surgiu, em parte, para neutralizar a influência comunista nas áreas urbanas e sindicais e entre o operariado. Segundo elas, referindo-se à fundação do PTB e do PSD, “A criação desses dois partidos políticos não resulta de um cálculo maquiavélico, que buscava distinguir bases diferenciadas de apoio político. Ao contrário, o PSD e o PTB emergem como a solução pragmática possível num contexto em que as presenças de um significativo partido de oposição (UDN) e de uma forte esquerda organizada (PC) forçavam a tomada imediata de decisões políticas. Pode-se descartar, portanto, com segurança, a versão corrente de que a concepção do PTB tenha sido uma invenção de última hora. Não foi concebido exclusivamente para funcionar como um contrapeso à força crescente – e surpreendente – do Partido Comunista, nem foi imaginado a posteriori como alternativa popular face ao elitismo do PSD.
Certamente o PTB foi imaginado como a melhor opção partidária para o trabalhador brasileiro. Nesse sentido era uma cunha entre as massas trabalhadoras e o comunismo, mas não um partido cujo móvel e sentido fosse o anticomunismo.(...). O PTB não deve ser entendido como mera força reativa ao comunismo ”(Gomes e D’Araújo, 1989:16).
Ainda sobre esse assunto, e considerando ter sido a necessidade de contraposição à penetração do PCB nos meios sindicais urbanos a principal razão da fundação do PTB, Moniz Bandeira nos informa o seguinte: “Vargas viu-se então na contingência de autorizar a organização do Partido Trabalhista Brasileiro, a fim de evitar que ponderável setor da classe operária se voltasse para o PCB” (Bandeira, 1979:33). O mesmo autor também nos informa que o PTB “ Funcionaria como anteparo contra o avanço do PCB, organização mais avançada dos trabalhadores, até então reprimida pelo Estado Novo. Essa preocupação em neutralizar o comunismo, também por métodos que não os de força, sempre acompanhou Vargas” ”(Bandeira, 1978:29).
De acordo com Benevides “O trabalhismo brasileiro encontra suas raízes logo após a Revolução de 30, e é durante o Estado Novo que se desenvolve, vinculado à implantação da legislação trabalhista. Consolida-se, portanto, como uma verdadeira emanação de Getúlio Vargas. (...) o trabalhismo getulista expressava-se em três grandes linhas: o nacionalismo,“a justiça social”, com a exaltação da legislação trabalhista, e o sindicalismo populista. Como eixo unificador, temos a noção de um Estado interventor e “organizador”, baseado no projeto de emancipação nacional e desenvolvimento econômico” (Benevides, 1989:94). Para corroborar o que foi escrito acima, transcrevo um trecho do verbete sobre o PTB do Dicionário Histórico – Biográfico Brasileiro (DHBB): “A primeira convenção nacional do PTB, realizou-se em 14 de setembro de 1945, no Rio de Janeiro. (...). Nessa convenção, foi também lançado o programa do PTB que (...) defendia sobretudo: 1) o reexame da Constituição sem que fossem reduzidos os direitos por ela assegurados aos trabalhadores; 2) o amparo da legislação aos trabalhadores rurais e também aos trabalhadores das autarquias e servidores públicos, quando seus direitos fossem inferiores aos dos trabalhadores das empresas privadas; 3) a criação de órgãos paritários da Justiça do Trabalho em todos os grandes centros trabalhistas do país, assegurando-se um rápido andamento nos processos; 4) a ampliação da representação das classes, sem preponderância de nenhuma delas, em todos os órgãos que representassem o capital e o trabalho; 5) a planificação econômica atingindo todos os setores, por meio da orientação, intervenção ou gestão do Estado, para que a produção do país atendesse às necessidades internas; 6) a melhor distribuição da riqueza, reconhecido ao capital o direito a um lucro com limite razoável; 7) a extinção dos latifúndios improdutivos, assegurando-se a possibilidade de posse da terra a todos os que quisessem trabalhá-la e 8) o direito de greve pacífica e a distinção entre greve legal e ilegal” (Beloch e Abreu, 1984:2600).
Acerca da fundação do PTB, Moniz Bandeira nos informa que “O PTB,..., nasceu numa das vertentes do Bonapartismo de Vargas(na outra o PSD se originou), quando o Estado Novo agonizava e alicerçou sua organização no proletariado, apesar dos elementos pequeno-burgueses e das peculiaridades que o influenciavam. (...). Nos atritos de classe, o PTB intermediava, acomodava as reivindicações dos operários aos limites tolerados pelo capitalismo, ao mesmo tempo em que sofreava a exploração excessiva de sua força de trabalho. Por isto alguns de seus líderes se celebrizaram como pelegos1(...). Também nesse aspecto o PTB se aproximava da Social Democracia, exercendo ofício semelhante ao que ela desempenhava na Europa, como fator de equilíbrio nas relações de classe.
Evidentemente, como o próprio Vargas declarou, o PTB, ao menos em seus primórdios, não era socialista, era apenas socializante e devia constituir uma opção para os trabalhadores, que não integrariam nem o PSD nem a UDN, variantes da oligarquia cindida”(Bandeira, 1978:28,29).
Segundo os autores do DHBB, um elemento relevante para a fundação do PTB foi o Ministério do Trabalho, por intermédio do titular da pasta em 1945, Alexandre Marcondes Filho (Beloch e Abreu, 1984:2600). Outro fator do processo de formação do Partido Trabalhista Brasileiro foi o “queremismo”, que, segundo os autores anteriormente citados, “foi um movimento popular que tinha como objetivo lutar pela permanência de Vargas na presidência da República através da convocação de uma assembléia nacional constituinte”(Beloch e Abreu, 1984:2600). Ainda de acordo com os mesmos autores, “a mobilização trazida por esse movimento proporcionou uma grande expansão para o PTB e teve grande influência na fixação da política do novo partido” ”(Beloch e Abreu, 1984:2600).
4. O PTB gaúcho, o pensamento de Alberto Pasqualini e a “complementaridade conflitiva” entre Vargas e Pasqualini
O PTB-RS foi a mais importante seção do PTB nacional, na qual militaram os mais destacados líderes trabalhistas brasileiros, tais como Getúlio Vargas, João Goulart, Alberto Pasqualini, Leonel Brizola, Fernando Ferrari entre outros.
Dentre esses, o que se notabilizou por ser o teórico, o ideólogo, o doutrinador do trabalhismo brasileiro, foi o ex-Senador Alberto Pasqualini, o qual, segundo Beloch e Abreu (1984:2600), liderava uma “corrente de orientação mais doutrinária, ..., que tinha uma perspectiva influenciada pelo trabalhismo inglês”. Ainda segundo os mesmos autores, “Pasqualini deixou claro que considerava inviável a implantação do sistema socialista no Brasil. As influências mais marcantes em seu pensamento partiam da doutrina expressa pelas encíclicas papais e pelo trabalhismo inglês, sintetizadas em alguns princípios gerais que ele mesmo enunciou: a) o trabalho é a fonte principal e originária de todos os bens produzidos; b) a coletividade humana é um sistema de cooperação; c) a forma de cooperação é um intercâmbio de trabalho. Quem de útil nada produz, nada tem para permutar; d) o poder aquisitivo é a contrapartida do trabalho socialmente útil; e) a função precípua do Estado deve ser hoje a realização da justiça social. Se a justiça social se admite, se traduz por uma distribuição eqüitativa da riqueza, isto significa,..., que garantido um mínimo fundamental, a participação de cada um no produto social...deve estar em relação ao valor social do seu trabalho, f) o objetivo fundamental do trabalhismo deve ser a diminuição crescente da usura social e alcançar uma tal organização da sociedade onde todos possam realizar um trabalho socialmente de acordo com as suas tendências e aptidões, devendo a remuneração graduar-se pelo valor social desse trabalho com a garantia de um número dentro dos padrões da nossa civilização para as formas de trabalho menos qualificadas”(Beloch e Abreu,1984:2612).
É conveniente esclarecer a definição de usura social para Pasqualini. Segundo os autores do DHBB, a usura social existe “quando as relações econômicas entre os membros de uma sociedade não estão baseadas nos princípios de justiça social... . A usura social é o que comumente se costuma denominar de exploração do homem pelo homem” (Ibidem:2612).
Em relação ao PTB do Rio Grande do Sul, transcreverei alguns trechos que constam da seção de história do trabalhismo do site do PDT na Internet, nos quais é feito o retrospecto da trajetória do trabalhismo gaúcho, da figura central de Pasqualini e do relacionamento político entre este último e Vargas, este último item baseado na obra de Miguel Bodea.
“Para compreender melhor o projeto do PTB é necessário estudar a formação e o desenvolvimento deste partido no Rio Grande do Sul, que se destacou não só por ser a seção estadual mais organizada, mas também pela contribuição teórica de Alberto Pasqualini.
O PSD surge no Rio Grande do Sul pelas mãos do interventor Ernesto Dornelles, primo de Vargas, e por Protásio Vargas, irmão do Presidente. A sua primeira convenção ocorre em julho de 1945 já marcada por divergências levantadas por um grupo que defendia um apelo à mobilização de massas, uma posição antielitista e favorável a um programa de reformas sociais. Estava criada a "Ala Trabalhista" do PSD, embrião do Partido Trabalhista Brasileiro, composta basicamente por lideranças sindicais.
A Ala Trabalhista envolve-se de corpo e alma no "queremismo", movimento que defende a reeleição de Vargas e tem o apoio de Prestes, recém saído da prisão, do Partido Comunista. Com isso distancia-se da cúpula do PSD, comprometida com a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra à presidência da República.
No dia 14 de setembro a "Ala" desliga-se formalmente do PSD e funda o PTB. A ata de fundação é assinada por presidentes, diretores e lideranças de vários sindicatos, entre os quais: metalúrgicos, carris, portuários, alfaiates, comerciários, madeireiros e dos vários ramos da alimentação. Ao lado da assinatura de lideranças sindicais de peso apenas dois bacharéis.
O PTB é formado por sindicalistas com larga tradição de luta, tendo alguns conhecido as prisões do Estado Novo, e arredios à entrada no partido de "bacharéis e políticos profissionais” (...).
No mesmo mês de fundação do PTB é lançada em Porto Alegre a União Social Brasileira (USB), formada por intelectuais, bacharéis e estudantes.
O presidente deste agrupamento político é o advogado Alberto Pasqualini, que havia sido Secretário de Interior e Justiça na Interventoria de Ernesto Dornelles, onde após breve período, demitiu-se em discordância com a política do Estado Novo.
As idéias de Pasqualini centram-se numa plataforma reformista que tem como meta transformar o "capitalismo individualista em capitalismo solidarista, com uma socialização parcial do lucro".
No seu discurso de lançamento da USB, Pasqualini frisa que o objetivo "não é a socialização dos meios de produção, mas a criação de um capitalismo sadio onde o fim social se sobreponha ao egoísmo, ao interesse e ao proveito exclusivamente individual; de um capitalismo que compreenda o papel preponderante dos trabalhadores e que, em conseqüência, não lhes recuse a parte dos proveitos que lhes cabe por justiça".
A USB também defende em seu programa "uma organização sindical baseada no princípio da liberdade, com a mais ampla autonomia" e constata que "não será possível instituir no Brasil um verdadeiro regime democrático sem que se prepare as bases econômicas".
A aproximação entre o PTB e a USB deu-se em seguida à fundação das respectivas organizações, e o motivo inicial era o processo eleitoral que se avizinhava. Durante as conversações ocorre a derrubada de Vargas, o que apressa a divulgação de um manifesto conjunto "reconhecendo exclusivamente na vontade do povo, manifestada sem qualquer constrangimento, o poder soberano de traçar normas jurídicas e de escolher seus legítimos representantes".
O "Termo de Compromisso político entre o PTB e a USB" frisa também que "ambas as agremiações conjugarão os seus esforços na defesa dos direitos e dos interesses das classes trabalhadoras e da coletividade em geral".
Além disso, o documento afirma que "as duas agremiações discutirão conjuntamente a questão eleitoral a nível municipal, estadual e nacional e qualquer deliberação será tomada em harmonia. O mesmo sistema de consultas é também recomendado relativamente às questões concernentes à política nacional".
No decorrer do ano de 1946 ocorreria, na prática, a incorporação da USB no PTB. É a fusão de um movimento social reformista com um projeto de desenvolvimento nacional autônomo, o que vem dar ao PTB gaúcho um papel especial na estrutura da organização a nível nacional.
Ao lado de uma forte liderança popular com implantação nacional funde-se uma elaboração teórica reformista que dará, principalmente ao PTB gaúcho, uma tintura de esquerda, apesar da entrada no partido da dissidência getulista do PSD, portadora de posições mais conservadoras”(PDT,2002).
Para resumir o trecho transcrito, e caracterizar a filosofia trabalhista de Pasqualini, destaco os seguintes pontos: 1) o PTB gaúcho se origina de uma dissidência do PSD do Rio Grande do Sul, denominada "Ala Trabalhista"; 2) o PTB-RS foi, inicialmente, um partido constituído essencialmente por trabalhadores, havendo resistência dos primeiros dirigentes ao ingresso de bacharéis e profissionais liberais na agremiação; 3) no mesmo mês de fundação do PTB-RS foi lançada, sob a liderança de Alberto Pasqualini, em Porto Alegre, a União Social Brasileira (USB), formada por intelectuais, bacharéis e estudantes. Esse agrupamento, que depois viria a se fundir com o núcleo inicial do PTB do Rio Grande do Sul, tinha uma proposta teórica sólida, de cunho reformista, e propunha, basicamente: a) capitalismo com responsabilidade e solidariedade social, na linha da Doutrina Social da Igreja; b) economia social de mercado, com socialização parcial do lucro; c) repartição eqüitativa da renda nacional, com participação dos trabalhadores, no produto social, de modo proporcional à sua contribuição para a geração da referida renda; d) liberdade e autonomia sindical, em contraposição à legislação sindical do Estado Novo, que colocou os sindicatos brasileiros sob a tutela do Estado nacional; e) realização da justiça social por intermédio da atuação do Estado; f) necessidade de intervenção do Estado na esfera econômica; 4) o PTB-RS teve sua constituição consolidada pela fusão do núcleo inicial do PTB gaúcho com a USB de Pasqualini, o que ocorreu no ano de 1946, o que dará à referida seção do partido de que se trata uma orientação voltada para a esquerda, ou seja, direcionada para uma proposta de transformação da sociedade brasileira; 5) A referida fusão representou a associação de uma proposta reformadora do capitalismo brasileiro (USB) com um projeto de desenvolvimento autônomo para o Brasil (núcleo inicial do PTB gaúcho), dando ao PTB-RS um papel de destaque na composição do PTB nacional.
Para finalizar este item, julguei importante abordar o relacionamento entre Vargas e Pasqualini. Trancreverei mais alguns trechos da seção de história do trabalhismo do site do PDT na Internet: “Sobre o relacionamento Vargas-Pasqualini é de fundamental importância a tese de Miguel Bodea, apresentada no mestrado de Ciência Política da Universidade de São Paulo, intitulada "Trabalhismo e Populismo2: O Caso do Rio Grande do Sul". O autor sustenta que a "dimensão essencial do relacionamento Vargas-Pasqualini não se situa no confronto entre duas tendências políticas ou na disputa entre duas lideranças partidárias rivais, mas na dinâmica de uma divisão de tarefas no seio do mesmo partido, que gera, entre ambos uma relação de complementariedade com aspectos conflitivos".
Esta "complementariedade conflitiva" se dá em três níveis:
-
entre o projeto político nacional (Vargas) e o projeto de construção do Partido Trabalhista (Pasqualini)
-
entre a liderança política nacional (Vargas) e a liderança política regional (Pasqualini)
-
entre o estrategista político (Vargas) e o doutrinador e teórico (Pasqualini).
Para Pasqualini, o PTB era o instrumento fundamental de realização das reformas sociais para chegar ao "Solidarismo". O teórico trabalhista defendia que "nosso problema não é apenas vencer uma eleição e controlar o governo, nosso problema é criar uma mentalidade social para realizar o programa que defendemos". A sua visão do partido como educador das massas levou-o a ser conhecido na história do trabalhismo "como candidato bom para ganhar e ótimo para perder", conforme as palavras do deputado petebista Ruy Ramos, para quem Pasqualini era um candidato que mesmo perdendo eleições fazia uma pregação durante a campanha que deixava o partido fortalecido na derrota.
Porém, apesar das diferenças, existe um entrosamento, mesmo que conflitivo, entre as duas lideranças, com o casamento do projeto nacional de Vargas e o social reformismo de Pasqualini. Cumpre salientar que, embora não tenha pensado a questão nacional, existe um ponto presente na proposta do desenvolvimento autônomo getulista, também desenvolvido por Pasqualini, que é a questão da intervenção do Estado na economia.
Segundo Pasqualini: "É imprescindível, portanto, a intervenção do Estado na esfera econômica, quer para corrigir suas anomalias, quer para suprir as deficiências da iniciativa privada, pois o Estado deve sempre colocar os interesses coletivos acima de interesses particulares de pessoas ou grupos".
Um outro ponto, que leva muitos a considerar Vargas à esquerda de Pasqualini, é a questão do socialismo. De fato, em várias peças dos discursos getulistas encontram-se trechos que defendem o socialismo e o mais citado é aquele pronunciado no comício de encerramento da campanha de Pasqualini ao governo do Estado do Rio Grande do Sul, em 29 de novembro de 1947: "A velha democracia liberal e capitalista está em franco declínio porque tem fundamento na desigualdade. A ela pertencem vários partidos, com rótulo diferente e a mesma substância. A outra é a democracia socialista, a democracia dos trabalhadores. A esta eu me filio”.
Este tipo de colocação seria repetido algumas vezes, mas nem por isso se poderia atribuir a Vargas uma postura verdadeiramente socialista e uma posição à esquerda de Pasqualini. Estas citações são muito mais um recurso de retórica para causar impacto em determinadas situações.
Para Pasqualini "não existem condições materiais objetivas, nem condições psicológicas e políticas para a instituição do socialismo. É necessário um certo desenvolvimento industrial, que não existe no Brasil, e que se esse desenvolvimento tivesse atingido aqueles limites em que já não seria conveniente se mantivesse sob o regime da iniciativa privada".
Na medida em que não existem os pressupostos necessários para a transformação socialista do Brasil é necessário, porém, mudar o "capitalismo individualista" que tenderia para o "monopólio, para a hegemonia econômica, para exploração do povo, para o imperialismo".
Como alternativa ao "capitalismo egoísta e agressivo, que gera a opressão, a miséria e as guerras", Pasqualini propõe o "capitalismo solidarista". Porém, o que o líder do PTB faz, influenciado pelo trabalhismo inglês e pelas idéias de Lord Keynes, é uma análise linear do desenvolvimento capitalista dentro de uma visão de que fazendo algumas reformas no capitalismo brasileiro poderia se chegar a um capitalismo desenvolvido, do tipo inglês, e só aí propor o socialismo.
A divisão de tarefas entre Vargas e Pasqualini, referida no estudo, já cita Miguel Bodea, encontra seu ponto mais importante na questão de funções político-partidárias entre os dois líderes trabalhistas.
Vargas é o estrategista político que comanda o aparelho do Estado no período 30/45 e a partir dele tenta colocar em prática o seu projeto de Nação capitalista autônoma. Na medida em que é derrubado e ocorre uma institucionalização democrática com livre funcionamento dos partidos e do parlamento, se torna imprescindível a reconquista do poder para a continuidade do projeto. E para isso é necessário forjar os instrumentos adequados, trilhando um duplo caminho.
Por um lado, incentivar a aglutinação num partido das elites e dos esquemas regionais das elites e dos esquemas regionais criados no Estado Novo (PSD), e por outro organizar um partido que funcione como catalisador do voto das massas urbanas (PTB).
Pasqualini se destaca como o teórico e o doutrinador do trabalhismo e tem uma concepção do partido como "educador de massas". Via no PTB o instrumento privilegiado e exclusivo do seu projeto de reformas sociais. Porém, na sua visão o partido deveria preocupar-se não só em ganhar eleições, mas sim em criar uma conscientização na "sociedade civil" para realizar um amplo programa de transformações sociais. Além disso, privilegia o consenso dos métodos democráticos para chegar ao poder.
(...) E um verdadeiro partido trabalhista no Brasil "deveria ser um movimento de ascensão do proletariado rural e urbano, dos pequenos produtores, das populações pobres e desamparadas".
Pode-se dizer que Pasqualini remetia-se à "sociedade civil" e aos aspectos político-educativos das massas, enquanto Vargas perseguia a "sociedade política" e o aparelho do Estado. Esta divisão de tarefas fundia-se numa corrente partidária fornecendo-lhe uma certa homogeneidade, muito embora estivessem presentes os elementos conflitivos, que já citamos anteriormente.
A Carta-Testamento de Getúlio traz em seu bojo duas lições importantes:
(...) Um partido com programa de transformações sociais só se mantém no poder e consegue seus objetivos, com uma ampla base de penetração e organização na sociedade civil” (PDT, 2002).
Para sintetizar este trecho transcrito, destaco os seguintes pontos: 1) A função de Pasqualini no trabalhismo era a de teórico e doutrinador; 2) O papel de Vargas no PTB era o de estrategista que visava ao alcance do poder político, com vistas à consecução de seu projeto de desenvolvimento econômico nacionalista e autônomo; 3) Pasqualini visava à sociedade civil em sua pregação teórico-doutrinária; 4) Vargas atuava tendo como objetivo a conquista do aparelho de Estado; 5) Ambos concordavam no que diz respeito à necessidade de intervenção do Estado na economia, para suprir as deficiências da iniciativa privada.
5. O PTB em São Paulo
Ao contrário do PTB-RS, o PTB-SP caracterizou-se, no período entre 1945 e 1964, pela fragilidade política, pela indefinição ideológica e pela prática intensa do fisiologismo político. Benevides (1989) apresenta uma série de aspectos que ajudam a entender as referidas características, dos quais destaco os seguintes:
a) Indefinição quanto ao conteúdo político do PTB-SP: “Para este caso específico do PTB paulista, até que ponto petebismo é sinônimo de getulismo? Ou será que, em São Paulo, petebismo sempre rima com janismo e ademarismo? De qual populismo estamos falando?” (Benevides,1989:16);
b) O fato de o PTB bandeirante disputar votos com outras agremiações políticas de cunho trabalhista, o que não ocorria nem no Rio de Janeiro nem no Rio Grande do Sul: “Em certos estados, a identificação do PTB com os trabalhadores urbanos – como no Rio de Janeiro - e com a tradição getulista, como no Rio Grande do Sul, era facilitada por óbvias raízes históricas e pela competição restrita no campo do trabalhismo. (...).
Em São Paulo, a situação era bastante diversa. (...) o PTB paulista, mesmo em seu período mais articulado, nunca pôde se arvorar em “dono do trabalhismo” e tampouco em líder inconteste do movimento sindical. O janismo e o ademarismo não repudiavam Getúlio e também eram do “povo”; os comunistas (sob várias legendas partidárias) controlavam boa parte dos sindicatos (...) e a “família trabalhista”incluía aqueles pequenos partidos que Getúlio Vargas ironizava como “os partidos da Sloper, as bijuterias políticas”: o PRT, Partido Rural Trabalhista; o PTN, Partido Trabalhista Nacional; o PST, Partido Social Trabalhista, e, mais tarde, o MTR, o Movimento Trabalhista Renovador. Todos disputavam o eleitorado do maior parque industrial brasileiro. A força do movimento dos trabalhadores em São Paulo tornava-se, paradoxalmente, um dos motivos para a relativa fraqueza do PTB” (Ibidem:18);
c) Fragmentação do partido em conseqüência de disputas internas entre dirigentes da cúpula estadual do PTB-SP: “ A trajetória do PTB é marcada pelas constantes lutas internas que o levavam a fragmentar-se em grupos e alas, sempre cambiantes. A intervenção da direção nacional tornava-se rotina – as chamadas “comissões de reestruturação” substituíam diretórios que supostamente deveriam ser eleitos. (...). A fragmentação do partido é assim resumida por Fernando Henrique Cardoso: “As disputas pela liderança interna do PTB a nível nacional e o clientelismo político de lideranças pouco comprometidas com os interesses políticos da massa de empregados e trabalhadores que o partido formalmente dizia representar fragmentaram o PTB paulista entre o personalismo e o prestígio de uns poucos líderes secundários e o controle da máquina pela Deputada Ivete Vargas”(1975)” (Benevides,1989:19);
d) Divisão do movimento sindical em São Paulo: “O PTB paulista envolve-se nas disputas políticas nos sindicatos e nas greves de trabalhadores, mas não consegue ter uma posição “hegemônica” no movimento sindical, dividido entre várias correntes e sob a forte influência dos militantes comunistas” (Benevides,1989:19);
Além do fator acima mencionado, qual seja, o de que a existência de várias vinculações políticas a que estavam associados os diversos setores do sindicalismo paulista ter impedido uma maior penetração do PTB no meio sindical de São Paulo, contribuindo assim para o não fortalecimento do trabalhismo getulista3 naquela Unidade da Federação, um outro fator que contribuiu para que o PTB não se consolidasse em São Paulo foi a forma pela qual essa agremiação política procurou representar os trabalhadores a ela associados. Segundo Benevides (1989:21), esse modo de representação manteve-se “no nível mais tradicional da representação política conhecida no Brasil: elitista, da cooptação pelo peleguismo, de maneira a formar, no máximo, um partido para os trabalhadores, e não de trabalhadores”;
e) O excesso de clientelismo praticado pelos dirigentes petebistas em São Paulo: “Além da fragmentação e das lutas internas, o PTB paulista destacou-se pelo mais explícito fisiologismo – entendido como as transações políticas visando a nomeações e benesses públicas, a transformação da política em negócio (e não negociação), a confusão consciente entre público e privado. O exemplo mais eloqüente desse fisiologismo é dado pela atuação, sempre eficiente, de Ivete Vargas – dona da máquina, pelo menos a partir de 1955, e dos contatos dos bastidores com políticos, empresários e governantes. Na sua visão, é claro, não se tratava de “fisiologismo”- mas da própria arte de fazer política (...) com competência, senso de oportunidade e até mesmo de dever” (Ibidem:25).
Isso vem a corroborar a caracterização feita no sentido de qualificar o PTB-SP como “fisiológico”, e o PTB-RS como “ideológico”;
f) O interesse dos dirigentes nacionais do PTB na debilidade do PTB paulista: “Os poucos analistas do sistema partidário em São Paulo, no período pré-64, são unânimes em apontar as “conveniências” da cúpula nacional do partido. Para Fernando Henrique Cardoso (1975), “o controle do trabalhismo por Getúlio Vargas e depois por João Goulart requeria, na luta interna do PTB, uma seção paulista relativamente fraca (...). Posto à margem o Partido Comunista, interesses nacionais, no caso do PTB, contrariavam as tendências favoráveis à constituição de um real partido de massas em São Paulo”.(...).
O PTB paulista não podia crescer e ameaçar a hegemonia gaúcha (Pasqualini, Jango, Ferrari, Brizola, Getúlio e família – o PTB era “feudo” dos gaúchos!)”(Benevides, 1989:22).
Além de Benevides (1989), Castro Gomes e D’Araújo (1989:38) também analisam o PTB paulista. Segundo elas, “São Paulo seria um caso notável de contradições. Sendo o Estado que possuía o movimento operário e sindical mais importante do país, tudo levaria a supor que o PTB paulista estaria fadado a ser um grande partido. Não é isso que ocorre. Contudo, esteve longe de ser um partido “fraco”. Foi sempre uma força política chave nas grandes articulações partidárias, quer a nível estadual, quer a nível federal. Mas nunca conseguiu grande sucesso eleitoral e teve que competir arduamente junto às massas trabalhadoras mobilizadas por outras lideranças como a do ademarismo e sobretudo a do janismo*.Isto, naturalmente, sem falar nos comunistas”.
*- Corresponde à característica b citada por Benevides.
6. O PTB e o Ministério do Trabalho
No Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (DHBB), no verbete que aborda o PTB, Beloch e Abreu assim descrevem o relacionamento entre o PTB nacional e o Ministério do Trabalho: “O veículo primordial para a organização do partido foi o Ministério do Trabalho. O titular da pasta em 1945, Alexandre Marcondes Filho, foi um dos seus principais organizadores, juntamente com José de Segadas Viana, Paulo Baeta Neves e outros igualmente ligados ao ministério e aos sindicatos. O partido tinha como base os sindicatos controlados pelo Ministério do Trabalho e utilizava-se do prestígio adquirido por Vargas graças à legislação social e trabalhista do Estado Novo para atrair as camadas populares, principalmente urbanas, para sua legenda” (Beloch e Abreu, 1984:2600).
Sobre o mesmo assunto, Castro Gomes e D’Araújo (1989) nos informam que as relações entre o PTB e o Ministério do Trabalho foram problemáticas no período entre 1946 e 1950. Segundo elas, “O grande arquiteto do suporte de massas que o PTB tivera fora o último ministro do Trabalho do Estado Novo, Alexandre Marcondes Filho, que, ao assumir esta pasta em meados de 1942, desenvolveu um amplo esforço sindical e doutrinário no meio das classes trabalhadoras. Portanto, o PTB, em sua dinâmica, não pode ser entendido sem um exame de suas relações com o Ministério do Trabalho e obviamente com a diretriz política aí dominante em relação ao movimento sindical.
É muito significativo que, já nas articulações para a eleição de Dutra em 1945, a pasta do Trabalho tenha sido o grande prêmio oferecido ao PTB por seu apoio eleitoral. Em decorrência, a partir desse acordo, a tradição firmada é que deveria caber aos trabalhistas a condução dessa importante área política. É compreensível, assim, que as aproximações e afastamentos entre o PTB e o Ministério do Trabalho sejam um indicador importante para a avaliação da força do partido e de sua tradução em termos de presença na política governamental”(Castro Gomes e D’Araújo, 1989:43 e 44). Ainda segundo as mesmas autoras, nenhum dos Ministros do Trabalho do Governo Dutra (1946-1951) “pode ser qualificado como um quadro do PTB” (Ibidem:44).
Desses argumentos, podemos concluir que o Ministério do Trabalho, devido ao controle que exercia sobre os sindicatos brasileiros em virtude da legislação outorgada no Estado Novo (1937-1945), que estabelecia a obrigatoriedade de reconhecimento das entidades sindicais pelo referido ministério, forneceu as bases eleitorais urbanas que fundaram o PTB, mantendo com esse último um estreito vínculo. Além disso, houve o fato de que, em algumas ocasiões, nos Governos da terceira República (1945-1954), a pasta do Trabalho foi destinada ao PTB, principalmente na segunda Administração Vargas (1951-1954), quando, segundo Beloch e Abreu (1984), Vargas relegou “ a um segundo plano o fortalecimento do PTB, que teve pouca expressividade na composição ministerial e recebeu apenas uma pasta: o Ministério do Trabalho, ocupado sucessivamente por Danton Coelho, José Segadas Viana, João Goulart e Hugo de Faria. Essa postura de Vargas, além de não proporcionar um fortalecimento do PTB, iria permitir a instalação de sucessivas crises no interior do partido ao longo de seu governo” (Beloch e Abreu 1984:2602). É importante registrar a passagem de João Goulart pelo Ministério do Trabalho, entre julho de 1953 e fevereiro de 1954, quando sua proposta de duplicação do salário mínimo, segundo Beloch e Abreu (1984:2603), provocou uma reação forte de setores conservadores e dos militares, que lançaram o “Manisfesto dos Coronéis”, causando, logo depois, a demissão de Jango por Getúlio.
Depois disso, ainda segundo os mesmos autores (1984:2603-2608), o PTB ocupou a pasta do Trabalho no Governo Café Filho (1954-1955), com Alencastro Guimarães, da ala conservadora do partido, no Governo JK (1956-1961), com José Barroso e Fernando Nóbrega, que não representavam a linha mais autêntica do PTB. Após a aprovação da emenda parlamentarista, em setembro de 1961, o PTB voltou a ocupar a pasta do Trabalho somente em 1962, no segundo gabinete parlamentarista, de Brochado da Rocha, com Hermes Lima. No terceiro e último gabinete parlamentarista, de Hermes Lima, o Ministro do Trabalho foi o petebista João Pinheiro Neto; no governo presidencialista de Goulart, do início de 1963 até a queda em abril de 1964, ocuparam o Ministério do Trabalho os integrantes do PTB Almino Afonso e Amauri Silva. Também vale a pena destacar que, nesse período, segundo Beloch e Abreu (1984:2605), um fator que tornava o Ministério do Trabalho estratégico, era o fato de este último “controlar os institutos de previdência social e as delegacias regionais do trabalho, de grande importância em nível local nos dissídios trabalhistas por categoria”.
7. O PTB e os sindicatos
De acordo com Castro Gomes e D’Araújo “Havia outro elemento da maior importância para sua (do PTB) performance política: suas bases sindicais.
Enquanto partido o PTB estava assentado nos sindicatos. Por orientação do próprio Vargas, os organizadores do PTB deram prioridade a esse tipo de quadro com o intuito claro de dar ao partido um cunho eminentemente sindicalista. Segundo José Gomes Talarico, um dos fundadores do PTB em 1945, as listas de assinaturas para criação do PTB foram colhidas “no instituto dos comerciários, nos industriários, por parte dos assegurados, no instituto dos marítimos, no Iapetec, enfim, nas organizações em que a presença do trabalhador era permanente” (...).
(...). Uma das mais expressivas figuras do PTB da Paraíba declara que neste Estado “não tinha um só presidente de sindicato, novo ou velho, que não fosse membro do diretório do PTB”. Em São Paulo, a situação se repete. A presença marcante de lideranças sindicais operacionalizaria, em termos práticos, a participação dos sindicatos diretamente naquilo que era a matéria prima do trabalhismo getulista 3: o trabalhador organizado.
(...). O que importa reter aqui é que o PTB surge como um partido que tem por função canalizar os esforços investidos pelo Estado Novo na organização sindical dos trabalhadores, e, nestes termos, ele foi bem sucedido.(...) o PTB foi o lado mais modernamente organizado da política trabalhista: os sindicatos tornavam-se as bases efetivas de um partido político” (Castro Gomes e D’Araújo, 1989:37 e 38).
A esse tema também se refere Benevides (1989;151): “Quanto à relação partido e sindicato – o que é também o ponto mais complexo – qualquer avaliação apontará para a ambigüidade , no plano doutrinário, e para o peleguismo, no plano da atuação concreta. O levantamento da presença do PTB no meio sindical e os depoimentos de petebistas revelam dados francamente comprobatórios do peleguismo insidioso, sobretudo dos membros da direção...”. A mesma autora escreve que “No trabalhismo getulista, o governo tutela e favorece os sindicatos – e os sindicalistas profissionais-, e os sindicatos acatam as orientações políticas do governo, inclusive , como foi o caso, o ostracismo dos comunistas. (...).No trabalhismo getulista o partido é o intermediário entre o governo e os sindicatos” (Ibidem:156).
8. A dissidência do trabalhismo – O Movimento Trabalhista Renovador (MTR) de Fernando Ferrari e outras divisões dentro do PTB (Grupo Compacto e parcelas do PTB que integraram a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e a Frente de Mobilização Popular (FMP))
8.1. O MTR de Ferrari
Fernando Ferrari, deputado federal pelo PTB-RS no início da década de sessenta, foi expulso do PTB, e fundou seu próprio partido, o MTR, motivado, principalmente, pela falta de espaço, no âmbito do trabalhismo gaúcho, para exercer sua liderança política. Nessa época, João Goulart e Leonel Brizola monopolizavam o exercício do comando do PTB-RS, vedando a possibilidade de ascensão de outros políticos à cúpula do trabalhismo. Fleischer e Bastos (1981:121) corroboram o argumento de início apresentado, informando que “Problemas como a ... concentração de poder partidário (em Jango e Brizola principalmente) foram motivos freqüentemente aventados por Ferrari para justificar...seus objetivos “renovadores””. Além disso, os mesmos autores nos informam que “Nosso argumento básico quanto às razões da cisão do MTR com o PTB consiste em que ela se dá frente ao progressivo estabelecimento da ala brizolista dentro do partido...” (Ibidem:116). Ou seja, o controle ostensivo da facção brizolista sobre o trabalhismo gaúcho estava asfixiando a liderança de Ferrari, que viu-se obrigado a dissentir do PTB e fundar sua própria agremiação política, o “trabalhismo renovador”.
Segundo Beloch e Abreu (1984:2339), Ferrari iniciou sua militância política no PTB do Rio Grande do Sul, por cuja legenda se elegeu deputado federal por duas vezes. Ao final do Governo JK, João Goulart, do mesmo partido de Ferrari, resolveu se candidatar novamente ao cargo de Vice-Presidente da República, cargo a que Ferrari também aspirava. Devido à impossibilidade de se candidatar pela legenda trabalhista, devido à candidatura janguista, Ferrari resolve se candidatar à Vice-Presidência pelo Partido Democrata Cristão, que apoiava, no que se refere à Presidência da República, o candidato opositor (Jânio Quadros) ao candidato do PTB, partido ao qual pertencia Ferrari, que era o Marechal Henrique Lott. Devido a essa situação, foi expulso da legenda trabalhista, e, em conseqüência disso, fundou o MTR em abril de 1962. Segundo os mesmos autores, “Ferrari, que segundo Thomas Skidmore fora “um dos mais ativos defensores do trabalhismo mais autêntico no seio do PTB, uma vez afastado desse partido, decidiu fundar o MTR, tentando assim resolver o impasse aberto por sua dissidência. Para o próprio Skidmore, Ferrari seria um talentoso militante do PTB levado a uma dissensão estéril que o conduziria a uma “bem intencionada, mas impotente tentativa de fundar um movimento trabalhista reformista” (Beloch e Abreu,1984:2339). Pode-se considerar então que Ferrari representava uma das vertentes da facção mais ideológica do trabalhismo, vinculada ao pensamento reformista de Pasqualini (a outra era a de Brizola e do Grupo Compacto, de orientação nacionalista e esquerdista), em oposição à ala fisiológica e clientelista do PTB, ligada às práticas do Ministério do Trabalho e a João Goulart, que fazia uma política de conciliação com as classes dominantes e com o PSD.
Ainda de acordo com o DHBB (pp.2339-2340), o MTR se posicionou contrariamente à Emenda Constitucional nº 4 à Constituição de 1946, aprovada pelo Congresso Nacional em setembro de 1961, e que instituiu o parlamentarismo no Brasil, reduzindo os poderes do Presidente da República, na seqüência dos acontecimentos posteriores à renúncia de Jânio Quadros, ao veto dos ministros militares à posse do vice-presidente Goulart e ao movimento pela Legalidade e investidura de Goulart na Presidência da República, liderado pelo governador Brizola no RS. Da mesma forma, o MTR posicionou-se a favor do presidencialismo e contra o parlamentarismo no plebiscito de 6/1/1963, no qual o Presidente João Goulart recuperou as prerrogativas a ele atribuídas pelo texto constitucional original.
Além disso, em termos programáticos, o trabalhismo renovador de Ferrari tinha as seguintes características:
a) Defendia a incorporação efetiva das massas rurais na vida da nação;
b) No que se refere à economia, propugnava a conciliação do liberalismo político com o dirigismo econômico;
c) Defendia a Doutrina Social da Igreja, estando de acordo com a encíclica Mater et magistra (Mãe e mestra - 1961), do papa Roncalli (João XXIII);
d) Pleiteava a reforma agrária (criação do regime jurídico do agricultor com sindicalização rural, a simplificação dos processos de legitimação de terras, financiamento sem juros a longo prazo para aquisição da pequena e média propriedade agrária);
e) Sustentava que era necessário controlar o capital estrangeiro e a remessa de lucros, estimulando o reinvestimento no país, além de manifestar-se contrariamente ao colonialismo e defender a criação de um mercado comum latino americano.
Com referência a esse assunto, Schmitt (2000:21) escreve que “Nascido como uma dissidência interna do PTB, o Movimento Trabalhista Renovador (MTR) foi organizado como uma sigla autônoma em 1959. Seu principal líder, o deputado federal gaúcho Fernando Ferrari, candidatara-se a vice-presidente em 1960, quando recebeu 19,4% dos votos. A única cadeira no Senado conquistada pelo MTR pertenceu ao ex-deputado federal petebista Aarão Steinbruch, no Rio de Janeiro”.
8.2. O grupo compacto, a divisão interna do PTB, e a participação de deputados trabalhistas nas frentes parlamentares
O grupo compacto “congregava parlamentares de tendências de esquerda que pretendiam manter uma linha de independência frente ao comando de Goulart e defendiam a implantação de reformas sociais a curto prazo, além de uma política nacionalista mais agressiva” (Beloch e Abreu,1984:2605).
Segundo os mesmos autores “Grosso modo, o PTB poderia ser dividido em duas grandes facções: um grupo ideológico, que procurava manter uma linha de independência em face do comando de Goulart, defendendo a realização de reformas de base4 de cunho radical e a adoção de medidas político-econômicas de caráter antiimperialista, e um grupo moderado, que aceitava a política de conciliação do presidente da República, postulando a realização de reformas sociais não radicais e defendendo uma maior aproximação com o PSD” (Beloch e Abreu,1984:2607).
Com referência aos integrantes petebistas das frentes parlamentares do início dos anos sessenta, principalmente a de mobilização popular e a parlamentar nacionalista, Beloch e Abreu escrevem que, ao longo do ano de 1963, “a ativa militância dos radicais do PTB ganhou força no partido, neutralizando os setores moderados. Os parlamentares petebistas Armando Temperani Pereira, Almino Afonso, Adão Pereira Nunes, Fernando Santana, Leonel Brizola e Sérgio Magalhães ampliavam continuamente sua atuação política, comandando as atividades da Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e da Frente de Mobilização Popular (movimento surgido em 1962 com o objetivo de pressionar em favor das reformas de base), com vistas a denunciar a política de conciliação do governo e exigir uma recomposição ministerial” (Ibidem:2609).
9. PTB – Do getulismo ao reformismo
Lucília Neves Delgado em seu livro “PTB, do Getulismo ao Reformismo” descreve a trajetória do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) de modo que, para esta autora, o PTB, desde o seu início, em 1945, até a morte de Vargas, em 1954, foi uma agremiação política cujo principal objetivo era o de preservar o legado varguista da legislação social e do trabalho, reunida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Após o falecimento de Vargas, o PTB foi assumindo uma postura cada vez reformista, no sentido da defesa de reformas estruturais substanciais na sociedade brasileira, principalmente a reforma agrária e a extensão dos direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais, as quais foram as principais causas da desintegração da aliança PSD-PTB.
O PTB inicial era fortemente caracterizado pelo clientelismo e pelo fisiologismo. A partir de 1952 e, com mais intensidade, a partir do suicídio de Vargas em agosto de 54, o PTB tornou-se mais reformista e ideológico. Durante o Governo JK, o PTB passou a defender propostas mais à esquerda, enquanto o PSD continuou atuando de modo conservador, pragmático e clientelista. Apesar da guinada reformista, o PTB continuou adotando posturas fisiológicas e clientelistas. Os petebistas mais à esquerda queriam realizar as transformações sociais pela via do reformismo, por dentro do próprio aparelho de Estado.
Entre 1958 e 1964, a aliança entre o PTB e o PSD foi se deteriorando e, no início da década de 60, os trabalhistas aliaram-se a outras organizações e partidos que defendiam a adoção, no Brasil, de um modelo social e econômico alternativo. No 2º Governo Vargas, a estratégia política em relação aos trabalhadores foi de cooptação e mobilização, ou seja, mobilização sob controle. A referida estratégia foi ambígua e contraditória. Jango procurou imprimir ao PTB um caráter de alternativa ao comunismo, defendendo a cooperação entre as classes sociais, neutralizando os conflitos entre essas classes.
10. Tendências ideológicas internas do ANTIGO PTB
Segundo Neves (2001: passim 178 a 203) identifica três tendências trabalhistas no interior do antigo PTB:
Os GETULISTAS PRAGMÁTICOS, cujas principais características eram o culto ao mito carismático de Getúlio Vargas como instrumento de mobilização política e social dos trabalhadores, e a luta pela manutenção da legislação trabalhista implantada durante o Estado Novo, cujo conteúdo esta na CLT.
Os DOUTRINÁRIOS TRABALHISTAS defendiam ideias relacionadas ao nacionalismo, proximidade à social - democracia, contraposição ao comunismo, maior identidade com o socialismo reformista, independência em relação ao aparelho burocrático do Estado e a projetos personalistas de quaisquer líderes políticos. Seus principais expoentes foram Alberto Pasqualini, Fernando Ferrari , Sérgio Magalhães e Santiago Dantas.
Os PRAGMÁTICOS REFORMISTAS, “adotavam as proposições discursivas do trabalhismo doutrinário e uma prática política que mesclava traços herdados do getulismo e do trabalhismo dos primeiros tempos, com uma renovação substantiva do próprio trabalhismo, que passou a se confundir/fundir com nacionalismo, reformismo e projeto de maior autonomia política dos trabalhadores. (...) Na verdade, todo esse caminho consubstanciou-se numa combinação de ideias e proposições que podem ser consideradas como integrantes de um trabalhismo social – democrata, o que se traduziu numa prática conformada, podemos assim dizer, pelos principais ingredientes do trabalhismo brasileiro: reformismo, nacionalismo, estatismo, assistencialismo e distributivismo.
11. Evolução da representação parlamentar trabalhista no Legislativo Federal (Câmara dos Deputados e Senado Federal – 1945 a 1964)
Segundo Schmitt (2000: 23), entre os anos de 1945 e 1962, no que se refere à Câmara dos Deputados, foram eleitos sob a legenda petebista, na primeira legislatura do período, 22 deputados, o que correspondeu a 7,7% do total de representantes, enquanto que, em 1962, foram eleitos 116 deputados (28,4% do total). Crescimento maior, relativamente aos quatorze partidos mais representativos da Terceira República, só teve o PDC (Partido Democrata Cristão). Após as eleições de 1962, no que tange à Câmara Federal, os três partidos mais importantes, PSD, PTB e UDN tinham, respectivamente, 28,9%, 28,4% e 22,2% da representação parlamentar, sendo o PTB o único dos três a apresentar crescimento no período. O PSD e a UDN tinham, em 1945, as seguintes participações, em percentual, das vagas na Câmara Federal: 52,8 e 29, respectivamente. Segundo o mesmo autor, “A trajetória do PTB, por sua vez, é inversa à do PSD: o partido foi crescendo progressivamente em ambas as casas legislativas. Na legislatura eleita em 1962, as três legendas já estão praticamente equiparadas dentro do Congresso” (Schmitt, 2000: 25).
Relativamente ao Senado Federal, de acordo com Schmitt (2000:24), o PTB foi o partido que teve o maior aumento de representação parlamentar. Na legislatura eleita em 1945, foram dois os senadores eleitos pela agremiação trabalhista (4,8% do total), enquanto que, no pleito de 1962, esse número foi de doze (26,7% do total) senadores eleitos pela legenda trabalhista. Também no que se refere a essa casa legislativa, houve um decrescimento das representações do PSD e da UDN, e um incremento da bancada trabalhista. Segundo Schmitt (2000:24), depois da eleição de 1962, o PSD passou a ter 35,6% das cadeiras do Senado (após o pleito de 1945, tinha 61,9%), enquanto que a bancada udenista, em 1962, correspondia a 17,8% do total de cadeiras, ao passo que, dezessete anos antes, detinha 28,6%.
Os dados acima expostos nos permitem concluir que, quando foi vitorioso o movimento militar golpista de abril de 1964, a legenda trabalhista estava em franca ascensão eleitoral no país, enquanto acontecia um processo de enfraquecimento político das agremiações conservadoras (PSD e UDN).
12. Conclusão
Sobre o Partido Trabalhista Brasileiro e sua atuação na Terceira República, podem ser feitas as seguintes considerações:
O papel do PTB era o de “garantir o funcionamento da política sindical do governo, que tinha como objetivo evitar os antagonismos de classe e promover a unidade e cooperação entre patrões e empregados, contemporizando nos conflitos sociais de forma a conter seus aspectos mais agudos e agressivos” (Beloch e Abreu, 1984:2605). Com este argumento concorda Bandeira (1978 e 1979). Com base nisso, verificamos um certo viés corporativista no trabalhismo, naquilo que se refere à tentativa de harmonização entre classes sociais antagônicas – trabalhadores e patrões, e seu caráter de instrumento de amortecimento das lutas de classe;
Para alguns autores, principalmente Benevides (1989) e Bandeira (1978 e 1979), uma forte razão para justificar a fundação do PTB foi a necessidade de restringir a influência do Partido Comunista nos meios sindicais urbanos;
Em relação à aliança PTB-PSD, à degeneração do quadro político brasileiro no início dos anos sessenta e ao próprio desenvolvimento do PTB entre 45 e 62, um aspecto interessante é o apontado pelo seguinte trecho do DHBB: “ O delineamento de um quadro de maior complexidade interna do partido, aliado à expansão eleitoral, começou por outro lado a acirrar as contradições entre o PTB e o PSD. O crescimento do PTB e sua penetração no campo começaram a evidenciar a inviabilidade da antiga aliança, na medida em que com isso eram solapadas as bases do PSD e subtraídos contingentes eleitorais e áreas de influência desse partido” (Beloch e Abreu, 1984:2606), ou seja, o PTB começou a ganhar eleitores nos redutos do PSD, localizados,principalmente,na área rural (talvez devido à atuação da esquerda do PTB e à sua pregação favorável à reforma agrária, à expansão do sindicalismo rural e à extensão dos direitos trabalhistas da CLT aos trabalhadores rurais), e isso inviabilizou o prosseguimento da aliança PSD-PTB, se constituindo numa causa relevante para o golpe de estado de 1964 e para a ruptura institucional dele decorrente;
O PTB – SP pode ser considerado como representativo da área fisiológica e clientelista do trabalhismo, enquanto que o PTB – RS como representante da suação ideológica, programática e doutrinária.
13. Complemento
Apesar desse trabalho ser referente ao período entre 1945 e 1964, julgo ser interessante traçar um rápido panorama sobre os acontecimentos que marcaram a trajetória do trabalhismo brasileiro, depois da implantação, em 1964, do regime ditatorial em nosso país.
O então “Presidente” Humberto de Alencar Castelo Branco, em 27/10/1965, por meio da edição do Ato Institucional n° 2, extinguiu os partidos políticos da Terceira República e instituiu o bipartidarismo compulsório no Brasil. O Governo passou a ser representado pela ARENA (Aliança Renovadora Nacional), e a oposição pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Segundo Schmitt (2000:35), dos 116 deputados do PTB em 1965, 38 (33%) se filiaram à ARENA, enquanto 78 (67%, dois terços), passaram a integrar o MDB. No caso do Senado Federal, dos 17 senadores do PTB, 6 (35%) se inscreveram na ARENA, e 11 (65%) se filiaram ao MDB. Dessa forma, pode-se concluir que a maior parte dos trabalhistas, cerca de 2/3, passaram a militar na oposição à ditadura militar, representada pelo MDB.
O bipartidarismo imposto pelo AI 2 foi finalmente extinto, segundo Schmitt (2000:47), “pela Lei n° 6767, de 20.12.1979, que reformou vários dispositivos da Lei Orgânica dos Partidos Políticos”. A reformulação do sistema partidário foi completada no primeiro semestre de 1980, e caracterizou-se pela dispersão das forças políticas oposicionistas em legendas diferentes, enquanto as situacionistas permaneceram unidas no PDS (Partido Democrático Social), sucessor da ARENA, exatamente conforme o desejo do General Golbery do Couto e Silva, formulador do processo de distensão lenta, segura e gradual, Chefe do Gabinete Civil de Geisel e, na época da reforma partidária, ainda ocupando a mesma função no Governo Figueiredo (Castro e D’Araújo, 1997:273 e 432).
Depois de quinze anos de extinção formal do antigo PTB, a divisão entre as facções fisiológica e ideológica do trabalhismo continuou. Segundo Schmitt (2000:49), “O antigo legado do trabalhismo varguista foi reivindicado por duas diferentes agremiações, que se envolveram numa disputa no TSE pelo uso da tradicional sigla do PTB. A legenda do novo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) coube afinal ao grupo moderado do velho partido, liderado por Ivete Vargas. O grupo reformista, capitaneado por Leonel Brizola, acabou fundando o Partido Democrático Trabalhista (PDT). O resultado da disputa entre as duas facções pela herança eleitoral do PTB foi, coincidentemente ou não, o da preferência do governo militar”. Ou seja, os fisiológicos ficaram com a antiga sigla.
Notas
Pelego é a denominação dada à manta que se coloca entre a sela e o dorso do cavalo, para facilitar a montaria, segundo Bandeira (1978). De acordo com Castro Gomes e D’Araújo (1989:78), significa a “designação comum aos agentes mais ou menos disfarçados do Ministério do Trabalho que atuam nos sindicatos operários”. O pelego seria “o trabalhador “seduzido” ou mesmo vendido ao poder do Ministério do Trabalho, atuando, como a pele de carneiro, como um “amaciador” de atritos, ou, numa visão mais crua, como uma espécie de traidor da classe trabalhadora”( Castro Gomes e D’Araújo,1989:78).
De acordo com o DHBB (na Internet), pelego é um “Termo utilizado para designar o dirigente sindical que defende as orientações do Ministério do Trabalho entre a classe trabalhadora, cumprindo assim o papel de intermediário entre os sindicatos e o governo. Em seu sentido próprio, a palavra designa a pele de carneiro que é colocada entre a sela e o corpo do cavalo com a finalidade de amaciar o contato entre o cavaleiro e o animal.
Na maioria das vezes os dirigentes pelegos transformam o sindicato em um órgão essencialmente assistencial e recreativo, evitando que sirva de canal para reivindicações de melhores salários e condições de trabalho. Em muitos casos, os pelegos mantêm sindicatos chamados "de fachada" ou "de carimbo", entidades sem existência real que vivem do imposto sindical obrigatório recolhido de cada trabalhador, sindicalizado ou não. Muitas vezes, a designação pelego é atribuída aos dirigentes das federações e confederações sindicais, que têm acesso direto Ministério do Trabalho e vivem à sua sombra”.
2) Populismo: Segundo o DHBB (na Internet), a definição de populismo é a seguinte: “O termo "populismo" é um dos mais controversos da literatura política, possuindo várias conotações. De modo geral, contudo, o termo tem sido utilizado, no Brasil e na América Latina, para designar a liderança política que procura se dirigir de modo direto à população sem a mediação das instituições políticas representativas, como os partidos e os parlamentos - ou ainda contra elas - apelando a imagens difusas como as de "povo", "oprimidos", "descamisados", etc. Em nossa história recente, líderes como Vargas, João Goulart, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Ademar de Barros, Leonel Brizola, e outros, foram chamados de "populistas".
Trabalhismo Getulista: Segundo Castro Gomes e D’Araújo (1989:81), é “o conjunto de leis e providências legais tomadas durante os Governos de Vargas visando à garantia de direitos aos trabalhadores e a regulação do mercado de trabalho”.
4) Reformas de Base: Segundo Beloch e Abreu (1984), são “Propostas de mudanças consideradas necessárias à renovação das instituições sócio-econômicas e político-jurídicas brasileiras que tinham como objetivo remover os obstáculos à marcha do processo de desenvolvimento do país. Essas propostas foram a base do programa de governo do presidente João Goulart (1961-1964), assumindo o caráter de bandeira política daquela gestão. As reformas consideradas prioritárias eram a agrária, a administrativa, a constitucional, a eleitoral, a bancária, a tributária (ou fiscal) e a universitária (ou educacional)”.
14. Bibliografia
Bandeira, M. Brizola e o Trabalhismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979;
___________. O Governo João Goulart. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978;
Beloch, I. e Abreu, A. Dicionário Histórico – Biográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 1984, e também versão disponível na Internet (2002);
Benevides, M. O PTB e o Trabalhismo – Partido e Sindicato em São Paulo (1945-1964). São Paulo: Brasiliense, 1989;
Campello de Souza, M. Estado e Partidos Políticos no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976.
Castro, A. e D’Araújo, M. Getulismo e Trabalhismo. São Paulo: Ática, 1989;
D’Araújo, M. e Castro, C. Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 1997;
Domingos, Charles, “Será o Populismo um Conceito operacional?”, revista do Corpo Discente do Programa de Pós Graduação em História da UFRGS, 2008;
Ferreira, J. , “Leonel Brizola, os nacional revolucionários e a frente de mobilização popular”, In: Ferreira, J. e Reis D. (orgs). “Nacionalismo e reformismo radical (1945-1964)”. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007;
Fleischer, D. Os Partidos Políticos no Brasil. Brasília: Unb, 1981;
Neves, Lucília. “Trabalhismo, nacionalismo e desenvolvimentismo: um projeto para o Brasil (1945-1964)”. In: Ferreira, J (org). “O populismo e sua história”. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2010;
Neves, Lucília. “PTB: do getulismo ao reformismo (1945-1964)” São Paulo, Marco Zero, 1989;
Partido Democrático Trabalhista (PDT) – Site na Internet – Parte referente à história do trabalhismo, 2002.
Schmitt, R. Partidos Políticos no Brasil (1945-2000). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
Publicado por: Carlos Frederico R. P. de Alverga
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