GENEALOGIA E EMERGENCIA DO KUNG FU LOUVA-A-DEUS: DA CRIAÇÃO IDENTITÁRIA AO ESTILO EM GOIÂNIA.
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1. RESUMO
Este trabalho perpassa pela genealogia histórica do wushu/kung fu, remontando suas origens conhecidas e as confrontando com os estudos a seu respeito a fim de elucidar a respeito de seu nascimento. A partir daí trabalhamos sua chegada ao ocidente com os primeiros relatos surgidos em meados do século XVII, a posterior chegada aos EUA e Brasil no século XX para desenvolvermos a construção de identidade do estilo Louva-a-deus de wushu na cidade de Goiânia através de estudos de formação identitária relacionados a práticas, representações, diferenças e pertencimentos. Por fim verificamos as possibilidades que a prática de artes marciais no ambiente das escolas e como elas colaboram para a formação do cidadão na educação brasileira.
Palavras-chave: Wushu, Identidade, Educação
ABSTRACT
This work goes through the historical genealogy of wushu / kung fu, going back to its known origins and confronting them with studies about it in order to elucidate about its birth. From there, we worked on its arrival in the West with the first reports that appeared in the middle of the 17th century, the later arrival in the USA and Brazil in the 20th century to develop the identity construction of the wushu mantis style in the city of Goiania through studies of identity formation related to practices, representations, differences and belongings. Finally, we verify the possibilities that the practice of martial arts in the school environment and how they contribute to the formation of citizens in Brazilian education.
Palavras-chave: Wushu, identity, education.
2. Considerações iniciais
Este trabalho apresenta como tema o Wushu/kung fu em que no primeiro capítulo passaremos por sua genealogia histórica a fim de introduzir os principais elementos sobre as suas origens e estudos que se relacionam também a seu aparecimento e difusão por todo o globo. A história dessa arte marcial ultrapassa a barreira dos milênios, se confunde com a própria história da China desde o seu início, passando por diversos conflitos militares, tornando se um símbolo da cultura, agregando para seu código de conduta pensamentos e formas de agir advindas do Budismo, Confucionismo e Taoísmo, tidos como os três eixos que conduzem a ética marcial chinesa se tornando um símbolo da cultura deste país, estes pilares de pensamento são abordados neste trabalho para entendermos como a ética marcial se formou ao menos de forma introdutória tomando como base autores como Mendonça e Antunes (2012), acadêmicos e praticantes da arte marcial chinesa.
O wushu/kung fu não ficaria por muito mais tempo sendo uma prática de conhecimento exclusivo dos chineses. O contato com o mundo Ocidental acontece em 800 a.c. na rota da seda, uma importante rota de comércio e de viajantes que ligava o mundo oriental ao ocidental, para o homem europeu o Oriente era e é um mundo místico, o contato com os povos de lá aumentaram a curiosidade a respeito de seus modos de pensar, suas religiões e é claro as práticas marciais que até então não eram de seu conhecimento. São os europeus que batizam a arte marcial chinesa de Kung Fu no século XIX, através de anotações de jesuítas viajantes que por algum problema de tradução entenderam que a expressão designava o nome da luta mas que na verdade foi uma tentativa de explicação por parte dos praticantes para dizer que estavam se aperfeiçoando através do treino. Para o chinês o nome literal para arte marcial é wushu ou em tradução mais livre, a arte da guerra. A partir aproximadamente deste período que o Ocidente começa seus estudos a respeito do mundo oriental o que Said (1990) chamou de Orientalismo, uma forma de se comparar com os povos orientais a fim de se afirmar como Ocidentais justamente pela diferença e uma crença de superioridade enquanto cultura.
A genealogia vai perpassar também pelo momento em que o wushu/kung fu chega com força aos EUA, através do cinema, diversos mestres que migraram para lá e outros países, a divulgação que a China passa a fazer da arte marcial a partir dos anos 50 do século XX, todos estes fatores corroboram para que essa prática também se enraíze no Ocidente seja como entretenimento ou conduta marcial propriamente dita.
É por volta da década de 50 que o estilo de wushu/kung fu que destacamos neste trabalho chega ao ocidente. O Louva-a-deus dentre os milhares de estilos criados na china é bem recente em comparação tendo por volta de 400 anos desde sua criação, essa que como o próprio kung fu tem suas origens envoltas em lendas que se confundem com os fatos. O Louva-a-deus chega ao Brasil por volta do ano de 1999 através do praticante e instrutor Samuel Mendonça, após a fundação da escola do estilo em nosso país um dos alunos que ingressa é Marcelo Gabriel que após ser aceito no estilo o traz para Goiânia – Go em 2000.
O segundo capítulo deste trabalho se foca inteiramente na construção de uma identidade do wushu em Goiás, mas especificamente em Goiânia, sendo o estilo Louva-a-deus o sistema que abordaremos a fim de destacar a importância que o mesmo veio construindo ao longo do tempo, se misturando com a cultura local através de trocas, apropriações e ressignificações de símbolos da cultura oriental pelos praticantes goianienses, tendo o instrutor Marcelo Gabriel como um dos fios condutores para essa criação identitária, já que em um paradigma de micro história ele é um agente que contribui com suas condutas em um espelhamento por parte de seus alunos que por sua vez replicam num contexto que vemos em Bourdieu como “habitus”, um ambiente que proporciona através da convivência uma construção social ou como no caso deste trabalho, uma construção identitária que vai se munir de modelos da identidade e diferença, e como uma só pode existir se houver o contraste com a outra, vemos essa ideia de contraste em Said, quando o mesmo destaca que o Oriente é uma construção ocidental para justificar a própria identidade.
Neste sentido também abordamos autores como Silva em Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais (2000), que corrobora com a ideia da criação de uma identidade a partir do reconhecimento da diferença de um indivíduo com o outro, ou mesmo diferenças entre grupos distintos, surgindo daí uma identidade que se consolida neste grupo através de práticas e representações, modelo que é abordado por Chartier, levando em conta que no mundo contemporâneo esse contato entre culturas geram uma mistura que por sua vez criam outra completamente nova e que incorpora valores das diversas sociedades participantes desse contato, ressignificando e atribuindo valores novos ou até mesmo consolidando antigos, forma de se pensar a identidade que Hall aborda em suas obras e que também nos utilizamos aqui.
Por fim este trabalho busca também consolidar a ideia de que a prática marcial como um todo beneficia o desenvolvimento do ser humano também dentro do contexto escolar, sendo que além do exercício físico ela também propõe um desenvolvimento interior, intelectual e reflexivo a respeito de si mesmo, propostas que vão ao encontro e andam lado a lado do que se pensa como processo de ensino aprendizagem previstos na Base Nacional Comum Curricular. O novo ensino médio proposto na BNCC abre portas para o inserimento das artes marciais para agregar no processo, agregando no desenvolvimento de atividades motoras, entendimentos de signos, valores e condutas que são importantes na formação do cidadão crítico e que possua autonomia para se inserir na sociedade.
3. Capítulo 1. Genealogia e emergência do kung fu
O kung fu é uma das artes marciais mais antigas já conhecidas e por isso muitas vezes considerada a mãe de todas as elas; sua história remonta à antiguidade do antigo oriente distante, sendo constantemente reelaborada do ponto de vista histórico dado que a história transcende a territorialidade chinesa. Suas origens então não se dissociam dos contextos do país onde nasceu e seu desenvolvimento se deu através dos diversos fatores sociais, culturais, filosóficos e morais que permeiam a sociedade chinesa. Assim para que possamos ter um entendimento de seus fundamentos temos que buscar de certa forma essa genealogia, o seu desenvolvimento através das guerras, mestres, intelectuais e governantes que direta ou indiretamente contribuíram para os entrecruzamentos dos galhos dessa arvore genealógica que cresce até os dias de hoje.
Abordaremos aqui um paradigma de genealogia histórica encontrada em Foucault que se desenvolveu a partir de Nietzsche para explicarmos o desenvolvimento enquanto prática marcial e cultural que se moldou dentro da sociedade chinesa desde os seus primórdios, sendo sua origem uma amálgama de fatores e conjunturas que contribuíram para seu desdobramento. No livro Vigiar e Punir de 1975, Foucault trata o poder disciplinar e da produção de “corpos dóceis e úteis” ,uma cultura que normatiza comportamentos em relação ao corpo dentro de uma sociedade, este conceito pode ser visto no desenvolvimento da arte marcial como veremos adiante em sua história e desenvolvimento, outro fator que é importante e de grande contribuição é a crítica que Foucault faz sobre a história das origens em seu texto “Nietzsche, a genealogia e a história”, que por muitas vezes traziam conceitos místicos para as origens, tons heroicos e pouco objetivos, fato que se aplica ao que se conhece a respeito das origens do kung fu e que também será visto aqui como uma das partes do construto que é a história dessa arte marcial, Foucault então desenvolve o emprego de termos, originalmente de Nietzsche, como Ursprung1, Entstehung 2e Herkunft 3, no qual o primeiro se refere a uma busca por essência das coisas, sua identidade; uma certa solenidade que glorifica as origens históricas; suposição de verdade na origem das coisas. Desta forma ele coloca sob suspeita esse tipo de origem pois ela possui ao seu olhar combinações de vários fluxos factuais que se misturam, pontos de discórdia e de enfrentamentos que contribuem para que se estude o começo de algo.
Fazer a genealogia dos valores, da moral, do ascetismo, do conhecimento não será, portanto, partir em busca de sua “origem”, negligenciando como inacessíveis todos os episódios da história; será, ao contrário, se demorar nas meticulosidades e nos acasos dos começos; prestar uma atenção escrupulosa à sua derrisória maldade; esperar vê-los surgir, máscaras enfim retiradas, com o rosto do outro; não ter o pudor de ir procurá-las lá onde elas estão, escavando os bas-fond; deixar-lhes o tempo de elevar-se do labirinto onde nenhuma verdade as manteve jamais sob sua guarda. O genealogista necessita da história para conjurar a quimera da origem, um pouco como o bom filósofo necessita do médico para conjurar a sombra da alma.
É preciso saber reconhecer os acontecimentos da história, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes vitórias, as derrotas mal digeridas, que dão conta dos atavismos e das hereditariedades; da mesma forma que é preciso saber diagnosticar as doenças do corpo, os estados de fraqueza e de energia, suas rachaduras e suas resistências para avaliar o que é um discurso filosófico. A história, com suas intensidades, seus desfalecimentos, seus furores secretos, suas grandes agitações febris como suas síncopes, é o próprio corpo do devir. É preciso ser metafísico para lhe procurar uma alma na ingenuidade longínqua da origem. (FOUCAULT, 1984, p. 19-20).
Ursprung então para Foucault não é o melhor termo para objeto da genealogia, para ele os outros dois termos designam melhor: Entstehung e Herkunft, traduzidos respectivamente significam emergência e proveniência e funcionam como operadores metodológicos das análises genealógicas. Então Entstehung designa emergência, o momento ou ponto único de um aparecimento de algo ou acontecimento que surge no resultado de confronto de forças e fluxos diversos. Herkunft seria a indicação do “tronco da raça”, pertencimento antigo a um grupo que perpassa por fluxos históricos e que se apresenta para nós com aspectos diferentes dos iniciais, mas mantendo aspectos de sua história, esta é a providência que segundo Foucault se encontra no ponto de articulação do corpo com a história. Em Vigiar e punir o filósofo francês fala de normalização e regulação de suas condutas, que são feitas através de dispositivos para a produção de corpos e de condutas aceitáveis segundo o que certa sociedade exige em um dado momento histórico, veremos que no desenvolvimento de sua história o kung fu passa pelo o que pode ser chamado de normatização do corpo através de práticas de fortalecimento e comportamentos morais que passam a ser bem vistos e aceitos dentro da sociedade chinesa a ponto do Estado representado por diversas dinastias passe a contribuir para a disseminação da prática como algo cultural, normal dentro do contexto em que a China viverá por vários séculos passando por mudanças, confrontos, aprimoramentos, desuso e renascimento.
Há que se ressaltar que para Foucault a normatização do corpo e a disciplina estão relacionadas com formas de sujeição das condutas cotidianas:
Segundo a linguagem de Foucault, encontramos uma microfísica do poder, com uma anatomia política do corpo cuja finalidade é produzir corpos úteis e dóceis ou, se quisermos, úteis na medida de sua docilidade. Com efeito, o objetivo da disciplina é aumentar a força econômica do corpo e, ao mesmo tempo, reduzir sua força política. (CASTRO. 2009. p. 112)
Portanto o poder disciplinar é entendido por ele no contexto ocidental como uma relação de dominação e adestramento nas estruturas da sociedade, noutra via a concepção oriental de disciplina em relação ao corpo do praticante de artes marciais chinês de pensamento Oriental tem a ver com uma disciplina ligada ao foco, concentração, aperfeiçoamento do corpo e também da mente através de uma prática disciplinar criada a partir das filosofias agregadas do Budismo, Taoismo e outras como Confucionismo, uma busca por perfeição das práticas. Tendo em vista essa ideia de disciplina Oriental aqui a normatização do corpo segue um entendimento de agregação benéfica para os indivíduos dentro deste contexto que não só se aplica ao Kung fu, mas como também percebemos se aplica na filosofia de vida da sociedade chinesa como um todo. Essa visão da busca pelo aperfeiçoamento constante é percebida dentro de escolas de artes marciais tradicionais. Como experiência própria nos anos em que treinei e fiz parte da escola de kung fu Espaço Lai essa ideia de disciplina está o tempo todo em evidência, tudo o que se pratica tem que ser repetido, observado, refletido para que sempre haja evolução como praticante, para que as técnicas estejam sempre as mais polidas possíveis, portanto, uma disciplina que normatiza o corpo e mente na busca do melhoramento constante e infindável.
O Kung fu [ 功夫] tem sua origem que remonta por volta de 4 mil anos pois há uma discussão a respeito da data exata, grande parte desta história mistura fatos e lendas a respeito de seus fundadores bem como origens, mas o que se sabe de mais preciso é que a prática teria sido desenvolvida no contexto das guerras entre tribos e da necessidade de se defender contra animais selvagens em um momento de formação das sociedades originárias. Antes de continuarmos é preciso elucidar alguns fatos a respeito da nomenclatura atribuída na tradição ocidental que damos a arte marcial chinesa. "Kung Fu é o termo que no Ocidente identifica popularmente as artes marciais de origem chinesa..." (Acevedo, Cheung. 2011, p. 14) a palavra kung fu (gong fu) se associa costumeiramente a arte marcial, ao ser traduzida temos um significado de algo como “trabalho árduo” ou “tempo de trabalho”, o primeiro ideograma significa ”trabalho manual”, o segundo indica “força” representada normalmente pelo caractere com a forma do arado, estes dois juntos podem ser traduzidos como “trabalho manual que exige força”, o terceiro indica” experiência, ser, individuo, pois é formado pelo ideograma de pessoa junto com dois traços horizontais que representam uma presilha, como se tivesse prendendo o cabelo. Juntos temos” um trabalho manual + força + pessoa experiente” = Kung fu (Gong Fu) = habilidade, trabalho árduo, esforço.
O termo na língua chinesa possui um sentido mais abrangente por denominar uma maestria em algo que só se alcança através de muita prática ou treino, como por exemplo um grande pintor que para executar uma de suas obras de arte antes despendeu muito tempo de estudos de cores, traços, materiais, treinou e repetiu os traços e pinceladas repetidas vezes para aperfeiçoar seu estilo, ou seja, kung fu (gong fu) denomina o aprendizado e aperfeiçoamento aliado a prática constante e incessante, portanto, a palavra usada corretamente para denominar a arte marcial chinesa então é a Wushu [武術], que significa “arte da guerra” ou “arte marcial”, aqui o primeiro ideograma significa ”dificultar, parar”, o segundo indica ”Ferramenta de Guerra”, juntos podemos traduzir como “Guerra ou Marcial”, o terceiro tem sentido de ”arte”, ao se juntar formam a palavra ”Arte da Guerra” = Wushu = “Arte Marcial”.
Existem poucos documentos encontrados que nos dão informações mais precisas a respeito das origens do Wushu, muito do que se sabe advém da cultura oral tradicional chinesa, mas ainda assim existem alguns documentos arqueológicos e escritos que nos dão algumas pistas a respeito das práticas de artes marciais na china como nos dizem Acevedo e Cheung:
Outro documento bastante importante foi descoberto apenas em 1973, na província de Hunan, no sudeste do país. É uma pintura em seda na qual se podem ver 44 imagens de pessoas realizando uma série de exercícios com e sem armas. Essas figuras são acompanhadas por uma breve descrição, a qual sugere que podem estar imitando diferentes animais, como o urso, a cegonha, o macaco, o falcão, a águia, o dragão, etc. Alguns dos exercícios ilustrados são alongamento, flexões de joelho, flexões laterais e rotações de tronco, saltos e exercícios respiratórios. A arma que algumas das figuras parecem mostrar é o bastão longo (gun). Não há um consenso sobre o significado dessas imagens; para uns, trata-se de um manual de Kung Fu, enquanto para outros é apenas uma série de exercícios de ginástica (dao yin). Essas imagens datam da dinastia Han do Oeste (206 a.C.-24 d.C) sendo, portanto, o "guia" de exercícios mais antigo encontrado até hoje na China. (ACEVEDO, CHEUNG. 2011. p. 29)
Uma das origens das artes marciais chinesas mais aceitas é a que Chung (1997) 4descreve que na região norte da China por volta de 2698 a.c ao longo do rio amarelo existiam quatro grupos ou clãs, os Xia, os Jiang, Li e Yi. Estes clãs lutavam entre si em constantes disputas por território até o momento em que o equilíbrio das disputas começa a se desbalancear com a chegada de um novo líder do clã Xia ao poder, seu nome era Xuanyuan, ele liderou os Xia para a vitória contra os Jiang, formando uma aliança com estes e também com os Yi para que pudessem derrotar o clã dos Li comandados por Chiyou. Os guerreiros de Chiyou usavam em suas cabeças uma espécie de capacete que tinham chifres de animais em sua estrutura e os utilizavam para ferir seus inimigos, além também do uso de armas mais primitivas como lanças de madeira e machados de pedra. Esta tática de combate obrigou Xuanyuan a desenvolver técnicas que fossem eficientes contra os métodos utilizados pelos Li. Xuanyouan e seus aliados foram vitoriosos sendo ele intitulado como Huangdi, (imperador amarelo). As técnicas utilizadas nestas batalhas deram origem a uma arte marcial chamada Jiao Di, um combate que utilizava golpes feitos com capacetes de chifres que conforme Cheung e Acevedo, Guitierrez na obra Breve História do Kung Fu. (2011), é antecessor ao Suai Jiao, um outro tipo de combate semelhante ao Judô japonês.
Com o desenvolvimento do conhecimento do homem em relação a manipulação de metais surgem novas armas e instrumentos. Durante a dinastia Xia (2100 – 1600 a.c) são criadas várias armas de bronze, neste mesmo período surgem as primeiras escolas de tiro com arco, com estes avanços técnicos a sociedade começa a se desenvolver e expandir seus territórios, desta forma a necessidade da criação de tropas mais organizadas e efetivas tornava se mais urgente. Durante a dinastia Shang (1600 – 1100 a.c) o carro de batalha de duas rodas e o arco e flecha se tornam as principais armas, assim dando a essa arte marcial um status de predominância neste período. O crescimento militar fez se necessário o desenvolvimento de rotinas de treinamento para tornar as tropas mais aptas para o combate e as dificuldades da guerra, conforme Acevedo e Cheung:
“Entre 1100-256 a.C., as tropas chinesas praticavam rotinas (formas) com armas como forma de treinamento; em 476-221 a.C., o Kung Fu era conhecido como habilidade de ataque, e em 202 a.C.-220 d.C. era usado para referir-se à técnica de combate sem arma...” (ACEVEDO, CHEUNG. 2011, p.29)
Surgem também as danças militares5 (danças para incentivar os soldados antes das batalhas), também se desenvolvem os estudos sobre a guerra e o conhecimento sobre o inimigo, tendo neste sentido temos como maior expoente o livro clássico de Sun Tzu “Arte da guerra” que é estudado até os dias de hoje.
Além do aperfeiçoamento de pontas de flechas para arcos já usados - que também sofrem alterações com o desenvolvimento progressivo da metalurgia tornando o ferro um material mais fácil e barato de ser trabalhado novas armas são criadas como a espada de dois gumes, alabardas, lanças e armaduras Em 221 a.c a China passa por um momento muito violento que culmina em sua unificação sob o poder de Qin Shi Huang o qual durante o seu reinado promove as artes marciais militares na forma de espetáculos esportivos e da exigência da prática no meio militar, a religião neste mesmo período sofre mudanças, ganha um ar místico, a sociedade neste momento buscava além do bem estar e saúde, a imortalidade através de orações e encantamentos ou para quem possuía maior poder aquisitivo, compravam pílulas milagrosas e procuravam por Txiv Neeb6, conhecidos aqui no ocidente como Xamãs espirituais, esta mudança fará com que a arte marcial incorpore filosofias de grandes pensadores logo mais a frente.
O ferro dá lugar ao aço em 206 a.c, período da dinastia Han, neste mesmo período a China passa a ser constantemente atacada por uma tribo que situava ao norte, seus homens possuíam cavalos ágeis, armas curvas com um fio apenas, os ataques se tornam um problema ao império, três grandes batalhas são travadas até que o império saia vitorioso, as armas de um gume usadas pelo inimigo são adotadas pelos chineses, são criados sabres de empunhadura para duas mãos, mais uma vez a arte marcial se desenvolve acompanhando o desenvolvimento armamentista. Como era de costume na dinastia anterior, a dinastia Han dá prosseguimento a espetáculos esportivos de arte marcial desarmada tornando o conhecimento de luta desarmada dentro do meio militar algo de extrema importância, tanto que era indispensável para se alcançar certas patentes.
A dinastia Han chega ao fim e começa um período muito importante para a história chinesa, conhecido como três reinos, período extremamente violento no qual comportou batalhas entre diversos clãs, este período é retratado no Romance dos três reinos de Luo Guanzhong. (2006) no século XIV e ocorreu entre 220 e 280 d.c. e para a arte marcial foi um solo extremamente frutífero, pois as técnicas de batalha de mãos livres ou armadas ganham uma impulsão devido as disputas, grandes heróis surgem das histórias das batalhas e dessas histórias as lendas. Normalmente difundidas oralmente, como é da tradição chinesa as lendas ganham corpo e se fundem a aspectos da história e cultura chinesa. Segundo Lima (2000)7, não eram poucos os casos em que na mudança de poder os imperadores que chegavam ao trono ordenavam a destruição de todo patrimônio cultural relacionado ao anterior para escrever a partir de si uma nova história chinesa.
A China então passava por um momento no qual a população sofria grandes perdas humanas, sofrimento por falta de alimento ou proteção contra invasões de clãs inimigos ou bandidos. Romances e histórias sobre as guerras, batalhas, guerreiros lendários, generais com habilidades inalcançáveis nas artes marciais e conhecimentos de tática que levavam suas tropas a vitória de forma heroica começaram a ganhar muita popularidade, um exemplo de grande figura venerada até os dias de hoje nas artes marciais e na cultura do país é a do General Kwan Kun (Guan Yu) que viveu durante o período dos três reinos sendo ele um dos principais personagens deste período ao lado de outros grandes heróis, o general possui diversas lendas a respeito de seus feitos em batalhas e a respeito de seu código de moral e lealdade inabaláveis, estatuetas dele empunhando uma grande lança com ponta de facão de um lado e uma lamina perfurante do outro conhecido como Kwuan dao (Guan Dao) “lâmina do general” são encontradas em praticamente qualquer escola de artes marciais chinesas tradicionais, ele é considerado o patrono e protetor do wushu, também é considerado uma divindade na cultura chinesa, na qual ter a sua imagem8 dentro de casa atrai grande sorte e fortuna. Aqui percebe-se que a figura do general herói é extrapolada o tornando imortal, uma divindade que só possui virtudes a serem seguidas. Brotam outras histórias e lendas sobre eremitas Taoístas ou Confucionistas que viajavam solitariamente lutando para ajudar os mais fracos ou abatidos em batalhas, lutando contra ideais do império, os quais também ganham força e popularidade, um exemplo de tal figura que é citado do por Acevedo, Gutierrez e Cheung é o do imortal Zhang Sanfeng, conhecido por ser o criador do Taiji quan (Tai Chi). Em 1393 Zhang teria falecido em um mosteiro, mas a lenda diz que no instante que seus discípulos o iriam enterrar ele volta a vida se tornando dessa forma um imortal.
Na história do wushu e da China antiga é importante destacar o papel das ideias de filósofos como Lao-Tsé (604-517 a.c.) precursor do Taoísmo e autor do importante livro Tao Te Ching, neste pequeno livro existem poemas curtos que professam a longevidade e autoconhecimento através do Tao (caminho), ensinamentos como: “Conhecer os outros é inteligência, conhecer-se a si próprio é verdadeira sabedoria. Controlar os outros é força, controlar-se a si próprio é verdadeiro poder”, esta frase se conecta muito diretamente com o que se tenta alcançar enquanto praticante de wushu, pois a prática é uma eterna busca pelo equilíbrio e dominação do corpo através da meditação e treinos físicos, neste sentido cito outra frase que guia este código de conduta, “Quem conhece os outros é sábio; Quem conhece a si mesmo é iluminado.”, o Taoismo se torna parte integrante na prática das artes marciais nas quais as virtudes apontadas por Tsé são seguidas como uma a conduta do guerreiro e do mestre das artes marciais, destaco mais um de seus poemas para se entender como a filosofia taoísta se funde a filosofia da prática marcial chinesa.
A existência e a inexistência geram-se uma pela outra. O difícil e o fácil completam-se um ao outro. O longo e o curto estabelecem-se um pelo outro. O alto e o baixo inclinam-se um pelo outro. O som e a tonalidade são juntos um com o outro. O antes e o depois seguem-se um ao outro. Portanto o Homem Sagrado realiza a obra pela não-ação. E pratica o ensinamento através da não-palavra. Os dez mil seres fazem, mas não para se realizar. Iniciam a realização, mas não a possuem. Concluem a obra sem se apegar. E justamente por realizarem sem apego. Não passam (TSÉ. 2011. p. 19)
Aqui temos os conceitos de equilíbrio Yin e Yang que conduzem todo o pensamento taoísta e por sua vez a prática das artes marciais. Outro grande pensador que influenciou o pensamento e a conduta marcial é Confúcio (551- 479 a.c.) precursor do e autor de outro clássico Os Anacletos. O Confucionismo se baseia na humanidade se orientando em diferentes níveis de honestidade, Confúcio diz que os homens são semelhantes, mas que suas condutas são condicionadas pela prática e pelo estudo, portanto na prática são diferentes entre si, não nasce bom ou mau, portanto, o confucionismo pregava uma filosofia de redenção mediante a correção do comportamento individual.
“O Mestre é cordial embora severo, inspira autoridade sem ser bravo e é respeitoso ao mesmo tempo em que é tranquilo.” (Confúcio. 2009 p. 65), essa ideia de aperfeiçoamento através do equilíbrio e da correção dos erros é amplamente praticada dentro do núcleo das artes marciais chinesas, cujo a busca pelo aprimoramento é constante, “Em se tratando de cavalheiros determinados e homens de benevolência, ao mesmo tempo em que é inconcebível que busquem permanecer vivos sacrificando a benevolência, pode acontecer que tenham de aceitar a morte para conseguir realizar a benevolência.” (CONFÚCIO. 2009 p. 97)
Confúcio dá embasamento filosófico que sustenta as condutas do wushu que se complementam as ideias disseminadas pelo taoísmo pois as duas correntes priorizam o equilíbrio entre opostos como Confúcio diz:
A existência e a inexistência geram-se uma pela outra
O difícil e o fácil completam-se um ao outro
O longo e o curto estabelecem-se um pelo outro
O alto e o baixo inclinam-se um pelo outro
O som e a tonalidade são juntos um com o outro
Portanto o homem sagrado realiza a obra pela não-ação
E pratica o ensinamento através da não-palavra
Os dez mil seres fazem, mas não para se realizar
Iniciam a realização, mas não a possuem
Concluem a obra sem se apegar
E justamente por realizarem sem apego
Não passam. (CONFÚCIO. 2009, p. 121)
Os dois pensamentos têm como princípio o alcance da imortalidade através de ações que levam ao equilíbrio de todas as forças do universo, conhecido como Yin (feminino) e Yang 9(masculino) presentes na natureza. Os seguidores buscam alcançar o equilíbrio de diversas formas como por medicina, estudos da alquimia, meditação, fortalecimento do corpo, conceitos presentes e intrínsecos no wushu, que sempre busca o equilíbrio entre mente e corpo assim adotando estas filosofias em suas rotinas de treinamento e seus códigos de conduta.
Mendonça e Antunes (2012) discutem o tema dessa ética trazendo com eles explicações de como ela está intrínseca no pensamento chinês e nas artes marciais. Segundo eles a ética marcial praticada na China se alicerça nestes três pilares de pensamento, apontam para uma educação de si próprio. Mendonça e Antunes (2012) afirmam que quem protagoniza esta ética, busca uma reflexão sobre si mesmo a fim de alcançar a superação, uma excelência por meio da autocrítica.
Os três pilares ou eixos de pensamento que desenvolvem a ética marcial chinesa são O taoísmo, o confucionismo que foram brevemente apresentados acima e o Budismo, os quais fornecem o norteamento relacionado às ações éticas dos praticantes de artes marciais, cada uma tendo sua parcela de contribuição que foi maior ou menor conforme o contexto político ao longo do tempo ao passo que governantes se sucediam no poder dando maior importância a uma doutrina ou outra dependendo de qual o Imperador praticava.
O taoísmo dentre estas doutrinas está entre as mais antigas da China, Sendo Lao Tsé considerado o seu maior expoente sistematizando os conhecimentos da doutrina. O entendimento do Taoísmo só é possível se houver o compreendimento do conceito chinês do Tao (Dao). A palavra significa caminho, mas não um caminho como uma estrada que leva a algum lugar, diz respeito ao caminho da própria natureza. Para os chineses a manifestação do Tao se dá por meio da harmonia, da ordem que se percebe o universo através de estudos dos astros,
Aplicando o conceito do Tao a assuntos humanos, os chineses acreditam que existe um modo natural e correto para realizar todas as coisas, e que tudo e todos têm seu devido lugar e sua devida função. (MENDONÇA e ANTUNES. 2012. p. 41)
O Confucionismo é encarado mais como uma filosofia já que Deus é pouco abordado por seu fundador, mas também é uma doutrina que teve grande influência quanto as questões morais. Confúcio coloca ênfase na conduta do homem, na educação e na moral que podem ser vistos em duas perspectivas, a primeira diz respeito ao temor reverente que ele tinha a um poder espiritual supremo e cósmico, o qual os chineses chama de Tien, ou Céu, considerado toda a fonte de virtude, moral, a bondade a vontade que dirige todas as coisas. O segundo aspecto era que Confúcio dava grande importância as cerimônias de adoração aos céus e espíritos ancestrais. A harmonia deve ser buscada dentro de si próprio para depois externalizar e assim gerar equilíbrio nas relações humanas.
O terceiro eixo a ser aqui abordado é o Budismo. Segundo Dalai Lama (2001) Sidarta Gautama que viveu no norte da Índia durante o VI século a.C. foi o fundador histórico do Budismo. Ele veio a perceber que a adoção de medidas extremas como as que ele mesmo praticou ao renunciar seu status e adotar o método do desprendimento extremo era tão improdutivo como a vida que levava antes cheia de fartura. Assim ele adotou o chamado “caminho do meio”, que evitaria os extremos que seguira antes. Ele se decide que a resposta deve ser encontrada dentro de sua própria percepção e ao se sentar de baixo de uma figueira para meditar teria encontrado a iluminação. A terminologia budista determinou que Gautama se tornou o Buda, ou iluminado, desperto, atingindo o objetivo final de sua busca, um estado de iluminação perfeito chamado Nirvana, este estado leva a paz, liberta dos desejos e dos sofrimentos. O ensinamento budista então indica sempre a escolha pelo equilíbrio, o “caminho do meio” e busca por conhecimento dentro de si.
Apara além dos três eixos que norteiam a ética marcial existe a contribuição de grande parcela exercida por Sun Tzu, para ele os princípios da arte marcial são fundamentados no ser humano e suas características naturais, relações sociais e com a natureza. Em A arte da guerra (2005) ele apresenta fatores que são importantes para o grande estrategista. São eles, a Lei Moral, o Céu, a Terra, o Chefe, o Método e a Disciplina.
A moral é a que leva a sociedade a trabalhar para um bem em comum, conviver em harmonia, seguindo o governante em qualquer direção que ele determine. O céu e a terra são relacionados a importância do conhecimento da natureza, como se integrar com ela. O chefe é a representação para Sun Tzu da concretização das virtudes sociais, o exemplo a ser seguido, pois o sujeito que deseja seguir um determinado comportamento de outro deve em primeiro lugar realizar estes comportamentos dentro de si. Por fim o método e disciplina representam a organização, distribuição de tarefas por competência, uma responsabilidade com as coisas materiais, ou seja, uma administração coesa.
Mendonça e Antunes (2012) acrescentam que ética marcial, chamada por de wude “é síntese do pensamento chinês aplicado às artes marciais” uma conduta que não se aplica apenas a quem pratica a arte marcial, se aplica a qualquer pessoa.
A história do wushu se liga também a chegada de Bodhidharma, na verdade é um mito que fala sobre um monge do Irã que vai para a China por volta do século V, mais precisamente no monastério do templo Shaolin que se situa nas províncias de Honan, vindo da Índia para ensinar aos monges do templo uma nova forma de meditação, uma que trouxesse mais equilíbrio estático sendo que a mesma precisava de um certo condicionamento, assim tornou-se necessário ensinar formas diferentes de respiração e meios para adquirir mais resistência física por viverem em uma região extremamente acidentada em meio as montanhas e também afastada. Importante também ressaltar que os monges precisavam saber se defender de bandidos ocasionais comuns naquelas regiões, neste caso para estarem aptos a esse modo de vida Bodhidharma os ensinou técnicas que tinham princípios advindos do Vajramushti, arte marcial indiana no qual era versado. Origina se daí o Budismo Ch’na, assim chamado pelos chineses ou Zen budismo como ficou conhecido no Japão.
Este novo tipo de budismo apresentava aspectos do Budismo indiano, do Taoísmo e do Confucionismo. Essa história é tratada como uma lenda já que não há indícios de que Bodhidarma tenha atuado no mosteiro citado apesar de se saber que ele de fato passou pela região, essa ligação segundo autores como Shahar, Marcelo Antunes e Zica teria sido criada pelos próprios monges séculos depois para justificar sua importância na sociedade, com isso acabaram por criar uma memória que se perpetuou com bastante sucesso se utilizando de reafirmações propagadas por gerações e posteriormente na construção de documentos que foram produzidos depois do século VII.
Embora Bodhidharma tenha de fato passado pela região próxima de Shaolin, nas décadas iniciais dos anos 500, não há evidência alguma de sua atuação específica naquele mosteiro. Os primeiros registros escritos que falam da presença do monge indiano, guardadas nos arquivos da instituição datam de quase duzentos anos depois de sua suposta passagem pelo monastério. Estudiosos têm apontado que Bodhidharma esteve na cidade de Luoyang e em mosteiros mais próximos dessa localidade, mas não em Shaolin. A ligação ente Bodhidharma e Shaolin parece ter sido forjada pelos próprios monges daquela instituição com o fim de justificar sua importância perante a população. Ter abrigado, em seus primórdios, o próprio fundador do Budismo Chan era algo que enaltecia aquela agremiação monástica. A história foi sendo reafirmada em outros documentos produzidos nos séculos posteriores ao século VII, até ser construída, em 1125, uma estátua de Bodhidharma em lugar especial do monastério. Nessa disputa sobre a memória, os monges Shaolin foram vitoriosos e conseguiram assegurar, com relativo sucesso, a versão de que Bodhidharma estaria associado aos mitos de fundação do Mosteiro. A ideia de que Bodhidharma tivesse ensinado exercícios marciais aos monges Shaolin, no entanto, não aparece em nenhum desses documentos, produzidos pelos internos séculos depois da suposta passagem daquele monge na instituição. (ZICA, 2012, pp. 169-170)
A partir desse mito da criação se disseminou o nascimento da arte marcial Shaolin ch’anfa, também chamada por boxe do Templo de Shaolin, sendo estas modalidades as matrizes de muitas outras artes marciais chinesas e também japonesas.
O templo Budista de Shaolin, foi construído durante a dinastia Wei do Norte por volta de 495 d.c. e deve isso ao imperador Xiao Wen que cedeu fundos para construção do templo que foi construído no Monte Shoashi o qual é composto por outros cinco outros montes considerados sagrados, a montanha oriental Taishan (Supremacia), montanha ocidental Huashan (Esplendor), a meridional Hengshan (Equilíbrio), setentrional Heengshan (Consciência) e a Montanha central Songshan (Eminência) esta última composta por mais dois montes o Shaoshi e Thaishi.
Monges Shaolins ganharam grande notoriedade por causa de suas técnicas e grande capacidade de combate, a forma com que se desenvolveram nas artes marciais os tornaram lendários e parte da história do país. Os primeiros relatos a respeito das técnicas que eram peculiares ao templo emergiram no século XVI durante ataques de piratas chineses e japoneses. As técnicas de fortalecimento eram desenvolvidas para uma musculatura, estrutura óssea e um sistema cardiovascular mais forte e resistente para que pudessem passar por horas em meditação estática, prática comum no Budismo. Como foi dito antes, o templo era afastado das cidades, a mais próxima estava a cerca de 55 quilômetros de distância, tornando o templo um alvo fácil para saqueadores, bandidos ou mesmo exércitos que viam o lugar como ponto estratégico para a colocação de bases militares, neste período a população civil não podia portar armas o que também contribuiu para a difusão da luta desarmada.
Muito da fama dos monges guerreiros advém de lendas que perduraram através do tempo, mas existem alguns resquícios históricos que ajudam a entender como fora construída essa fama como é no caso dos estudos de Shahar, M. em The Shaolin monastery history, religion and chinese martial art (2008), no qual ele relata o achado de sete textos datados entre 621 e 728 d.c, sendo os mais longos datados de 728, os quais foram escritos por um oficial sênior chamado Pei Cui, ele relata histórias a respeito do mosteiro que ocorreram entre 605 e 616 expondo que na região haviam vários bandidos e ladrões que saqueavam as populações e os templos, obrigando os monges a se defender como podiam, outro relato importante revela um valor territorial de certas partes do templo no sentido estratégico para comunicação com a cidade de Louyang, capital do império neste período.
O significado estratégico do vale do cipreste de shaolin explica por que Wang Shichong e Li Shimin estavam ansiosos para capturá-lo. Pei Cui enfatiza que Wang se aproveitou da situação estratégica da propriedade, colocando uma torre de sinalização e tropas lá. Além disso, o rebelde Sui empregava o vale do cipreste para uma administração local. Ele estabeleceu uma sede no país, chamada Huanyuan, como a montanha acima dela. Foi o centro militar e administrativo que os monges shaolin conquistaram, ganhando a gratidão do futuro imperador tang (SHAHAR. 2008. p. 26).
Sui o general que se autoproclamou imperador da dinastia Zheng e inimigo de Shimin, imperador da dinastia Tang, teria estabelecido base na região. O confronto eminente fez com o que os monges discutissem qual lado teria a graça divina para que pudessem tomar partido de algum dos lados no embate, por fim se aliando ao lado de Li Shimin.
A partir daí a participação de monges não só do templo Shaolin no meio militar se torna cada vez maior, é importante salientar que os monges eram e são praticantes da religião ou doutrina budista que por sua vez é pacifista e considera a vida sagrada, o que nos faz perguntar do porquê eles lutarem em guerras entrando em contradição com suas doutrinas ao adotar a violência. Shahar explica que as atividades militares dos monges de Shaolin não são encontradas nos cânones budistas nos levando a crer que seria uma forma de encobrir a violação dos ensinamentos budistas, outra justificativa era a figura mitológica de Jinnaluo, um deus que teria se revelado para proteger o monastério de um ataque de bandidos, os expulsando com técnicas extraordinárias de bastão, dando as técnicas de bastão treinadas nos monastérios um caráter de origem divina, neste sentido eles apenas estariam honrando uma de suas divindades ao praticar artes marciais e se defender.
Outro fato que contribui para a atribuição da criação de artes marciais ou difusão das mesmas pelos Shaolin são as grandes extensões territoriais de seus templos e seu isolamento, o que atraia alguns estudantes de exames imperiais que usavam essa região para praticar e alguns mestres em busca de calmaria e reclusão que também povoavam a região a fim de ensinar seus discípulos, além de mestres e ou praticantes de outros estilos de luta que buscavam provação e reconhecimento e por isso visitavam os monges em busca de aperfeiçoamento ou fama ao derrotar um deles em combate por desafio, desta forma a relação dos templos com as artes marciais foi ganhando mais força conforme estas histórias chegavam ao conhecimento da sociedade.
Após a passagem da dinastia Tang o período conhecido como “As cinco Dinastias” 907 - 960 d.c. se inicia a dinastia Song 960 – 1279, em seu final o uso da pólvora começa a se tornar bélico, desta forma o desenvolvimento das técnicas militares com a mesma colocam o wushu em perspectiva, enfraquecido neste meio, mesmo assim as rotinas de treinamento para o fortalecimento do corpo é mantida, o wushu se difunde mais agora entre a população mesmo que ainda continue se desenvolvendo bastante no meio militar não sendo mais a principal ferramenta de combate e se tornando uma prática muito mais importante na questão de defesa pessoal e também como entretenimento.
Em 1279 a China é dominada pelos mongóis sob o comando de Kublai Khan conhecida como a dinastia Yuan. Este período foi marcado nas artes marciais pela proibição do Kahn em relação as suas práticas pela população, confiscando armas cerimoniais, forçando as mesmas a serem feitas de madeira, papel ou barro, neste período a arte marcial se torna marginal, praticada as escondidas, sobrevivendo em sociedades secretas, a pratica de arte marcial neste ponto passa a ter um cunho político, filosófico e cultural sendo um símbolo de resistência a invasão estrangeira.
A dinastia Yuan perdurou até 1368 quando foi derrubada por uma revolta popular que instaurou a Dinastia Ming (1368 – 1644), consigo a Dinastia dá início a renovação cultural da China, o mercado se expande ganhando os mares do oceano Índico, o porcelanato acompanha a expansão. O exército se reconstrói, aumenta o recrutamento de soldados, as artes marciais passam ter um olhar de caráter mais teórico, são produzidos pergaminhos que continham técnicas de combate com armas e mãos livres ganhando nomes para elencar suas peculiaridades.
A dinastia Quing é a última dinastia imperial da china e perdura por 268 anos (1644 – 1912). O movimento contra estrangeiros continua forte durante este período, encabeçado por diversas sociedades secretas que continuavam a existir, uma das mais famosas é a “Sociedade dos punhos harmoniosos e justiceiros” que lutou contra os imperialistas em um conflito conhecido como a “Guerra dos Boxers” durante os anos de 1899 a 1900.
A China é comandada pelos Manchus, uma sociedade nômade que conseguiu criar um estado unindo quatro facções. A prática do wushu ainda era proibida para os civis enquanto as sociedades secretas ganhavam mais notoriedade e um caráter místico muito forte vinculado a arte marcial, os chineses ainda estavam sendo governados por estrangeiros gerando conflitos e preconceitos, criaram movimentos sociais que eram a favor de reformas de cunho nacionalista, as quais acabaram por dissolver a Dinastia Quing dando lugar emergência da República da china enquanto o Wushu se torna símbolo do fortalecimento do povo chinês e do próprio nacionalismo. Os movimentos sociais inspiraram os mestres de wushu que a esta altura eram muito conceituados na sociedade chinesa, uma espécie de aristocracia muito respeitada que motivou o povo. O governo por sua vez passa a promover e patrocinar o Wushu como esporte nacional.
A república chinesa vai de 1912 a 1949 e tem seu fim com a guerra Sino-Japonesa e as guerras civis, fazendo o governo se envolver em duas frentes de batalha impossibilitando a capacidade de sustentar o poder, mesmo ganhando a guerra contra o Japão não tiveram força para suprimir os comunistas sendo seus líderes e apoiadores forçados a se refugiar em Taiwan, uma pequena ilha onde continuaram seu governo Mao Zedong assume o poder da China que agora se torna a República Popular da China, sistema que perdura apesar de mudanças estruturais até os dias de hoje.
O Wushu também se desenvolve fora da China chegando ao ocidente como bem sabemos hoje em dia, mas esse contato apesar de parecer mais recente tem um início que remete à tempos mais remotos na rota da seda 800 a.c. mas que só vem a ter a essa nomenclatura no século XIX, é nesta rota em que aparecem os primeiros relatos de contato da cultura oriental com a ocidental e a subsequente troca de conhecimentos, mercadorias e a confecção de associações políticas entre os países de ambos os lados, porém para os europeus a china era um local cheio de misticismo principalmente após os relatos de Marco Polo, um mercador veneziano que adiciona muita fantasia a seus relatos apesar de também retratar fatos mais realistas a respeito da sociedade chinesa que visitou junto de seu pai e tio em expedição. Neste ponto a arte marcial ainda não tinha despertado interesse por parte dos europeus, mas a cultura chinesa começa a chegar com mais força junto das caravanas mercantis que iam ao extremo oriente, a China ganha destaque quando as caravanas começam a possuir sacerdotes enviados pelo papa ou viajantes medievais em sua maioria religiosos como o próprio Marco Polo.
Um dos motivos para o Wushu ser mais conhecido como Kung fu no ocidente se dá pelo fato das caravanas com sacerdotes, missionários jesuítas e viajantes que observavam a prática da arte marcial de monges e outras pessoas e ao indagarem sobre o que estavam fazendo, obtiveram uma resposta de que estavam praticando Kung Fu, ou seja, que eles estavam se aperfeiçoando através de trabalho árduo, mas que por talvez algum problema de tradução acabou se tornando o nome da arte marcial para o Ocidente. Segundo Shepard (2015)10, o primeiro europeu que descreve as rotinas de treino, exercícios de respiração, alongamentos e posições foi um jesuíta francês chamado Joseph-Marie Amiot em associação com outro jesuíta Pierre-Martial Cibot e que referenciam o nome Kung Fu às práticas descritas, tornando o nome conhecido fora da china como o nome propriamente dito da arte marcial.
Os missionários jesuítas foram os responsáveis pela abertura do estudo da china no sentido acadêmico, os chamados Sinólogos como afirma Said em sua obra Orientalismo: Oriente como invenção do Ocidente (1990), por volta século XIX o Orientalismo havia se tornado um tesouro de erudição muito vasto que se espalhou pela Europa influenciando a arte e a filosofia da época, os relatos dos Jesuítas que viajam pela Ásia foram de grande contribuição para o que Said chama de “virtual epidemia de coisas orientais”:
..."oriental" identifica .um entusiasmo amador ou profissional por tudo o que seja asiático, que era maravilhosamente sinónimo de exótico, misterioso, profundo, seminal; essa era urna transposição tardia em direção ao Leste de puro entusiasmo sernelhante, na Europa, pela Antiguidade grega e latina durante a Alta Renascença. (SAID. 1990. P61)
Os jesuítas chegam ao oriente asiático por volta dos séculos XVI e XVII, a presença dos missionários no Oriente tinha o cunho evangelizador, buscavam a conversão dos povos que residiam nas regiões onde os Europeus ocupavam em várias regiões Orientais como a Índia, Japão e também a China, a sua interação com os povos dessas regiões deram frutos a estudos e narrativas a respeito da cultura, religião e costumes Orientais. As narrativas jesuíticas construíram um mundo asiático místico sob o olhar Ocidental atraindo a curiosidade da Europa sobre os Países do Oriente como é o caso da China, curiosidade que recaía sob pretextos exploradores, religiosos, do ouro e outros produtos como a seda.
Sendo o wushu a denominação mais literal para arte marcial ou arte da guerra é o nome mais correto a ser empregado nas práticas marciais chinesas, no entanto o ocidente adotou o kung fu como a nomenclatura para as mesmas práticas, associando o nome wushu ao chamado wushu moderno11, este por sua vez é uma modalidade que foi criada muito posteriormente, já no século XX nos anos 50 e possuía o intuito de representar todos os estilos de luta da China de uma forma esportiva, para tanto o governo chinês, na época República Popular da China reuniu alguns mestres dos principais estilos “tradicionais”. Eles ajudaram a criar um o novo wushu que por sua vez sofreu uma padronização em relação a técnicas e regras de competição para facilitar a realização das competições em âmbito nacional e internacional. O intuito era de o tornar uma modalidade para divulgar o wushu moderno como esporte nacional chinês em todo o globo.
Como esporte ele pode ser dividido basicamente em dois aspectos relacionados ao seu treinamento; o taolu (rotina de exercícios) e o sanshou (luta), sendo que o taolu compreende movimentos coreografados que simulam o aspecto de luta, se diferenciando conforme os estilos, podendo usar armas ou as mãos livres, individualmente ou acompanhado de duas ou mais pessoas para simular um combate, essa modalidade se parece bastante com a ginástica artística conhecida no ocidente, pois os competidores são pontuados conforme o grau de dificuldade e execução dos movimentos. O sanshou por sua vez compreende a preparação e a luta real, as regras determinadas para essa modalidade suprimem características mais peculiares de diversos estilos, sendo que em geral são permitidos socos e chutes, normalmente só acima da linha da cintura bem como projeções ou arremessos. Técnicas de torções, garras, chutes em articulações são proibidas nesta modalidade.
[...] determinadas modalidades passaram a ser regulamentadas e padronizadas. Transcorreu o que Norbert Elias definiu como processo de esportivização, com regras mais rígidas que visavam a estabelecer certa igualdade de oportunidades aos concorrentes e maior controle sobre o limite da violência e o uso da força física (CAMPOS. 2004. Folha de São Paulo).
O wushu, ou wushu tradicional se diferencia da modalidade moderna por empregar em sua prática contextos mais relacionados a ética, moral, fortalecimento corporal e mental, além de toda a sua ligação com o aspecto militar e envolvimento com guerras, não se relacionando diretamente com competições esportivas no formato que se concebe as competições de wushu moderno por exemplo, mas que pode também participar, o contraste maior está no aprofundamento de técnicas que são peculiares a estilos das diversas linhagens sem uma padronização que englobem todas. O Louva-a-deus que é difundido em Goiânia pelo Espaço Lai é um sistema tradicional de wushu, segue os conceitos mais clássicos no que se entende como arte marcial chinesa, mas de forma alguma está parado no tempo, a adaptação e contribuição para uma melhora no estilo em todos os quesitos são bem vindos no âmbito da tradicionalidade sendo essa uma característica dessa linhagem.
A partir da década de 60 grupos de apresentação de arte marcial são formados e levados para fora da China e ganham o mundo, as delegações visitam diversos países. Em 74 segundo Acevedo, as delegações visitam cidades na América como Havai, Nova York entre outras, nas quais foram apresentadas demonstrações de Kung Fu, estas visitas e demonstrações contribuem para um crescimento do interesse na modalidade por parte de outros países. Em 81 é fundada a Liga de Kung fu das Seis Nações, que era composta por Suíça, Itália, França, Grã-Bretanha, Alemanha Oriental e Espanha. Certamente com essa divulgação houve uma transformação no Kung fu, de arte marcial passa a ser visto também como esporte ligado diretamente a divulgação da cultura chinesa, mestres de diversos estilos começam a chegar e se fixar em países da Europa e Estados Unidos devido a diversos momentos de conturbação na China. Começam a florescer os campeonatos de arte marcial, apresentações como a dança militar, a dança do leão se tornam populares fora da china também, esta última tem o sentido de promoção da paz e harmonia ao ambiente, sabendo que o leão não é um animal comum da fauna chinesa a dança e o animal ganham simbolismos divinizados e lendas a respeito de suas origens. A dança do Leão é tão popular na China e em outros países que está se transformando em esporte com campeonatos organizados a fim de se eleger quais escolas de Kung Fu produzem os melhores dançarinos.
A chegada do Kung fu ao ocidente e principalmente na América se deve muito também às produções cinematográficas e nas séries de TV. A arte marcial ganha os cinemas em meados da década de 1920 em Shangai, misturado às artes como a ópera de Pequim, uma espécie de teatro no qual os atores além de ter que saber atuar, também precisam ter maestria em artes marciais e canto para as apresentações as quais retratavam lendas antigas ou momentos históricos importantes na cultura chinesa, sempre recheados de muita coreografia de lutas, música e comédia, se agregavam as novelas marciais também conhecidas como Wuxia, sendo Wu (marcial) e xia (honrado), estas novelas consistiam em histórias de guerreiros que lutavam com espadas em um mundo medieval fantástico, é um gênero literário muito popular na China e ganhou espaço nos cinemas também, um exemplo cinematográfico que capta exatamente o que é o Wuxia é o filme de Ang Lee, O tigre e o dragão. Por questões políticas as produções saíram de Shangai e se estabeleceram em Hong Kong onde a produtora dos irmãos Shaw se estabelece como a autora de grandes produções ganhando notoriedade internacional. O cinema de artes marciais 12e as grandes produtoras chinesas continuam em Hong Kong até hoje.
Quando os filmes chegam aos Estados Unidos que já tinha uma referência com as artes marciais devido ao contato com o Japão, o cinema de artes marciais atinge o seu auge na década de 70, tendo o seu grande Ícone o ator e artista marcial Bruce Lee, que por sua vez revoluciona o cinema de artes marciais praticado até então, dando mais dinamismo, mostrando a efetividade do Kung fu e colocando de lado aquele tom mitológico que era produzido até aquele momento. Posteriormente outros atores continuaram a difundir e popularizar o kung fu ao redor do mundo, destaque para Jackie Chan que surge com uma nova fórmula para os filmes de artes marciais, trazendo de volta alguns elementos da ópera de Pequim como a comédia já que o mesmo participou da ópera durante sua juventude, se inspirando também no ator americano Buster Keaton um precursor do que hoje conhecemos como dublê de ação e Charles Chaplin. Chan traz ainda mais dinamismo para as coreografias dando outro impulso e fôlego ao cinema de ação, após ele outros atores contribuíram de forma reconhecida para o crescimento da popularidade do Kung fu no ocidente, para se aprofundar no assunto existe um documentário produzido pela Netflix chamado Luzes, Câmera, Kung fu, o qual discorre sobre as influências dos filmes de artes marciais de Hong Kong no cinema partindo dos irmãos Shaw até as grandes produções atuais de Hollywood. É neste parâmetro que o estilo Louva-a-Deus chega ao Ocidente junto com os atores e mestres que se fixam nos EUA, caso do Grão Mestre Brendan Lai, difusor do estilo no Ocidente o qual vamos nos aprofundar a seguir a respeito de sua história e a do estilo.
3.1. Louva-a-Deus (Tong Long kuen [七星螳螂拳])
O kung Fu Wushu, como arte marcial possui centenas de estilos diferentes, muitos deles ganharam o nome de animais por se inspirarem em virtudes de animais observados na natureza, coisas como a ferocidade, precisão de ataques ou posturas, daí podemos destacar estilos mais conhecidos como o Garra de águia, Garra de Tigre, Serpente ou o Louva-a-deus, outros são derivados de técnicas criadas dentro de clãs, famílias, que foram sendo passadas de geração para geração assim preservando o estilo enquanto vários acabaram se perdendo neste caminho.
As lutas que dão origem ao kung fu/wushu tem suas origens a cerca de 4 mil anos, o estilo Louva-a-Deus por sua vez é muito mais recente, criado por volta de 350 a 400 anos na província de Shandong ao norte da China, o estilo foi criado pelo mestre Wang Lang se inspirando na agressividade e eficácia com que o inseto combatia suas presas ou se defendia de predadores, sendo que o jogo de pés se inspiraria nos movimentos do macaco pela agilidade. Desta forma as características do estilo Louva-a-deus do norte são a grande velocidade, ataques ininterruptos movimentação complexa com os pés, além de ter uma característica muito peculiar ao estilo que são as “garras de louva-a-deus” (um gancho feito com os dedos da mão para se aplicar algumas técnicas do estilo), quanto arte marcial se classifica como um sistema completo que faz uso de socos, chutes, agarramentos, arremessos, armas, metodologia de treinamento, estratégia e exercícios internos de Qi Gong 13(cultivo de energia).
Como vemos em The Complete Guide to Northern Praying Mantis Kung Fu escrito por Stuart Alve Olson, a criação do estilo está envolta em várias lendas, o que se conhece a respeito de Wang Lang, o estilo Louva-a-deus e suas origens não possuem documentos concretos ou autênticos, sua origem é conhecida através da tradição oral que foi repassada por diversas gerações e linhagens dessa arte marcial, o que não prova também a sua inexistência. A história que é mais difundida conta que o mestre Wang Lang conhecedor de vários estilos em especial os que faziam o uso da espada teria entrado em contato com o templo Shaolin Lao Shan, apesar de não ser monge foi em busca de ensinamentos eruditos tendo ele testado suas habilidades de luta contra os monges e sendo derrotado por eles. Após várias tentativas de revanche Wang não conseguia derrotar o Abade do templo cujo nome era Feng. A lenda continua dizendo que Feng viajaria por três anos em busca de conhecimento e para melhorar suas habilidades nas artes marciais e disse a Wang que ao retornar os dois teriam outro combate amigável para testar os novos aprendizados.
Wang continuou no templo, treinava diariamente e vagava no entorno observado e refletindo. Em um desses passeios ele observa uma batalha entre um louva-a-deus e uma cigarra, Wang teria ficado tão intrigado com a forma com que o inseto se comportou durante a batalha que anotou e observou com atenção seus movimentos fazendo comparações com suas técnicas marciais e após estudar bastante o inseto e como adaptar suas posturas e movimentos para o corpo humano Wang cria o sistema Louva-a-Deus do Norte. Quando o Abade Feng retorna o combate é feito sendo que desta vez Wang vence Feng com movimentos inesperados deixando o Abade surpreso com o novo método de luta e juntos trabalharam para aperfeiçoar o estilo para leva-lo a um nível mais alto.
A lenda é corroborada pelo Grão mestre Brendan Lai, mestre do estilo e que o trouxe para o ocidente, caso que será aprofundado mais a frente, Lai diz em uma entrevista para a Inside Kung Fu Magazine:
Esse sistema, diz Lai, tem seu início no Templo Shaolin na província de Honan, ao norte da China. Um dia, “Mestre Wong Long acidentalmente achou um pequeno louva-deus lutando contra uma cigarra e a partir daí desenvolveu o princípio que segue a luta do louva-deus. Isso, entretanto, não foi suficiente porque faltava o movimento de pernas, então ele copiou esses movimentos do macaco. Eram os pés do macaco e as mãos do louva-deus”. Muitos dos outros sistemas Shaolin de Kung Fu de hoje foram primeiro baseados na observação de animais em combate, mas o sistema Louva-Deus logo alcançou uma posição distintiva na ordem de habilidades ensinadas e praticadas pelos monges. “Mestre Wong já era um mestre muito capaz antes de inventar o sistema Louva-Deus”, observou Lai. “Ele combinou 17 outras artes e agrupou-as dentro do Louva-Deus, e tinha o que era chamado de seção Louva-Deus (dentro do templo). Essa seção era da mais altamente avançada categoria... Tão avançada que os monges e os outros praticantes tinham que estudar as outras seções antes, passo a passo, até estarem qualificados para entrar na seção Louva-Deus. Então você pode perceber sua posição no Templo... Os que vieram de fora e mais tarde conheceram o estilo Louva-Deus concordaram que ele era rápido, direto e muito, muito mortal (LAI. 1980. Inside Kung Fu Magazine)
O estilo era mantido como um “tesouro” no templo shaolin até que um monge taoísta de origem desconhecida visitante chamado Sing Siew que aprendeu o estilo no templo e o divulgou para o resto da china, este seria o mestre da segunda geração juntamente com os Shaolin segundo a tradição marcial chinesa. A terceira geração tem o Mestre Lee Sarn Jin, a quarta encabeçada por Wong Wing Sang que provocou uma revolução no estilo por incorporar muitas formas ao sistema, a quinta geração com Fahn York Tung recebeu convite para ensinar na escola atlética Jing Mo e indicou seu discípulo Law, vale ressaltar a importância da escola Jing Mo, fundada em Xangai no início do século XX no ano de 1910, essa associação tem pelo menos 59 filiais com base em mais de 22 países, portanto também muito importante para a divulgação do estilo Louva-a-deus, a criação da escola é retratada no filme “Fearless “ de 2006 estrelado por Jet Li que interpreta membro fundador e símbolo da associação e dirigido por Ronny yu. A sexta geração tem o mestre Law Gwong Yook que sai de Xangai e vai para Hong Kong ensinar o sistema, na sétima geração temos o chamado “Rei” do Louva-a-Deus de Hong Kong cujo nome era Wong Hong Fan que por sua vez graduou 25 discípulos sendo um deles o já citado Brendan Lai também conhecido por “mãos de relâmpago” e pioneiro nos EUA.
O grão-mestre Brendan lai (Lai Dat Chun) nasceu em Hong Kong em 1942 tornou se último discípulo de Wong Hong Fan. Após sua formação no colégio Wah Yan em Kowloon, Lai emigrou para os Estados Unidos em 1961, lá estudou por vários anos no Napa Junior College e na San Jose State University, em paralelo deu continuidade em seus estudos de artes marciais com profundas pesquisas a respeito, em 1967 começa a ministrar aulas de Kung Fu e trabalhar como programador de computadores, Lai é um dos primeiros a trazer o kung fu para os EUA, neste período não era comum chineses ensinarem o wushu a não chineses, este paradigma começou a ser quebrado por pessoas como Lai e o próprio Bruce Lee que lecionava para americanos bem como para artistas do cinema e atletas de diversas modalidades como é o caso de kareen Abdul Jabbar famoso jogador de basquete dos anos 70.
Em 72 Lai abre uma empresa de equipamentos para artes marciais, a Brendan Lai Supply Company, passando agora a se dedicar ao ensino das artes marciais em sua nova escola, a Northen Prayng Mantis Kung Fu Academy. A partir daí participou de várias apresentações culturais, foi juiz de diversos campeonatos, ainda atuou como mestre de cerimonias de vários eventos de artes marciais de relevância e prestígio. Foi indicado três vezes para o “Hall of Fame”, primeiro pela Inside Kung fu Magazine, em 1982 como “Kung Fu instructor of The Year”, depois pela Black Belt Magazine, em 1984 como “Kung Fu Master of The Year” e de novo pela Inside Kung Fu, em 1990 como “The Man of The Year”, além de todas as indicações, Lai foi capa de outras inúmeras revistas especializadas e outras publicações nos EUA, na Inglaterra, Hong Kong e no Brasil, somando um total de mais de 100 publicações no mundo todo sobre Lai e o sistema Louva-a Deus de kung fu, isso o torna um dos artistas marciais mais conhecidos do mundo em nosso tempo ao Lado de Jackie Chan e Bruce Lee. Lai é condecorado em 1985 como “Kentucky Colonel” pelo governador de Kentucky, por seu trabalho extenso sobre a saúde física, entre cientistas e presidentes, ele foi um dos poucos que recebeu esta honraria nos EUA.
No ano de 1989, Brendan Lai torna-se membro do corpo docente do Departamento de Educação Física da San Francisco State University, onde ministrou um curso conceituado da arte de Chin-na 擒拿, um método de combate que engloba técnicas de torções, essas técnicas compreendem golpes que vão desde o simples agarramento, chaves nas articulações e até projeções, isto é, o arremesso do adversário. Foi uma das primeiras pessoas a levar a prática de artes marciais para dentro das universidades americanas. Em 1990, recebe o título de Ph.d. pela Euretechnical Research University, baseado no seu extenso trabalho e conhecimento sobre Kung Fu o tornando a primeira pessoa a receber esse tipo de título acadêmico no Kung Fu, também pela mesma universidade foi recebido o título de “Dean” em estudos chineses na Faculdade de Artes Marciais, se tornando o primeiro americano a ocupar esta posição. Em 1991 Dr. Lai tanto pela Shandong Yantai International Praying Mantis Association, como a Shandong Liu-Her Tang-Lang Associantion apontam como presidente, em 1992 ele também é apontado como conselheiro na Shandong Quan-Shan Wushu Academy, que era presidiada pelo famoso mestre de Louva-a-Deus, Zheng Bin-Dau, indicando assim um status de honra e respeito. A partir de 1994 Dr. Lai se afasta da San Francisco State University e passa muito de seu tempo viajando pelo mundo ministrando seminários, os quais tinham o objetivo de tornar possível para todas as pessoas uma melhor compreensão das artes marciais chineses e a sua cultura. Em 1999 Dr. Lai inaugura no Brasil o Instituto de KungFu Brendan Lai apontando Samuel Mendonça como instrutor Chefe, ou seja, a nona geração do estilo é representada aqui no Brasil por Samuel e seus Discípulos. Lai retorna ao Brasil em 2000 e 2001 e acaba falecendo em 2002, aos 59 anos, nos EUA.
A nona geração aqui no Brasil é encabeçada por Samuel Mendonça, Ph. D. professor titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas desde o ano de 2000, atuante nas áreas de Direto e de Educação. Orienta teses de doutorado, dissertações de mestrado e pesquisas de iniciação cientifica. É Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e foi o Presidente Fundador da Associação Latino-americana de Filosofia da Educação. Resumo de Currículo FAPESP/CNPq.
Samuel Mendonça inicia se nas artes marciais aos 12 anos de idade, na prática do judô, na cidade de Franca, SP, daí em diante praticou outras diversas modalidades de estilos até que manteve seu foco nos estudos do Sistema Louva-a-Deus, no qual recebeu orientação do Grão-Mestre Brendan Lai em São Francisco, California, assim se tornando discípulo direto da linhagem do fundador do Louva-a-Deus, Wang Lang. Samuel manteve seus estudos em Nova York por recomendação do seu professor Lai, sendo acompanhado por seu irmão mais velho de treinamento, o Mestre Tony Chuy.
Após o retorno para o Brasil Dr. Mendonça funda o Instituto de Gongfu Brendan Lai, com a devida autorização e presença do Grão-Mestre em 1999 e junto de seu outro irmão de treinamento o também brasileiro Paulo Junqueira da Costa, Paulo atualmente não ministra aulas do sistema enquanto Dr. Samuel vem difundido o estilo por diversos estados do Brasil, dentre estas escolas espalhadas pelo país este trabalho destaca a que se situa em Goiânia, Go.
O Espaço Lai Kung Fu como é conhecida a escola de Goiânia foi fundada em meados de 2003, e tem como seu instrutor chefe o instrutor Marcelo Gabriel, que por sua vez iniciou na arte marcial no ano de 1989 com o Karatê, no mesmo ano ingressa no estilo Garra de Águia de Kung Fu, se tornando instrutor em 1991. Em 2000 Marcelo conclui a graduação no curso de Filosofia pela Universidade Católica de Goiás, após isso em 2001 é aceito como representante do sistema Louva-a-Deus do Norte no estado de Goiás sendo supervisionado pelo Instrutor Chefe e também representante do estilo no Brasil Dr. Samuel Mendonça. Atualmente Marcelo é filiado as seguintes entidades: International Northern Praying Mantis Kung Fu Federation; Praying Mantis Martial Arts Institute – USA; Confederação Brasileira de Kung Fu; Federação de Kung Fu do Estado de Goiás. Marcelo também atua como árbitro pela Federação de Kung Fu do Estado de Goiás e Confederação Brasileira de Kung Fu. Marcelo é então o representante do estilo em Goiás, o qual vamos nos aprofundar na questão da construção da identidade enquanto estilo de arte marcial Oriental que é apropriado pela cultura do goiano e assim adquirindo peculiaridades específicas do grupo inserido na prática do Louva-a-Deus em Goiânia mais especificamente.
4. Capítulo 2. Louva-a-deus em Goiania: orientalismo identidade e diferença.
A prática da arte marcial oriunda do Oriente, de países como Japão. Tailândia, Koreia e China é associada de forma estreita com doutrinas de vida ou religiões, como o Taoismo, Budismo ou Xintoismo, portanto, também estão recheadas de rituais relacionados à prática como o lugar de treino que é considerado um espaço sagrado e por isso deve ser reverenciado antes de iniciar a prática e quando se termina também em sinal de respeito aos mais velhos, aos irmãos de treino e aos ancestrais, neste espaço sempre ou na maioria das vezes será encontrada a imagem de Guan Yu/Kwan Kun por ele ser o patrono das artes marciais e também por ser uma deidade relacionada a sorte e a fortuna dentro das crenças da sociedade chinesa.
A forma com que as pessoas lidam com a pratica da arte marcial no oriente e principalmente na China sempre se correlaciona com busca e o alcance da harmonia e o equilíbrio, conceito que está presente no Taoismo e Budismo como já foi dito previamente neste trabalho, esta filosofia é uma prática enraizada na sociedade chinesa, é praticado não somente para aumentar a maestria em combate mas também nos costumes chineses o wushu está ligado fortemente a elementos da medicina tradicional, neste sentido as duas práticas convergem para o cultivo de energia interna que para ambas quando se está em desequilíbrio não contribui para o fortalecimento do corpo e mente, podendo no caso da medicina causar doenças e na arte marcial dificultar o aprendizado e o fortalecimento, por isso sempre estão trabalhando o Yin e o Yang dentro do corpo para que um não se sobressaia sobre o outro. Estes conceitos no Ocidente muitas vezes são vistos como algo místico, envolto em brumas do fantástico, algo exótico e muito diferente de nós, e por consequência nos causa fascínio. Essa ideia de Oriente foi criada pelo ocidente, mais precisamente pelo pensamento Europeu que por ter uma maior proximidade geográfica passou a ter um contato mais próximo com estas culturas como descreve Said, Edward. W. na obra Orientalismo: O oriente como invenção do ocidente:
O Oriente era quase uma invenção europeia, e fora desde a Antiguidade um lugar de romance, de seres exóticos, de memórias e paisagens obsessivas, de experiências notáveis. (SAID. 1990. p.13)
Said explica que essa construção do Oriente se justifica para se definir o próprio Ocidente, com suas ideias, personalidades advindas do contraste com o Oriente, sempre em um tom que coloca o Ocidente em uma posição de superioridade em relação ao Oriente, o que podemos chamar aqui então de uma identidade que é construída face as diferenças entre Europa (ocidente) e o Oriente e extremo Oriente. Essa concepção prevalece até os dias de hoje quando observamos o que é produzido aqui a respeito do que sabemos a respeito do Oriente, sempre ressaltamos a mística, como a cultura parece ser quase alienígena aos nosso olhos, a forma de pensar, a filosofia nos parece um tanto quanto peculiar, hábitos alimentares que por exemplo hoje estão sendo extremamente contestados por consequência da pandemia do Covid-19 com foco inicial em uma cidade chinesa e por este fato a China vem sendo condenada por supostos hábitos alimentares de seu povo, essa condenação é em parte por consequência da falta de conhecimento relacionado a raciocínios partidos do senso comum, os quais acabam por corroborar com essa imagem do diferente e do inferior e em vista disso acabamos mais por nos definir do que o contrário.
Exemplificando estes conhecimentos que o Ocidente diz ter a respeito do Oriente, estamos neste trabalho buscando fazer um paralelo com a questão da chegada do Kung fu ao Brasil e consequentemente e mais especificamente a chegada do Kung fu estilo Louva-a-Deus em Goiânia e quais contrastes as práticas realizadas aqui possuem em relação à pratica tradicional feita em sua terra natal, naturalmente que logo de início podemos afirmar que o goiano é um indivíduo que possui suas peculiaridades relacionadas a comportamento e valores se o compararmos com os demais crescidos e educados em outros estados de nosso país, quanto mais se colocarmos em contraste com o povo Chinês, esse contraste contribui com uma construção da identidade do Louva-a-Deus em Goiânia, como ela se torna própria daqui justamente por se diferenciar de outros lugares. Silva em Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais, indica o que se denomina identidade:
Em uma primeira aproximação, parece ser fácil definir "identidade". A identidade é simplesmente aquilo que se é: "sou brasileiro", "sou negro", "sou heterossexual", "sou jovem", "sou homem". A identidade assim concebida parece ser uma positividade ("aquilo que sou"), uma característica independente, um "fato" autônomo. Nessa perspectiva, a identidade só tem como referência a si própria: ela é autocontida e autossuficiente. (SILVA. 2000. p. 73)
Aqui podemos dizer que o praticante do Louva-a-Deus tem sua identidade atrelada ao que pratica afirmando que “sou praticante de Louva-a-Deus”, mas isso não parece suficiente para a construção de uma identidade que como Tadeu da Silva diz se referencia em si proporia, assim ele mesmo continua seu raciocínio indicando que uma identidade só pode ser identificada se houver um contraste do que se é e o que não é, assim a afirmação de “sou praticante de Louva-a-Deus” que dizer que não sou praticante de judô, Karatê ou mesmo outro estilo de Kung fu como Garra de Águia, e que a diferença também se auto referência:
Na mesma linha de raciocínio, também a diferença é concebida como uma entidade independente. Apenas, neste caso, em oposição à identidade, a diferença é aquilo que o outro é: "ela é italiana", "ela é branca", "ela é homossexual", "ela é velha", "ela é mulher". Da mesma forma que a identidade, a diferença é, nesta perspectiva, concebida como auto referenciada, como algo que remete a si própria. A diferença, tal como a identidade, simplesmente existe. (SILVA. 2000. p. 73)
Então a identidade e a diferença dependem uma da outra para existirem, assim desta forma afirmando o que sou ou que faço posso me diferenciar de quem não é o que sou e nem faz o que eu faço, também posso identificar quem compartilha da minha identidade enquanto praticante de artes marciais, neste sentido estar dentro de um grupo identitário inserido no contexto das artes marciais que se diferencia ainda mais das outras ao me associar a um estilo, um sistema que por sua vez é o que outros não são em relação ao que se treina, aos valores e a história. Outra coisa importante é que a Identidade e a diferença não são naturais, são construtos humanos advindos de valores culturais inerentes a determinadas sociedades ou grupos sociais, suscetível a hierarquização relacionada ao que Tomaz chama de vetores de força:
A identidade, tal como a diferença, é uma relação social. Isso significa que sua definição - discursiva e linguística - está sujeita a vetores de força, a relações de poder. Elas não são simplesmente definidas; elas são impostas. Elas não convivem harmoniosamente, lado a lado, em um campo sem hierarquias; elas são disputadas. (SILVA. 2000. p. 80)
As práticas dentro do Espaço lai de Kung fu em Goiânia seguem um direcionamento tido como tradicional, e, portanto, seriam práticas que dialogam e estariam em harmonia com a escola de Hong Kong onde Brendan Lai aprendeu, ou mesmo com a escola de São Francisco onde ele começou a ensinar, apesar de o estilo historicamente ser recente com aproximadamente 400 anos, este distanciamento e afastamento do berço cultural certamente contribuiu para diferenciações de como o mesmo é visto e praticado por aqui se colocarmos sob a perspectiva do olhar goiano, ainda mais se levarmos em consideração o momento de mudanças constantes e aceleramento da história causado pela quantidade de informações que hoje estão a nosso dispor mas que ao mesmo tempo parecem ser evanescentes, contribuindo muitas vezes para uma desinformação ao invés do contrário. Stuart Hall em A identidade cultural na pós modernidade diz que na modernidade tardia como ele denomina o final do século XX, as identidades culturais não são mais fixas, por conta de transformações sociais e acabam por se misturar umas com as outras conforme as mesmas entram contato com outras possuidoras de valores diferentes, se misturando e constituindo diferentes identidades, mais “globalizadas”. A forma com que os praticantes se cumprimentam, os uniformes usados, o brasão da escola, o uso do cantonês como língua para o treino são todos signos que dão um sentido significado identitário para o grupo que pratica o Louva-a-Deus, assim se distinguem por exemplo das escolas de kung fu que fazem uso do mandarim como a língua abordada nos treinos ou mesmo o português. Pode parecer algo simples mas para o sentimento de inserção em um grupo estas características tornam o Louva-a-Deus diferente de outras artes marciais, se pensarmos em como estes símbolos são vistos na china por exemplo haverá um contexto completamente diferente, os mesmos de certa forma foram adaptados ao jeito ocidental de ser, primeiro porque não damos o mesmo significado à vários símbolos como a estátua de Guan Yu 14(Kwan kun) que está na escola, mas para os brasileiros ocidentais por natureza a figura não possui qualquer significado religioso, mas possui importância quanto à mística relacionada a arte marcial nos fazendo retornar ao início desse capitulo onde Said nos diz que interpretamos o Oriente para nos diferenciarmos dele, mesmo que seja de forma inconsciente e assim nos construirmos através desse contraste. Chartier em A história cultural: entre práticas e representações. (2002) dá uma visão semelhante à de Tomaz quanto a questão da relação de poder através das representações praticadas por determinados grupos, ou dizendo de outra forma, o que mostram para a sociedade por sua vez constituem uma identidade:
A história da construção das identidades sociais encontra-se assim transformada em uma história das relações simbólicas de força. Essa história define a construção do mundo social como êxito (ou fracasso) do trabalho que os grupos efetuam sobre si mesmos – e sobre os outros – para transformar as propriedades objetivas que são comuns a seus membros em uma pertença percebida, mostrada, reconhecida (ou negada). (CHARTIER, 2002, p. 11).
Para Chartier a identidade é construída através de práticas e representações, onde as práticas são o que realmente se faz de forma objetiva enquanto a representação é como é significada ou o sentido da prática, no caso do Louva-a-Deus temos na prática um sistema de combate que é ensinado passo a passo, desde a postura até o golpe em si, enquanto a representação seria todo o conceito filosófico por trás dessas práticas, o que os praticantes querem mostrar perante a sociedade enquanto estudantes do estilo assim constituindo uma identidade relacionada a essa representação, aos símbolos e significados.
Uma das diferenças que podemos enxergar entre a tradição de matriz chinesa dentro das artes marciais e a que praticamos por aqui seria a relação de professor (Sifu) e aluno. Como vemos aqui essa interação se diferencia do entendimento da mesma relação que o professor chinês tem com seus alunos. Na tradição chinesa os pais levavam seus filhos para os Sifus para aprender wushu seguindo uma tradição que dava aos Sifus uma autoridade sobre seus alunos que raramente permitia questionamentos (algo parecido com um colégio interno/militar), eles eram obedecidos de uma forma que lembra a disciplina militar, o que não é de se estranhar se nos voltarmos para a história do wushu que se associou constantemente com o militarismo nas sucessivas guerras da história chinesa, dessa forma inserindo os métodos de ensino militar nas escolas de artes marciais tornando-os tradicionais mesmo em escolas não vinculadas ao exército mas que descendiam das mesmas por terem tido mestres dentro deste contexto. Enquanto que no Ocidente a relação dos primeiros Sifus que chegam nos EUA por exemplo, experimentam este choque cultural no qual os alunos não vinham para as escolas trazidos por seus pais, iam por conta própria e cheios de questionamentos, os quais os Sifus inicialmente tiveram dificuldades para lidar em vista da clara diferença cultural. Brendan Lai passa por esse contraste cultural e relata em sua entrevista como é sua visão a respeito do assunto:
De modo a aprender bem a arte, tivemos que escutar tudo que nossos mestres nos contavam e aceitá-lo sem questionar. Na China, isso era muito fácil, porque na infância aprendíamos a ter total respeito pelos mais velhos. Quando nossos pais nos levavam aos nossos sifus, era natural obedecermos a cada palavra deles. Mas aqui nos Estados Unidos, os jovens têm a liberdade de questionar tudo e aceitar somente aquilo que julgam ser certo para eles. Não há nada de errado com isso, mas você não pode aprender Louva-Deus como foi ensinado pelos Mestres dessa forma. (LAI. 1973. p. 5)
A cultura do respeito e obediência relacionada aos mais experientes e mais velhos que está inserida no modo de vida chinês com toda certeza se contrasta com a cultura Norte Americana que pode também conter nela o contexto de respeito aos mais velhos, mas nem de perto é fator central como é visto na cultura Oriental, em Goiânia dentro do Espaço Lai de Kung fu a relação entre os alunos e o Instrutor é extremamente amistosa, com uma proximidade que é peculiar do brasileiro, o instrutor aqui é uma figura de autoridade, mas muitas vezes está em uma relação de amizade com seus alunos, de certa forma até se pode dizer que existe uma relação paternal, algo que é peculiar se formos ver como é a mesma relação dita anteriormente. Para o Chinês deve se haver um certo distanciamento para que os ensinamentos sejam apreendidos de forma satisfatória, aluno deve a seu mestre todo o respeito e obediência no que se relaciona as tradições marciais, portanto aos olhos de um chinês a forma como os alunos tratam o professor como é o caso na escola de Goiânia pode gerar uma estranheza, isso é uma diferença cultural que muda a dinâmica da prática marcial. Apesar disso a escola segue o currículo tradicional alinhada com a escola de São Francisco que é encabeçada pelo Mestre Tony Chuy que por sua vez mantém o treinamento tradicional permanecendo nas raízes do sistema desde sua fundação, a maior diferença que vemos aqui para as escolas na china seria a quantidade de alunos aceitos e a forma como as técnicas são repassadas, como é uma cultura diferente e alguns preceitos não estão claros para nós ocidentais.
As escolas de Louva-a-Deus aqui no Brasil e nos Estados Unidos seguiram o modelo de Brendan Lai que ao invés de ensinar para centenas de alunos de uma vez, faz uma seleção e leciona para um grupo menor mas com mais entendimento das dinâmicas das tradições e aspectos morais da pratica do wushu, é feita uma entrevista com o pretendente a aluno, para que ele entenda como é o funcionamento ético e prático da escola de Louva-a-Deus, desta maneira podendo direcionar o novo praticante para algo que lhe atende melhor, “eu prefiro ensinar pouco e bem do que expor grande parte da arte erroneamente. Se a arte é reduzida agora, em poucos anos não será mais arte.” (Brendan Lai, 1980, Inside Kung fu Magazine), existe então um cuidado para preservar a tradicionalidade e o entendimento do Louva-a-Deus como prática marcial.
Hall diz que a identidade não é algo inato que nasce junto com o indivíduo, segundo ele a identidade é construída de forma gradativa, de modo inconsciente, desta maneira permanecendo sempre incompleta e sempre em um processo de formação;
Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” oi fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada” (HALL. 2006. p. 38.)
Se formos aplicar isso ao processo de formação da identidade do Louva-a-Deus em Goiânia, entendemos que ao longo dos anos, com participações da escola em processos e manifestações culturais dentro da cidade como a comemoração do ano novo chinês que vem ganhando espaço a cada ano com a participação do Espaço Lai e de várias outras escolas de estilos tradicionais, a prática dos alunos, o convívio entre eles e o professor (Sifu), cria se dentro desse grupo uma forma de pensar, interagir entre si que para quem não está inserido no contexto é diferente do comportamento tido como o usual dentro da sociedade.
A micro história de Carlo Ginzburg e Giovanni Levi é um paradigma que segundo Ginzburg é como um “zoom” em uma fotografia, mostrado um pequeno espaço de forma ampliada para a partir desse ponto poder analisar um todo. Abordo modelo a seguir para falar sobre os reflexos que certos comportamentos ou modos de conduta do instrutor Marcelo Gabriel incidem em comportamentos adotados por seus alunos por meio de um espelhamento que somente foi possível com o convívio diário dentro do espaço de treino bem como fora dele.
Para a micro história, a redução da escala é um procedimento analítico, que pode ser aplicado em qualquer lugar, independentemente das dimensões do objeto analisado. (LEVI. 1992. p. 137)
O Instrutor Marcelo contribui para a criação de identidade do Louva-a-deus praticado em Goiânia, seu envolvimento com a arte marcial desde muito jovem, passando por diversos estilos como o Karatê e o Garra de Águia, bem como as interações com outros instrutores, mestres e colegas de prática além de um aprofundamento dos estudos a respeito da própria arte marcial, aliado a seus estudos acadêmicos fizeram dele aos olhos de seus alunos e quem acompanha a arte marcial em Goiânia, uma figura de relevância para o desenvolvimento do pensamento marcial, condutas e seriedade quanto a aperfeiçoamento do Louva-a-deus e sua perpetuação. Marcelo trabalha a arte marcial não somente no aspecto de luta ou defesa pessoal, a prática em seu entendimento busca um melhoramento constante enquanto ser humano, que tenha mais sensibilidade em relação ao outro bem como expressa a importância de se buscar um constante autoconhecimento para entender os próprios limites e tentar superá-los.
O cuidado com as técnicas e como elas são ensinadas, aprendidas e retransmitidas fazem com que o estilo louva-a-deus praticado em Goiânia extrapole a escola e o espaço de treino, as práticas do estilo são incorporadas por Marcelo e seus alunos em diversos outros espaços culturais, como o teatro onde ele atua na qualidade de instrutor de Kung Fu para o Grupo Ritual de Teatro, trabalhando com eles além do aspecto físico também um senso estético de movimento e postura que por sua vez são levados para as apresentações teatrais, mas que não necessariamente falam nessas apresentações sobre kung fu. Por outro lado, a prática do Louva-a-deus é levada para espaços como o acadêmico por seus alunos como é o exemplo do trabalho feito por Sanântana Paiva Vicencio em: Reencontrando o equilíbrio: as possibilidades do uso do Gong Fu no treinamento dos atores e criação de cenas. Essa dissertação de mestrado propõe a prática do kung fu como preparação para a formação de atores conforme as suas necessidades são percebidas semelhantes às dos praticantes de arte marcial:
...mostra-nos que os atores e os praticantes de artes marciais têm muitas necessidades em comum, entre elas: equilíbrio, tranquilidade mental, economia de esforço e utilização da respiração como fonte de energia. (VIVENCIO, 2012. p.21)
Este tipo de trabalho é largamente estimulado dentro do Espaço Lai, rendendo por exemplo outros como esta monografia e mais trabalhos feitos por outros alunos de Marcelo no meio acadêmico abrangendo diversas disciplinas, como Filosofia, História, Educação Física entre tantas outras.
Enquanto estilo tradicional de wushu, o Espaço Lai trabalha com seriedade desde sua fundação sempre alinhado com linhagem do estilo que perpassa pela sede em São Francisco que por sua vez está em consonância com as escolas situadas na China. Neste sentido os praticantes de Louva-a-deus de Goiânia carregam consigo traços da dedicação de seu instrutor que são percebidos e respeitados dentro da comunidade das artes marciais no Estado de Goiás.
O comportamento amistoso e respeitoso também é uma característica dos praticantes de Louva-a-deus em Goiânia já que desde o início do aprendizado são entrevistados pelo instrutor que os informa como a arte marcial é empreendida na escola e que as condutas devem ser entendidas e praticadas seriamente e com clareza, portanto, assim se cria um certo filtro que vai excluir certos tipos de indivíduos, agregando outros mais compatíveis com os ideias das práticas do Espaço Lai e seu instrutor, além do mais, existe um espelhamento que os alunos fazem em relação ao Instrutor Marcelo, muitos de seus comportamentos em relação a prática marcial, a relação professor/aluno, são repetidos por seus alunos em uma relação na qual o ambiente e a vivência com estes aspectos de comportamento faz com que os estudantes do Espaço lai incorporem muitos destes comportamentos num contexto que Bourdieu chamaria de habitus, um conjunto de práticas ou esquemas que são percebidos, apropriados, ações postas em prática já que as conjunturas que demarcam esse espaço social ou ambiente estimulam as mesmas, sendo que neste sentido a história biográfica aqui no caso a do Instrutor Marcelo Gabriel estimula um senso familiar de identificação individual e coletiva que contribuem para o espelhamento de seus comportamentos por parte de seus alunos.
As experiências se integram na unidade de uma biografia sistemática que se organiza a partir da situação originária de classe, experimentada num tipo determinado de estrutura familiar. Desde que a história do indivíduo nunca é mais do que uma certa especificação da história coletiva de seu grupo ou de sua classe, podemos ver nos sistemas de disposições individuais variantes estruturais do habitus de grupo ou de classe [...]. O estilo pessoal, isto é, essa marca particular que carregam todos os produtos de um mesmo habitus, práticas ou obras, não é senão um desvio, ele próprio regulado e às vezes mesmo codificado, em relação ao estilo próprio a uma época ou a uma classe. (BOURDIEU. 1983, p. 80-81)
Se formos analisar comportamentos que caracterizam algo mais peculiar quando fazemos uma comparação com a tradição chinesa entre os praticantes de kung fu levando em consideração o habitus, podemos ver que o compreendimento de certos atos não é o mesmo que o dos chineses, tomando como um exemplo, temos um ato que pode ser visto entre os praticantes e que é bastante peculiar, o cumprimento conhecido como Kin Lai 明, um gesto onde na tradição marcial chinesa a mão direita fica com o punho fechado, representando força enquanto a mão esquerda fica aberta pressionado a direita representando a inteligência. Este gesto na prática marcial chinesa representa que o indivíduo deve usar a inteligência acima da força para ser mais eficiente, algo como paz sobre a guerra, ou a supressão dos instintos mais violentos em favor de soluções mais eficazes, além disso o gesto é uma forma de demonstrar respeito, admiração e equilíbrio para com o adversário.
Estes preceitos são entendidos por nós, mas de uma forma mais romanceada, com um tom mais artístico. O cumprimento entre os alunos do Espaço lai sempre é este, e neste sentido é levado para fora onde se reúnem para treinar, é corriqueiro de se ver dois estudantes se encontrar em algum lugar público e se cumprimentar com o kin lai, se tornou algo tão automatizado que virou característica identitária entre os praticantes de Louva-a-Deus, não que os praticantes de outros estilos não o faça também, mas o Espaço Lai trouxe este e outros comportamentos tradicionais de forma mais intensa o que reforça a seriedade da escola que ao longo de tempo foi se naturalizando e ganhando suas peculiaridades, como por exemplo a redundância que os alunos do Espaço acabam por naturalizar ao se cumprimentar com o kin lai e depois apertar as mãos em seguida. Na cultura oriental também existe o gesto de se tocar apertando os braços, como os samurais se cumprimentavam, mas sem jamais tocarem as palmas das mãos e sim o antebraço um do outro, na China isso também é visto, o gesto também possui uma conotação militar, mas aqui não é de conhecimento geral dos praticantes, esse tipo de gesto na prática marcial, no kung fu, o que se pulverizou foi o Kin Lai, mesmo assim o sentido e a compreensão da ação como um cumprimento em si não parece ser internalizado da forma como é entendido na cultura oriental. É como se o cumprimento sem se tocar fosse insuficiente, por isso se tornando um símbolo do kung fu e cultura chinesa que apesar de entendermos que é um cumprimento, saudação, ainda nos sentimos como se não estivéssemos saudando de forma completa, o que não deveria ser verdade se realmente compreendêssemos a cultura Oriental, nos remetendo novamente ao que Said diz a respeito da identidade ocidental que se faz sempre em contraste com a Oriental mesmo que não a façamos de forma consciente.
o Oriente ajudou a definir a Europa (ou o Ocidente), como sua imagem, ideia, personalidade e experiencia de contraste. Contudo, nada desse Oriente é meramente imaginativo. O Oriente é parte integrante da civilização e da cultura materiais da Europa. O Oriente expressa e representa esse papel, cultural e até mesmo ideologicamente, como um modo de discurso com o apoio de instituições, vocabulário, erudição, imagística, doutrina e até burocracias e estilos coloniais. (SAID. 1990. p.14)
Tomando a Europa por Ocidente e por consequência o goianiense indivíduo da cultura ocidental muito influenciado pela cultura europeia vide a história colonial de nosso país, podemos dizer que os comportamentos dos alunos do Espaço Lai são o que são mesmo que muitas vezes de forma inconsciente ações que reforçam a sua identidade em relação ao que entendemos como cultura Oriental aqui no caso mais em específico a chinesa, e que por estarem integrando um grupo que possui um código moral, éticas, e práticas diferentes de outros grupos inseridos na sociedade goianiense adquirem um cunho identitário diferenciado, percebido e representado dentro da mesma.
Assim como é intrigante vermos a identidade construída ao longo dos anos dentro do contexto marcial tradicional chinês que ganha formas peculiares ao comportamento dos praticantes goianos como é aqui no caso de nosso estudo, é indispensável dizer o quanto as artes marciais tem contribuído não somente nestes contextos descritos em parágrafos anteriores, há uma contribuição muito rica no que diz respeito ao ambiente escolar e que vamos discorrer a respeito.
5. Possibilidades das artes marciais no espaço escolar
O processo de ensino/aprendizagem verificado nas escolas brasileiras, tal como vislumbrado por Paulo Freire, deve se compreender num processo de conexão com a sociedade, dessa forma todo o conhecimento ali produzido só será efetivado quando contextualizado com o universo da vida do discente. Para que isso seja concretizado a escola deve agregar métodos e objetivos para que o processo seja alcançado de forma satisfatória, sendo que os alunos devem ser entendidos como sujeitos singulares com necessidades e conhecimentos peculiares a seu convívio fora e dentro da escola e os professores cientes disso devem se organizar, se preparar didaticamente, pedagogicamente para se utilizar dos melhores métodos para alcançar os objetivos:
Consideraremos, em primeiro lugar, que o processo de ensino – objeto de estudo da didática – não pode ser tratado como atividade restrita ao espaço da sala de aula. O trabalho docente é uma das modalidades específicas na prática educativa mais ampla que ocorre na sociedade. Para compreendermos a importância do ensino na formação humana, é preciso considerá-lo no conjunto das tarefas educativas exigidas pela vida em sociedade. (LIBÃNEO. 2006. p. 15)
Os objetivos são estipulados na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) que corresponde aos anseios da sociedade bem como os objetivos mais específicos que buscam por exemplo a emancipação do sujeito perante a sociedade, ou seja, alguém que tenha pensamento crítico a respeito do meio onde se está inserido. A BNCC é um documento que demarca as atribuições gerais e também específicas relacionadas a habilidades, aprendizagens que são essenciais para que todos os alunos se desenvolvam durante as etapas da educação básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) a base curricular também determina que as habilidades e conteúdos sejam os mesmos em todo o território nacional sem diferenciação:
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). Este documento normativo aplica-se exclusivamente à educação escolar, tal como a define o § 1º do Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996)1, e está orientado pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN)2. (BNCC. p. 7)
Como a arte marcial pode ser inserida neste contexto? Como já foi dito acima as artes marciais representadas aqui pelo kung fu, trabalham a disciplina, concentração, controle do corpo e da mente, habilidades que agregam ao contexto de formação requerida na BNCC, sendo que na base já está previsto a ministração de aulas de lutas em geral com o intuito de se construir experiências pessoais relacionadas a cultura corporal e movimento como vemos aqui:
Nesse sentido, a área contribui para formar sujeitos capazes de usufruir, produzir e transformar a cultura corporal de movimento, tomando e sustentando decisões éticas, conscientes e reflexivas sobre o papel das práticas corporais em seu projeto de vida e na sociedade. A cultura corporal de movimento é entendida como o conjunto de práticas culturais em que os movimentos são os mediadores do conteúdo simbólico e significante de diferentes grupos sociais. Por isso, sua abordagem na educação básica exige que as experiências corporais dos estudantes sejam integradas à reflexão sobre a cultura corporal de movimento. (BNCC. p. 475)
As lutas são vistas na BNCC como agregadoras no sentido de um desenvolvimento de atividades motoras bem como também podem ser trabalhadas com os jovens relacionando signos, visando a compreensão de suas origens, modos de aprendizagem e de como ensinar. Trata de introduzir os alunos a conceitos de valores, condutas, formas de se perceber o mundo, respeito ao próximo e daí por diante. Lutas podem ser trabalhadas como vemos aqui não somente no âmbito de atividade física, mas também em outros aspectos, como por exemplo o que é visto neste trabalho, onde estamos relacionando a luta (arte marcial – Kung Fu) a preceitos históricos, sociológicos e culturais associando a história de um país, suas efervescências sociais o desenvolvimento das artes marciais e como um fator está vinculado ao outro.
No Brasil podemos nos utilizar da Capoeira como um exemplo para darmos uma visão de um ângulo diferente de como pode ser enxergada a história do país, relacionando em que grau os fatores sociais que aconteciam aqui contribuíram para a difusão da prática da luta entre os negros escravizados e como a capoeira pode ter contribuído para um enriquecimento cultural ou até mesmo para mudanças na sociedade. Trabalhando desta forma a arte marcial pode incutir nas jovens questões éticas e de respeito as diferenças, fortalecendo relações construtivas através da reflexão, leitura e produção que trabalhem as lutas e seus valores agregados.
Cada conjunto de práticas da cultura corporal de movimento (danças, lutas, ginásticas, esportes e jogos) apresenta especificidades de produção da linguagem corporal e de valores e sentidos atribuídos às suas práticas. Essa diversidade de modos de praticar e significar a cultura corporal de movimento é objeto de aprendizagem da área, a fim de proporcionar aos jovens incorporar a cultura corporal de movimento em seus projetos de vida de forma crítica e consciente. (BNCC. p. 487)
Além do mais ainda existem possibilidades maiores como o trabalho com aqueles alunos que possuem algum tipo de dificuldade de aprendizado ou comportamento que podem ser trabalhados através da prática das artes marciais já que elas costumam seguir certos parâmetros de ensino que ajudam na concentração através da repetição de movimentos, ajustes de posturas e entendimento de limites. No âmbito comportamental a prática marcial insere conceitos de hierarquia, respeito a si próprio e aos mais velhos. No Kung fu é essencial em primeiro lugar o respeito a quem te ensina, a quem treina a mais tempo, bem como quem é mais novo, portanto deve se dar valor ao que se aprende, entender que é preciso dedicação para melhorar e ter humildade ao repassar o que foi aprendido respeitando os limites do outro, dessa forma conseguirá ter mais controle sobre suas capacidades aumentando a autoconfiança. O professor tem aqui um papel fundamental pois precisa ter um entendimento mais aprofundado relacionado a arte marcial para que a prática não se torne apenas um trabalho físico como qualquer ginástica, assim caso necessário o trabalho pode ser feito em conjunto com outros que possam ensinar os demais valores e conceitos intrínsecos à prática marcial, a interdisciplinaridade que já é prevista nos métodos de ensino dentro das escolas será de grande utilidade para este fim.
É essencial que tenhamos consciência de que a luta não é perigosa e não é virtuosa, ela está sempre relacionada ao contexto na qual é inserida. A luta se torna o que fazemos dela e neste sentido a que nos referimos a prática de uma arte marcial serve para o amadurecimento consciente de quem a prática.
As lutas têm como objetivo inicialmente uma compreensão do educando do ato de lutar, questionando-se o porquê lutar, com quem, contra quem, analisar os pontos positivos e negativos com relação a prática das lutas nas aulas, colocando a luta como uma defesa pessoal e não um ato de "arrumar briga". (TORRES. 2010, apud BRASIL, 1998, p. 96)
A prática das artes marciais dentro das escolas se for feita com um acompanhamento criterioso relacionado os valores intrínsecos a elas, podem agregar bastante ao desenvolvimento de alunos em âmbito não somente do aprimoramento atlético mas também no sentido cognitivo e intelectual já que elas trabalham de forma profunda o entendimento de hierarquia, respeito, perseverança, percepção, foco e principalmente aperfeiçoamento do corpo e da mente em equilíbrio. A escola de arte marcial que tiver um projeto pedagógico elaborado com um currículo mínimo a ser seguido a fim de uma padronização de ensino provavelmente terá uma maior facilidade em agregar se ao ambiente escolar de ensino básico pois assim a proposta fica clara e pode ser analisada pelo gestor escolar com mais facilidade. Neste sentido a escola Lai Kung Fu possui um projeto elaborado para a formação de seus instrutores que admite as peculiaridades de cultura, idade, capacidade física e os demais fatores relacionados:
Após meses de discussões, diálogo e construção coletiva, chegamos a alguns consensos que norteiam o trabalho do Lai Kung Fu de todo o Brasil. Assim, levando-se em consideração a necessidade de padronização curricular, mas, ao mesmo tempo, considerando tanto a experiência de ensino de cada instrutor, aspectos regionais, interesses individuais, o que desenhamos diz respeito a parâmetro segundo o qual cada instrutor poderá se instrumentalizar à sua maneira para o trabalho. Destaca-se, apenas, que para a formação de Instrutor no contexto do Lai Kung Fu, o candidato (a) deverá cumprir os requisitos do Currículo Mínimo. (https://northernmantisbrazil.com/textos)
A Escola lai Kung Fu é apenas um exemplo dentre as diversas outras escolas de artes marciais diversas que também propõem currículos pedagógicos de ensino que norteiam seus instrutores e que por isso se tornam uma ótima ferramenta nas mãos do Ensino Básico para ajudar na concretização de seus objetivos perante a sociedade. Logicamente não é algo que é implementado de forma fácil ou sem obstáculos, mas a contribuição positiva trazida pelas lutas é um fator bem maior do que o contrário se for feito de forma séria e comprometida com a formação escolar de sujeitos críticos e conscientes
Enquanto prática marcial, o Kung fu/wushu tem sido um estilo que possui uma extrema popularidade e que vem sendo reconstruída ao longo dos tempos seja por seus praticantes mais ilustres, mestres talentosos, por sua beleza estética, ética, pela eficiência como método de defesa corporal. A sua história é milenar, envolta em narrativas das ordens mais diversas carregadas de misticismo, de lendas e quando melhor estudadas, quando elucidadas encontramos um campo aberto para genuínos trabalhos de pesquisa tornando se um objeto importantíssimo para reflexões historiográficas não só de sua região de matriz como por todo o globo, tendo contribuído nos meios mais diversos, como militares, artísticos, educacionais ou mesmo terapêuticos.
Sua longa história o fez atravessar barreiras culturais e geográficas, chegando ao Ocidente e trazendo consigo diversos aspectos desconhecidos e próprios da cultura oriental que não seriam possíveis de se experimentar não fosse pela contribuição de vários praticantes que migraram para diversos países como os EUA, Europa e até mesmo o Brasil principalmente no século XX, construindo novas escolas, disseminando o pensamento marcial chinês bem como absorvendo também aspectos da cultura ocidental, se adaptando a ela e assim formando algo diferente do que se criou a milênios.
6. Considerações finais
Como vimos, a arte marcial chinesa possui uma longa história, uma trajetória cheia de momentos conturbados, de grande riqueza cultural que ganhou o mundo após os contatos iniciais com o Ocidente. Passou a ter um status místico e grandioso para todo o globo, se tornou entretenimento do cinema, começou a ser praticado também por não chineses, se difundiu através de mestres das mais diversas etnias. No primeiro capítulo fizemos uma passagem pela genealogia histórica do Kung fu, a pesquisa nos revelou que muito do que se sabe a respeito de suas origens se escora em lendas não comprovadas por falta de documentos que dessem essa legitimidade. Logicamente que estas lendas também se misturam com alguns fatos, como o surgimento do kung fu dentro de templos budistas como os de Shaolin. Apesar do contato dos monges com a arte marcial ser verdadeiro e verificável, a sua origem foi uma memória que eles conduziram, deram um significado e após isso foi sendo repassada por gerações na tradição oral, depois ganhando documentação escrita, esculturas que a tornaram a versão “oficial” conhecida por todos que buscam informações a respeito do Kung fu, fato é que nas escolas de artes marciais é esta a história que nos contam a respeito das suas origens.
Um fato que se comprovou nas pesquisas foi o contato da arte marcial chinesa com as doutrinas mais conhecidas do mundo Oriental, o Kung fu/wushu possui éticas marciais advindas da incorporação das ideias vindas do Confucionismo, do Taoísmo e do Budismo. Essa amalgama doutrinária foi o eixo fundador da ética marcial na China que reforça a ideia de um aprendizado, conhecimento e superação que advém da meditação e do olhar para dentro de si mesmo no intuito se encontrar as respostas adquirindo um equilíbrio entre todas as escolhas e práticas que se faz durante a vida. A prática dessas doutrinas não é aplicável somente para quem faz arte marcial, é algo que pode ser praticado por qualquer pessoa. A ética marcial chinesa não se prendeu as amarras geográficas, junto com o Kung fu ela veio para o Ocidente onde também foi bem aceita e incorporada por seus praticantes.
Dentre os mais diversos estilos de wushu, o Louva-a-deus foi o destacado neste trabalho para que pudéssemos abordar a construção da identidade, objeto de nosso segundo capítulo. A prática do estilo dentro de uma cidade do estado de Goiás, lugar bastante distante do local de seu nascimento acompanhada com a observação dos comportamentos de seus praticantes, relevância cultural, respeito adquirido ao longo da história, possui sim uma identidade que foi constituída através dos anos nos quais o Louva-a-deus ganhou popularidade na cidade, se misturou a diversas práticas culturais como o teatro, apresentações de rua e eventos diversos.
O estilo Louva-a-deus está entre os mais respeitados no estado pela seriedade e cuidado que seu Instrutor emprega no ensino e divulgação, os alunos carregam consigo estes valores que se espelham nas ações de seu instrutor. As peculiaridades comportamentais que os praticantes de Louva-a-deus demonstram também se constituem em uma criação identitária, a forma com que se cumprimentam, lidam com assuntos relacionados a ética marcial, a apropriação dos símbolos orientais e ressignificação deles contribuem para que todos os indivíduos desse grupo se sintam integrados e se diferenciem de outros até mesmo dentro da comunidade marcial algo que pode ser verificado dentro da sociedade goianiense.
Na segunda parte do segundo capítulo abordamos a possibilidade da prática da arte marcial nas escolas. E o que se verificou é que através das pesquisas feitas neste trabalho a respeito dos benefícios das práticas marciais chegamos a uma resposta bastante interessante. A pratica das artes marciais constrói um corpo forte, mas não só isso, ela contribui para uma melhor coordenação motora, aumenta o nível de foco, introduz nos jovens os conceitos de hierarquia, superação, persistência, reflexão sobre si mesmo, o autoconhecimento, fatores que contribuem diretamente com o que se espera na formação escolar estabelecida na BNCC.
A contribuição das artes marciais para a sociedade ultrapassa a barreira da educação se mostrando bastante pertinente caso seja utilizada dentro das escolas a fim de contribuir na formação dos jovens e inseri-los na sociedade de forma satisfatória, desenvolvendo o intelecto, o foco, valores e signos importantes para que se alcance a sua autonomia.
Apêndices
VICENCIO, Sanântana Paiva. Reencontrando o equilíbrio: um estudo sobre as possibilidades de utilização do Gong Fu no treinamento dos atores e na criação de cenas. 2011. 169 f., il. Dissertação (Mestrado em Artes) —Universidade de Brasília, Brasília, 2011.
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1 fazer a genealogia dos valores, da moral, do ascetismo, do conhecimento não será, portanto, partir em busca de sua “origem”, negligenciando como inacessíveis todos os episódios da história: será, ao contrário, se demorar nas meticulosidades e nos acasos dos começos; prestar uma atenção escrupulosa à sua derrisória maldade; esperar vê-los surgir, máscaras enfim retiradas, com o rosto do outro; não ter pudor de ir procurá-las lá onde elas estão, “escavando os bas-fonds”; deixar-lhes o tempo de elevar-se do labirinto onde nenhuma verdade as manteve jamais sob sua guarda. (FOUCAULT, 1996. p. 19.)
2 a análise da Entstehung deve mostrar seu jogo, a maneira como elas lutam umas contra as outras, ou seu combate frente a circunstâncias adversas, ou ainda a tentativa que elas fazem – se dividindo – para escapar da degenerescência e recobrar o vigor a partir de seu próprio enfraquecimento. (Ibidem, Id.)
3 não se trata de modo algum de reencontrar em um indivíduo, em uma ideia ou um sentimento as características gerais que permitiram assimilá-los a outros – e de dizer: isto é grego ou isto é inglês; mas de descobrir todas as marcas sutis, singulares, subindividuais que podem se entrecruzar nele e formar uma rede difícil de desembaraçar; longe de ser uma categoria da semelhança, tal origem permite ordenar, para colocá-las a parte, todas as marcas diferentes. (Ibidem, Id.)
4CHUNG, Y. N. The Founder of the Chinese race: Yellow Emperor
5 Danças militares e civis: nas dinastias Shang (1600 a.C – 1046) e Zhou (690 a 705 d.C) as danças militares e civis dividiam os papéis sociais da época. Os dançarinos civis se movimentavam de forma fluida, com graça e beleza. Seus movimentos tinham como tema a caça e a pesca, abusando do uso de penas e bandeiras de penas. A dança militar era realizada por um grande grupo de bailarinos em movimentos sincronizados segurando suas armas. Símbolo de ordem e disciplina, a dança refletia o poder do exército.
Dança do Dragão e do Leão: A tradicional Dança do Dragão e do Leão é executada em datas especiais, tais como o Ano Novo Chinês. Iniciada na dinastia Han, a dança era utilizada para o cultivo e colheita, bem como método de cura e prevenção. O dragão é representado por uma longa serpente formada de diversas varas, que quando montadas com uma série de arcos e unidas à cabeça e à cauda customizada, formam uma figura gigante. Madeira e arcos de bambu são a matéria prima da fantasia que pode variar de 20 a 35 metros de comprimento. Segundo a mitologia, quanto mais longa é a cauda do Dragão, mais sorte ele traz.
6 Informação retirada de: Noll, Richard ; Shi, Kun (2004). "Chuonnasuan (Meng Jin Fu), The Last Shaman do Oroqen from Northeast China
7 LIMA L. M. S. O Tao da educação: a filosofia oriental na escola ocidental
8 Uma estátua de proporções gigantescas fora erguida na cidade de Jingzhou possuindo 58 metros de altura e 1,3 mil toneladas, foi desenhada por Han Meilin, o mesmo que criou os mascotes dos jogos olímpicos de Pequim, em 2008.
9 Yin e Yang são conceitos do pensamento chinês, mais precisamente do taoísmo que podem ser representados no pensamento ocidental como a oposição entre o bem e o mal os quais estão presentes na natureza sendo um intrínseco ao outro. Para um aprofundamento do assunto recomendamos a leitura de Nietzsche em Zur Genealogie der Moral e em outros escritos.
10 An Illustrated History of Health and Fitness, from Pre-History to our Post-Modern World
11 (Informações retiradas do artigo “Kung Fu – A História do Wushu Moderno”, publicado no Jornal de Artes Marciais Chinesas e no site www.martialarts.com . Traduzido por Mariana Nascimbem Blaser e postado no site www.portaldekungfu.com. Acesso em 13/05/2020)
12 Para aprofundamento do assunto relacionado ao cinema de Artes marciais chinês recomendamos duas leituras:
The Myth Continues: Cinematic Kung Fu in Modernity. In: Hong Kong Connections: Transnational Imagination in Action Cinema. Hong Kong University Press (2005, pp. 49-62)
Kung Fu: negotiating nationalism and modernity. In: Asian Cinemas: A Reader and Guide Edinburgh University Press (2006, p 100-125
13 Qigong, Chi Kung ou Kikō (em chinês simplificado: 气功; chinês tradicional: 氣功; pinyin: Qìgōng; Wade-Giles: ch'i4 kung1; em japonês: kikō (気功?); em tailandês: ชี่กง) é um termo de origem chinesa que se refere ao trabalho ou exercício de cultivo da energia. Estes exercícios têm a finalidade de estimular e promover uma melhor circulação de energia Qi (energia vital) no corpo.
14 A figura de Guan Yu/ Kwuan Kun representa as virtudes de um grande guerreiro, Guan era conhecido como um exímio artista marcial, estrategista com lealdade inabalável, por estas características acabou se tornando uma divindade na cultura chinesa e considerado patrono das artes marciais. Viveu no periodo conhecido como os Três Reinos entre 220 e 280 d.c.
Publicado por: Jean Ribeiro Belesk
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