Ela é carioca? As representações femininas nas letras de música da Bossa Nova (1958 - 1960)

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1. Resumo

O presente trabalho se propõe a estudar a década de 1950, com enfoque no período do governo de Juscelino Kubistchek, o andamento político econômico, a fim de buscar a relação entre os acontecimentos mundiais e internos com o cenário musical e o nascimento da Bossa Nova, enquanto movimento social. Refletir sobre os estudos em torno da mulher e das relações de gênero, a importância de perceber a mulher enquanto sujeito histórico, o papel exercido por elas na sociedade daquele período e a forma como é retratada. Analisar as letras de música produzidas no triênio 1958 – 1960, gênese do movimento Bossa Nova, as características e os principais nomes do movimento, análise das letras e o que carregam consigo de reflexo da sociedade, as relações de gênero em busca de traçar um perfil feminino.

Palavras chave: Bossa Nova. Mulher. Brasil.

She´s a carioca? The feminine representations the Bossa Nova lyrics.

Abstract

The following work intends to study the 50’s focusing on the period when Juscelino Kubistchek has governed, and its political and economic development for the purpose of find the relation between both world and national events and the music scenario of the period with the rising of Bossa Nova as a social movement. To consider the studies about women and gender relations; the importance of realizing women as a historical subject and their roles and forms of representation in that period society. To analyze the lyrics produced in the triennium 1958-1960, the genesis of Bossa Nova movement, its characteristics and main artists, the lyrics analyses and the society’s reflection that lay on it, the gender relations in a search of a delineation of the feminine profile. 

Key Words: Bossa Nova. Woman. Brazil.

2. Introdução

A música tem uma função de destaque nas artes, pois figura como a arte que mais tem inserção na vida humana. Quando percebemos a influência que a música exerce sobre o ser humano, a análise de uma sociedade na perspectiva histórica de um determinado período através desse prisma é extremamente válida. A música produzida por determinada sociedade pode e provavelmente refletirá o pensamento, imaginário, valores e percepções do mundo a sua volta, pois ela é o reflexo de uma sociedade ou de um grupo específico. 

Para autores como Júlio Medaglia (2003), Brasil Rocha Brito (2003), entre outros, a Bossa Nova é um dos gêneros musicais mais importantes e reconhecidos dentro e fora do país e apesar dos vários estudos sobre o tema - em sua maioria na área da Música - é necessário observar além da composição e melodia, e encará-lo como movimento social.

Diante dessa realidade a Bossa Nova pode nos dizer muito a respeito de seu tempo, e esse é o intuito desse trabalho, permitir que as músicas dialoguem com a realidade e fazer com que o período em que foi produzida, seja melhor analisado através dessa perspectiva. Atualmente existem trabalhos na História que tomam a música como principal fonte, neste estudo a intenção é se debruçar sobre mais um aspecto daquela realidade, visando a mulher como sujeito histórico. Obviamente mesmo que considerando a licença poética dos compositores e intérpretes, tudo o que é desenvolvido carrega intencionalidade e uma visão particular de mundo, dada a vivência de cada sujeito histórico.

Dentro dessa perspectiva as fontes primárias deste trabalho são as músicas do gênero Bossa Nova, sendo considerado apenas o poema-canto e a partir delas buscou-se traçar o perfil da mulher que era vinculado dentro daquela realidade, no final da década de 1950, especificamente Rio de Janeiro local onde nasceu a Bossa Nova.

O critério de escolha das fontes baseou-se na seleção por compositor, e pautada na circulação das músicas no ano de lançamento, ou seja, as músicas que tiveram mais expressão no cenário musical segundo Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello (2006). Sendo assim, as que estiveram presentes nas paradas de sucesso no triênio 1958 – 1960.

No trato com as fontes procurou-se evidenciar a temática das letras, os elementos que constituíam o estilo musical e após essa primeira análise buscou-se evidenciar de que forma a mulher era representada[1] e em que contexto, após determinar como a Bossa Nova percebia a mulher naquele período.

Devemos considerar que a Bossa Nova, assim como tudo, é fruto de seu tempo. O capítulo “Do Populismo à Bossa Nova”, abordou-se a situação que o país enfrentava durante toda a década de 1950, com ênfase no governo JK e a tentativa de reconhecimento no cenário mundial diante dos inúmeros fatos no transcorrer do período, traz considerações sobre a formação da música popular brasileira, o cenário musical da década de 1950 e a criação e formação da Bossa Nova.

No capítulo “A Problemática de Gênero” debruçou-se sobre os estudos de gênero, a forma como a História percebe a mulher enquanto seguimento de estudo e principalmente sua emancipação como sujeito histórico, além de tratar as relações de gênero, o lugar da mulher na sociedade e introduzir uma breve consideração sobre os estudos em torno da musicologia de gênero.

O capítulo “Isso é Bossa Nova” traz a análise das fontes primárias, análise essa com fim de esmiuçar as letras e evidenciar todos os elementos presentes nas músicas, com intuito de traçar um padrão no estilo musical e principalmente resgatar a forma que a mulher era vista e de fato quem era “ela”.

Por fim, desenhou-se um perfil de musa e sua função nos relacionamentos descritos nas canções, a forma como interlocutor vê o seu relacionamento e consequentemente a sua parceira.

3. Do populismo à Bossa Nova

Ao refletirmos sobre a década 1950, percebemos que é um período em que muitas mudanças ocorrem, não só no Brasil, mas também no mundo. A herança do pós guerra gerou um fardo pesado que a humanidade carregava, principalmente em relação ao medo de uma nova explosão atômica[2].

Foi nesse momento que o antagonismo entre capitalismo e socialismo polarizou o mundo, dividindo-se em dois grupos, os aliados dos EUA versus os aliados da URSS, ao passo que buscava-se captar apoio dos países que não tinham posição definida, muito se fez por parte dessas duas potências.

Os países mais desenvolvidos[3] se juntaram aos EUA e fortaleceram sua posição capitalista liberal. No caso dos aliados da URSS[4], recebiam ajuda financeira e armamentista para tornar viável a Revolução Socialista. O que se sabe é muito mais fácil manter-se num sistema parecido com o vigente, onde as mesmas pessoas detém o poder do que suscitar uma revolta popular.

Jacob Gorender (2003) afirma que talvez seja o que facilitou o processo de queda do regime socialista e a não popularização foi a falta de fé no sistema por parte da população.  No caso do capitalismo já ocorre o contrário, a conquista dos aliados foi sem dúvida principalmente no plano ideológico. O plano Marshall[5] foi concreto e eficaz ao estabelecer ajuda aos países para se reconstruírem após a guerra. O capitalismo americano se estabeleceu e o fez a maior potência do mundo, além do poder econômico e bélico, uma característica seria marcante, o american way of life[6] influenciaria o mundo e traria mudanças drásticas à sociedade brasileira.

3.1. A década de 1950

No Brasil, o período foi de instabilidade, algumas movimentações políticas de grupos de esquerda, principalmente liderados pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro) que se dá no decorrer da década de 1950 intensifica uma luta ideológica em torno da questão comunista. Havia apoio de intelectuais, mas havia também uma grande bancada contraria  principalmente entre os militares a qualquer tendência comunista.

Thomas Skidmore (1982) afirma que esse período, do final do Estado Novo até o golpe militar de 1964 seria a breve experiência democrática no Brasil. É importante ressaltar que este momento no país floresce a produção intelectual e artística, alguns influenciados pelo nacionalismo incipiente, outros pela cultura de massa[7] importada dos EUA. 

Segundo Boris Fausto (2004) com a volta de Getúlio Vargas ao poder em 1951 a entrada de capital estrangeiro, principalmente os setores de petróleo e minério, se torno uma questão amplamente divulgada entre os nacionalistas, que viram por parte de Vargas a criação da CSN[8], e o incentivo a uma indústria nacional. Estes esperavam que o país se mantivesse independente do capital estrangeiro, mas muitas posições foram defendidas, desde o fechamento para o dinheiro de fora, por parte dos nacionalistas do PCB, até a abertura total, inclusive a privatização do que era comandado pelo Estado. Essa modernização acelerada, através da criação das indústrias nacionais, desencadeou uma grande onda migratória para os grandes centros urbanos.

A vida nos grandes centros urbanos tomou nova forma, a migração em massa, como dito anteriormente aumentou consideravelmente a população das duas maiores cidades do país, São Paulo, o maior parque industrial da América Latina e Rio de Janeiro, até então a capital do país. Esse movimento deixa migrantes às margens das cidades, dada a falta de espaço no centro. Percebe-se um considerável aumento de moradias populares e o crescimento das comunidades periféricas. A cultura do consumo com o decorrer da década vai se tornar cada vez mais forte entre os mais abastados “Fios sintéticos, alimentos enlatados, eletrodomésticos, saltavam das coloridas páginas das revistas semanais criando novos hábitos e despertando necessidades” (RODRIGUES, 2003, p. 35). A mulher apesar de ser um frequente alvo da mídia e da propaganda, não muda a condição existente, ou seja, não se emancipa, sua imagem continua atrelada ao homem, enquanto provedor.

Segundo sua linha política, Vargas que tinha em seu governo participação de grande parte dos partidos, se mantinha frequentemente na corda bamba para agradar desde os comunistas até os militares conservadores, passando pela população através das leis trabalhistas. No entanto a realidade não era favorável a Vargas. As constantes mobilizações populares manchavam o governo que as tentava reprimir. O presidente que era conhecidamente contrário às greves desde o Estado Novo, proibidas desde então, via o agravamento das greves e nomeia como seu ministro do trabalho João Goulart para contornar a situação.

Apesar dessas tentativas, o número de descontentes com o governo apenas aumentava, os grandes jornais não o poupavam em críticas. A tensão social vivida naquele período se evidenciava nas constantes greves, a mais famosa sem dúvida foi conhecida como a greve dos 300 mil, que paralisou São Paulo, durou quase um mês e sua principal reivindicação era o um aumento salarial de 32%, dada a inflação recorrente e o considerável aumento do custo de vida (MORI, 2004).

A pressão para que Vargas saísse do governo tornou-se incontornável, até que culminou em seu suicídio. Sua morte moveu grandes expressões populares, de apoio ao falecido presidente, seria definitivamente o fim da Era Vargas, após 11 anos de governo.

A morte de Getúlio Vargas desencadeou uma enorme crise política atrelada aos já conhecidos problemas monetários. Não se sabia muito bem como seria o futuro, dado a constante e ameaçadora onda vermelha que os militares tanto temiam, como dito anteriormente, o PCB (Partido Comunista Brasileiro) havia se fortalecido.

Café Filho do PSD (Partido Social Democrático) vice de Vargas foi designado a finalizar o mandato de seu antecessor, enfrentou a UDN (União Democrática Nacional), com maioria direitista. Seu governo foi de transição e visava estabilização econômica através da abertura ao capital estrangeiro, já debatida no mandato anterior.

Café Filho tomou decisões polêmicas para conter a inflação que apenas gerou mais greves, medidas como limitação de crédito, diminuição de despesas públicas e a retenção automática do imposto de renda sobre os salários foram adotadas, sua política econômica rígida agravou ainda mais a crise política.

As novas eleições foram convocadas e Juscelino Kubistchek, conhecido governador de Minas Gerais com reputação desenvolvimentista, foi candidato do PSD, tinha as características populistas de Getúlio Vargas, e seu vice era João Goulart do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), sua vitória foi com o percentual de 36%, mas houve uma tentativa da UDN e de setores mais conservadores da sociedade para invalidar a sua posse, houve mobilizações em prol de um golpe por parte do militares. O Estado de sítio[9] foi instaurado.

3.2. O governo de Juscelino Kubistchek

Juscelino Kubitschek rotulado posteriormente como o presidente bossa nova[10] era a personificação dos novos tempos vividos e da mudança de mentalidade, apesar de uma posse atribulada, garantida através de um golpe preventivo do General Lott, então ministro da guerra, não diminuiu o frescor de seu mandato, o que demonstrava sua habilidade política ao lidar com sua ampla base aliada cheia de antagonismos. Sua principal motivação era oferecer ao Brasil um significativo avanço, os objetivos se encontravam reunidos em seu famoso Plano de Metas no qual o jargão era “50 anos em 5”, o Plano Nacional de desenvolvimento foi divulgado ainda em campanha.

Devemos levar em consideração que apesar das indústrias nacionais, criadas por Vargas o Brasil permanecia predominantemente rural e a crescimento efetivo da indústria ocorreu a partir do governo Kubistchek[11], além de ser o único presidente civil a terminar seu mandato até então.

 A linha de governo de JK era conhecida como nacional desenvolvimentista, pois carregava consigo o conceito populista de caráter nacionalista que exaltava o potencial da pátria e dos brasileiros, mas era defensor de uma política externa mais aberta ao capital estrangeiro, dentro desta política seu foco principal era o investimento em transporte e energia.

O então presidente não objetivava apenas a resolução da crise brasileira vivida, sendo a estabilização monetária o objetivo final. JK pretendia levar a cabo a noção de desenvolvimento e conduzir o Brasil a um novo posto na economia mundial e o Programa de Metas refletia sua postura, o mesmo não tratava de questões gerais sobre políticas monetária e fiscal, mas em investimentos na infraestrutura brasileira.  O investimento em transporte e energia tomou cerca de 70 % dos recursos previstos originalmente no Programa (MALAN, 1995, p. 79), no entanto o Brasil se encontrava numa situação difícil nas contas externas, a capacidade de importação era limitada e havia um déficit nas exportações.

3.2.1. As contradições econômicas de JK

Para entender melhor a situação econômica que o Brasil enfrentava no governo JK, é fundamental levar em consideração a questão em torno do café e do capital estrangeiro.

O café era o principal produto de exportação, por volta de 60% do total, com o colapso no mercado cafeeiro, as exportações sofreram uma brusca diminuição. A crise em torno do café ocorreu praticamente em toda década de 1950. Em 1957 foi feito um acordo de contenção para retirar sacas do mercado para manter estável o preço do produto, entretanto em 1957/1958 do século XX, houve ciclo de superprodução agravando a instabilidade do mercado cafeeiro, consequentemente trazendo grande impacto na economia brasileira.

Com o principal recurso de exportação em crise, não haveria formas de extrair os recursos necessários para implementação do Programa de Metas e é nessa conjectura que o capital estrangeiro e principalmente os recursos do governo norte americano entram em cena.

Em setembro de 1959 mediante aos fracassados esforços anteriores de disciplinar o mercado do café, firma-se o Convênio Internacional do Café. O Brasil retira do mercado cerca de 18 milhões de sacas de café, essa retenção ocorre em vários países produtores, medidas que não são suficientes, trazendo aumento nas pressões inflacionárias a partir de 1959, o que resultou na queda do preço do café.

Esta quase redução contínua das exportações brasileiras de 1951 até 1958 e sua estagnação no triênio 1958-1960 poderiam ter comprometido seriamente o esforço de acumulação de capital e de industrialização nos anos cinquenta devido à escassez de divisas, não fora o recurso ao capital estrangeiro de risco (investimento direto) e de empréstimo que marcou o período. (MALAN, 1995, p. 82)

A utilização de capital estrangeiro na economia brasileira não era uma novidade inventada por Juscelino, a legislação cambial brasileira era favorável a investimentos, e o governo norte americano já era um antigo parceiro. No entanto a partir de meados da década de 1950, aumentou de maneira significativa o montante de investimentos norte americano na Europa, principalmente na indústria manufatureira. A Eisenhower manteve sua política, ocluso em relação às negociações com a America Latina e logo afetou o Brasil, principalmente após a criação da CEE (Comunidade Econômica Europeia, também conhecida como Tratado de Roma) claramente protecionista, afligiu a America Latina que dependia dos investimentos norte americanos para se desenvolver.

Essa medida protecionista acirrou a competição entre norte americanos e europeus, e a mudança no mercado mundial gerada pela CEE, foi benéfica para o Brasil graças a manipulação de incentivos de JK, na verdade o governo soube aproveitar as condições favoráveis.

Essa postura trouxe uma série de implicações econômicas. JK precisava de dinheiro para prosseguir com o seu Plano de Metas, mas o principal produto de exportação brasileiro, o café, passava por uma crise mundial que havia jogado seu preço para baixo. Como dito no parágrafo anterior o governo de Eisenhower se mantinha muito fechado para negociações com a América Latina e passou a investir na Europa, com a criação da CEE, ocorreram mudanças no mercado mundial e o presidente soube aproveitar o acirramento econômico entre EUA e Europa em prol do Brasil e seu Programa. Para isso manteve-se uma taxa mais favorável ao mercado livre, chamada ‘equity capital’ para atrair investimentos, as importações não tinham cobertura cambial para evitar a restrição de divisas ou estrangulamento externo visando contornar a estagnação ainda ligada ao café, com o intuito de realizar o Programa de Metas.

Essas medidas aumentaram a dívida brasileira em curto prazo (3 anos) e gerou um sério problema de liquidez. Voltou-se então a intenção de obter investimentos públicos norte americanos, que eram sem dúvida o mais vantajoso, e o instrumento político utilizado para obtenção desses investimentos foi a Operação Pan Americana.

Apesar de a America Latina salientar a importância dos investimentos norte americanos para seu bom andamento político econômico, os EUA estavam focados em outras partes do mundo. Em 1957-58 a situação econômica latinoamericana era precária e os EUA estavam preocupados com as movimentações soviéticas. A URSS preparava o lançamento do Sputnik em 1957, ocorria XX Congresso do PCUS (onde foram denunciados os crimes de Stalin) e o preparo de uma ofensiva soviética comercial exterior, essas movimentações traziam preocupação para o governo Eisenhower. A América Latina era sem dúvida a menor das preocupações.

Em 1958, Nixon o então vice presidente norte americano, visita a America Latina e eclodem várias manifestações antiamericanas, que deixava claro a deteriorização da relação EUA/America Latina. JK envia uma carta para o presidente americano Eisenhower pedindo uma revisão das relações e das prioridades para com a America Latina. O próprio discurso sobre a Operação Pan Americana[12] buscava conseguir um melhor lugar para o Brasil entre as nações latinas. O momento era favorável para juntar o descontentamento latino americano em busca de capital público norte americano. Neste mesmo ano houve uma abertura americana na postura americana com a América Latina em forma de instituição financeira de apoio aos países latinoamericanos (MALAN, 1995 p. 85).

A Operação Pan Americana foi sem dúvida a maior ação política de Kubistchek, para buscar ter maior reconhecimento como estadista entre os latinoamericanos atrás de recursos, o governo norte americano deliberou cerca de US$ 30 bilhões para investimentos em 10 anos, mas salientando a importância de outros tipos de investimento para o crescimento dos países latino americanos.

Apesar dos bons resultados do Plano de Metas, que se devia em parte ao capital estrangeiro a partir de 1958 a inflação cresceu sobremaneira junto com a dívida externa, o presidente ao lidar com o desfavorável quadro político-econômico, pensa inclusive em reatar com a URSS, houve uma tentativa de estabilizar a economia através do PEM (Plano de Estabilização Monetária), no qual a principal medida era a elevação de preços que gerou revolta popular, em 1959 JK abandona o PEM e rompe definitivamente com o FMI em prol do Plano de Metas.

Essa ruptura precede medidas de estabilização, o próprio PEM é fruto de uma troca ministerial e parecer latente do FMI. A tentativa de implantação do PEM gerou revolta popular. O presidente negou a crise, mas o PEM entraria em conflito com o Programa de Metas, entre as muitas negociações com o FMI e especulações de funding loan[13], tornando o ano de 1959 o mais difícil na perspectiva econômica. A partir do rompimento com o FMI, toda equipe econômica trabalha exclusivamente para concluir o Programa de Metas.

3.2.2. O governo populista e a contradição da aliança PSD-PTB

Como visto acima o governo JK, não foram apenas flores, apesar dos avanços na indústria e a construção magnânima de Brasília, o presidente tinha que lidar não somente com o problema econômico, mas também com as questões da política interna.

A aliança JK- Jango é fruto de uma junção bem clara. Kubistchek após ter uma gestão bem sucedida como governador de Minas Gerais, já era bastante conhecido e candidato certo do PSD para presidente. Através de sua articulação política entre conhecidos nomes do PTB, restaura a famosa aliança PSD-PTB, que elegeu Vargas. O nome cotado para vice era o de João Goulart, figura já conhecida pela sua participação no governo Vargas, na pasta do Trabalho, que só aceitou efetivamente após a garantia de ter pleno controle da Agricultura e do Trabalho.

O governo JK foi estável apesar das tribulações econômicas. Esta estabilidade se deve também a aliança acima mencionada, a junção dos dois partidos proporcionou uma invejável governabilidade, pois garantiu maioria governista no Legislativo e aprovação necessária para execução do Plano de Metas, no entanto as discordâncias eram visíveis.

As questões sociais geravam muitos conflitos dentro do governo, “o PSD pregava uma chamada política de conciliação, de entendimento entre as classes patronais e trabalhadores, e o PTB apoiava o direito de greve, as reivindicações salariais [...]” (MARANHÃO, 1996, p. 277).  Essas diferenças por vezes incitaram ferrenhos combates no interior do governo, a posição mais conservadora do PSD não permitia um relacionamento integramente positivo com as classes trabalhadoras, principalmente com os sindicatos, já o PTB, tomou uma posição inversa, para que sua agremiação crescesse, em que foram necessária várias concessões aos sindicatos, cada vez maiores, o que causou conflito.

O embate entre os partidos fazia com que as mudanças sociais propostas em campanha esbarrasse na burocracia e na “ideologia” de cada partido, então a saída hábil foi responsabilizar a oposição, no caso a UDN (União Democrática Nacional), conhecidamente contra a emancipação das classes mais desfavorecidas e das políticas trabalhistas que estavam em voga.

A UDN era o partido da burguesia, dos latifundiários e com um discurso convincente junto a classe média, através de falas conservadoras e moralistas. A UDN foi contrária à políticos que tivessem uma simpatia ao comunismo e com a posse de JK com Jango na vice presidência isso se tornou claro e cresceu o temor em torno da criação da República Sindicalista, que na verdade nunca existiu, “ o golpismo da agremiação foi sua tônica constante [...]” (MARANHÃO, 1996, p.277), golpismo esse que foi fruto de uma maior aproximação com os militares após a morte de Getúlio Vargas. E o que veremos mais para frente por parte da UDN é o apoio ao golpe militar de 1964, esboçado desde a tentativa de invalidar a posse de Juscelino. Mesmo com todas essas discordâncias ideológicas e constante prática golpista durante todo o governo Kubistchek a participação da UDN foi ínfima, em contrapartida os jornais de oposição com mais abrangência junto a população, eram críticos constantes.

Com a ruptura do Brasil com o FMI, a UDN se posicionou contra tal medida, e entre a população se firmou uma fama de ‘entreguista’. A população ficou a favor da ruptura o que rendeu a situação mais popularidade. Frente à crise econômica, os assalariados começam a perder de maneira significativa o poder de consumo e numa tentativa de abafar os rumores populares, é ordenado um grande aumento no salário mínimo que não resolveu  a situação a longo prazo, pois a inflação do período ‘comeu’ o aumento ordenado pelo governo.

O governo populista por vezes abriu várias brechas para pressão dos trabalhadores. Como visto acima a postura de um político populista é bastante complexa, pois não é tarefa fácil agradar todas as classes sociais, muito pelo contrário, mas com todos os problemas enfrentados por JK, ele efetivamente consolidou a indústria no Brasil e o avanço industrial foi sua marca enquanto estadista, e porta voz e entusiasta dos novos tempos vividos pelo Brasil a partir da industrialização.

Sua postura como presidente bem reflete o momento que o Brasil viveu, esperançosos na evolução da pátria, porém abertos a elementos estrangeiros, podemos perceber que essa postura trouxe reflexos sobre nossa cultura, a própria Bossa Nova exprime esse contexto, pois é fruto da mistura do elemento nacional – o samba – e o internacional – o jazz.

3.3. O cenário musical na década de 1950

A formação da música popular brasileira é fonte de polêmica entre historiadores, críticos musicais e estudiosos do tema, muito se diz sobre a supervalorização do período em detrimento de outros.

Devemos ter em mente que a música popular brasileira, principalmente a partir do século XX, crescia em meio às dificuldades e contradições econômicas e sociais do país, e essa música dita popular da República Velha, contempla justamente esses temas, o da pobreza, a dificuldade, o cotidiano, etc., embalada por uma melodia diferente da tradicional erudita.

O carnaval desempenhou um papel de destaque na música popular que correu em torno de designar um elemento próprio, nacional, independe, logicamente, respeitando as diferenças regionais e também agregando as influências estrangeiras. Dada a heterogeneidade da república recém proclamada é muito complicado afirmar, essa ou aquela determinada influência, ou eleger o responsável pelo surgimento da música popular brasileira, mesmo porque a aparição da música genuinamente brasileira (se é que existe) é fruto de um momento vivenciado por alguns ou vários sujeitos, dentro dessa pluralidade, e do regionalismo é impossível determinar o gênero original brasileiro. Sabe-se das influências, e na historiografia as divergências de opinião sobre o tema, que será tratada a seguir.

Nos centros urbanos a prática musical é bastante plural e carregada de elementos múltiplos, característicos da própria cidade, “uma longa tradição na historiografia musical pensa a música como prolongamento do gesto do trabalhador” (VASCONCELLOS; SUZUKI, 1996, p. 504). O trabalho então se torna um tema sempre presente na música popular, dada a irregularidade da questão do trabalho e principalmente a marginalidade de alguns grupos, principalmente os negros, percebe-se que a inserção no mundo do trabalho “oficial”, regulamentado, com salário fixo etc., é relativa. O negro após a abolição ficou à margem desse mundo “oficial” do trabalho e permaneceu preso a atividades “extraoficiais” para garantir sua sobrevivência[14], neste contexto vemos surgir, a figura do malandro que permeia as músicas produzidas no período e é presente no gênero samba até mesmo nos dias de hoje.

A síncope[15] é o elemento mais característico da música popular brasileira que é fruto de muitos elementos, mas principalmente da música portuguesa com a africana e ameríndia. As influências africanas são destaque e torna a música popular brasileira também uma expressão racial.

O compositor era constantemente confundido com o malandro (que descrevia em suas letras) e este viveu num mundo cercado de plágios e roubo de direitos autorais, dada falta de regulamentação no segmento musical do período, apesar de esse ser o tema preferido, nem sempre o compositor tinha as origens humildes, como é o caso de Noel Rosa, que era de classe média. A carreira musical se tornou alternativa para ascensão social e econômica, principalmente para o negro, a margem do trabalho formal. O paradigma dominante foi de que sem malandragem era impossível encarar a vida real, o malandro utiliza a esperteza para evitar conflitos, dado o caráter marginal do trabalho braçal que não era bem visto pela sociedade burguesa, tornando a malandragem a única saída para negros e descendentes de escravos. (VASCONCELLOS; SUZUKI, 1996)

O cenário musical na década de 1950 é bastante controverso, se por um lado esse período esta fixado na memória do brasileiro como os ‘anos dourados’, é quase uma constante entre os críticos tradicionalistas, que a década é perdida, com exceção da Bossa Nossa, que trataremos mais adiante. O ritmo dominante é o samba, mas o cenário era bem variado, as marchinhas estavam em voga e também os artistas nordestinos, principalmente Luis Gonzaga, além da variedade no gênero samba.

A década de 1950 é um período em que se exaltou o passado musical, principalmente da década de 1930 e se desvalorizou o presente, coube discutir também se o famoso samba carioca era efetivamente a autêntica música brasileira. A questão foi fruto de inúmeras discussões em torno da origem e a formação da tradição da música popular brasileira, o período foi o auge do movimento foclorista brasileiro, que era institucionalizado e apoiado pelo governo Vargas, onde se buscou um nacionalismo, uma identidade nacional. Por conta desses intelectuais e críticos musicais influenciados por esse movimento, muito do que foi produzido no período foi desvalorizado, principalmente por conta das influências que a música popular estava sofrendo. Esses críticos faziam parte de um movimento que:

[...] lançou as bases de um pensamento histórico-musicalque negava a sua própria  contemporaneidade musical, contribuindo para a desqualificação da década de 1950, a partir de uma perspectiva oposta aos “modernos” da Bossa Nova e da MPB. (NAPOLITANO, 2010, p.61)

O Brasil se tornou alvo da indústria fonográfica e cinematográfica, oamerican way of life, se tornou o ideal de muitos jovens de classe média e alta, os que tinham condições de acesso a tais mídias são os mais influenciados, os filmes, desenhos animados e músicas foram deliberadamente voltados para o consumo de produtos que até então não fazia falta ao brasileiro, que se satisfazia com os cantores do rádio. Essa invasão americana é um processo contínuo que tem relevância a partir da II Guerra Mundial, mudou os hábitos de consumo da classe média/alta.

A acessibilidade a tais produtos, não ocorre em larga escala, ou seja, para todos. Esses produtos se concentram nas mãos dos mais abastados, a dificuldade em ter determinados produtos, principalmente da indústria fonográfica, não impediu a popularização da música americana.  A inserção da televisão reforçou os novos hábitos de consumo, bombardeados por um novo fluxo de informações, além da abertura para o mercado americano principalmente através do cinema. A indústria da cultura no Brasil estava se formando e era bastante precária, tanto em estilo quanto em qualidade.

Esses críticos contrários às influências externas procuraram exaltar e principalmente questionar a função exercida pelo rádio naquele momento, muitos deles afirmaram que o rádio deveria ter como função principal educar e levar cultura para as massas, por isso se mostraram contrários à cena musical pós 1945 repleta de estrangeirismos e comercialismo. A indústria do consumo se consolidou no Brasil também através do rádio. A questão se focalizou no fato de que a audiência daquele momento estava voltada aos novos estilos de músicas e principalmente a vida pessoal dos artistas do rádio, a criação dos programas de auditório evidenciou a mudança no gosto popular que preferiam performances mais soltas e novos gêneros, além do samba de raiz.

A cultura popular urbana da década de 1950, ao menos no Rio de Janeiro, era marcada pela confluência de três espaços de sociabilidade e de ‘pertencimento’: o partido populista, a torcida de futebol e o fã-clube radiofônico. (NAPOLITANO, 2010, p.65)

O concurso para Rainha do Rádio se popularizou cada vez mais e o público voltou-se a idolatrar os cantores. Havia uma competição entre os fã-clubes e eles disputavam o quanto sabiam de seus ídolos e quão perto poderia chegar próximos a eles, o conceito fã-clube foi intrínseco a história da Bossa Nova, pois congregou algum de seus grandes nomes. O samba canção moderno baseado no coll jazz[16], se encontrava na obra de Tom Jobim antes da Bossa Nova.

As músicas da década de 1950, apesar dos críticos tradicionais anunciarem como um tempo de alienação, também denunciavam as condições vividas

Em todas essas canções, as tensões entre as práticas populistas e clientelistas e as demandas populares por melhores condições de vida constituem o seu material poético fundamental, mesclando crítica social, conformismo e apelo à conscientização acerca das contradições e desigualdades sociais acirradas com o processo de urbanização e industrialização brasileiro. Além disso, os sambas “críticos” apontavam para a falência da democracia social do Estado Novo e da “democracia racial” propagada pelas elites intelectuais [...] (NAPOLITANO, 2010. p. 67)

Vemos também na de 1950 uma renovação do choro no começo da década e a popularização das músicas nordestinas, atrelada a migração em massa para os centros urbanos.

3.4. A Bossa Nova

Há autores que percebem a Bossa Nova, como uma gloriosa vertente da música popular brasileira, sendo uma das poucas a competir em igualdade de condições no mercado internacional, como é o caso de Julio Medaglia (2003). Em contrapartida também há autores que não atribuem toda essa glória ao movimento e a percebe apenas como uma consequência da americanização vivida no período. O fato é que a Bossa Nova quebra com os parâmetros da chamada musica tradicional brasileira, o chamado samba autêntico, defendido pelos críticos tradicionais como José Ramos Tinhorão (1998), por exemplo, que constatam a Bossa Nova como uma música que atende o anseio das classes mais altas por temáticas próximas de seu cotidiano e que pudessem vender uma imagem positiva do Brasil, ao invés do samba carioca que por vezes refletiu a realidade avessa do morro.

Esses críticos que afirmam que a Bossa Nova nega completamente as raízes brasileiras e se transforma em um ritmo tipo exportação, para atender o gosto americanizado, que tomou força diante da crescente industrialização e como visto anteriormente, a política de abertura ao capital estrangeiro:

Em matéria de música popular, a experiência dos jovens da zona sul do Rio de Janeiro constituía um novo exemplo (não conscientemente desejado) de alienação das elites brasileiras, sujeitas às ilusões do rápido processo de desenvolvimento [...] (TINHORÃO, 1998, p. 310)

Para Julio Medaglia (2003) a Bossa Nova é uma música intimista, feita para ouvir em locais fechados, que exige a atenção do ouvinte, por isso não serve para ser ouvida diante de uma massa como é o caso do Carnaval. Medaglia (2003) defende a Bossa Nova diante dos críticos que não percebem o caráter nacional, dizendo que é mais uma expressão da criatividade brasileira. Realmente o gênero musical expressa cotidiano da região nobre do Rio de Janeiro, os elementos naturais dessas regiões, como é o caso das praias que são convidadas a interagir com os temas propostos nas músicas.

Como dito no tópico acima os fãs clube, cresceram muito durante a década de 1950 e um deles, o Sinatra - Farney, vai desempenhar um papel fundamental para o início da Bossa Nova, pois irá juntar os maiores nomes do que seria no futuro um dos maiores movimentos da música popular brasileira.

O fã-clube reuniu alguns dos que fizeram parte e foram decisivos para criação da Bossa Nova, já que além da admiração por Frank Sinatra e Dick Farney, os integrantes possuíam em comum a habilidade musical, que era o principal critério para se valer como sócio, tendo como uma das atividades do clube (que começou a extrapolar as paredes do porão que tinham por sede) as chamadas jam sessions[17]. Os músicos do clube passaram a fazer apresentações fora do porão, nada lucrativas, mas já se organizaram como um grupo musical que se apresentavam para um público em outros locais.

Esse clube foi responsável pela junção de nomes que seriam fundamentais para a Bossa Nova como: Johnny Alf, Donato, Paulo Moura, Doris Monteiro e Nora Ney e o que seria o futuro diretor Carlos Manga que no início dirigiu as jam sessions na Tijuca.

Johnny Alf já na metade da década utilizou as mais atuais influências do jazz[18], como o be-bop[19] e o cool jazz em suas composições, misturando e integrando aos ritmos brasileiros, e “muitos, como o próprio Antonio Carlos Jobim, reconheceram nesse músico a paternidade da Bossa Nova” (BRITO, 2003, p. 20).

Tom Jobim, nunca se envolveu com o clube. No entanto compositor já reconhecido, em 1955 lançou Hino ao Sol junto com Billy Branco que na concepção de Brasil Rocha Brito (2003) é a primeira composição que integrou os elementos do ritmo que apenas três anos depois seria conhecido como Bossa Nova; a partir desse momento começou a surgirem composições que seguiram esse caminho como as interpretadas pela cantora Maysa em 1957.

Vinícius de Morais já era um poeta consagrado quando o clube encerrou as atividades oficialmente, mas ainda se reuniam eventualmente na casa de ex membros, ou na casa do próprio Dick Farney onde certa vez Vinicius de Morais foi convidado a participar desses encontros, já que as reuniões que rederam sons incríveis e de qualidade.

E, assim foram se reunindo aos poucos todos os elementos, que a partir de meados da década de 50, os criadores da bossa nova invocariam para justificar seu movimento: a música anticontrastante (cool jazz), a integração da voz do cantor à orquestra, melodia não-diatônica, (com busca de balanço nas desacentuações), e esquematização rítmica em correspondência com os desenhos rítmicos da própria melodia, o que originava a impressão de birritmia apelidada de violão gago. (TINHORÃO, 1998, p.311)

Um bom exemplo do estilo de tocar citado acima por Tinhorão (1998) é a música Desafinado (1958) de Tom Jobim e Newton Mendonça que agrega todos esses elementos apresentados pelo autor, a integração da voz à melodia da música como um complemento harmônico, além de carregar consigo uma reposta às críticas dos tradicionalistas da MPB do momento.

Quando eu vou cantar, você não deixa
E sempre vêm a mesma queixa
Diz que eu desafino, que eu não sei cantar
Você é tão bonita, mas tua beleza também pode se enganar

Se você disser que eu desafino amor
Saiba que isto em mim provoca imensa dor
Só privilegiados têm o ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que Deus me deu

Se você insiste em classificar
Meu comportamento de antimusical
Eu mesmo mentindo devo argumentar
Que isto é Bossa Nova, isto é muito natural

O que você não sabe nem sequer pressente
É que os desafinados também têm um coração
Fotografei você na minha Rolley-Flex
Revelou-se a sua enorme ingratidão

Só não poderá falar assim do meu amor
Este é o maior que você pode encontrar
Você com a sua música esqueceu o principal
Que no peito dos desafinados
No fundo do peito bate calado
Que no peito dos desafinados também bate um coração

(JOBIM, T. MEDONÇA, N. 1958)

Outro nome de relevância do movimento, João Gilberto que chegou ao Rio de Janeiro apenas em 1950 após tentativas fracassadas de buscar oportunidades em uma rádio em Salvador viu no Rio de Janeiro a possibilidade de crescer como músico. Logo que chegou foi convidado a participar do conjunto Garotos da Lua como crooner[20], contratados da Rádio Tupi, com a responsabilidade, agradar a emissora e alavancar o grupo que andava distante do hit parede[21]. À João Gilberto deveu-se a responsabilidade de consolidar a concepção da Bossa Nova, através de disco Chega de Saudade de 1958, o primeiro disco de Bossa Nova efetivamente, e a divulgação principalmente no exterior.

Esses são alguns dos principais nomes da Bossa Nova e como se juntaram e começaram a tocar e formar o novo gênero, segundo Rui Castro (2003).

Devemos levar em consideração a importância da temática das letras, como já apresentado acima, para Tinhorão (1998) as classes mais altas ansiaram por músicas com temas que vinham de encontro ao seu cotidiano, e a Bossa Nova, com uma temática voltada aos relacionamentos e aos elementos naturais da própria cidade do Rio de Janeiro veio de encontro àqueles que tinham um gosto mais americanizado e que não se satisfazia com a música popular brasileira tradicional, no caso o samba.

No tocante a temática utilizada nas músicas, percebemos que as paisagens da cidade do Rio de Janeiro se encontram com frequência nas músicas, de fato é importante considerarmos quem poderia ter acesso ao corcovado e ao Cristo Redentor pela janela de casa, essas paisagens são melhores vistas da zona sul, região nobre. A intimidade com o mar e a praia, frequente nas músicas demonstra que esse cotidiano retratado não é de qualquer carioca. A música Corcovado (1960) elucida a questão, pois traz consigo todos os elementos considerados típicos de uma música de bossa nova, como o caráter intimista, a introdução dos elementos naturais presente nas paisagens cariocas e a exaltação do amor e da felicidade, letras menos dramáticas, mais leves, com um ar intelectualizado.

Um cantinho e um violão
Este amor, uma canção
Pra fazer feliz a quem se ama

Muita calma pra pensar
E ter tempo pra sonhar

Da janela vê-se o Corcovado
O Redentor que lindo

Quero a vida sempre assim com você perto de mim
Até o apagar da velha chama

E eu que era triste
Descrente deste mundo
Ao encontrar você eu conheci
O que é felicidade meu amor

(JOBIM, A. 1960)

A mulher é retratada dentro dessa nova realidade musical, e nessa perspectiva é preciso levar em consideração qual tipo de mulher era representada nas músicas e qual o tipo de relação era apresentada pelo movimento, se as músicas representam o cotidiano de uma classe média/alta e o cenário é o bairro, no caso Copacabana (não apenas, mas frequentemente) como apresenta Tinhorão (1998), a mulher citada com certeza será aquela que faz parte desse universo. Num primeiro momento a participação feminina na Bossa Nova, se dá apenas como intérprete, salvo exceção Dalva de Oliveira em parceria com Tom Jobim, que sem dúvida é o grande nome do movimento. E esta temática em torno da mulher será apresentada no capítulo a seguir.

4. A problemática de gênero

A temática de gênero não é nova, principalmente para as primeiras décadas do século XXI, e com o passar do tempo na historiografia mais elementos são anexados aos estudos. Com o aumento no fluxo de trabalhos sobre gênero  percebemos várias vertentes que abordam tanto a mulher na esfera privada quanto na pública. 

Essa ideia de fixar a mulher como sujeito histórico e os estudos em torno do tema gênero e sua condição na sociedade, se iniciam com uma ênfase maior a partir do livro de Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo[22], este se torna o primeiro livro que trata o tema com uma maior inserção e divulgação na sociedade, questão inevitável, já que sua autora, conhecida mundialmente e também atrelada à figura de seu marido Jean Paul Sartre[23]. O livro gerou e gera discussões tanto, sobre o tema, quanto em relação a autora e seu contexto. Para muitos, Simone apenas viveu a sombra do existencialismo[24] de seu marido, interessante pensar que a própria escritora ao lidar com o tema sofre discriminação justamente por ser mulher. Heleieth Saffioti (1999) afirma que o livro, O Segundo Sexo, é fundamental para entender a temática feminina e aqui se pretende abordar resumidamente a questão do gênero, da mulher na História.

Joan Scott nos chama atenção para a importância de se analisar o contexto e entender a importância dos gêneros para a construção do passado histórico. Nessa perspectiva é importante não só se utilizar descrições para criar uma História das mulheres, mas é indispensável tratar de conceitos, por vezes marginalizados em vários escritos.

Os(as) historiadores(as) feministas utilizaram toda uma série de abordagens na análise de gênero, mas essas podem ser resumidas em três posições teóricas. A primeira, um esforço inteiramente feminista que tenta explicar as origens do patriarcado. A segunda se situa no seio de uma tradição marxista e procura um compromisso com as críticas feministas. A terceira, fundamentalmente dividida entre o pós-estruturalismo francês e as teorias anglo americanas das relações de objeto, inspira-se nas várias escolas de psicanálise para explicar a produção e a reprodução da identidade de gênero do sujeito. (SCOTT, J., 1990, p.4)

Através da análise dessas teorias descritas acima é possível fazer uma abordagem teórica mais consistente (SCOTT, 1990).

Em seu primeiro volume, Fatos e Mitos, Beauvoir (1970) não atribui para si o mérito de ser a primeira a tratar do tema, pelo contrário, afirma que o tema não é novo – devemos levar em consideração que foi escrito entre 1946-1948 – e que o tema “é irritante, principalmente para as mulheres” (BEAUVOIR, 1970, p. 7).

Foi-se necessário tanto para época – o pós-guerra – quanto agora um resgate do que é o papel e a função da mulher para nossa sociedade. De fato, a mulher vive em uma condição subalterna em relação ao homem, como é possível perceber na musica Maria Ninguém de Carlos Lyra:

Pode ser que haja uma melhor, pode ser

Pode ser que haja uma pior, muito bem

Mas igual à Maria que eu tenho

No mundo inteirinho igualzinha não tem
Maria Ninguém, é Maria e é Maria meu bem

Se eu não sou João de nada
Maria que é minha é Maria Ninguém
Maria Ninguém é Maria como as outras também


Só que tem que ainda é melhor do que muita Maria que há por aí

Marias tão frias cheias de manias, Marias vazias pro nome que têm
Maria Ninguém é um dom que muito homem não tem

Haja visto quanta gente que chama Maria e Maria não vem

Maria Ninguém, é Maria e é Maria meu bem
Se eu não sou João de Nada
Maria que é minha é Maria Ninguém
(grifo nosso)

(LYRA, C., 1959)

Nesta letra percebemos a necessidade de se vincular a figura feminina ao homem, a ideia de pertencimento, pois a Maria é dele e de mais ninguém. É importante resgatar essa musa que está em pé de igualdade, pois se ela é ‘Maria Ninguém’ ele é o ‘ João de Nada’, um vinculado ao outro sem separação, por isso o estudo de gênero deve ser tratado em duas frentes, à discriminação da mulher enquanto classe, e a discriminação que está dentro da própria classe social (SAFFIOTI, 1987), que se dá a partir do homem contra a mulher. Essa segunda discriminação está pautada na ideologia vigente na sociedade que advém da atrasada teoria que afirma a superioridade biológica do homem em relação à mulher, teoria facilmente refutável se historicizarmos o tema, já que existiu por muito, sociedades matriarcais e exclusivamente de mulheres – caso das amazonas. Esta dominação masculina ocorre e se perpetua principalmente no campo simbólico, seguindo a linha de Pierre Bourdieu (2003, p.11) que afirma que a discriminação não acontece apenas no espaço doméstico ou privado, mas também em instituições públicas, ou no próprio Estado. Se aplicarmos ao contexto brasileiro, especificamente na baliza cronológica do presente trabalho percebemos que na década de 1950 não há uma participação efetiva de mulheres na esfera política, ou algum cargo de destaque, o que é comum apenas é a inserção no mundo do entretenimento, ou nas profissões conhecidamente femininas, por exemplo, secretária, professora, etc.

4.1. O antagonismo entre homem e mulher

O termo Homem é extremamente neutro, o utilizamos para designar toda a humanidade. A partir dessa primeira conotação a mulher se torna secundária, em todos os aspectos. O próprio mito cristão da criação coloca a mulher em segundo plano, Deus criou o homem à sua imagem e semelhança e a mulher se fez de sua costela, para muitos a legitimação da condição superior do homem vem daí, no entanto como trata Beauvoir (1970) há uma discussão em relação a importância de cada um, ‘as mulheres afirmam que homem é apenas um rascunho e a mulher é o projeto final’, a discussão no âmbito popular não tem fim, os homens se apropriam do mito para legitimar a condição de subserviência feminina. O fato é que a mulher não é um ser autônomo:

Ela é senão o que o homem decide que seja, daí dizer-se o “sexo” para dizer que ela se apresenta diante do macho como ser sexuado: para ele, a fêmea é sexo, logo ela o é absolutamente. A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem e não este em relação a ela; [...] O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro. (BEAUVOIR, 1970, p. 10)           

No período estudado, muitas vezes por estar intrínseca a nossa formação, a mulher não se reconhece como ser independente e perpetua sua condição de submissão. Bourdieu (2003) afirma que cabe a família o papel de reprodução da dominação masculina. Desde criança tanto a mulher como o próprio homem se veem obrigados a não romper a estrutura simbólica vigente.

Na criação das crianças as meninas ficam restritas ao espaço privado à companhia da mãe e aprendem a fazer as coisas do lar e a auxiliar do futuro marido, ou do pai, ou irmão, a fazer as tarefas mais ‘indignas’ em relação aos afazeres masculinos, como por exemplo, limpar, cuidar das crianças, pegar objetos do chão. Enquanto o homem desde criança é ensinado a desempenhar tarefas mais nobres como a caça, proteger a casa, cuidar do sustento da família, etc., no entanto na questão essencial/inessencial abordado por Beauvoir, com todos os avanços na luta do movimento feminista em prol da conscientização da mulher é comum que muitas vezes a mesma não reconheça sua situação de oprimida, aceita com naturalidade suas funções, como se realmente a condição feminina estivesse na ordem natural das coisas.

Não dá para negar as diferenças entre homens e mulheres, quem o faz está enganando a si. A questão é perceber de que forma essas diferenças foram deixando a mulher na condição de marginalizada, as habilidades tipicamente femininas foram secundarizadas e as do homem exaltadas e percebidas como mais importantes. Utilizam-se dessas diferenças biológicas e/ou de características tipicamente femininas para invalidar o pensamento feminino em relação ao mundo, a mulher só conquistou o espaço que os homens estavam dispostos a lhe dar. Não há meios de se criar uma unidade, já que o grupo marginalizado de mulheres é extremamente amplo e compõe genericamente, metade da população mundial. Os avanços alcançados pelos movimentos feministas se encontram dentro de um grupo específico de mulheres, suas vitórias são restritas e específicas ao seu contexto, e devemos levar em consideração as barreiras, da cultura, da região, da religião etc.

Apesar de não ser o tema do presente estudo é importante salientar que no Brasil, na própria luta feminista há lapsos, e gira em torno de teorias de mulheres intelectuais. Há desde o século XIX no Brasil a união de mulheres que levantam essas questões sobre gênero abordadas anteriormente e em prol do voto feminino, conquistado em 1932 em todo território. Após essa conquista o movimento se dispersou, havendo apenas mobilizações que não eram de cunho feminista, como ligas de senhoras etc. O movimento feminista começa a se mobilizar novamente a partir da década de 1960, considerado a segunda onda do movimento feminista mundial, que tinha como principal objetivo evidenciar a condição subalterna feminina e conscientizar todas as mulheres houve muitos frutos, mas estes ocorreram após o período aqui estudado (1958-1960), porém já havia grupo de mulheres que não tinham necessariamente a causa feminista como fim, mas a intenção de melhores condições de vida e mudança em seu cotidiano, mas na década de 1950, não eram expressivas.

A questão também se põe no fato de a relação homem/mulher ser muito próxima e íntima, ao contrário dos outros grupos discriminados, não existe uma relação tão intensa com o opressor, quanto a mulher tem no homem, seu opressor direto. Mesmo com a inserção da mulher no mercado de trabalho – levando em consideração que a mulher das classes subalternas sempre trabalhou em todo curso da história – as suas posições continuam inferiores aos homens, “a condição subordinada da mulher sempre foi quista no céu e conveniente à terra” (Beauvoir, 1970, p. 13)

Encontra-se esse círculo vicioso em todas as circunstancias análogas: quando um indivíduo ou um grupo é mantido numa situação de inferioridade, ele é de fato inferior; mas má-fé consiste em dar-lhe um valor substancial quando tem o sentido dinâmico hegeliano: ser é ter-se tornado; é ter sido feito (BEAUVOIR, 1970, p. 18)

A consciência que a mulher adquire de si mesma não é definida somente pela sexualidade, por ser um ser humano, a mulher não é passiva à natureza ela interfere e interage e não deve ser considerada biológico.

Muitas vezes o problema se encontra em considerar a mulher frágil, passível demais, toda mulher tem dentro de si forças para sobreviver independente. A questão é que a condição feminina foi construída e se perpetua todos os dias em nossa sociedade. É necessário nos perguntar se a categoria mulher é uma construção histórica, e o é, a frase mais clássica de Simone de Beauvoir (1980) é ‘não se nasce mulher torna-se mulher’, isso reflete que o ser mulher não se trata da biologia unicamente, todos são formados, tanto homens como mulheres para desempenhar um papel na sociedade, e esse papel já está constituído há muito, pois todas as instituições procuram perpetuar o modelo de conduta feminino.

A forma de se usar o corpo está ligada á uma moral, moral essa que a Igreja, a Escola, o Estado e própria Família[25] suplantam. A moral se baseia naquilo que se é esperado de uma mulher ou de um homem, o comportamento expressa exatamente o que é esperado do ser no espaço, as regras de conduta estão ligadas a moral, aquelas antigas formas que talvez hoje não tenha tanta valia, mas que na década de 1950 estão muito presentes na sociedade, de que menina não pode se portar de certa forma, ou deve se sentar de pernas fechadas, que não pode ficar muito tempo na rua, as próprias brincadeiras de meninas que são em sua maioria a miniaturização do espaço doméstico expressam as competências que são primordiais a ela, a contenção que convém as mulheres continua a ser imposta, no dia-a-dia e nos relacionamentos, onde sempre se deve esperar pelo homem, e as mulheres que tomam a iniciativa são taxadas, tanto que os homens procuravam na década de 1950 mulheres com recato e com propensões à estereótipos de beleza e bom comportamento, isso ocorre pois, em nossa sociedade ainda a vagina é considera fetiche, sagrada. 

Muitos afirmam que a família é a base da sociedade, e é nela que começa a se justificar a dominação masculina e as funções/papéis de cada um. Pierre Bourdieu (2003) afirma que cabe a família o papel de reprodução da dominação masculina, no entanto para Beauvoir (1970) suprimir a família, não é necessariamente libertar a mulher como tantas feministas pregam. Ouve-se muito principalmente por parte das feministas com orientação mais radical que a família é raiz de todos os males femininos, essa teoria talvez seja um tanto rasa, pois o que liberta a mulher, tanto qualquer um que está na condição de oprimido é a consciência, e é somente a partir da consciência que um ser humano pode efetivamente mudar sua condição.

Tanto nas famílias de hoje, quanto nas de antigamente, o modelo amplamente divulgado ainda expressa - mesmo que anacronicamente, pois muitas famílias são chefiadas por mulheres[26] - a supremacia masculina como o provedor, a mulher como cuidadora da casa e dos filhos, mesmo que trabalhe fora a sua natureza de auxiliadora sempre é supervalorizada e seu exercício fora do privado é considerado de menor importância.

Arbitrária em estado isolado, a divisão das coisas e das atividades (sexuais e outras) segundo a oposição do masculino e o feminino recebe sua necessidade objetiva e subjetiva de sua inserção em um sistema de oposição homóloga (BOURDIEU, 2003, p. 14)

As funções já estão pré determinadas cabe à mulher seguir o padrão de comportamento que lhe foi imposto por sua condição. Contudo se numa família a principal fonte de renda por diversos motivos pertence a mulher, compete a ela ser submissa ao marido e perpetuar o modelo imposto, sem questionamentos. Nos dias atuais talvez o modelo de família patriarcal seja talvez inadequado por não atender as novas demandas da sociedade, no entanto ainda é um paradigma e um ideal a ser alcançado.

4.2. A naturalidade da dominação

A ordem masculina dispensa justificação, essa falta de questionamento também é reflexo da eficiência da formação sexista que temos desde cedo, a Escola mesmo com os avanços pedagógicos se limita em continuar a transmitir pressupostos da representação patriarcal. As mulheres muitas vezes só são reconhecidas no Estado e ligadas a ele como vítimas e/ou beneficiárias de programas sociais, não que não sejam importantes, sem dúvida são, mas mesmo através de programas o Estado deve garantir a emancipação feminina, e auxílio principalmente nos casos de violência.

A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica sobre a qual se alicerça: é divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos sexos (BOURDIEU, 2003, p. 18)

A relação sexual se torna uma relação social de dominação, a sexualidade está ligada ao poder, Bourdieu (2003) aponta que o fato de a posição comum onde o homem fica por cima durante a relação sexual demonstra essa ordem social de a mulher permanecer por baixo, obviamente se algo está por cima ele tem o controle, e não há nada mais humilhante para um homem do que ser transformado em mulher[27].

Para Saffioti (1969) existem dois tipos de capitalismo, o desenvolvido e o subdesenvolvido e cabe a entender segundo cada contexto a condição da mulher. No materialismo histórico as categorias de sexos, são consideradas meramente como categorias sociais. O sistema capitalista oferece a uma mulher uma emancipação, pois vê o trabalhador universalmente sob duas condições; a do vendedor de sua força de trabalho e o consumidor de bens de consumo. Sua elasticidade permite se adaptar as necessidades do contexto, tornando multiforme.

Cabe, pois indagar, se a mulher, enquanto membro da categoria de sexo sempre dependente e submissa, o sistema em questão chegaria a oferecer plenas possibilidades de integração social (SAFFIOTI, 1969, p. 35)

A grande derrota do sexo feminino se deu quando o trabalho agrícola passou a ser mais intensivo e o homem passou a precisar de outros que trabalhem para ele sob o regime de concordância ou escravidão, é a partir desse momento que a antiga divisão sexual do trabalho passa a ser desigual, pois a mulher continua no espaço privado exercendo as suas funções e o homem permanece no espaço público, é nesse contexto que surge a família patriarcal, baseada na sociedade privada, a mulher passa a ser oprimida, pois suas funções para sociedade não são reconhecidas como importantes e ela vira um bem para o homem.

O único motivo que deixa a mulher em desvantagem ao homem é a força física, mas com os avanços tecnológicos e os vemos diariamente, a abertura da escola e da universidade, essa questão se torna muito relativa e secundária, a partir daí a mulher se torna igual ao homem no trabalho. Fatores específicos à mulher como o caso de gravidez, é facilmente compensado se o Estado oferecer subsídios e condições para que as mulheres tenham menos filhos e suporte para criá-los, no caso a escola. No Brasil, durante a década de 1950, as posições ocupadas no mercado de trabalho ficavam geralmente na esfera do doméstico, profissões tipicamente femininas, tais como: babá, empregada doméstica, secretária, etc. profissões essas que dificilmente garantiria emancipação no âmbito público.

A questão do trabalho pode nos suscitar considerações, por que ao passo do avanço tecnológico ainda há profissões tipicamente femininas e masculinas, as profissões que giram em torno de cuidados domésticos e/ou cuidarem de crianças/adolescentes/idosos ainda são predominantemente femininas, e ocupações de chefia – apesar de alguma coisa ter mudado no século XXI – esses cargos permanecem nas mãos dos homens, desse modo perpetuando a condição subalterna da mulher.

Ao citar Engels, Beauvoir (1970) assume que apesar de tratar o tema em A origem da família, ele é falho e superficial, pois não aborda o tema como um todo, ele ignora os pormenores históricos, sendo que não contempla a situação da mulher como um todo e a relação com seu opressor. O materialismo histórico de Engels se limita a perceber o homem e a mulher como entidades econômicas, e no âmbito das relações de gênero devemos descartar que todas as formas de monismo[28], pois não de trata de um fator ou outro e essa concepção de creditar uma determinada causa sem olhar a questão como um todo é inválido, mas trata-se de uma análise profunda do contexto para entender a condição feminina.

4.3. A interação entre sexos

Tanto hoje, quanto na década de 1950, há um discurso de igualdade, mesmo que garantido por lei, sabe-se que a condição de cidadão garantida no século XX, não faz que as pessoas sejam necessariamente iguais na prática. O drama da mulher se dá quando ao tentar se impor como essencial todas as circunstâncias a dizem que não é.

A produção científica sobre o tema pode auxiliar na desmistificação da condição feminina, todavia, não basta apenas se dedicar ao estudo se não houver crítica e reflexão sobre o assunto. Por mais que seja interessante é preciso pensar a temática e não deixar que seus interesses e/ou intenções influencie o trabalho científico e se torna uma ‘má ciência’ (Bourdieu, 2003, p. 136). Para isso não se pode isentar a mulher e percebê-la como vítima passiva da dominação, todos são agentes da estrutura e consequentemente trabalham para perpetuá-la, por isso é tão sumariamente importante a conscientização.

A partir da década de 1980 no Brasil há um número grande de trabalhos historiográficos que se esforçam para escrever uma história das mulheres, mas como dito acima muitos desses trabalhos por vezes tem um foco tão específico na mulher e se esquecem que há um contexto a ser respeitado e que ela vive em sociedade e só é oprimida por conta da sua relação com o homem. Como se pode tratar da temática mulher sem que se evidencie essa relação de dominação? Não é possível tratar do oprimido sem considerar o opressor, e a História sendo uma amalgama complexa de fatos, mitos, papéis e representações, não seria possível fazer uma História verdadeiramente científica que não avalia o contexto. Além de todas essas questões Roger Chartier (1995) questiona se é possível escrever uma história das mulheres sem as periodizações clássicas, se é possível criar uma periodização específica feminina, por enquanto ainda não se concretizou, contudo se for feito pode-se “evitar a armadilha de uma história linear que traça a progressiva conquista de autonomia e de igualdade femininas, demarcadas por combates heroicos e figuras exemplares” (CHARTIER, 1995, p. 10).

4.4. A representação da mulher na música

Dentro desta perspectiva temos que nos deter às formas de representação[29] da mulher pelo homem, como dito anteriormente a ordem social funciona como uma máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina (BOURDIEU, 2003), essa dominação se dá em todos os âmbitos, tanto político, econômico e social e na música não é diferente. Os estudos sobre esse assunto no Brasil ainda são muito tímidos, sendo que a maior parte se encontra nos EUA, nesse campo não só as diferenças biológicas, mas também e principalmente as diferenças psíquicas entre mulheres e homens que são condicionadas por fatores, políticos, históricos, econômicos e sociais. O feminino sempre se encarnou na sedução, dentro da música percebemos que os valores e/ou atributos dedicados à mulher são esses, para Régis Duprat (2008) muito que se produziu na música se deve à mulher.

Se a música de Igreja, em todos os tempos numa vertente de sua produção é tributária à Mulher, a Mãe de todos os Homens e de todas as mulheres, a música trovadoresca, e madrigalesca também se inspiraram em textos poéticos que tomavam a Mulher por modelo. O canto lírico, o melodrama barroco e o clássico já comportam, além da inspiração, a presença feminina no palco (DUPRAT, 2008 p. 7)

O poder do homem se manifesta na música pela hegemonia de sua produção, mas a mulher quase que absolutamente foi a musa inspiradora. Duprat (2008) afirma que a inspiração e a sedução feminina pode oferecer pelo menos na música uma liberação da mulher, talvez não necessariamente, a consciência adquirida pela mulher é definida pela sexualidade unicamente, então é extremamente ambíguo e simplista afirmar que a música gera tal liberação, porque mesmo sendo a musa inspiradora, a mulher continua sendo o outro e dessa forma a relação continua a mesma.

O estudo da música sempre esteve muito mais voltado à percepção das formas e a estética musical, insistindo no caráter racional da música mais do que as questões em torno das percepções sociais e do ser humano,

O estudo da musicalidade brasileira revista sob tal perspectiva poderá revelar como o “feminino” e o “masculino” se projetam e se constroem através do discurso musical, tanto no nível das estruturas composicionais, dos arranjos instrumentais e vocais, bem como no plano das letras das canções. (CRUZ MELLO, 2007 p. 9)

Considerando a posição de Maria Ignez Cruz Mello (2007) não serão considerados nesse trabalho os componentes técnicos da música, apenas o poema-canto. No cerne da questão da musicologia e gênero, é necessário considerar o contexto em que a música foi escrita e produzida, sendo assim de suprema necessidade analisar toda a conjuntura do período e também contemplar alguns fatores que são inerentes a música, tais como; a subjetividade do autor, o sentimento individual do que compõe e/ou interpreta e que passa a ser coletivo, a concepção da interpretação individual que representa o coletivo etc.

Nas músicas de bossa nova produzidas no período de 1958-1960, traz ainda o resquício da mulher como ser idealizado, a chamada musa, no qual todo amor será dado no momento em que estiverem juntos. Esse sentimento presente nas letras, expressa a ideia de amor perfeito, ideal, que vence todas as barreiras e que os outros não podem sentir, que é condicionado a eles; sentimento que pode ser ou não um amor platônico[30], exemplo disso é a música “Este seu olhar”  de Tom Jobim no trecho:

Este seu olhar
Quando encontra o meu
Fala de umas coisas
Que eu não posso acreditar

Doce é sonhar
É pensar que você
Gosta de mim
Como eu de você

[...]

(JOBIM, T., 1959)

Esse relacionamento idealizado é perceptível na música “Eu sei que vou te amar” de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, da ajuda mútua e do amor como centro, que segue:

Eu sei que vou te amar

Por toda a minha vida eu vou te amar

Em cada despedida eu vou te amar

Desesperadamente eu sei que vou te amar

E em cada gesto meu será pra te dizer

Que eu sei que vou te amar por toda  minha vida

[...]

(JOBIM, A.; MORAIS, V. 1959)

Percebemos que a relação de dominação não tem uma grande mudança, pois a mulher se perpetua como auxiliadora do homem. Apesar da horizontalização das relações e o tímido posicionamento rumo a igualdade. Podemos atribuir isso pelo fato de que, tirando raras exceções os letristas eram homens, nas fontes primárias selecionadas, temos apenas uma mulher – Dolores Duran - que contribuiu na confecção de uma letra, “Estrada do Sol” em parceria com Tom Jobim. É importante entender a posição de Dolores Duran que possui uma obra vasta (em sua maioria Sambas Canção) em meio ao mundo conhecidamente masculino, repleto de imposições à mulher.

Naqueles anos, poucas eram as mulheres que compunham, pois a sociedade havia instituído papéis definidos para os gêneros, para a qual as mulheres deveriam ficar restritas ao espaço privado do lar, da família, da sensibilidade, da fragilidade e da maternidade, ou seja, de “rainha do lar”, e os homens ao espaço público, das ruas, da competição, do trabalho, da racionalidade e da força, no papel de “provedor”[...] mas Dolores Duran quebrou com todos esses papéis impostos pela sociedade sexista da época. (PEDERIVA, 2004, p.73)

Apesar da emancipação de algumas mulheres, na década de 1950 ainda não há uma mobilização considerável do movimento feminista, nem reivindicações sistematizadas em prol de uma causa, apesar das questões nascerem do cotidiano feminino, por muito não há um esforço organizado em prol de mudanças, sendo que até o período pode-se dizer que a mulher não se reconhece como grupo e não tem história[31]. No Brasil o movimento feminista apesar de existir desde o século XIX, no período abordado (1958 - 1960) não é tema de grandes discussões.

5. ‘Isso é Bossa Nova... ’[32]

O termo Bossa Nova além de designar um gênero musical, foi durante o final da década de 1950 e toda a década de 1960, uma gíria que significava uma coisa nova, uma novidade. O próprio presidente Juscelino Kubistchek era conhecido como presidente bossa nova, por ter uma postura diferente dos demais presidentes de até então, além de ser frequentemente visto nas rodas sociais. Essa gíria teve grande significância para o período, exprime a jovialidade e o frescor do gênero que nasceu conectado aos acontecimentos e a fase que o Brasil estava vivendo.

A música Desafinado (1959) ilustra a fase brasileira, o frescor do movimento e a consistência do que estaria por vir, além sustentar um estilo de vida bastante específico, segundo Tinhorão (1998)

[...]

Se você insiste em classificar
Meu comportamento de anti-musical
Eu mesmo mentindo devo argumentar
Que isto é Bossa Nova, isto é muito natural

O que você não sabe nem sequer pressente
É que os desafinados também têm um coração
Fotografei você na minha Rollei-Flex
Revelou-se a sua enorme ingratidão

[...]

(JOBIM, A. MEDONÇA, N. 1958)

A música também carrega consigo o sentimento de indiferença das classes mais altas com o meio, o entusiasmo com o novo período e o desfrute das possibilidades propiciadas pela abertura ao mercado estrangeiro. A menção a câmera fotográfica Rollei Flex[33] reflete essa realidade, dado o fato de apesar da ampla utilização de câmeras fotográficas, o aparelho não destinado a qualquer pessoa, apenas os que tinham melhores condições financeiras poderiam obtê-las.

A bossa nova assim como os vários movimentos musicais da época vinha atrelados a uma concepção de vida e comportamento que se refletiam nas músicas, como dito anteriormente, atrelado a ideia de representação está a apropriação daquilo que é apresentado de acordo com Chartier (1991) e esses movimentos disseminavam padrões de forma consciente e/ou inconsciente para aqueles que compartilhavam daquele sentimento exposto na canção.

É necessário levar em consideração que a música não é recebida pelo público apenas de forma racional, mas envolve uma subjetividade atrelada ao sentimento. A música é principalmente uma expressão da emoção daquele que a interpreta e esse anseio é percebido de formas diferentes, porém recebido universalmente por aqueles que ouvem.

Uma diferença bem característica dos bossanovistas é a complexidade das letras, além da frequente utilização das figuras de linguagem[34]. Como podemos perceber na música Hó-bá-lá-lá(1960), de João Gilberto:

É amor, o hó-bá-lá-lá, hó-bá-lá-lá uma canção,
Quem ouvir o hó-bá-lá-lá, terá feliz o coração
O amor encontrará ouvindo esta canção alguém compreenderá seu coração
Vem ouvir, o hó-bá-lá-lá, hó-bá-lá-lá uma canção
E amor, o hó-bá-lá-lá, hó-bá-lá-lá uma canção,
Quem ouvir o hó-bá-lá-lá, terra feliz o coração
O amor encontrará ouvindo esta canção alguém compreenderá seu coração
Vem ouvir, o hó-bá-lá-lá, hó-bá-lá-lá esta canção bá-lá-lá hó-bá-lá-lá.

(GILBERTO, J. 1960)

Esses recursos demonstram a natureza complexa do estilo musical que não ficam apenas na melodia, como visto no capítulo 1, a Bossa Nova detém uma estrutura musical bastante complexa, que mistura diversos elementos, como de forma simplista a música clássica, o jazz e o samba. (MEDAGLIA, 2003)

Elementos que trouxeram uma particularidade que é completada com o caráter intelectual, isso faz com que a Bossa Nova se torne um marco na história da música popular brasileira.

Ao contrário dos primórdios da música popular brasileira, em que a música se tornava alternativa para ‘malandros’ e ‘marginalizados’, onde sua temática girava em torno da realidade difícil vivida pelas classes subalternas, esse paradigma da malandragem começa a se transformar e tomar uma forma adversa em relação à Bossa Nova, ao contrário do samba de ‘raiz’ que relata o cotidiano popular em sua maioria no morro, principalmente no samba produzido no Rio de Janeiro. Percebemos a frequente relação com o trabalho – ou a falta dele – e as alternativas para lidar com a pobreza, na nascente Bossa Nova esse tema não é contemplado, nem sequer aparece como uma possível preocupação, fato esse que revela as origens privilegiadas dos pertencentes ao movimento.

A única música do triênio estudado (1958-1960) é A Felicidade (1959) de Tom Jobim e Vinicius de Morais, interpretada no momento de seu lançamento por Agostinho dos Santos que contempla o tema com um grande distanciamento da condição do interlocutor com a realidade do ‘pobre’.

[...]

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
e tudo se acabar na quarta feira

[...]

(JOBIM, T.; MORAIS, V. 1959)

Fazendo a alusão de que a felicidade se dá por conta da parceira/companheira, mas considera a felicidade do ‘pobre’ efêmera, no entanto a felicidade do interlocutor não está na sua condição financeira, é o olhar do outro.

Alguns trechos de determinadas músicas dão dicas do que seria a realidade daqueles que fazem parte do movimento, é necessário levar em conta que o nível de complexidade musical da Bossa Nova já exclui uma pessoa que não tem uma formação mais abrangente, no caso da música Corcovado (1959), podemos considerar o que o compositor diz de sua própria realidade.

[...]

Muita calma pra pensar
E ter tempo pra sonhar

Da janela vê-se o Corcovado
O Redentor que lindo

[...]

(JOBIM, T. 1959)

Quem poderia ter tempo e calma para pensar e sonhar e ainda ter uma vista tão privilegiada? Ao contrário da música Viva meu samba (1958) de Billy Blanco que foi escrita entre o meio tempo da formação da Bossa Nova, o trecho a seguir mostra a interação com um cotidiano diferente do relatado pelas músicas da Bossa Nova.

Venho do reino do samba
Brilhar no asfalto
E na forma de samba
No jeito de samba
Vem o morro também
Faço da minha tristeza
Um carnaval de beleza
Que noutras terras não tem
Não tem
Não tem
Não tem
Toda riqueza do mundo
Não vale um terreiro
Onde eu faço o meu samba
Onde eu digo o meu samba com simplicidade
Com as pastoras na rua
Com um pedaço de lua
E a palavra saudade

[...]

(BLANCO, B. 1958)

Fica bem claro a diferença da realidade ilustrada por cada música, se por um lado na Bossa Nova a questão financeira quase não é lembrada por não ser um fator de preocupação, no samba é frequentemente lembrado e retratado.

5.1. ‘... Isso é muito natural’[35]

Um dos componentes facilmente perceptíveis é a interação com os elementos naturais e a paisagem, que é compreensível dada localidade onde se iniciou a Bossa Nova (Rio de Janeiro), como presente na música A felicidade (1958) de Tom Jobim e Vinicius de Morais

[...]

A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

 [...]

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

(JOBIM, T. MORAIS, V. 1958)

Esse trecho exemplifica a intimidade com os elementos naturais, intimidade essa que se encontra presente em muitas músicas, tais como, Chega de Saudade (1958), Estrada do Sol (1958), Eu não existo sem você (1958), Dindi (1959), entre outras, principalmente nas escritas por Tom Jobim e/ou Vinicius de Morais, a questão também se encontra na música Dindí (1959) de Tom Jobim e Aloísio de Oliveira

Céu, tão grande é o céu
E bandos de nuvens que passam ligeiras
Prá onde elas vão, ah, eu não sei, não sei
E o vento que toca nas folhas
Contando as histórias que são de ninguém

[...]

E as águas desse rio
Onde vão, eu não sei
A minha vida inteira, esperei, esperei por você, Dindí
[...]

(JOBIM, T.; OLIVEIRA, A. 1959)

A presença desses elementos é frequente e ilustra a intimidade com a paisagem e com o local de residência, além de promover a valorização do espaço.

5.2. ‘E que no peito dos desafinados também bate um coração’[36]

Os relacionamentos são sem dúvida o tema central do gênero musical em questão apesar de vermos constantemente as referências às paisagens, como referido anteriormente elas servem de plano de fundo e também de testemunha como é o caso da música Fim de Noite (1960) de Ronaldo Bôscoli e Chico Feitosa:

É fim de noite nossa estrela foi embora
Seu olhar me diz agora
Que eu vá embora também
Num fim de noite nossas mãos se separaram
Nossos rumos se trocaram
Nunca mais eu vi você
E cada dia toda noite eu sofri
Numa estrela da manhã
Eu me perdi

(BOSCOLI, R.; FEITOSA, C. 1960)

Os amores tomam lugar de destaque na vida, para o interlocutor, o sentimento mais importante que um ser humano pode sentir é o amor e não tem nada mais reconfortante do que esse amor ser correspondido. O relacionamento amoroso toma centralidade na vida e o resto se torna secundário, diversas vezes a ideia da impossibilidade de sobreviver sem que o seu amor seja correspondido, para ilustrar a questão a música Eu não existo sem você (1958) de Tom Jobim e Vinicius de Morais demonstra esse sentimento:

[...]

Por isso, meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos me encaminham pra você

[...]

Assim como viver
Sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
E eu não existo sem você

(JOBIM, T.; MORAIS, V. 1958)

O cantor dá tanta importância ao relacionamento na sua vida, que para ele não há sentido sem o amor do outro, não apenas a afeição do outro, mas o próprio sentimento.

Na Bossa Nova o sentimento é muito mais contemplado do que a reciprocidade do outro, como é o caso da música Este seu olhar (1959) de Vinicius de Morais no trecho a seguir:

  [...]

Doce é sonhar, é pensar que você
Gosta de mim como eu de você

Mas a ilusão quando se desfaz
Dói no coração de quem sonhou
Sonhou demais, ah! se eu pudesse entender
O que dizem os seus olhos

(MORAIS, V. 1959)

Ao contrário das músicas das décadas anteriores (1940 e 1950) a linguagem para expressar os sentimentos é mais leve e menos dramática, como no samba canção, por exemplo. Apesar da melodia complexa e a frequente utilização de figuras de linguagem a bossa nova expressa seus sentimentos com um toque de descontração. O sentimento é tema central mesmo que não correspondido, percebemos que para os bossanovistas, o mais importante é viver a intensidade do sentimento, no caso o amor. A música Eu sei que vou te amar (1959) de Tom Jobim e Vinicius de Moraes ilustra essa questão:

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida
Eu vou te amar
A cada despedida
Eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar

E cada verso meu será
Prá te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida

Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa tua ausência me causou

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver
À espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

(JOBIM, T.; MORAIS, V. 1959)

Não percebemos em toda letra qualquer referência em relação ao sentimento do outro, a música é uma declaração do que o interlocutor está sentindo, onde não importa se o outro estará ou não presente, a única certeza é que de fato ele amará em qualquer circunstância.

O amor e as relações afetivas são prioridade na vida, por vezes o sofrimento por determinada relação é expresso em algumas músicas, esse sofrimento por amor ou um termino de relacionamento também é retratado, no entanto de forma leve efetivamente o mundo não cai, como na música Minha Saudade (1959) de João Donato e João Gilberto:

Minha saudade
É a saudade de você
Que não quis levar de mim
A saudade de você
E foi por isso
Que tão cedo me esqueceu
Mas eu tenho até hoje
A saudade de você
Eu já me acostumei
A viver sem teu amor
Mas só não consegui
Foi viver sem ter saudade
Minha saudade
É a saudade de você
Que não quis levar de mim
A saudade de você

(DONATO, J.; GILBERTO, J. 1959)

Ao ritmo da Bossa Nova o pior sentimento segundo o interlocutor é a saudade da qual não consegue se livrar. A saudade do amado/amada é também tema do que foi considerada a primeira música de Bossa Nova Chega de Saudade (1958), nome que corresponde ao primeiro disco do gênero por João Gilberto:

[...]

Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai

[...]

(JOBIM, T.; MORAIS, V. 1958)

A saudade se encontra dentro da dinâmica de um relacionamento amoroso, por isso é como tema recorrente no gênero musical, a saudade descrita acima pode gerar sofrimento, mas é o único sentimento que o prende a pessoa amada, por isso é tão valorizada.

5.3. O perfil da musa

As músicas são geralmente escritas no masculino, vemos repetidamente o pronome “ela” no repertório, como dito anteriormente a relação amorosa/afetiva é o grande tema da Bossa Nova que agrega todos os elementos já descritos nos itens anteriores como uma forma de envolver o outro, no caso a outra. ‘A Bossa Nova, por sua vez, passa a cantar mulheres que, com seu “balanço”, tinham o poder de conquistar e deixar os homens apaixonados, e a contemplá-las [...]” (PEDERIVA, 2000, p.71). Tudo que fica ao redor serve apenas de testemunho do imenso amor vivido ou o sofrimento, até mesmo a saudade, relatado na música Estrada do Sol (1958), Tom Jobim e Dolores Duran:

É de manhã
Vem o sol
Mas os pingos da chuva
Que ontem caíram
Ainda estão a brilhar
Ainda estão a dançar
Ao vento alegre
Que me traz esta canção

Quero que você
Me dê a mão
Vamos sair por aí
Sem pensar
No que foi que sonhei
Que chorei, que sofri
Pois a nova manhã
Já me fez esquecer
Me dê a mão
Vamos sair pra ver o sol

(DURAN, D. JOBIM, T. 1958)

‘Ela’ acaba se tornando secundária, pois o centro é o sentimento e/ou a relação. O intuito desse trabalho não é fazer uma comparação, mas uma análise das letras e é possível perceber que as maiorias delas são escritas no masculino,Com isso a mulher se torna musa que inspira tais sentimentos, como se vê na música Dindí (1959), Aloísio de Oliveira e Tom Jobim:

[...]

Se soubesses o bem que eu te quero

O Mundo seria Dindí, tudo Dindí,

Lindo Dindí.

[...]

A minha vida inteira, esperei

Esperei por você, Dindí
Que é a coisa mais linda que existe
É você não existe, Dindí

Adivinha Dindí

Deixa que eu te adore, Dindí.

(JOBIM, T.; OLIVEIRA, A. 1959)

É importante salientar que assim como vemos na letra acima a musa/mulher, exerce uma função muitas vezes de receptora não mútua, com envolvimento com a ação no papel de concedente, no final da letra o interlocutor pede ‘deixa que eu te adore Dindí.’ como é no caso da música Chega de Saudade (1958), Eu sei que vou te amar (1959), entre outras, o nível de contemplação do interlocutor em relação à musa é tal extremo que  a torna um objeto abstrato, sem voz ativa, e não participante da ação. Se por um lado vemos que algumas músicas mantém uma postura de profunda contemplação em relação à mulher em outras a vemos como agente ativo. Independente da ação feminina o discurso é sempre positivo, o sentimento é positivo, mesmo quando o relacionamento acaba e emerge a saudade a mulher não é vista como ingrata, malévola, mas ainda como um objeto desejado.

No trecho a seguir vemos o interlocutor extravasar a dor da perda por ver sua amada, o deixar, demonstrando a centralidade do sentimento na música Samba Triste (1960), Baden Powell e Billy Blanco:

Samba triste
A gente faz assim:
Eu aqui
Você longe de mim, de mim
Alguém se vai
Saudade vem
E fica perto
Saudade, resto de amor
De amor que não deu certo
Samba triste
Que antes eu não fiz
Só porque
Eu sempre fui feliz, feliz, feliz, feliz
Agora eu sei
Que toda vez que o amor existe
Há sempre um samba triste, meu bem
Samba que vem
De você, amor

(BLANCO, B; POWELL, B. 1960)

Na Bossa Nova a mulher passa por um trajeto rumo à igualdade em prol da emancipação nas relações afetivas, e isso faz com que ela deixe de coadjuvante para desempenhar o papel de destaque, onde a sua postura lança as bases para a construção do relacionamento. No entanto é perceptível um movimento dicotômico entre a emancipação e igualdade nas relações e a valorização de elementos ditos tradicionais na postura feminina. A música Lobo Bobo (1959) de Ronaldo Bôscoli e Carlos Lyra relata a posição da mulher no relacionamento:

Era uma vez um lobo mau
que resolveu jantar alguém
estava sem vintém
mas arriscou
e logo se estrepou
um chapeuzinho de maiô
ouviu buzina e não parou
mas lobo mau insiste
faz cara de triste
mas chapeuzinho ouviu
os conselhos da vovó

dizer que não pra lobo
que com lobo não sai só

Lobo canta, pede promete
tudo até amor
e diz que fraco de lobo
é ver um chapeuzinho de maiô

Chapeuzinho percebeu
que o lobo mau se derreteu
pra vez vocês que lobo
também faz papel de bobo

Só posso lhe dizer
chapeuzinho agora traz
um lobo na coleira que
não janta nunca mais

Lobo bobo. (grifo nosso)

(BOSCOLI, R.; LYRA, C. 1959)

Ao retomar conceitos do capítulo anterior apesar da premissa de igualdade o discurso permanece restrito ao masculino, perpetuando a condição secundarizada do feminino, por conta de se tratar do olhar do outro, no caso o homem. A condição da mulher nesse contexto é paradoxal, pois se por um lado ela é protagonista no sentido de participar da ação, permitir ou não o relacionamento, na Bossa Nova é a coadjuvante, pois o sentimento é tema central das músicas.

Por vezes fica clara a intenção do interlocutor de ser correspondido a ponto de partir da premissa de igualdade por amor a sua mulher e demonstra o sentimento de gratidão pela reciprocidade, relatado na música Brigas Nunca Mais (1959), Vinicius de Moraes e Tom Jobim:

Chegou, sorriu, venceu depois chorou
Então fui eu quem consolou sua tristeza
Na certeza de que o amor tem dessas fases más
E é bom para fazer as pazes, mas
Depois fui eu quem dela precisou
E ela então me socorreu
E o nosso amor mostrou que veio prá ficar
Mais uma vez por toda a vida
Bom é mesmo amar em paz
Brigas nunca mais.

(JOBIM, T.; MORAIS, V. 1959)

 

 

É possível então afirmar que de fato a mulher, mesmo sendo a musa, o objeto de desejo, em algumas músicas ela é um ser autônomo que expressa seus desejos, inclusive sua falta de interesse ou indiferença, que corresponde ou não, de fato a mulher quando colocada na condição musa, se torna um ser perfeito que constantemente se torna inalcançável, seja por vontade da mesma ou pelas circunstâncias, mas ela não deixa de ser o outro, como evidenciado nas discussões do segundo capítulo.

O discurso da Bossa Nova em seu início é pretensamente masculino, as letras são elaboradas e mantém o discurso do homem, evidenciando nesse período, apesar das mudanças ocorridas na década de 1950 e todo o frescor do movimento musical, um resquício sexista presente na música popular brasileira, um discurso, porém convidativo a rever a posição da mulher nos relacionamentos que ressalta a sua relevância através horizontalidade das relações e da afirmação da essencialidade feminina para compor o amor, a felicidade e principalmente a beleza.

6. Conclusão

A década de 1950 é um tempo de grandes transformações no país é a partir desse momento que vemos a sociedade se forjar segundo os moldes que hoje conhecemos (RODRIGUES, 2008). São tempos de novidade onde o Brasil buscava assumir uma nova posição no cenário mundial, principalmente como representante dos latinoamericanos para os EUA e o mundo.

Em meio uma série de acontecimentos, entre eles o acirramento da corrida entre EUA e URSS em busca de ser a maior potência mundial, a América Latina lidava com os seus antigos e conhecidos problemas sem a frequente ajuda financeira norte americana. Quanto ao Brasil que vivia o que reconheceríamos depois de a ‘breve experiência democrática’ se emancipava para levar a cabo o plano de colocar “o país do futuro” efetivamente entre os grandes.

Até se chegar ao governo Juscelino Kubistchek, o escolhido para efetivar essas mudanças, muito se passou politicamente durante toda década. O primeiro passo foi a industrialização que servia como ponta pé inicial para as mudanças propostas para a sociedade, dado os momentos anteriores e presentes de crise econômica era necessário investimentos da iniciativa privada não só brasileira, mas também de outros países,  a chamada abertura ao capital estrangeiro.

A Bossa Nova é fruto desse momento de crença na possibilidade de crescimento da nação e simpatia as investidas estrangeiras em todos os aspectos, causada pela abertura, momento esse em que as classes mais altas se isolam ainda mais do resto da população e busca independência através da posse de bens importados. A Bossa Nova atende a necessidade da elite por uma música nacional que venha de encontro com a sua realidade e o momento vivido pelo país.

Dado o cenário musical o estilo se equipara ao frescor do governo Kubistchek, e o aproveitamento do elemento internacional. A criação e os elementos da Bossa Nova exprime esse momento que a classe média/alta vivencia. A mulher se encontra de frente com o novo período também. As relações esboçam futuras mudanças, a véspera de uma explosão feminista, a mulher passa a ser não apenas coadjuvante mais protagonista.

A Bossa Nova também reflete isso, apesar de o tema central ser os relacionamentos afetivos, a mulher além de ser a musa por vezes se encontra como participante da ação, apta a expressar sua opinião, a escolher o futuro do relacionamento. Independente da forma como ela é retratada, seja o amor da vida ou a saudade, ela faz parte e não é apenas passiva, exemplificando sua posição paradoxal, se por um lado a mulher é protagonista por ser a musa e participante da ação, ela também exerce um papel de coadjuvante, pois a temática preferida dos bossanovistas é o sentimento e as relações.

Na historiografia, é comum encontrarmos trabalhos que levem em consideração a música como fonte primária, é fundamental construir novos territórios para o historiador e analisar através da produção musical mais um aspecto de determinado período e sociedade, que podem ser inúmeros, dado os modos de tratamentos das fontes, no caso desta pesquisa buscou-se traçar um novo lado das relações e da mulher que viveu na década de 1950, através do prisma da Bossa Nova, mas dentro dessa abordagem é possível tomar outros caminhos, analisar outros aspectos utilizando a música como fonte, como o discurso do grupo, um debate em torno do conceito identidade e até mesmo de território, dada a ligação íntima entre a Bossa Nova e lugar onde é concebida.

É preciso considerar que mesmo a Bossa Nova refletindo o período vivido, os compositores e participantes do movimento se detêm a uma realidade específica, no caso a cidade do Rio de Janeiro, as paisagens e os elementos naturais são fundamentais para dar o tom e a particularidade que a Bossa Nova carrega consigo. Essa realidade retratada se encontra distante das músicas regionais ou dos sambas seja do morro ou de São Paulo como diz Júlio Medaglia (2003), o seu caráter intimista completa o gênero musical.

Essa musa retratada é tão bela quanto a paisagem e tão necessária a vida quanto os elementos naturais, no entanto ela tem o caráter único e especial como a Bossa Nova inerentes ao Rio de Janeiro, portanto podemos afirmar que sem dúvida que a mulher apresentada nas letras de música refletem um caráter exclusivo, ou seja, ELA É CARIOCA.

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[1]Segundo Roger Chartier, o estudo da representação, exprime a relação com o mundo social, onde a realidade é construída pelos diferentes grupos que compõe a sociedade, sobre aquilo que lhes é apresentado ou vivenciado e se dá em duas esferas, a relação de força entre representações impostas ou a representação que cada grupo dá de si mesmo ‘é preciso inscrever a importância crescente das lutas de representação, cuja problemática central é o ordenamento, logo a hierarquização da própria estrutura social’ (p. 186) o estudo justifica-se também pela construção uma história global ‘ capaz de articular num mesmo apanhado os diferentes níveis da totalidade social’ (p. 176) que excede os antigos objetos estudos de estudo do historiador que pautavam-se na política e economia. Essas considerações estão presentes e mais aprofundadas em: CHARTIER, R. O mundo como representação. 1991.

[2]Bomba atômica é uma arma explosiva cuja energia deriva de uma reação nuclear, por isso também é denominada de bomba nuclear.  Disponível em: http://ciencia.hsw.uol.com.br/bomba-nuclear.htm Acessado: 22/08/2012

[3]França e Inglaterra, por exemplo.

[4]Cuba e Angola, por exemplo, que receberam dinheiro e armas da URSS para fazerem a Revolução Comunista, para maior elucidação do tema, ver:  GORENDER, J. O fim da URSS: origens e fracasso da perestroika. 11ª ed. São Paulo. Atual, 1992.

[5]Plano econômico criado por George Marshall que visava possibilitar a reconstrução dos países capitalistas após a II Guerra Mundial, foi colocado em operação a partir de 1947.

[6]O american way of life (ou 'estilo de vida americano') foi desenvolvido na década de 20, amparado pelo bem-estar econômico que desfrutavam os Estados Unidos. O sinal mais significativo deste way of life é o consumismo, materializado na compra exagerada de eletrodomésticos e veículos. Associa a qualidade de vida ao consumo de bens materiais, ver KRAEMER, M. A questão ambiental e os resíduos industriais. Porto Alegre, 2005.

[7]Conceito formado por alguns pensadores da Escola de Frankfurt – Theodor Adorno e Max Horkheimer - que viam de forma negativa, a formação de uma cultura generalista voltada ao consumo que vinha de encontra a demanda do capitalismo através de meios de comunicação de massa.

[8]Companhia Siderúrgica Nacional, criada em 1941.

[9]Art. 136. “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza” Trecho retirado da Constituição Federal de 1988.

[10]Gíria utilizada no período para designar uma novidade.

 [11] Coma criação do Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek, a indústria de base viveu grande expansão. Entre 1955 e 1961 a produção industrial como um todo cresceu 100%. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/industria/fatos.html Acessado em: 03/07/2012.

[12]Iniciativa tomada pela diplomacia brasileira para unir os países latino americanos em torno de um projeto de desenvolvimento sócio econômico.

[13]Foi feito pela primeira vez no governo Campos Sales e consistia em um empréstimo para  tentar negociar uma saída para a questão da dívida interna causada pela política do encilhamento. Esta proposta funcionava na prática oferecendo folga e garantia, concedidas através de um empréstimo, para que fosse realizado o pagamento dos juros e dos montantes dos empréstimos anteriores. Em outras palavras, é um novo empréstimo para pagar a longo prazo para quitar as dívidas que vencem a curto prazo. 

[14]Para elucidação da condição do negro na cidade, especificamente em São Paulo, ver BASTIDE, R.; FERNANDES, F. Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo. São Paulo: Anhembi Morumbi, 1955.

[15]Deslocação de acentuação sobre parte de um tempo ou nota que se prolonga sobre parte do tempo seguinte, é a articulação de uma nota em tempo fraco prolongando-se sobre o tempo forte ou ainda a supressão de um tempo do compasso. Produz um efeito saltitante na execução e é uma característica intrínseca do ragtime e que foi usada extensivamente no Jazz tradicional e encontrada ainda em algumas das escolas e estilos modernos não como característica principal, mas como uma figura rítmica de grande efeito.

[16]É um estilo de jazz que surge no final da década de 1940 em Nova Iorque. Um de seus maiores representantes foi o músico Miles Davis

[17] Ato musical em que os músicos se juntam e começam a improvisar sem qualquer preparação, sem nada planejado.

[18] Música moderna de origem negro-americana, muito difundida após a guerra de 1914-1918, caracterizada pelo improviso e pelas sonoridades e ritmos sincopado.

[19] É uma variante do jazz da década de 1940 e representa uma das correntes com mais influentes na música, seus representantes mais significativos são Charlie Parker e Dizzy Gillespie entre outros.

[20] Entende-se por crooner um cantor masculino de música popular.

[21] Parada de sucessos.

[22]BEAUVOIR, S. O segundo sexo. Fatos e mitos. Vl. 1 São Paulo: Difel, 1970.

[23]Escritor francês consagrado de linha existencialista, sua obra mais marcante foi O ser e o nada, publicado em 1943 na França, introduziu debates acerca do existencialismo e quebrou com as antigas tradições filosóficas.

[24]O existencialismo é uma corrente filosófica que tem com tema central a análise da relação do homem com o mundo.

[25]Família foi colocada com letra maiúscula para designar uma instituição

[26]Segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) entre 1996 e 2006 o número de famílias chefiadas por mulheres subiu de 10,3 milhões para 18,5 milhões esse aumente corresponde a uma variação de 79%. Levando em consideração que esse percentual tende a aumentar. Informação disponível em: http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/mulher/mulherhoje.html acessado em: 23/5/2012

[27] Para elucidação do tema homossexualismo, ver: BOURDIEU, P. A dominação masculina. 3ªed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

[28]Corrente filosófica que sugere  pensar a realidade constituída por um princípio único, um fundamento elementar, sendo os múltiplos seres redutíveis em última instância a essa unidade

[29] Segundo o conceito de Chartier (1991) expresso na p. 8.

[30] Amor platônico é qualquer tipo de relação afetuosa ou idealizada em que se abstrai o elemento sexual, por vários gêneros diferentes, como em um caso de amizade pura, entre duas pessoas. Amor platônico também pode ser um amor impossível; difícil ou que não é correspondido. No entanto, apesar do termo platônico se referir a Platão, essa percepção de amor para Platão, ou a concepção de amor grego se refere a um amor estreitamente relacionado a busca do saber. Ver:  BRITO, B.;  BESSET, V. Amor e saber na experiência analítica.

[31]Deve-se lembrar de que as mobilizações feministas mais expressivas e marcantes para o movimento ocorrem depois, a partir da década de 1960, juntamente com os esforços dos acadêmicos em fazer uma história da mulher, considerá-la como agente histórico. Para maior elucidação da questão, ver: CHATIER, R. Diferenças entre os sexos e a dominação simbólica. Cadernos Pagu (1995); SAFFIOTI, H. Primórdios do conceito de gênero. Cadernos Pagu (12) 1999.;

SAMARA, E. M.; SOIHET, R.;  MATOS, M. I. Gênero em debate: trajetória e perspectiva na historiografia contemporânea. São Paulo: EDUC, 1997

[32]Retirado da música Desafinado de Tom Jobim e Newton Mendonça de 1958.

[33]Câmera fotográfica utilizada no período.

[34]As figuras de linguagem são recursos que tornam mais expressivas as mensagens. Subdividem-se em figuras de som, figuras de construção, figuras de pensamento e figuras de palavras.

[35] Retirado da música Desafinado de Tom Jobim e Newton Mendonça de 1958.

[36] Retirado da música Desafinado de Tom Jobim e Newton Mendonça de 1958.


Publicado por: Talita Lino Viana

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