As Fantásticas Máquinas do Futuro

RESUMO: O texto foi construído para ser utilizado em aulas de história em nível de 2º grau. Buscou-se aqui, abordar a questão dos trens e das ferrovias no processo de desenvolvimento do capitalismo, tanto de uma perspectiva econômica como social e simbólica.

UNITERMOS: Trens, ferrovias, desenvolvimento do capitalismo, história social.

INTRODUÇÃO

A máquina corre loucamente, luzente, negra, metálica, desafiando o tempo, moldando novos espaços, transformando o mundo e a sociedade. Catch Me Who Can (pegue-me quem puder) parece dizer aos homens que assistem atônitos ao espetáculo da velocidade, da modernidade. Com ela pode-se ir a qualquer lugar: de Moscou à Pequim, Paris à Lisboa, do Rio à São Paulo. Com ela atravessa-se de um lado a outro do Canal da Mancha e alguns chegaram até a pensar em utilizá-la para conhecer outras galáxias. No Brasil existem poucas, e destas, muitas são apenas sucatas devoradas pelas selvas tropicais e outras são pouco utilizadas.

Já nos Estados Unidos, na Europa e no Japão são muitas, cada vez mais rápidas, confortáveis e modernas: caminham sobre a superfície, no subsolo e até em suportes aéreos. Transportam mercadorias e pessoas. São mágicas, encantadoras e nos dão uma sensação de leveza, embora sejam muito fortes e pesadas. Existem em miniaturas que foram e ainda são o primeiro brinquedo de muitas crianças. Foram e são cantadas em versos e em prosa, retratadas em pinturas, em fotografias e no cinema.
Quem não é fascinado por trens? Inventados no século XIX foram o símbolo da modernidade:

"... a razão é que nenhuma outra invenção revelava (...) o poder e a velocidade da nova era (...) A estrada de ferro, arrastando sua enorme serpente emplumada de fumaça, à velocidade do vento, através de países e continentes, com suas obras de engenharia, estações e pontes formando um conjunto de construções que fazia as pirâmides do Egito e os aquedutos romanos e até mesmo a Grande Muralha da China empalidecerem de provincianismo, era o próprio símbolo do triunfo do homem pela tecnologia." (HOBSBAWM, 1982: 61).

AS ORIGENS

Tudo começou na velha Inglaterra, durante a revolução industrial. Durante as décadas de 1780-1820, os grandes investimentos da burguesia foram canalizados para as indústrias têxteis, especialmente a dos tecidos do algodão. Neste período ocorreu uma grande expansão dos mercados. A Inglaterra passou a fornecer tecidos para todo o mundo: Europa, Ásia, África e América. Mas há um limite para o crescimento econômico fundado neste modelo. Estabelecidos estes mercados, industriais e comerciantes ingleses preocupavam-se apenas em mantê-los. O grande acúmulo de capital que ocorreu neste período apenas em parte era consumido na manutenção da indústria algodoeira. Havia um grande excedente que os negociantes procuravam investir em outros ramos. Foi das minas de carvão do norte da Inglaterra que nasceu um novo campo para a aplicação de capital:

" .... as minas não só necessitavam de máquinas a vapor em grande quantidade e de grande potência, mas também de transportes eficientes para trazer grandes quantidades de carvão do fundo das minas até a superfície e especialmente para levá-las da superfície aos pontos de embarque. A linha férrea ou os trilhos sobre os quais corriam os carros era uma resposta óbvia; acionar estes carros por meio de máquinas era tentador; acioná-los ainda por meio de máquinas móveis não parecia muito impossível. Finalmente os custos de transporte terrestre de grandes quantidades de mercadoria eram tão altos que provavelmente os donos de minas de carvão localizadas no interior perceberam que o uso desse meio de transporte de curta distância podia ser estendido lucrativamente por longos percursos.” (HOBSBAWM, 1982: 60-1).

A EXPANSÃO

Do ponto de vista econômico, as ferrovias absorviam maciçamente ferro e aço, carvão, maquinaria pesada, mão-de-obra e investimentos de capital. Além disto, tinham capacidade de abrir países, até então isolados do mercado mundial pelo alto custo dos transportes, de aumentar a velocidade e o volume das comunicações por terra de homens e mercadorias. Não é pois, ao acaso que a partir de 1820-1830 ocorreu uma febre ferroviária em termos internacionais: em 1830 existiam algumas dezenas de quilômetros de ferrovias no mundo, em 1840 havia mais de 7 mil e dez anos mais tarde este número havia saltado para mais de 37 mil.

Em 1880 havia em todo o mundo 365,44 milhares de quilômetros de ferrovias. Deste total, 323,68 localizavam-se na América do Norte e na Europa. Sem dúvida o caso mais extraordinário é o dos E.U.A, que já em 1862 iniciou a ligação ferroviária da costa Atlântica com a do Pacífico, quando Abraham Lincoln assinou o Pacific Railroad Act que estabelecia que a Union Pacific e a Central Pacific colaborariam no histórico empreendimento 2.

No ano de 1988 os E.U.A possuíam 278,2 milhares de quilômetros de estradas de ferro.

O caso brasileiro é bem distinto. Em 1854 é inaugurada a primeira ferrovia brasileira, de 15 Km apenas, ligando o Rio de Janeiro a Petrópolis. Em 1889 o Brasil possuía 9.583 Km de estradas de ferro, construídas em sua grande maioria por companhias inglesas e, em 1991, 30.289 Km. Deste total, apenas 2.200 Km (1992) são constituídos de ferrovias paranaenses3 . A primeira estrada de ferro do Paraná foi inaugurada em 1885 e liga Curitiba a Paranaguá, e a segunda (trecho paranaense da Ferrovia São Paulo-Rio Grande) em 1908.

Posteriormente, já nos anos cinqüenta promoveu-se a união ferroviária entre o norte e o sul do estado, para garantir a realização de exportação de café pelo porto de Paranaguá e atualmente está em construção a Ferroeste.

HOMENS LIVRES E TRABALHADORES

Se de um lado a ferrovia trouxe um fantástico desenvolvimento - tornando-se ela própria o símbolo do progresso - de outro, foi portadora de morte para milhares de homens.

A expansão do capitalismo, implicava na destruição de antigas formações sociais: camponeses, indígenas, homens livres pobres foram tragados pelo turbilhão causado pelo nascimento da nova civilização. Este drama é retratado na literatura e no cinema.
Os filmes de faroeste (Western) produziram imagens inesquecíveis acerca da questão nos E.U.A:

"Os índios, feras com seus cocares de plumas e com suas cores de guerra, seus nobres cavalos de pêlo malhado, berrando, galopando e lançando flechas contra o cavalo de ferro. Não é uma cena épica? Na verdade, se o gênero Western é a epopéia do nascimento de uma civilização em combate com um mundo selvagem, esta é a cena mais épica do Western. Na realidade, os índios jamais atacaram o cavalo de ferro, pelo menos quando ele estava correndo. Eram muito inteligentes para fazer isso. Mas é verdade que a ferrovia, atravessando o velho oeste, foi o início do fim deles (...). As linhas ferroviárias, que nasciam (...) em toda a parte como uma gigantesca teia de ferro, eram a negação da velha fronteira livre e selvagem (...). Os fora-da-lei viram no trem seu principal inimigo (...) Jesse James tornou-se uma lenda como um inimigo implacável das grandes companhias ferroviárias, símbolos do capitalismo do norte que corrompe e destrói a pureza rural do Sul e do Oeste." (BOSELI, 1994: 15-7).

Mas em todo mundo o processo é o mesmo. A construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande, significou uma penetração imperialista sem precedentes no Paraná e em Santa Catarina, que devorou grandes quantidades de terras e provocou um dos maiores conflitos sociais no Paraná moderno: a guerra sertaneja do Contestado. Há um filme do cineasta paranaense Sílvio Back intitulado "A guerra dos pelados" que retrata este conflito. Neste filme, Stênio Garcia representa um sertanejo que luta contra o dragão de ferro para manter suas terras e sua liberdade: Nenê (Stênio Garcia) sai em busca do dragão para matá-lo. Segue pelos trilhos e ao norte encontra-se frente a frente com o trem. Todos podem imaginar o que acontece então. Esta cena é extremamente simbólica e representa a destruição das pequenas comunidades rurais pelo avanço do capitalismo - que é representado pelo trem.

Há, no entanto, uma outra questão a ser considerada. Para construir estes monstros fumegantes, bem como seus caminhos de ferro, pontes, estações, armazéns, enfim todo o complexo que os acompanha, milhares de trabalhadores foram mobilizados em todo o mundo. O historiador Eric Hobsbawm questiona de modo emocionado:

"Como podemos negar admiração por estas tropas de choque da industrialização que construíram tudo isso, aos exércitos de camponeses freqüentemente organizados de forma cooperativa que, com pá e picareta moveram terra e pedras numa quantidade inimaginável, aos capatazes profissionais ingleses e irlandeses que construíram linhas longe de seus países, aos maquinistas e mecânicos de Newcastle ou Balton que partiram para longe para construir as novas linhas de ferro da Argentina ou Nova Gales do Sul? Como podemos não nos emocionar com os exércitos de coolies [trabalhador Hindu ou Chinês] que deixaram seus ossos ao longo de cada milha de trilhos? Hoje, o belo filme Pather Panchalí de Satyadjit Ray (baseado numa novela bengalesa do século XIX) nos permite recapturar a maravilha da primeira máquina a vapor, um maciço dragão de ferro, a própria força do mundo industrial irresistível e inspiradora, fazendo seu caminho onde nada previamente havia passado, exceto mulas e carroças". (HOBSBAWM,1979: 74).

O NORTE DO PARANÁ

Como já vimos a implantação de ferrovias foi fundamental no processo de desenvolvimento do capitalismo em todo o mundo. No norte do Paraná o mesmo se passou.

Em um primeiro momento a CTNP pensou em dividir as terras em grandes lotes, e, em seguida, quando já se processava a ocupação e a cidade de Londrina já havia sido fundada, surge a idéia - baseada na experiência holandesa - de repartí-las em pequenos lotes. Oswald Nixdorf - agrônomo - entrou em contato com o general Asquith, vice-presidente do Paraná Plantations no ano de 1932 e propôs ao mesmo:

"(...) uma política de venda de terras toda diferente do qual era previsto. A previsão era para vender lotes maiores para a formação de fazendas. Nixdorf partiu do ponto de vista de que a estrada de ferro - Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná - deveria ser um empreendimento próspero. Se as terras fossem vendidas a fazendeiros maiores, a estrada de ferro teria carga para o escoamento da produção agrícola, isto é, do Norte do Paraná para São Paulo, pouco frete e poucos passageiros de retorno. Caso a CTNP resolvesse vender as terras a lavradores pequenos, de propriedade de mais ou menos 10 alqueires, iriam se criar povoados e cidades vizinhas cujas populações teriam necessidade de transportar cargas na estrada de ferro de São Paulo para o Paraná em maior volume, tanto em fretes como passageiros. O general Asquith compreendeu logo a importância desta alegação e a CTNP seguiu firmemente a política de venda de terra sugerida. (...) Conforme Nixdorf, ele não está atribuindo este modo de pensar a um mérito pessoal, mas sim como a conseqüência de ter ganho bastante experiência em Sumatra, (...), onde os Holandeses com grande sucesso colonizaram uma ilha quase abandonada (...).” ( APUD BRANCO, G & ANASTÁCIO , A ., 1969).

O primeiro trem chegou a Londrina em 1935, em Cambé e Rolândia em 1936, e em Arapongas em 1938, atingindo Apucarana somente em 1943, ano em que, a CTNP já havia sido adquirida pelos grupos Vidigal/Mesquita de São Paulo, e a Estrada de Ferro São Paulo - Paraná, transferida para o Governo Brasileiro.

A partir de 1935 pelos trilhos da EFSPP chegavam de São Paulo aventureiros, compradores de terras, homens e mulheres de todos os quadrantes do país e do mundo. Na antiga ferroviária, eram descarregados também todo tipo de mercadorias: peças e acessórios para veículos automotores, lubrificantes, pneus, combustíveis, rádios, geladeiras, lâmpadas, fios elétricos, tecidos, roupas feitas, chapéus, calçados, louças, cigarros, produtos de papel, artigos escolares, perfumarias, frios, bebidas, doces e conservas nacionais e estrangeiras, bicicletas, equipamentos pesados para serrarias, olarias, moinhos, máquinas de escrever, brinquedos, produtos farmacêuticos e até mesmo os filmes exibidos no único cinema local - o São José.

Cruzando o Arco do Triunfo decorado com as bandeiras de vários países, encimado com a da Inglaterra, o trem estaciona na pequena estação da nova "cidade". Trazia passageiros e mercadorias, unia definitivamente Londrina à São Paulo e ao resto do mundo. Foi recebido, como o era em todos os lugares: pessoas vestidas com suas melhores roupas, autoridades locais e banda de música. Mas a história da Estrada de Ferro São Paulo - Paraná ainda está por ser escrita: muitos trabalharam na sua construção, muitos trabalharam na sua manutenção e funcionamento. Onde estão eles? Onde está a sua memória?

Para finalizar, gostaria apenas de indicar algumas possibilidades de trabalho com a temática em questão:

De uma perspectiva econômica, pode-se investigar qual teria sido o impacto dos trens e das ferrovias no processo de desenvolvimento do capitalismo;

Uma abordagem cultural pode enfatizar as mudanças culturais e simbólicas que ocorreram em fins do século XIX e início do século XX, ou seja, a chamada “modernização”;

Uma abordagem de cunho social, pode enfatizar tanto a questão do trabalho, quanto a da importância dos movimentos de ferroviários no interior dos movimentos operários de um modo geral;

Uma abordagem regional também é possível. Considerando, por exemplo, o caso do Norte do Paraná, pode-se fazer uma pesquisa baseada na metodologia de história oral, e reconstruir a memória de um grupo social importante, com o qual a historiografia regional ainda não trabalhou.

Enfim, as possibilidades são grandes também no que diz respeito às fontes.: a utilização de romances, filmes, revistas em quadrinhos, bem como revistas, fotos, depoimentos orais pode estimular a curiosidade, criatividade e, portanto, proporcionar o prazer da descoberta a alunos e professores.

BIBLIOGRAFIA:

Almanaque Abril/93. São Paulo: Abril Cultural, 1993.

ALMEIDA, Antonio R. Dicionário de História do Brasil. Porto Alegre: Globo, 1969.

BOSELLI, Mauro. É melhor roubar um trem! In NIZZI, C. & ORTIZ, J. Tex: O grande roubo. São Paulo: Globo, 1994.

BRANCO, Gustavo & ANASTÁCIO, Adão. Construtores do progresso: Londrina, 1969.

HARDMAN, Francisco F. Trem Fantasma. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

LEONARDI, Victor & HARDMAN, Francisco F. História da indústria e do trabalho no Brasil. São Paulo: Global, 1982.

HOBSBAWN, Eric J. A Era das Revoluções: 1789-1848. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

A Era do Capital 1848-1875. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

NOYA PINTO, Virgílio. Balanço das transformações econômicas no século XIX. In MOTA, Carlos Guilherme. Brasil em perspectiva. 10 ed. São Paulo: Difel, 1978.


Publicado por: Equipe MonografiasBrasil.com

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