AS COTAS RACIAIS COMO VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

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1. RESUMO

Partindo do pressuposto que o homem escraviza o homem, em decorrência de ganância pelo poder, assim como é cultural o escravismo, praticado há muito tempo em vários países, e não só no continente Africano, torna-se claro que não só o homem negro, mas o homem branco, e muitos outros povos foram vilipendiados e agredidos fisicamente, causando estigmas para todas suas miseráveis vidas. E assim foi por séculos e à medida que o homem foi se educando moralmente, fruto da evolução do caráter e da própria sociedade que assim o exigia, o conceito do escravismo tomou outro rumo. Foi um processo lento e doloroso, e deixou sim, deixou marcas e mágoas naqueles homens que não foram beneficiados pelo sopro da sorte, mas pela sua própria situação (pobre, cativo de guerra, preso...) sofreram na pele literalmente o preço de suas malfadadas vidas. Sob a égide das ações afirmativas as cotas raciais tomaram lugar notório dentro de grandes universidades, e se estendeu à concursos públicos também, e sob a tutela de dívida histórica, as cotas tomaram proporções dantescas, em benefícios de uns e prejuízos de outrem. A situação das cotas raciais é alvo constante de debates sobre sua constitucionalidade que carrega a bandeira da igualdade, embora tenha sido aprovada no Supremo Tribunal Federal, é de bom alvitre que seja refeita uma nova análise sobre sua finalidade, uma vez que a sua prática causa dúbia interpretação, e atesta a incapacidade intelectual do negro, tirando sua capacidade de concorrer meritocraticamente, desqualificando a igualdade tão requerida pelo candidato que se auto beneficia das cotas raciais.

PALAVRAS-CHAVE: Escravismo. Ações Afirmativas. Negro. Dívida Histórica. Igualdade.

2. INTRODUÇÃO

O comportamento atual no que tange a dívida histórica, cotas, escravagismo, é fruto de atos que ocorreram no passado, portanto, fatos históricos, e para que se possa melhor conceber essa avalanche que questionamentos que ora se apresenta, deve-se voltar ao passado e rever alguns passos que compuseram a história. O brasileiro é hoje reflexo de uma colonização implementada pelos portugueses, ainda mais no que diz respeito ao convívio entre as diversas raças.

Esses fatos históricos sobre a colonização no Brasil são importantes para entender e analisar as relações entre raças e a discriminação atual, mais notadamente no que se refere à adoção das políticas cujo critério exclusivo seja a raça.

À luz de uma análise mais apurada sobre desenvolvimento histórico do Brasil, a despeito de o sistema escravocrata ter sido implantado tanto no Brasil como nos Estados Unidos, é importante lembrar que houve diferenças no modo em que ele se desenvolveu em ambas as nações.

O fato do negro ter sido escravizado no passado, conseguiram através de movimentos culturais voltados à raça negra, delinearem estratégias que lhes permitissem consolidar eventos como “Dia da Consciência Negra”, e através desta bandeira, deram início ao requerimento e reconhecimento de uma dívida histórica, por assim entenderem serem merecedores, e o assunto tomou conotações políticas, foi submetido aos tribunais jurídicos, e favorecido pelo STF, onde resultou na Lei das Cotas.

O fator constitucional que rege tal lei, tem provocado muitas discussões sobre sua aplicabilidade e até mesmo se é viável, pois, ao mesmo tempo em que beneficia uma pessoa, prejudica outra, basta ver em concursos onde uma pessoa que se inscreveu na Ampla Concorrência, dentro de sua limitação de 50%, corre o risco de ser desclassificado pela realocação de outra pessoa dita de cor, que além de ter sido inscrito dentro dos 50% destinados a Ação Afirmativa, também lhe é permitido se inscrever na Ampla Concorrência, que é um critério adotado pelas entidades, o que favorece-a duplamente, demonstrando já nesse ato, um princípio de desigualdade, quando reivindicam a igualdade.

Partindo desse pressuposto, entende-se que tal lei foi criada num momento onde o sistema adotado politicamente no Brasil era gerido por partidos de esquerda, e viabilizaram a simpatia das raças, das classes e gêneros, e com isso contaram com o apoio através dos resultados nas urnas, como de fato ocorreu e ainda ocorre, ou seja, o favorecimento político.

Neste caso, considerando a troca de moedas, assim por se dizer, não contribuiu de fato para aquilo que deveria ser, ou seja, o reconhecimento histórico cultural do escravagismo, tornou sim, um divisor de classes raciais, onde a meritocracia passa a ser privilégio somente do homem denominado de cor branca, conquanto, àqueles de cor negra, esse aspecto foi entendido como desnecessário, pois, à estes está salvaguardado as benesses da Lei das Cotas, e além do mais, a oportunidade de concorrerem com duplas inscrições (Ações afirmativas e Ampla Concorrência) os favorecem.

Este trabalho tem como objetivo criar um paralelo através de estudos, no que diz respeito às Cotas Raciais, cuja lei sob nº 12.711, foi sancionada no dia 29 de agosto de 2012, pela então presidente Dilma Rousseff, que nessa ocasião define cotas reservadas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas e oriundos de famílias com renda igual ou inferior a um e meio salário mínimo, bem como, para aquelas pessoas que se autodeclaram pretas, pardas e indígenas

3. O FATOR “DÍVIDA HISTÓRICA”

É fato que o trabalho escravo houve aqui no Brasil, conforme os registros nos anais da história, e pelo que se tem conhecimento, os negros vieram trazidos pelos europeus, e em conjunto com os indígenas desempenharam o papel de executores de mão de obra gratuita, e esta prática, estes mesmos ditos escravos, em sua terra natal já tinham essa cultura, eram escravizados pelos próprios conterrâneos, com a diferença de que eles detinham mais conhecimento e eram proprietários de terras, assim, podiam explorar os menos favorecidos que eram capturados nas suas tribos e vendidos ao homem europeu, que se encarregava de traficá-los em outros continentes, e aqui no Brasil assim foi até o fim do império.

O rescaldo moral desse sombrio episódio da história pode ser sopesado por duas vertentes: Primeiramente o sistema político de esquerda juntamente com o movimento de ativistas negros que acreditam que ações e obrigações devem estar a cargo de pessoas que comungam do mesmo pensamento. Por este ângulo, o escravagismo dos negros pelos brancos gerou uma dívida moral e histórica, devendo ser paga por quem é descendente do homem branco para com os descendentes do homem negro. Esse conceito validaria as discriminações (eufemismo das ações afirmativas) de hoje, mais notadamente à reserva de vagas para negros no campo educacional e concursos públicos, dando por quitada a pretensa dívida histórica.

E por segunda visão, seria a ótica libertária. Atribuindo individualmente às pessoas os direitos, obrigações, ações e responsabilidades, e não a grupos de pessoas. Pois que virtude há em reparar um erro causado por outra pessoa, mesmo que tenham ideais semelhantes, parentesco e outras afinidades? Não, realmente não há virtude nisso. E se assim o fosse, que dívida moral e histórica dos brancos para com os negros existiria hoje? Pois não cabe hoje a responsabilidade ser arcada pelo branco por um erro cometido no passado por outro branco, e se assim o fosse, não seria para com os negros de hoje, que não sofreram na pele o que os escravos sofreram séculos atrás.

No Brasil muitos dos negros que conseguiram a liberdade, agiram da mesma forma que seus senhorios na África, pois tentavam capturar e até mesmo comprar outros negros e tê-los como escravos, um desses foi Zumbi dos Palmares, tido como herói no movimento negro, este sim, foi escravo e senhor de escravos. Então, a dívida histórica é somente do descendente branco? Como mediar essa responsabilidade?

É muito complicado afirmar categoricamente que essa dívida histórica pertence aos descendentes do homem branco que escravizou o homem negro, eis que com o passar do tempo muitos se foram, e muitos imigrantes brancos chegaram ao Brasil no século passado e não se beneficiaram do trabalho escravo dos negros nos séculos anteriores, assim como alegam os manifestantes do movimento ativista negro. Em seu artigo inspirado no livro Ação Afirmativa ao Redor do Mundo – Um estudo empírico sobre cotas e grupos preferenciais, de Thomas Sowell, Paulo Cruz (2018) deixa claro que: De um lado, o pseudoconceito de “dívida histórica” – segundo o qual os descendentes dos antigos senhores de engenho são indiretamente responsabilizados pela escravidão dos descendentes de africanos – é alardeado como verdade incontestável; a vantagem equitativa é celebrada como uma oportunidade ímpar de ascensão social; a quantidade de negros nas universidades tem sido usada como garantia de um futuro promissor a esse grupo, historicamente inferiorizado quando o assunto é poder aquisitivo e aceitação social; e, por fim, o suposto alto rendimento dos cotistas tem servido como prova do sucesso de tais políticas.

3.1. AS AÇÕES AFIRMATIVAS E AS COTAS RACIAIS

Um dos principais fatores que impulsionaram a consolidação das Cotas Raciais, foi o fato de que o número de negros cursando universidades era muito pequeno em relação aos brancos, e eis que baseado no Censo do IBGE de 2010, mostrou que o Brasil é um país com grande número de mestiços. Assim, pretos e pardos que compõe a classe Negros soma em mais de 50% da população brasileira, logo, se tem um país miscigenado.

Os levantamentos do IBGE também apontaram que destes 50%, 7,6% são pretos, justificando desta forma, e tornando-se plenamente aceitável a baixa quantidade de pretos nas Universidades.

Logo, vê-se que por outros meios deram legitimidade às ações afirmativas, conforme Paulo Cruz (2018): “Se incluirmos os pardos na estatística, teremos que considerar o critério obtuso de autodeclaração, e o problema aumenta exponencialmente – tanto é que, como não são raros os casos de pessoas de pele clara que se autodeclaram negras para serem admitidas, foram criadas, em algumas universidades federais e concursos públicos, entrevistas (chamadas pejorativamente de tribunais raciais) nas quais a negritude do candidato pode ser confirmada – por critérios assaz questionáveis, diga-se – e, também, para evitar possíveis fraudes”.

Então, diante da aprovação de um sistema onde este se apresenta com rupturas oferecendo dúbia interpretação, que se analisado detidamente, aflora-se uma questão de ideologia, deixando sua credibilidade vulnerável.

“A questão central não é quantos negros estão no campus em dado momento, mas quantos efetivamente se formam”, Thomas Sowell (2004, p.212). Porém, mesmo a situação do Brasil sendo muito diferente daquela encontrada entre os americanos, os proponentes das políticas de ações afirmativas se igualam em um ponto: não é da realidade concreta que eles estão falando. Tanto é verdade que o teor revolucionário dos movimentos defensores de cotas raciais é algo bastante curioso.

Como o sistema de cotas teve sua origem nos movimentos negros, eles atualmente se utilizam das cotas, todavia, chancelam-na como uma simples esmola transparecendo que o mundo ainda deve tudo e algo mais a eles por atos praticados no passado, onde o sistema escravocrata era tido como cultural, e este ódio nutrido se estendeu em vários setores da sociedade moderna e acadêmica, trazendo em suas reivindicações palavras de ordem ideológica que são sustentadas por agentes políticos de esquerda.

Para uma melhor visão do assunto, deve ser observado o seguinte panorama:

Atualmente, as ações afirmativas geram polêmicas quando o assunto é segregação racial. Pois sua função é amenizar as animosidades cujas raízes estão fincadas na cultura brasileira.

Não só no Brasil, mas em qualquer país onde esse sistema de cotas esteja implantado, fatalmente gerará polêmicas que poderão acender o estopim de um preconceito que se encontrava no ostracismo. Assim como nos EUA, nos idos de 1960 as lutas pelos direitos civis estavam latentes, nasce as ações afirmativas visando a igualdade social entre os negros e brancos.

Estando já em sua aplicabilidade, lá nos EUA, as ações afirmativas proporcionaram à classe média negra o benefício, em prejuízo de todas as classes baixas no país.

Segundo o sociólogo Jessé Souza, a vertiginosa eclosão da classe negra média nos EUA entre 1970 a 1980, não implicou no percentual de famílias negras pobres, que, oscila entre 30% da população negra do país. Assim, analisando estudos desenvolvidos pelo economista Thomas Sowell (2016), o crescimento da classe média negra não possui conotação com as ações afirmativas, uma vez que que esse progresso se deu num período anterior a criação das ações afirmativas:

Mesmo quando o governo proporciona educação primária gratuita, os custos dos livros e do restante do material escolar podem não estar dentro das possibilidades das pessoas muito pobres”, Thomas Sowell. Nos EUA, Sowell nos mostra que o número altíssimo de evasões nunca é levado em consideração nos debates acerca da eficiência do sistema de cotas. Negros com qualificação inferior são admitidos em universidades cuja exigência é altíssima, e simplesmente não conseguem se formar. (THOMAS SOWELL, 2016 p.52)

O objetivo desta política era promover a igualdade e diminuir o preconceito social oriundo da diferença de cor da pele, mas se mostrou incapaz de incluir todos os negros dos EUA. O sistema de cotas que era aplicado em escolas foi abolido, pois em junho de 2007 a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou que o fator racial de uma criança não seria base para determinar o local que iria estudar. Atualmente as cotas para universidades continuam gerando polêmicas.

No Brasil não existe esse problema. Com a falência total do ensino, e com os estudantes brasileiros – talvez até mesmo os professores, se submetidos a um teste similar – ocupando os mais baixos níveis nos exames internacionais, não é difícil um cotista entrar em uma universidade federal e ter um desempenho razoável; afinal de contas, se a capacidade diminui, a exigência deve seguir o mesmo caminho, haja vista a quantidade alarmante de analfabetos funcionais que frequentam as grandes universidades.

3.1.1. Cotas Raciais no Brasil

No Brasil, a política de cotas raciais implantada toma por base o modelo adotado em países segregacionistas, isto é, em países onde, efetivamente, aos negros foi vedado o acesso a diversos setores da sociedade. Para os defensores das cotas raciais no Brasil, existe uma hipocrisia racial incentivada pelo mito da democracia racial, na qual os negros não têm espaço (KAUFMANN, 2007). Assim sendo, crentes de que se vive na carência de preconceito social, os ditos negros não podem subir os degraus da sociedade, restando a eles o convívio dos excluídos. Com isso, e amparados em estatísticas, as cotas raciais tomam lugar de destaque, e novos simpatizantes brotam diariamente.

Quanto à fundamentação filosófica e jurídica a justificar a adoção e adequação das cotas raciais, basicamente, duas teorias se destacam: Teoria da Justiça Compensatória e a Teoria da Justiça Distributiva (MORAES, 2006).

Para a Justiça Compensatória as desvantagens competitivas atualmente verificadas entre os afrodescendentes são produto das discriminações ocorridas no passado; assim, propõe a adoção de medidas favoráveis aos indivíduos que sofreram essas discriminações com o fim de reequilibrar as relações sociais, isto é, tal teoria tem por escopo a reparação a um dano ocorrido no passado em relação aos membros de determinado grupo, no caso em análise os afrodescendentes, com o fim de reequilibrar as relações sociais (MORAES, 2006). Aqui se mostra o desenho da pretensa dívida histórica, onde aqueles que carregam a bandeira das cotas raciais creem que dariam um salvo conduto aos negros para que mudem sua vida e seu comportamento, dando-lhes o prêmio de estarem no pódio da vida de sucesso, do qual foram privados quando da escravidão

Em que pese a ideia brilhante de seus criadores. Essa teoria, por si só, é incapaz de validar a efetivação das cotas raciais aqui no Brasil, pois é contraproducente atribuir pena de responsabilidade nos dias de hoje aos brancos que descendem de brancos que no passado, por questões culturais, possuíram escravos. Eis aí a promoção da injustiça em atribuir culpabilidade às pessoas inocentes por prática de atos tidos como cruéis praticados por outrem. E num país tão miscigenado como o Brasil e no qual se adota o sistema da multirracialidade e da autoclassificação, como identificar quem seriam os beneficiários do programa compensatório? Isto é, quem não é descendente de escravo no país. E também porque a precária situação dos negros nos dados estatísticos no Brasil não decorreu e não decorre do fator racial e do preconceito, mas sim de toda uma conjuntura socioeconômica (KAUFMANN, 2007).

Por sua vez, a Teoria da Justiça Distributiva tem por fundamento uma redistribuição proporcional de bens, direitos e responsabilidade entre os indivíduos, propondo uma distribuição do ônus na promoção da igualdade substancial a todos os membros da sociedade (CAMARGO, 2006). Desta forma a justiça distributiva oferta a distribuição de benefícios e incentivos aos mais necessitados, oferecendo um tratamento de caráter privilegiado em prejuízo da camada social mais favorecida, devendo esta arcar com o ônus oriundo deste incentivo.

Indubitavelmente, a Teoria da Justiça Distributiva, está consolidada aos ditames constitucionais. Está claro e inequívoco que um dos objetivos da Constituição Brasileira, é a promoção da igualdade, porquanto, uma distribuição de benesses em favor de determinados indivíduos não pode ser casual ou meramente política.

3.1.2. Fundamentação Jurídica

Necessário se faz que o critério eleito para justificar o tratamento desigual entre os formalmente iguais realmente constitua o fator que levou à desigualdade antes verificada e que se pretende combater, sob pena de ofensa aos ditames constitucionais. Logo, ainda que determinado programa promova a distribuição de riquezas em conformidade com o que propõe a Teoria da Justiça Distributiva, ela será tida por inconstitucional, por afronta ao princípio da igualdade, se a distribuição de benefícios for meramente política ou aleatória, isto é, se a desigualdade que se pretende combater não decorrer do critério de discrímen por ele eleito, ou mesmo adotado. Assim, a validade de tal teoria no Sistema Jurídico Brasileiro pressupõe a eleição de um critério de discrímen e que esteja em consonância com o princípio da igualdade, sob pena de distribuição desproporcional de benefícios e correspondente ônus.

Nesse contexto, para que as Cotas Raciais estejam em consonância com a Teoria da Justiça Distributiva, essencial que o critério de discrímen eleito (raça) realmente constitua o fator que levou à desigualdade verificada e que se pretende combater.

De tudo que se disse até o momento, pode-se notar que no Brasil a raça em momento algum constituiu óbice à ascensão social dos negros, logo, tem-se que as cotas raciais não atendem à Teoria da Justiça Distributiva, pois ao adotar a raça como critério para eleição dos beneficiários, promove a distribuição desigual do benefício e do correspondente ônus, na medida em que os demais indivíduos que se encontrem na mesma condição dos afrodescendentes beneficiados não só não receberiam o benefício, como arcariam com tal ônus.

Diante do exposto, em que pese uma explanação superficial dos dados estatísticos tenha sido o suficiente para difusão do sistema de cotas raciais, a sua adoção como sistema cujo critério exclusivo para eleger os beneficiários seja o racial, encontra certas inconveniências não só jurídica, como filosófica e social no Brasil.

3.1.3. Critério do Discrímen Eleito e o Princípio da Igualdade

Consagra a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no caput de seu artigo 5º, o princípio da igualdade nos seguintes termos: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Compreender o correto sentido do direito à igualdade não é tarefa tão simples. Afora a inversão conceitual, na medida em que se compreende como igualdade tratar-se desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, deve-se procurar identificar com precisão a realidade social em que se objetiva assegurar a igualdade e o fator de discriminação eleito com o objetivo de atingir a igualdade substancial (PAULO; ALEXANDRINO, 2008)

Acerca do princípio da igualdade discorre Alexandre de Morais (2003, p. 65):

Tratar-se desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, deve-se procurar identificar com precisão a realidade social em que se objetiva assegurar a igualdade e o fator de discriminação eleito com o objetivo de atingir a igualdade substancial

O princípio da igualdade consagrado pela Constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio Executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. O princípio da igualdade possui dupla feição: uma formal e outra substancial. Em regra, a igualdade é assegurada pelo Estado em sua feição formal, ou seja, o Estado, na elaboração e execução das leis e de suas políticas públicas, vê todos iguais, sem qualquer consideração. A igualdade substancial surge no cenário com escopo de materializar o real tratamento igualitário, isto é, tratar os desiguais na medida de suas desigualdades, de modo que não só admite como estabelece tratamento diferenciado entre os indivíduos.

Observe que a igualdade aspirada pela Carta Magna do Brasil, não se satisfaz com a simples igualdade formal. O Princípio da Igualdade determina que se dê tratamento igual aos que se encontrem em situação equivalente e que se tratem de maneira desigual os desiguais, na medida de suas desigualdades. Conforme se pode notar, tal princípio não veda a adoção de tratamentos diferenciados entre pessoas que guardem distinções de natureza social, de sexo, profissão, entre outras, desde que o parâmetro diferenciador adotado seja razoável. O que não se admitem são parâmetros arbitrários, desprovidos de razoabilidade (PAULO; ALEXANDRINO, 2008).

As ações afirmativas, compreendidas como medidas destinadas a conferir tratamento privilegiado a determinado setor da sociedade com o fim de promover a igualdade social e a regional, são, em princípio, compatíveis com o princípio da igualdade, sobretudo, em sua feição substancial. Aliás, observe que o conceito de ação afirmativa se confunde com a definição do princípio da igualdade em sua feição substancial.

Entretanto, conforme visto, as ações afirmativas constituem o gênero de um rol imensurável de medidas possíveis de se adotar, logo, se mostra indispensável a verificação, em cada caso, da compatibilidade do programa afirmativo adotado e respectivo fator de discrímen eleito com o princípio da igualdade.

Certamente, o desafio na compreensão do princípio da igualdade reside justamente em impedir que diferenciações que não possuam fundamento razoável sejam adotadas, o que implicará, além da ampliação da desigualdade que se pretende combater, em discriminação reversa (MORAES, 2006), desestabilizando, ainda mais, as relações sociais.

3.1.4. O Ser Humano em sua Essência

Entre os antropólogos, biólogos e geneticistas há uma linha tênue quanto a dificuldade de se classificar e separar os indivíduos em raças, pois, o homem independentemente da cor da pele ou traços que lhe são peculiares, pertence a uma só raça, a humana, pois, segundo Davenport (1913): “A cor da pele na espécie humana é resultante da ação de dois pares de genes (AaBb), sem dominância. Dessa forma, A e B determinam a produção da mesma quantidade do pigmento melanina e possuem efeito aditivo.

Como se não bastasse, a impossibilidade em se dividir geneticamente os seres humanos, consideráveis são as observações feitas pelo professor Kevin Boyle (2001 apud KAUFMANN, 2007, p. 238):

Reconhecemos hoje que a classificação biológica de seres humanos em raças e hierarquias raciais era produto da pseudociência do século XIX. No momento em que nós mapeamos o genoma humano sabemos que só há uma raça – a raça humana. Diferenças humanas em aspectos físicos, cor da pele, etnias e identidades culturais não são baseadas em atributos biológicos. Aliás, a nova linguagem dos mais sofisticados racistas abandona qualquer fundamento biológico em seus discursos. Eles agora enfatizam supostas diferenças culturais irreconciliáveis como justificativa para seus pontos de vistas extremistas.

Vejam, pelas considerações expostas, conclui-se que, biológica e geneticamente, não há uma superioridade ou inferioridade entre brancos, negros, pardos, amarelos, etc., eis que são componentes de uma mesma espécie (homo sapiens). Portanto é inconcebível afirmar que há justificativa plausível para se admitir a adoção da raça como critério a selecionar os indivíduos, posto serem todos seres humanos, dotados das mesmas capacidades e fraquezas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É sabido que o Brasil não é um exemplo de democracia racial e, indubitavelmente, aqui existe preconceito, mas, por outro lado, está muito longe dos regimes segregacionistas adotados mundo afora, sobretudo, daquele outrora vigente nos Estados Unidos, modelo que serve de paradigma pela maioria dos defensores das cotas raciais.

Conforme se tem conhecimento, o Brasil, no que se refere ao relacionamento inter-racial, nasceu e desenvolveu-se de forma totalmente peculiar se comparado aos norte-americanos. Antes mesmo de sua descoberta seus colonizadores já estavam acostumados à miscigenação racial, característica que a eles foi repassada quando da colonização, época em que muitos portugueses vieram para o Brasil, porém, em sua grande maioria homens, o que propiciou o desenvolvimento das relações inter-raciais, isto é, em face da escassez de mulheres brancas, os brancos portugueses passaram a se relacionar com as negras e indígenas, o que propiciou essa miscigenação.

Pós análise de toda a história brasileira, conclui-se que em momento algum, mesmo no período da escravidão, a raça constituiu motivo determinante a impedir o acesso aos diversos setores da sociedade ou mesmo de segregação.

Por ocasião abolição, os escravos representavam apenas 0,5% da população negra no país, isto é, era comum a convivência entre negros, brancos, indígenas, etc.

Logo, no Brasil a miscigenação racial foi um processo natural desde os primórdios da colonização, de modo que, embora haja preconceito no Brasil, não se verifica um ódio entre as diversas raças integrantes da própria sociedade, bem assim, o fator raça nunca foi levado em consideração para fins de seleção de indivíduos.

Não há dúvidas de que a precária situação dos negros no país, assim como de todos os demais integrantes das classes mais baixas, decorre essencialmente de sua situação econômica, ou seja, os integrantes das classes econômicas menos favorecidas não conseguem ascender socialmente pela falta de acesso à saúde, alimentação, moradia, educação e preparo adequado para o mercado de trabalho. No Brasil esse problema vem se repetindo ao longo de sua história, pois os membros de uma geração não ascendem socialmente devido a sua situação econômica e não conseguem preparar seus descendentes para o mercado de trabalho, que por sua vez, como também não ascendem socialmente, não conseguirão preparar sua próxima geração e assim sucessivamente, aflorando que o problema da relativa falta de integração do negro às camadas sociais mais elevadas não decorreu dum bloqueio racial.

Demétrio Magnoli compartilha em seu livro “Uma gota de sangue – história do pensamento racial”, a crítica mais em voga pelos brasileiros que se mostram contra as cotas raciais: de que elas introduzem ou intensificam o racismo na vida pública brasileira. Desta maneira encorajam os brasileiros a não se verem como seres humanos individuais, mas como membros de um grupo racial. Dentro deste pensamento, torna-se óbvio que as cotas os qualificam como pessoas diferentes e incapazes, quando na realidade verificou-se também que, hodiernamente, há certo consenso entre os antropólogos, biólogos e geneticistas quanto à impossibilidade em se classificar e dividir os seres humanos em raças, ou seja, o ser homem, independentemente da cor da pele ou traços peculiares, pertence a uma só raça, a humana, de modo que, brancos, negros, indígenas, amarelos, etc. são o mesmo ser, dotados das mesmas capacidades.

Até que ponto o benefício proporcionado pelas Cotas Raciais qualifica o homem negro em detrimento ao homem branco?

5. REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 27/03/2020.

DAVENPORT, Charles Benedict. Heredity of skin color in Negro-White crosses (1913)

KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito?. 2007

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MORAES, Guilherme Pena de. Ações Afirmativas no Direito Constitucional Comparado. In: CAMARGO, Marcelo Novelino (org.). Direito constitucional: leituras complementares. JusPodivm, 2006. Capítulo VII, p. 143-159.

PAULO CRUZ (Ação Afirmativa ao Redor do Mundo - Um estudo empírico sobre cotas e grupos preferenciais, de Thomas Sowell.)

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 4 ed. São Paulo: Método, 2008.

SOWELL, Thomas. Ação Afirmativa ao Redor do Mundo, 2016


Publicado por: Sergio Airan Canale

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