A Era Vargas e a construção da cidadania

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1. Resumo:

O tema do artigo A Era Vargas e a construção da cidadania, problematiza os avanços e recuos da cidadania, cujo recorte temporal abrange o período de 1930 à  1964. A escolha do período decorre do fato de que a Revolução de 1930 representou um marco na história contemporânea, com avanços e recuos nos direitos sociais, políticos e civis. Até 1930 o povo brasileiro não tinha lugar no sistema político, não havia um sentimento nacional consolidado. O Brasil era uma realidade abstrata. O envolvimento do estado simbolizado pela figura de Getúlio Vargas nos movimentos sociais, conferiu ganhos a cidadania, mas manteve-a atrelada ao estado como se fora uma concessão do poder central.

O texto desenvolve-se apoiado pela história política, porém descartando uma abordagem serial e factual procurando contextualizar a relação de Vargas com o movimento social e a construção da cidadania. Desconstrói a visão do senso comum de que a Era Vargas constituiu-se apenas em mais um período ditatorial da história política republicana, norteada por um visão reducionista em que estudar o Brasil entre 1930 e 1964, era obrigatoriamente falar de populismo. O texto se propôe a responder a seguinte pergunta de pesquisa: De que forma a Era Vargas contribuíu para a construção da cidadania?

2. Introdução:

É comum ouvirmos comentários já cristalizados no senso comum, tais como: “O brasileiro não esta preparado para votar, dito por Pelé uma celebridade do futebol”. Melhor seria se tivéssemos sido colonizados pelos Holandeses, pelos Ingleses etc . O pais é muito grande, deveria ser divido em dois”, e outros tantos comentários partindo do seio da própria sociedade, do próprio “povo Brasileiro”, como se estivéssemos fazendo uma “MEA CULPA”.

Convencido que tal comportamento é explicado em grande parte pela ausência, ao longo da história , do exercício de uma cidadania mais efetiva , cujos reflexos verificamos ainda nos dias atuais, senti-me motivado em desenvolver este texto abordando o assunto. Por entender ser o tema de fundamental importância para a construção da democracia, condição para qualquer país que se proponha a atingir a soberania. A busca da cidadania plena de forma autônoma, nos confere maturidade, contribuindo para uma sociedade mais justa.

Uma vez escolhido o tema principal, a cidadania, optei por um recorte que englobasse o período republicano. Há algum tempo mesmo antes de ingressar no curso de História, já freqüentava o Museu da República, acompanhando palestras e eventos itinerantes, pesquisando a respeito da Era Vargas. Constatei que a partir de 1930, a vida política brasileira ganhou novo impulso, surgindo novos atores sociais, incluídos grupos de classe média, setores oligárquicos, frações da burguesia e militares, ficando à margem apenas a classe operária.

Coube a Getúlio Vargas mediar estas forças heterogêneas que compuseram a Aliança Liberal, que o apoiaram na Revolução de 1930, traduzindo-se em avanço nos campos social e trabalhista. O foco central do artigo se propõe a problematizar sobretudo as relações do estado, na figura de Vargas, com as classes populares e o meio sindical, permeando quase toda a Era Vargas, fundamental para o entendimento dos avanços e recuos da cidadania, por todo período republicano a seguir.

Com uma rápida incursão no período pré-republicano, o capítulo 2, O período pré-republicano, procura identificar os primeiros passos dados em direção a cidadania, apontando os motivos pelos quais a mesma ficou restrita a um reduzido grupo das elites coloniais e imperiais. A primeira república, herdou um legado de uma “cidadania negativa” e pouco fez para reverter o quadro .

O capítulo 3: 1930 a 1945 , os direitos sociais saem na frente e o capítulo 4: 1945 a 1964 , os direitos políticos saem na frente e o golpe empresarial militar de 1964, um golpe na cidadania, nos apontam para o avanço dos direitos políticos, civis e sociais, correspondendo a uma nova dinâmica na vida da história contemporânea brasileira, experimentando avanços mesmo sob tutela dos governos que se sucederam, transparecendo uma “cidadania consentida”. A cidadania foi duramente golpeada pelo golpe empresarial militar, instalado em 1964, constituindo-se por uma ditadura com grande duração no continente, 21 anos, só terminando no inicio da década de 1980 com forte mobilização popular, e o comício das diretas já.

Devido `a complexidade do período em questão, recorremos a obras que nos conduzam a uma abordagem que nos estimulem a visitá-las, em busca do diálogo entre os respectivos autores, agregando valor para o desenvolvimento de um tema tão relevante para o entendimento do processo social e político brasileiro.

José Murilo de Carvalho (Cidadania no Brasil, o longo caminho), Boris Fausto (A Revolução de 1930, Historiografia e História) e José Augusto Ribeiro em A Era Vargas, vols 1 à 3), nos garantem a fundamentação teórica necessária, para o desenvolvimento do artigo. O autor de “Cidadania no Brasil, o longo caminho”, centra o foco nos direitos políticos, civis e sociais que constituem a santíssima trindade da cidadania, abordando como aconteceu a incorporação das mesmas ao processo social.

Boris Fausto afasta-se das generalidades, pois para que possamos analisar a questão da cidadania, precisamos entender o estado que emergiu da Revolução de 1930. O autor procura “desmontar” uma leitura serial da história brasileira, concebida como repetição da história do Ocidente Europeu, propondo uma nova explicação e abrindo novos caminhos no campo historiográfico.

Somando-se `as fontes citadas, José Augusto Ribeiro, desconstróí de forma isenta os fatos políticos polêmicos surgidos no período proposto, nos conduzindo a uma leitura cuja figura de Vargas, deve ser analisada não apenas a partir da alternância de regimes ditatoriais e democráticos. Para o autor “Getúlio propunha, uma política de desenvolvimento a longo prazo, baseada em um projeto nacionalista. O movimento que o apoiou, tinha o propósito de dar início ao projeto de resgate da imensa dívida social deixada pelo império e a república velha, levando a uma aproximação entre estado e cidadão, que com todos os percalços representou um avanço para o processo social.”

O  tema  "A  Era  Vargas  e  a  construção  da  cidadania", utiliza-se de  cada  um  dos três níveis de pesquisa: exploratória, descritiva e explicativa. A exploratória  envolve  um  conjunto de obras  bibliográficas sobre  o  tema, cujas  abordagens nos  levam a  construir um diálogo  entre  os  autores, agregando  valor  e  melhor  contextualizando  o  artigo. A  explicativa, ao  problematizar  a  formação  da  cidadania, faz  fluir as  causas que a  levaram  percorrer caminhos tortuosos, em diferentes  períodos  históricos, evidenciando  os  diversos  agentes  sociais  envolvidos  bem  como  o  papel  de  cada  um.

Por  último, a  descritiva é  utilizada  quando,  por  exemplo, cita-se  um fato histórico acompanhado de dados, tais como índices de alfabetização, ou como se  desenvolvia o  processo eleitoral e  quais contingentes da  população exerciam seus direitos políticos de votar  e  ser votado. A conjugação dos  três  níveis  de  pesquisa, atendem  a  necessidade de  se  elaborar  um  texto que  responda a  pergunta  central: De  que  forma  a  Era  Vargas contribuiu  para  a construção da formação  da  cidadania?

3. O período pré-republicano:

Os caminhos tortuosos que a cidadania tem trilhado no Brasil, nos levam a recuar e visitar os períodos colonial e imperial para que melhor contextualizemos e problematizemos o assunto em questão. O período colonial foi marcado pela exclusão social, pela inexistência de um sentido de nacionalidade, e ausência dos direitos civis e políticos. No máximo, haviam alguns centros urbanos dotados de uma população mais aguerrida e algum sentimento de identidade nacional.

Nas revoltas da Sabinada, Cabanagem e Farroupilha, ocorridas durante o período regencial (1831`a 1840), prevaleceram sentimentos locais. Destituídas de reivindicações de âmbito nacional, mas sim de interesses locais. Cabe ressaltar que a construção da nação brasileira, o sentimento de nacionalismo, de patriotismo, de civismo e a identidade nacional foram forjados por uma elite política imperial, contribuindo para falta de um sentido de pertencimento do povo às instituições e `a nação.

A elite brasileira do período colonial até o final da primeira república teve sua formação intelectual feita sem exceção na UNIVERSIDADE de COIMBRA. Essa elite de bacharéis foi responsável direta pela manutenção do território nacional e pela não implantação do liberalismo democrático. Politicamente a independência do Brasil foi resultante da negociação entre a elite nacional, a coroa portuguesa e a Inglaterra, mediada pelo príncipe D. Pedro.

O radicalismo popular manifestava-se mais por uma lusofobia aos portugueses que controlavam as posições de poder e o comércio das cidades costeiras. Conforme o ditado popular a independência “foi para inglês ver”, até porque com a interferência da Inglaterra, Portugal aceitou a independência do Brasil, mediante o pagamento de 2.000.000 milhões de libras esterlinas.

Para José Murilo de Carvalho, os direitos políticos saíram na frente em 1822, significando um avanço em relação ao período colonial. A constituição regulou os direitos políticos, definindo quem teria direito de votar e ser votado. Tivemos eleições ininterruptas de 1822 à 1930, um avanço em relação ao período colonial. Por outro lado fica a indagação, que cidadãos eram estes? Qual o conteúdo real desta cidadania?

Os brasileiros tornados cidadãos pela constituição, viveram os três séculos de colonização nas condições de exclusão social, sendo que 85% de analfabetos, incluindo muitos dos grandes proprietários rurais. Mais de 90% da população viviam em áreas rurais.

Nas cidades, muitos votantes, eram funcionários públicos controlados pelo governo. A Guarda nacional, militarizada, cujos integrantes eram indicados pelo governo e pelos grandes comerciantes e proprietários. O que estava em jogo não era o exercício de um direito de cidadão,mas o domínio político local. O votante agia como dependente de um chefe local. Era a oportunidade para ganhar uma roupa nova, um chapéu novo. No mínimo uma boa refeição. A idéia de pátria não tinha materialidade, porém a situação começou a mudar a partir de conflitos externos, contra inimigos estrangeiros.

A Guerra do Paraguai foi um marco, a partir da vitória brasileira, começaram a surgir símbolos que marcariam o sentimento de nacionalidade, como a bandeira e o hino nacional. Caso marcante foi o de Jovita Feitosa, que se vestiu de homem para ir à guerra a fim de vingar as mulheres brasileiras injuriadas pelos paraguaios, sendo exaltada como a Joana D’arc nacional. Lutaram cerca de 135 mil brasileiros, muitos dos quais negros, já libertos. A escravidão estava tão enraizada na sociedade brasileira que só foi colocada em questão, após a guerra do Paraguai .

O Brasil foi o último pais de tradição cristã e ocidental a libertar os escravos. Liberais e Conservadores revezaram-se no poder por todo o império, sendo que o limite das divergências de ambos era a libertação da escravidão. O “haitinianismo” representava o terror para as elites, pois lá no Haiti tinham se rebelado, proclamando a independência e expulsando a população branca.

De concreto pouco avanço houve na cidadania, de acordo com o sociólogo Mazukyevicz Ramon Santos do Nascimento Silva:

“Do chamado descobrimento em 1500 até o fim do período colonial em 1822 o Brasil se apresentava como um Estado absolutista e escravocrata, cuja economia era essencialmente monocultora e latifundiária, e quase a totalidade da população era analfabeta. Se escravos não eram considerados cidadãos, também não se pode considerar os senhores de terras como tais, visto que julgavam-se acima do Estado e se utilizavam da justiça como instrumento de poder pessoal. “. (Mazukyevicz, item 3).

”Entre escravos e senhores existia ainda uma população livre, que igualmente não exerciam direitos de cidadania, devido à completa dependência dos latifundiários. Assim, não se pode falar em cidadania no período colonial brasileiro, visto que os direitos civis e políticos beneficiavam pouquíssimos, e os direitos sociais ficavam a cargo da igreja e do paternalismo dos senhores de terras.” (Carvalho,2013,p.18)

Com a proclamação da independência em 1822 a cidadania brasileira não mudou. A herança trazida do período colonial era veemente, e o processo de revolução não resultou de uma luta política armada como nas revoluções francesa e americana, mas ao contrário, resultou de uma negociação entre as elites coloniais nacionais e a dinastia Bragança.

“Até o fim da primeira república,o povo não tinha lugar no sistema político. O Brasil era uma realidade abstrata. Aos grandes acontecimentos políticos nacionais, ele assistia, não como bestializado,mas como curioso, desconfiado,temeroso, talvez um tanto divertido. Até às vésperas da proclamação da República, existiam “cidadãos em negativo” . (Carvalho,2013,p. 64).

4. 1930 à 1945 , os direitos sociais saem na frente:

A Revolução de 1930 constituiu-se em um marco na história contemporânea brasileira representando um divisor de águas, pois foi o primeiro movimento ou revolta armada da história do Brasil, com características marcadamente nacionais. ”O conflito estrutural entre as classe oligárquicas, que pretendiam conservar o monopólio do poder, e os grupos médios urbanos, que aí desejavam chegar, marcou a vida política do pais durante a primeira república. Trata-se de um momento decisivo para a história contemporânea brasileira, cuja marginalização pura e simples, realizadas pelas velhas classes dominantes, não tinha mais condições de se sustentar. (Fausto,2008, p.9).

As considerações a seguir de diversos autores, são importantes para que reflitamos melhor sobre o contexto no qual se desenvolveu a Era Vargas.

”O período de 1930 `a 1964, caracterizou-se por uma marcha acelerada, correspondendo ao início da Era Vargas. Foi o grande momento da legislação social, com avanço nos direitos sociais, ressignificando a cidadania., porém introduzida em ambiente de baixa ou nula participação política e de precária vigência dos direitos civis, comprometendo em parte sua contribuição para o desenvolvimento de uma cidadania ativa.” .(Carvalho, 2013, p. 89).

“ A revolução de 1930 acarretou a substituição, no seio da classe dominante, do núcleo oligárquico tradicional por uma nova elite, de origem positivista, reformadora e modernizante que acabaria se personificando na figura de Getulio Vargas. ”Getúlio propunha, uma política de desenvolvimento a longo prazo, baseada num projeto nacionalista. O movimento que o apoiou , tinha o propósito de dar início ao projeto de resgate da imensa dívida social deixada pelo império e a república velha. (Bodea,sd,p.12).

“Nenhum dos grupos participantes daquele movimento pôde oferecer ao Estado as bases da sua legitimidade, o que levou à celebração de um compromisso entre eles , aí incluídos grupos de classe média, setores oligárquicos, frações da burguesia e militares, ficando à margem apenas a classe operária. Em meio a tal diversidade coube a Getúlio Vargas, com o apoio do exército, ser o ponto de equilíbrio entre os interesses destes diferentes grupos. A classe dominante brasileira mais ligada ao capitalismo americano, mais precisamente do setor pecuário, instalado no sul do país, tinham interesse em desalojar os paulistas do poder, mais precisamente pela sua qualidade de executores diretos da influencia Inglesa.” .(Fausto, 20008, p. 33).

A Era Vargas (1930 à 1945), representou o fortalecimento do poder central, com o início da transição do agrário para industrial. Caracterizou-se com avanços e recuos da cidadania, com extensão dos direitos sociais e cerceamento dos direitos civis e políticos, configurando-se por um período de redefinição da identidade nacional, ligada a industrialização e a centralização do poder. Dentro deste contexto heterogêneo, em que não havia um sentido de unidade entre os agentes sociais envolvidos, a Revolução de 1930 pode ser vista em diferentes perspectivas: golpe militar, revolução, contra revolução, divisão de oligarquias.

O projeto nacional-desenvolvimentista do governo Getúlio Vargas, baseado num modelo de desenvolvimento econômico que privilegiava a industrialização, fomentou uma séria de mecanismos de fortalecimento do trabalhador urbano-industrial. No campo social representou uma revolução, com a criação do Ministério do Trabalho e da CLT.

O país andou mais rápido na confecção das leis com a adoção da carteira de trabalho e a fixação de 8 horas para os trabalhadores da indústria e comércio. Regulação do trabalho feminino e a proibição do trabalho para menores de 14 anos. A criação do salário mínimo em primeiro de maio de 1940, foi um ganho dos trabalhadores até então “jogados a própria sorte”, pela ausência de um estado que intermediasse as relações trabalhistas.

De acordo com José Augusto Ribeiro, ”a burguesia industrial beneficiária da Revolução de 30, tinha a esperança de impedir ou neutralizar a intervenção do estado nas relações industriais e de trabalho, limitando seu papel primordialmente na repressão da agitação sindical.” (Ribeiro,2001, p. 59).

Embora tenham participado das forças heterogêneas que apoiaram Vargas em 1930, a burguesia empresarial nacional, associou-se ao clero sem sucesso contra os avanços no campo social, dos movimentos sindicais que começavam a organizar-se nos sindicatos e no PTB, partido que foi criado em 1945 para abrigar os setores populares.

Queriam que o estado limitasse seu papel primordialmente na repressão da agitação sindical. Vargas deixou claro que embora tivesse vínculos com os industriais, não tinha a menor intenção de abandonar a legislação social e trabalhista anterior.

“O movimento sindical, surgiu praticamente na era Vargas do qual foi o principal beneficiário, das leis trabalhistas de amparo ao trabalhador, cujo objetivo era incorporar ao sistema um grande contingente de excluídos. A organização dos trabalhadores em sindicatos era um dos pilares de sustentação em especial no segundo governo Vargas. ​​​Embora tutelados pelo governo, tinham garantias de reunir-se, deixando de ser considerado “um caso de polícia”. (Ribeiro,2001, p. 60).

A Justiça Eleitoral do Brasil foi criada pelo Decreto nº 21.076, em 1932, representando uma das inovações criadas pela Revolução de 1930, tornando o voto obrigatório e extendendo a mulher o direito. Como atribuição a responsabilidade de organizar o alistamento, as eleições , a apuração dos votos e a proclamação dos eleitos. Passou a ser obrigatório o alistamento eleitoral e o registro prévio dos candidatos antes do pleito. A não adoção da cédula oficial, impedia o sigilo do voto.

A presença dos coronéis, do voto de cabresto, ainda era forte, contando com apoio das oligarquias agrárias. A cédula comum , segundo o deputado federal Mário Palmério: ‘não chega as mãos do eleitor ; quando chega é revistado, como estou cansado de testemunhar, e não consegue levar a cédula a urna , a fim de votar no candidato que lhe interessa, fato este só solucionado em 1955, com a adoção da cédula oficial, que permitia o eleitor preenchê-la na seção eleitoral. (Nicolau,2002,p.53).

“O Estado Novo não pode ser dissociado da Revolução de 30. A adoção do federalismo pela constituição de 34 serviu para libertar e despertar os poderes locais corrompidos e corruptores derrubados do poder em 30. Havia uma expectativa generalizada de que o candidato paulista venceria as eleições presidenciais de 1938 , pondo fim à tentativa de implementar o projeto nacional que surge em 30. Vargas acreditava ter chegado o momento de resolver o problema representado pela resistência do estado de São Paulo ao projeto nacional que ele representava. “ (Ribeiro,2001, p.167).

O Estado Novo (1937-45) foi uma ditadura. Eliminou os direitos políticos e individuais e impôs ao país forte repressão. Dois instrumentos importantes foram utilizados pelo governo, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e o Departamento de Ordem e Política Social (DOPS) que atuavam como uma polícia política, encarregada de controlar movimentos de transformação da ordem social vigente, autoritária em sua disposição política, era nacionalista na ordem econômica que a definia.

Politicamente era um retrocesso, em relação à constituição de 34, mas economicamente acentuava o perfil nacionalista. O governo nacionalizou as reservas brasileiras de petróleo, alvo de cobiça de grupos multinacionais : Shell e Standard Oil, interessados em comprar áreas presumidamente petrolíferas, para mantê-las como reserva.

Os trabalhadores foram incorporados à sociedade, em virtude das leis sociais e não de ação sindical e política independente. Não por acaso as leis de 1939 e 1943, proibiam as greves. Os partidos foram proibidos de funcionar e o congresso nacional fechado por 11 anos, de 1937 à 1945 e não houve eleições no Brasil. Em 1943, aprofunda-se a crise política e o isolamento do Estado Novo. As Forças Armadas, que desde o golpe de 1937 davam sustentação ao regime, em 1943, adotou atitudes praticamente conspiratórias e seu descontentamento aumentaria a ponto de muitos militares de alta patente assumir, ainda que reservadamente, sua oposição ao Estado Novo.

“Com tudo isto, não se pode negar que o período de 30 a 45, foi a era dos direitos sociais, sendo implantado o grosso da legislação trabalhista e previdenciária. Porém a forma de concessão dos direitos sociais, fez com que os direitos não fossem vistos como tais, como independentes da ação do governo, mas como um favor em troca do qual se deviam gratidão e lealdade. A cidadania, que daí resultava, era passiva e receptora, antes ativa e reivindicadora. “(Carvalho,2001,p.126).

O aspecto negativo de toda essa legislação social era a exclusão de certas categorias de trabalhadores, como os autônomos, os domésticos e os trabalhadores rurais, e também a vinculação dos direitos trabalhistas a uma legislação sindical. Certos benefícios eram reservados apenas aos sindicalizados, e a não universalização dos direitos trabalhistas representava um limite ao pleno exercício da cidadania.

Um balanço do período de 1930 `a 1945, indica que vivemos uma “cidadania regulada” com os direitos sociais adiantando-se aos civis e políticos como se fora uma concessão do poder centrado na figura de Getulio Vargas, pautado pela ordem positivista e a subordinação ao poder central. Setores populares sindicalizados abrigavam-se no PTB, partido criado para dar sustentação popular ao governo e foram vítimas do peleguismo parasitário nocivo a uma prática política mais orgânica de organização dos trabalhadores. Os setores oligárquicos filiaram-se ao PSD, cuja prática coronelista impedia o avanço da democracia e da boa prática republicana, influenciando as eleições e mantendo vivo os interesses das oligarquias agrárias.

A regulamentação da mídia, na década de 1930, teve por objetivo atingir toda a população, transformando-se em meio de comunicação de massa, voltada à diversão e entretenimento do povo brasileiro.Vargas passou a utilizar o rádio como meio de divulgação de seu governo. Para tal criou mecanismo de controle de informações feitas pelo estado através do DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda).

“A institucionalização dos direitos teve o efeito de amenizar conflitos e garantir condições propícias ao funcionamento da economia capitalista, sendo o aparato estatal o principal responsável por selecionar e dar vazão as diretrizes e reivindicações dos trabalhadores e demais setores organizados da população. (Canal,p. 31)

O pós guerra , provocou, uma alteração na geo-política internacional, com a reprovação dos EUA à política nacionalista de Vargas, cujo antagonismo despertou as forças reacionárias que uniram-se com apoio das Forças Armadas e da classe média derrubando Vargas em 1945.

5. 1945 à 1964 , os direitos politicos saem na frente e o golpe empresarial militar de 1964 , um golpe na cidadania:

5.1. 1945 a 1950, deposição de Vargas e a posse de Dutra:

“O coordenador de assuntos estratégicos norte-americano, Nelson Rockefeller, confidenciou a Lutero Vargas, filho de Getúlio, que a deposição de seu pai era questão de tempo e que o motivo principal era o projeto nacionalista adotado. Vargas que havia nacionalizado o sub-solo, o minério e as jazidas de petróleo, seria deposto por sua proposta nacionalista, por ter criado a Usina Siderúrgica Nacional, por construir refinarias. O mesmo não aconteceu aos ditadores Salazar (Portugal) e Franco (Espanha), evidenciando que questionavam não o Estado Novo e sim a política autônoma.” (Ribeiro,2001, p. 279).

“O fim da segunda guerra mundial, repôs na agenda das prioridades políticas a questão da democracia, a dúvida era como fazê-lo sem ter de abandonar o projeto nacional. O retorno das oligarquias colocava em risco os avanços até então alcançados, para Vargas.” O ambiente internacional era favorável a democracia representativa, mas o cenário da guerra fria impunha um alinhamento às potências que bipolarizavam o cenário político, de um lado a URSS com o socialismo e, de outro os EUA com o capitalismo.

“O governo Dutra caracterizou-se pela perseguição ao movimento sindical e a política de submissão aos interesses do capital e do imperialismo norte-americano. A constituição de 1946, representou um avanço das forças anti-nacionais. A constituição de 1937 embora ditatorial, era mais avançada que a de 1946. A de 1946, foi influenciada pela Standard Oil, abrindo inteiramente as industrias petrolíferas para as multinacionais.” (Ribeiro,2001,p. 289).

A constituição manteve as conquistas sociais do período anterior e garantiu os tradicionais direitos civis e políticos. Uma das poucas restrições sérias `a liberdade referia-se ao direito de greve, só com autorização da justiça do trabalho. Com a obrigatoriedade do alistamento houve um crescimento do eleitorado. A lei Agamenon criou critérios para a organização de partidos, sendo necessário a assinatura de 10.0000 eleitores distribuídos em pelo menos 5 estados.( Nicolau,,2002,p. 45).

Tornou-se obrigatório o voto para os alfabetizados maiores de 18 anos e o comparecimento ao cartório eleitoral para tirar o título de eleitor. Dutra, foi eleito com o tímido apoio de Vargas (que só o apoiou para evitar que a UDN chegasse ao poder) e com a desconfiança do povo trabalhador. Promoveu a farra dos importados, deixando de investir dois bilhões de dólares em obras de infra-estrutura, descontinuando o projeto iniciado em 1930 e que Vargas tentou retomar em 1950.

A criação do imposto sindical, que cada trabalhador contribuía com um dia de trabalho por ano, fez com que houvesse a proliferação dos pequenos sindicatos. Grande parte da luta sindical após a redemocratização de 1945 se deu em torno da tentativa de desalojar os pelegos de suas posições de poder. Aliados do governo e dos empregadores, de quem recebiam favores, muitos chegavam à cúpula sindical sem contato com as bases operárias nas fábricas. A classe operária era excluída e o poder sindical se resumia a um estado maior sem tropa. O receio em não atingir a classe média urbana pode também ter contribuído para o esquecimento dos trabalhadores domésticos. A ausência dos trabalhadores rurais sem a devida legislação protetora, evidenciava a força dos proprietários rurais.

Conforme já citado, os trabalhadores foram incorporados à sociedade por virtude das leis sociais e não de sua ação sindical e política independente. Não por acaso, as leis de 1939 e 1943 proibiam as greves. A participação do povo na política cresceu, enquanto em 1930 os votantes não passavam de 5,6% da população, em 1945 na eleição presidencial chegou a 13,4%. Ao final da década de 1950, 57% da população ainda era analfabeta, sinalizando que a construção da cidadania tinha muitos obstáculos a ultrapassar.

A guerra fria, o petróleo e as políticas sindicais e trabalhistas foram as causas dos principais enfrentamentos políticos.

Os nacionalistas defensores do monopólio estatal do petróleo, partidários do protecionismo industrial, da política trabalhista com independência da política externa, eram considerados pelos seus oponentes como golpistas e comunistas e acusados de promover a criação de uma república sindicalista. Já os partidários da abertura do mercado ao capital externo condenavam a aproximação do governo com os sindicatos. Alinhados a política de internacionalização da economia, eram considerados como reacionários e entreguistas pelos nacionalistas.

O segundo governo Vargas, eleito em 1950, deparou-se com o grande desafio de mediar essas forças antagônicas. Vargas disse em sua campanha eleitoral de 1950: “Empenhar-me-ei a fundo em fazer um governo eminentemente nacionalista”. Político habilidoso que tinha vencido vários obstáculos desde 1930, ele sucumbiu em 1954. O povo saiu as ruas , mas de maneira desorganizada, sem direção. Os grupos internacionais entraram em ação muito mais do que em 1945, como veremos a seguir.

5.2. 1951 a 1964, a eleição, o suicídio de Vargas e o golpe de 1964, um golpe na cidadania:

Para Pasqualini, ideólogo do trabalhismo: ”A vitória de Vargas representava a segunda etapa da revolução de 1930 e por isso precisava tomar posse. Carlos Lacerda, voz e líder udenista, defendia o golpe, como forma de impedir a qualquer custo a posse de Vargas. Os militares por influência de Góis Monteiro, ficaram com a Constituição e não com Vargas.”(Ribeiro,2001,p. 290).

No plano internacional, a guerra da Coréia contribuiu para acirrar as divergências ente grupos militares nacionalistas e antiamericanos e com aqueles que apoiavam abertamente a posição dos EUA na conflagração asiática. O mundo pós segunda guerra mundial, passou a ter um novo contorno geo-político, a política do new deal da era Roosevelt, após sua morte foi substituída pelo 'big stick' nos governos que o sucederam, de Trumam a Eisenhower, o mundo mergulhou na guerra fria e o império norte-americano mostrou suas garras. O governo Truman em 51, relegou a segundo plano qualquer projeto em desenvolvimento na América Latina, a prioridade era recrutar 140.000 homens na região para a guerra da Coréia.( Ribeiro,2013,p. 293).

O objetivo de Vargas em seu segundo governo, consistia em estabelecer e consolidar os meios indispensáveis a auto-sustentação do desenvolvimento capitalista no Brasil, havendo uma expectativa otimista de estreitamento das relações com os EUA. A intervenção do estado na economia se deu onde e quando as empresas nacionais não possuíam recursos para tal ou as estrangeiras.

A estatização de alguns setores de base tornou-se a única forma possível de ampliar e robustecer a capacidade produtiva do Brasil. Porém nenhuma sociedade moderna obteve estabilidade democrática sem ter a incorporação dos trabalhadores ao processo político, sendo este o maior desafio que estava por vir no segundo governo.

O enfrentamento entre as forças nacionalistas e as alinhadas à política externa dos EUA, que acreditavam estar em curso um golpe comunista-sindicalista, geraram turbulências, que iriam marcar o governo Vargas, tornando-se o embrião que o levou ao suicídio em 1954, abrindo um espaço às forças reacionárias que se articularam e culminou com o duro golpe contra a cidadania o golpe empresarial-militar em 1964.

Em apoio ao projeto que Vargas simbolizava:

A ala "nacionalista" que defendeu a neutralidade brasileira na Guerra da Coréia (1950-1953), a campanha pela criação da Petrobras e o monopólio estatal do petróleo. O clima de dissensão esteve presente já na indicação do general Estillac Leal, um expoente da ala "nacionalista", para ministro da Guerra, que foi mal recebida por círculos militares mais conservadores. No campo partidário, o PTB foi criado para abrigar os setores populares, operários, sindicalistas. Para Almino Afonso, ex-ministro do Trabalho, o PTB foi o partido que mais próximo chegou de uma formação popular. PSD e PTB faziam parte do pilar de sustentação partidária de Vargas, no segundo governo.

O movimento sindical surgiu praticamente na era Vargas, do qual foi o principal beneficiário das leis trabalhistas de amparo ao trabalhador, cujo objetivo era incorporar ao sistema um grande contingente de excluídos. A organização dos trabalhadores em sindicatos era um dos pilares de sustentação do segundo governo Vargas. ​​​

O jornal Última Hora, fundado em 1951; um dos poucos a apoiar o governo Vargas,cujo proprietário Samuel Wainer foi acusado de ter recebido privilégios do Banco do Brasil.A imprensa liberal-conservadora beneficiária também de créditos em bancos públicos, pois era via de regra no país, não demora a dar lugar a ataques sistemáticos, visando a isolar políticamente o presidente.

Em oposição ao projeto:

- Setores do empresariado nacional: Embora tenham participado das forças heterogêneas que apoiaram Vargas em 1930, a burguesia empresarial nacional, associou-se ao clero sem sucesso contra os avanços no campo social, dos movimentos sindicais que começavam a organizar-se nos sindicatos e no PTB, partido que foi criado em 1945 por Vargas, para abrigar os setores populares. Queriam que o estado limitasse seu papel primordialmente na repressão da agitação sindical. Vargas deixou claro que embora tivesse vínculos com os industriais, não tinha a menor intenção de abandonar a legislação social e trabalhista anterior.

- União Democrática Nacional;

O udenismo, expressão do modo de fazer política dos simpatizantes e filiados à UDN, tem como característica básica a defesa de um liberalismo clássico, forte apego ao moralismo. Na época o mais conservador dos três partidos existentes (além de inúmeros outros partidos menores, sobressaindo-se, porém, a UDN, PTB e PSD). Oposição sistemática à Getúlio Vargas, em especial quanto à política social e a intervenção estatal da economia.

- Capital internacional;

Vargas adotou medidas visando limitar as remessas de lucros abusivas para o exterior, que representava um fator de desestabilização da economia nacional, provocando forte reação do grande capital.

- Todos os principais jornais da grande imprensa;

Quando Getúlio Vargas assumiu o poder em 1930, as rádios não possuíam autorização oficial para veiculação de publicidade, que só viria a ser estabelecida em 1932, em substituição aos Decretos de 1924 e 1931. Roberto Marinho, Assis Chateaubriand usaram os meios de comunicação para se opor a política nacionalista. Defendiam o alinhamento ao sistema financeiro internacional e para tal franquearam os microfones a Carlos Lacerda fazer oposição sistemática ao governo.

A grande imprensa liberal-conservadora, com destaque para o jornal. O GLOBO, apoiou a deposição de Vargas em 1946 e em 1954, uniu-se aos setores golpistas que levaram Vargas ao suicídio. O mesmo acontecendo em 1964 quando apoiou o golpe que depôs João Goulart.

  • Militares vinculados à Escola Superior de Guerra (ESG):

A partir de 1945, o Brasil viveu um período de intensa participação militar na vida política, que culminou, em março de 1964, com a tomada do poder pelas Forças Armadas. Durante esse período, as posições dentro da corporação estavam divididas, refletindo uma pluralidade de tendências e abordagens sobre os mais variados temas. Em consonância com o imenso debate político nacional que se fazia presente sobre os caminhos da inserção do país na nova configuração capitalista mundial.

Quem orquestrava esse processo era, fundamentalmente, a Escola Superior de Guerra, que representava, nesse período, a ala conservadora das Forças Armadas. Eram seus integrantes que vislumbravam a construção de um projeto hegemônico que pusesse fim, segundo eles, ao caos político nacional, fruto da falência do poder público e da infiltração de ideologias bolchevistas.

Essa argumentação ganhava força frente ao crescimento dos movimentos populares, em busca de uma participação política. No seio dessa tensão, tanto o PTB como o trabalhismo alimentavam os temores dos militares, dos empresários e dos setores da classe média, com o perigo iminente da instauração de uma república sindicalista, devido à perigosa aproximação com os sindicatos e a classe operária. Medidas de enquadramento da oficialidade serão cada vez mais frequentes ao longo da década de 1950, demonstrando a preocupação das Forças Armadas com o respeito à hierarquia, à disciplina e à fidelidade aos princípios militares.

Nesses casos, os relatórios dos censores adquiriam um tom mais formal e jurídico, para que pudessem ser usados como peças acusatórias. Defendiam o alinhamento com os EUA na guerra da Coréia, participação de grupos privados na exploração do petróleo; criticavam a “infiltração de comunistas nas forças armadas”

Percebemos que o avanço da cidadania teria de enfrentar mais um obstáculo, as forças anti-nacionais que viam nas organizações dos trabalhadores uma série ameaça ao capital. O resultado eleitoral que reconduziu Vargas ao poder não refletia a força do PTB, partido no qual se elegeu, mas sim a seu carisma pessoal.

Atlas nas eleições de 1950 no Brasil:

Candidato

Partido

Origem

Domicílio

Votos

Proporção

Entre os dois

Getúlio Vargas

PTB

RS

RS

3.849.040

48,73%

62,17%

Eduardo Gomes

UDN

RJ

RJ

2.342.384

29,66%

37,83%

Cristiano Machado

PSD

MG

MG

1.697.173

21,49%

 

João Mangabeira

PSB

BA

BA

9.466

0,12%

Total válidos

 

7.898.063

 

https://sites.google.com/site/atlaseleicoespresidenciais/eleio-de-1950

A sociedade Brasileira carecia de uma organização popular mais orgânica, que desse sustentação ao modelo a ser implantado. A partir de 1930, a sociedade experimentou avanços nos direitos sociais e políticos, em que o trabalhador passou a ser peça importante para o projeto nacional desenvolvimentista que se pretendia implantar no Brasil. A presença do estado à frente dos sindicatos e dos movimentos sociais , na figura de Vargas, permeou praticamente quase toda a Era Vargas.

No primeiro momento se fez necessário atuar como mediador dos grupos heterogêneos que compuseram a Revolução de 30. Sobretudo da classe operária, conforme já dito:,”Nenhum dos grupos participantes daquele movimento de 1930 pôde oferecer ao Estado as bases da sua legitimidade, o que levou a celebração de um compromisso entre eles, aí incluídos grupos de classe média, setores oligárquicos, frações da burguesia e militares, ficando à margem apenas a classe operária. Em meio a tal diversidade coube a Getúlio Vargas, com o apoio do exército, ser o ponto de equilíbrio entre os interesses destes diferentes grupos”.(Fausto,2008, p. 33.)

A permanência desta relação trouxe um ônus para o processo social, cuja “subordinação ao estado”, comprometeu a institucionalização da cidadania, fazendo com que a construção da mesma não se fizesse de forma autônoma, gerando forte dependência ao poder central. Ao usar o termo estadania, (Carvalho,2003, p. 221), evidencia esta cultura orientada para o estado em contraste com a cidadania, reduzindo a ação política orientando-a a negociação direta com o governo, sem passar pela mediação das representações.

A ausência repentina de um líder que catalise os anseios e as demandas da sociedade, ocasionada pelo suicídio de Vargas, acelerou o desmonte do projeto nacional desenvolvimentista que começou em 1930. Expondo a fragilidade daqueles que mais dependiam da ação do estado e, que, por sua vez exerciam uma cidadania regulamentada. Isto em parte explica o afastamento do povo brasileiro das instituições partidárias, dos sindicatos, restrito apenas a um segmento minoritário da população.

A batalha pelo monopólio estatal do petróleo chegou às ruas tornando-se um símbolo do nacionalismo e do anti-imperialismo, reunindo militares nacionalistas, estudantes universitários, líderes sindicais.

O suicídio de Vargas promoveu uma comoção social, multidões foram as ruas demonstrando um sentido de nacionalidade “adormecida”, evidenciando segundo José Murilo de Carvalho, que o paternalismo era irrelevante para os que se sentiram valorizados e beneficiados pelo líder morto”. O choque de forças, que levou-o ao suicídio e a comoção social,adiou em dez anos o golpe empresarial-militar em curso. O ano de 1964 representou a derrota dos herdeiros de Vargas e do trabalhismo, atingindo duramente a construção da cidadania.

“Os interesses multinacionais, que estavam representados na economia brasileira após sua retração durante a segunda guerra mundial, seriam deixados nesse arranjo sem adequada representação nos canais formuladores de diretrizes políticas”. (DREIFUSS,2001).

A carta testamento de Vargas condena e explícíta haver uma conspiração anti nacional de forças reacionárias apoiadas por interesses imperialistas”. O período pós-1954 caracterizou-se por diretrizes políticas de favorecimento às corporações multinacionais, pavimentando o caminho para o golpe militar-empresarial de 1964.

6. Conclusão:

Antes de 1930, havia no entender de José Murilo de Carvalho uma cidadania “negativa”, ou seja a ausência da cidadania. O povo não tinha lugar no sistema político tanto no império como na primeira república. O Brasil era uma realidade abstrata para a grande maioria dos brasileiros (as).

”O império ao se desmoronar, deixou insolúveis os dois maiores problemas nacionais: a organização do trabalho livre e o da educação. O trabalho porque a escravidão chegara até as portas da República e o trabalho livre permanecera sem qualquer organização”. (Ribeiro, A Era Vargas vol 1,p. 89).

O estado que emergiu da Revolução de 1930, apesar de não ter organizado politicamente a sociedade, deu os primeiros passos para que isto viesse a se reverter.

Coube a Vargas mediar as forças heterogêneas que compuseram a Revolução de 1930, porém não se curva às elites que queriam que o estado desempenhasse o seu papel de repressor, sobretudo das classes operárias, fazendo com que a questão social continuasse a ser “caso de polícia”. A política de marginalização pura e simples realizadas pelas velhas classes dominantes, não tinha mais condições de se sustentar,

O peleguismo, o coronelismo foram práticas estimuladas pelas elites como forma de manter-se no poder. Atuaram inibindo principalmente setores populares de manifestarem-se politicamente, cuja única representação era o estado, representado pela figura de Vargas. O peleguismo servia aos interesses do patronato, o coronelismo centrava-se na figura de uma liderança local, o coronel, que definia as escolhas dos eleitores em candidatos por ele indicados, fraudando se necessário as eleições. Tais práticas ganharam força na República Velha, mas ainda resistiram à segunda república, constituindo-se num obstáculo para o avanço da cidadania.

A construção da cidadania sofreu dois duros golpes: em 1954, com o suicídio de Vargas e em 1964 com o golpe empresarial- militar, patrocinado pelos EUA e com apoio das forças anti-nacionais, contrárias ao projeto nacional desenvolvimentista iniciado em 1930. O povo foi às ruas em 1954, tomado pela comoção com o suicídio de Vargas. Mas a inexistência de uma organização popular mais efetiva, impedia qualquer outra reação, senão uma manifestação emocional de momento.

A morte de Vargas, deixou um vácuo político no campo popular, permitindo a organização das forças reacionárias que associadas a setores empresarias e aos militares, promoveram o golpe de 1964, depondo João Goulart, golpearam mais uma vez o trabalhismo e a cidadania. De aliado na segunda guerra, o Brasil tornou-se alvo da política belicista dos EUA, que ameaçava aqueles que não se alinhassem aos seus interesses econômicos que emergiram com a alteração pós segunda guerra do mapa geo-político, embalado pela guerra fria.

Os EUA criaram o War College e ofertaram bolsas de estudos para que os oficiais superiores e generais de toda a América Latina freqüentassem seus cursos, cooptando setores das forças brasileira contra a ameaça que uma suposta república sindicalista oferecia `a ordem institucional Brasileira. O eixo era monocórdio: como hoje a política externa estadunidense, voltada ao “combate ao terrorismo e ao narcotráfico”. Naquela ocasião o mote era “combater o comunismo”.

Na realidade o que estava em jogo era o julgamento de governos que se revestiam de um caráter mais popular,sendo desconstruídos sob alegação de exercerem a prática populista, taxados estratégicamente de serem comunistas. O mito do mercado hoje cultuado como um dogma, já naquela época era questionado como incapaz de promover a distribuição de renda e a justiça social, contrariando os adeptos do neo liberalismo, sintonizados com a política expansionista dos EUA.

“A avaliação dos governos militares pós 1964, sob o ponto de vista da cidadania, tem assim que levar em conta a manutenção do direito ao voto, combinada com o esvaziamento de seu sentido e a expansão dos direitos sociais em momento de restrição de direitos civis e políticos” (Carvalho,2003, p. 172). O movimento pela redemocratização e eleições diretas , em 1984, foi o ponto culminante de um movimento de mobilização política de dimensões inéditas na história do país, culminando na elaboração da constituição de 1988.

A constituição de 1988, promulgada após a abertura do regime militar, foi denominada constituição cidadã. Havendo a crença de que passados 21 anos de regime discricionário,a democratização das instituições nos levaria rapidamente à “felicidade nacional”, como se a cidadania tivesse alcançado a maturidade plena. Passados 27 anos constatamos que não é bem assim, carecemos de uma prática democrática mais efetiva, que não dependa apenas do formalismo representativo.

O avanço da cidadania requer o exercício da democracia participativa, dinamizando a relação dos eleitores com os seus representantes. Os partidos tornaram-se ,com exceções, cartórios eleitorais. Revivendo o mandonismo dos coronéis embalados pela grande mídia, que para muitos já constituem o quarto poder, representando mais um dos tantos obstáculos ao avanço da cidadania. Precisamos refletir que as constituições são apenas textos. Se serão meras utopias ou se servirão de indicativos para a conquista de direitos e, conseqüentemente para a construção de uma sociedade mais justa e digna. Vai depender da nossa participação enquanto homens e mulheres em busca de uma verdadeira cidadania.

Sair da zona de conforto e exercer a cidadania a partir das nossas ruas, do nosso bairro e conseqüentemente do nosso município. Dessa forma influir conscientemente na escolha dos nossos representantes, exercendo o direito de votar e também o de ser votado. E o caminho em direção ao pleno exercício de uma cidadania de fato e não simplesmente de direito.

7. Referências bibliográficas:

Atlas nas eleições de 1950 no Brasil: https://sites.google.com/site/atlaseleicoespresidenciais/eleio-de-1950

Bodea,Miguel: Positivismo,Trabalhismo,Populismo: A ideologia das elites gaúchas

CANAL, Helder de Oliveira, http://www.seer.ufu.br/index.php/horizontecientifico/article/viewFile/5347/7945

CARVALHO, José Murilo, Cidadania no Brasil.O longo caminho.Rio de Janeiro:Editora Civilização Brasileira,2013.

DREIFUSS, René Armand, 1964,A conquista do Estado:,Rio de Janeiro,editora Casa Jorge editorial, 2001.

FAUSTO, Boris,A Revolução de 1930, Historiografia e História.São Paulo:Companhia das Letras, 2008.

JAIRO, Nicolau,História do Voto no Brasil.Rio de Janeiro:Editora Zahar, 2002.

JAMBEIRO, Othon,Tempos de Vargas,O radio e o controle da Informação.Salvador: Editora da UFBA,2003.

RIBEIRO, José Augusto,A Era Vargas Vols 1 à 3. Rio de Janeiro:Casa Jorge Editorial, 2001

SILVA,Mazukyevicz Ramon Santos do Nascimento http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9361


Publicado por: gennaro portugal ciotola

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