Império do Japão: A excepcionalidade do Imperialismo japonês (1868-1946)
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. O REFORMISMO CONSERVADOR DO PERÍODO MEIJI (1868-1912)
- 3.1 Antecedentes imperialistas e os alicerces da civilização japonesa
- 3.2 Período Edo: Os Tokugawas e a chegada do imperialismo neocolonial ao Japão
- 3.3 Restauração Meiji: A Modernização conservadora do Japão
- 3.4 O Expansionismo Imperialista japonês no Extremo Oriente
- 4. A BREVE EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA DO PERÍODO TAISHO (1912-1926)
- 4.1 Geopolítica do Período Taisho: A Primeira Guerra Mundial e Versalhes
- 4.2 O mais civilizado entre os “bárbaros”: A percepção ocidental sobre o Japão
- 4.3 Os limites da experiência democrática I: As contradições políticas do Japão
- 4.4 Os limites da experiência democrática II: As contradições econômicas do Japão
- 5. CAPÍTULO 3 – O NACIONALISMO DO PERÍODO SHOWA (1926-1946)
- 5.1 A Ascensão do Militarismo no Japão: A questão da Manchúria e a integração ao Eixo
- 5.2 Geopolítica do Período Showa: A Guerra Imperialista do Japão
- 5.3 A entrada dos Estados Unidos na Guerra do Pacífico
- 5.4 O fim da experiência imperialista
- 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
- 7. REFERÊNCIAS
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1. RESUMO
O imperialismo neocolonialista foi um fenômeno tipicamente ocidental, quase inteiramente restrito a países do Atlântico Norte, tendo no Japão a sua única exceção. Este trabalho tem como tema central a excepcionalidade presente no Império do Japão, objetivando compreender as condições que permitiram o surgimento de uma potência colonial na Ásia e a construção de um império colonial no Extremo Oriente. Para isso o objeto da pesquisa é analisado em sua posição nas relações internacionais, através da diplomacia estabelecida com o Ocidente e as estratégias geopolíticas para resistir ao avanço estrangeiro e expandir sua própria influência. O recorte espacial localiza-se na região de atuação do imperialismo japonês, a Ásia Oriental ou Leste da Ásia, o Sudeste Asiático e o Extremo Oriente Russo, englobados na sub-região asiática do Extremo Oriente, o recorte temporal engloba desde a Restauração Meiji, de 1868, até a promulgação da Constituição pacifista, em 1946. A metodologia utilizada é a Geografia Crítica, interpretando as relações de poder a luz do conceito de território, tanto entre nações, como entre o Estado e forças sociais difusas, sendo capaz de expor as contradições da fase capitalista representada pelo imperialismo. Foi possível apresentar as características históricas e espaciais responsáveis pela singularidade do império japonês, categorizando-o em uma posição anômala tanto entre os impérios europeus quanto as colônias asiáticas.
Palavras-chave: Império do Japão. Imperialismo. Neocolonialismo. Extremo Oriente.
ABSTRACT
The neocolonialist imperialism was a typically Western phenomenon, almost entirely restricted to North Atlantic countries, with Japan as its only exception. This paper has as it’s central theme the exceptionality present in Japan’s Empire, aiming to understand the conditions that allowed the appearance of a colonial power in Asia and the creation of a colonial empire in the Far East. For this, the object of the research is analyzed in its position in international relations, through the diplomacy established with the West and geopolitical strategies to resist foreign advance and expand its own influence. The spatial clipping is located in the region of action of the Japanese imperialism, East Asia or Eastern Asia, Southeast Asia and the Russian Far East, encompassed in the Asian sub-region of the Far East, the time frame ranges from the Meiji Restoration, from 1868, until the promulgation of the pacifista Constitution, in 1946. The methodology used is Critical Geography, interpreting power relations in light the concept of territory, both between nations and between the State and diffuse social forces, being able to expose the contradictions of the capitalist phase represented by imperialism. It was possible to present the historical and spatial characteristics responsible for the uniqueness of the Japanese empire, categorizing it in an anomalous position both among the European empires than the Asian colonies.
Keywords: Empire of Japan. Imperialism. Neocolonialism. Far East
2. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa traça um panorama acerca da excepcionalidade do Império do Japão (1868-1946), em relação aos demais impérios coloniais. Serão analisados os fatores espaciais, históricos, culturais e políticos que distinguem o Império japonês, tanto das metrópoles ocidentais quanto das colônias orientais.
A questão central gira em torno de como o Japão conseguiu fazer parte do pequeno número de países a participarem da expansão imperialista, levando em consideração o fato de ser uma nação asiática.
O fenômeno estudado é o Imperialismo, uma política expansionista cujos primórdios podem ser traçados na Expansão marítima portuguesa do século XV. O trabalho foca-se nas dinâmicas desse fenômeno entre os séculos XIX e XX, quando, devido a fatores como a Segunda Revolução Industrial, ele tomou uma roupagem distinta em relação ao passado, apresentando novas características, sendo a mais proeminente o neocolonialismo.
O recorte temporal concentra-se no período histórico em que o país passa a ser conhecido como Império do Japão, da Restauração Meiji em 1968 até a promulgação da Constituição pacifista, em 1946.
O recorte espacial concentra-se na região do Extremo Oriente, que dependendo da classificação pode incluir países distintos. Aqui o termo se refere as sub-regiões da Ásia oriental, também conhecida como Leste da Ásia, o Sudeste Asiático e o Extremo Oriente Russo, no Norte da Ásia.
A Ásia oriental, ou Leste da Ásia, é a região onde se localiza o Japão e aqueles que ao longo de sua história foram os atores políticos mais próximos desse país, a China e a Coréia. O Sudeste Asiático àquela altura era dominado pelas potências imperiais europeias, sendo ocupadas pelo Japão durante a Segunda Guerra mundial, como parte fundamental do seu desejado império colonial. O Extremo Oriente Russo, pela sua proximidade geográfica, é palco de importantes eventos envolvendo os japoneses em relação a, num primeiro momento o Império russo e, posteriormente, a União Soviética. É ao longo desse espaço que se concentra a geopolítica do Império do Japão, sendo também o local onde ocorrem a maior parte dos eventos da Guerra do Pacífico.
O principal objetivo do presente trabalho é demonstrar que o Império do Japão constituiu um corpo político e cultural singular em comparação aos impérios ocidentais, procurando comprovar a hipótese de que a sua história e as suas características geográficas foram os fatores determinantes de sua suposta excepcionalidade.
Os demais objetivos desse trabalho, além de estudar a anomalia histórica e espacial de um império colonial na Ásia, incluem: Analisar as mudanças nas relações entre o Japão e a China à medida em que o projeto imperialista japonês vai se consolidando; discutir as estratégias geopolíticas do Japão no âmbito das relações internacionais estabelecidas com as potências imperiais do Ocidente; distinguir o Império do Japão dos demais impérios coloniais, apontando suas especificidades culturais e políticas; apontar que fenômenos como a industrialização, a democracia, o liberalismo e o socialismo evoluem no Japão de modo anômalo ao ocorrido no Ocidente.
Os capítulos são divididos de maneira a privilegiar os períodos em que o Império do Japão é tradicionalmente dividido, tendo como característica cada um dos três monarcas imperiais japoneses que esteve no trono, caracterizando os períodos Meiji, Taisho e Showa.
O capítulo inicial concentra-se na formação do Império do Japão, para isso debruça-se sobre os processos anteriores a Restauração Meiji, estendendo-se do Período Kofun até o Período Edo, no intuito de apresentar um quadro do Japão pré-imperialista e suas diferenças em relação aos períodos vindouros.
[...] o desenvolvimento histórico de uma nação também deve muito ao modo como responde às circunstâncias, a como tira o melhor partido das oportunidades e, num certo sentido, constrói a sua própria sorte. Estes padrões de resposta, pelo menos no caso japonês, estão baseados em valores práticos que, muitas vezes, estão profundamente enraizados na sua história. É impossível compreender completamente a emergência do Japão como superpotência moderna sem ter algum conhecimento destes últimos. É importante começar pelo princípio, delineando o desenvolvimento do Japão e salientando estas continuidades à medida que afloram e se repetem (HENSHALL, 2014, p. 7-8).
São analisados os fundamentos da civilização japonesa, procurando compreender o impacto que o imperialismo causa aos alicerces políticos e culturais japoneses, transformando-o em uma entidade geopolítica muito distinta daquilo que o caracterizava até o final do xogunato Tokugawa.
Segue problematizando a Restauração Meiji e os aspectos históricos e geográficos que caracterizam a alardeada excepcionalidade do imperialismo japonês. A construção de um império no continente asiático e sua expansão tardia no contexto da corrida neocolonial são apresentadas como questões fundamentais para ajudar a entender as dicotomias entre o Japão e seus rivais ocidentais.
Um segundo capítulo é reservado para entender o lugar do Japão no mundo imperialista, objetivando questionar como as óbvias diferenças entre esse país e os demais impérios ocidentais influenciaram as decisões geopolíticas e impactaram culturalmente os atores envolvidos.
Procura mostrar que a percepção ocidental sobre o Japão sofreu fortes alterações desde a abertura do país. Tanto através das tentativas do Estado em se espelhar nos modelos de democracias liberais ocidentais, como através da assimilação de aspectos presentes na arte e na cultura japonesa, que impregnaram as artes plásticas europeias e influenciaram outras formas artísticas
Também analisa as contradições internas típicas do modelo capitalista, apontando o Período Taisho como o ápice do choque entre a sociedade civil e o Estado, que cada vez mais toma formas ultranacionalistas, através de uma releitura do fascismo europeu.
O terceiro capítulo procura mostrar, através da conjuntura internacional, o inevitável embate entre o Japão e as potências ocidentais, apresentando um império que escolheu o rumo do autoritarismo e aliou-se a Estados ultranacionalistas que também possuíam ambições que eram limitadas pelas potências tradicionais.
Focando-se na geopolítica japonesa do período Showa, no contexto da Guerra do Pacífico, os eventos envolvendo os embates políticos e militares serão analisados. Mostrando o apogeu do imperialismo japonês, com seu império colonial atingindo a expansão máxima com as invasões sobre as colônias britânicas e francesas, até o seu declínio diante dos Aliados, sobretudo os Estados Unidos.
Ao longo dos três capítulos a excepcionalidade presente na construção do império japonês será analisada sob diferentes âmbitos. Procurando mostrar que, mesmo aderindo a um modelo político, econômico e cultural de origem europeia, o Japão foi capaz de mantar a sua própria identidade, da mesma forma que o fez durante o período em que possuía a China como seu padrão civilizacional.
[...] não se deve analisar o desenvolvimento estrutural e econômico do Japão através do processo de “ocidentalização”, trazido pela Era Meiji, como um processo de reconhecimento moral da superioridade do pensamento ocidental pelos japoneses. De forma majoritária, a literatura ocidental permeia no pensamento do leitor uma imagem mistificada dos fenômenos políticos e sociais do Oriente [...] (LEMOS, H. F. ; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 34).
É justamente a capacidade de se transformar sem perder a sua essência que torna o Japão um caso isolado no mundo. A necessidade de reformar o país para que não tivesse o mesmo destino que a China diante das potências imperiais acarretou em grandes mudanças para os japoneses, porém eles conseguiram manter seus característicos traços culturais e políticos.
A ideia do imperador como uma divindade incontestável sempre foi um importante fator de estabilidade política para o Japão. A continuidade desse pensamento serviu para manter a coesão diante de uma possível assimilação desenfreada de valores ocidentais. Esse é um importante ponto de distinção entre os japoneses e europeus, pois, mesmo os mais poderosos monarcas ocidentais da Idade contemporânea, eram e são encarados de maneira secular pela população, ao contrário do que ocorria na Idade Média e na Idade Moderna.
[...] é fundamental pontuar que o Japão, de forma singular, foge da tradicional dialética de dominância entre o Ocidente e o Oriente, visto que a país conseguiu controlar o processo de ocidentalização sobre ele infringido. De forma exitosa, o país se inseriu em um sistema político controlado pelas potências europeias sem abdicar de suas próprias características, concepções e valores (LEMOS, H. F. ; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 34).
O Japão também é um caso único a luz do eurocentrismo. A ideia de superioridade racial difundida pela Europa através do Darwinismo social impactou de forma profunda e duradoura os povos colonizados pelos europeus. Mas os japoneses, apesar de também sofrerem ameaças e serem devidamente assediados pelos impérios ocidentais, também foram capazes de fazer o mesmo diante de outras nações asiáticas, colocando-os em uma posição que nenhum outro povo ocupou, sendo, ao mesmo tempo, vítimas e algozes do projeto político, econômico e cultural que é o imperialismo.
Em relação aos procedimentos metodológicos, foi realizada uma pesquisa descritiva, através de uma abordagem qualitativa assentada no método hipotético dedutivo. O percurso da investigação ocorreu por meio de pesquisa bibliográfica e análises estudos de caso, provenientes de exemplos históricos citados e analisados no corpo do trabalho. Também se fez uso de evidências provenientes de disciplinas como a Geopolítica, as Relações internacionais, a História da arte, a Sociologia e a História econômica para fornecer os dados e os instrumentos necessários para alcançar os objetivos propostos.
A metodologia utilizada procura especializar os processos históricos que caracterizam a excepcionalidade do fenômeno imperialista no Japão. Entende-se que fatores geográficos são primordiais para caracterizar a singularidade japonesa, sendo o único país asiático a adotar com sucesso uma política que tinha o seu centro de poder localizado no Atlântico Norte.
Enquanto os demais povos vão sucumbindo ao neocolonialismo, os japoneses enveredam por um rumo inédito no Oriente, tornando-se uma potência imperial e adaptando as estratégias geopolíticas ocidentais conforme as suas necessidades.
Na sua diversidade e na sua complexidade, o mundo asiático, durante muito tempo, manteve com a Europa relações essencialmente comerciais. No século XIX, comparado com a Europa conquistadora e dinâmica, faz figura de um mundo fechado. A distância incomensurável que separa o modelo asiático e o ocidental acentua esta característica opaca e enigmática de um espaço que, em termos de povoamento, constitui o principal centro do planeta. No entanto, a evolução destas regiões está em íntima correlação com a Europa. Exatamente porque o dinamismo transbordante da Europa projetou os europeus para fora do seu espaço, o encontro com a Ásia intensificou-se e viveu ao ritmo dos imperialismos nascentes [...] (PELLISTRANDI, 2002, p. 151).
O contexto histórico e espacial não era favorável a essa realidade, tendo o imperialismo se apoiado em narrativas racialistas que discriminavam povos que não eram etnicamente idênticos aqueles do eixo de poder do Atlântico Norte.
Para o imperialista seu povo é dotado de excepcionalismo, em detrimento dos demais, numa visão geograficamente determinista e havendo uma hierarquia nesse sentido. Povos "menos excepcionais", vivendo em um território "fadado ao subdesenvolvimento", podem ser dominados para a exploração e mesmo com o suposto intuito de "civilizá-los".
Apesar de uma visão mais favorável no Ocidente, o Japão não tinha pleno controle da narrativa sobre si, ainda era percebido como um Japão exótico e bárbaro, mesmo que fascinante para os olhos dos ocidentais que o redescobriram após o longo período de isolamento sob a liderança dos Tokugawa.
A historiografia dedica muitas páginas a interpretação do conceito de império, essa entidade histórica está presente em quase todas as partes do mundo ao longo do tempo, porém é o Império Romano que acabou sendo elevado ao nível de modelo imperial por excelência.
Já o imperialismo diz respeito a um momento específico da história, mais precisamente entre os séculos XIX e XX. Esse fenômeno esteve ancorado em uma política expansionista chamada neocolonialismo e guarda semelhanças e diferenças em relação aos impérios anteriores. “[...] a teoria do imperialismo faz parte de uma fase da história do conceito “império” [...]” (AREND, 2006, p. 155).
Império hoje é um termo que se refere a um certo tipo de poder abrangente. Um poder que se dissemina por um grande território que a tudo domina. Império se refere a duas dimensões do poder: a espacial e o exercício da autoridade. O imaginário do império remete-se rapidamente a uma representação de poder, força, domínio e grandeza que, na maior parte das vezes, recebe uma conotação pejorativa, embora não possamos ignorar alguns usos do conceito para denotar orgulhosamente uma posição de poder e autoridade (AREND, 2006, p. 155).
Para Duroselle (2000, p. 408) “Por mais longe que retornemos, encontraremos impérios. O tempo e os lugares lhes impõem estruturas próprias, porém o fenômeno é idêntico. A conquista insaciável, a submissão dos povos pelo domínio de outros povos, a força, o aumento, o imperium.”
Duroselle não coloca o Império Romano como o modelo principal ou mesmo inaugural do conceito de império, sustentando que eles são tão comuns que sempre acompanharam a humanidade ao longo de sua história.
Exemplos que reforçam a visão desse autor são abundantes, como os antigos impérios ateniense e Persa. As grandes civilizações nativas das Américas também são frequentemente rotuladas de impérios, como o asteca e o inca.
[...] muito além da tradição jurídica romana, o império está relacionado às práticas de dominação, independentemente de albergarem a tradição do direito romano, cabendo outros territórios e processos de fora do espaço europeu e de herança romana. Portanto, Inglaterra, França, Rússia e Japão perfazem-se impérios pela representação de poder que encarnavam (LUIZ, 2011, p. 4).
O Japão já era um império antes da Restauração Meiji, mas do tipo mais tradicional, parecido com seu vizinho, a China. Após o fim dos xogunatos é adotado uma política imperialista, aos moldes europeus, daí que o império do Japão após 1968 é uma entidade política distinta do que era o Japão anteriormente a esse momento, tendo características que se enquadram dentro do fenômeno imperialista dos séculos XIX e XX, fato que não ocorreu com a China.
A atitude colonial não é uma invenção do século XIX. Profundamente renovada nos métodos, mais do que nos atores [...], assenta no predomínio europeu adquirido e em vias de aquisição. A revolução industrial desequilibra as relações internacionais em proveito da Europa. Os termos da troca comercial, mais ou menos equilibrados até ali, rodam brutalmente a favor dos países industrializados. [...] O desencontro que vai marcar as relações entre potências desenvolvidas e o que mais tarde se designará por países subdesenvolvidos ou Terceiro Mundo nasce no século XIX. Vai se aprofundando à medida que o crescimento europeu abre novas perspectivas e se intensifica a exploração do mundo, em proveito das fábricas europeias ou norte-americanas. A aceleração da colonização, os conflitos que vão surgir entre as potências coloniais nos finais do século XIX nascem desta dinâmica [...] (PELLISTRANDI, 2002, p. 181).
Portugal e Espanha deram início a Era dos descobrimentos durante o século XV, expandindo sua influência pelo mundo através da criação de impérios coloniais. O continente americano, até então isolado do restante do mundo, foi dominado pelos europeus, tendo suas populações nativas passado por um longo genocídio, que, a depender da visão historiográfica, ainda está em andamento.
Não tardou para que Inglaterra, Holanda e França entrassem nessa disputa, dividindo entre si os territórios alheios, enquanto também disputavam pelo poder no continente europeu.
No século XVIII a Inglaterra passa pela Revolução industrial, fato que, como acentua Pellistrandi, desequilibra economicamente as relações entre metrópole e colônias, relação que é naturalmente desfavorável as últimas. Com o tempo as demais nações europeias passam pelo mesmo processo de industrialização e a corrida colonial ganha um novo impulso
O início do século XIX é marcado pela derrota da França napoleônica, que não conseguiu fazer frente a industrializada Inglaterra. O fracasso do bloqueio continental deixou claro que não se poderia competir com uma nação industrializada tendo uma economia prevalentemente feudal. Outra consequência foi a independência da América hispânica, seguida do processo de independência brasileiro, fazendo a maior parte do continente a estar livre da Europa.
Na metade do século uma série de novas tecnologias levaram a chamada Segunda Revolução Industrial e os países da Europa ocidental aderiram a ela com entusiasmo. Até então o domínio sobre a África e a Ásia era frágil, com pequenas colônias costeiras que serviam como uma porta de saída dos mercados orientais em direção a Europa.
A nova realidade tecnológica colocaria asiáticos e africanos em grande desvantagem, acarretando na conquista europeia desses espaços e levando o imperialismo ao seu auge, fazendo dos impérios coloniais a força hegemônica do planeta.
A noção de imperialismo europeu deve, pois, ser manipulada com prudência [...]. Restrita ao seu alcance polêmico, não pode dar conta da realidade histórica que começa então a tomar forma. Em contrapartida, se ela designa a expansão e o dinamismo transbordante da Europa, se ela subentende a escala de valores que justificam uma missão civilizadora. Se ela evoca o incrível aumento de poderio de que a Europa beneficia graças à revolução industrial, então está plenamente justificada. O imperialismo europeu, [...] é um novo rosto do eurocentrismo, que encontra a sua razão de ser na experiência das primeiras gerações, confrontadas com o aumento espetacular dos seus meios de controle sobre o ambiente (PELLISTRANDI, 2002, p. 182).
A abordagem geográfica parte da categoria central da geografia, o espaço. Daí a necessidade de espacializar os fenômenos que se pretende tratar. Espacializar o fenômeno imperialista e os processos a ele ligados é fundamental para entender a sua dinâmica. Diversos fatores espaciais estão presentes nas políticas dos impérios coloniais, sendo a necessidade de matérias-primas, mão-de-obra barata e mercado consumidor os mais apontados pela historiografia.
O espaço pode ser abordado de múltiplas formas pela ciência geográfica, aqui será trabalhado na perspectiva de Haesbert (2014), com foco no caráter de coexistência dos fenômenos, a partir dessa que é a categoria central da geografia.
O Estado sempre se vinculou ao espaço por uma relação complexa que, no curso de sua gênese, mudou e atravessou pontos críticos. Momentos cruciais nessa relação foram: a produção de um espaço físico, o território nacional, que tem a cidade como centro; produção de um espaço social, político, conjunto de instituições hierárquicas, leis e convenções sustentadas por “valores”, onde há um mínimo de consenso, que é próprio do Estado (BECKER, 1988, p. 5).
O conceito trabalhado será o de território, tradicionalmente usado para apreender aspectos ligados as relações de poder no espaço geográfico.
Ao falarmos dos reinos da Bélgica e da Holanda na primeira metade do século XX, estamos, por extensão, lidando também com seus domínios coloniais, o Congo e a Indonésia, respectivamente. Essas pequenas nações, que, apesar de densamente povoadas tinham uma população local diminuta, tinham ao seu dispor um vasto território, rico em recursos naturais e bastante populoso, daí que, ao explorá-los, essas nações imperialistas extrapolavam os limites “naturais” de seu desenvolvimento, fazendo delas potências econômicas e políticas.
[...] O desejo ou a cobiça em relação a um espaço podem ter relação com os recursos naturais da área em questão; podem ter a ver com o que se produz ou quem produz no espaço considerado; podem ter ligação com o valor estratégico-militar daquele espaço específico; e podem se vincular, também, às ligações afetivas e de identidade entre um grupo social e seu espaço [...] (SOUZA, 2013, p. 88).
Em um sentido macro, os Estados-nações são os territórios em disputa pelos países imperialistas no contexto do fenômeno neocolonial, partindo de uma visão clássica da geopolítica. A partir de olhares mais contemporâneos o território também será trabalhado em suas dimensões mais diminutas, onde sociedade e Estado disputam o espaço.
Para Haesbert (2014), os conceitos são heterogêneos a partir da multiplicidade interna inerente a sua composição e na própria maneira de se relacionar a demais conceitos. O território precisa ser analisado em sua natureza política, sendo o espaço onde as relações de poder ocorrem em diferentes escalas.
O território é o espaço político onde se percebe a historicidade do espaço geográfico, é nele que o poder se manifesta de forma mais complexa, sendo também nele onde esse mesmo poder encontra maior resistência.
O território é o espaço da prática. Por um lado, é um produto da prática espacial: inclui a apropriação de um espaço, implica a noção de limite – um componente de qualquer pratica –, manifestando a intenção de poder sobre uma porção precisa do espaço. Por outro lado, é também um produto usado, vivido pelos atores, utilizando como meio para sua prática (RAFFESTIN, 1980 apud BECKER, 1988, p. 12).
O território é o espaço onde os atores políticos disputam o poder, ele transborda de contradições, frutos das dinâmicas próprias das sociedades, sobretudo, das ligadas ao capitalismo, pois esse é, entre os mais diversos fenômenos que governam a humanidade, o que mais molda a vida individual e social do homem.
“Insistir sobre o fato de que o que “define” o território é, acima de tudo, o poder, em nada justifica pensar que a abordagem ora advogada “negligenciaria” quer a materialidade do espaço, quer a dimensão cultural simbólica da sociedade [...].” (SOUZA, 2013, p. 89)
Daí que o Estado-nação terá desafios internos capazes de desarticular a coesão imposta por elites econômicas e políticas, assim como o Estado imperialista terá que lidar com os desafios externos as suas fronteiras, ou seja, as demandas presentes no território colonial.
[...] não é apenas o território que só pode ser concebido, concretamente, com a ajuda da ideia de poder [...] também o poder só se exerce com referência a um território. Não há influência que seja exercida ou poder explícito que se concretize sem que seus limites espaciais, ainda que às vezes vagos, igualmente sejam menos ou mais perceptíveis. Mesmo quando se exerce poder a grandes distâncias, por meio das modernas tecnologias [...] o alvo ou destinatário jamais é um grupo social “flutuando no ar”, mas sempre um grupo social em conexão com um espaço [...] (SOUZA, 2013, p. 87).
O legado da espacialidade colonial é facilmente perceptível na atualidade, pois as dinâmicas nas relações internacionais estão diretamente atreladas a história colonial. Assim como a Inglaterra está mais diretamente ligada aos países que formam a commonwealth, Portugal mantém mais laços com suas ex-colônias, fato palpável pelo número de brasileiros que compõem a massa de imigrantes no país. As complicadas relações da França com a Argélia, as polêmicas envolvendo a Espanha com o Saara ocidental, além da anômala relação entre os Estados Unidos e Porto Rico são mais exemplos desse legado.
Para Pellistrandi (2002, p. 182) as relações coloniais estão diretamente atreladas ao que costumava-se conhecer como primeiro e segundo mundo, uma forma de divisão entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos. As diversas nuances perdidas com tal sistema de análise levaram a outros modos de classificação, que estão mais abertos a ideia de países em desenvolvimento e a nova realidade difusa nas relações de poder, que favorecem núcleos menores em relação ao Estado-nação.
A socióloga Saskia Sassen (1991) demonstrou que as cidades são atores essenciais nas complexas novas redes do mundo contemporâneo, diluindo o poder central e trazendo novas facetas aos territórios. Daí que classificações mais atuais, como as que falam de um Sul global, tendem a ser mais precisas em suas análises num espaço com poderes tão fragmentados e difusos.
A comparação de um território com um “campo de força” aparece, então, como uma analogia bastante razoável: ao mesmo tempo que o território corresponde a uma faceta do espaço social (ou, em outras palavras, a uma das formas de qualificá-lo), ele é, em si mesmo, intangível, assim como o próprio poder o é, por ser uma relação social (ou melhor, uma das dimensões das relações sociais). Se o poder é uma das dimensões das relações espaciais, o território é a expressão espacial disso: uma relação social tornada espaço – mesmo que não de modo diretamente material [...] (SOUZA, 2013, p. 97-98).
A expansão das áreas de influência no espaço internacional a partir da dominação de territórios coloniais torna-se a regra principal nas relações internacionais imperialistas, tornando a diplomacia uma simples fachada, onde quem detém o poder determina se os seus interesses serão levados a cabo por meios pacíficos ou através da força. “ Poder é a lei única conhecida ou respeitada pelas Nações. E, por sua própria essência, o poder é indefinidamente expansivo, só se detendo em face de um poder mais forte” (BECKER, 1988, p. 18)
O expansionismo típico dos mais clássicos modelos imperiais funcionou como uma espécie de lei para os impérios coloniais, quase como uma ferramenta natural de evolução dos Estados, semelhante ao papel que a seleção natural corresponde na evolução biológica. Essa relação não é uma coincidência, uma vez que tais pontos de vista estão presentes em influentes pensadores como Friedrich Ratzel.
Ratzel espacializou as relações entre os Estados, partindo de conceitos como o determinismo geográfico e a ideia de Espaço vital. É sobre essas teses que a geopolítica imperialista trabalha, enxergando o território como o espaço que moldará um determinado povo, servindo para categorizá-lo, tornando populações inteiras dignas de dominação, escravização, ou mesmo, extermínio. Partindo das mesmas teorias, os povos mais bem posicionados na hierarquização da espécie, através da racialização humana, serão merecedores de expandir seu espaço-vital ás custas dos territórios com populações vistas como menos evoluídas.
O poder, em última instancia, é o poder de fazer a guerra, porque é a guerra, ou sua ameaça, que decide afinal as questões realmente vitais entre Estados conflitantes, e porque é na Guerra que a Nação realiza o esforço máximo de que é capaz. “O Poder Nacional resulta, assim, da integração de todas as forças nacionais, de todos os recursos físicos e humanos de que dispõe cada nação, de toda sua capacidade espiritual e material, da totalidade de meios econômicos, psicossociais e militares que possa reunir para a luta.” (BECKER, 1988, p.18).
Como diz Becker, o poder é exercido através da guerra direta ou com a sua ameaça, deixando claro que o uso da força é a ferramenta principal nas relações internacionais durante o período estudado. O Estado-nação faz uso de todos os elementos que o compõem para amplificar essa força, a questão demográfica, os recursos naturais, o nível de industrialização, todos são conjugados para o exercício do poder em nível internacional.
Durante os momentos de acordos entre as potências fica claro a maneira como medem suas forças, tanto o Tratado de Versalhes (1919) como o Tratado das cinco potências (1922), especificam o tamanho de exércitos e marinhas, limitando o poder militar da Alemanha e do Japão respectivamente. Mas mesmo após Versalhes os franceses ainda temem a Alemanha, pois sabem que no conjunto geral ela tende a ser a grande potência europeia, pela sua posição privilegiada no centro da Europa, pela sua indústria altamente desenvolvida e pela sua grande população.
Os elementos que permitem a Alemanha projetar o seu poder internacionalmente superam as capacidades francesas, daí o receio permanente deste país em relação ao vizinho germânico, levando a estratégias como a vista no Tratado de Versalhes, como o estabelecimento de um estado-tampão através da Bélgica, que dá acesso ao norte francês pelas planícies, diferentemente do restante do seu território, devidamente protegido por características geológicas, como os Pirenéus, na fronteira com a Espanha e os Alpes ao longo de suas fronteiras orientais.
Onde a geografia não for favorável caberá a política resolver. Se a porção oriental da Rússia europeia está defendida pelos imponentes Montes Urais, sua fronteira ocidental é uma vasta planície facilmente conquistável, daí a necessidade de fazer uso de estratégias militares tão desgastantes como as vistas contra a França Napoleônica e a Alemanha Nazista.
Para o Japão, que deseja disputar o poder com os impérios ocidentais é necessário buscar as riquezas naturais que seu diminuto território não dispõe. Isso o impele a se expandir agressivamente sobre seus vizinhos asiáticos, na tentativa de estabelecer um império colonial que proverá suas necessidades econômicas. Portanto, o espaço será disputado no contexto das relações de poder imperialistas, através de estratégias geopolíticas na conjuntura das relações internacionais.
Se o exercício do poder, e com ele o desejo ou a necessidade de defender ou conquistar territórios, tem a ver com um acesso a recursos e riquezas, com a captura de posições estratégicas e com a manutenção dos modos de vida e do controle sobre símbolos materiais de uma identidade – ou seja, se o exercício do poder tem a ver com desafios e situações que remetem ao substrato espacial e às suas formas, aos objetos geográficos visíveis e tangíveis, é evidente que a materialidade jamais poderia ser desimportante [...] (SOUZA, 2013, p. 95).
As relações de poder no contexto imperialista estão atreladas a uma visão conservadora de geopolítica, priorizando a vertente política em detrimento das demais.
Para o imperialismo o Estado é a unidade política máxima e o território a mais pura expressão do poder, tendo no realismo o único paradigma geopolítico possível na disputa entre os Estados-nações.
Os Estados foram e continuam a ser realidades indiscutíveis, cada um deles agindo como unidade de poder no cenário internacional, ainda que outras forças atuem – organizações financeiras, econômicas, instituições religiosas. Portanto, será na avaliação realista do Poder Nacional que se fundamentará a Estratégia [...] (BECKER, 1988, p. 18).
Todo esse movimento em torno de impérios e colônias é traçado através de narrativas ideológicas que procuram ser corroboradas pela ciência. Desde Thomas Kunn (1997) em seu seminal “A Estrutura das Revoluções Científicas”, de 1962, aceita-se que a ciência possui uma dinâmica própria que é sujeita tanto a distorções internas quanto a interferências externas.
Se no passado, inúmeros exemplos de teorias racialistas embasaram o darwinismo social e outras teorias eugênicas, atualmente vemos distorções científicas promovidas através de alguns Think Tanks e da concentração de poder em relação as editoras científicas, como exposto em relação a Elsevier, etc.
Desse modo é relevante levar em consideração não somente a materialidade em torno das relações coloniais, mas também seus níveis simbólicos, sem os quais as narrativas hegemônicas não conseguiriam se movimentar da forma desejada.
[...] a defesa de uma identidade pode estar associada a uma disputa por recursos e riquezas, no presente ou no passado; e a cobiça material não é, de sua parte, descolável do simbolismo e da cultura (“capitalismo também é cultura”, poderíamos dizer – ainda que uma pobre cultura, deveríamos completar). [...] dependendo das circunstâncias e também do ângulo a partir do qual observamos, uma dimensão particular de fato pode aparecer como imediatamente mais visível ou mesmo relevante, ainda que, mediante todas as dimensões das relações sociais sejam importantes e devam ser levadas em conta na análise (SOUZA, 2013, p. 101).
A geopolítica é então trabalhada de maneira transdisciplinar, conjugando as relações de poder de forma a historicizar os fenômenos espaciais inerentes aos processos estudados e especializando as questões históricas que contrapõem os diversos atores presentes.
A busca pelo entendimento mais amplo dos fenômenos presentes nesse trabalho se faz possível pela posição que o espaço ocupa metodologicamente, trazendo sentido político as diferentes escalas territoriais, como as questões sociais presentes no território das grandes cidades japonesas no período Taisho, nas estratégias adotadas pelo Estado japonês em nível nacional no esforço de se “modernizar”, das mais variadas formas que tal palavra pode significar e a maneira pela qual o Estado-nação japonês, ao tomar o modelo imperialista como base, se projeta perante os demais países do Extremo Oriente.
A busca de novos paradigmas da ciência e o rompimento das barreiras entre as disciplinas – a transdisciplinaridade – parecem hoje tornar-se uma exigência, e o rompimento de barreira entre a Geografia e a Geopolítica numa perspectiva crítica, integrado à natureza holística e estratégica do espaço, pode representar um passo importante nesse caminho, pois que o poder e o espaço e suas relações são, sem dúvida, problemáticas contemporâneas significativas (BECKER, 1988, p. 1).
É importante salientar que, ao compreender e aceitar que as relações imperialistas se davam de maneira politicamente conservadora, através de uma visão simplista do realismo político, isso não implica em se limitar a essa única forma de análise.
Se as ciências humanas, sobretudo a Geografia e a História, se apresentam como multiparadigmáticas, isso se deve ao fator humano, que permite e exige um intrincamento de estratégias metodológicas.
Daí entender que, ao lidar com o Estado-nação, a materialidade marxista precisa ser conjugada com os laços simbólicos demonstrados por Benedict Anderson e as novas visões sobre a multitude, como as de Antonio Negri e Michael Hardt.
A Geopolítica que queremos resgatar é a do reconhecimento sem fetichização da potencialidade política e social do espaço, ou seja, a do saber sobre as relações entre espaço e poder. Poder multidimensional, derivado de múltiplas fontes, inerente a todos os atores, relação social presente em todos os níveis espaciais. Espaço, dimensão material, constituinte das relações sociais e, por isso mesmo, sendo, em si, um poder (BECKER, 1988, p. 3).
Como reiterado por Becker, a geopolítica, como ferramenta de análise, não pode estar rigidamente atrelada a uma única visão científica. A multiplicidade de significados e a potencialidade de análises torna essa ferramenta fundamental para uma análise de relações de poder a níveis nacionais e internacionais, pois, ao partir da visão ratzeliana até as mais recentes propostas autorais sobre o tema, se faz possível tecer uma análise holística de diversos fenômenos.
Negar, portanto, a prática estratégica, seja a das origens da disciplina, seja a teorizada por Ratzel, seja a da Geopolítica explícita do Estado Maior, ou a implícita na pratica dos geógrafos, é negar a própria Geografia, que foi, assim, prejudicada no seu desenvolvimento teórico e na sua função social. E repensar a Geografia envolve necessariamente o desvendar da Geopolítica, sua avaliação crítica e seu resgate, e trazer esse conhecimento para debate na sociedade. Em outras palavras, nesse campo de preocupações, à Geografia caberia a teorização sobre a prática estratégica desenvolvida pela Geopolítica (BECKER, 1988, p. 1).
Para Becker, é possível falar de uma multidimensionalidade do poder, pois, como foi discutido, o poder se manifesta em distintos níveis espaciais. Essa perspectiva acompanha o presente trabalho, sendo levada em consideração juntamente com as tradicionais narrativas usadas para o entendimento histórico das relações internacionais.
Portanto, para compreender a trajetória do objeto estudado, o Japão, se faz necessário partir de uma análise paradigmática da geopolítica, conjugando-a com uma metodologia multiparadigmática. Dessa forma o estudo de conferências, tratados, guerras e outras dinâmicas clássicas envolvendo os Estados estará em primeiro plano, sem perder de vista as consequências sociais e culturais delas.
Se necessário for definir um paradigma para a Geopolítica desde que se constituiu como disciplina, certamente este seria o de realismo, no campo das relações internacionais. Realismo que pressupõe o Estado como unidade política básica do sistema internacional, cujo atributo principal é o poder, em suas dimensões predominantes de natureza militar ideológica e econômica; poder entendido como a capacidade de uma unidade política alterar o comportamento de outro no sentido de fazê-la comportar-se de acordo com seu interesse [...] (BECKER, 1995, p. 273).
A Geografia Crítica é o paradigma, dentro da história do pensamento geográfico, que norteará a pesquisa. É através dela que a materialidade e os simbolismos dos fenômenos tratados serão analisados.
Segundo Machado (2015), entre os conceitos, destaca-se a ideia de espaço socialmente produzido, amplamente trabalhado em Milton Santos é fundamental na elaboração dos trabalhos na área da Geografia Crítica, fazendo uso de categorias como modo de produção, divisão do trabalho e mais-valia. O materialismo torna-se central na visão do espaço, contrastando fortemente com visões como o neopositivismo, rendendo-lhe um aspecto concreto para ser analisado.
A investigação material, em si, passa a ser valorizada, dando atenção a questões sociais antes ignoradas e abrindo todo um novo campo de análises para os geógrafos. Em geral o arcabouço conceitual crítico procurou ir além da descrição da paisagem, tentando entender suas dinâmicas e os processos que levaram a realidade presente, superando a análise das aparências e procurando entender as estruturas de manutenção e mudança da realidade.
As pessoas da Corte eram, com propriedade, chamadas de “Moradores acima das Nuvens”. Porque lá, como em toda parte, o progresso da civilização e da técnica havia acentuado as distinções sociais; a rude igualdade dos tempos do pioneirismo dera lugar à desigualdade consequente ao acúmulo das riquezas e a sua distribuição de acordo com a diversidade de capacidade, caráter e privilégio [...] (DURANT, 1944, p. 562).
Will Durant nos lembra que as distinções sociais são um fenômeno intrínseco a humanidade, uma vez que, a chegada da civilização, torna o ser humano um refém do meio urbano e, dessa forma, tendendo a se especializar para sobreviver em um espaço que exige uma função para cada indivíduo. Marx salienta em seu afamado manifesto que plebeus e patrícios, assim como servos e senhores são os antecedentes dos proletários e dos burgueses, o modelo de produção muda, mas a hierarquização social segue inerente a vida em sociedade.
As divisões sociais e as consequências dela são presentes tanto no exemplo de Durant, quanto no posterior Japão pós Restauração Meiji. A industrialização dividirá os homens nos moldes do sistema capitalista, daí a importância do uso da Geografia Crítica, capaz de desnudar tal sistema e expor as dicotomias geradas por ele.
Para os geógrafos de formação, o aparelho do Estado tem sido, tradicionalmente, um locus de referência discursiva (isto é, objeto de estudo) privilegiado, ainda que indiretamente (Da geopolítica aos efeitos de políticas públicas e projetos estatais sobre a estrutura urbana); além do mais, o Estado tem sido, para eles, o principal locus de construção discursiva [...]. Os ativismos sociais, em particular os movimentos emancipatórios, têm, por outro lado, recebido uma atenção proporcionalmente muito menor. E isso tem uma forte relação com a tradicional maneira de se conceituar o território [...] privilegiando-se o Estado-nação e suas subdivisões político-administrativas [...] (SOUZA, 2013, p. 98-99).
A primazia da análise de parâmetros políticos em detrimento do social e cultural é um aspecto presente na geografia e na história tradicionais. É a partir do uso do materialismo histórico dialético que novas metodologias foram capazes de analisar para além das fronteiras mais conservadoras de tais ciências, oferecendo visões socialmente críticas de fenômenos até então ignorados e, mais tarde, amplamente trabalhados por outros paradigmas focados no aspecto cultural.
As discussões geradas no campo do paradigma crítico são muitas, o urbano, por exemplo, já tem grande tradição e continua em vasto desenvolvimento, procurando entender a realidade espacial a partir da dialética social que gera questões importantes como a gentrificação e a gourmetização dos espaços. Partindo de Milton Santos, também não se pode ignorar o conceito de espaço socialmente produzido, intimamente ligado as teorias urbanas, pois o meio urbano é o local onde a sociedade opera e na qual ficam claras as contradições nas estruturas da sociedade, revelando importantes aspectos da sociedade de classes e das relações de poder.
A crítica ao capitalismo se torna então central, pois a reprodução das desigualdades está no modus operandi do sistema, uma vez que os detentores do poder se beneficiam com as disparidades e tendem a mantê-las, sobretudo, através dos modelos de produção.
A desigualdade extrapola o urbano e parte para regiões inteiras, oferecendo um olhar macro de como o processo capitalista divide e segrega, como pode ser facilmente notado nas disparidades entre as regiões Sul/Sudeste e Norte/Nordeste/Centro-Oeste do Brasil, também se fazendo notar em outros países como a Itália e a dicotomia Sul e Norte, nos EUA com a Costa Atlântica e o Velho Sul, bem como o leste e o oeste alemães, etc.
O materialismo histórico dialético é o método pelo qual as análises marxistas apreendem a realidade. A ênfase prioritária dada a matéria é fundamento essencial a tal pensamento, o materialismo histórico tende a dar mais importância ao mensurável, sem, no entanto, tornar-se quantitativo em demasia. Nesse sentido é a economia a chave para entender as relações sociais, pois é nela que está depositada o centro das atenções capitalistas, hegemônicas e mensuráveis, uma vez que os modelos de produção podem ser compreendidos analiticamente.
Importante não esquecer o aspecto dialético entre a economia e o social, pois um afeta o outro e o marxismo não ignora essa realidade, apenas prefere trabalhar com o mensurável em primeira instância. A dialética também está presente nos aspectos que envolvem a prática e a teoria, pois para Marx, a práxis é o resultado dessas duas forças, ora pendendo mais para uma determinada direção. Por fim, entendendo o mundo pela dialética das relações de produção, já que proletário e burguês são dependentes um do outro e esse é o cerne da visão marxista da realidade. É dessa forma que as relações de poder serão desnudadas em todas as suas camadas, oferecendo ao pesquisador um olhar científico e particular do mundo, amplamente interpretado e atualizado até os dias atuais.
Apesar das potencialidades metodológicas apresentadas nenhum arcabouço teórico é infalível, todos possuem suas limitações, suas próprias armadilhas que devem ser evitadas. Entre elas estão:
A de geógrafos neomarquixistas, que, por sua vez, privilegiam a teorização da Geografia Política à luz do materialismo histórico, mas reduzem o Estado e o espaço a meras derivações do econômico; é o determinismo econômico e, mais uma vez, uma concepção naturalizada e unidimensional do poder (BECKER, 1988, p. 2).
As críticas ao economicismo não podem ser ignoradas em uma pesquisa que se propõe a uma visão heterodoxa do marxismo, portanto o presente trabalho não hesita em fazer uso de teorias fora desse paradigma, porém, entendendo que tal crítica também tem seus limites e o pensamento marxista vem se alterando ao longo do tempo.
Nomes como Perry Anderson, Stuart Hall, Eric Hobsbawn, E. P. Thompson, Samir Amim e tantos outros, estão longe de serem taxados como economicistas, amplamente abertos ao diálogo com outros paradigmas e, até mesmos, dispostos a pôr em xeque dogmas do pensamento marxiano.
[...] o território, ao ser reduzido à sua manifestação como condição de poder estatal – um poder estruturalmente heterônomo, em que o corpo de cidadãos aliena sua soberania menos ou mais voluntariamente, mas sempre sob o efeito de condicionamentos ideológicos -, em particular ao poder estatal na escala do Estado-“nação”, tenha sido “coisificado” (SOUZA, 2013, p. 99).
A mais instigante teoria atual sobre o uso ideológico na construção de um pensamento coletivo acerca do Estado-nação é oferecida por Benedict Anderson, em sua obra “Comunidades imaginadas”, de 1983.
Na construção daquilo que veio a ser conhecido como nação, o imaginário coletivo é o arcabouço principal, daí a importância em criar uma narrativa em que os habitantes de um determinado território, centralizado politicamente, são o mesmo povo e devem estar unidos caso algum grupo de fora de suas fronteiras deseje tomar seu espaço. O Estado é o artífice desse projeto, que em sua violência aniquila culturas ancestrais, aquelas que realmente representam uma determinada terra e que seriam, em um mundo justo, consideradas um patrimônio imaterial inestimável e intocável.
Portanto, o simbolismo preencherá o imaginário coletivo, no intuito de dar sentido ao espaço e, ao fazê-lo, cria um dinamismo que o complexifica, tornando-o político e o historicizando. É neste, agora território, que o Estado exerce o seu poder e onde, de maneira difusa, a sociedade resiste, criando e ressignificando as narrativas simbólicas que a permeia.
As diversas contradições geradas por essa dinâmica, bem como as tentativas homogeneizantes do Estado, são as substâncias que integram o Estado-“nação”.
“Descoisificar” o território não quer dizer, de jeito nenhum, negligenciar a materialidade do espaço. Quer dizer, isso sim, refinar o conceito e conferir-lhe maior rigor, assim enriquecendo o arsenal conceitual a disposição da pesquisa sócio-espacial [...] pode-se admitir que aqui não há nada a perder, a não ser grilhões ideológicos e teóricos. O espaço social é multifacetado, e é sensato aceitar que o território nada mais é que uma de suas facetas (SOUZA, 2013, p. 99-100).
A multiplicidade de teorias explicativas sobre a categoria de império chega a um ponto determinante ao se estudar o fenômeno imperial dos séculos XIX e XX. Aqui é o materialismo histórico que melhor categorizou suas características vitais, inerentemente ligadas ao modelo econômico vigente.
Coube a Lenin ser o mais importante teórico marxista a experienciar e teorizar sobre o imperialismo.
[...] Em 1917, Lénine deu em O Imperialismo, estágio superior do capitalismo, uma interpretação da expansão europeia cujas linhas essenciais são conhecidas: a guerra foi um acerto de contas entre potências capitalistas que tinham atingido um determinado estágio de desenvolvimento (o estágio – imperialista – definido como aquele que surge quando o capitalismo – industrial – e o capitalismo – bancário – se fundem num capitalismo – financeiro -); a penetração dos imperialismos nos países colonizados ou semicolonizados desestruturou fortemente as antigas sociedades indígenas, pês fim –ao milenar isolamento agrário- e despertou a consciência nacional dos povos oprimidos. [...] o capitalismo passará doravante a encontrar resistência nas suas relações com o mundo colonizado e essa resistência será cada vez maior. [...] (MILZA, 2007b, p. 31-32).
Os fatos históricos reforçam os argumentos de Lenin, tendo as potencias imperiais “atrasadas” desafiando os tradicionais impérios europeus e o capitalismo financeiro demonstrando sua principal característica, os monopólios, diretamente ligados a política neocolonial de então.
Coube ao líder soviético retirar o seu país da Primeira Guerra Mundial, pois independente da União Soviética ser ou não um império, ela certamente não se adequava a posição imperialista. Não fazia sentido manter os compromissos geopolíticos dos tempos czaristas, para Lenin, o sucesso de qualquer um dos lados envolvidos, seja a Tríplice Aliança ou a Tríplice Entente, em nada trará de ganhos para o proletariado, portanto Moscou decide-se pela neutralidade face ao conflito.
[...] Lênin não apenas emprega o léxico crítico que se tornaria próprio da Esquerda (dominação, monopólio, exploração), como faz uso do termo império como metáfora, ou seja, se apropria de uma idéia de império bastante comum na qual os impérios são considerados como gigantescos centros de poder e autoridade, para se referir a um fenômeno capitalista particular, transferindo, desta forma, a autoridade e poder de facto do imperator romano ao tipo de relação existente entre os países capitalistas e suas colônias (AREND, 2006, p. 160).
Os pensamentos marxiano e marxista serão os principais no entendimento do imperialismo, pois debruçam-se sobre como a expansão capitalista se dá através de necessidades políticas e econômicas. Essa escolha ocorre pela concordância em ver que essa é mais uma fase de um sistema econômico que se faria hegemônico através da conquista da África e da Ásia, que até então resistiam culturalmente ao eurocentrismo, assentados na continuidade de suas histórias, realidade negada aos povos nativos das Américas.
A monumental obra de Marx, em seu conjunto, e os trabalhos de John Hobson e V. I. Lênin inspiraram novas pesquisas e consolidaram as bases para a crítica da economia política no plano internacional. O que há de mais atual e válido nestas teorias é o fato de serem excelentes interpretações dos mecanismos de exploração e de expansão do capitalismo. Ora, se o que concebemos hoje como pós-modernidade é pensado como uma nova condição ontológica tornada possível, em grande medida, pelo capitalismo, como poderíamos deixar de estudar e ler a extensa obra marxiana e suas derivadas que interpretaram as estruturas do capitalismo de forma bastante coerente e densa? Ler Marx e seus intérpretes, bem como suas considerações sobre os mecanismos do imperialismo, mostra-se mais atual do que nunca. De fato, alguns importantes intérpretes da pós-modernidade como Michael Hardt, Antonio Negri, Gilles Deleuze, Félix Guatari, Frédric Jameson e David Harvey perceberam as importantes contribuições dos estudos marxianos e marxistas e a inevitabilidade de suas considerações para a compreensão da condição humana atual. As limitações do termo “imperialismo” conforme adotado pelas esquerdas e suas relações com o conceito de império são, no entanto, uma outra questão (AREND, 2006, p. 160).
Novas interpretações de cunho marxista tem renovado o debate sobre impérios e imperialismos. Antonio Negri e Michael Hardt tem realizado uma contribuição seminal sobre o tema, porém, suas análises são mais precisas em relação ao mundo pós-segunda guerra mundial, apesar de também poderem ser usadas de modo instigante ao imperialismo difuso praticado pelos Estados Unidos, num primeiro momento em relação ao continente americano e mais tarde estendido a todo o mundo.
Mais recentemente a teoria dos impérios ganhou uma terceira interpretação acadêmica. Em Império (2001), o professor norte-americano de literatura comparada Michael Hardt e o fi lósofo italiano Antonio Negri falam de um novo tipo de soberania global, um poder não territorial, que não se identifi ca com o estado-nação histórico, nem tampouco com um tipo defi nido de ideologia. Eles estudam um poder global pós-moderno que dilui todas as fronteiras justamente por estar, ele mesmo, em todos os lugares e em lugar algum. Este poder global é, precisamente, o que eles denominam Império (AREND, 2006, p. 158).
Como a Geografia se caracterizada como uma ciência multiparadigmática ela permite ir além dos principais interesses de investigação dos métodos citados, dessa forma, além das questões econômicas, políticas e militares, a pesquisa também abordará os aspectos sociais e culturais presentes no recorte temporal selecionado.
Os nomes japoneses serão apresentados no estilo ocidental, ficando o nome de família por último, no intuito de seguir o padrão histórico que nos apresenta indivíduos de grande importância, como ocorre, por exemplo, com os escritores nobelizados Yasunari Kawabata e Kenzaburo Oe, os cineastas Akira Kurosawa e Yasujiro Ozu, além de figuras políticas como Hideki Tojo e Shinzo Abe.
Serão utilizadas as medições temporais AEC e EC em substituição aos usuais AC e DC, pois, além de serem menos eurocêntricas, não faria sentido usar termos com conotações cristãs em um trabalho que lida com diferenças culturais.
O uso dos termos feudalismo e Japão feudal, amplamente utilizados pela historiografia ocidental para caracterizar os bakufus dos clãs Kamakura, Ashikaga e Tokugawa foi evitado por questões de discussão historiográfica, uma vez que esses termos descaracterizam os períodos estudados, diminuindo o olhar sobre suas especificidades em prol de uma homogeneização eurocêntrica do tempo histórico e dos fenômenos políticos.
Yamashiro, um autor incontornável no estudo em língua portuguesa sobre o Japão, faz uso do modelo feudal para caracterizar o estado político do Japão durante os setecentos anos de domínio dos xogunatos. Sua profunda leitura de Will Durant não o desestimulou a fazer comparações com a Europa feudal. Durant, que empreendeu profundo estudo sobre as civilizações ao longo da história, dedica a primeira obra do seu ambicioso empreendimento historiográfico civilizacional intitulado “A História da Civilização” ao estudo do Oriente. Em “Nossa Herança Oriental”, Will e Ariel Durant mostram-se atentos aos perigos do eurocentrismo, chegando a categorizar a Europa como uma “península da Ásia” e criticando o espaço diminuto dado a história do Oriente. Apesar disso o uso do termo feudalismo é utilizado, mas com maior rigor acadêmico do que em Yamashiro.
Novos olhares sobre as relações entre o Ocidente e o Oriente nasceram a partir dos trabalhos de Edward Said, seu seminal “Orientalismo” causou grande impacto científico e abriu uma nova frente de discussão sobre o eurocentrismo. A partir dessas discussões, que se estendem até o tempo presente, é que se assenta a escolha de evitar o uso do termo feudalismo e, da mesma forma que autores contemporâneos como Emiliano Unzer Macedo, preferir focar nas diferenças ao invés das semelhanças entre o Japão dos xogunatos e a Europa feudal.
Caracteriza-se, portanto, o regime feudal, pela existência da relação de suserano e vassalo, divisão de classes tendo como base a produção da terra, da qual dependem todos: o senhor distribui certas áreas a seus cavaleiros e estes, comandando seus camponeses e outros trabalhadores, contribuem para a manutenção de feudo, além de prestar o serviço das armas (YAMASHIRO, 1964, p. 73).
O termo fascismo japonês foi preterido, em seu lugar optou-se pela expressão Nacionalismo Showa, procurando dar ênfase as especificidades que o fenômeno de origem europeia assume em território japonês.
A relevância de um estudo sobre o Japão, para além do conhecimento sobre fenômenos importantes como o imperialismo, o neocolonialismo e o nacionalismo, recai sobre o fato desse país ainda se encontrar em uma posição de destaque no cenário internacional. Sendo um gigante econômico e político, o Japão começa a mudar a sua visão pacifista em relação aos tempos pós Segunda Guerra Mundial, procurando também estabelecer-se como potência militar na contemporaneidade.
Questões como as relações com a Coréia e a China são altamente explosivas, causando embaraços nas complexas relações geopolíticas estabelecidas entre essas nações. A posição japonesa como o principal ator no Extremo Oriente a contrabalancear o poderio crescente da China coloca os japoneses em uma posição delicada, além de deslocá-los diretamente ao centro da arena geopolítica.
“Para todas essas questões se faz fundamental entender o passado do Japão, seu papel histórico como um ator político de grande importância no Leste da Ásia é a chave para a compreensão da geopolítica no Extremo Oriente.” (CHESNEAUX, 1976, p. 1)
Espera-se que, para além de provar a capacidade de realizar uma pesquisa de fôlego que garanta o grau acadêmico desejado, esse trabalho seja capaz de enriquecer a literatura existente sobre os temas em que se debruça, aproveitando as possibilidades ofertadas pelo farto acesso a fontes na atualidade e entendendo as limitações geradas pelas distâncias espaciais e culturais, além das restrições inerentes ao modelo de uma monografia em um curso de graduação.
3. O REFORMISMO CONSERVADOR DO PERÍODO MEIJI (1868-1912)
3.1. Antecedentes imperialistas e os alicerces da civilização japonesa
Para compreender o processo de transformação do Japão em uma potência imperialista é necessário analisar os fundamentos dessa civilização, pois eles são os responsáveis por caracterizar a excepcionalidade histórica e geográfica em que se tornou esse país.
Entre os fatores mais importantes para compreender as bases do Japão imperial estão o longo processo de centralização política, o que inclui a complexa posição ao qual a casa imperial e os demais clãs ocupavam na história japonesa; o prolongado domínio militar dos xogunatos; a profunda influência exercida pela cultura chinesa; além da dinâmica intensa e intermitente estabelecida com os povos do ocidente.
Da Reforma Taika a Restauração Meiji temos os alicerces do Japão imperial, suas fundações serão reformadas, mas não deixarão de sustentar essa civilização milenar.
Para compreendermos como se constrói uma superpotência econômica, não basta analisar apenas o seu desenvolvimento econômico. [...] o esforço do Japão para obter a supremacia econômica não pode ser separado do seu esforço, antes da guerra, para obter a supremacia militar, nem do seu esforço, no século XIX, para se modernizar e se tornar uma potência imperialista mundial, nem sequer das suas grandes ambições, no século VII, para ser realmente considerada uma nação civilizada. É imprescindível considerar, nas suas grandes linhas, a evolução histórica do país (HENSHALL, 2014, p. 7).
É no Período Kofun que tem início o longo e intermitente processo de centralização japonês, a partir do advento do Estado Yamato, em torno do clã homônimo. As influências culturais chinesas, por intermédio do poderoso clã Soga, chegam até a corte, com a promoção do budismo e do confucionismo pela casa real Yamato, além da adoção da escrita chinesa.
A fragmentação do poder será uma característica do Japão até 1868. Mesmo em momentos de lideranças fortes, como o período governado pelos Tokugawa, a dispersão de lideranças se fará presente na política nacional. Uma série de clãs se sucederá na posição de influência direta do trono imperial, como ocorre com os Soga, Fujiwara, Taiga e Minamoto.
Macedo (2017, p. 16) indica que já por volta do século VI os Yamato começam a receber tributos de lideranças regionais. Portanto, mesmo diante da impossibilidade de manter um poder centralizado, a casa real já goza de certo prestígio, garantindo alguma forma de coesão na arena política japonesa.
Também no século 6º., o nascente Estado Yamato decidiu adotar o budismo como forma de legitimação ideológica e centralização política e religiosa. Isso decorreu da iniciativa de uma prestigiosa família, a de Soga, de ancestralidade coreana do reino de Baekje, que se uniram em matrimônio com a família imperial e buscaram perseguir qualquer forma de culto animista e xamanista na corte japonesa. Sabemos que, ao final desse processo em 587 d. C., o governo imperial começou a endossar e apoiar as construções e cultos budistas nos seus domínios (MACEDO, E. U. 2017, p. 16).
Coube aos Soga implementar aspectos culturais coreanos e chineses na corte japonesa, tecendo uma estrutura burocrática aos modos dessas civilizações. Outra importante estratégia diz respeito a alegação de descendência divina para o clã Yamato, traçando sua trajetória até origens mitológicas, mais precisamente na deusa Amaterasu (MACEDO, 2017, p. 17).
A ideia de conectar a monarquia ao divino foi amplamente aplicada ao redor do mundo, sendo os faraós egípcios um exemplo notável dessa estratégia. Na Europa o imperador romano era o chefe da religião de Estado e tinha a tarefa de protegê-la, porém foi só na Idade Média que uma ligação mais transcendental foi traçada entre os governantes e o divino no contexto europeu.
Em “Os Reis Taumaturgos”, o medievalista Marc Bloch relata que os monarcas da Inglaterra e da França faziam uso da taumaturgia com o intuito de legitimar seus governos, através de uma ligação com o divino. As dinastias de Tudor, na Inglaterra e os Capetíngios e os Valois na França fizeram extensivo uso da cura pelo toque real.
Em “Os dois corpos do Rei”, o historiador Ernst Kantorowicz demonstra que os teólogos do medievo foram capazes de criar uma narrativa onde o corpo do rei continuava a ser simbolicamente importante mesmo após a morte, levando a sua existência para além do secular.
Mecanismos diversos, que vão desde o dom de curar enfermidades até o estabelecimento de um corpo divino ao lado de um corpo político, foram usados para legitimar governantes e suas dinastias. No Japão não foi diferente, os monarcas também necessitaram da criação de narrativas que flertassem com o transcendental, fazendo deles muito mais que atores políticos, mas seres deificados em vida.
Os mitos do Japão antigo foram registrados pela primeira vez no século VII, aparecendo como Kojiki (Registro das Coisas Antigas) em 1712, e Nihongi ou Nihon Shoki (Crônica[s] do Japão), em 720. Foram iniciados pelo imperador Temmu, que pretendia legitimar a supremacia da família imperial, atribuindo-lhe origem divina (HENSHALL, 2014, p. 9).
A ligação da casa imperial Yamato com os seres ancestrais da mitologia japonesa, supostamente iniciada com Jimmu, o primeiro imperador do Japão, mostrou-se altamente eficiente, sendo essa a dinastia, em todo o mundo, a ocupar por mais tempo consecutivo um trono real. A obediência e o respeito advindos dessa mescla entre o secular e o atemporal fez os monarcas resistirem até nos momentos de maior desagregação do território japonês, dando um último sinal de sua importância já no final da Segunda Guerra Mundial, quando a figura do imperador foi protegida a todo custo, livrando-o de um julgamento pelos crimes de guerra cometidos pelo Japão Imperial.
A figura do príncipe Shôtoku (574 - 622), filho por parte maternal dos Sogas e segundo filho do imperador Yômei (r. 583 - 587) foi influente ao trazer as influências chinesas para a corte imperial japonesa. Shôtoku foi regente sob o reino de Suiko, e promoveu ativamente o budismo pelo reino, com a construção de templos e da escrita e filosofia chinesa. Foi responsável por reordenar o sistema de governo tornando-o mais centralizado, e encorajou a ordem, harmonia e lealdade diante da autoridade legítima e divina imperial, tudo de acordo com os preceitos do confucionismo (MACEDO, E. U. 2017, p. 17).
Segundo Yamashiro (1964, p. 23) a narrativa em torno da ascensão dos Yamato está muito mais apoiada na mitologia do que na história. Até o fim da Guerra no Pacífico, em 1945, seguida da implantação da nova constituição, a história relatada ao povo japonês era indistinguível dos mitos fundadores do país.
A fundação da dinastia no século VII AEC era a história oficial do Japão, balizada em fontes míticas tal narrativa ajudou na construção do simbolismo criado em torno da Casa Real Yamato. “[...] historiadores atuais apontam "fraude" oficial na interpretação de dados históricos, a fim de dar maior duração a uma dinastia que [...] só teria começado pelo século IV da nossa era. Segundo os historiadores [...] a coroação de Jimmu-Tenno se deu depois do ano 300 A.D.” (YAMASHIRO, 1964, p. 23)
A unidade da religião e do governo, existente no começo da formação da nacionalidade, é um fato de muita importância para a compreensão da história japonesa. Aí reside, provavelmente, uma das razões porque, durante tantos séculos, se manteve uma única dinastia, muito embora o seu poder temporal tenha sofrido oscilações violentas, e, algumas vezes, sido reduzido a zero. No entanto, mesmo quando os "bakufu" enfeixavam o poder absoluto em suas mãos, não quiseram ou não tentaram derrubar o trono. Porque, com toda a certeza, os próprios caudilhos militares compreendiam a impossibilidade de destruir uma dinastia que representava o centro do culto religioso nacional, quando não também o supremo órgão político da nação (YAMASHIRO, 1964, p. 27-28).
As fontes oficiais sobre a criação do Japão e o nascimento dos ocupantes do trono imperial estão em obras míticas como o Kojiki ("Anais das coisas antigas") e o Nihonshoki ("Crônicas do Japão").
Assim como na Roma Antiga, os mitos serviam de maneira a criar uma coesão interna, nesse caso com a história do nascimento de Roma, através dos irmãos Rômulo e Remo, descendentes tanto do mitológico Eneias de Troia, como do próprio deus Marte, história imortalizada na obra Eneida, do poeta romano Virgílio. Também o Estado romano era diretamente ligado a religião, tendo no imperador o protetor da religião organizada romana. Por fim, vale lembrar o amplo aspecto do sincretismo religioso presente em Roma, demonstrando que tal estratégia era altamente eficiente até o aparecimento das religiões abraâmicas, que a despeito de também tomarem para si elementos religiosos de diversos credos, tendiam a rechaçá-los abertamente através de processos como a demonização de divindades pagãs.
[...] Na antigüidade, havia uma perfeita união do governo com a religião (shintoista). Estado e Igreja constituíam uma unidade ("Saisei-Itchi"). Nessas circunstâncias, muitas vezes as ofertas de caráter religioso eram recebidas pela coroa como contribuição ao trono. Até o tempo do imperador Suijin [...] o palácio real era, também, a sede religiosa do país. Mesmo depois, durante muito tempo, não havia diferença entre os bens do Estado e do templo. Somente no remado de Fukuchu Tenno (17.° imperador ) fêz-se a separação da Tesouraria do templo dos cofres do Estado (YAMASHIRO, 1964, p. 27).
A principal influência externa vinha da China, ela era considerada o modelo civilizacional ideal e suas contribuições para os fundamentos do que hoje é o Japão são extensas e duradouras. Da dinastia Han vieram os kanji, caracteres chineses que dariam origem aos silabários hiragana e katakana. Também o confucionismo e o budismo adentraram no Japão, mesclando-se de forma definitiva nessa sociedade e tornando-se um fator fundamental para interpretar a sua história.
[...] A doutrina do sábio chinês (Confúcio - Koshi, em japonês) teve grande divulgação e seus efeitos foram duradouros. Muitos coreanos e chineses emigraram para o Japão onde fixaram residência e deixaram numerosa descendência. Com eles foram transmitidas as artes da criação do bicho da seda, tecelagem, costura, ferraria, etc. A corte recebia de bom grado os elementos estrangeiros, e dava funções importantes àqueles que tinham real valor, permitindo que os mesmos desenvolvessem plenamente suas faculdades. Muitos se naturalizaram japoneses e contribuíram de modo notável ao progresso cultural do país. Com o acréscimo de novas culturas melhoraram as condições de vida e o país se beneficiou dessa política de introdução e assimilação de estrangeiros (YAMASHIRO, 1964, p. 30).
Segundo Henshall (2014, p. 29) Os Soga perceberam no Budismo um instrumento para a criação de uma religião de Estado, aumentando o poder que já exerciam sobre a família imperial. Se a instrumentalização dos mitos ancestrais para revestir os Yamato de uma aura divina servia para legitimar o trono de crisântemo diante do povo, o budismo daria a chance de controlar o próprio monarca como já vinham fazendo através, por exemplo, de casamentos.
Em 522, o Budismo, que entrara na China quinhentos anos antes, passou-se para o Japão em rápida conquista. Dois elementos confluíram para dar-lhe vitória: as necessidades religiosas do povo e as necessidades políticas do Estado. Porque não foi o verdadeiro budismo que veio, agnóstico, pessimista e puritano, mas o budismo mahayana dos deuses amáveis como Amida e Kwannon, de sedutor cerimonial e de imortalidade pessoal. E, melhor ainda, esse credo incul-cava, com irresistível graça, todas as virtudes da piedade, do pacifismo e da obediência, que tanto ajudam aos governos; dava aos oprimidos tais consolações, que os reconciliavam com a vida, e fornecia ao povo aquela unidade de sentimento e fé em que os estadistas vêem a fonte da ordem social e da força nacional (DURANT, 1944, p. 561).
As sucessivas mudanças em torno dos clãs que orbitavam a família imperial também atingiram os Soga, eles foram sucedidos pelo influente clã Fujiwara, o que acarretou em grandes mudanças políticas e culturais, levando a consequências históricas determinantes para o Japão no Período Asuka.
“[...] Grandes famílias, como os Fujiwara, os Taira, os Minamoto, os Sagawara, elevavam e derrubavam imperadores, lutando entre si à semelhança das poderosas famílias do Renascimento italiano [...]” (DURANT, 1944, p. 562).
Em 645 a importante Reforma Taika consolidou a influência cultural chinesa no Japão, aspectos do confucionismo foram centrais para a realização de uma reforma agrária, seguida de transformações estruturais duradouras, como uma maior centralização política baseada na figura do imperador, assentado em um sistema político burocratizado e estruturado em estilo chinês.
[...] na China havia desaparecido a dinastia de Sui e em seu lugar surgira, próspera e forte, a dinastia de Tang (To ou Kara). O Japão enviou emissários ao reino continental ("kentôshi"), estabelecendo intenso intercâmbio comercial e cultural. Entre os homens que haviam visitado a China ou tido conhecimento do seu adiantamento, não eram poucos aqueles que desejavam introduzir o sistema político aperfeiçoado do grande império, a fim de reformar o governo do Arquipélago. O príncipe Nakano-Oye foi o planejador e executor dessa idéia (YAMASHIRO, 1964, p. 34).
O envio de pessoas para a China com o intuito de trazer informações sobre os mais variados aspectos daquele país é mais uma prova da importância dada ao colossal vizinho, tendo-o como um modelo a ser seguido. A escrita e as religiões dominantes em território chinês seriam fortemente adotadas, abrindo caminho para a descoberta das mais variadas formas de arte chinesa, além da expansão acentuada do budismo e do confucionismo.
Segundo Yamashiro (1964, p. 34) o imperador Shotoku adotou o budismo e o difundiu amplamente pelo Japão, favorecendo a construção de templos e mesmo escrevendo sobre ele. As artes e os estudos clássicos chineses ganharam amplo espaço e se tornaram o referencial cultural para os japoneses.
Essas reformas todas se pautaram nas ideias chinesas confucianas e legalistas, referidas na história japonesa como ritsuryô (ritsu, 律, “sanções penais”, e ryô, 令, “instruções e normas para os oficiais do governo”). Foi, juntamente com a Reforma Taika, a primeira sistematização administrativa e jurídica no Japão que permitiu o estabelecimento do Estado dos Yamatos sobre uma população estimada em cinco milhões de súditos em meados do século 7º (MACEDO, E. U. 2017, p. 17).
Até esse momento as capitais japonesas eram trocadas constantemente, sempre sendo localizadas nas cidades onde o imperador residia. A influência chinesa, sobretudo do confucionismo foi fundamental para a mudança dessa prática, isso foi politicamente efetivado com o Código Taiho, que passou a estabelecer uma capital fixa para o Japão, sendo a cidade de Nara a escolhida, dando nome ao período homônimo.
O Japão passa a entrar em uma nova era, mais unido do que no passado, mas ainda longe de uma real unificação. A descentralização política é um reflexo da geografia insular japonesa, sendo divido em milhares de ilhas o território japonês possui quatro núcleos de maior importância, devido tanto a suas dimensões quanto a sua demografia. As ilhas de Shikoku, Kyushu, Hokkaido e Honshu se destacavam do restante do arquipélago, suas barreiras e limitações geográficas também limitavam politicamente a casa imperial, favorecendo um sistema de poder diluído em diversos núcleos regionais, impedindo naquele momento uma unificação completa do país.
A nação começou a se consolidar em fins do século 6º., em torno de uma ideia unificada, o reino do Sol Nascente (Nihon ou Nippon, 日本), e deixou de gradativamente de ser referida como Wa. Mas isso, todavia, não foi aceito por absolutamente todos das ilhas japonesas, pois muitas entidades políticas, clãs, grupos e famílias encontravam-se distantes demais da capital e da região meridional japonesa, como aqueles habitantes de Hokkaido, que tinham raízes étnicas diversas, os ainos, e praticavam um meio de vida pautado essencialmente na caça e coleta. Mas a estrutura do Estado Yamato já se encontrava erguido, e assim foi legitimando, como narrado nas crônicas Kojiki (711 - 713 d. C.) Nihongi (720 d. C.), o poder imperial em torno dos mitos das origens e linhagem dos Yamatos (MACEDO, E. U. 2017, p. 18).
As políticas implementadas pelos Soga, em torno da ideia de divindade para o imperador e a instrumentalização do budismo, juntamente com a administração dos Fujiwara, com a inserção de políticas confucionistas da China, apesar das limitações geográficas, foram capazes de forjar uma ideia de país no pensamento coletivo dos japoneses. Era com essas transformações que o Japão passaria pelo Período Nara.
[...] com a fixação na cidade de Nara, houve uma concretização urbana planejada, pautada nos planos confucianos inspirados na capital chinesa de Changan da dinastia Tang (618 - 907), atual Xian. Nara foi sede não somente do governo mas também de templos budistas, encorajado pelo líder político mais poderoso da época, Fuhito no Fujiwara (659 - 720). Como símbolo maior do budismo na nova capital, foi erguido um dos maiores templos de madeira do mundo, o Tôdai-ji (“Grande Templo do Leste”) em 728, com uma imensa estátua de bronze de Buda [...] (MACEDO, E. U. 2017, p. 17 - 18).
Apesar da importância de possuir uma capital fixa que estimulava a urbanização, a família imperial não progrediu muito durante esse período, sendo limitada a cerimoniais religiosos e servindo de instrumento político para a coesão nacional. A disputa entre clãs ainda estava no centro da dinâmica política japonesa, com os Fujiwara ainda dominando a corte, mas já possuindo rivais com capacidade para enfrentá-los.
A influência chinesa foi marcante principalmente nesse meio cortesão japonês. Mas nem tudo era assimilação indiscriminada. O sistema hierárquico e dos símbolos de status expressados nos adornos e chapéus, introduzidos pelo príncipe Shôtoku, baseou-se em princípio na China. Mas houve uma mudança nesse sistema, na prática, durante o período Nara, pois não era determinado o status do indivíduo pelo mérito apenas, mas também condição herdada pela sua família. Em outras palavras, o sistema japonês não incorporou muito bem a meritocracia chinesa, e visou preservar mais os privilégios e influência das famílias poderosas da época (MACEDO, E. U. 2017, p. 19).
As influências chinesas não foram, portanto, assimiladas de maneira desordenada. Assim como já havia a ideia de um Japão, com território, povo e cultura estabelecidas, também existia um apreço pelos aspectos nativos na ordem estabelecida social e politicamente.
O sistema de escrita japonesa teve uma forte carga de influência dos chineses. Isso já é demonstrado nas obras do século 8º., como no Konjiki, mas também em obras poéticas escritas por mãos da corte, como o Manyôshu( 万葉集, “Coleção das Dez Mil Folhas”) de 759, esta a mais antiga coleção de poemas nativos japoneses. Os códigos jurídicos, como o Código de Taihô de 703, também seguiram os determinados pelos confucianos chineses, embora no Japão as sanções e castigos fossem mais brandos e tolerantes [...] Nesses códigos japoneses, o mandato do imperador era considerado sagrado, como o “Filho do Céu”, mas, ao contrário do chinês, o imperador não poderia ser objeto de escrutínio pelas suas virtudes e juízos. Ademais, as mulheres japonesas, ao contrário do sistema chinês, poderiam assumir cargos religiosos e de comando, a basear-se na sua linhagem familiar (MACEDO, E. U. 2017, p. 19).
É justamente com a China que o Japão mantém as principais relações externas durante o Período Nara. Segundo Macedo (2017, p. 22) a cada vinte anos missões diplomáticas eram enviadas pelo governo em Nara para a China, estudantes japoneses eram enviados para estudos e chegaram até mesmo a ser bem-sucedidos no sistema burocrático chinês da dinastia Tang.
“Muitas vezes a comitiva dos emissários compreendia mais de quinhentas pessoas, inclusive estudantes. Eles embarcavam em navios que partiam de Naniwa (atual Osaka) [...] e, atravessando o Mar da China oriental, atingiam o continente.” (YAMASHIRO, 1964, p. 44).
A proximidade geográfica também levou o Japão a ter contato com o Reino de Silla, que futuramente seria unificado no Reino da Coréia, porém as disputas regionais entre as entidades políticas na península coreana acarretaram em problemas diplomáticos que afastaram coreanos e japoneses durante o final desse período.
Com a expansão do budismo, aperfeiçoou-se a técnica de fabricar objetos de arte que adornam os templos. As construções de Shoso-in (museu imperial) e Sangatsudô, ainda existentes em Nara e os tesouros e Budas nelas guardados, mostram como estava adiantada a cultura japonesa daquela época. Na verdade, a arquitetura nipônica da época atingira um nível elevado, mesmo encarada do padrão mundial dos dias de hoje. Tanto na arquitetura como na escultura, de caráter puramente budista, foi enorme a contribuição dos artistas chineses e coreanos ou naturalizados. Já nesta época havia artistas nacionais bastante talentosos, mas ainda se fazia sentir a influência do continente (YAMASHIRO, 1964, p. 44).
Enquanto o Japão passava pelo Período Nara a China da dinastia Tang, devido a sua posição continental, estendia a sua influência por uma larga região da Ásia. Um intenso intercâmbio comercial e cultural aflorou entre os chineses, os persas e os árabes, esses últimos em plena ascensão sob a égide do islamismo. Historiadores como o israelense Yuval Harari tem defendido que o imperialismo foi um importante instrumento de contato entre culturas distantes, porém já existiam diversas formas de ligações entre povos geograficamente longínquos. Os contatos com a China e a Coréia levaram aspectos culturais dessas regiões distantes para o Japão em uma época anterior ao imperialismo neocolonial.
Mais para o Ocidente ficava a poderosa Arábia, com a qual Tang mantinha intercâmbio cultural e comercial. Desse modo, as culturas avançadas da Arábia e Pérsia também foram introduzidas na China, e, por intermédio desta, no Japão. As indústrias e artes da época de Tempyô tiveram, assim, um colorido todo especial, sob as influências chinesa, indiana, persa, árabe e coreana (YAMASHIRO, 1964, p. 45).
Diversos aspectos de culturas estrangeiras chegaram ao Japão nessa época, eles foram assimilados e sofreram alterações para se adequar a realidade dos japoneses. Somente no distante Período Nanban houveram grandes distúrbios em relação a aspectos culturais estrangeiros sendo disseminados no arquipélago, essa tensão se estenderia até o isolamento quase total com a política do Sakoku, mas até esse momento o Japão experiência a chegada de elementos estrangeiros de maneira contínua.
[...] o período de Nara caracterizou-se por um fulgurante surto cultural na metrópole. Grandes templos e monumentos bem como objetos de arte surgiram em Nara. Com a reforma de Taikwa, desapareceu o regime de clãs e surgiu um estado centralizado. A unidade econômica era a família (ko). A coroa, os templos e os proprietários particulares constituíam cada qual um ko, unidade econômica estribada no trabalho dos escravos. Continuava, ainda, a economia da terra, e, em princípio, auto-suficiente. O direito de propriedade das terras passou dos clãs para o imperador e, em resultado da lei de distribuição de terras ("Handen-no-hô"), o usufruto passou para as famílias (ko) (YAMASHIRO, 1964, p. 45).
O sincretismo religioso japonês, característica histórica desse país, foi possível devido ao interesse imperial, tanto para aumentar a sua influência quanto para se aproximar do modelo civilizacional chinês.
Para Henshall (2014, p. 29) os imperadores perceberam no budismo uma chance de ampliar seu poder político, servindo como uma espécie de modelo ideológico com capacidade para trazer maior coesão ao seu fragmentado país. Ele ainda ressalta que aos olhos da população o Japão ganhava certo grau de dignidade, uma vez que que essa religião provinha da China.
O Período Nara é sucedido pelo Período Heian, cuja capital será a cidade de Quioto, que manterá a capitalidade por mais de mil anos. A mudança não era apenas simbólica, ela representava uma real alteração nas intenções políticas imperiais, afastando-se do centro político onde o imperador era uma figura cerimonial e inaugurando uma nova corte onde, esperava-se, fosse capaz de exercer sua autoridade.
Por volta do ano de 781, Kanmu (737 - 806) subiu ao Trono do Crisântemo como o 50º. imperador Yamato. A primeira grande mudança do imperador foi a mudança da capital para Heian-kyô (Kyôto, doravante Quioto), em 794 [...] O imperador assim o fez não somente para fortalecer sua autoridade imperial sobre as intrigas da antiga corte, como também a procurar uma melhor localização geopolítica (MACEDO, E. U. 2017, p. 22).
Os planos imperiais fracassaram, pois esse período é marcado pelo apogeu dos Fujiwara na corte imperial, arranjando casamentos e distribuindo cargos para aumentar o seu prestígio. A influência dos clãs foi reafirmada com o aparecimento dos Shoen, grandes propriedades privadas de terra controladas pela nobreza. A má administração econômica do setor agrário foi um dos motivos da queda dos Fujiwara e a ascensão da classe samurai.
[...] o controle imperial sobre as províncias nos séculos 9º. e 10º., quando muito, era tênue, pautado mais em alianças com famílias latifundiárias locais do que uma efetiva imposição política centralizada tal como preconizada pelo sistema do ritsuryô. Em geral, assim se estabeleceu a ordem política Heian, assegurando a sucessão imperial através da hereditariedade com os assuntos governamentais nas mãos de famílias conjugadas de influência na corte como os Fujiwaras (MACEDO, E. U. 2017, p. 22-24).
A influência chinesa ainda era decisiva nesse período, servindo de referência desde a política até a arquitetura. “Inicialmente, o novo período Heian [...] continuou sob a influência da cultura de Nara, pois a nova capital foi planejada de acordo com o padrão urbano da capital chinesa, Chagan, como foi Nara, mas em escala maior.” (MACEDO, E. U. 2017, p. 23).
Duas tendências podem ser notadas a partir desse momento, uma delas é a continuidade da centralização política, dessa vez nas mãos dos clãs dominantes, notadamente os Fujiwara. Também já se nota uma inclinação ao isolacionismo, segundo Macedo (2017) a dinastia chinesa dos Tang, tão influente em diversos aspectos até aquele momento, passa a influenciar cada vez menos a política japonesa, fato que pode ser notado com o fim das missões oficiais em direção a China.
No reinado do esclarecido Daigo (898-930), o Japão continuou a absorver e a rivalizar a cultura da China, que alcançara um dos seus apogeus sob os T'ang. Havendo tomado a religião do Reino Médio Chinês, os nipônicos estavam fazendo o mesmo com o vestuário e o desporto, a cozinha e a escrita, a poesia e os métodos administrativos, a música e as demais artes, os jardins e a arquitetura; até as belas capitais de Nara e Quioto eram imitações de Ch’angan. Mil anos atrás o Japão importava a cultura chinesa, como modernamente importou a europeia e a americana: primeiro com precipitação; depois com discriminação; ciosamente conservando o espírito próprio e o caráter, e adaptando os novos meios aos velhos fins. (DURANT, 1944, p. 563).
O aprofundamento do sistema baseado nos shoen veio a desequilibrar a balança de poder do período Heian, gerando uma fragmentação política que levará novos clãs a disputarem influência em torno do trono de crisântemo. Dois clãs se destacam nesse momento, são eles os Tairas e os Minamotos.
[...]os elementos influentes começaram a tomar posse de grandes glebas ("shoen") de terra. O poderio dos Fujiwara provinha, em parte, da circunstância de eles arrecadarem vultosos impostos dos arrendatários do seu latifúndio. A realeza procurou, por todos os meios, impedir a formação de "shoen" e diminuir a influência perniciosa dos grandes proprietários, mas nada conseguiu devido à força conquistada pela aristocracia. Esta veio como que restabelecer o antigo regime de clãs, sob outra roupagem (YAMASHIRO, 1964, p. 55-56).
Segundo Macedo (2017, p. 28) a medida que famílias influentes, como os Fujiwara, aumentavam o seu poder, a autoridade imperial foi diminuindo. As bases dos futuros governos dos Xoguns começam aqui, tendo o imperador se tornado efetivamente figurativo, incapaz de organizar mobilizações militares e arrecadar impostos.
A fragmentação política favoreceu o aparecimento de forças de combate em torno dos clãs latifundiários, sendo esse o surgimento da classe samurai, que com o tempo acumulou mais poder e, por fim, acabou tomando o controle efetivo do Japão durante três governos consecutivos conhecidos como xogunatos.
Ao final do período Heian, já no século 12, o comando político do Japão orbitou em torno das disputas entre duas famílias pretendentes ao poder, os Minamotos e os Tairas. Que resultou num período de guerras civis, na Guerra Genpei (1180 - 1185), com o resultado do declínio dos Fujiwaras, e a breve ascensão dos Tairas e, depois, dos Minamotos a ocupar a posição do comando máximo efetivo. Nisso, a capital política, embora a de cunho imperial tenha se mantido em Quioto, mudou-se mais para leste, em Kamakura, a partir de 1192 sob a égide de Yoritomo no Minamoto. O poder político japonês permaneceu sob as mãos de líderes militares até a Restauração Meiji de 1868 (MACEDO, E. U. 2017, p. 28).
Durant (1944, p. 564) ressalta a emergência de uma classe de ditadores militares pelo território japonês, esses generais passaram a possuir o poder de fato, relegando o imperador a uma posição simplesmente simbólica. A fragmentação política ganhava força, afastando a sonhada unificação japonesa pela casa real Yamato.
[...] As grandes famílias formavam seus próprios exércitos, o que deu origem, a um tempo, a terríveis lutas civis para a disputa do trono. O próprio imperador tornava-se, dia a dia, mais impotente, à proporção que se alteava o poder dos grandes chefes familiares. E, mais uma vez, a história se moveu na sua antiga oscilação entre o poderoso governo central e o regime feudal descentralizado (DURANT, 1944, p. 563).
A questão da centralização política tomava um novo rumo, a dinâmica estabelecida a partir do Xogunato Kamakura coloca os governos dos xoguns como os agentes políticos em busca da unificação do país, tendo em contrapartida os daimiôs que desejavam manter seus amplos poderes através da descentralização política.
Após a turbulência do período de conflitos civis da [...] saiu vitorioso o líder da poderosa clã dos Minamotos, Yoritomo (1106 - 1180), que decidiu estabelecer sua base mais a leste, em Kamakura. Portanto, afastado da cidade imperial de Quioto. Seu governo passou posteriormente a ser referido como o bakufu( 幕府, governo de tendas [...]), ressaltando o seu caráter itinerante e de campanha militar. Apesar da aparente diarquia, um governo de dois pólos, o governo efetivamente permanecia em Quioto, pois Yoritomo considerou sua autoridade apenas sobre aqueles seus vassalos, em boa parte a classe guerreira. O poder legítimo estava nas mãos do imperador. Pelo menos como fonte legitimadora e tradicional o que por vezes confrontou-se com o poder crescente e bélico dos líderes de guerra junto com a insatisfação de latifundiários (MACEDO, E. U. 2017, p. 31).
As relações com os povos mais próximos geograficamente ficaram restritas, sendo controlada diretamente pelo xogunato. Segundo Macedo (2017, p. 32) a pirataria movimentou de forma ilegal as atividades comerciais do período, os piratas japoneses, os Wako, assediavam as costas da península coreana com frequência.
É nesse período que o Japão correu riscos de invasão por parte dos mongóis. Kublai Khan controlava um vasto império que incluía a Coreia e parte da China, levando ao desejo de se expandir também pelo arquipélago japonês. Durant (1944, p. 564) relata que os coreanos, receosos de terem seu país invadido, voltaram as atenções dos mongóis para o Japão, descrevendo-o como uma terra de vastas riquezas. Duas tentativas de invasão foram realizadas, em 1274 e 1281 respectivamente, ambas falharam, sobretudo, por questões meteorológicas que favoreceram os japoneses.
Por volta de 1220 surgiu na Mongólia um rei chamado Ghen-Gis-Khan, que, em pouco tempo, dominou toda a China e países vizinhos. No tempo do seu neto, Kublai Khan, o império mongol abarcava a península coreana, a leste e, a oeste, ia até a Rússia, Alemanha, Áustria e Itália. E, em 1271, havia mudado o nome da China para Yuan (Guen) (YAMASHIRO, 1964, p. 66).
Yamashiro (1964, p. 66-67) relata que ambas as invasões tinham o potencial de desestabilizar o Japão, que se encontrava em uma crise inédita em sua história. Na primeira invasão os mongóis chegaram já infligindo grave derrota as defesas japonesas, mas um furacão acabou dispersando a frota invasora.
A segunda tentativa, sete anos depois, levou uma tropa invasora ainda maior ao arquipélago japonês. Os mais de 4.400 navios, tiveram destino semelhante a frota da agressão anterior, sucumbindo a um vendaval e pondo um fim definitivo as ambições de Kublai Khan sobre o Japão. “Desta vez, também, a poderosa frota mongol foi completamente destroçada por furioso vendaval, que assolou as costas de Kyushu. Esses furacões salvadores deram origem à expressão Kamikaze — vento divino.” (YAMASHIRO, 1964, p. 67).
Apesar de manter sua integridade territorial frente a poderosas invasões estrangeiras, o Japão dos Kamakura ainda continuaria fragmentado. As repercussões da reestruturação do país após as invasões foram mal recebidas pelos daimiôs e isso gerou instabilidade ao regime.
Não pôde a sociedade feudal, criada com o regime de Kamakura, marchar diretamente para a unificação do país. Os antagonismos políticos e sociais acabaram por provocar a cisão e a confusão. Somente depois de quatro séculos de agitações consolidou-se o regime feudal centralizado, com a inauguração do Tokugawa--Bakufu, em 1603 [...] (YAMASHIRO, 1964, p. 66).
As invasões mongóis são fundamentais para entender o destino do xogunato Kamakura. Uma onda de insatisfação em relação ao período pós invasão enfraqueceu a autoridade do xogunato. Percebendo essa fraqueza o imperador Go-Daigo planejou retomar o poder real sobre o país das mãos do xogum, marchando até Kamakura para enfrentar seu rival. Seguiu-se uma grave derrota do imperador, não sendo capaz de liderar as forças defensivas do xogum, naquela altura lideradas pelo general Takauji Ashikaga.
O imperador não foi capaz de retomar o poder de fato e acabou sendo exilado, mostrando que apesar do amplo respeito que a casa imperial possuía ela ainda precisava de habilidades políticas para se impor aos seus rivais. A mudança de regime só viria a acontecer pelas mãos de um experiente guerreiro, revelando que o momento histórico ainda se inclinava a favor de lideranças militares.
Dois anos depois, Takauji Ashikaga reconsiderou sua aliança com o xogum e decidiu apoiar a causa do imperador exilado, Go-Daigo. Percebendo a mudança dos ventos históricos, e da decadência das lealdades ao bakufu de Kamakura, Takauji foi atrás de seu destino buscando assegurar-se como o novo xogum seguindo a promessa do imperador. Assim, com renovado vigor e feitas as novas alianças, as forças de Takauji e o imperador atacaram a base do xogunato em Kamakura em 1333. Aliado a Takauji, despontou-se um outro brilhante general em campo, descendente da família Minamoto, Niita Yoshisada (1301 – 1338). As vitórias sobre Kamakura abriram um novo capítulo da história japonesa, e uma nova correlação de forças despontava no horizonte (MACEDO, E. U. 2017, p. 34).
Começava o instável Período Muromachi, caracterizado pela liderança do clã Ashikaga e pela chegada dos ocidentais ao Japão. A tentativa imperial de restabelecer seus poderes fracassou, abrindo caminho para uma reestruturação que privilegiava os poderes locais em detrimento de um poder central.
“O Japão gradualmente tornou-se mais num quadro de hegemonias locais. Cenário esse que muitos historiadores posteriormente interpretaram como similar à relação do mundo feudal europeu, apesar de outros criticarem essa postura comparativa” (MACEDO, E. U. 2017, p. 35).
Um novo conflito de grandes proporções desestabilizou ainda mais o período, a chamada Guerra de Onin durou uma década e dividiu o Japão em facções rivais, incluindo o xogunato e os daimiôs. Essa importante disputa deu início ao chamado Período Sengoku, é nele que ocorrem os primeiros contatos com os ocidentais, além de despontar nas ações que levaram a centralização política definitiva do Japão.
Ashikaga Bakufu ou Muro-machi Bakufu, que durou treze gerações, quase dois séculos e meio, constituiu o governo mais fraco de toda a história japonesa. Basta dizer que, entre 1358, ano em que morreu Takauji, e 1467, ano da grande rebelião de Onin, verificaram-se mais de vinte levantes contra o shogunato, sem falar em numerosos atentados e assassinatos políticos que ensangüentaram as páginas da história da época (YAMASHIRO, 1964, p. 81).
Assim como ocorreu aos imperadores, o xogunato passou a ser uma figura impotente diante dos conflitos internos japoneses. “[...] o shogunato Ashikaga, que governou o Japão por cerca de 250 anos, foi caracterizado por um caos quase permanente e intermitente guerra civil.” (YAMASHIRO, 1964, p. 80).
Os daimiôs detinham o poder e à medida que certas famílias se tornavam mais poderosas os conflitos eram inevitáveis, gerando uma turbulência política sem precedentes no arquipélago.
As conturbações da Guerra Ônin enfraqueceram a autoridade central e causou uma realocação de forças para as mãos de governadores (shugos) e famílias latifundiárias que passaram a acumular poderes quase autônomos e plenos nas suas províncias [...]. Eram figuras poderosas locais que ignoraram a autoridade do bakufu, que passou a existir somente nominalmente. No decurso desse cenário de mudanças, famílias e clãs se estabeleceram como os Takedas e os Imagawas, e conseguiram expandir suas esferas de influência. E muito desse poder, provincial e descentralizado, se baseou no uso regular de pessoas (samurais) a servir como o poder policial e judiciário a resolver as pendências locais. O quadro geral no Japão, em suma, era de frequentes conflitos e guerras entre as diversas províncias e a incapacidade do poder central em impor a autoridade, período chamado de Sengoku jidai (“Período dos Estados Beligerantes”, 戦国時代) que se estendeu desde 1467 até a segunda metade do século seguinte (MACEDO, E. U. 2017, p. 38).
É nesse cenário caótico que os primeiros ocidentais chegam ao Japão. Durante o século XVI os Ashikaga estavam voltados ao comércio com a China e a Coréia Jonseon, questões políticas ora aproximavam ora afastavam esses países, tornando as atividades comerciais até então muito instáveis.
Desaparecida a dinastia Yuan, os Ming (Min) governavam a China. Desejando aumentar os lucros do seu comércio, Yoshimitsu restabeleceu as relações oficiais com o país vizinho. Ming o tratava como "rei do Japão"; nos documentos oficiais e nas cartas que Yoshimitsu escrevia ao monarca chinês assinava "Súdito . No tempo de Yoshimochi, foram interrompidas de novo as relações entre o Japão e a China. Yoshimasa achou, contudo, de bom alvitre restabelecer, mais uma vez, os laços de amizade. Incrementou-se, de modo considerável, o comércio entre os dois países. O Japão exportava catana, cobre e outros metais e produtos da sua arte industrial. Em troca, recebia moedas de cobre, fio e tecidos de seda, pinturas, etc. Também era intenso o intercâmbio econômico com a Coréia (YAMASHIRO, 1964, p. 84-85).
Os primeiros europeus a chegar no Japão foram os portugueses, naquele momento Portugal era uma potência europeia que só possuía um rival à altura no Reino da Espanha. A chegada desses primeiros ocidentais caracteriza o início do chamado Comércio Nanban, que dura quase um século, indo de 1543 até a implantação das políticas isolacionistas dos Tokugawa.
[...] Desde 1543, alguns estrangeiros vindos de mares distantes, chamados de nanban ( 南蛮, “bárbaros do sul”), começaram a aportar nas regiões meridionais de Kyushu, especificamente em Tanegashima. Alguns anos mais tarde, em 1549, foram autorizados a desembarcar na região de Kagoshima, na província de Satsuma, missionários católicos portugueses, das ordens jesuítica e franciscana, como o fez Francisco Xavier (1506 - 1552), com a finalidade de estudar a língua e cultura japonesa e buscar o proselitismo (MACEDO, E. U. 2017, p. 43).
Os portugueses lideraram a expansão marítima europeia no século XVI, suas diversas posses como, Goa na índia e Macau na China, refletiam a força de um império em expansão. Naturalmente coube aos portugueses os primeiros contatos, seguido da primazia comercial com os japoneses durante toda a segunda metade do século.
A partir do século XVII novos países passam a disputar a influência portuguesa no Japão, entre eles a Espanha e a Inglaterra. Porém, é a Holanda quem passa a dominar o comércio com os japoneses, coincidindo com o chamado “Século de ouro holandês”.
As relações entre os japoneses e os ocidentais foi complexa, gerando tensões que muitas vezes levavam para a violência. O Japão se encontrava muito mais distante que o continente americano, também possuía uma população culturalmente coesa e mais tecnologia dos que os indígenas americanos. Sem a possibilidade de efetuar nos países asiáticos a mesma política imposta aos americanos, as potências ocidentais tiveram mais dificuldade para impor-se sobre esses países.
Para os portugueses a conversão religiosa era fundamental, acarretando em um número cada vez maior de japoneses que adotaram o catolicismo ao longo do tempo. Os ocidentais e sua cultura não eram bem vistas pelas autoridades japonesas que tinham a China como sua referência cultural principal.
O colonialismo aplicado na América foi o primeiro passo rumo a uma hegemonia europeia em todas as áreas, levando o mundo rumo ao eurocentrismo. A geografia impediu o avanço desse projeto de poder para aquilo que viria a ser chamado de Oriente (apesar do sucesso espanhol nas Filipinas). O Japão já consciente da expansão europeia pelo mundo decidiu-se por frear o avanço ocidental sobre o seu território, vendo o cristianismo como um dos instrumentos para essa expansão.
O comprometimento dos ibéricos com o proselitismo religioso foi fundamental em gerar uma reação das autoridades japonesas. As lideranças responsáveis pela futura unificação do país entraram em choque com portugueses e espanhóis, que foram expulsos no decorrer do século, restando para os holandeses, que apresentaram um comportamento mais pragmático em questões religiosas, dominar o espaço advindo do vácuo de poder.
[...] Os portugueses, à época da descoberta, eram antes cruzados que missionários; partiam para combater o islã e não para evangelizar o mundo. Apenas durante o grande sobressalto do mundo católico que é a Contra-Reforma, as nações da Ásia começaram a inflamar a imaginação missionária. [...] Após a chegada dos holandeses, dos ingleses, e com o declínio dos portugueses, a atividade missionária na Ásia foi posta de lado durante mais de um século [...] (PANIKKAR, 1977, p. 22).
É também no Período Sengoku que tem início o processo de unificação do Japão, as várias tentativas realizadas pela casa imperial e pelos xogunatos não haviam sido bem-sucedidas, cabendo aos daimiôs, a principal força política, econômica e militar nessa época, iniciar esse processo.
O sentimento de lealdade para com o trono estava se tornando cada vez mais vivo entre o povo, já cansado do desgoverno dos Ashikaga e das guerras civis. Contudo, nenhum dos ambiciosos barões feudais conseguiu realizar o seu intento. Quem deu início brilhante e espetacular à obra de unificação nacional foi Nobunaga Oda (YAMASHIRO, 1964, p. 90).
Três lideranças sucessivamente liderarão o projeto de centralização japonês, Nobunaga Oda, Hideyoshi Toyotomi e Ieiesu Tokugawa. Esse longo processo tem repercussões importantes sobre diversos aspectos políticos do Japão até o início do império.
“[...] Cada um tinha o seu próprio método [...] e personalidade. Há um velho ditado no Japão que diz que, se uma ave canora não cantasse, Nobunaga matá-la-ia, Hideyoshi persuadi-la-ia a cantar e Ieyasu simplesmente esperaria que cantasse.” (HENSHALL, 2014, p. 64)
Os daimiôs se tornaram fortes o suficiente para ignorar o comando dos xoguns Ashikaga, entre eles se destacava Nobunaga Oda, ao longo do tempo ele se tornou o mais poderoso daimiô do Japão, derrotando seus rivais e dando início ao processo de centralização política japonês.
O protagonismo histórico de Nobunaga vinha desde antes, pois sua vida foi repleta de conquistas provinciais, batalhas contra rivais – daimiôs, líderes guerreiros, mercadores e monges budistas mais intransigentes - e pretendentes, inclusive no seio de sua própria família. Até 1573, Nobunaga já tinha destruído a aliança rival entre os clãs Asakura e Azai, obliterado os centros monásticos budistas de Tendai e do Monte Hiei, perto de Quioto, e evitou um confronto fatal direto contra o líder dos Takedas, Shingen (1521- 1573) daimiô da província de Kai, o maior rival contra as pretensões de unificar sob o comando de Nobunaga. Shingen, o “Tigre de Kai” morreu em batalha em 1573, ao confrontar-se com as forças de um aliado de Nobunaga, Ieyasu Tokugawa (1543 - 1616) [...] (MACEDO, E. U. 2017, p. 40).
Um período de conquistas aumentou ainda mais a influência dos Oda, os clãs rivais eram derrotados e mais territórios passavam para a sua influência, tornando seu desejo de unificação por meios militares cada vez mais próximo.
Após a morte de Shingen, nenhum outro daimiô no Japão era forte o suficiente para impedir o controle do clã dos Odas sobre Quioto. E durante o período entre 1576 a 1579, Nobunaga Oda mandou construir o imponente Castelo de Azuchi, às margens do lago Biwa. Este castelo, com uma imponente torre de sete andares (tenshu), era o maior símbolo de suntuosidade e de ordem unificada no Japão ambicionado por Nobunaga (MACEDO, E. U. 2017, p. 40).
Nobunaga Oda acabou morrendo em 1582, após um incêndio no edifício onde estava entrincheirado. Seu herdeiro tentou continuar o processo já avançado de centralização realizando novas conquistas, mas acabou também morrendo pouco tempo depois. Uma vasta região já havia sido conquistada e uma nova liderança surgiu para dar continuidade a esse processo. Hideyoshi Toyotomi, um poderoso daimiô aliado dos Oda, ascendeu ao comando na luta contra os rivais desse clã, obtendo importantes vitórias tanto por meios militares quanto por negociações.
Figura 1 – Conquistas territoriais de Nobunaga Oda em 1582
Fonte: https://www.worldhistory.org/image/10865/map-of-japan-in-the-16th-century-ce/
[...]o daimiô das regiões orientais de Honshu, os Hojos, foram a única grande resistência contra a unificação completa do Japão sob Hideyoshi. Ujimasa Hojo (1538 - 1590), cujo castelo em Odawara, na província de Sagami, parecia ser inexpugnável, recusou terminantemente todas as ofertas de Hideyoshi pela paz. Após os eventos, seguiu-se quatro meses de sítio do exército de Hideyoshi para finalmente capturar a fortaleza. [...] (MACEDO, E. U. 2017, p. 43).
Tendo derrotado seus maiores rivais, Hideyoshi começa a aplicação de novas políticas no Japão, entre elas o desarmamento dos camponeses, uma questão importante devido as turbulências do Período Sengoku. Coube aos samurais o monopólio do uso da força, uma vez que somente eles foram autorizados a portar armas, inviabilizando o surgimento de novas milícias.
Os efeitos maiores das reformas de Hideyoshi, vislumbrado no Édito das Espadas [...], fora uma reforma a definir a ordem social em quatro classes hereditárias: samurais (shi), agricultores (nô), artesãos (kô) e comerciantes (shô) (sistema de estratificação conhecido como shi-nô-kô-shô). Além desse havia a ampla categoria dos excluídos que viviam em guetos: burakumin (“pessoas dos vilarejos”) que eram estigmatizados como impuros (kegare) devido às suas ocupações, os eta, kawata ou hinin (açougueiros, curtidores de couro, varredores de rua e coveiros), e os artistas, atores, dançarinos e cantores. Hideyoshi decretou em 1591 que essas classes eram fixas e proibiu a mobilidade social. Para tal, os samurais foram obrigados a se filiar a um daimiô particular e se afastar dos camponeses. Isso gerou como conseqüência o deslocamento de milhares de samurais que eram ligados pelas gerações anteriores a comunidades agrícolas, os chamados “samurais da terra” (jizamurais), o que de certa maneira aliviou os camponeses dos abusos militares locais. Hideyoshi estava no auge de seu poder, e para imprimir seu legado à história, mandou construir em Quioto seu castelo para sua aposentadoria, o Momoyama, completado em 1594 (MACEDO, E. U. 2017, p. 43).
Além das alterações na hierarquia social também aconteceram muitas inovações na administração do país. O setor agrícola passou a ser acompanhado de perto pelo poder central, que munido de dados foi capaz foi capaz de um amplo planejamento, baseado na produção de arroz. Segundo Macedo (2017, p. 43) as classificações das terras correspondiam a úmidas, secas, residenciais e hortas, enquanto os arrozais foram rotulados de superior, médio ou inferior e com tais informações foi estabelecido um imposto anual.
Como governante do Japão unificado Hideyoshi teve que lidar com muitas questões, entre elas a relação entre os japoneses e os ocidentais. Diferente do antecessor, ele teria uma conduta mais ríspida em relação aos estrangeiros, mudando radicalmente a política estabelecida por Nobunaga. “[...] Nobunaga, que se simpatizara com os missionários estrangeiros, estabeleceu até um "bairro dos padres", e os jesuítas fundaram um seminário para a educação dos filhos de nobres e senhores feudais, além de igrejas para a catequização [...]” (YAMASHIRO, 1964, p. 92)
O estremecimento nas relações com os católicos levou a diversos embates, entre eles casos de execuções envolvendo tanto o clero quanto japoneses convertidos. Diversos mártires, como ficaram conhecidos pelo catolicismo, foram condenados e executados, destacando-se o caso dos vinte e seis mártires do Japão, um grupo de católicos que incluía espanhóis, portugueses e japoneses, executados em Nagasaki sob as ordens de Hideyoshi em 1597.
Segundo Durant (1944, p. 566) o cristianismo avançou bastante desde a sua inserção no Japão em 1549. Contando com um grande número de jesuítas e tendo convertido mais de 150.000 pessoas, o cristianismo tornou-se uma força impossível de ignorar. Hideyoshi ficou alarmado com tal expansão, os cristãos tornaram Nagasaki uma área cristã e logo trataram de perseguir e suprimir o budismo naquela região.
Segundo Yamashiro (1964, p. 92) os já numerosos cristãos japoneses eram bastante devotos, o que os tornava, aos olhos de Hideyoshi, um grave problema, pois a sua lealdade não estava com o Japão, mas com os líderes religiosos estrangeiros.
[...] o cristianismo foi proibido, em 1587, por ordem de Hideyoshi Toyotomi, por razões puramente políticas. Hideyoshi julgou que os sacerdotes estrangeiros não somente visavam a conversão do povo japonês à religião católica, como procuravam estabelecer o poder político ocidental (português ou espanhol) nas ilhas nipônicas. De fato, antes de Hideyoshi dominar Kyushû, os católicos controlavam o poder político e temporal da região de Nagasaki (YAMASHIRO, 1964, p. 100).
No plano externo Hideyoshi executou uma invasão a China e a Coréia, munindo-se de um grande exército de samurais. O embate com as dinastias Ming e Jonseon não resultou em sucesso e durante o período Hideyoshi acabou falecendo em solo japonês.
O mundo de Hideyoshi não lhe bastava e pensou na conquista da China para forma um império pan-asiático. Como primeira fase deste grande esquema, as suas forças invadiram a Coreia em 1592, mas foram repelidas pelas forças conjuntas da Coreia e da China. A sua campanha ficou prejudicada pelo facto de ele próprio não ter estado no terreno. Tentou novamente em 1597, mas também esta campanha foi abandonada, porque Hideyoshi morreu de doença em setembro de 1598 (HENSHAL, 2014, p. 69).
Assim como ocorreu após a morte de Nobunaga, logo um filho de Hideyoshi foi levado a suceder o pai, mesmo que ainda um infante. O descontentamento dessa escolha ressoou em um aliado do alto escalão dos antigos conquistadores, era o terceiro e último nome entre aqueles que unificaram o Japão, Ieyasu Tokugawa.
Após mais de um século de sangrentas lutas, o país marchava para a unificação — ou melhor re-unificação. Nobunaga sucumbiu a meio caminho, cabendo a Hideyoshi a tarefa de completar a grande obra. Porém, Hidetada, filho de Hideyoshi, não soube preservar a herança paterna e Iyeyasu Tokugawa assumiu a suprema direção do leme estatal, fundando o shogunato Tokugawa, com sede em Yedo (Tokyo), que governou o Japão durante a idade moderna, até a Restauração de Meiji (YAMASHIRO, 1964, p. 102).
Ieyasu Tokugawa ambicionava a centralização definitiva do Japão, dando continuidade ao projeto inacabado de Nobunaga Oda e Hideyoshi Toyotomi. Ao se colocar contra o jovem regente ele atraiu a insatisfação de diversos daimiôs, o combate aberto se tornou inevitável ocasionando a afamada Batalha de Sekigahara, que selaria o destino Ieyasu como o líder do Japão, agora definitivamente unificado.
Logo após a vitória, Ieyasu passou a redistribuir os domínios de terra para seus aliados e vassalos. Deixou boa parte dos daimiôs ocidentais conforme a tradição anterior, como o clã dos Shimazus, pois não pretendia perturbar a ordem ainda tão delicada na região em que muitos tinham nutrido simpatia a Mitsunari. Mas sobre outros mais problemáticos, como no caso do filho de Hideyoshi, o jovem Hideyori, perdeu a maior parte de seu território e fortalezas. Os territórios mais preciosos foram alocados ao controle de Ieyasu, cerca de um quarto de todas as propriedades latifundiárias do Japão. Nos anos seguintes, os aliados daimiôs que tinham prometido lealdade a Ieyasu antes da batalha de Sekigahara, os chamados fudai (26% do total) foram os mais beneficiados com maiores extensões territoriais e de localização estratégica, além daqueles ligados por sangue ao clã dos Tokugawas, considerados como os shinpan (10% das terras). Os que juraram lealdade após Sekigahara, os chamados tozama (38% restante) foram relegados a um status inferior e foram alocados a propriedades marginais (MACEDO, E. U. 2017, p. 47).
Em 1603 o homem mais poderoso do Japão ganhava o título de xogum das mãos do imperador, dando início ao xogunato Tokugawa e ao chamado Período Edo. Por mais de duzentos e sessenta anos o clã Tokugawa foi capaz de manter sua hegemonia sobre os diversos polos de força existentes no país, mantendo a coesão política e levando a um período de grande esplendor econômico e cultural.
A ascensão de Ieyasu ao poder no Japão significou nos próximos dois séculos e meio em uma reformulação da estrutura do Estado japonês, todo centrado na capital, que fora mudada mais para a região oriental na planície de Kantô, na cidade de Edo (atual Tóquio) e mantida a tradição da família imperial. Foi consolidada uma estruturação política muito mais unitária e abrangente, conferindo ao Japão até meados do século 19 uma coesão nacional extraordinária. Em nível local, os domínios territoriais recenseados (han, 藩) passaram a ser delegados a daimiôs, que somavam cerca de 200 na época, sob regras rígidas advindas da capital. E nesse esteio, foi um período de mudanças sociais gradativas a partir do crescimento agrícola, urbano e comercial, conjugado com uma política de isolamento (sakoku, 鎖国) com relação ao estrangeiro (MACEDO, E. U. 2017, p. 47).
3.2. Período Edo: Os Tokugawas e a chegada do imperialismo neocolonial ao Japão
Durante séculos diversas tentativas de unificar o Japão terminaram em fracasso. A casa real Yamato, mesmo gozando ininterruptamente de grande prestígio simbólico, não conseguiu reunir as condições necessárias para se impor diante do quadro de fragmentação de poder.
Os duradouros xogunatos de Kamamura e Ashikaga também falharam em se impor diante dos daimiôs mais poderosos, tornando a fragmentação política uma importante característica de grande parte do período anterior a Ieiasu, inclusive, desembocando em sangrentas guerras civis em determinados momentos.
Nobunaga e Hideyoshi mudaram esse quadro, alterando a dinâmica disruptiva alimentada pelos daimiôs, abrindo caminho para uma real e definitiva unificação. Coube a Ieiasu Tokugawa completar esse longo trajeto, iniciando um período de mais de duzentos e sessenta e cinco anos de domínio do seu clã, alterando a rota histórica do Japão e legando aquela que é a visão clássica que o mundo possui sobre esse país, até os dias atuais.
[...] Nobunaga tentou e fracassou; Hideyoshi tentou-o em seguida e morreu no caminho; por fim Ieiasu venceu e fundou o xogunato Tokugawa, inaugurando um dos mais longos períodos de paz e uma das mais ricas eras de arte da história humana (DURANT, 1944, p. 565).
O xogunato Tokugawa diferenciava-se dos seus predecessores, pois, além de ser politicamente mais forte, também possuía uma governabilidade centralizada, algo inédito até então. Este é o início do Período Edo, um momento de grande estabilidade e florescimento cultural e econômico. “Dessa forma, se institui um novo sistema de governo, o baku-han, que consistia em uma administração do território em escala nacional através da instituição do bakufu ou xogunato. O mesmo possuía capital estabelecida em Edo [...]” (LEMOS, H. F. ; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 30).
As lideranças do xogunato foram perspicazes em contrabalancear o poder dos daimiôs, sem retirar os seus poderes completamente, mas impedindo que algum deles pudesse contrapor o próprio Ieiasu. Quanto aos que já possuíam o poder de defrontá-los, foi preciso tomar atitudes diferentes, assassinando membros de clãs poderosos que ambicionavam o xogunato e mantendo os Yamato na mesma posição simbólica que tradicionalmente ocupavam.
A principal tarefa de Tokugawa Ieyasu ao chegar ao poder era promover a estabilidade no Japão, uma vez que o país acabara de sair de um período de um século e meio de guerra civil. Portanto, ele definiu a questão da sucessão de poder ao assassinar os herdeiros do clã Toyotomi e isolar do poder a família imperial, delineando, assim, o caminho para a manutenção de sua dinastia no poder. No que tange à divisão dos feudos, Tokugawa instituiu uma balança de poder, visando evitar novos conflitos entre daimyos. Já no que se refere à cultura, o bakufu via com preocupação a disseminação de ideias ocidentais [...] (LEMOS, H. F. ; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 30).
O xogunato preferiu dar continuidade às políticas de Hideyoshi em relação aos estrangeiros, considerando a permissividade de Nobunaga um problema, na medida que não impediu a ampliação do cristianismo dentro do território japonês. Os Tokugawa seriam ainda mais severos, cortando os laços econômicos e políticos quase ao ponto de cessá-los, restringindo-os ao mínimo possível.
“[...] os recém convertidos do Japão (como também de outros países) haviam mostrado que suas simpatias se dirigiam aos seus mentores estrangeiros. A revolta cristã de Shembara, em 1637, revelou ao xogum a extensão desse perigo [...].” (PANIKKAR, 1977, p. 89).
O início da política de isolamento, conhecida como sakoku, tem início. O Japão passa por uma trajetória singular, com limitado contato com o mundo exterior, garantindo o desejo de Ieiasu de impedir a ocidentalização do país, sobretudo através do cristianismo.
Entre 1603 e 1639 uma série de decretos pôs em prática a política externa Tokugawa,. A política do sakoku procurou isolar o Japão do mundo exterior, restando apenas um diminuto contato comercial com os holandeses. "[...] as ilhas japonesas traçaram uma trajetória histórica toda própria que aguçou-lhe o senso de singularidade e, por vezes, de isolamento." (MACEDO, 2017, p. 6).
A tão duramente conquistada centralização e, de certa forma, também a soberania do Japão, dependiam tanto do manejo político interno, onde os principais atores políticos antagonistas ao xogunato eram os daimiôs, quanto do cenário externo, onde, em um primeiro momento os líderes religiosos e, posteriormente, os comerciantes, representavam um perigo para a estabilidade do xogunato e do país.
O xogunato Tokugawa estabelecera a autoridade central e instaurara uma espécie de ditadura que deveria durar mais de dois séculos e meio. Mas a estrutura feudal do regime, a insubmissão dos senhores de fora, o poderio de certos grandes senhores feudais do Oeste [...] faziam ainda do Japão uma presa fácil para os agitadores estrangeiros. [...] O xogunato, sempre pronto a descobrir as ameaças contra sua própria existência, deu-se conta do perigo que representaria uma aliança desses príncipes com estrangeiros todo-poderosos no mar. Tomou assim a única decisão possível: proibiu qualquer contato com o estrangeiro, salvo sob controle oficial. Essa política isolacionista [...] encontra portanto justificativa tanto no planos dos negócios interiores como no plano dos negócios exteriores. Internamente, impedia que os grandes senhores feudais sempre prontos a levantar a cabeça, se aliassem com as potências estrangeiras ou simplesmente que obtivessem delas armas modernas. Externamente, suprimia qualquer relação direta entre o povo japonês e os estrangeiros [...] para as poucas relações necessárias, com os representantes oficiais do xogum e ainda assim num porto predeterminado (PANIKKAR, 1977, p. 88).
Os Tokugawas conheciam o passado colonialista ocidental, sabiam sobre o genocídio dos povos nativos das Américas por parte dos europeus, bem como da consequente destruição das culturas e sociedades ancestrais dos povos americanos em favor de um projeto eurocêntrico.
O imperialismo avançava lentamente sobre a Ásia, pois a geografia era, ao mesmo tempo, um empecilho para a Europa e um escudo para o Japão. No século XVII os europeus ainda não possuíam os mecanismos necessários para a tomada de civilizações inteiras em um espaço tão longínquo quanto o Extremo Oriente, mas a ambição necessária já os acompanhava.
Diante de tal realidade o xogunato foi tornando o sakoku cada vez mais rigoroso, temendo o mesmo destino das Filipinas, onde o catolicismo suplantou as religiões ancestrais.
O xogum tinha motivos de sobra para agir de tal modo. Iyeiasu Tokugawa não desconhecia os métodos de conquista de Portugal e Espanha; Jacques Spex olhos explicara todos; Henri Brower apresentara-lhe, em 1612, uma longa exposição sobre o assunto. Quanto ao segundo Tokugawa (Hidetada), as nações europeias vieram todas, alternadamente, denunciar-lhe as pretensões de conquistas dos seus rivais. [...] o xogum não ignorava as conquistas portuguesas, holandesas, espanholas ou inglesas no Pacífico [...] e tanto bastava para convencê-lo de que cumpria agir duramente com todos esses intrusos e sobretudo não lhes dar oportunidade de se estabelecerem solidamente em território japonês (PANIKKAR, 1977, p. 88-89).
O avançar do tempo tornava a situação cada vez mais crítica, pois o anseio por novas conquistas movia os europeus para a parte do mundo que ainda não tinham conquistado. Nessa altura a maior potência do Ocidente era o Reino da Espanha, que vivia o seu “Século de Ouro”, caracterizado tanto pelo esplendor cultural quanto o seu poderio econômico e militar. A mais pungente das monarquias europeias deveria ser a mais temida, isso fica claro pela proximidade de suas conquistas com o arquipélago japonês.
[...] em 1622 soube que os espanhóis haviam estudado um plano de invasão do Japão. Em começos do século XVII, a Espanha reforçara sua posição nas Filipinas e lá concentrara importantes forças navais. [...] Diante disso, preparava-se com a maior naturalidade do mundo para conquistar o Japão. Á reação do xogum foi imediata e brutal. Todos os espanhóis foram expulsos sem demora, e os japoneses convertidos ao cristianismo eliminados. Poucos anos mais tarde, o Japão encontrava-se fechado às nações europeias (PANIKKAR, 1977, p. 89).
Apesar de rigorosa, a política de isolamento permitia aos holandeses manter um entreposto em Hirado. Os portugueses, por sua vez, mantinham-se em Nagasaki. Por fim, os ingleses também participaram do diminuto comércio legal estabelecido entre os europeus e os japoneses. Deshima foi, durante o longo Período Edo, a principal ligação do Japão com o mundo exterior.
“A presença do Ocidente nesse sistema se dá a partir das relações que o Japão estabelece com a Holanda [...] eles teriam que seguir as regras e protocolos impostos pelo Japão, assim como reconhecer a posição superior japonesa [...].” (LEMOS, H. F. ; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 31).
Além de afastar o Japão das civilizações com as quais tinha maior afinidade cultural, a China e a Coréia, o sakoku também manteve os impérios europeus longe de um país densamente povoado e em processo de urbanização por mais de duzentos anos. Uma lacuna entre os desenvolvimentos tecnológicos entre os japoneses e ocidentais se formaria durante esse período, tornando-se um fator chave para entender o fim do xogunato Tokugawa, apesar do balanço positivo de sua administração.
O comércio e contato com o exterior [...] foi severamente limitado somente à cidade de Nagasaki, a partir do Édito de Isolamento de 1636. Isso não impediu as províncias mais afastadas (dos tozamas), como Choshu, Tosa e Satsuma na região meridional de Kyushu, mais próximas da península coreana, costa chinesa e ilhas Ryukyu ao sul, de se envolverem (e prosperarem) com o comércio ilegal com estrangeiros. De fato, após a expulsão oficial dos portugueses e de outros estrangeiros do solo japonês, os holandeses protestantes, que ajudaram na perseguição contra os católicos no Japão, foram os únicos permitidos a partir de 1637 em permanecer por alguns meses numa pequena ilha, Deshima, ao lado da cidade de Nagasaki. Assim permaneceu até meados do século 19, apesar dos contrabandos e inúmeras petições de aventureiros, náufragos e baleeiros estrangeiros em buscar contatos duradouros com o Japão Tokugawa. (MACEDO, E. U. 2017, p. 49-50)
O fato do Japão ter conseguido manter esse nível de isolamento por dois séculos é bastante notável, uma vez que os europeus já conheciam bem a região e já tinham uma experiência bastante complexa com os japoneses.
Apesar dos interesses europeus a geografia estava a favor do Japão, suas características físicas ajudavam os planos isolacionistas do xogunato, sendo um país relativamente pequeno e insular, com sistemas religiosos bem estruturados e finalmente centralizado, foi difícil para os estrangeiros penetrar física e culturalmente, ao contrário do ocorrido no continente americano.
A dificuldade para empreender projetos coloniais na Ásia demoraria a ser vencida, com empreendimentos tão arriscados os europeus preferiam voltar as suas atenções para as regiões mais cobiçadas, como a Índia, cujos portugueses alcançaram no final do século XV e foi efetivamente dominada pelos britânicos no século XIX; as Filipinas, conquistadas pelos espanhóis no século XVI; a atual Indonésia, dominada pelos holandeses no século XVII.
Mudanças no ocidente do século XIX seriam as responsáveis pela alteração desse quadro. Os impérios ocidentais passavam por uma nova etapa da Revolução industrial, sendo capazes de levar sua política neocolonial para a Ásia, tornando o Extremo Oriente uma parte de seu projeto de dominação hegemônica.
A distância que antes limitava os assédios estrangeiros foi vencida por novas tecnologias, tornando o Japão Tokugawa uma presa fácil para os interesses imperialistas, da mesma forma que a China e a Coréia. Tal acontecimento levaria a política do Sakoku ao colapso, bem como o xogunato que a implementou.
Internamente o controle sobre os daimiôs foi mais um acerto político do período, uma vez que até aquele momento esses atores políticos tinham sido frequentemente responsáveis pela fragmentação política do país.
A distribuição e alocação das terras de Ieyasu serviu-lhe para estabelecer a fidelidade e dependência dos daimiôs ao governo bakufu. Mas o daimiô ao mesmo tempo, era obrigado a reportar ao xogum em Edo, e mesmo atender a demandas regulares de recursos e homens para a construção de castelos, estradas, postos e outras obras de infraestrutura pelo reino. Ademais, era compulsória a presença do daimiô e de sua família, inclusive os seus filhos, na capital Edo, durante alguns meses por ano (sankin kôtai). Visando com isso criar vínculos entre as famílias dos daimiôs com o bakufu. Casamentos entre essas famílias dos daimiôs deveriam ter a aprovação do xogum. No campo da administração e justiça, o daimiô tinha ampla autonomia nos seus domínios, sendo exigida pela autoridade central a entrega dos impostos, recursos e homens quando solicitados pelo governo central. Em suma, Ieyasu buscou equilibrar a autoridade central com certa autonomia local. Essa relação política é referida no termo, bakuhan (“autoridade dos senhores locais”), mesclando a autoridade central, bakufu, com o dos os daimiôs (MACEDO, E. U. 2017, p. 48-49).
O crescimento econômico, urbano e o florescimento cultural também foram fatores característicos do período.
O aumento da produtividade agrícola e a estabilidade política levaram a um aumento demográfico considerável. O Japão deixava de ser um país largamente rural, com exceções longevas como Quioto e Nara, para se tornar um país em processo de urbanização. Seu isolamento levou a um caminho de desenvolvimento bastante particular, dessa forma quando isolamento acabou de forma forçada tanto os japoneses se surpreenderam com os avanços ocidentais como o contrário também ocorreu.
O crescimento geral da produtividade agrícola gerou um aumento no bem-estar geral dos japoneses. Essa tendência pode ser observada no aumento significativo da população durante o século 17. Embora os estudiosos discutam sobre números exatos, a população total do Japão ao redor do ano 1600 foi provavelmente por volta de 12 milhões. A população no momento do primeiro censo nacional confiável realizada pelo xogunato em 1720 foi de cerca de 31 milhões. Esses dados indicam que a população mais do que duplicou em pouco mais de cem anos. Isso poderia ter sido resultado por uma série de causas, incluindo o planejamento familiar entre os camponeses. Mas o cenário populacional se estabilizou desde meados do século 18 até fins do século 19. A economia, no entanto, continuou a crescer, levando a um superávit econômico. Esse excedente foi um dos fatores para a rápida industrialização do Japão no final do século 19 e início do século 20 (MACEDO, E. U. 2017, p. 49).
Os europeus se deparariam com uma sociedade altamente organizada, com sistema de educação amplo e eficiente, além de prosperidade econômica invejável. Culturalmente os japoneses se destacariam ainda mais, chegando ao ponto de superar distancias culturais e influenciando a própria arte europeia. As artes plásticas, o teatro e a literatura japonesa chamariam a atenção no ocidente, bem como aspectos culturais marcantes como a cultura samurai, que criaria uma imagem duradoura de veneração no restante do mundo.
Um amplo e crescente conjunto de cidades era ligado por estradas que se tornariam famosas na Europa. Edo, a futura Tóquio, já no século XVIII era uma cidade densamente povoada, só possuindo rivais demográficas na China. Tal característica demográfica se manteria nos anos imperiais e mesmo após ele, com Tóquio detento ainda hoje o título de área metropolitana mais povoada do mundo.
O crescimento da cidade de Edo foi um caso emblemático do processo de urbanização do Japão dos Tokugawas. Quando Ieyasu a tornou sua capital em 1590, Edo ainda era apenas um remanso pantanoso de apenas poucos habitantes na afastada região oriental de Honshu. Ieyasu, visando se afastar das influências e intrigas da corte em Quioto, e assegurar melhor seus domínios na região de Kantô, mandou erguer um magnífico castelo xogunal. E para tanto, houve o deslocamento de milhares de trabalhadores a derrubar as matas e floresta na região para a construção, aterros e dragagem de pântanos e zonas marginais, a construir estradas, postos de governo, templos e santuários, armazéns e depósitos. Já em 1600, Edo já era uma cidade limpa e organizada de cerca de 5 mil moradias. Dez anos depois, a capital dos Tokugawas já tinha 150 mil pessoas, entre daimiôs e suas famílias, samurais e outros militares, artesãos, comerciantes, administradores, sacerdotes, artistas e outros trabalhadores urbanos. Posteriormente, por conta da presença compulsória dos daimiôs e seus funcionários, Edo inchou para 500 mil habitantes em 1657. Em 1720, a cidade já era a mais populosa do mundo fora da China, com uma população de cerca de 1,4 milhão (MACEDO, E. U. 2017, p. 51).
Os Tokugawas foram muito hábeis na construção e manutenção de sua hegemonia. Além de já terem se provado exímios estrategistas políticos em suas negociações com os daimiôs, o clã procurou construir uma imagem que, assim como feito no passado em relação a família imperial, se mesclava com o divino.
No plano ideológico e religioso, o regime dos Tokugawas caracterizou-se por uma busca dos princípios confucianos da ordem social e lealdade hierárquica e familiar. O regente, o xogum, deveria ser considerado como o céu acima de todos na terra, um pai a reger seus filhos que lhe deve piedade filial. Esse relacionamento seria decorrente de uma ordem natural, não aberto a questionamentos humanos, algo que garantiu estabilidade e ordem no reino, e imobilidade e rigidez social e intelectual (MACEDO, E. U. 2017, p. 56).
O uso das instituições religiosas foi aprofundado ao longo do Período Edo, uma vez que o budismo se provou um instrumento eficiente para a difusão ideológica dos interesses do xogunato. A própria figura do imperador, sempre respeitada em sua simbologia, mesmo nos momentos políticos mais turbulentos, sempre foi devidamente respeitada pelos atores políticos japoneses. Pela primeira vez desde a ascensão dos Yamato, no período homônimo, eles enfrentavam um desafio não militar tão sério.
[...] Assim que Ieyasu e seu neto, Iemitsu Tokugawa (1604 - 1651), terceiro xogum da dinastia, desarticularam as resistências de alguns ordens monásticas, o xogunato buscou patrocinar e promover as instituições budistas pelo país, exigindo que os camponeses registrassem seus terras no templo mais próximo. Ademais, a proteção do Estado aos budistas foi uma estratégia de dessacralizar do imperador que, por tradição do xintoísmo, religião própria do Japão com origens nos textos do Kojiki do século 8, era considerado divino por descendência da deusa Amaterasu [...] (MACEDO, E. U. 2017, p. 56).
O Período Edo, apesar da grande prosperidade, também gerou tensões de cunho hierárquico, uma vez que estratos sociais se sentiram marginalizados pela política dos Tokugawa. Entre os focos de tensão o mais explosivo era o dos samurais, a classe guerreira japonesa, mesmo ainda gozando de privilégios simbólicos, não se adaptou ao período. Segundo Macedo (2017, p. 56) os motivos incluem a proibição na participação no setor agrícola e nas atividades comerciais,
Um novo capítulo na dinâmica entre o Japão e o ocidente começava, os samurais também se encontravam-se sem ocupação nos centros urbanos, o que inevitavelmente expunha as diferenças entre eles e a próspera classe de comerciantes.
Apesar da efetiva política em relação aos daimiôs, muitos deles se sentiram lesados pelo bakufu, sobretudo os que se encontravam em hierarquia mais baixa. Além deles outros grupos de daimiôs também possuíam motivos para contestar o xogunato, sobretudo os que se localizavam em áreas onde o sakoku era desrespeitado. Macedo (2017, p. 56) diz que latifundiários das regiões mais ocidentais do Japão, aquelas mais próximas da Coréia e da China, realizavam comércio com esses países e tinham interesse no fim do isolamento.
Essas tensões certamente preocupavam o regime, porém a resposta para o declínio dos Tokugawas vem de fora do Japão. O capitalismo passava por uma nova fase no ocidente, os impérios tinham sua força medida pelo número de colônias, gerando uma corrida pela conquista de territórios coloniais, uma política que ficou conhecida como neocolonialismo.
[...] Já desde o início do século XIX o xogum tinha dificuldade em impedir que se multiplicasses os contatos com o mundo exterior. Os russos já haviam atingido o Pacífico e exploravam os mares do Norte. Os ingleses, a partir de sua instalação na Índia, manifestavam uma impaciência crescente, e seus navios sempre encontravam algum pretexto para forçar a costa japonesa. As autoridades japonesas estavam perfeitamente informadas das atividades europeias, pelos mercadores de Deshima, alguns japoneses, com uma estranha perseverança e uma paciência quase heroica, aprendiam o holandês, familiarizando-se ao mesmo tempo com os progressos da ciência ocidental. Foi em Deshima que se preparou o prodigioso movimento que renovaria o Japão, nos 50 anos que se seguiram à chegada do Comodoro Perry (PANIKKAR, 1977, p. 92-93).
Além das barreiras geográficas, da disponibilidade de tecnologia necessária e da falta de atratividade em relação aos seus vizinhos, o Japão ainda contava com o fato das potencias europeias serem altamente beligerantes.
A busca pela hegemonia continental alimentava um quadro de constantes conflitos e mudanças frequentes de alianças, favorecendo um equilíbrio de poder que, em tempos de paz seria altamente benéfico, mas em uma realidade de confrontos sucessivos tendia a enfraquecer os europeus.
É necessário lembrar que além das guerras no continente europeu as potências colonialistas ainda empreendiam um ambicioso projeto de domínio sobre as Américas, limitando os recursos destinados para o avanço sobre o Oriente.
No século XVI houveram a Guerra dos Oitenta Anos e a Guerra Luso-Neerlandesa, mantendo Portugal, Espanha e Holanda batalhando entre si, como pode ser visto em relação ao Nordeste do Brasil.
No século XVII a Guerra dos Trinta Anos devastaria a Europa Central, sendo até o presente momento o maior conflito da história depois das Guerras Mundiais. O mais próximo de um poder hegemônico na Europa, a dinastia dos Habsburgos, arrastou os grandes atores continentais para o conflito, além de ser o confronto decisivo entre católicos e protestantes.
Na primeira metade do século XVIII a Guerra de Sucessão Espanhola e a Guerra de Sucessão Austríaca implodiam as alianças anteriores e levaram todas as potencias continentais ao campo de batalha, no intuito de impedir algum país de se tornar hegemônico. Na segunda metade houve a Guerra dos Sete Anos, um conflito de proporção global que deu a Inglaterra uma vitória esmagadora sobre a França, só não atingindo a culminância de seu poder devido a posterior perda dos importantes Treze Colônias.
No início do século XIX ocorrem as Guerras Napoleônicas. A França derrotada anteriormente faria uma última tentativa de se sobrepor a Inglaterra. As consequências da derrota napoleônica têm impacto mundial, sendo a mais importante o esfacelamento do Império colonial espanhol nas Américas.
Após a derrota de Napoleão coube a Inglaterra conquistar a tão almejada hegemonia europeia, a chamada Pax Britannica. A estabilidade política permite a Europa voltar a sua atenção novamente para fora de suas fronteiras. Com a independência dos países americanos e a política externa protecionista estabelecida pelos Estados Unidos no continente, a Europa precisa se voltar para o Oriente.
No decorrer do mesmo século a Segunda Revolução Industrial possibilita os europeus de empreender uma nova corrida colonial, agora com os mecanismos necessários para desafiar os limites geográficos.
Como os Estados Unidos consideravam o continente americano a sua área de influência, os europeus se voltaram para a África e a Ásia, estendendo seus espaços de influência para essas regiões e, por consequência, ameaçando o Extremo Oriente.
Ao mesmo tempo, os líderes do regime Tokugawa observaram ansiosamente as primeiras vitórias bélicas dos britânicos e europeus sobre os chineses da Dinastia Qing na Primeira Guerra do Ópio de 1839 a 1842. Constataram como a China, o Império do Meio, tradicionalmente um reino venerável no leste asiático sucumbiu diante das inesperadas ofensivas navais de povos “bárbaros” de terras distantes. Não que esses fossem novidade entre os japoneses, pois além de terem contatos, mesmo que intermitente, com os holandeses confinados na ilha de Deshima, em Nagasaki, tinham se deparado e se defendido dos avanços de russos nas décadas de 1790 e início da década seguinte, além de terem confrontado com alguns britânicos nos anos de 1820. Na década de 1840, já tinham a perspectiva, após alguns náufragos e baleeiros dos EUA, vindos do Oceano Pacífico, de que uma delegação norte-americana desembarcaria em algum porto japonês (MACEDO, E. U. 2017, p. 57).
A confluência de diversos fatores leva o imperialismo europeu para todos os continentes, o século XIX marca a efetiva dominação da Ásia, com a tomada da Índia pelos britânicos e as sucessivas incursões estrangeiras na China.
A esmagadora derrota da China diante dos impérios ocidentais terá um impacto gigantesco sobre o Japão, pois até aquele momento os chineses ainda representavam o principal modelo civilizacional para os japoneses. A resistência da China em se abrir e se reformar dá início ao “Século de Humilhação”, o que deixaria claro para os japoneses que tomar a mesma atitude causaria o mesmo efeito. Mas o Japão não cometeu o mesmo erro, além de se abrir ele empreenderia uma profunda reforma, que o colocaria em uma posição única no contexto geopolítico.
[...] A derrota da China na guerra contra a Inglaterra fez-lhe sentir, de modo ainda mais claro, o perigo de uma invasão ocidental. Após o Tratado de Nanquim (1842), o Japão se pôs febrilmente a reforçar suas relações com ele. O rei da Holanda, através de inúmeras cartas, já pressionara o xogum a abrir os portos japoneses ao comércio estrangeiro (PANIKKAR, 1977, p. 202).
Além do novo contexto político na Europa, ainda havia o fato de uma nova potência surgir fora do velho continente. Os Estados Unidos se tornaram uma força dominante nas Américas e procuraram projetar a sua influência pelo Pacífico.
[...] na segunda metade do século XIX, teve-se de levar em conta um novo elemento: a chegada dos Estados Unidos no Pacífico, A Califórnia fora atingida em 1844, e os EUA não tardaram a perceber sua importância; um relatório da Comissão de Assuntos Marítimos do Congresso observava: “A aquisição da Califórnia abre-nos perspectivas de comércio com a China que não deveriam ser desprezadas. ” Na metade do século, os americanos decidiram que chegara a época de forçar a porta que a Ásia tão cuidadosamente mantivera fechada aos ocidentais (PANIKKAR, 1977, p. 202).
É nesse contexto que, em 1853, um dos países ocidentais que praticavam a política imperialista e tinha interesse em se expandir pela região chegou ao Japão. Os Estados Unidos enviaram uma delegação naval para a capital japonesa, comandada pelo Comodoro Matthew C. Perry.
[...] Perry aportou na baía de Edo com os seus “navios negros” (kurofune, 黒船) e apresentou as demandas do presidente dos Estados Unidos, Millard Fillmore, que exigia que o Japão concordasse em negociar e abrir relações diplomáticas permanentes. Foi concedido ao xogum, à época Iesada Tokugawa (1824 – 1856), alguns meses para considerar as propostas apresentadas pelos estrangeiros. Alguns daimiôs tozama, de domínios marginais, enxergaram uma oportunidade de mudança política no Japão. Outros membros mais conservadores da sociedade acharam que o xogum que apresentava sinais de debilidade mental e idade avançada, não teria condições de lidar com a nova ameaça estrangeira. O bakufu, ademais, mostrou claros sinais de fragilidade, quando um dos principais conselheiros (roju) do bakufu, Masahiro Abe (1819 - 1857), foi se consultar com alguns daimiôs sobre qual política adotar na ocasião, desgastando a autoridade do xogum (MACEDO, E. U. 2017, p. 56).
O monitoramento da situação chinesa levou as autoridades do Japão a decisão de não resistir, pois uma derrota como ocorrida na Guerra do ópio, somente levaria a maior perda da soberania nacional. Também a [1]Rebelião Taiping repercutia na memória dos japoneses, como uma lembrança de que um contato não cuidadoso com o Ocidente pode levar a confrontos sangrentos, como os que ocorreram tanto no Japão quanto na China.
Portanto a única solução era aceitar as imposições estrangeiras e se preparar para uma mudança de estratégia, alterando radicalmente a política Tokugawa, que naquele momento se mostrava ineficaz para resolver os novos problemas geopolíticos que se impunham.
Em resumo, o Japão devia, por bem ou por mal, abrir-se ao American Way of life. A ameaça foi suficiente pois os japoneses conheciam as próprias debilidades e preferiam não se tornar uma nova China. Li Kamon no Kami, o mais avisado conselheiro do xogum, evidenciou num relatório a impossibilidade de resistir a barbaria ocidental e sugeriu a submissão até que o Japão penetrasse nos segredos dos estrangeiros e, consequentemente, fosse capaz de tratar com eles em pé de igualdade. (PANIKKAR, 1977, p. 203)
A submissão forçada dos Tokugawas significava o fim da política de isolamento, pois as exigências de Washington gravitavam em torno do estabelecimento permanente de relações econômicas e políticas entre o Japão e o Ocidente, em uma relação desproporcional, que beneficiava os impérios ocidentais. “Ciente do estrondoso poder de coerção do Ocidente e da impossibilidade de resistência, o Xogum adota uma postura conformista em relação à abertura imposta [...].” (LEMOS, H. F. ; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 32).
Naturalmente ocorre uma busca por coesão interna e na falta de uma eficaz solução por parte do xogunato, o Japão se volta para a sua instituição mais sólida e antiga, a casa imperial. É nela que se depositam as esperanças dos japoneses em resguardar o máximo de sua soberania e cultura.
Para entender essa nova dinâmica, é importante que se compreenda os aspectos da política interna do bakufu que resultaram na criação de um momentum irreversível para uma mudança estrutural restauradora, seja no modo de governo ou no approach adotado no que tange à política externa. Na práxis, as autoridades imperiais ganharam prestígio para modernizar o Japão, a partir de preceitos importados da literatura ocidental, enquanto que no plano internacional há a reorganização da ordem internacional vigente no Leste Asiático, através de ações de cunho imperialista por parte do Ocidente (LEMOS, H. F. ; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 32).
A rápida capitulação política do xogunato, o mais forte dos três estabelecidos ao longo da história japonesa, foi um motivo de receio. Um período de mais de dois séculos e meio desmoronava diante dos japoneses, fazendo a necessidade de uma profunda mudança algo urgente.
A morte repentina do xogum Ieyoshi faz aumentar a pressão estrangeira sobre o Japão, o país estava no mesmo caminho dos chineses, sem uma liderança forte e capaz de impedir negociações que acarretassem em amplas desvantagens econômicas e políticas.
[...] durante esse grave período de discordância existente na política externa, ocorre a morte do Xogum, o que reduz ainda mais a capacidade dos japoneses de resistir a acordos desproporcionais com potências estrangeiras e transforma a ilha em um alvo de frequentes ataques estrangeiros. A nova realidade não somente fragmenta ainda mais o país, como cria um vácuo de poder, colapsando, assim, o xogunato [...] (LEMOS, H. F. ; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 32).
Assim como ocorreu com a China, o Japão teve que assinar uma série de tratados com as potências ocidentais, eles ficaram conhecidos como os Tratados Desiguais. O primeiro foi o Tratado de Kanagawa, em 1854, que entre diversos pontos, abria portos japoneses selecionados para comércio com os Estados Unidos e autorizava a instalação de um consulado deste país; o Tratado de Amizade e Comércio, em 1858, que abriu ainda mais portos ao comércio, entre eles o da capital Edo e garantiu a extraterritorialidade para os ocidentais.
Ao longo do tempo outros tratados seriam assinados com outros países, entre eles, o Reino Unido, a França, a Holanda, a Rússia, a Prússia, a Áustria-Hungria, a Espanha, etc. Na prática os Tratados Desiguais foram a implosão do Sakoku e uma importante motivação para a Restauração Meiji.
[...] Os Estados Unidos aproveitaram-se das desordens da sucessão para formular novas exigências. O xogunato, evidentemente, não se encontrava à altura de repeli-las; um novo tratado (junho de 1957) autorizava os americanos a residirem nos portos do tratado; um terceiro (29 de julho de 1858) reconheceu o princípio de extraterritorialidade. A mesma gotilha que sufocava a China acabava de ser colocada no pescoço do Japão. [...] Os franceses e ingleses chegaram, com uma louvável prontidão, seguindo de bem perto a tropa dos outros, para fazer-se reconhecer os mesmos direitos (PANIKKAR, 1977, p. 203-204).
Diante da diferença de poder e frente a união das potências ocidentais, o Japão não teve como resistir as primeiras investidas imperialistas sob seu território. Começa então a ser estruturada uma trabalhosa mudança no país, com grandes impactos políticos, econômicos, sociais e culturais. “[...] Aparentemente resignado com este atentando à sua independência, o povo japonês manifesta rapidamente a vontade de não ter o mesmo destino que a China. [...].” (MILZA, 2007, p. 55).
Inicia-se um profundo processo de mudança, como poucas vezes visto na história. Para resistir ao desproporcional poderio ocidental o Japão se permitirá mudar, sem, no entanto, abrir mão dos alicerces que o permitiram chegar até 1868 como uma nação, mesmo que isolada, em franco esplendor.
[...] Em 1868 os partidários da modernização do Japão aproveitaram a subida ao trono do jovem imperador Mutsuhito para pôr um ponto final no poder do shogum, verdadeiro senhor do Palácio, que era quem na realidade exercia o poder [...]. Liberto das suas estruturas sociais arcaicas, transformando numa monarquia absoluta e depois, em 1889, numa monarquia constitucional, do tipo prussiano, o Japão pode agora entrar na era da modernização e da renovação (Meiji) [...] (MILZA, 2007, p. 55).
É nesse contexto que o xogunato Tokugawa entra em colapso, abrindo caminho para uma nova era no Japão. Diante da investida do imperialismo ocidental os japoneses precisavam se adequar para não sucumbir aos seus avanços, levando-o a uma mudança estrutural que criaria uma anomalia, um país imperialista na Ásia.
3.3. Restauração Meiji: A Modernização conservadora do Japão
A Restauração Meiji representa uma nova postura do Japão em relação aos seus vizinhos e as potências ocidentais, no intuito de reposicionar o país em uma posição que o permita resistir e competir com o Ocidente, ao invés de sucumbir a prenunciada dominação estrangeira. Inicia-se a “reconstrução” de um país que não foi destruído, mas que necessita reedificar-se para subsistir e perdurar.
Apesar de todas as conquistas realizadas no Período Edo, tanto a despeito como em função do sakoku, o Japão encontrava-se em uma posição claramente desvantajosa em relação aos impérios que pretendiam dominá-lo.
[...] Na paz de seu isolamento aquele povo esquecera-se de que uma nação ou guarda compasso com as demais ou é escravizada. [...] a Europa desenvolvia uma ciência quase totalmente ignorada na Ásia; e essa ciência, nutrida de calmos laboratórios, aparentemente afastados do tumulto do mundo, deu afinal ao Ocidente as indústrias mecânicas que o habilitaram a produzir por um custo bem menor, embora com menos beleza, o que os asiáticos produziam manualmente. Cedo ou tarde aqueles objetos mais baratos haviam de penetrar nos mercados do Oriente, arruinar-lhe a economia e mudar-lhe a vida política até então baseada no manualismo [...] (DURANT, 1995, p. 613-614).
A necessidade óbvia por mudanças estimulou uma reforma política, econômica e cultural profunda. Muitas das instituições mais sólidas do país foram demolidas ou reformadas em um espaço de tempo relativamente curto, uma realização notável em se tratando de um povo que sempre prezou e se orgulhou de seu tradicionalismo.
O resultado seria a fundação de um poderoso império colonialista, com indústria e poder militar capazes de rivalizar com os impérios ocidentais, mesmo a Inglaterra, que a mais de um século havia iniciado seu processo de industrialização.
O Japão imperial se encontraria em uma posição que, em um primeiro momento, assemelhava-se a do Império alemão e do Reino da Itália. Se estes países possuíam diminutos impérios coloniais isso se devia ao fato de passarem por uma unificação tardia, que os colocou de forma atrasada na corrida neocolonial. Porém seu potencial, militar, econômico e demográfico eram mais que o suficiente para que rivalizassem com as potencias estabelecidas e pudessem exigir uma maior participação da divisão neocolonialista do Oriente. O Japão estava em consonância com os dois novos Estados europeus, sua “reconstrução” na segunda metade do século XIX o posicionava de modo atrasado na disputa imperialista e teria que, por meios diplomáticos e militares, tentar reverter esse quadro.
A História moderna não nos mostra fenômeno mais espantoso do que a maneira pela qual o sonolento Japão de tantos séculos acordou ao som dos tiros de canhão do Ocidente, atirou-se ao estudo, criou a instrução, aceitou a ciência, a indústria e a guerra, derrotou todos os competidores no campo comercial e tornou-se, em duas gerações, a nação mais agressiva do mundo moderno (DURANT, 1995, p. 614).
A alardeada necessidade de mudanças era inegável até mesmo para o xogunato Tokugawa, só não estava claro o nível que tais reformas precisariam alcançar. Segundo Henshall (2014, p. 98) o último xogum, Yoshinobu, estava pronto para realizar reformas administrativas e até mesmo ensaiava uma reaproximação com a corte, daí a necessidade de opositores em desfechar um golpe que impedisse a reestruturação e, por consequência, a continuidade dos Tokugawas.
Em 1868 chegava ao fim o último xogunato japonês, a restauração imperial foi concluída quando Yoshinobu aceitou a derrota e retirou-se de Edo. A ascensão ao trono de Matsuhito iniciava a Era Meiji, deixando de lado pequenas e pontuais reformas e acelerando a “reconstrução” do Japão.
[...] a revolução não se dava no plano do poder imperial. A retomada do poder pelo imperador só adquiria importância na medida em que dava ás forças de renovação uma maior liberdade de ação e permitia aos construtores do Japão abrigar-se por trás de uma autoridade inatacável. Os destruidores do xogunato, ornados assim do prestígio do imperador, conseguiram mediante um trabalho prudente e organizado, libertar o Japão bem cedo das cadeias ocidentais (PANIKKAR, 1977, p. 205).
A figura do imperador fora, por séculos, moldada para se estabelecer como a instituição mais sólida e tradicional do Japão. Mesmo em períodos de maior fraqueza política, como nos três governos militares dos xogunatos, o trono de crisântemo ainda era relevante. É natural que em um momento de grande necessidade de mudanças, a mesma instituição fosse conclamada a fornecer a coesão que somente ela era capaz de prover.
[...] o intelecto japonês [...] ouvia com inquieta curiosidade os ecos do surto da civilização na Europa e na América [...] secretamente marcava os xoguns como usurpadores que haviam violado a continuidade da dinastia imperial; não podia reconciliar a divina descendência do imperador com a importante pobreza que os Tokugawa o condenaram. De todos os cantos surgiam panfletos com apaixonados apelos ao povo para a derrubada do xogunato e a restauração do poder imperial (DURANT, 1995, p. 615).
Para Macedo (2017, p. 60) em uma análise superficial é provável que se possa pensar na Restauração como um momento de rupturas, uma vez que, o entusiasmo e a necessidade levaram os japoneses a rejeitarem a herança cultural chinesa, já que esse antigo país não foi capaz de resistir ao poder do Ocidente e foi totalmente humilhado na Guerra do Ópio. “Nesse afã, buscou-se reformular toda a escrita japonesa a se adequar num alfabeto no fim do século 19, para purificar-se da sua herança chinesa [...].” (MACEDO, 2017, p. 60).
A “revolução” Meiji é uma revolução superficial. A base social do Estado não se transformou, apenas alargou-se. Os antigos feudos, que permaneceram no poder, concedem espaço, ao seu lado, para casas comerciais como a Mitsui – cerceadas até então pelo regime do bakufu, e às quais as reformas de 1868 oferecem perspectivas de expansão econômica [...] (CHESNEAUX, 1976, p. 45).
Os japoneses estavam sinceramente prontos para entender os ocidentais, sendo que em casos mais extremos haviam até propostas como a adoção do inglês como língua nacional. Mas o Japão que escolheu o trono imperial para guiá-lo nesse momento de mudanças não estava disposto a uma assimilação desenfreada da cultura estrangeira, haviam critérios e objetivos claros. “[...] A ocidentalização tornaria o Japão mais forte, mais capaz de competir com as potencias estrangeiras e, talvez, de se equiparar a elas ou de as suplantar [...].” (HENSHALL, 2014, p. 114).
As rupturas e concessões que os japoneses estavam dispostos a enfrentar não representavam a rejeição da cultura nacional, mesmo que os aspectos chineses e coreanos dessa cultura agora fossem vistos por muitos como elementos externos, assim como os do Ocidente eram percebidos. A Restauração Meiji foi um movimento conservador, que visava mudanças objetivando permanências, se abrindo a influência estrangeira para que pudesse se defender de seu poder. “A Restauração foi assim nomeada por retornar o poder às mãos imperiais [...] Foi ela inspirada em ideias confucianas que valorizam a tradição e lealdade. Foi, essencialmente, uma revolução conservadora em direção ao passado imperial [...]” (MACEDO, 2017, p. 60).
Será que se trata mesmo de uma revolução verdadeira, da eliminação das antigas classes dirigentes por novas forças sociais, que organizam a sociedade sobre bases novas, à semelhança da França de 1789, da Rússia de 1917? A nova ordem japonesa, ao contrário, foi instaurada por aqueles daimios do sul, samurais que participavam, com outros, da direção do Antigo Regime. Apenas se desembaraçaram das formas do Antigo Regime e de seus partidários retrógrados, de maneira a dar a seu poder social uma base nova, mais sólida, que pudesse responder às exigências do mundo moderno e ao “desafio” do Ocidente. Não foram anulados os antigos privilégios [...] Os direitos “feudais” dos daimios e as pensões destinadas aos samurais não foram abolidas, apenas, em vez do pagamento até então em arroz, foram comutados em títulos do Estado, cujos juros passaram a ser depositados em dinheiro (CHESNEAUX, 1976, p. 45).
A conservadora Restauração Meiji também objetivava relocalizar o Japão na ordem internacional, alinhando-o economicamente ao modelo industrial vigente e reformando o poder estatal, que agora deveria estar empenhado na construção de um Estado-nação coeso, capaz de articular a unidade nacional. “O Estado não é uma forma acabada, mas sim, deve ser entendido como um processo. Sempre se vinculou ao espaço por uma relação complexa que, no curso de sua gênese, mudou e atravessou pontos críticos [...].” (BECKER, 1995, p. 283).
Com o débâcle do xogunato Tokugawa, se tornava evidente a necessidade de se superar a realidade feudal e a fragmentação do centro político do império japonês. Assim, o período Meiji teve, como seu primeiro desafio, a missão de introduzir o império no sistema interestatal europeu do século XIX, que tinha como principais características a centralização do poder interno pelos Estados e uma economia com nível de desenvolvimento industrial em constante crescimento [...] (LEMOS, H. F.; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 33).
O Estado japonês passou a exercer o seu poder em todas as esferas sociais, desarticulando qualquer foco de resistência ao conservadorismo imperial regresso pela Restauração. Porém, além do elemento imperial havia agora o fenômeno imperialista, que dava forma ao capitalismo vigente nas potências daquele período histórico. O conservadorismo imperial e as contradições capitalistas geradas pelo imperialismo e pela industrialização causaram tensões, esgarçando o tecido social japonês e fazendo o Estado se posicionar no mesmo papel que desempenha no Ocidente capitalista, o de mantenedor das estruturas que moldam e sustentam a realidade econômica e social.
[...] A partir da produção do território nacional, o Estado transforma suas próprias condições históricas anteriores engendrando relações sociais no espaço e produzindo seu próprio espaço, complexo, regulador e ordenador do território nacional. Trata-se da organização da hegemonia ou do poder, no sentido gramsciano de Estado lato sensu, e não do aparelho de Estado apenas (BECKER, 1988, p. 7).
A repressão do aparelho do Estado objetivando a hegemonia sobre a sociedade se dará de forma mais intensa durante o Período Taisho, quando uma breve experiência democrática em conjunto com o avançado processo industrial, geram contradições que afloram o descontentamento com os rumos do império.
A reação do poder estatal será de extrema violência, silenciando e suprimindo todas as dissidências que possam comprometer o projeto conservador do Império do Japão, iniciado pela Restauração Meiji. Ao tomar esse rumo, as forças que contrabalançavam ideologicamente a política recebem um golpe do qual não se recuperam, abrindo caminho para a adoção do ultranacionalismo.
[...] a Restauração Meiji buscava, a priori, romper com as políticas do xogunato e a forma como o império japonês se relacionava com o estrangeiro. Em vista disso, na prática, a restauração adotou um cunho muito mais político do que cultural. O restabelecimento da figura do imperador, em outros termos, realizou a tão desejada centralização do poder na ilha; fomentou a criação de uma moderna máquina militar, criou um consenso patriótico, antes inexistente, dentro da ilha; industrializou o país, desenvolvendo-o economicamente; e criou um sistema nacional de educação [...] (LEMOS, H. F. ; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 34).
A Restauração conservadora naturalmente engendrou uma “reconstrução” igualmente conservadora, liderada por um monarca com poderes absolutos, advindos de uma ancestralidade divina, que garantia a ele e, por extensão, ao Japão uma posição privilegiada no ordenamento dos povos do mundo.
Se a unificação política fora um lento processo que se efetivou com Ieyasu Tokugawa, a centralização do poder foi um processo rápido, decorrido logo após o fim do xogunato e que garantiu as ferramentas necessárias para que o imperador Meiji e os que o colocaram no poder pudessem impor a sua agenda política.
Esses fatores foram primordiais na construção de uma comunidade imaginada capaz de se colocar em competição direta com os impérios ocidentais, a despeito de sua localização espacial, que em teoria o condenava a uma posição de subalternidade no sistema imperialista.
[...] Em 1881, o imperador prometeu, através de um édito, estabelecer um parlamento no estilo ocidental, que deveria ser o coroamento do novo sistema. [...] previa o estabelecimento de uma monarquia parlamentar por sucessivas etapas. Logo de início, deu-se a criação, em 1885, de um gabinete governamental; depois, pouco a pouco, a formação de um conselho privado à inglesa, composto de altas personalidades e estadistas; finalmente, em 1889, promulgou-se uma constituição com todas as cerimônias que deviam anunciar ao mundo a entrada do Japão no concerto das nações civilizadas (PANIKKAR, 1977, p. 211).
Se o pensamento coletivo nacional do Japão, fruto de uma sociedade hierárquica, era historicamente coeso e pronto a aceitar a maior parte das imposições advindas dos detentores do poder, naquele momento, o corpo social estava ainda mais disposto a aceitar mudanças profundas, devido ao medo gerado pela derrota chinesa e a demonstração de força dada pelos Estados Unidos com o Comodoro Perry.
No plano internacional o espaço para manobras políticas era significativamente menor, pois os ocidentais não compartilhavam do dogma da ancestralidade divina do imperador e nem viam o território japonês como um local privilegiado legado pelos próprios deuses aos japoneses. Muito pelo contrário, o Japão era uma nação asiática e, como tal, seu povo possuía característica físicas distintas dos europeus, motivo suficiente para relegá-los a um patamar de inferioridade na visão política e pseudocientífica que dominava o pensamento coletivo ocidental àquela altura.
Para participar do concerto das nações, como coadjuvante, seriam necessárias mudanças estruturais que foram levadas a cabo ao longo das últimas décadas do século XIX. Demoraria um pouco mais para que os japoneses percebessem que nunca se tornariam partícipes de fato da repartição do Oriente, pois seu semblante e sua posição no globo terrestre eram fatos que o Ocidente desprezava, por mais que estivesse disposto a fazer concessões sempre que fossem vantajosas para si.
[...] a Restauração Meiji tinha uma concepção demasiadamente realista das relações internacionais em seu núcleo. O incisivo estudo sobre as dinâmicas do poder ocidental, o constante anseio pela militarização do império e a forma defensiva de se enxergar o contexto dos Estados aproximava a forma como o poder japonês enxergava as relações interestatais à visão Maquiaveliana e Hobbesiana das relações interestatais, de forma a dialogar com os conceitos basilares de expoentes do pensamento realista [...] (LEMOS, H. F. ; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 33).
Como visto na introdução do trabalho, o paradigma geopolítico hegemônico no contexto imperialista é o realismo. Para os japoneses, que se encontravam mais isolados em termos culturais, políticos e espaciais do que qualquer outro país imperialista, o realismo era a única maneira de perceber a complexa rede diplomática tecida pelos impérios europeus no contexto das relações internacionais.
A escolha japonesa seguiu por um caminho diferente da feita pelos Estados Unidos. Estes optaram, em geral, por um imperialismo mais difuso, sobretudo no continente americano. Ao fim da Guerra Hispano-Americana, os Estados Unidos herdaram o diminuto império colonial que ainda restava a Espanha, a gestão desses territórios é o mais próximo que Washington chegou do imperialismo europeu.
A diferença na maneira de lidar entre Cuba e o Havaí demonstra que os estadunidenses não se limitaram a apenas uma estratégia. Mas essa política não durou muito, pois encontrava resistências internas, daí a opção em mudar o status das Filipinas em 1946, mesmo que os Estados Unidos tivessem poder e motivos suficientes, naquela altura, para mantê-la como colônia. O imperialismo estadunidense se transforma em algo único, estendido, compartilhado e também influenciado, por organismos internacionais e multinacionais, como salientado por Antônio Negri e Michael Hardt em sua complexa teoria de Império, que vai muito além da influência exercida pelos Estados Unidos atualmente.
Na atualidade, as Américas continuam sendo um espaço de influência direta de Washington, enquanto resquícios de uma dominação colonial mais clássica podem ser percebidas nas relações com Porto Rico.
O Império do Japão opta por uma versão do imperialismo europeu, ampliando seu espaço de influência através da conquista de novos territórios, em geral estratégicos, com proximidade geográfica, ricos em matérias-primas, com mercado consumidor abundante, mão-de-obra barata, etc.
Ao dominar novos territórios o Japão aumentava seu nascente império colonial, procurando competir politicamente e economicamente com as potências ocidentais em seu próprio jogo. “Se no aspecto político predominou o conservadorismo centralizador do novo governo, no aspecto econômico o Japão de Meiji empreendeu notável mudança modernizadora [...]” (MACEDO, 2017, p. 61).
A industrialização era uma das chaves para o fortalecimento do império, portanto os japoneses precisavam ter as mesmas condições que os europeus para competir no contexto da Segunda Revolução Industrial.
“O nascimento da indústria moderna conferiu à Europa, Estados Unidos e posteriormente ao Japão um considerável dinamismo. Os países temperados que o povoamento branco estava em vias de conquistar também se beneficiaram.” (CLAVAL, 2012, p. 4).
O Império tinha a seu favor uma singular determinação em se juntar às grandes potências da época no sistema internacional. Em contrapartida, as autoridades japonesas acreditavam que as potências ocidentais buscavam estrangular e restringir a soberania do império, tanto no plano interno, quanto externo [...] (LEMOS, H. F. ; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 33).
A Restauração Meiji não era uma necessidade natural para o Estado japonês, o país passou, com algumas exceções, por um notável crescimento no Período Edo. Se a Restauração passou a ser necessário isso se deve a conjuntura internacional que debelou a política de isolamento Tokugawa, obrigando os japoneses a adentrarem no sistema internacional.
A busca incessante pelo aperfeiçoamento tem origem, não somente em uma prática japonesa de assimilação, muito praticada em relação a China ao longo de seu passado, mas também pelo medo da sujeição ao Ocidente.
A escolha da China por manter-se o mais isolada possível resultou em um completo desastre diante das forças estrangeiras. A China reunia todos os elementos atrativos de uma colônia, os europeus, assim que alcançaram o nível tecnológico necessário, apreenderam uma dominação desse país, sujeitando-o a uma fragmentação do seu território em áreas de influências dos impérios europeus. Os Estados Unidos, com sua política imperialista difusa também queriam participar do vantajoso Mercado chinês, porém discordavam dessa dominação de estilo clássico empreendida pela Europa, preferindo a negociação ao invés da colonização.
[...] embora a China apresentasse um passado marcado pela realização de importantes descobertas para a humanidade, assim como um histórico marcado por séculos de proeminência econômica que conduziu o Império do Meio a se constituir como o centro do sistema internacional leste asiático, a sociedade mais poderosa do mundo se retirou voluntariamente da navegação no contexto que remonta a emergência do interesse europeu pelas grandes navegações e séculos depois assistiu à imposição de sua abertura comercial pelas invasões das potências ocidentais que estabeleceram a extraterritorialidade e os tratados desiguais que provocaram um colapso econômico e social na ordem mundial sinocêntrica. Os acontecimentos que marcaram o colapso daquela ordem mundial implicaram o ingresso do país asiático num período de muita instabilidade que, conhecido como o “século da humilhação” [...] (BAPTISTA, 2020, p. 100).
A China era exatamente o que o Japão esperava não se tornar com a Restauração Meiji, evitando a perda de sua soberania. A derrocada chinesa representava um forte abalo em um dos alicerces da cultura japonesa, pois sua cultura influenciou de maneira decisiva o Japão e serviu como um farol civilizacional desde as Reformas Taika.
A humilhação sofrida na Guerra do Ópio seria seguida pela efetiva colonização da China, iniciando o Século de Humilhação imposto a essa nação. Tanto chineses como japoneses procuravam defender suas civilizações mantendo o mínimo de contato possível, o resultado foram a série de Tratados Desiguais ao qual foram submetidos pelas potencias imperiais.
Os chineses continuariam a rejeitar o Ocidente, tentando sem sucesso restabelecer sua soberania, levando a episódios como o [2]Levante dos Boxers. O Japão, como vem mostrando esse trabalho, optou por caminho diametralmente oposto.
Se as Reformas Taika pretendiam trazer ao Japão os paradigmas da civilização chinesa, doze séculos depois a Restauração Meiji objetivava atualizar suas referências, agora voltadas para o Ocidente. Para Panikkar (1977, p. 202) o Japão possuía maior conhecimento sobre os interesses ocidentais e também tinha maior consciência na disparidade de forças entre o Extremo Oriente e o Ocidente.
Entre as muitas diferenças que podem ser estabelecidas entre as Reformas Taika e a Restauração Meiji, se destaca a importância e o empenho de todo o povo em relação a última. “Poderíamos encontrar várias causas para essa diferenciação. Mas, a mais importante foi, sem dúvida, o fato de ter a Restauração interessado todo o povo e não determinada classe ou classes, como sucedeu nas reformas políticas anteriores.” (YAMASHIRO, 1964, p. 171).
Ainda Yamashiro (1864, p. 171) afirma que, por se impregnar em todas as classes, a Restauração é, de fato, uma verdadeira revolução, que pelo apoio por parte da opinião pública e das diversas camadas sociais representa um momento único na história japonesa, por isso resultou em um desfecho total e permanente.
A disposição em assimilar aspectos culturais e inovações tecnológicas ocidentais foi determinante para que a China e o Japão tivessem destinos tão diferentes diante da ameaça imperialista. “[...] o Japão [...] Permanecera sempre em contato com ela e utilizara, da forma mais conveniente aos seus interesses, a ciência dos estrangeiros, a cuja assimilação dedicara tanta obstinação e paciência [...].” (PANIKKAR, 1977, p. 202).
Mesmo que em certos momentos algumas propostas de mudança fossem insólitas, uma vez que parcelas da população muitas vezes eram menos criteriosas em relação a elas do que as autoridades, ainda assim nunca se perdia de vista o objetivo principal de toda essa transformação. “[...] Um dos lemas dessa época era “oitsuke, oikose”, ou seja, “alcança, ultrapassa”. Um Japão ocidentalizado seria levado a sério pelo Ocidente, e o Japão desejava muito ser levado a sério [...].” (HENSHALL, 2014, p. 114).
[...] Plenamente conscientes de sua fraqueza militar, logo compreenderam que as causas de seu atraso residiam na inadaptação das estruturas fundamentais de seus país às novas necessidades, bem como a sua incultura técnica e científica. Assim, acolheram de bom gado a ajuda ocidental e se puseram com aplicação na sua escola, para adquirir não só as competências técnicas, mas também as bases científicas necessárias ao progresso material. E apenas ao progresso material, pois não se deve concluir – como se deram de fazer os historiadores ocidentais, principalmente antes de 1930 – que essa furiosa imitação subentendia o reconhecimento de qualquer superioridade moral ou cultural dos ocidentais [...] (PANIKKAR, 1977, p. 207).
A disposição por mudança apresentada pelos japoneses não deve ser confundida como uma espécie de assentimento as teses racialistas ocidentais. O Japão não enxergou os avanços técnicos do Ocidente como provas de uma suposta superioridade civilizacional ou racial, ele as entendeu de maneira prática.
Longe de um suposto deslumbre com o Oeste, os japoneses eram mais movidos por ressentimento e cautela em relação aos recentes acontecimentos envolvendo os estrangeiros. “[...] Não gostara da humilhação dos “tratados desiguais” assinados durante a agonia do xogunato e tinha uma grande vontade de que fossem revistos. Queria ser tratado com igual ou, idealmente, como superior.” (HENSHALL, 2014, p. 114).
A celeridade e o entusiasmo demonstrados em modernizar suas forças armadas e se industrializar mostram que os japoneses sabiam os motivos da diferença de poder momentânea que se impunha, daí tentar minimizar o mais rápido possível tal disparidade, tentando passar em algumas décadas pelas mesmas transformações que os europeus levaram séculos tentando.
[...] Os estadistas da Era Meiji puseram-se à tarefa com uma prudência e um ardor que impõem respeito. Convidaram para o Japão todos os técnicos possíveis; especialistas estrangeiros foram promovidos ao título de conselheiros, de professores e funcionários; num certo momento, havia no Japão mais de cinco mil estrangeiros contratados, dos quais 1.300 ocupavam altos postos [...] (PANIKKAR, 1977, p. 209).
A modernização do Império japonês teve resultados notáveis, conseguindo elevar o país a condição de potência, rivalizando com os impérios ocidentais e se posicionando na corrida neocolonial. “[...] De fato, em menos de trinta anos, o país vai sofrer a mais extraordinária modernização da história [...] As técnicas do Ocidente: caminho de ferro, telégrafo, armamentos modernos, foram adaptados com entusiasmo [...].” (MILZA, 2007, p. 55).
Após dois séculos de isolamento quase completo, o Japão retomava seu lugar no concerto das nações mundiais. Já não era mais o país insular separado do resto do orbe por uma verdadeira cortina de aço. O progresso científico alcançado pelo Ocidente atingia a terra do Fujiyama, abalando-a desde os seus alicerces. Em uma palavra, o Japão entrava nas águas agitadas do oceano da política internacional. Fazia parte deste universo eternamente agitado e em luta. Não mais o sono tranqüilo e inconsciente do shogunato Tokugawa. Era chegado o momento de despertar, trabalhar e progredir. Caso contrário, teria de perecer, transformar--se em simples colônia ocidental, compartilhar da sorte de vários povos orientais que, somente hoje, 70 a 80 anos depois do Japão, estão se libertando do jugo imperialista e colonizador das potências do oeste (YAMASHIRO, 1964, p. 156).
O primeiro e único país imperialista do Oriente teria que descobrir um caminho para lidar com os poderes já estabelecidos na ordem internacional, essa empreitada será inevitavelmente beligerante, pois todo o Oriente já fora dividido. Se não existe mais espaço para “descobertas” só resta disputar o espaço já dominado, desse modo o Japão volta a sua atenção para a Coréia e a China, com planos de conquista.
3.4. O Expansionismo Imperialista japonês no Extremo Oriente
O projeto imperialista do Estado imperial japonês avança após as primeiras reformas empreendidas na Restauração Meiji. A modernização das forças armadas e o contínuo processo de industrialização, tanto forneciam as ferramentas necessárias para o empreendimento expansionista, como também o tornavam uma necessidade para o sistema.
Se no sistema econômico capitalista o Capital deve estar sempre em expansão, na sua fase imperialista, se faz necessário expandir o seu espaço de influência, pois, é através da conquista de novos territórios que um Estado-nação se mantém no centro do sistema, colonizando a periferia.
Se o desenvolvimento do Estado é um fato do espaço, Ratzel admite que seu laço com o solo não é o mesmo em todos os estágios da evolução histórica; em sete leis do crescimento do Estado, estabelece que o crescimento deste depende de condições econômicas e da incorporação de novos espaços, e é tarefa do Estado assegurar a proteção de seus espaços através da política territorial (BECKER, 1995. p. 284).
As visões ratzelianas sobre geopolítica eram influentes na segunda metade do século XIX, sua obra “Antropogeografia”, com o primeiro volume lançado em 1882, já dava início ao seu seminal pensamento, que se tornaria vital na primeira metade do século XX. O estudo da expansão dos Estados Unidos o influenciou enormemente, bem como as necessidades imperialistas alemãs, culminando na obra “Geografia Política”, de 1897.
A ideia do Estado como uma força central que defende o território, mantém coeso uma população homogênea e expande o seu espaço vital, é, sobretudo, um legado germânico, que é bem recebido no Japão.
A influência alemã para o império foi profunda, sendo a principal na área militar e também no sistema legal, as lideranças governamentais tendiam a um posicionamento pró-germânico (HENSHALL, 2014, p. 145). A própria Constituição do período imperial foi planejada para possuir grande inspiração prussiana. Portanto, é natural que o pensamento geopolítico de Ratzel também interessasse as esferas do poder japonês.
Para amalgamar todos esses fatores seria necessário agir cuidadosamente, pois a obrigatória necessidade de expansão espacial já tornou a Ásia uma região completamente dividida. Portanto, o Império do Japão necessitaria disputar territórios com as demais potências, o que era altamente perigoso, não só pela eventual possibilidade de uma derrota e todas as consequências inerentes a ela, como também o fato de que as potências ocidentais tenderiam a agir em conjunto contra o Japão, tanto para preservar as colônias que já possuem, quanto por enxergarem nos japoneses um povo racialmente inferior, postura que tornou-se perceptível após o conflito com a Rússia e que se tornará ainda mais evidente após a Primeira Guerra Mundial.
[...] a relação política e território era uma questão do Estado, que se fundamentava na inteligência militar e atendia a um imperativo estratégico. Para Ratzel, preocupado com a construção de Estados imperiais, a situação geográfica é sempre concebida como um dispositivo militar, e a economia –configurada espacialmente- é a guerra. Na geopolítica, hipóteses sobre o valor estratégico da massa terrestre, marítima ou do espaço aéreo, bem como das posições para seu controle, explicaram o poder mundial (BECKER, 1995. p. 290).
A capacidade de projetar o poder espacialmente é fundamental para compreender a geopolítica, na era dos impérios essa é a mais importante característica que distingue os países. Enquanto a Rússia, a despeito de sua grande população e vasto território é vista como incapaz de projetar seu poder de modo adequado através do Oriente, devido a questões de infraestrutura, a Grã-Bretanha é considerada a grande potência mundial, pois é capaz de se projetar em qualquer parte do mundo, graças a sua marinha e seu gigantesco império colonial.
As necessidades infligidas pelo imperialismo, como já dito, impeliam o Japão a uma postura mais beligerante, porém, sua capacidade de projetar a força ainda era diminuta, o que o obrigava a focar-se na Ásia Oriental. O principal problema é que mais dois concorrentes procuravam expandir-se também por essa determinada área.
Outro sinal marca o surgimento de uma nova época: a influência crescente dos Estados Unidos e da União Soviética nos negócios da Ásia [...]. Já em 1844 os EUA atingiam a Costa do Pacífico, e alguns anos mais tarde Muraviev colocava sob a bandeira russa a província marítima de Vladivostoque e fundava a cidade de mesmo nome (PANIKKAR, 1977, p. 23).
É a Rússia a adversária imperialista mais próxima geograficamente do Japão, seu monumental território bicontinental é responsável pelo inusitado fato dos japoneses terem uma potência imperialista europeia como vizinha. Ambos os países têm interesses nas mesmas áreas, o que os torna adversários naturais.
Os russos não necessitam de uma marinha da envergadura britânica para se projetar na Ásia Oriental, as fronteiras em comum com a Coréia e a China fornecem a proximidade geográfica necessária para exercer influência nessa região.
O período que abrange de 1840 a 1914, e que podemos chamar o século de Augusto dos impérios europeus na Ásia, é testemunha, simultaneamente, tanto do despertar do nacionalismo asiático quanto da promoção dos Estados Unidos e da Rússia como potências asiáticas. [..] a presença russa na Ásia é um fenômeno geográfico e que ela se manifesta com uma crescente evidência no curso dos séculos. As três grandes potências asiáticas – Índia, China e Japão - tem fronteiras comuns com a Rússia soviética. Por isso a influência russa, continental e não marítima, difere essencialmente da que a Europa exerceu durante quatro séculos [...] (PANIKKAR, 1977, p. 24).
A posição da Rússia como potência era um fato incontestável, seja devido as suas vantagens demográficas e territoriais, ou seu desempenho em diversos conflitos como na Grande Guerra do Norte[3], ou sendo a primeira a desafiar o Bloqueio Continental que Napoleão infligia aos ingleses. Os russos sempre estiveram envolvidos na geopolítica europeia, desafiando com frequência a Suécia, a Áustria, a Prússia e os otomanos.
“À Rússia bastava-lhe o seu imenso território e a sua população numerosa para ter um estatuto de potência mundial. Em 1856, depois de uma humilhante derrota na guerra da Crimeia, [...] a Rússia [...] desceu para uma entre iguais nas nações mais poderosas.” (FREIRE, 2004, p. 6).
A derrota na Criméia, em 1856, foi um duro golpe, mas estava longe de ser um momento de prolongada, ou mesmo definitiva, decadência para esse império, como fora para os otomanos. Enquanto se recupera da guerra realizada na porção europeia, a Rússia continua a se expandir para além dos Urais, pois, da mesma forma que os seus adversários imperialistas, ela cobiça a China.
Assim como os demais países europeus tiveram que aceitar a expansão da Rússia e a chegada dos Estados Unidos no Extremo Oriente, o Japão terá que lidar com esses dois grandes atores na arena internacional. Pela influência exercida na China e na Coréia, seriam os russos os primeiros adversários, já que seus interesses estavam localizados no espaço natural de expansão japonesa, a Ásia Oriental.
Segundo Panikkar (1977, p. 23-24) os Estados Unidos e a Rússia expandiram sua influência na Ásia concomitantemente, durante o século XIX. Enquanto os russos penetravam na Manchúria, avançando pelo continente asiático através de suas amplas fronteiras, os Estados Unidos vinham pelo mar, abrindo o Japão a força e dominando as Filipinas.
Tal como o Japão, também a Rússia, em meados do século XIX iniciou um processo de modernização. Mas se o processo japonês era ambicioso e visava igualar o país às principais potências da Europa ocidental, a Rússia, só em 1861 proclamava o fim da servidão. As reformas levadas a cabo pelo czar Alexandre II foram pouco ambiciosas e a dimensão territorial e populacional que no fundo constituíam a razão de ser de um estatuto de potência foram para Alexandre II a razão para a ideia que só um sistema autocrático seria capaz de governar este país (FREIRE, 2004, p. 7).
A avidez com que o Japão engendrou a sua transformação promoveu mudanças aceleradas no país, com as forças armadas e a indústria se modernizando de forma rápida e profunda. Em contraste com as mudanças realizadas pela Rússia, incapazes de fazê-la retornar ao patamar anterior ao da Guerra da Criméia.
Tanto a Rússia como a Espanha encontravam-se em um momento de fraqueza, sendo as potências imperialistas com a maior dificuldade para proteger seus domínios coloniais, uma vez que Portugal sempre foi cuidadoso o suficiente para proteger suas possessões africanas através de alianças.
As duas potências em decadência seriam desafiadas pelas forças em ascensão, rendendo derrotas humilhantes para os europeus e mudando o status quo da geopolítica imperialista.
De 1890 a 1907 a rivalidade entre as grandes potências desenvolve-se mais no plano mundial do que no plano europeu. [...] Onde quer que se disputem posições económicas ou estratégicas, as grandes potências europeias estarão lá: Grã-Bretanha, França, Rússia e, sobretudo, a Alemanha que, depois de ter sido ignorada por muito tempo a política mundial é agora omnipresente. No entanto, pouco a pouco, dois países que até então haviam tido um papel bastante apagado, os Estados Unidos e o Japão, fazem a sua aparição na cena política mundial e manifestam uma clara vontade de expansão imperialista. [...] A Espanha e a Rússia vão conhecer a humilhação da derrota, perante os Estados Unidos e o Império nipónico, respectivamente. A ascensão dos concorrentes da Europa é um acontecimento importante desse período em que se ultima a partilha do mundo (MILZA, 2007, p. 99).
Os europeus têm que lidar com as alterações na balança do poder e procuram agir de forma unida para proteger seus interesses, uma necessidade diante das exigências cada vez maiores com a chegada de novos atores da arena internacional.
Tanto a Rússia quanto os Estados Unidos tendiam a perceber o Oriente de modo distinto, suas políticas para a região eram mais assertivas, tendendo a respeitar as lideranças locais e levando em consideração aspectos e demandas históricas dos diversos povos ali presentes.
Os japoneses sempre estarão prontos para aproveitar tanto da disposição por negociações de russos e estadunidenses, quanto dos momentos de desunião entre os europeus, já começando a notar que a mesa de negociações era tão importante quanto o campo de batalha.
[...] Com exceção talvez da Rússia, todas as potências faziam frente única quanto a Ásia e aceitavam o princípio de uma assistência mútua nas suas respectivas reivindicações, com a condição de não exigirem privilégios que fossem de encontro aos interesses gerais. [...] Pouco a pouco, no entanto, a frente única ocidental se desgastou: o governo americano, que via com simpatia os esforços do Japão, firmou com ele uma convenção consagrando sua igualdade, para grande indignação das outras potências. Mas foi principalmente a Rússia quem contribuiu para romper a unanimidade ocidental. [...] em 1875, foi firmado um tratado que reconhecia os direitos japoneses sobre as ilhas Kurilas e os dos russos sobre Sacalina. Todavia, o que é talvez mais importante nesse regulamento, é que o tratado fora firmado em pé de igualdade perfeita, e que se tratava do primeiro acordo internacional que colocava o Japão ao lado das grandes potências mundiais (PANIKKAR, 1977, p. 210-211).
O expansionismo japonês já aparecia em Hideyoshi, apesar de ser sobretudo fruto da escolha de uma única mente, porém não é o mesmo que o expansionismo imperialista, são dinâmicas diferentes.
Mais uma vez é o Estado quem planeja uma ação no exterior, mas agora ele leva em conta os interesses das elites dominantes, que desejam aplacar suas necessidades imperialistas, conquistando uma área de influência capaz de fornecer matérias-primas e mercado consumidor cativo.
O povo japonês, apesar da euforia, acompanha a distância e com informações editadas, dessa vez sendo alienado não apenas através da histórica figura institucional do imperador. A burguesia, cada vez mais poderosa e politicamente atuante, procura convencer o trabalhador japonês que seus interesses não estão em obter direitos trabalhistas, mas sim em dominar trabalhadores coreanos e chineses e explorá-los da mesma forma que os europeus o fazem.
A Primeira Guerra Sino-Japonesa, de 1894 até 1895, será o primeiro resultado dessa dinâmica imperialista adotada pelo Estado japonês. A disputa pela Coréia, naquele momento sob a órbita de influência chinesa, levará ao confronto direto com Pequim.
Há 300 anos a China exercia sobre a Coréia uma vaga suserania, que o imperador da Coréia aceitara de bom grado e que era simbolizada por um tributo anual. Diversas nações europeias haviam tentando, por várias oportunidades, intervir na Coréia. A França chegara ao ponto de notificar ao governo chinês de sua intenção de anexar o país [...] durante o ano de 1866, foi forçada a renunciar seus projetos [...] Os Estados Unidos fizeram um último esforço em maio de 1868 [...] A tentativa americana tivera como único resultado levar o governo coreano a reclamar uma proteção mais efetiva da China (PANIKKAR, 1977, p. 187-188).
Segundo Panikkar (1977, p. 189-190) os japoneses esperaram um momento mais propício para intervir na Coréia. Em 1894 uma sociedade xenófoba coreana iniciou uma manifestação que rapidamente levou a uma revolta de grandes proporções. Vendo-se incapaz de reprimir os revoltosos, as autoridades coreanas apelaram para a China que mandou um diminuto exército em seu auxílio, porém os japoneses decidiram intervir, enviando um exército mais poderoso que o chinês.
“[...]o Japão anunciou sua decisão de reformar a Coréia. O governo coreano, que não queria desligar-se da China, opôs-se por todos os meios a essa decisão; mas os japoneses tomaram o Palácio, apoderaram-se da família real e levaram-na [...].” (PANIKKAR, 1977, p. 190).
Em setembro a esquadra japonesa neutraliza a frota chinesa, seu controle marítimo é absoluto, acarretando em uma decisiva vitória sobre o inimigo. No mês seguinte os japoneses invadem a Manchúria e conquistam Port Arthur, em março as forças chinesas entram em colapso, incapazes de fazer frente as forças inimigas que agora já marcham para Pequim (MILZA, 2007, p. 117).
A guerra que se seguiu foi extremamente curta. Tanto em terra quanto no mar, os chineses foram completamente esmagados. Uma vez senhores do território coreano os japoneses atravessaram o Ialu e invadiram a Manchúria [...] Os chineses propuseram então negociações, mas os japoneses, desejosos de resolver definitivamente todas as questões pendentes, recusavam a mediação das potências [...] A frota chinesa, cercada em Wei-hai-wei, se rendeu e o próprio território chinês foi invadido [...] pelo Tratado de Shimonoseki, a China reconhecia a independência da Coréia, cedia Formosa e as Ilhas Pescadores e a península de Liao-Tung na Manchúria; devia pagar uma indenização de guerra de 200 milhões de taéis e o Japão obtinha todos os privilégios das potências, particularmente o de extraterritorialidade [...] (PANIKKAR, 1977, p. 190).
Como pontuado anteriormente, os países europeus tendiam a agir em bloco em favor dos seus interesses na Ásia, sobretudo quando as questões envolviam o Japão. O temor de uma potência asiática capaz de pôr em risco a dominação sobre a China era intolerável, portanto os japoneses teriam que ser freados a qualquer custo.
“Com a vitória na guerra Sino-Japonesa e com a assinatura do Tratado de Shimonoseki a 17 de Abril de 1895, o Japão conseguiu um conjunto de conquistas que assustaram as potências europeias ao ponto de estas o pressionarem no sentido de as renunciar.” (FREIRE, 2004, p. 4).
Era a Rússia o país europeu que mais tinha a perder com essa situação, levando-a a arquitetar uma intervenção diplomática capaz de fazer os japoneses recuarem. Os russos não permitiriam que seu longo e intermitente avanço através das fronteiras orientais fosse demovido pelo Japão, alinham-se então as demais potências europeias já dispostas a agirem unidas contra os interesses de Tóquio.
A posse da península de Liaotung e em concreto Porto Artur, era um rude golpe para as aspirações da Rússia na Manchúria. Mas não era só a Rússia que estava preocupada com o domínio dos Japoneses na China. São Petersburgo foi capaz de convencer a França e a Alemanha deste perigo e pressionar o suficiente para que o Japão devolvesse o que tinha conseguido militarmente e que constituía orgulho para o seu povo. O Japão não tinha aliados e, com a ameaça de uma intervenção militar estrangeira, o governo nipónico foi convencido a fazer concessões, que a troco de um aumento da indemnização chinesa, se materializou na devolução da península de Liaotung, por esta, nas mãos do Japão, constituir um obstáculo permanente à paz no Extremo Oriente (FREIRE, 2004, p. 4).
As repercussões acerca da vitória japonesa sobre a china ressoaram durante um longo período, tanto na maneira de se lidar com o Japão, quanto na reorganização de forças na região.
Esse será o primeiro de uma série de revezes diplomáticos que as potências colonialistas (incluindo os Estados Unidos) irão impor ao Japão, obrigando-o a se adequar as diversas alianças forjadas até o distante segundo conflito mundial.
“[...] oito dias após a assinatura do tratado, a Rússia, a França e a Alemanha faziam um démarche coletiva junto ao governo de Tóquio para leva-lo a abandonar a península de Liao-Tung. O Japão teve de dobrar-se, adivinha-se com que rancor.” (PANIKKAR, 1977, p. 191).
Por não ter a capacidade de pagar a indenização exigida, os chineses foram obrigados a aceitar o aumento da influência russa em seu território, fazendo a balança de poder pender para São Petersburgo, em detrimento de Tóquio.
A pesada indemnização exigida pelo Japão acabou por ser usada contra si. Pela incapacidade de a pagar, a China aceitou a “colaboração” russa. Em troco, a Rússia podia construir o caminho de ferro transiberiano pela Manchúria facilitando a instalação de habitações dos trabalhadores russos bem como a implementação de um exército de protecção ao caminho de ferro. Estavam criadas, sem recurso à guerra, as condições para o domínio russo desta tão ambicionada parte da China (FREIRE, 2004, p. 4).
O enfraquecimento da China diante do Japão incita a interferência europeia em relação ao Tratado de Shimonozeki, conduzindo até a sua partilha pelas potências imperialistas. Após a Revolta dos Boxers, entre 1899 e 1901, os russos penetram na Manchúria, levando a uma aliança anglo-japonesa para conter as ambições do Czar Nicolau II.
A Guerra Sino-Japonesa reconfigurou e criou novas alianças. A parceria entre a França e a Rússia se fortalecia, já semeando a futura Entente Cordiale, enquanto o Japão saía do seu isolamento através de uma estratégica aliança com os britânicos, o que lhe permitiria muito mais espaço para ações no Extremo Oriente.
O Japão ficou muito ressentido com esta intervenção das potências, especialmente com a Rússia. No entanto é curioso verificarmos que a Grã-Bretanha não participou nesta pressão feita ao Japão para devolver as suas conquistas. A Grã-Bretanha começava a ver que o Japão podia ser um aliado seu contra a Rússia no Extremo Oriente. Convidada a juntar-se à iniciativa destas potências, a Grã-Bretanha esquivou-se porque, se dizia em Londres que os interesses britânicos não tinham sido lesados ao ponto de se justificar uma intervenção. Há 40 anos que a Grã-Bretanha observava o avanço da Rússia em direcção a sul, através da Ásia central e olhava com receio e apreensão para a sua jóia imperial, o subcontinente indiano. Ao longo das fronteiras Afegã e Persa, a Grã-Bretanha via ameaçados os seus interesses pelo expansionismo russo. Também, mas em menor grau, as actividades da Rússia na Manchúria ameaçavam a posição predominante que a Grã-Bretanha detinha no comércio da China. Portanto, pressionar o Japão era favorecer o jogo da Rússia no Extremo Oriente, precisamente, o que a Grã-Bretanha temia (FREIRE, 2004, p. 4-5).
A repercussões do conflito não se restringem a geopolítica, ele também tem um impacto significativo dentro do próprio Japão. As relações entre o Estado e o Grande Capital tornaram-se mais intensas, e, como normalmente ocorre em nações capitalistas, o Mercado passa a cooptar o Estado em favor de seus interesses.
As consequências dessa simbiose são a aceleração da expansão territorial japonesa e a perseguição aos elementos dissidentes do projeto econômico vigente, sobretudo os comunistas.
A forte ligação entre as grandes empresas do Japão e o Estado é um elemento fundamental para se compreender a evolução econômica desse país. O fato da guerra ter sido absorvida pelo setor econômico como algo positivo tornará a política externa japonesa ainda mais beligerante, tanto no intuito de lucrar com as demandas necessárias para movimentar a máquina de guerra, quanto para se obter os elementos necessários para a evolução de uma economia imperialista.
[...] A guerra contra a China, em 1894-1895, estreita os vínculos entre o Estado e os grandes zaibatsu, principalmente devido às grandes encomendas oficiais feitas a estes últimos (transporte de tropas e de material...) A pesada indenização paga pela China foi quase toda destinada as novas subvenções, a novas encomendas. Deu novo impulso ao movimento de expansão econômica (CHESNEAUX, 1976, p. 46-47).
Os elementos necessários as expansões imperialistas orbitavam em torno da conquista de novos territórios. A sua efetiva colonização era capaz de prover as matérias-primas tão necessárias para a produção industrial, e das quais o Japão era tão carente; a mão-de-obra barata que tornava os produtos mais competitivos, elemento mais necessário aos europeus do que ao Japão; e mercado consumidor cativo, garantindo o escoamento da produção.
A mão-de-obra japonesa era barata, o que tornava os seus preços atraentes no comércio internacional, mas também menos desejados pela população europeia mais abastada. A busca por um mercado consumidor mais compatível a realidade de sua produção é um dos motivos da fixação do Japão pela China.
Como era incapaz de fazer escoar os seus produtos para os mercados europeus e americano (os produtos eram de fraca qualidade e a clientela destes mercados exigente), virou-se para os mercados do continente asiático, especialmente o da China, onde os baixos preços praticados pela sua indústria tinham a possibilidade de atrair uma população de fracos recursos económicos (FREIRE, 2004, p. 4).
A “reconstrução” iniciada pela Restauração Meiji entrava em uma nova etapa. Agora que o Japão já era uma potência imperialista, capaz de rivalizar em muitos aspectos com os seus adversários ocidentais, fazia-se necessário realizar uma expansão territorial que constituísse um espaço de influência em forma de império colonial.
É a partir desse espaço que o Japão será capaz de dar prosseguimento ao seu projeto sobre o Extremo Oriente. O foco passa então a ser o militar, aumentando e melhorando suas forças armadas para, no futuro próximo, desafiar a sua adversária que fora vitoriosa no campo diplomático.
A conquista de mercados industriais e de reservas de matérias-primas torna-se uma questão vital para o Império nipónico. A Coreia e a Manchúria podem fornecer-lhes ambos. Desde que consiga desalojar os russos, cuja influência na região tem vindo a aumentar desde 1895. É com esse objetivo que, em 1894, o Japão se lança num enorme esforço militar que lhe vai permitir passar o seu exército de seis para 13 divisões e aumentar a sua frota de guerra com unidades compradas à Grã-Bretanha e à Itália (MILZA, 2007, p. 134).
Para a sorte dos japoneses uma janela de oportunidades tinha sido aberta. A Grã-Bretanha sentiu a necessidade de reformular as suas alianças frente a possibilidade de embate com alguma outra potência europeia.
Freire (2004, p. 5) afirma que, logo após a Segunda Guerra dos Boeres, 1899-1902, os britânicos detectaram deficiências no seu exército, o que os tornou temerosos de enfrentar seus adversários europeus em campo de batalha. Franceses, alemães e russos estavam sempre à espreita, tentando se aproveitar de algum sinal de fraqueza, pois a menor rachadura no maior império colonial do mundo significava a chance de expansão dos impérios coloniais rivais.
Como os mesmos países temidos por Londres eram os que haviam agido em bloco contra Tóquio, uma aliança pareceu algo natural para ambos. Dessa forma os japoneses poderiam ser o contrapeso necessário para frear o avanço russo na Ásia Oriental, enquanto os britânicos concentrariam a sua atenção nas ações russas na Ásia Central e no Sul da Ásia, além de ter mais espaço para melhor monitorar a França e a Alemanha. “A Aliança Anglo-Japonesa materializa o fim do isolamento da Grã-Bretanha e do Japão. O tratado defensivo é assinado a 30 de Janeiro de 1902 e publicado 10 dias mais tarde.” (FREIRE, 2004, p. 5).
Esta aliança permitiu aos britânicos concentrar a sua diplomacia noutras regiões do mundo onde esta melhor podia salvaguardar os interesses britânicos, para além de salvaguardar interesses na Índia e negócios na China. Ao promover esta aliança, os estadistas britânicos também esperavam diminuir o ónus estratégico na China pois ao ganhar o apoio da esquadra japonesa no Extremo Oriente, reduziam algumas pressões sobre as localizações da marinha britânica e melhoravam as suas perspectivas de consolidação em tempo de guerra. O tratado foi negociado secretamente em Londres e os termos principais incluíam o reconhecimento de que o Japão tinha um interesse especial na Coreia e a promessa de que, se algum dos dois signatários entrasse em guerra com duas ou mais potências, o outro deveria vir em seu auxílio (FREIRE, 2004, p. 5).
A aliança anglo-japonesa tem um significado ainda maior para o Japão. Além de conseguir o apoio da maior potência mundial, ela agora tinha algumas de suas principais preocupações sanadas, como a de ser atacada por mais de uma nação simultaneamente, ou de mais uma vez ser derrota na mesa de negociações. Se Londres preferiu se abster em relação a Guerra Sino-Japonesa, Tóquio esperava que no futuro ela tomasse seu partido em detrimento das potências europeias rivais.
“A partir daquele momento, os japoneses prepararam-se seriamente para um conflito de imperialismo. Admitido o medo inglês de que a Rússia avançasse contra a índia [...].” (DURANT, 1995, p. 618).
A percepção japonesa mostrou-se correta, o país não ficou isolado durante o conflito, recebendo financiamento para a condução da guerra e tendo a garantia de que nenhuma outra potência, inclusive a França, naquela altura aliada da Rússia, iria intervir em favor de São Petersburgo.
“ [...] Quando em 1904 irrompeu a guerra com a Rússia, os banqueiros ingleses e americanos emprestaram aos japoneses as vultosas somas necessárias ao financiamento da vitória sobre o Czar [...].” (DURANT, 1995, p. 618).
[...] Trazendo ainda na memória a humilhação de 1853, o Japão resolveu construir uma força armada que o torna-se senhor de seu destino e também do destino de todo o Oriente [...] breve elevou o seu aparelhamento militar a ponto de lhe permitir falar de igual para igual com os “bárbaros estrangeiros” e de empreender a gradual absorção da China, que a Europa havia começado mas não acabado [...] o Japão declarou guerra à sua antiga tutora e surpreendeu o mundo com a rapidez da vitória [...] A Alemanha e a França estimularam a Rússia a “aconselhar” o Japão ao abandono de Porto Artur, em troca de mais 30 milhões de taéis (pagos pela China). O Japão cedeu, mas guardou sua ressentida resposta para o momento adequado (DURANT, 1995, p. 617-618).
Até aquele momento nenhuma nação asiática foi capaz de fazer frente a uma potência europeia. Os países europeus já haviam se industrializado e avançaram sobre a Ásia com facilidade, devido ao fato da disparidade tecnológica favorecer as suas forças armadas.
Com o processo de mudança iniciado na Restauração Meiji o Japão, além dos Estados Unidos, rompia o monopólio europeu do uso das políticas imperialistas, sendo capaz de lhes fazer frente tanto economicamente quanto militarmente.
Apesar dos avanços alcançados ainda existiam diferenças de forças, portanto o Japão não poderia enfrentar qualquer rival imperialista, tendo em vista que alguns deles, sobretudo a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a França eram significativamente mais poderosos.
Porém, como dito anteriormente, Espanha e Rússia se encontravam fragilizadas entre o fim do século XIX e início do século XX. Os Estados Unidos derrotaram a primeira e dominaram seu império colonial, aumentando ainda mais sua presença na Ásia através das Filipinas. O Japão se chocaria com a Rússia, que via a Manchúria como parte de sua esfera de influência.
“[...] de 1897 a 1904, a Rússia juntou-se à malta das nações ocidentais para aproveitar com elas da fraqueza da China [...] As estradas de ferro da Manchúria deram-lhe a oportunidade, se não de reclamar explicitamente essa província [...].” (PANIKKAR, 1977, p. 242-243).
O Japão, graças a instituição imperial, tinha uma população obediente e, até certo ponto, coesa, pelo menos no Período Meiji, antes das contradições capitalistas se tornarem mais visíveis. O notável desenvolvimento industrial e militar era inegável, tornando-o cada vez mais preparado para dar andamento ao projeto imperialista. A Rússia, por outro lado, vinha de uma derrota humilhante na Criméia, seu processo de industrialização era lento e o país ainda era, sobretudo, uma economia basicamente feudal.
No início do século XX, enquanto o Japão tinha uma identidade própria como povo, os Czares governavam uma população de cerca de 130 milhões, não só desagregada culturalmente mas também com focos de instabilidade consequência do atrito com minorias religiosas, nacionais e com um proletariado operário com as piores condições da Europa. Estes eram os aspectos essenciais da crise social que se ia avolumando (FREIRE, 2004, p. 7).
Em plena Segunda Revolução Industrial a necessidade de obter matérias-primas para a produção industrial e o controle de mercados consumidores para o escoamento dos produtos era essencial, fazendo a dominação colonial de territórios do Oriente o principal interesse de todas as potências imperialistas.
A China, rica em recursos naturais e extremamente populosa, era o território mais cobiçado. Nenhuma potência foi capaz de exercer influência total sobre ela, como ocorrera em relação a Índia britânica, o que acarretou em uma divisão de zonas de influências que minaram a soberania nacional chinesa e proporcionaram novos mercados para os imperialistas.
Nas vésperas de eclodir o conflito entre Russos e Japoneses, o mundo continuava um percurso de desenvolvimento e de euforia económica iniciado uma dezena de anos antes. O aparecimento e a utilização de novas fontes de energia, como o petróleo e a electricidade, levou a um aumento significativo da actividade industrial. A competição económica entre potências fazia-se sentir a dois níveis: por um lado, na capacidade de escoar a produção com o consequente cuidado de garantir a exclusividade dos mercados, por outro, controlar, no mundo, as fontes de matérias primas (FREIRE, 2004, p. 2).
Para Panikkar (1977, p. 243) os russos, além da busca pelos elementos essenciais as economias imperialistas industrializadas, ainda desejavam uma base naval fora de regiões que congelavam, como ocorria no Báltico, e distante do firme controle exercido pela Marinha britânica nos diversos mares europeus. Esses objetivos foram alcançados após a Primeira Guerra Sino-Japonesa, que lhe legou a influência sobre o Nordeste da China, mas também despertou o receio de outras potências europeias e a colocou em rota de colisão com os interesses japoneses.
A disputada Manchúria levou a Rússia e o Japão ao inevitável confronto em 1904, através de uma série de batalhas terrestres que somavam vitórias japonesas e aumentavam o receio dos russos de uma derrota frente os japoneses.
Depois de sucessivas derrotas em terra os russos esperavam recuperar a vantagem pelo mar, após sete meses de viagem a frota do Báltico finalmente chegou a zona de conflito, onde foi recebida pela frota japonesa liderada pelo almirante Togo. Além da viagem exaustiva, os equipamentos russos mostraram-se menos modernos, levando a frota do Báltico a uma absoluta derrota (FREIRE, 2004, p. 12).
[...] Com falta de carvão, Rojdestvensky decidiu ir a Vladivostock, passando pelo estreito da Coreia. Lá esperava-o a frota do almirante Togo. A 27 de Maio, deu-se a batalha, perto das ilhas Tsu-Shima. A frota russa, esgotada devido à longa viagem e equipada com um armamento menos moderno, foi completamente esmagada; de trinta e sete navios, dezanove foram afundados e cinco capturados. Também as últimas esperanças do czar foram ao fundo (FREIRE, 2004, p. 12).
A dedicação no projeto de modernização das forças armadas finalmente rendeu ganhos consideráveis. A vitória sobre a China, apesar de importante, era já esperada pelos japoneses, que entraram naquela guerra com muito mais confiança em relação aos resultados.
O conflito com a Rússia quase levou o Japão ao esgotamento, apesar das sucessivas vitórias infligidas ao exército russo, elas geravam um custo humano e material muito elevado e o Estado japonês não seria capaz de sustentar a guerra por mais tempo.
A vitória da frota japonesa, de modo retumbante, levou novamente o Japão a mesa de negociações, dessa vez como uma potência equivalente a suas rivais europeias e tendo como aliada a poderosa Grã-Bretanha.
A paz foi assinada em Portsmouth, nos Estados Unidos, a 5 de setembro de 1905. A Rússia deveria ceder ao Japão a parte meridional da ilha Sacalina, o Liao-Tung com Port-Arthur, que passaria a ser uma base japonesa, e ainda os seus direitos sobre o caminho de ferro do sul da Manchúria: daria a Tóquio toda a liberdade de acção na Coreia, onde o protectorado foi rapidamente proclamado, enquanto não se concretizava a anexação, o que aconteceu em 1910 (MILZA, 2007, p. 137).
Mas para além da glória da vitória sobre um império europeu, os japoneses não podiam ser rígidos demais no acordo de paz. A falta de recursos para dar prosseguimento a guerra levou o Japão a aceitar um acordo que limitava seus ganhos, ficando sem a indenização que esperava receber da Rússia (FREIRE, 2004, p. 14).
O mais importante para o Japão é que agora os russos perdiam sua influência na Manchúria, sendo incapaz de influir nos assuntos internos chineses. O Japão vencia o primeiro de seus adversários imperialistas. “[...] A guerra russo-japonesa, durante a qual o Japão teve o apoio moral da Grã-Bretanha, terminou com uma esmagadora derrota russa [...] O governo russo perdeu então toda a influência nos assuntos da China.” (PANIKKAR, 1977, p. 243).
A Batalha do Mar do Japão marcou um ponto alto da história moderna. Não só pôs um fim à expansão russa da China, como também ao domínio da Europa sobre o Oriente, e marcou o início da Ressurreição da Ásia – processo histórico que talvez venha a constituir a coisa mais importante do nosso século. Toda a Ásia exultou quando viu a pequena ilha nipônica derrotar a mais populosa potência europeia; a China começou a ferver de idéias revolucionárias e a Índia deliberou reconquistar a sua independência. Quanto ao Japão, a idéia não foi estender liberdades, mas aumentar de poder. Obteve da Rússia o reconhecimento da sua posição na Coréia e depois, em 1910, formalmente anexou ao império este antigo reino, outrora altamente civilizado (DURANT, 1995, p. 618).
Apesar da população japonesa ter aceito, em sua imensa maioria, as mudanças da Era Meiji, ela estava longe de influir verdadeiramente nos rumos políticos do país. Daí entender que a guerra foi realizada pelo Estado expansionista japonês.
Becker (1995. p. 290) lembra que no pensamento ratzeliano a guerra é a espacialização da economia. Na geopolítica imperialista só se pode conseguir ou ampliar os fatores econômicos determinantes, como mercado consumidor e matérias-primas, através da conquista. Naquele momento, ler geograficamente as questões era militarizar o entendimento sobre elas, como mais tarde denunciaria Lacoste.
O mesmo Estado que procura alimentar o capitalismo nacional com territórios conquistados de outras nações, irá procurar defender o capitalismo das parcelas da população que considera uma ameaça.
A falta de conhecimento sobre o estado real do conflito demonstra a pouca participação que a população tinha nos assuntos geopolíticos, tendência que pioraria com a adoção do ultranacionalismo no Período Showa.
O povo japonês não tinha noção para o estado de catástrofe que o seu exército caminhava. Animado pelas sucessivas vitórias, pedia uma marcha pelos Urais em direcção a São Petersburgo. As vitórias seguir-se-iam umas às outras e a enorme indemnização russa compensaria todo o esforço e privação por que estavam a passar. Somente a oligarquia dirigente e alguns oficiais de estado-maior tinham noção dessa realidade (FREIRE, 2004, p. 13).
As repercussões do conflito entre russos e japoneses não se restringiram a região do Extremo Oriente. A política de alianças envolvendo as potências imperialistas seria abalada, com a forja de novos aliados e o fortalecimento de velhos acordos.
A aliança Anglo-japonesa foi reforçada, ela permitiu ao Japão enfrentar a Rússia sem a interferência de outras nações, além de aplacar os receios britânicos quanto a crescente influência de São Petersburdo no Nordeste da China (FREIRE, 2004, p. 6).
A derrota russa alterou a agenda política do Czar, trazendo sua atenção novamente para a Europa, onde Londres esperava contar com um novo aliado para contrabalançar a crescente influência alemã
“[...] a Guerra Russo-Japonesa foi o acontecimento que iniciou e estabeleceu a bipolarização das alianças que mais nenhuma outra crise, entre as potências europeias, viria a ser capaz de alterar e que seria uma causa profunda para a Primeira Guerra Mundial.” (FREIRE, 2004, p. 2).
Por envolver tantos interesses das mais variadas potencias imperialistas, a Guerra Russo-Japonesa teve um impacto que foi além do Extremo Oriente. Segundo Freire (2004, p. 15) a Grã-Bretanha passa a se aproximar da França, tendo ambos os países, interesse em proteger seus impérios coloniais de adversários sedentos como a Alemanha e o Japão. A França levou a sua aliada, a Rússia, a também se aproximar de Londres, criando a Tríplice Entente.
“Ainda sofrendo da angustia da sua derrota com a Alemanha [...] a França percebeu claramente que a principal ameaça vinha da sua vizinha altamente industrializada, a Alemanha. A Aliança com a Rússia era insuficiente para a sua protecção.” (FREIRE, 2004, p. 16).
A problemática do pós-Guerra Russo-Japonesa e do consequente reequilíbrio do poder no Extremo Oriente e na Europa, com as consequentes repercussões nas alianças entre as potências mundiais [...] as consequências diplomáticas da Guerra Russo-Japonesa foram determinantes no eclodir da 1ª Guerra Mundial. Sobre esta matéria defendemos que, mais do que qualquer outra crise que envolveu as potências europeias, a Guerra Russo- Japonesa teve o papel iniciador e decisivo para a criação do sistema de alianças bipolar que, entre outras razões, foi causa profunda da Primeira Guerra Mundial (FREIRE, 2004, p. 1).
A historiografia tende a minimizar a importância da Guerra Russo-Japonesa em relação a Primeira Guerra Mundial. A tendência em fazer da Ásia uma coadjuvante também é a responsável pelo marco do início da Segunda Guerra Mundial ser a invasão da Polônia, em 1939, por parte da Alemanha Nazista, ao invés da invasão da China, em 1937, pelo Império do Japão.
A Guerra Russo-Japonesa, no Extremo Oriente, possui o mesmo impacto que o Revanchismo francês e o Pan-eslavismo russo para a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Ignorar a relevância dos acontecimentos desse conflito, devido a sua distância geográfica da Europa, impede o entendimento acerca dos eventos entre 1914 e 1918.
[...] foi a guerra Russo-Japonesa que conduziu, directa e indirectamente, ao estabelecimento das alianças entre as potências mundiais que se haveria de manter até ao eclodir da 1ª Guerra Mundial. O curioso é que se tratou de um conflito fisicamente bem distante dos territórios pátrios das potências europeias, mesmo da própria Rússia, e que nenhuma delas, à excepção da Rússia, se empenhou directamente com forças militares (FREIRE, 2004, p. 20-21).
A anexação formal da Coréia, em 1910, marca o alcance máximo das conquistas japonesas no Período Meiji. O Japão agora dispõe de uma área de influência própria, um império colonial que inclui a Formosa e a Coréia.
O longo caminho percorrido desde 1868 permitiu aos japoneses escapar do mesmo destino da China. Se estar situado no Oriente era um motivo para se tornar uma colônia, o Japão mostrou que não só impediria a perda da soberania nacional, como ele mesmo se tornou um invasor de países orientais.
Caso ser asiático fosse motivo suficiente para ser considerado inferior e, portanto, necessitado de ajuda externa para ser civilizado, os japoneses mostraram que estavam no mesmo patamar que qualquer dos diversos povos habitantes do continente europeu, levando-o a uma leitura do darwinismo social que os colocaria como superiores aos seus vizinhos.
“[...] Quando o imperador Meiji faleceu em 1912 [...] a nação que eles haviam criado, e que por tanto tempo fora um brinquedo nas mãos do Ocidente, era agora a força suprema do Oriente, e a caminho de tornar-se o pivô da História.” (DURANT, 1995, p. 618).
A [...] brecha na hegemonia europeia foi a provocada pela promoção do Japão à categoria de grande potência do Extremo-Oriente. Desde 1985, o Japão declarara que se alinharia entre as potências europeias, que seguiria sua política e que pretendia ser tratado do mesmo modo que elas. O Japão parecia deste modo haver engrossado a coalizão ocidental contra a China. Mas era fácil compreender, desde o princípio, que ele só fazia utilizar a máquina de guerra europeia para engrandecer-se e que tão logo possível tentaria afastar os europeus do Extremo-Oriente (PANIKKAR, 1977, p. 260).
Ao tornar-se uma potência regional estabelecida o Japão passa a ambicionar os territórios chineses ocupados pelas potências europeias. A vitória sobre os russos o eleva a categoria de potência mundial, o levando a desejar uma porção ainda maior dos domínios europeus no Extremo Oriente.
Era apenas necessário esperar um momento de grande ruptura entre as forças imperialistas, para então investir sobre as possessões do próximo adversário.
Até lá, os japoneses continuariam a se fortalecer, melhorando ainda mais as suas forças armadas e explorando economicamente os territórios conquistados, alavancando seu processo de industrialização.
Nas vésperas da guerra de 1914, o Japão, cujo exército e frota continuam a crescer tanto em quantidade quanto em eficácia, conseguiu, apesar da oposição, passiva, aliás, das potências, alargar a sua influência e uma parte dos mercados do Extremo-Oriente. Os seus produtos industriais – de fraca qualidade – mas cujos preços eliminavam qualquer concorrência, sendo por isso adequados aos mercados famélicos da Ásia – começam a rivalizar com os do Ocidente e o mesmo acontece com seus capitais e seus homens de negócios. [...] O Império nipónico tornou-se uma grande potência mundial (MILZA, 2007, p. 139).
4. A BREVE EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA DO PERÍODO TAISHO (1912-1926)
4.1. Geopolítica do Período Taisho: A Primeira Guerra Mundial e Versalhes
A geografia tem um papel fundamental na história japonesa, sua configuração como um arquipélago favoreceu a defesa do território, enquanto a proximidade com a porção continental da Ásia propiciou o contato necessário com coreanos e chineses, de modo que pudesse usufruir das conquistas culturais desses povos.
A maior ameaça aos japoneses foram as malsucedidas invasões mongóis, que graças a um esforço conjunto de defesa e também as forças da natureza, foram rechaçadas sem causar grandes danos. Apesar da sorte do episódio o sucesso japonês em defender seu território não deve ser atribuído totalmente ao acaso, saber lidar com acontecimentos que escapam ao seu controle é um ponto fundamental para sobrevivência de qualquer país.
O acaso certamente desempenhou um papel importante na história do Japão, assim como o faz em relação aos demais países, porém, o fator humano, a partir das decisões políticas e da organização cultural, é que deve ser entendido como decisivo para o desenrolar da história de qualquer nação.
A evolução de qualquer nação ao longo da história deve muito ao acaso e as circunstancias. No caso do Japão, essa evolução fica a dever-se, em grande parte, à sorte que teve em os antigos chineses e coreanos não o terem levado suficientemente a sério a ponto de fazerem um esforço concertado para o ocupar, e que os mongóis não tenham feito melhor trabalho nas suas invasões mal organizadas no século XIII. No século XVI, os japoneses mais uma vez tiveram sorte devido ao facto de as potências europeias a altura, na sequência da descoberta de Colombo, estarem mais interessados na exploração do Novo Mundo do que no Japão. De igual modo, as potências ocidentais do século XIX estavam mais interessadas na partilha da China do que em preocupar-se com o Japão [...] (HENSHALL, 2014, p.7).
Mesmo que as Grandes Navegações tenham colocado o Japão na rota de interesse dos europeus, naquela altura eles encontravam-se mais desejosos de dominar as Américas. Com apenas o Atlântico no caminho a Europa fincou-se no Novo Mundo, explorando suas riquezas naturais e exterminando os povos nativos da região.
Os japoneses, que se encontravam o mais distante possível da Europa mais uma vez tiveram a geografia como um aliado. Mas na medida em que a tecnologia avança o espaço vai sendo domado das mais diversas formas, sendo que no contexto da Segunda Revolução Industrial, os ocidentais já eram capazes de projetar o seu poder para muito além da região do Atlântico.
Dessa vez nenhuma tempestade ou mesmo a distância impediriam o assédio estrangeiro sobre o Japão. Mas, mesmo com um poder imenso a sua disposição, os ocidentais não tinham recursos infinitos e uma conquista do Extremo Oriente seria uma grande empreitada. O arquipélago japonês parecia pouco atraente diante da tentadora China, tornando essa a presa ideal dos ocidentais, capaz de cobrir os gastos de monumental esforço de uma conquista longínqua e ainda gerar lucros.
Logo as potências imperialistas uniram-se com o intuito de retalhar a China por inteiro, desmembrando-a em diversas áreas de influência. O Japão pode observar de perto enquanto se preparava para evitar ter o mesmo destino do outrora poderoso vizinho.
[...] Não há necessidade de insistir na similitude das políticas francesa e inglesa. Os próprios Estados Unidos, embora sempre tivessem o cuidado de separar-se do bloco europeu, adotara suas formas de agressão cultural e religiosa. A Alemanha e a Itália, chegadas bem tarde ao Extremo-Oriente, não tiveram tempo de estruturar uma política coerente; nem por isso estavam menos desejosas, sobretudo a primeira, de participar da divisão e obter um lugar ao sol oriental [...] todas as nações ocidentais haviam-se alinhado na tradição colonialista fundada pela França e pela Inglaterra (PANIKKAR, 1977, p. 243).
Para a política expansionista do Império do Japão, a China era a opção natural, tanto por ter os mesmos fatores que atraíram as potências ocidentais, como abundantes recursos naturais, mão de obra barata e imenso mercado consumidor, como pela sua posição geográfica em relação ao arquipélago.
As experiências da Primeira Guerra Sino-Japonesa e da Guerra Russo-Japonesa mostraram ao Japão que, mesmo sendo triunfante no campo de batalha, era provável que os ocidentais diminuíssem seus ganhos através da diplomacia. Seria necessário esperar um momento de desunião tão aguda entre os europeus que eles não seriam capazes de articular uma resposta em conjunto contra os interesses japoneses, esse momento chegou em 1914.
As tensões imperialistas chegaram ao limite na Europa e a política de alianças obrigou cada país a entrar no conflito ao lado de seu aliado, dessa forma uma guerra de proporções inéditas iniciava-se. O Japão entrou na chamada Primeira Guerra Mundial ao lado de sua aliada, a Grã-Bretanha, e, por consequência, da Tríplice Entente. “[...] Entre os ocidentais, no início do século XX, o Japão era respeitado pelas suas vitórias sobre a China e a Rússia e foi considerado um aliado por algumas das grandes potências [...].” (HENSHALL, 2014, p.7).
O fato da guerra estar concentrada no continente europeu significava que a infraestrutura japonesa não seria atingida. Além disso, os exércitos das potências ocidentais estariam, sobretudo, focados no teatro europeu, deixando a China à mercê das pretensões nipônicas.
Mais uma vez a Geografia e o acaso estavam a favor do Japão e, como ocorria com frequência, as lideranças políticas saberiam tirar grande proveito da situação.
A I Guerra Mundial, em que o Japão esteve nominalmente envolvido como aliado britânico, mas em que, na prática, não entrou, ocupou naturalmente a atenção das potências europeias. O Japão não demorou a aproveitar-se disso. Rapidamente, apoderou-se do território germânico na península de Shantung (Shandong), na China, bem como de diversas ilhas germânicas do Pacífico (HENSHALL, 2014, p. 154).
Os inimigos da Grã-Bretanha e seus aliados eram os impérios centrais, o principal deles, a Alemanha, era a maior potência imperialista da Tríplice Aliança, possuindo possessões na África e na Ásia. Ao entrar na guerra, o Japão procurou ocupar os territórios coloniais alemães no continente asiático, tomando-os para si.
Assim como o Japão chegou atrasado a corrida imperialista, devido aos séculos de reclusão do sakoku, os alemães estiveram de fora da grande partilha do Oriente, porque a unificação do seu país deu-se tardiamente. Ao participar de grandes conferências como a Conferência Geográfica de Bruxelas, de 1876 e a Conferência de Berlim, de 1884 a 1885, os alemães entraram definitivamente na corrida imperialista, porém aquilo que lhes foi ofertado nunca pareceu estar à altura do poder que essa nova potência possuía.
O descontentamento alemão levaria Berlim ao centro do primeiro conflito mundial. Geograficamente os alemães estavam praticamente impedidos de reforçar as suas colônias, pois sua localização no centro da Europa a colocava cercada de inimigos a Leste e a Oeste. Aos japoneses coube a tarefa de lidar com os territórios coloniais germânicos e, com a ajuda britânica, expulsar os alemães de suas possessões asiáticas.
[...] Um exército japonês, auxiliado por um contingente inglês, desembarcou na China [...] o ponto essencial é que uma grande potência europeia, no caso a Alemanha, era, pela primeira vez, expulsa da Ásia, e definitivamente, por uma potência asiática; e, coisa não menos espantosa, a Grã-Bretanha colaborara para tanto [...] (PANIKKAR, 1977, p. 260).
Mas as autoridades japonesas não ficariam satisfeitas apenas com a porção alemã da China, pois a situação geopolítica excepcional era extremamente favorável a uma intervenção mais profunda no território chinês.
Visando consolidar os espólios de sua investida e ainda expandir a sua influência na China, os japoneses apresentaram as Vinte e Uma Exigências à China. Além da obtenção de uma parcela considerável do território chinês, essas exigências também minariam a soberania dos chineses, tornando-a uma colônia japonesa ao perder o controle político sobre sua própria gerencia.
Os chineses, como o esperado, levaram a questão até as potências ocidentais, esperando que estas fossem capazes de dissuadir os japoneses em seus intentos, mas a Grande Guerra consumia a atenção e o poder dos europeus, tornando-os incapazes de frear a investida japonesa.
Sem ajuda exterior a China foi obrigada a ceder em partes, abrindo mão de parcelas territoriais, porém, conseguindo manter sua soberania em relação a Tóquio. O Japão soubera tirar o melhor proveito da Primeira Guerra Mundial, não só vencendo uma potência de grande envergadura como a Alemanha, mas também ampliando sua influência sobre a China, o êxito fora completo até o momento.
[...] A sua acção mais radical, no entanto, a apresentação das Vinte e Uma Exigências à China, no início de 1915. Estas exigências não só pretendiam o reconhecimento pela China das possessões japonesas, como o recém adquirido território de Shantung, mas também obter mais concessões na Mongólia e na Manchúria. Também pretendiam a nomeação de conselheiros japoneses para o governo, as forças armadas e a polícia chineses. Na prática, a China ficaria sob controle japonês. A China ficou indignada e apelou para às potências ocidentais, que estavam incapacitadas de qualquer acção decisiva. Sob coacção, a China foi obrigada a assinar uma versão revista das exigências, mas de que foram retiradas as que diziam respeito aos conselheiros japoneses (HENSHALL, 2014, p. 154).
A Primeira Guerra Mundial era, até 1938, o conflito mais globalizado da história, superando a Guerra dos Sete anos e a mais mortal, ultrapassando os números da Guerra dos Trinta anos. Porém, o epicentro dessa guerra foi o continente europeu, foi lá que a maior parte da infraestrutura foi destruída e também o local com o maior número de vítimas.
A Ásia e a África estavam obrigatoriamente envolvidas nesse conflito, pois eram extensões dos impérios colonialistas europeus e também um dos principais motivos para a querela. Mas o número limitado de possessões sob controle da Tríplice Aliança conteve o alcance das batalhas.
“Para um asiático a Grande Guerra de 1914-1918 não passou de uma guerra civil na Europa. Se algumas nações asiáticas participaram diretamente do conflito, foi a convite e por encorajamento expresso de um dos dois campos, [...].” (PANIKKAR, 1977, p. 259).
A participação japonesa é, portanto, uma questão excepcional. Isso porque era a única potência imperialista localizada no espaço ocupado pelas colônias. Se isso causava uma desvantagem em relação ao respeito que poderia adquirir frente aos ocidentais, por outro lado significava estar perto o suficiente para ameaçar as possessões estrangeiras.
“[...] Entre os asiáticos, a par das imagens de violações, pilhagens e morte dos tempos da guerra, há também o reconhecimento reticente de que o Japão pelo menos colocou a Ásia no mapa, em termos de respeito mundial, e superou a condescendência ocidental.” (HENSHALL, 2014, p.7).
O Japão participou das discussões após a guerra, postando-se como um aliado da mais alta importância para a Grã-Bretanha e a França. Como um dos grandes vencedores o país esperava, no mínimo, manter para si as possessões alemãs que tinha ajudado a conquistar, tornando-se de maneira definitiva uma potência imperialista da envergadura dos grandes impérios ocidentais.
Ao fim da guerra o Japão tomava assento na Conferência de Versalhes; era uma das grandes potências vitoriosas, tal como a Inglaterra, a França, os Estados Unidos ou a Itália. No entanto não tardaria a perder suas ilusões, se é que as tinha. O Presidente Wilson, que dominou a Conferência, mostrou-se ferozmente hostil a todas as reinvindicações do Japão. A França e a Inglaterra, prontas a pagar os serviços prestados, o apoiavam, mas em verdade um pouco reticentes (PANIKKAR, 1977, p. 294).
Em Versalhes, mais uma vez, o Japão foi relegado a uma posição inferior em relação as demais potências. O entendimento de que jamais sentariam a mesa de negociações em pé de igualdade fez os japoneses repensarem sua postura no Extremo Oriente.
Assim como o ocorrido logo após a Primeira Guerra Sino-japonesa, o país teve que lidar com a desconfiança mútua dos estrangeiros, que rapidamente trabalharam em conjunto para diminuir os seus espólios, mesmo diante de uma vitória absoluta.
Dessa vez foram os Estados Unidos que interviram para rechaçar as reivindicações japonesas, frustrando os intentos do Japão e levando-o a repensar toda a sua política imperialista e suas relações com o Ocidente. “A política imperialista do Japão entra então em uma nova fase, tendo a sua frente nomes como Koki Hirota e Fumimaro Konoe no governo e Hideki Tōjō nas forças armadas.” (RAMOS, 2019, p. 134).
Após a vitória sobre a China, o Japão tinha se provado uma nação modernizada que se adequara com sucesso as demandas ocidentais de diplomacia e poderio militar. O triunfo sobre a Rússia deixou claro que os japoneses, dependendo das condições, poderiam vencer uma potência europeia em campo de batalha, sendo assim não poderia ser desprezado na geopolítica imperialista.
A participação no lado vencedor da Primeira Guerra Mundial, apesar de Versalhes, colocou o Império japonês definitivamente em um lugar especial dentro do concerto internacional, despertando receios das potências estrangeiras.
Depois de 4 anos de uma guerra atroz, as coisas estão consideravelmente mudadas. A hegemonia europeia sofreu um duro golpe. Os principais atores na cena internacional foram duramente atingidos, e de uma forma duradoura, pela sangria demográfica e pela destruição de parte do seu potencial industrial. A dominação política e o magistério intelectual que exerciam sobre as populações de outras partes do globo sofreram um grande abalo [...] (MILZA, 2007b, p. 7).
A Primeira Guerra Mundial impactou de forma considerável as potências europeias, deixando um grande saldo de mortos e mutilados. A infraestrutura e a produção industrial tiveram considerável recuo, abrindo novas oportunidades para novos atores pelo mundo, sobretudo as duas potências que já tinham se industrializado e começado a erigir um império colonial, os Estados Unidos e o Japão.
A recém-criada União Soviética ainda passaria por anos turbulentos, sobretudo devido ao grande assédio estrangeiro antirrevolucionário que sofreria. Coube, portanto, ao Japão ocupar o vácuo de poder criado pela Primeira Guerra Mundial no Extremo Oriente.
O Japão ocupou o espaço deixado na Ásia, inundado os mercados com produtos manufaturados, sobretudo para a China e os países do Sudeste asiático. Aproveitando-se do conflito os japoneses forneceram armas aos russos e chegaram até mesmo a ampliar sua presença econômica na Índia britânica. Com um grande aumento na sua produção industrial, uma balança comercial positiva e a expansão de suas empresas, o Japão tornou-se, sem dúvidas, um dos grandes beneficiários pós-guerra (MILZA, 2007b, p. 28).
Diante de uma Grã-Bretanha e uma França cada vez mais fracas e com dificuldades de manter seus impérios coloniais, os japoneses passam a enxergar a União Soviética e os Estados Unidos como seus dois grandes rivais.
Para fazer frente a duas nações tão poderosas os japoneses sabiam que precisavam acelerar a expansão de sua área de influência, o que significaria entrar em rota de colisão direta com as potências europeias. Para que isso acontecesse um novo evento, de magnitude similar ou superior a Primeira Grande Guerra deveria ocorrer.
[...] o Japão vai alterar completamente a sua relação com as potências europeias vencedoras da Grande Guerra, considerando que o Japão deveria mudar a sua forma de estar nas Relações Internacionais se pretendia, de futuro, ser respeitado. Nesse sentido, o Japão estabeleceu como principal meta tornar-se de forma incontestável a grande potência asiática (RAMOS, 2019, p. 134).
O objetivo do Japão seria estabelecer um espaço de influência no Extremo Oriente, disputando territórios com as potências estabelecidas e, assim, estabelecendo seu próprio império colonial, que garantiria mão-de-obra barata, matérias primas e mercado consumidor, permitindo, dessa forma, a manutenção de sua política imperialista.
4.2. O mais civilizado entre os “bárbaros”: A percepção ocidental sobre o Japão
A percepção ocidental acerca do Japão possui a abertura forçada do país, em 1853, como momento emblemático. Até então, mesmo após todo o contato estabelecido ao longo do Período do Comércio Nanban, a visão dos ocidentais era demasiadamente limitada. O processo disruptivo causado pelo sakoku, em grande medida, congelou no tempo essa primeira impressão sobre o arquipélago, só se alterando de maneira decisiva no Período Meiji.
O primeiro momento de expressividade em relação a política externa veio durante o xogunato Tokugawa. Apesar do Sakoku fechar quase totalmente o país para o exterior, algumas conquistas são resultado direto dessa política, como o fim da entrega de tributos para a China e o estabelecimento de uma etiqueta política por parte dos representantes diplomáticos estrangeiros.
O Japão Tokugawa conseguiu, dessa forma, se colocar em um patamar inédito no Leste da Ásia, inserindo-se em uma ordem regional que incluía os países da região e as potências ocidentais, em uma posição que tradicionalmente pertence a China e para a qual não parecia haver disputa até então.
Durante o século XVIII, participavam dessa ordem o Japão, a China (através da Dinastia Qing), a Coreia, o Reino de Ryukyu e o Ocidente, representado principalmente pela Holanda. Nesse período, o bakufu, ao conseguir unificar e estabilizar seu território, teve um aumento de prestígio diante dos países vizinhos, permitindo que o Japão alcançasse o status de Estado central, históricamente ocupado pela China [...] (LEMOS, H. F. ; RIBEIRO, M. S, 2018, p. 31).
As relações do centro capitalista ocidental com as antigas colônias das Américas sofreram grandes alterações com a Independência das Treze Colônias em 1776 e os processos de independência na América Latina, na primeira metade do século XIX.
“A relação espaço-poder varia também no tempo, no sentido de alterações qualitativas nas fontes e relações de poder, que podem reverter a estrutura geral do poder, que atribuem novos significados ao espaço e geram novas estratégias para seu controle.” (BECKER, 1988, p. 28).
Com o tempo os Estados Unidos adquiriram uma posição proeminente no “Novo Mundo”, chegando a disputar com a Europa a influência sobre a região. A questão foi oficializada em 1823 a partir da chamada Doutrina Monroe, que retirava as Américas do espaço de influência europeu de modo definitivo.
A partir da segunda metade do século XIX a Segunda Revolução Industrial permite aos europeus criar um novo espaço de influência, relativo a África e a Ásia, agrupadas no que convencionaram chamar de Oriente, um conceito existente desde o período romano e que se presta a reformulações, dependendo dos objetivos políticos do Ocidente.
[...] a Europa, em euforia de uma prosperidade econômica e de um prestígio político sem precedentes, acreditava firmemente que a Terra era seu domínio e que a supremacia na Ásia vinculava-se a alguma Ordem divina. Era a época de Kipling e da missão-da-raça-eleita-para-com-os-homes-de-cor; era destino do homem branco manter o Oriente em submissão [...] (PANIKKAR, 1977, p. 259).
A dominação ocidental da Ásia se deu sobre culturas milenares que, eram tão diversas dos europeus que causavam uma estranheza perene no Ocidente. Para Edward Said, a Europa criou um mundo oriental, aglutinando povos dissemelhantes tendo como fator a sua suposta centralidade cultural e racial expressada pelos legados da cultura clássica e pelo cristianismo, qualquer território que não se inserisse nesses padrões era encaixado no Oriente, sendo geralmente a Ásia e, em alguns casos também a África.
O Japão, o mais distante dos territórios em relação a Europa, foi devidamente encaixado no conceito de oriental. Os japoneses eram percebidos como mais um povo exótico do Oriente, porém, talvez devido a sua posição geográfica, admitia-se que possuíam grande singularidade em relação ao restante da Ásia.
[...] O Japão [...] sempre fascinou o mundo ocidental desde as narrativas de Marco Pólo no seu livro de viagens do século 13, que se referia à ilha como “Cipango” e que incendiou a imaginação do navegador Cristóvão Colombo, aos portugueses que foram os primeiros ocidentais a aportar no sul do Japão em 1543, quando fundaram a cidade de Nagasaki. Mesma cidade que quase 400 anos depois explodiu uma bomba atômica e forçou o comando japonês à rendição na Segunda Guerra Mundial (MACEDO, 2017, p 7).
O fim do longo isolamento imposto pelos Tokugawas deve-se a uma realista autorreflexão empreendida pelo povo japonês. A defasagem tecnológica em relação ao Ocidente era notável e foi rapidamente percebida, levando a mudanças profundas e duradouras.
Ao olhar para a sua grande referência cultural, a China, o Japão viu um país assolado por revoltas e guerras, totalmente incapaz de se defender diante do assédio imperialista. Ficou claro para os japoneses que insistir no isolamento, como fizeram os chineses, os levaria a ruína. O caminho escolhido foi o da mudança.
Essa mudança não se deu apenas na forma de uma abertura econômica, ela foi bem mais radical, atingindo todos os aspectos da vida japonesa e impactando suas instituições, levando a uma reforma total em relação ao Período Tokugawa.
O Japão manteve-se isolado por cerca de 200 anos, mas quando foi visitado por frotas navais Americanas e Russas, em meados do século XIX, constatou que os navios destes visitantes navegavam sem auxílio de velas e contra o vento. Este facto deixou clara a irrelevância do seu “poder”. O Japão precisava de “despertar” deste “longo sono” que o manteve voltado para si mesmo enquanto as potências ocidentais se forjavam, adquirindo conhecimento, poder, bem-estar e possessões em todo o mundo. Ao contrário da China que apesar de “aberta” às potências europeias continuou arreigada à sua civilização tradicional, o Japão aproveitou a sua “abertura” para, através do contacto com o ocidente, adoptar as mais modernas técnicas e assim remodelar profundamente as suas velhas estruturas económicas e sociais (FREIRE, 2004, p. 3).
O Ocidente não percebeu, em um primeiro momento, a intensidade dessas mudanças efetuadas no Japão. Profundamente imbuída de sua superioridade como civilização, a Europa não enxergava no país uma ameaça a seus planos neocoloniais no Extremo Oriente.
Apenas o fato de ser um povo asiático já tornava os japoneses, aos olhos europeus, um povo racialmente inferior e, portanto, incapaz de fazer frente a Europa sob qualquer aspecto. Longe de ter o potencial populacional e a riqueza natural da China, os japoneses foram vistos como um conjunto de ilhas exóticas desafortunadas pela natureza e com tendência natural ao isolamento, devido a sua geografia insular.
[...] atribuir o poder à configuração das terras e mares e ao contexto dos territórios, é seguir o princípio do determinismo geográfico e omitir a responsabilidade humana na tomada de decisão dos Estados que, na verdade, moldam a geografia dos seus territórios e do planeta (BECKER, 1995. p. 274).
A natureza realmente influenciou na sentença ocidental sobre o território nipônico, se no tempo de Marco Polo o Japão foi erroneamente considerado um país com riquezas minerais, algo que atiçou a própria cobiça de Kublai Khan, essa percepção já havia se perdido. O Japão agora era considerado um local sem atrativos para as potências imperialistas, não sendo compensatório enveredar em uma conquista de um país que não saciaria as necessidades por matérias-primas dos europeus, sobretudo diante de uma China tão abundantemente rica.
Mas a sorte não é um elemento decisivo o suficiente para decidir o destino de um país. A disposição geográfica dos elementos naturais certamente é um fator determinante sobre diversos aspectos, mas é o planejamento diante dessa realidade que efetivamente determinará o sucesso ou o insucesso de um país.
O espaço é um elemento incerto, ele pode ser estendido ou limitado, contendo características com as quais a sociedade terá que lidar. O território, por sua vez, é o espaço trabalhado pelo homem, cuja ação o moldou politicamente e culturalmente, acarretando até mesmo em uma remodelação espacial a depender do caso.
[...] no momento em que os dirigentes japoneses escutavam com uma atenção laboriosa e apaixonada as lições militares, navais e outras do Ocidente, e edificavam um Estado completamente moderno, adotavam todas as precauções possíveis para impedir a penetração das idéias ocidentais. Vivendo à moda europeia, estavam em vias de elaborar uma teoria racial, uma ideologia política e uma moral nacionais, fundadas numa recusa dos princípios essenciais da civilização europeia (PANIKKAR, 1877, p. 207).
A dialética relação estabelecida entre o Japão e o Ocidente na “Reconstrução” do país, a partir da Restauração Meiji, deixa claro as contradições inerentes a esse projeto. Os japoneses necessitavam aprender com os ocidentais, assimilando seus conhecimentos técnicos para o fortalecimento de suas forças armadas e a eficiência econômica, também precisavam se adequar em outros níveis, adotando instituições e formatos políticos estrangeiros. “[...] logo se dera conta de que era necessário conhecer as ciências do Ocidente para proteger eficazmente o país contra o mesmo. [...].” (PANIKKAR, 1977, p. 208).
Ao mesmo tempo, entendiam que essas mudanças eram uma necessidade para a sua sobrevivência. Assimilavam os conhecimentos para não caírem no domínio estrangeiro, adotavam seus moldes políticos para manter sua independência, aceitavam a cultura estrangeira em partes, para que pudessem escolher exatamente onde a rejeitariam.
[...] considerando que o Japão desejava antes de tudo alcançar o nível das nações ocidentais, os métodos de organização e educação social não eram menos importantes que a ciência militar e as técnicas. O desenvolvimento da indústria, a melhoria na agricultura, a abertura de um comércio internacional, o estabelecimento de uma marinha, tudo isso era sem dúvidas da maior urgência; mas os japoneses compreendiam também que tinham igual necessidade de um sistema jurídico moderno e de uma constituição política que correspondesse às novas condições (PANIKKAR, 1977, p. 209).
A ocidentalização não era uma escolha, era uma necessidade do projeto em andamento. O Estado rapidamente se adaptou a essa nova realidade, fazendo das instituições de estilo ocidental um mecanismo para reforçar a estrutura vigente. Haveria um Parlamento, mas ele seria submetido a oligarquia que dominava o país; redigiu-se uma constituição, que reforçava o poder do imperador; reformavam a educação, para a doutrinação das massas; flertaram com a democracia sem, no entanto, deixarem o autoritarismo de lado, em um perigoso e instável jogo de poder.
“As instituições e as práticas dos ocidentais seriam introduzidas não apenas em áreas como a política, as forças armadas, a indústria e a economia, mas na sociedade em geral. A ocidentalização [...] era um importante pano de fundo para as reformas políticas e económicas.” (HENSHALL, 2014, p. 114).
Uma ocidentalização controlada estava em andamento, no intuito de estar à altura dos desafios impostos pelo Ocidente; manter as estruturas políticas que tinham o monarca como o centro do poder; vender ao mundo a imagem de um Japão moderno, democrático e alinhado ao pensamento político ocidental.
A constituição, cujo pai espiritual era o príncipe Ito, no fundo era bastante original, embora fosse quase sempre visível a inspiração alemã e inglesa. Ito e seus conselheiros haviam sido dominados por duas grandes preocupações: manter em sua integridade a autoridade imperial e dar imediatamente ao mundo a impressão de que o Japão tinha um governo, moderno, liberal e realmente constitucional (PANIKKAR, 1977, p. 211-212).
Surgiram questões desafiadoras ao tentar se adequar aos padrões ocidentais, pois certos problemas eram mais difíceis de gerenciar, como, por exemplo, a expansão do cristianismo no país.
A questão acerca do cristianismo já se arrastava a séculos, levando a casos de supressão por parte de lideranças regionais que alarmadas com o crescimento do número de cristãos decidiam agir usando a violência caso necessário. Com o passar do tempo foi ficando cada vez mais claro que o cristianismo representava um sério desafio para as autoridades, pois os religiosos tendiam a depositar a sua fidelidade no clero cristão, ao invés dos líderes nativos. A própria ideia do Papa, um líder religioso espiritual que tinha poderes e riquezas seculares, já era bastante perturbadora para um país cujo o monarca era considerado uma divindade e, onde essa característica divina, era um fator essencial de sua legitimidade.
O cristianismo era [...] uma causa potencial de problemas. O governo Meiji sabia que os ocidentais pensavam muitas vezes que cristianismo e democracia iam a par e até tendiam a avaliar o grau de civilização de uma nação em função da sua atitude para com o primeiro. Numa determinada fase, pareceu que este poderia tornar-se um problema importante. Cerca de 60.000 “cristãos clandestinos” tinham vindo à luz do dia nos anos imediatamente anteriores à Restauração e muitos samurais foram mesmo convertidos. Com algum alarme, o novo governo reafirmava o banimento do cristianismo, mas as potências estrangeiras protestaram e o banimento foi levantado em 1873 [...] (HENSHALL, 2014, p. 122-123).
Desde a sua proibição por Ieyasu Tokugawa, no início do século XVII, o cristianismo parecia ter findado no país, as consequências para quem desobedecesse às autoridades eram severas, daí muitos cristãos renegarem a religião em meio ao medo de tortura, mas secretamente ainda a professavam de modo privado.
A Restauração Meiji trouxe esse problema, que parecia resolvido, á tona. As potências ocidentais não viam com bons olhos a proibição do cristianismo, desse modo a legitimação do “novo” Japão necessitaria abrir mão do último resquício da era do Sakoku.
O grande temor das lideranças japonesas não se concretizou, apesar de dezenas de milhares de cristãos terem vindo a público com o fim do banimento em 1873, eles nunca constituíram um grupo numeroso o suficiente para pôr em risco as estruturas tradicionais do Japão. Além disso, a tendência ao sincretismo religioso, construído ao longo do tempo graças as relações entre o xintoísmo e o budismo, foi um fator fundamental para uma espécie de “domesticação” do cristianismo.
Se diversas monarquias europeias resolveram o “problema cristão” (nesse contexto o catolicismo) criando Igrejas nacionais tendo o monarca como o grande líder religioso ao invés do Papa, no Japão as próprias crenças cristãs sofreram um processo de japonização, tornando-o inofensivo aos detentores do poder e inócuo frente a tradição e os costumes nativos.
O processo de ocidentalização continuou sob controle, tendo superado uma etapa importante, dando ao Japão a oportunidade de reclamar para si internacionalmente a postura de tolerante, ajudando na construção da imagem que pretendia projetar ao Ocidente.
[...] O cristianismo simplesmente não se implantou e nunca iria atrair mais de cerca de 1% da população. Mesmo quando atraía japoneses potencialmente influentes, era frequentemente adaptado ao Japão, tornando-se mais flexível e acentuando valores como o dever e o trabalho assíduo e dedicado. Não demoraria muito que o Japão pudesse proclamar ao Ocidente que teria muito gosto em acolher o cristianismo, estando perfeitamente ciente de que ele nunca iria realmente constituir um problema (HENSHALL, 2014, p. 123).
Os maiores benefícios a imagem japonesa no exterior, entretanto, não vieram do processo de ocidentalização controlada dirigida pelo Estado, mas de modo mais natural, através de questões culturais, sobretudo relativas ao setor artístico. Esse desdobramento não partiu do processo de planejamento estatal, deu-se espontaneamente entre os atores envolvidos.
A arte japonesa é definitivamente marcada por um longo e profundo intercâmbio cultural presente entre os povos do Leste da Ásia.
A importação pelos japoneses da civilização coreana e chinesa tem o mesmo sentido da importação da cultura greco-romana pelo resto da Europa. Também podemos ver todos os povos do Extremo Oriente como unidade ética e cultural, em que cada parte, como província de um país, produzia, em seu tempo e lugar, uma arte e uma cultura afins e dependentes da arte e da cultura do resto (DURANT, 1995, p. 605).
O intercâmbio cultural entre povos é visto por algumas correntes historiográficos e geográficos como o início da globalização, rejeitando a ideia desse processo ter-se iniciado com a Expansão Marítima Europeia, pois seria uma concepção eurocêntrica e que também tenderia a colocar o capitalismo como grande motor da história humana.
As pinturas rupestres são um exemplo das primeiras fontes históricas disponíveis, servindo para compreender o cotidiano do homem antes do aparecimento da escrita, marco normalmente considerado como o ponto inicial da História. As relações estabelecidas entre os diferentes grupamentos humanos têm na arte uma importante fonte de informação, isso também é verdadeiro em relação ao Japão e seus vizinhos.
É a China, mais uma vez, o grande exemplo referencial para os japoneses, de modo incontornável. “[...] Quando um artista chinês tinha que representar um cavalo curveteando, parecia extrair sua imagem a partir de uma série de formas redondas [...] parece sempre enrolar-se e colear sem que, no entanto, perca sua solidez e firmeza.” (GOMBRICH, 2015, p. 147).
Figura 2: Detalhe do Pergaminho das Advertências (Nüshi zhen tu).
Gu Kaizhi. Cena 10: A cena da rejeição, detalhe do Pergaminho das Advertências ou Admoestações da Instrutora da Corte (Nüshi zhen tu), 400. Rolo de mão (montado em painéis), 24.37cm × 343.75cm; British Museum, Londres.
Fonte: https://www.britishmuseum.org/collection/object/A_1903-0408-0-1
Figura 3: Imagem do painel com as 9 cenas restantes das 12 cenas originais
Fonte: https://www.britishmuseum.org/collection/object/A_1903-0408-0-1
[...] Um dos primeiros rolos ilustrados chineses que conhecemos mostra uma coleção de grandes exemplos de senhoras virtuosas, escritos no espírito de Confúcio. Consta que eram obra do pintor Gu Kaizhi, que viveu no século IV da nossa era. A ilustração mostra um marido acusando injustamente sua esposa, e tem toda a dignidade e graça que associamos à arte chinesa. É tão clara em seus gestos e arranjo quanto de poderia exigir de uma ilustração que também pretende expor uma lição de modo transparente. Além disso, mostra que o artista chinês tinha dominado a difícil arte de representar o movimento. Nada existe que se possa considerar rígido nessa obra chinesa primitiva, porque a predileção por linhas ondulantes insere uma sensação de movimento em toda a pintura (GOMBRICH, 2015, p. 94).
O legado da cultura chinesa para o Japão é imensurável, mas isso não significa que houve uma assimilação mecânica dos elementos artísticos continentais, pelo contrário, assim como ocorreu com o budismo, também a arte chinesa será transformada em algo único ao chegar ao Japão, dando origem a formas originais e condizentes com a realidade e a cultura do arquipélago. “As formas exteriores da cultura japonesa, como quase todas as formas exteriores da vida japonesa, vieram da China [...] Mas tais estímulos externos sofriam a influência criadora do povo japonês [...].” (DURANT, 1995, p. 601).
A arte japonesa logo criou uma personalidade própria, seguindo um caminho distinto da matriz chinesa. Essa singularidade seria reforçada tanto pela questão geográfica, pois sendo insular o Japão tendia a ser mais isolado em relação ao Extremo Oriente, além da política do sakoku, que expandiu o isolamento físico para também um distanciamento político e cultural.
Eram poemas de sentimento antes que representações das coisas, e mais próximos da filosofia do que da fotografia. O artista nipônico não tratava de realismo; raro procurava imitar a forma externa da realidade. Desprezava as sombras como sem importância para a essência, preferindo pintar ao ar livre, sem o modelado do claro e escuro; e sorria da insistência dos ocidentais na perspectiva, ou redução gradativa à proporção que as coisas se afastam [...] O artista japonês procurava produzir uma sensação, antes que fixar um objeto; procurava sugerir antes de representar; em seu julgamento era desnecessário mostrar mais que alguns traços relevantes da cena, exatamente como o poema japonês. O pintor também era um poeta, e prezava o ritmo da linha e a música das formas muito mais do que a forma e a estrutura que o acaso dá às coisas (DURANT, 1995, p. 608).
A arte da gravura foi um das que mais se desenvolveu no Japão, entretanto não gozava de grande aceitação dentro do país, sendo considerada uma forma de arte menor em relação as demais. Mas seria justamente essa forma artística a que mais faria sucesso no Ocidente, sendo uma das maneiras principais pelas quais os ocidentais enxergavam os japoneses.
“[...] em 1764 Harunobu conseguiu as primeiras policromias, abrindo caminho para os vivos desenhos de Hikusai e Hiroshige, cujo sucesso na Europa foi enorme. Nasceu desse modo a escola Ukiyoye, de “Quadros do Mundo que Passa.” (DURANT, 1995, p. 610).
Os europeus começaram a colecionar as gravuras, difundindo-as e aumentando a apreciação sobre elas. Logo nomes de artistas japoneses ligados ao estilo foram alçados ao sucesso, tornando eles e algumas de suas obras bastante influentes no contexto da arte ocidental.
Os mestres dessa arte apareceram em meados do século XVIII. Harunobu fez impressões a 12, até 15 cores, e Koyonaga levou a escola ao zênite com suas representações de mulheres da aristocracia. Sharaku [...] pairou muito alto nas ilustrações dos Quarenta e Sete Ronin e em seus desenhos artísticos das estrelas do palco. Utamaro, rico em versatilidade e gênio, mestre da linha, desenhou o que pôde da vida, desde insetos até cortesãs [...] cumpriu um ano de prisão por pintar Hideyoshi com meia dúzia de concubinas. Cansado da gente normal de atitudes normais, Utamaro estilizou seus complacentes modelos com espiritual esbelteza, olhos alongados, rostos compridos, e compôs misteriosas figuras em rico planejamento. Os imitadores transformaram seu estilo em maneirismo, quase levando a escola à decadência; mas o surto de seus dois maiores artistas a salvou por mais meio século (DURANT, 1995, p. 611).
O artista que atingiu maior sucesso no Ocidente foi Hokusai, o gravurista ficaria conhecido pelas xilogravuras intituladas de “Trinta e Seis Vistas de Fuji”, especialmente pela “A Grande Onda de Kanagawa”, que é até o presente a mais famosa representação artística do Japão no exterior.
O movimento ukiyo-e seria por ele imortalizado, levaria a arte da xilogravura japonesa a uma posição inédita na Europa, influenciando toda uma geração de novos artistas e tornando-se uma peça central dentro da História da Arte ocidental.
Assim como o Japão passava por uma ocidentalização, o Ocidente passaria por uma japonização, em uma escala obviamente menor, uma vez que esse movimento foi espontâneo, diferentemente do que ocorria em solo japonês, onde o Estado era o promotor principal das mudanças, que eram planejadas e postas em prática de forma burocrática e com determinados objetivos já devidamente traçados.
Hokusai deixou 500 livros com 30 000 desenhos. Embriagado com sua inconsciente habilidade natural, pintou, com amorosa e variada repetição, montanhas, rochas, rios, pontes, cachoeiras e o mar. Havendo saído o livro das “Trinta e Seis Vistas de Fuji”, ele [...] desenhou “Cem Vistas do Fuji” [...] À semelhança dos críticos americanos, que olhavam com superioridade para Whitman, os críticos do Japão olhavam do alto para Hokusai [...] a quem Whistler iria classificar de maior pintor do mundo até Velasquez (DURANT, 1995, p. 612).
Figura 4: A Grande Onda de Kanagawa (Kanagawa-oki nami-ura)
Hokusai. A Grande Onda de Kanagawa (Kanagawa-oki nami-ura), da série Trinta e seis vistas do monte Fuji (Fugaku Sanjū-Rokkei), entre 1830-1832. Impressão em Xilogravura; Tinta e cor sobre papel, 25,7 cm × 37,9 cm; Metropolitan Museum of Art, Nova York.
Fonte: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/45434
Mas antes do sucesso estrangeiro, as xilogravuras ukiyo-e tiveram que atingir o seu ápice dentro do próprio Japão. Nesse sentido não existe nome que faça frente a Hiroshige, o gravurista responsável por trazer respeito a essa forma de arte internamente.
Menos famoso no Ocidente, porém mais respeitado no Oriente, foi Hiroshige (1796-1858). Os 100 000 desenhos que a História lhe atribui pintam as paisagens de sua terra mais fielmente que os de Hokusai, e com arte que o elevou ao topo supremo da paisagística japonesa. Hokusai fixava a impressão que recebia da paisagem, Hiroshige pintava-a com a maior verdade, a ponto de ser reconhecida pelos viajantes. Em 1830 percorreu a estrada de Tokaido, ou estrada que vai de Tóquio a Quioto, e, como um verdadeiro poeta, cuidou mais do caminho do que da chegada. Findo o passeio, reuniu as impressões na sua mais famosa obra, “As 53 Estações de Tokaido” (1834). Gostava de pintar a chuva e a noite em suas formas de maior mística; e o único pintor que nesse gênero o excedeu –Wistler- nele se inspirou. Amava o Fuji, do qual pintou “Trinta e Seis Vistas”; mas também amava a cidade de Tóquio, da qual pouco antes de morrer fez as “Cem Vistas de Yedo” [...] (DURANT, 1995, p. 612).
Figura 5: Nihonbashi: Vista matinal (Nihonbashi, asa no kei)
Hiroshige. Nihonbashi: Vista matinal (Nihonbashi, asa no kei), da série Cinquenta e Três Estações da Tōkaidō (Tōkaidō gojūsan-tsugi), entre 1833-1834. Impressão em Xilogravura; Tinta e cor sobre papel, 23,8 × 36,2 cm; Museum of Fine Arts, Boston.
Fonte: https://collections.mfa.org/download/232767
Um aspecto que reforça a singularidade do Japão em relação aos demais países do Extremo Oriente, durante o final do século XIX e início do século XX, é a influência cultural que foi capaz de exercer na Europa.
O interesse pela cultura japonesa cresce no Ocidente, sobretudo com o movimento artístico conhecido como Impressionismo, que no século XX dominará a arte europeia de maneira incontestável.
No século XIX a arte europeia estava presa a técnicas e regras rígidas herdades ao longo de sua tradição, elas impediam inovações, tornando a produção artística enfadonha e previsível. Os impressionistas mudaram esse quadro, desafiando as convenções e impondo um novo olhar sobre a arte. O começo dessa empresa foi árduo, com muitas críticas para com esse grupo, mas, com o tempo, ficou cada vez mais claro que uma revolução estava em andamento, e o impressionismo saiu vitorioso.
Talvez essa vitória não fosse tão rápida e tão completa sem a interferência de dois aliados que ajudaram as pessoas do século XIX a ver o mundo com olhos diferentes. Um desses aliados foi a fotografia [...] O surgimento da máquina fotográfica portátil e do instantâneo ocorreu durante os mesmos anos que presenciaram a ascensão da pintura impressionista. A máquina fotográfica ajudou a descobrir o encanto das cenas fortuitas e do ângulo inesperado [...] (GOMBRICH, 2015, p. 524).
Além da novidade tecnológica que foi a máquina fotográfica portátil, também ocorria a reinserção do Japão na comunidade internacional, dessa vez não apenas baseada em diminuto comércio em áreas específicas, agora os japoneses se abriam de maneira total, impactando a geopolítica, a economia e, até mesmo, a História da Arte, pois “O segundo aliado que os impressionistas encontraram em sua busca afoita de novos motivos e novos esquemas de cor foi a cromotipia japonesa [...]”(GOMBRICH, 2015, p. 525).
O impressionismo deixaria uma marca duradoura, sendo um movimento incontornável e irresistível dentro do contexto artístico de sua época. O número de artistas que, dentro do que se engloba como arte impressionista, conseguiu impactar o mundo das artes e imortalizar-se é uma verdadeira convergência de titãs que somente encontra paralelo no Renascimento.
Figura 6: Parte interna do Musée d'Orsay
O Musée d'Orsay, localizado em Paris, é dedicado ao impressionismo.
Fonte: https://www.radiofrance.fr/franceinter
[...] A arte do Japão desenvolvera-se a partir da arte chinesa e, entretanto, talvez sob a influência das estampas europeias, os artistas japoneses abandonaram os motivos tradicionais da arte no Extremo Oriente e escolheram cenas da vida humilde como temas para suas xilogravuras coloridas, que combinavam grande arrojo de invenção com uma perfeição técnica magistral [...] Quando o Japão foi forçado, em meados do século XIX, a desenvolver relações comerciais com a Europa e a América, essas estampas, muito usadas como invólucros e enchimentos, podiam ser compradas por preços módicos nas casas de chá [...] (GOMBRICH, 2015, p. 325).
O intercâmbio cultural entre os povos, processo natural dentro de um contexto de globalização, ou mundialização, como preferem alguns autores, segue seu curso desde os primórdios, tonando-se mais complexa à medida que a conexão global vai se intensificando.
Da influência inicial exercida pela arte chinesa, os japoneses seguem erigindo seu próprio estilo, o contato com os ocidentais, mais intenso durante o Comércio Nanbam e propositalmente enfraquecido no isolamento da política do sakoku, deixam seu legado, sobretudo no que diz respeito às temáticas.
Através das técnicas chinesas e os temas inspirados pela arte europeia, a xilogravura evolui de maneira impressionante. A abertura no Período Meiji leva essa forma de arte a ser apreciada em todo o mundo, os estrangeiros que residiriam no Japão adquiriram inúmeras delas, posteriormente levando-as ao Ocidente, onde, em um primeiro momento, inspiraram uma profunda revolução artística e, posteriormente, vieram a fazer parte inconteste da História da Arte mundial, sendo colocadas em preservação nos museus da Europa e dos Estados Unidos.
[...] se à pintura japonesa faltam a força e a profundidade da chinesa, foi, entretanto, a gravura japonesa, não a chinesa, que revolucionou a arte pictórica do século XIX, e deu estímulo a uma centena de experiências novas. Aparecendo na Europa depois de 1860, essas gravuras afetaram profundamente Monet, Manet, Degas e Whistler, pondo fim ao “molho pardo” que vinha sendo servindo com quase todas as telas da Europa desde Leonardo até Milet; encheram de sol os quadros europeus e animaram o pintor a ser poeta, em vez de fotógrafo. “A história do belo”, disse Whistler, “já está completa, cortada nos mármores do Partenon e bordada, com os pássaros, sobre o leque de Hokusai [...] (DURANT, 1995, p. 613).
O impressionismo, como a maior parte dos movimentos artísticos, procurava romper com as convenções vigentes na sua época. Esperava dessa forma modificar os códigos usados na fabricação e apreciação das artes plásticas, feito que esbarrava não somente com uma sociedade conservadora, mas também com críticos e demais artistas que estavam confortáveis nas posições que se encontravam dentro das regas vigentes na pintura e na escultura.
Para descortinar o horizonte artístico que poderia ser alcançado, os impressionistas vislumbraram a arte produzida no país mais distante de si no horizonte geográfico. O Japão, um dos locais do mundo menos influenciado pela arte ocidental, era também onde os artistas menos estariam presos a convenções que datavam do período renascentista e que ainda limitavam o pensamento e as mãos de quem ansiosamente desejava mudar tal quadro.
[...] Os artistas do círculo de Manet estiveram entre os primeiros a apreciar as estampas e a coleciona-las avidamente. Viram nelas uma tradição não contaminada pelas regras e lugares-comuns acadêmicos que os pintores franceses lutavam por eliminar. As gravuras japonesas os ajudaram a observar até que ponto as convenções europeias ainda persistiam entre eles, sem que se dessem conta. Os japoneses compraziam-se em todos os aspectos inesperados e não convencionais. Seu mestre, Hokusai, representaria o Monte Fuji como que por acaso atrás de um poço; Utamaro não hesitaria em mostrar algumas de suas figuras cortadas pela margem de uma gravura ou por uma cortina de bambu. Esse arrojado desdém por uma regra elementar da pintura europeia exerceu grande efeito sobre os impressionistas. Descobriram eles nessa regra um último esconderijo da antiga dominação do conhecimento sobre a visão. Por que havia a pintura de mostrar sempre todo ou uma parte relevante de cada figura numa cena? (GOMBRICH, 2015, p. 325-326).
Figura 7: A Passarela japonesa
Claude Monet. A Passarela japonesa, 1899. Óleo sobre tela, 81,3cm × 101,6cm; National Gallery of Art, Washington DC.
Fonte: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.74796.html
Ainda mais experimentalista que Manet, era Claude Monet, que mergulhou ainda mais a fundo na proposta impressionista, ocupando-se, sobretudo, em pintar a natureza. Em sua perspectiva era necessário estar presente da paisagem para representá-la, sendo que cabia ao artista se adaptar a transitoriedade natural da existência, pois a natureza não ficaria parada para que fosse devidamente capturada, era o pintor que deveria se adaptar a ela.
As pinceladas menos cuidadosas e o produto final, sem a roupagem rebuscada característica do conservadorismo vigente na arte europeia, eram o suficiente para atrair a fúria conservadora e dar andamento nessa revolução impressionista. “[...] “Na pintura japonesa”, diz Hokusai com filosófica tolerância, “a forma e a cor são figuradas sem nenhuma tentativa de relevo, mas a pintura europeia procura o relevo e a ilusão” [...].” (DURANT, 1995, p. 608).
Coube a James Whistler levar essa moda parisiense para fora da França. Ele viu nos impressionistas a chance de romper com as tradições, focando principalmente no formato da representação, além de possuir ávido interesse nas gravuras japonesas.
Outros grandes artistas seguiriam seu exemplo seminal, nomes como Jean Renoir, Camille Pissarro e Edgar Degas na pintura, enquanto Auguste Rodin tratava de revolucionar na arte da escultura, o que o levou a ser taxado de impressionista assim como os demais. “[...] Tal como os impressionistas, Rodin desprezava o aspecto externo de “acabamento”. Tal como eles, preferia deixar algo para a imaginação do espectador [..].” (GOMBRICH, 2015, p. 528).
Outros nomes relevantes também são frequentemente associados ao impressionismo, apesar de, em certos casos, não serem exatamente “fiéis” aos desígnios do movimento, procurando nele apenas uma inspiração, ou tentando superá-lo, como foi o caso de Paul Cézanne, Henri Matisse e o mexicano Diego Rivera.
Mas é provável que o maior representante do movimento impressionista seja Vincent Van Gogh. O holandês, grande admirador da arte japonesa, fez amplo uso dessa para representar suas angustias e implementar uma visão artística que contemplava o homem comum.
[...] Hoje a grande maioria das pessoas conhece, pelo menos, algumas de suas telas; os girassóis, a cadeira vazia, os ciprestes e alguns dos retratos tornaram-se populares em reproduções coloridas e podem ser vistos em muitas salas de pessoas modestas e simples. Era isso, exatamente, o que Van Gogh queria: que suas telas tivessem o efeito direto e forte das gravuras coloridas japonesas que tanto admirava. Ansiava por uma arte despojada que não atraísse apenas os connoisseurs endinheirados, mas propiciasse alegria e consolo a todos os seres humanos [...] (GOMBRICH, 2015, p. 546).
Figura 8: Retrato de Père Tanguy, segunda versão.
Vincent Van Gogh. Retrato de Père Tanguy, segunda versão, 1887. Óleo sobre tela, 92cm × 75cm; Museu Rodin, Paris.
Fonte: https://www.musee-rodin.fr/es/musee/collections/oeuvres/el-padre-tanguy#group_1770
Além das artes plásticas, também a arquitetura foi influenciada pela arte japonesa. Assim como ocorreu com a pintura, haviam questões que deixaram críticos e arquitetos desejosos por mudanças, sobretudo devido a produção em massa de artesanato e o uso inadequado e, muitas vezes supérfluo, de elementos arquitetônicos do passado em novas construções.
[...] Ansiavam por uma “Nova Arte” [...] Essa bandeira de uma nova arte, ou Art Nouveau, foi desfraldada na década de 1890. Os arquitetos experimentaram novos tipos de materiais e novos tipos de ornamentos. As ordens gregas tinham-se desenvolvido a partir das primitivas estruturas de madeira, fornecendo os recursos característicos da decoração arquitetônica desde a Renascença. Não teria chegado o momento de a nova arquitetura de ferro e aço que se desenvolvera quase furtivamente nas estações ferroviárias e nas estruturas fabris criar um estilo ornamental próprio? E, se a tradição ocidental estava excessivamente vinculada aos velhos métodos de construção, poderia o Oriente fornecer um conjunto de padrões e novas ideias? (GOMBRICH, 2015, p. 535-536).
O arquiteto belga, Victor Horta, foi um grande expoente da Art nouveau. Através de um conjunto de obras que incluem a Casa Tassel, a Casa Solvay, a Casa Horta, e a Casa van Eetveld, feita para Edmond van Eetveld, administrador do Estado Livre do Congo.
Esse núcleo arquitetônico urbano, erigido em Bruxelas, é um marco do novo estilo que traria a inovação necessária para a arquitetura, sendo dominante na Europa até o início da Primeira Guerra Mundial, sendo substituído pela Art Déco.
A influência japonesa está presente em diversos elementos do novo estilo, Horta em especial foi um grande admirador da arte oriental, cujas características como graça e leveza se mantém mesmo que faça uso de materiais de grande solidez.
“[...] Horta aprendera com a arte japonesa a descartar a simetria e a explorar o efeito das curvas sinuosas [..] ao abordar a arte oriental, mas estava longe de ser um simples imitador. Ele transpunha essas linhas para estruturas de ferro que se harmonizavam perfeitamente com os requisitos modernos. Pela primeira vez, desde os tempos de Brunelleschi, era oferecido aos construtores europeus um estilo inteiramente novo. Não surpreende que essas invenções acabem sendo identificadas com a Art Nouveau (GOMBRICH, 2015, p. 536).
Figura 9: Cúpula de vidro, Casa Van Eetvelde
Victor Horta. Cúpula de vidro, Casa Van Eetvelde, 1895. Avenue Palmerston, Bruxelas, Bélgica.
Fonte: https://www.designartmagazine.com/2018/04/master-of-light-victor-horta-in-brussels.html
Na verdade, a exigência de “estilo” e a esperança de que o Japão pudesse ajudar a Europa a sair do constrangedor impasse não se limitaram à arquitetura, mas o sentimento de inconformismo e descontentamento com as realizações da pintura do século XIX, que se apossou dos jovens artistas no final do período, é menos fácil de explicar [...] foi a partir desse sentimento que se desenvolveram os vários movimentos a que hoje se dá usualmente o nome genérico “Arte Moderna”. Algumas pessoas podem considerar os impressionistas os primeiros modernos, porque desafiaram regras da pintura ensinadas nas academias [...] (GOMBRICH, 2015, p. 536).
A toda a vasta influência da cultura japonesa no Ocidente, a partir da segunda metade do século XIX, devido, sobretudo a arte ukiyo-e, deu-se o nome de Japonismo. O impacto causado pelo Japão do Período Meiji é imensurável, uma vez que gerou ramificações posteriores, tais como a Arte Moderna a partir do impressionismo.
O interesse elevado pela arte do Japão levou a criação de vários suplementos, destacando-se a revista Le Japon artistique, diretamente responsável por ampliar a apreciação sobre a estética japonesa.
As Exposições universais também foram fundamentais para a consolidação do japonismo. Nelas foram apresentadas as peças da arte japonesa que posteriormente atrairiam um grande número de colecionadores, criando um verdadeiro culto a esses objetos. Van Gogh, por exemplo, intitulava a influência direta da cultura japonesa em suas obras como Japonaiserie.
Dessa forma, artistas como Hiroshige e Hokusai foram se tornando cada vez mais admirados, levando de maneira inesperada a arte japonesa para todo o mundo, inspirando diretamente o impressionismo, o pós-impressionismo, a Art Nouveau, o simbolismo, etc.
Figura 10: Quioto, a grande ponte Sanjô (Keishi, Sanjô ôhashi)
Hiroshige. Quioto, a grande ponte Sanjô (Keishi, Sanjô ôhashi), da série Cinquenta e Três Estações da Tōkaidō (Tōkaidō gojūsan-tsugi), entre 1833-1834. Impressão em Xilogravura; Tinta e cor sobre papel, 23,7 × 36,7 cm; Museum of Fine Arts, Boston.
Fonte: https://collections.mfa.org/download/232765
A primeira imagem [...] representa Edo, sede do bakufu, e a última figura retrata Quioto, capital imperial. Entre esses dois polos de poder são representadas as 53 shukuba (cidades-estações) de Tōkaidō. Essas obras foram vendidas separadamente logo no início, mas ao finalizar a série, em 1834, elas foram reunidas em um único álbum com um breve prefácio e uma nota final [...] (SAKANO, 2019, p. 96).
Por fim, vale ressaltar que todo o sucesso da cultura japonesa no Ocidente, em especial na Europa e nos Estados Unidos, alimentava um interesse que logo se expandiu dos artistas e críticos para as massas em geral.
Um bom exemplo são as artes cênicas, onde destaca-se a ópera The Mikado, que teve sua estreia em março de 1885, em Londres. Um grande sucesso que seria reproduzido em diversos países e demonstrava o apelo que um Japão exótico era capaz de ter sobre os ocidentais.
Aproveitando-se do pouco conhecimento do público sobre o arquipélago, o autor pode usar o Japão como um engodo para, na realidade, tratar da própria Inglaterra.
Em fevereiro de 1904 estreava Madama Butterfly, que diferentemente da satírica The Mikado, era uma ópera dramática. Encenada na Itália, essa obra retrata a paixão entre um marinheiro estadunidense e uma gueixa, sendo conhecida sobretudo pelo seu trágico desfecho.
Apesar do aspecto singular presente em todo o interesse dos ocidentais por um país do Oriente, isso não significa que o Japão foi capaz de superar as barreiras étnicas e geográficas que o acorrentavam na desconfortável posição de exotismo.
A visão do Ocidente sobre os japoneses é, sobretudo, orientalista. Não cabendo ao próprio povo contar a sua história, mas sim, tê-la narrada pelos olhos estrangeiros, nunca atingindo uma representação justa ou imparcial sobre os fatos e as pessoas, derivando em simulacros que, não raramente, possuem conteúdo racista.
Figura 11: Cartaz de Madama Butterfly
Cartaz de Madama Butterfly, de Giacomo Puccini. Litografia de Adolfo Hohenstein, 1904.
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Adolfo_Hohenstein
Além das questões políticas, religiosas e culturais, ainda haviam outros desdobramentos que teriam grande impacto para a imagem japonesa no exterior. Ao reconstruir e criar novas instituições o Japão estava pondo em prática um projeto que requereu planejamento para a sua execução. Os resultados dessa estratégia foram limitados, pois haviam questões raciais que os japoneses não conseguiriam contornar.
Mesmo vencendo guerras e conseguindo competir economicamente com as potências ocidentais, o Japão ainda era relegado a uma posição inferior no grupo dos países imperialistas. As teorias raciais, assentadas no Darwinismo social e no determinismo geográfico não podiam ser contornadas pelo projeto de “reconstrução” japonês. A ocidentalização, ao emular práticas ocidentais sem, no entanto, fornecer o nível requerido de sucesso, foi sendo cada vez mais contestada. Aos olhares mais conservadores esse processo começava a descaracterizar o país, de uma forma irremediável e sem que trouxesse a esperada aceitação estrangeira.
O tratamento para com o Japão após as vitórias em diversos conflitos e questões como as polêmicas envolvendo imigrantes japoneses nos Estados Unidos, deixam claro que o processo de inserção internacional japonês possuía óbvios limites, acarretando em uma mudança de postura cada vez maior em relação as profundas mudanças que vinham se acumulando.
O ultranacionalismo do Período Showa viria a explorar fortemente essas questões, usando-as para suprimir os elementos democráticos e relativos a pluralidade ideológica, identificando-os como agentes da ocidentalização, que deveriam ser combatidos em nome de um Japão tradicional.
Os próprios japoneses dificilmente poderiam ser considerados paradigmas de virtude no que toca a atitudes raciais, como se podia reconhecer, em especial, com o tratamento dado aos Coreanos. Só falavam de igualdade racial quando eles mesmos eram vítimas, reais ou potenciais, de discriminação racial. No entanto, o Japão estava a receber a mensagem de que, afinal, não iria ser tratado como um igual. Era respeitado pelas suas realizações e aceita na comunidade mundial como grande potência, mas nunca seria aceite realmente como igual, porque, simplesmente, o seu povo não era branco. Poderia fazer as coisas ao estilo ocidental para todo o sempre, mas nunca seria uma verdadeira nação branca [...] Algumas das coisas dos ocidentais ainda eram úteis para fazer do Japão uma grande nação e mantê-la como tal, num mundo dominado por eles. Mas saber se essa coisa pouco confortável chamada democracia pertencia a esse grupo era outra questão (HENSHALL, 2014, p. 155-156).
4.3. Os limites da experiência democrática I: As contradições políticas do Japão
As contradições do projeto reformístico japonês não tardariam a aparecer, com profundidade e em uma progressão ascendente elas ameaçariam não apenas as mudanças em curso, como também alguns dos importantes alicerces da sociedade japonesa.
As questões relativas aos direitos sociais em meio a uma economia industrial em expansão encorajariam a organização de diversos movimentos sociais, sobretudo os socialistas, os comunistas, os anarquistas e as feministas.
A adoção das políticas imperialistas estava impreterivelmente ligada a assimilação de teorias vinculadas ao darwinismo social, cujas estruturas eurocêntricas e etnicamente racistas eram um grave problema em relação aos japoneses. A absorção dessas ideias levará a uma adaptação onde os vizinhos asiáticos ocupariam o papel de incivilizados, relegando ao Japão uma espécie de “Fardo do homem japonês”.
A ocidentalização criava perigosas tensões entre a tradição e a modernidade. Perniciosos questionamentos em relação as instituições poderiam colocar em risco tanto a conclamada coesão social japonesa quanto a suposta homogeneidade ideológica. O próprio trono imperial era legitimado, sobretudo, pela tradição, muito mais do que aparatos burocráticos ocidentais como uma constituição.
Por muito que fosse dirigido para o bem da nação, o movimento de espírito empreendedor era ainda um problema potencial para o novo governo. Encorajava a ideia dos direitos humanos e da democracia. Estas ideias inauditas na história do Japão. Podiam causar dificuldades ao governo na sua tarefa de coordenar a nação (HENSHALL, 2014, p. 122).
Se o processo de ocidentalização possibilitava a indispensável modernização para a economia e as forças armadas, ele também criava as condições necessárias para que os mecanismos sobre os quais se assentam as estruturas de poder fossem questionados.
Dessa forma o liberalismo trazia consigo uma série de desafios que, a depender dos ânimos das elites dirigentes e da capacidade de reação da população civil, causavam grandes rupturas no tecido social japonês.
Os conceitos de constituição, Estado de Direito, democracia, direitos humanos e movimentos sociais esgarçavam a coesão social, criando inauditos desafios para as autoridades japonesas. Percebendo que não poderia simplesmente frear de maneira abrupta tais mudanças, o Estado passa então a tentar controlá-las, sendo ele mesmo o promotor de muitas delas, com a esperança que, dessa maneira, também lhe atribuíssem o papel de arbitragem.
Por outro lado, as potências ocidentais pareciam valorizar claramente estas ideias. Politicamente, seria útil ao Japão pelo menos cooperar com elas. As nações ocidentais estariam mais inclinadas a levar a sério uma nação que abraçasse seus próprios princípios políticos. Tal ajudaria a apressar a revisão dos tratados desiguais, um objetivo que se tinha tornando num símbolo do sucesso do Japão em modernizar-se e em ser aceite pelas potências mundiais. Era evidente que a democracia, tal como a ideia aparentada de espírito de iniciativa, deveria ser promovida, mas de maneira controlada e dentro de certos limites (HENSHALL, 2014, p. 123).
O Estado passa a gerenciar o espaço social com cada vez maior rigor, procurando ter controle sobre as reações advindas das contradições no interior do sistema. Tanto a acentuação das disparidades econômicas quanto a irreconciliável relação entre o modelo tradicionalista japonês e o liberal, serão motores para insurgentes formas de contestação.
Surgem diversas formas de organização civil, com múltiplos objetivos, como o aprofundamento da democracia, a busca por melhores salários, direitos sociais como redução na jornada de trabalho, etc.
Para o Japão, inserido em um espaço global configurado pelo modelo imperialista, acatar tais práticas seria perigoso, pois o tornaria mais politicamente instável e economicamente menos competitivo. As exigências do espaço global influenciam a política sobre o espaço local, desse modo o território será a arena onde as forças do Estado e da sociedade civil entrarão em choque.
O espaço produzido e gerido pelo Estado é um espaço racional. É um espaço social, no sentido de que é o conjunto de ligações, conexões, comunicações, redes e circuitos. É também um espaço político, com características próprias e metas específicas. Ao caos das relações entre indivíduos, grupos, facões de classes, o Estado tende a impor uma racionalidade, a sua. São os recursos, as técnicas e a capacidade conceitual que permitem ao Estado tratar o espaço em grande escala. Ele tende a controlar os fluxos e estoques econômicos e produz uma malha de duplo controle, técnico e político, que impõe uma ordem espacial vinculada a uma prática e a uma concepção de espaço global, racional, logística, de interesses gerais, estratégicos, representadas pela tecnoestrutura estatal, contraditória à prática e concepção de espaço local de interesses privados e objetivos particulares dos agentes da produção do espaço (BECKER, 1988, p. 7).
Os avanços sociais começam a acontecer, sobretudo devido a permissividade do Estado japonês diante da organização civil, devido ao fato de acreditar que tais movimentações seriam úteis para a sua imagem no exterior.
Em 1880, o Japão já possuía mais de 150 sociedades locais de direitos populares, levando a formação de novos partidos políticos, como o Partido Liberal e o Partido da Reforma Constitucional, que objetivavam, entre outras coisas, a elaboração de uma constituição e um sistema parlamentar baseados no estilo britânico (HENSHALL, 2014, p. 122).
O território japonês, longe de ser apenas o espaço onde um monarca exerce seu poder absoluto sobre o povo, vai se tornando cada vez mais heterogêneo. As movimentações políticas e culturais inerentes aos processos contraditórios surgidos com a industrialização e a abertura política, criam projetos alternativos que desafiam diretamente a oligarquia e a sua gestão do território.
[...] A reorganização do espaço não é apenas expressão de processos econômicos e tecnológicos que, na verdade, são resultados de decisões políticas e estratégias organizacionais. As tendências de reestruturação tecnoeconômicas, do espaço de fluxos, devem, pois, ser confrontadas com projetos alternativos vindos da sociedade, do território (BECKER, 1995, p. 289).
A hierarquia de poder passava a ser contestada de uma forma nunca vista na história japonesa, pois todos os levantes e guerras travados até então tinham por objetivo a alteração de alguma liderança e não o questionamento de toda a estrutura hierárquica.
O movimento democrático não era simples. Expressava, sem dúvida, um desejo genuíno de uma forma mais democrática de governação. Em parte, este era motivado por grandes visões e ideais. Também expressava um elemento de frustração em relação aos líderes governamentais, que mantinham o poder nas suas mãos, em nome do imperador, e constituíam manifestamente uma oligarquia [...] (HENSHALL, 2014, p. 123-124).
O Estado e a oligarquia encaram essa nova realidade como um grande desafio a sua autoridade, ao mesmo tempo que procuram utilizá-la em benefício próprio. Em relação ao espaço global essa demanda se faz positiva, enquanto em relação ao espaço local ela representa uma ameaça inédita aos poderes estabelecidos.
Mas o espaço local, o território, possui um dinamismo que torna a gestão desses movimentos uma tarefa complexa. Desse modo a tentativa de controlar os processos disruptivos no espaço territorial leva a uma ascendente jornada de supressão de direitos, inevitavelmente findando em uma resposta totalitária para o problema.
Os oligarcas não eram surdos nem completamente hostis às diversas mensagens. Gostassem ou não, sabiam que a democracia teria de ter alguma expressão. Essa expressão seria politicamente valiosa, não apenas ao impressionar as potências ocidentais, mas também ao mitigar o sentimento antigovernamental. Todavia, tudo tinha de ser feito num ritmo controlado e apenas dentro de determinados limites – idealmente, uma aparência que não tivesse equivalente necessário na substância, ou seja, ao modo tradicional do Japão. Teria de ser democracia nos termos dos oligarcas, uma “democracia autoritária” (HENSHALL, 2014, p. 124).
Mas antes que o cenário internacional se configurasse de modo favorável a regimes totalitários, o Japão usou de outros meios para gestar os problemas políticos e sociais que o desafiavam. A solução é mais uma prova da excepcionalidade desse país, pois a originalidade dessas soluções são muito mais um reflexo de seu passado único do que a simples adoção de estratégias de repressão já implementadas no Ocidente. “E no momento em que se privilegiam as relações multidimensionais do poder, privilegia-se a prática espacial e o território, não mais apenas do Estado-Nação, mas dos diferentes atores sociais.” (BECKER, 1988, p. 11).
A gestão desta contradição não era tarefa fácil e nem sempre decorreu sem obstáculos. Finalmente, porém, atingiu-se uma espécie de equilíbrio, com base na capacidade japonesa, longamente testada, de conseguir conciliar elementos conflituais, bem como na tradição do Período Tokugawa da “liberdade dentro de certos limites”. Muitas vezes, este equilíbrio tomou a forma de actos quase simultâneos de repressão e liberalismo (HENSHALL, 2014, p. 124).
O Estado passa a adotar, a partir do final do século XIX, um perfil que privilegia o uso combinado de repressão e liberalismo, levando tanto a graves episódios de restrição de direitos quanto a certos avanços políticos que, em geral foram pontuais e tinham um duplo objetivo, apartar as crescentes demandas democráticas internas e melhorar a imagem externa do país.
Ao mesmo tempo que se reconheciam as demandas de certas parcelas da população, passou-se a perseguir atores sociais que eram considerados elementos com potencial tendência a questionar o staus quo e se organizar em prol de suas demandas.
A liberdade de expressão foi severamente restringida em 1875. Uma lei antidemocrática que impunha restrições a reuniões públicas e aleijava politicamente policiais, professores, estudantes e soldados, proibindo-os de participar da política sem a anuência das autoridades, foi aprovada em 1880 (HENSHALL, 2014, p. 124-125).
Essas supressões de direitos não impediam o andamento de outros projetos de cunho democrático, mesmo que representassem um duro golpe sobre os anseios democráticos.
A elaboração da constituição de 1890 é um exemplo da democracia “autoritária” em voga no período, restringindo severamente a participação da população nessa empresa. O documento elaborado por Hirobumi Ito, primeiro-ministro japonês de 1885 até 1888, levou em consideração as sugestões populares, sem, no entanto, ter a obrigação de acatar nenhuma (HENSHALL, 2014, p. 125).
Segundo HENSHALL (2014, p. 125) Ito viajou até a Europa com o suposto objetivo de estudar diversas constituições, sendo que antes da partida ele já havia expressado seu desejo por um documento de inspiração germano-prussiana. Com a ajuda de conselheiros alemães ele iniciou a escrita. “[...] O trabalho no projeto foi relativamente moroso, num ritmo que Ito pretendia. Teve assim tempo para introduzir salvaguardas para contrabalançar a eminente e arriscada experiência da democracia [...].” (HENSHALL, 2014, p. 125).
O imperador é a figura central da Constituição Meiji, promulgada em 11 de fevereiro de 1889. O documento é apresentado como uma formalização, em estilo ocidental, das visões tradicionalistas japonesas, baseadas em narrativas mitológicas. Dessa forma a fundação do Japão é oficializada em 660 AEC., data correspondente ao Nihon Shoki.
O respeito pelo imperador é vital neste projeto. De facto, não só o primeiro artigo constitucional destacava os direitos soberanos imutáveis do imperador, como a constituição era apresentada como uma dádiva do imperador ao seu povo. Um juramento imperial que acompanhava a promulgação salientava que a linhagem do documento remonta à própria deusa solar Amaterasu e que a constituição era apenas a reiteração, em formas modernas, de preceitos que sempre haviam sido seguidos pelos governos imperiais do país (HENSHALL, 2014, p. 126).
A concepção mitológica da origem do Japão era tão importante para o projeto imperialista japonês quanto o darwinismo social era para o europeu. Entre todas as terras e todos os povos do mundo, era aquela onde habitavam os japoneses que fora uma dádiva dos deuses. Também era nesse local onde a descendência divina de Amaterasu prosperava, cabendo ao Japão uma posição especial dentre as nações.
A criação do parlamento, chamado de Dieta, foi a principal novidade. Ele era bicameral e cabia ao imperador indicar os membros que constituiriam a Câmara dos Pares. O imperador era o comandante supremo das forças armadas, que respondiam diretamente a ele, também os ministros eram responsáveis perante o governante ao invés do parlamento (HENSHALL, 2014, p. 126).
Como era esperado dentro da lógica de repressão e liberalismo simultâneos, ao mesmo tempo que a constituição criava um parlamento, eram também impostas regras que limitavam a participação popular no sistema democrático.
[...] o direito de votar só era concedido aos adultos do sexo masculino que pagassem pelo menos 15 ienes por ano de impostos, o que significava cerca de 2% da população adulta [...] Eram garantidos diversos direitos populares, como a liberdade de expressão, religião, associação, etc., mas, por outro lado, estes eram ofuscados por condicionamentos, como serem exercidos “dentro dos limites que não prejudiquem a paz e a ordem” (HENSHALL, 2014, p. 126).
Mecanismos de exclusão de parcelas da sociedade civil não eram incomuns no Ocidente. Os Estados Unidos, por exemplo, excluíram de sua democracia todos os descendentes de africanos trazidos como escravos ao seu território. Dessa forma os direitos que constavam em sua constituição não contemplavam essa parcela da população, que mesmo após do fim da escravidão em nível nacional ainda era excluída da vida pública. Mecanismos como as Leis Jim Crown manteriam os negros apartados dos direitos civis nos Estados Unidos.
“A instrumentalização do espaço como meio de controle social está também associada à consolidação dos Estados-Nação no século XIX como o capitalismo industrial, quando o Estado muda de feição, passando a um Estado de governo [...]” (BECKER, 1988, p. 6).
A constituição foi, de certo modo, um passo em frente no caminho da democracia, mas ainda deixava aos oligarcas, que agiam em nome do imperador, o poder dominante. Permitiu que os partidos populares pudessem expressar-se, mas não obrigou os oligarcas a ouvi-los. Não permitia um efectivo governo partidário (HENSHALL, 2014, p. 126-127).
O Japão também criou um sistema representativo que em muito se assemelhava a uma democracia real, porém, a representatividade era um direito dado a poucas parcelas da população, impedindo o nascimento de um sistema democraticamente pleno, deixando em seu lugar apenas o mínimo necessário de direitos para ser aceito no sistema internacional.
Mas para aqueles não contemplados por esse sistema programado para a exclusão, ainda restava a chance de lutar para ampliar seus direitos, criando tensões que gerariam respostas violentas por parte das autoridades. “[...] Uma atmosfera preocupada e tensa dominava a cena política. O autoritarismo e a democracia não conseguiam partilhar facilmente a mesma cama.” (HENSHALL, 2014, p. 128).
[...] Se os movimentos sociais são manifestações de aprendizado político da população, eles derivam, também, da própria centralização do poder, que, destruindo ou cooptando as hegemonias regionais, transfere o conflito para o nível local. Porque é nesse nível que a desigualdade econômica e social se acentua, e porque a supressão dos partidos políticos e das hegemonias regionais suprimiu um escalão de negociações. Os grupos dominados, que só têm acesso à escala local, perdem um fórum para estabelecer compromisso e canais de expressão, manifestando-se fora dos quadros políticos, institucionais, diretamente de sua base territorial vivida contra o Estado (BECKER, 1988, p. 27).
O Incidente da Alta Traição ou, Incidente Kōtoku, em 1910, é um ponto de virada na contraditória política democrática do Império japonês. É a partir desse momento que a balança tende a pender mais para a repressão, com concessões cada vez menores para as demandas sociais.
Os anarquistas foram o primeiro alvo do Estado. O anarquista Kōtoku e sua esposa, a autora feminista Kanno Suga, foram acusados de participar de um levante terrorista que objetivava assassinar o imperador. O casal e outros suspeitos foram presos e processados, sendo que doze deles foram condenados a morte, estavam inclusos Kōtoku e sua esposa.
Em 1910, no que ficou conhecido como incidente da Alta Traição, centenas de simpatizantes de esquerda foram interrogados sobre o que as autoridades pensavam ser uma conspiração generalizada para assassinar o imperador. 26 foram julgados secretamente. As provas contra os cinco principais suspeitos pareciam ser muito fortes, mas eram duvidosas quanto aos outros. Apesar de tudo, 24 foram condenados à morte. Destes, 12 viram as suas sentenças comutadas; os restantes 12 foram executados em janeiro de 1911 (HENSHALL, 2014, p. 134).
O Estado japonês parecia ter decidido agir afinal, aproveitando-se de uma grave situação para executar elementos que considerava altamente perigosos, essa estratégia seria empregada novamente em outros momentos.
A perseguição aos grupos que ameaçavam a preservação do tecido social estava focada nos anarquistas, nas feministas, nos socialistas e nos comunistas. O fato desses mesmos grupos serem, em geral, amplamente perseguidos também no Ocidente, permitiu ao Japão executar seus planos sem muitas adversidades, pelo menos não tanto quanto agia contra o liberalismo.
O incidente seguiu-se a uma série de ações de repressão da atividade da esquerda na última década Meiji. A política partidária era uma coisa, mas o socialismo era outra. Como o cristianismo, parece que nunca criou raízes no Japão, embora se possa argumentar que nunca lhe foi dada essa oportunidade. De qualquer modo os socialistas tiveram que ser muito discretos no Japão até o fim da II Guerra Mundial (HENSHALL, 2014, p. 134).
Os movimentos de esquerda foram taxados como os mais perigosos, pois poderiam levar a disrupção do projeto imperialista japonês, ou pior, do Estado imperial Yamato e sua sustentação oligárquica.
Enquanto uma democracia liberal de fachada era erguida, uma estrutura de repressão social tomava corpo através de novas instituições. A polícia e as forças armadas passariam a intervir com maior frequência na vida pública, regulando as liberdades civis e monitorando grupos de interesse para o Estado.
O Período Meiji ia findando com poucas promessas de melhoras para os movimentos sociais. Os liberais podiam se tranquilizar com maior facilidade, mas aqueles ligados a ideologias que procuravam uma real mudança das estruturas do poder tinham muito a temer.
Em resultado do incidente da Alta Traição, foi criada em 1911 uma Força de Polícia Superior Especial. Esta era a tristemente célebre “polícia do pensamento”. Embora a democracia pudesse ir avançando em termos de estrutura interior e instituições, o mesmo não era necessariamente verdadeiro para a substância interna. Essa dualidade era apenas a continuação de uma longa tradição. O mesmo acontecia com a ausência de uma verdadeira democracia (HENSHALL, 2014, p. 134).
A dialética política de repressão e liberdade que caracterizou a ocidentalização do Japão acarretou em uma democracia controlada. Os limites impostos a esse projeto geram contradições que chegam ao ápice no Período Taisho, onde de um lado os movimentos sociais tornarão suas atividades mais intensas e, do outro, o Estado e a oligarquia tentaram cerceá-los, dentro de uma espécie de democracia autoritária.
À época da morte do imperador Meiji em 1912, o Japão já tinha se consolidado numa nação próspera, unificada e respeitada no plano internacional. As transformações da modernidade ocidental trouxeram novos valores e influências na sociedade, e na política surgiram vários partidos de cunho institucional, democrático, nacionalista, monarquista e comunista. O Japão, refletia e absorvia, os ventos das mudanças nas primeiras décadas do século 20 (MACEDO, 2017, p. 65).
A abertura as ideias ocidentais geraram um quadro de maior heterogeneidade política e cultural, tornando o horizonte partidário japonês bastante diverso e dinâmico. O Estado esteve atento a essas mudanças no perfil interno do país e procurou controlá-las.
A maneira legalista adotada pelo poder público, para limitar o avanço e a velocidade dessas mudanças, deu-se através de uma série de leis intituladas de Leis de Preservação da Paz, que ao longo de trinta anos serviram para comprimir a influência dos grupos dissidentes e suas ideias disruptivas.
A Lei de Preservação da Paz de 1894 foi um duro golpe aos movimentos sociais, sobretudo aqueles ligados aos Direitos Humanos. Centenas de militantes considerados subversivos foram presos ou banidos da área urbana de Tóquio, além de levar a um maior controle sobre direitos e liberdades fundamentais.
A Lei de Ordem de Ordem Pública e Polícia de 1900 teve o seu foco dirigido aos movimentos operários, proibindo greves e a organização dos trabalhadores em sindicatos.
A Lei de Preservação da Paz de 1925 deixa claramente exposta quais são os grupos preferencialmente perseguidos. A ênfase na proteção à propriedade privada vinha acompanhada de rigorosas punições a quem planejasse ou executasse atos considerados esquerdistas. Anarquistas foram mais uma vez perseguidos, dessa vez juntamente com socialistas e comunistas.
“Era este o padrão da política do Período Taisho. Tal como sucedera no Período Meiji, registraram-se avanços em direção à democracia e ao liberalismo, mas forma invariavelmente contrariados e controlados pelo autoritarismo e a repressão.” (HENSHALL, 2014, p. 153).
A questão territorial, por esta razão, é [...] chave, porque abre a perspectiva da multidimensionalidade do poder referente à prática espacial estratégica de todos os atores sociais e em todos os níveis, escapando da concepção totalitária de um poder unidimensional seja do Estado, do capital ou da máquina de guerra. Por esta razão, abre também espaço para a imprevisibilidade derivada de particularidades do corpo social que correspondem a processos em curso em que todas as escalas, inclusive local e regional, por vezes contraditórias aos processos dominantes na escala nacional e mundial, mas neles atuam (BECKER, 1988, p. 5).
As leis elaboradas especialmente para a repressão e cerceamento da liberdade nem sempre eram tão duras ou eficazes em eliminar os focos de dissidência, como gostariam as autoridades e mesmo parte da sociedade civil.
Dessa forma outras estratégias foram adotadas, seguindo o padrão do Incidente Kōtoku, ou seja, aproveitando-se de um fato real o Estado perseguiria dissidentes que já desejava eliminar. Foi exatamente o que ocorreu em 1923 em Tóquio, quando um destrutivo terremoto matou centenas de milhares de pessoas, além de deixar milhões sem abrigo.
As tensões territoriais levaram a um confronto de inédita barbárie desde a abertura japonesa, colidindo os diversos atores sociais presentes naquele espaço urbano e tendo que conviver com as numerosas contradições, sobretudo ideológicas, que tencionavam o tecido social da capital japonesa.
Um dos momentos mais negros do Período Taisho deu-se em Setembro de 1923, em consequência do maior desastre natural do país, o grande terremoto de Tóquio. Nele morreram mais de 100000 pessoas, tendo sido muito maior o número de feridos. Mais de três milhões de pessoas perderam a sua casa, a maioria das quais em fogos que se seguiram, e não devido ao próprio terremoto. Em breve corriam rumores de que residentes coreanos tinham sido os autores de alguns dos fogos. Disse-se também que se aproveitavam da oportunidade para pilhar e para infligir mais danos aos japoneses, envenenando poços, etc. Alguns japoneses chegaram a acreditar que o próprio terremoto fora causado por Coreanos, que irritaram os deuses com a sua presença em solo japonês. No estado de relativa ausência da lei dos dias que se seguiram imediatamente ao terremoto (de facto, fora declarada a lei marcial), estima-se que tenham sido mortos por milícias populares cerca de 6 000 coreanos. Os elementos anticoreanos entre a população não foram os únicos a se aproveitar da ausência de lei: a polícia militar matou alguns radicais e os que lhe estavam associados, incluindo o conhecido anarquista Osugi Sakae (1885-1923), a sua mulher e seu sobrinho de 6 anos (HENSHALL, 2014, p. 153).
Tanto a população quanto as forças do Estado viram na tragédia a oportunidade de realizar seus intentos, seja extravasando o ódio étnico sobre um povo estrangeiro, ou eliminando membros de um grupo considerado nocivo para a ordem pública.
O massacre não alterou a dinâmica estabelecida desde a Era Meiji, pelo contrário, as dicotomias entre repressão e liberdade só se acentuaram. A Era Taisho foi, portanto, um período caracterizado pele contraditório. Uma situação que não poderia durar por muito tempo, devido aos desgastes internos e externos que ela gerava.
[...] em 1925 foi aprovada uma repressiva Lei de Preservação da Paz, que passava a considerar crime advogar mudanças de fundo na estrutura política nacional. Mas, uma vez mais, foi neste mesmo ano que o direito de voto foi alargado a todos os homens com 25 anos ou mais. Era como um jogo de luz e sombra (HENSHALL, 2014, p. 153).
4.4. Os limites da experiência democrática II: As contradições econômicas do Japão
Simultaneamente a ocidentalização, o Japão também passou por mais uma profunda transformação, o processo de industrialização. Em um espaço curto de tempo o país deixou de ser uma economia essencialmente agrária e transformou-se em uma plataforma de exportação, competindo diretamente com potências já a muito tempo estabelecidas no comércio internacional.
Essas mudanças, para além de modificarem toda a geopolítica japonesa, também tiveram grande impacto interno, alterando de maneira profunda e duradoura a sociedade civil. Um aumento demográfico veio acompanhado de uma maior urbanização, bem como de mudanças nos hábitos da população, que além de assimilar valores e práticas ocidentais, agora também consumia os seus produtos.
A sociedade japonesa no Período Taishô testemunhou mudanças sensíveis. Decorrente do crescimento das grandes cidades, houve o incremento de uma classe média urbana e assalariada (sarariman), homens e mulheres, que foram novos consumidores dos novos produtos e hábitos advindos do exterior [...] (MACEDO, 2017, p. 65).
O Japão procurou inserir-se na cadeia de comércio internacional, logo percebendo que haviam disparidades óbvias entre as potências coloniais industrializadas e as suas colônias. Os países que já passavam pela Segunda Revolução Industrial vendiam, sobretudo, produtos manufaturados, cujo trabalho e a tecnologia empregadas em sua produção, os tornavam mais valiosos. Aos demais restava exportar produtos agropecuários e matérias primas, que geravam um retorno muito menor.
Ao perceber essa hierarquia, advinda da Divisão Internacional do Trabalho, o Japão passa a tentar subvertê-la. Uma vez inserido nas cadeias de produção e distribuição mundiais, passou a tentar alterar a sua posição de país agrário e pouco competitivo para um império industrializado capaz de exportar e se beneficiar com produtos de alto valor agregado.
A emergência do Japão como grande potência reflectiu a preocupação com a sua própria segurança. Para estar seguro, o Japão precisava de desenvolver as mesmas capacidades económicas e militares das potências ocidentais, para assim poder competir com elas. No Japão de Meiji, as políticas domésticas, foram por isso, condicionadas com as preocupações da sua política externa. Embora um país pequeno e pobre em recursos minerais e energéticos, o Japão conseguiu impor-se como potência industrial através da criação de indústrias modernas que, dirigidas por grandes famílias e com visão, conseguiram transformá-lo num exportador de produtos fabricados e um importador de matérias primas. Vender tornou-se pois, uma absoluta necessidade para o Japão (FREIRE, 2004, p. 3-4).
A História demonstra que as riquezas geradas pelo modo de produção capitalista não são naturalmente ou eventualmente distribuídas de modo que beneficie amplas parcelas da população, essa realidade não se altera sem que se haja luta para isso.
Dessa forma, as mesmas demandas sociais feitas pelos trabalhadores nos países ocidentais ganharão coro dentro do Japão, bem como as formas de organizações operárias e as estratégias de chegada ao poder. Também a classe detentora da propriedade privada dos meios de produção procurará, igual ocorre no exterior, rechaçar tais resistências entre os japoneses.
A diferença está nos aspectos históricos e culturais únicos presentes no Japão, frutos de sua geografia insular e a tendência política ao isolamento. A sociedade japonesa, através e por causa de suas estruturas tradicionais, irá encarar esses desafios de modo particular, mesmo que as necessidades dos trabalhadores e os objetivos dos oligarcas sejam universais.
O homem supérfluo do Japão era um falhado num mundo duro de ganhadores e perdedores, um mundo onde, de repente, as pessoas ficavam em larga medida entregues a si mesmas para vencer ou falhar [...] A ortodoxia rígida e obrigatória da Era Tokugawa significava, pelo menos, que as pessoas tinham um lugar prescrito e que lhes diziam como pensar e agir. Essa segurança tinha agora desaparecido. A liberdade revelava ser uma espada de dois gumes (HENSHALL, 2014, p. 117).
Os 265 anos sob o domínio Tokugawa e os mais de seis séculos de sistema de xogunato marcaram de forma incontestável a história japonesa, isso não mudaria tão rapidamente mesmo com todo o empenho empregado na Restauração Meiji.
Todo um modo de vida baseado nas tradições nacionais de repente entrou em colapso, porém não de forma totalmente natural. A necessidade imposta pelo perigo imperialista ocidental forçou os japoneses a mudarem, algo que em condições diferentes poderia não ter ocorrido, levando em consideração a estabilidade dos Tokugawa antes da chegada do Comodoro Perry.
Para o japonês comum esse quadro representava uma reviravolta brutal em seu modo de vida, gerando grande dificuldade de adaptação a um quadro que fora se desenhando lentamente nos países ocidentais desde o século XVIII, com a Primeira Revolução Industrial.
[...] Se os indivíduos fossem demasiado fortes e independentes, poderia ser difícil controlá-los. Os seus esforços poderiam tornar-se desorganizados e perder-se. A autoridade do governo poderia até ser afectada. Tal enfraqueceria o país e torna-lo ia vulnerável às potências estrangeiras, se estas, afinal, começassem a pensar colonizar o Japão [...] Por outro lado, não era fácil construir uma nação forte com um povo fraco e que não se empenhasse, e o governo queria com determinação liderar uma nação forte. As pessoas tinham de ser encorajadas a tornar-se fortes e aptas a atingir os seus objetivos. No entanto, ao estilo Tokugawa, tinha de ser dentro de certos limites. As suas energias recém libertadas tinham de ser dirigidas (HENSHALL, 2014, p. 119).
O desejo permanente de controle sobre essas mudanças inevitáveis levou a uma intensa atividade de monitoramento da população por parte do Estado. As diversas Leis de Preservação da Paz e a criação de instituições como a Polícia do pensamento foram exemplos diretos desse monitoramento constante.
Aproveitando-se da longa tradição de obediência a hierarquia, o Estado e os oligarcas procuraram moldar os trabalhadores em prol de seus objetivos. O poder público os queria organizados e passivos o suficiente para que pudesse reprimir as tentativas em buscar maior liberdade, ao mesmo tempo que desejava uma população altamente motivada em relação aos adversários externos. As forças econômicas, por sua vez, esperavam poder explorar a mão-de-obra sem maiores dificuldades, contando com que os trabalhadores vissem a sua exploração como um caminho inevitável e necessário para o fortalecimento da nação.
Porém, mesmo um povo altamente hierarquizado e acostumado com ampla coesão social ainda tinha suas próprias demandas, em geral alguma melhora na sua qualidade de vida, que naquele momento era demasiado baixa.
As condições de vida e trabalho da classe trabalhadora e rural, no entanto, não prosperou em igual medida. Os salários e ganhos mal acompanharam o processo inflacionário que resultou numa marginalização cada vez maior de um expressivo contingente populacional do restante urbano japonês. Foram entre esses, excluídos e ressentidos da urbanidade, em que as idéias do conservadorismo e ultranacionalismo das décadas seguintes irá crescer. Alguns segmentos populares, diante da busca por melhorias e direitos, se organizaram em associações e sindicatos e começaram a defender e se filar a partidos comunistas (MACEDO, 2017, p. 65).
O crescimento dos movimentos trabalhistas era inevitável diante do cenário de ampla carestia e exploração que caracterizava o processo de industrialização do Império do Japão. O nacionalismo foi a estratégia utilizada para conter essa ameaça, usando-o para disciplinar a população e desviar suas energias e atenção dos problemas trabalhistas.
O espaço social passa a ser minuciosamente regulado, os donos do poder logo perceberam que não bastava apenas planejar e pôr em prática as reformas, era preciso gestar as suas consequências. Desse modo, além das leis e das instituições reguladoras, também surgiram instrumentos de doutrinação que serviram ao objetivo de controle sobre as mudanças em curso.
Através de uma leitura de Foucault, fica evidente o papel do Estado como regulador do espaço social, pois a disciplina é vista como um instrumento fundamental para a governabilidade do Estado. “[...] desenvolve-se a disciplina, necessária à ação com o coletivo. E disciplina é, sobretudo, uma análise do espaço, de como dispor as coisas de modo conveniente de modo a controlá-las [...]” (BECKER, 1995, p. 285).
O Japão se tornava, cada vez mais rápido, um laboratório de experiências autoritárias. Tanto a forma de controle interno de sua população, quanto a gestão violenta exercida futuramente sobre os territórios sob seu domínio, serviram de exemplo para a Alemanha Nazista.
Se os germânicos serviram de inspiração para a organização das forças armadas e para o nascimento de sua constituição, seria o Japão que, através das suas políticas repressivas, representaria um exemplo para as ditaduras ultranacionalistas europeias, sobretudo a germânica.
A educação estava entre as principais formas utilizadas para doutrinar a população, servindo como instrumento de reprodução de narrativas tradicionalistas, sobretudo, visando preservar a ideia de descendência divina do imperador.
[...] Um instrumento crucial era a doutrinação, mas, ironicamente, esta era dificultada por uma das poucas forças do Japão naquela altura: a alta taxa de alfabetização e educação. Seria uma pena sacrificá-la. Aliás, era essencial para construir uma nação moderna forte [...] A resposta era óbvia: a própria educação tinha que ser controlada. O que as pessoas liam tinha que ser controlado, ou, melhor ainda, obrigatório. O controlo da educação haveria de significar com o tempo que a mundividência de todo o povo – o modo como perspectivava a vida – poderia ser ela mesma controlada (HENSHALL, 2014, p. 119-120).
O breve período democrático é findado por forças conservadoras que implementam uma versão nipônica do fascismo europeu, que em um primeiro momento goza de amplo sucesso em dominar ideologicamente a população. Apenas a partir da década de trinta o nazismo alemão será capaz de se igualar em capacidade de dominação sobre as mentes e os corpos de seu povo.
A Alemanha de Hitler havia sido humilhada após a derrota na Segunda guerra Mundial. O revanchismo francês, alimentado desde a Guerra Franco-Prussiana, e o medo britânico de uma Alemanha forte fizeram com que o país fosse obrigado a concordar com condições duríssimas no pós-guerra.
Com parte de seu território ocupado e limitações em suas forças armadas os alemães alimentaram um grande ressentimento, algo que Hitler soube direcionar tanto para a República de Weimar quanto para certas parcelas da população, conseguindo com sucesso findar a também breve experiência democrática alemã.
Também o Japão convivia com a ameaça externa, sempre com a lembrança do desastroso destino da China e a ameaça estadunidense de antes da Restauração. Suas forças armadas também sofreram limitações, pois as potências liberais temiam o aumento de seu poder sobre a região do Pacífico. Coube aos militares direcionar os descontentamentos do povo para asfixiar a democracia Taisho e governar o país através do ultranacionalismo.
O nacionalismo era uma causa ideal. Dava perfeitamente vazão ao sentimento renovado de identidade nacional e à crise desencadeada pelo regresso da ameaça externa [...] Era fácil de disseminar entre o povo com métodos como os lemas “torna-te forte e constrói uma nação forte”, “faz do teu sucesso o sucesso de uma nação”, “torna-te forte e mostra aos ocidentais que o Japão não é uma nação com que se brinque”. A palavra de ordem não era apenas oitsuke, oikose (alcança, ultrapassa), mas também fukoku kyohei (“nação rica, exército forte”) [...] (HENSHALL, 2014, p. 119).
Se a adoção pela política imperialista foi determinada por condições externas, a implantação do autoritarismo deveu-se, sobretudo, a questões internas. A economia é a chave para entender o estopim de tais acontecimentos, pois foi a partir dela que foram geradas contradições que o Estado e os oligarcas não foram capazes de controlar apenas através da força da tradição e das suas longevas instituições.
[...] A partir da produção do território nacional, o Estado transforma suas próprias condições históricas anteriores engendrando relações sociais no espaço e produzindo seu próprio espaço, complexo, regulador e ordenador do território nacional. Trata-se da organização da hegemonia ou do poder, no sentido gramsciano de Estado lato sensu e não do aparelho de Estado apenas (BECKER, 1995, p. 285).
A busca pelo controle absoluto sobre a vida vai tomando forma, primeiro como um projeto e, posteriormente, como uma necessidade. Pois, da mesma forma que a defesa diante do assédio estrangeiro fez as mudanças relativas a Restauração Meiji parecerem necessárias, também o perigo dos movimentos sociais sobre o tecido social levou, aos olhos das autoridades, a necessidade de um controle total sobre a sociedade.
O espaço é igualmente uma das condições – e a expressão mais visível – do exercício da hegemonia do Estado, das empresas e da(s) classe(s) dominante. O poder se exerce no e com o espaço. A lógica do poder disciplinar, por exemplo, é a ordenação espacial: "A disciplina e, antes de tudo, a analise do espaço. É a individualização pelo espaço, a insersão dos corpos em um espaço individualizado, classificatório, combinatório." VESENTINI, 2020, p. 33.
Chega ao fim qualquer resquício de tolerância para visões dissidentes, o Estado busca a homogeneização ideológica em nível nacional. O espaço que congrega as diferenças e permite o vislumbre de mudanças é dominado e trabalhado, produzindo, através do território nacional, uma homogeneização artificial que objetiva o apagamento das dissidências.
[...] O espaço produzido e gerido pelo Estado é um espaço racional. É um espaço social, no sentido de que é o conjunto de ligações, conexões, comunicações, redes e circuitos. É também um espaço político, com características próprias e metas e metas específicas. Ao caos das relações entre os indivíduos, grupos, frações de classe, o Estado tende a impor uma racionalidade, a sua [...] (BECKER, 1995, p. 285).
O caminho percorrido até a ascensão do ultranacionalismo está indissociavelmente ligado ao combate aos movimentos progressistas. Os intelectuais e ativistas de esquerda estavam muito mais predispostos a contestar a legitimidade do monarca, o que colocava o Estado em alerta, além de, obviamente, discordarem sobre a propriedade privadas dos meios de produção, colocando a oligarquia em modo defensivo.
O Japão, no Período Meiji, ainda se encontrava em um estágio de transição, passando de uma economia basicamente feudal para um sistema produtivo industrializado. As diferenças entre a população eram resquícios do passado Tokugawa, ainda não contemplando as divisões sociais típicas do modelo capitalista.
Como não podia deixar de ser, a economia japonesa dos primeiros anos de Meiji foi de transição e confusão. Somente com a consolidação do novo regime, o sistema capitalista firmou pé no Arquipélago e, com as guerras nipo-chinesa e nipo-russa, realizou um rápido progresso. Um verdadeiro sistema capitalista moderno se implantou no Japão, chegando, na Era Taisho, a fazer concorrência às maiores potências econômicas mundiais (YAMASHIRO, 1964, 174-175).
É somente do Período Taisho que o sistema capitalista se desenvolve de maneira plena no arquipélago. O crescimento da indústria nacional, notadamente o setor têxtil, modificou as relações sociais japonesas, tomando-as mais parecidas com o que já existia no Ocidente.
As mesmas contradições minuciosamente expostas por Marx, em seus trabalhos focados na Europa Ocidental, puderam ser vistas no Japão Taisho, com divisões em classes e inevitáveis embates, frutos de irreconciliáveis questões estruturais inerentes ao capitalismo.
Surgiu a sociedade capitalista, onde predominavam os "jitsugyoka" (homens de negócios — industriais e comerciantes). Do lado oposto, ficavam as massas de trabalhadores e proletários, donde resultou o aparecimento de complicadas relações entre o capital e o trabalho. Entre as classes dos capitalistas e proletários ficavam os pequenos proprietários de terras, pequenos industriais e comerciantes e assalariados de colarinho, constituindo a classe média. E, naturalmente, surgiram questões várias em resultado do choque de interesses das três classes (YAMASHIRO, 1964, 175).
Se as formas de exploração usadas pelos detentores do Capital na Europa foram reproduzidas em solo japonês, também as estratégias de resistência seriam adotadas por aqueles que só podiam vender a sua força de trabalho.
“Especialmente depois da primeira guerra mundial, novas idéias de justiça social introduziram-se no Japão. Os livros de Marx, Engels, Lenin e outros líderes socialistas e comunistas foram traduzidos e amplamente lidos pelos intelectuais e operários.” (YAMASHIRO, 1964, 174-175).
Ao passar pela Revolução Industrial, já em sua segunda fase, o Japão teve que lidar com as contradições inerentes a esse processo, bem como todos os problemas intrínsecos ao modelo capitalista.
Como ocorre com as demais economias capitalistas, o Japão passa a ter uma relação de dependência entre Estado e o setor econômico, fato que ocorre desde o momento da Restauração e evolui à medida que o império avança.
[...] São os recursos, as técnicas e a capacidade conceitual que permitem ao Estado tratar o espaço em grande escala. Ele tende a controlar os fluxos e os estoques econômicos, produzindo uma malha de duplo controle, técnico e político, que impõe uma ordem espacial vinculada a uma prática e a uma concepção de espaço local, de interesses privados e objetivos particulares dos agentes de produção do espaço [...] (BECKER, 1995, p. 285).
O Estado, como instituição obrigatória para a existência do capitalismo, desempenhará o mesmo papel que já o faz no Ocidente imperialista. O poder público irá dispor de todo o seu aparato tecnológico e institucional, bem como seu monopólio sobre o uso da força, para proteger os interesses das classes dominantes.
Mas falta ao Japão uma tradição progressista, pois se o próprio capitalismo, e tudo aquilo que lhe é intrínseco, é uma novidade, também são as suas antíteses. Longe da efervescência dinâmica que o socialismo possui no Ocidente, no Japão ele mal dá os primeiros passos e já se vê confrontado com a mesma intensidade com que é combatido na Europa e nos Estados Unidos.
A verdadeira esquerda é muito fraca. Uma liga pelo sufrágio universal é fundada em 1900. Os primeiros grupos socialistas são criados nos últimos anos do século XIX, a exemplo dos primeiros sindicatos. Mas o aparecimento do líder socialista Sem Katayama na tribuna do Congresso Socialista internacional de Amsterdã, em 1904, é manifestação isolada. Na vida política do país, o socialismo ainda conta menos que no Ocidente (CHESNEAUX, 1976, p. 49).
Em uma situação onde se pode fazer diversos paralelos com países ocidentais, o Japão, apesar da industrialização, ainda possuía uma massa de trabalhadores rurais submetidos a uma lógica próxima a do sistema feudal europeu.
“[...] O pequeno campesinato “parcelar” continua subordinado aos grandes proprietários rurais por vínculos semifeudais. Sua miséria traduz-se ainda por rebeliões bruscas, como as ‘sublevações do arroz’ em 1918.” (CHESNEAUX, 1976, p. 51).
De forma bastante similar ao da Rússia czarista, o Império japonês mesmo em franco processo de industrialização, ainda convivia com resquícios dos sistemas anteriores a Restauração Meiji. Ou seja, além de ter que lidar com as contradições advindas do processo de industrialização e da ocidentalização, o Japão ainda tinha problemas tradicionais não resolvidos que, certamente, seriam um ponto a mais de instabilidade na nova realidade capitalista.
Mas eram os proletários, cada vez mais numerosos nas cidades, que inquietavam as autoridades. As mudanças na Rússia, logo após a sua retirada na Primeira Guerra Mundial, eram um prenúncio de possíveis levantes socialistas nos países industrializados. O Japão se sentiu diretamente ameaçado pela Revolução Russa, não demorando para integrar uma coalizão internacional que objetivava sufocá-la.
[...] A Revolução russa, com seu apelo ao proletariado e o apoio que trazia às classes exploradas, ameaçava-o de modo tão direto quanto as nações ocidentais. Foi um dos mais ferozes partidários de uma intervenção na Rússia [...] (PANIKKAR, 1977, p. 255).
O único assunto que parecia estar além das novas e explosivas questões ideológicas que adentravam no Japão era o expansionismo. Pois, mesmo que os intelectuais da esquerda tenham compreendido com Karl Kautsky, Nikolai Bukharin e Lenin, que era necessário lutar contra o imperialismo, sua influência sobre o proletariado era demasiadamente pequena para fazer frente ao desejo de um Japão imperial dominante no Extremo Oriente.
O fato novo é o súbito avanço expansionista da Ásia Oriental. O Japão torna-se exportador de capitais [...] Os grande zaibatsu estão muito interessados nessa expansão, que lhes abre mercados, forneces matérias-primas, proporciona lucros rápidos a seus capitais: a Mitsui e a Mitsubishi controlam de perto os grandes organismos financeiros da expansão colonial japonesa [...] Mas o sonho de um Dai Nippon (Grande Japão) senhor da Ásia oriental, tem raízes sociais bem amplas, no exército, nas classes médias das cidades, no campesinato. Ao mesmo tempo, reflete o desejo de uma vida melhor e um sentimento confuso de solidariedade pan-asiática dirigida contra as potências coloniais brancas [...] (CHESNEAUX, 1976, p. 51).
A esquerda japonesa era incapaz de fazer frente aos seus adversários. A falta de tradição, experiência e legitimidade, somadas as divisões internas e o amplo apoio popular em relação a expansão imperialista do Japão, eram empecilhos quase incontornáveis.
Apesar desse quadro de ampla dificuldade é preciso ressaltar pequenas vitórias, mesmo diante de severas leis que limitam o crescimento de partidos político e a organização civil da esquerda. A instituição do sufrágio universal e a fundação de partidos politicamente relevantes, mesmo que pouco competitivos, são conquistas reais que não seriam possíveis sem um certo grau de organização e planejamento bem executados.
A questão da expansão domina também a política interna japonesa durante esse período. A esquerda e o movimento operário reforçaram-se (há 400.000 operários em indústrias em 1900, perto de 3 milhões em 1937). Mas continuam fracos e divididos. O Partido Comunista, fundado em 1921, não se entende bem com os três ou quatro Partidos Sociais-Democratas rivais, que surgem em torno de 1920. A esquerda obteve, em 1925, que se instituísse o sufrágio universal, mas suas possibilidades de ação são muito limitadas por uma severa “Lei sobre a manutenção da ordem”, promulgada no mesmo ano. Nas eleições de 1928, os partidos operários só possuem oito deputados, e dezoito em 1936. Não tem condições para opor-se realmente à política imperialista que reprovam (CHESNEAUX, 1976, p. 52).
A fraqueza da esquerda expõe parcelas da sociedade a uma grande vulnerabilidade, pois grande parte do milagre econômico se deve a exploração da mão-de-obra nacional. As singularidades do povo japonês foram amplamente exploradas pelos proprietários, que fizeram uso de sua rígida disciplina e sua propensão em seguir a hierarquia para explorá-los intensamente.
[...] o Japão pôde começar com um equipamento moderno e uma disciplina feudal, quando seus competidores permaneciam embaraçados pelas máquinas antiquadas e por um operariado rebelde. A energia era barata no Japão e os salários eram baixos; os trabalhadores submetiam-se de bom grado aos chefes; as leis laboristas vieram tarde; Em 1933 os novos teares de Osaka necessitavam de uma operária para 25 máquinas; os de Lancashire requeriam um homem para seis (DURANT, 1995, p. 619).
O projeto de desenvolvimento industrial estava irremediavelmente ligado as pretensões geopolíticas japonesas. Para fazer frente aos experientes concorrentes ocidentais, o Japão procurou explorar a mão-de-obra nacional de forma que seus produtos pudessem tornar-se competitivos no Mercado internacional. Dessa forma, longas jornadas de trabalho, baixos salários e condições insalubres, foram estratégias utilizadas para atingir seu objetivo.
O natural pacto capitalista entre o Estado e a oligarquia tinha assim uma roupagem especial no Japão, pois era parte inerente ao seu projeto como grande potência imperialista na Ásia. Portanto, os detentores dos meios de produção não tiveram dificuldades em limitar as estratégias operárias de resistência, como a formação de sindicatos.
O próprio espaço urbano japonês foi sendo modificado, replicando as contradições entre as classes japonesas em sua estrutura, como o tamanho, a qualidade e a disposição das habitações. “[...] a organização, estruturação e construção do espaço via de regra manifesta ou expressa os interesses dominantes, em especial aqueles do Estado (principalmente dos mais poderosos) e do grande capital.” (VESENTINI, 2020, p. 34).
Enquanto o florescimento do comércio gerava uma nova e próspera classe média, os operários manuais sofriam o peso do baixo custo da produção, através do qual o Japão esperava desbancar os concorrentes no mercado internacional. O salário médio dos homens em 1931 era de $ 1,17 por dia; o das mulheres, 48 centavos; 51 por cento do operariado industrial eram do sexo feminino e 12 por cento, abaixo de 16 anos. As greves tornaram-se frequentes e o comunismo foi se desenvolvendo; nisto sobreveio o furor bélico de 1931, que fez a nação unir-se em cooperação patriótica: os “pensamentos perigosos” foram declarados ilegais, e os sindicatos operários, nunca fortes no Japão, tiveram de submeter-se a grandes limitações. Inúmeros cortiços formaram-se em Osaka, Kobe e Tóquio; nos de Tóquio famílias de cinco pessoas ocupavam o espaço médio de oito a 10 pés quadrados – pouco mais que a área ocupada por uma cama de casal; nos de Kobe, 20.000 pobres, criminosos, defeituosos e prostitutas viviam na maior imundície, dizimados cada ano pelas epidemias, com a mortandade infante quatro vezes maior que a média no resto do Japão. Comunistas, como Katayama, ou socialistas cristãos como Kagawa, lutaram tremendamente contra estas condições [...] (DURANT, 1995, p. 619-620).
Presa em uma armadilha de produtividade, a esquerda japonesa foi incapaz de criar as condições necessárias para alterar as relações de poder em seu país. Certamente a ideia de uma ruptura profunda como a que foi gerada na Rússia a partir de 1917 era impensável, mas pequenas mudanças que acarretassem em alguma melhora na qualidade de vida dos proletários eram um objetivo realista e pouco ambicioso, mesmo assim foi frustrado diante da realidade nacional.
O caminho do fortalecimento industrial em detrimento de direitos trabalhistas foi o escolhido pelo Estado e pela oligarquia. O trágico destino chinês ainda assombrava os japoneses, que pareciam estar conformados em ser explorados por proprietários locais ao invés de nações estrangeiras.
O “acúmulo da riqueza nas mãos de uma minoria” parece ser uma inevitável consequência da civilização. A pouca eficiência do trabalho japonês e o baixo custo da vida levam os empregadores japoneses a crer que os salários não são tão baixos como parecem. O salário baixo, segundo o pensamento nipônico, é indispensável para que a indústria obtenha baixo custo de produção; este baixo custo é indispensável para a conquista dos mercados estrangeiros; os mercados estrangeiros são indispensáveis para uma indústria dependente da importação de matérias-primas; a indústria é necessária para sustentar a crescente população nas ilhas das quais a agricultura só dá alimento para 12 por cento da população; e a indústria também é necessária para a riqueza e o armamento, sem o qual o Japão não pode defender-se contra a rapacidade do Ocidente (DURANT, 1995, p. 620).
A insatisfação gerada pelas dificuldades do dia-a-dia foi canalizada para uma série de questões, que em comum estavam ligadas a adoção de hábitos, instituições e modos de produção ocidentais. Desde a Restauração Meiji a “Reconstrução” do país não gerava tanta inquietude, sendo capaz de abalar o processo pelo qual o Japão passava.
A Grande Depressão da década de Trinta trouxe questionamentos sobre o modelo adotado pelo Estado japonês. O liberalismo parecia fragilizado aos olhos de diversos povos pelo mundo, levando discursos ultranacionalistas a ganhar cada vez mais espaço, sobretudo entre aqueles que achavam não ter um quinhão digno de sua estatura.
A própria ideia de democracia era amplamente questionada, sendo duramente atacada na Alemanha de Weimar e no Japão Taisho. Uma reconfiguração geopolítica estava em andamento, sendo modelada a partir de questões ideológicas, rechaçando tanto o socialismo quanto o liberalismo.
Muitos apontavam a influência ocidental como a verdadeira fonte da corrupção, considerando em bloco como males ocidentais coisas tão diversas como as instituições parlamentares, os grandes negócios, o individualismo e o estilo de vida urbano relativamente liberal. Havia uma insatisfação crescente com o que o Japão tinha exactamente obtido com a sua adoção dos sistemas econômico e político ocidentais, sobretudo tendo estes fracassados claramente em travar a grande depressão no Ocidente. Pelo contrário, a ascensão dos nazis na Alemanha e dos fascistas em Itália era talvez o sinal de que uma abordagem menos democrática poderia ser mais eficaz e que até algumas nações ocidentais começavam a compreender isso (HENSHALL, 2014, p. 158).
O processo de ocidentalização sempre foi visto como algo necessário, não como desejado. Em uma postura pragmática os japoneses decidiram não apenas modificar a governança Tokugawa, mas também reformar sua política, economia e cultura.
Mesmo após ter vencido a China e a Rússia em campo de batalha, os japoneses não recebiam o mesmo tratamento dispensado pela potencias ocidentais umas às outras. Junta-se a isso um período de grande instabilidade econômica que acentuam brutalmente as diferenças sociais, sobretudo entre o campo e a cidade.
No meio rural percebia-se um cansaço diante de mudanças tão profundas em tão pouco tempo, um sentimento de retorno a tradição começou a espalhar-se e, foi prontamente utilizado pelos militares para tentar chegarem ao poder.
Os liberais dividiam-se entre os que apoiavam a radicalização do império e os que não tinham força para fazer frente a ela. Entre a esquerda, restava apenas resignar-se diante da tomada pelo poder dos ultranacionalistas. O Período Showa seria uma época de muito menos tolerância para com as dissidências, ao mesmo tempo em que fazia convergir todas as insatisfações populares em torno do esforço de guerra, que supostamente libertaria o Japão das amarras impostas pelo Ocidente e, por consequência, dos liberais e imperialistas.
“[...] o movimento de caráter socialista sofreu um grave retrocesso durante o período de ascenção do militarismo e nacionalismo, na década 1930-40, e, afinal, ficou completamente submerso durante a guerra do Pacífico.” (YAMASHIRO, 1964, 175).
Com a morte do imperador Taisho, Hirohito torna-se o novo monarca, em dezembro de 1926. Ao reinado de Hirohito foi dado o nome de Showa, quer dizer, “Paz ilustre”. Na verdade, caracterizou-se, praticamente desde início, por crises e dramas, tanto a nível interno como no estrangeiro (HENSHALL, 2014, p. 156).
5. CAPÍTULO 3 – O NACIONALISMO DO PERÍODO SHOWA (1926-1946)
5.1. A Ascensão do Militarismo no Japão: A questão da Manchúria e a integração ao Eixo
A História do Japão é um drama em andamento, com três atos já representados. O primeiro – logo depois do ciclo primitivo e lendário – é o Japão budista (522-1603 de nossa era), subitamente civilizado pela China e a Coréia, refinado pela religião e criador de obras-primas em literatura e arte. O segundo é o Japão feudal e pacífico do xogunato Tokugawa (1603-1868), isolado e auto-suficiente, que não procurava novos territórios nem comércio externo, satisfeito com a agricultura e amigo da arte e da filosofia. O terceiro é o Japão moderno, aberto ao mundo em 1853 por uma esquadra americana, forçado ao comércio e à indústria pelas condições internas e externas, imitador dos métodos imperialistas do Ocidente e ameaçador da paz e da ascendência da raça branca no mundo. Tendo em vista os antecedentes, o quarto ato será a guerra (DURANT, 1995, p. 559).
O beligerante Período Showa é marcado pelo envolvimento político dos militares nas questões de expansão territorial. Ao rechaçar fortemente elementos provenientes do Ocidente, os japoneses perderam a confiança na democracia liberal, que foi incapaz de levar o Japão a possuir o mesmo status dos impérios ocidentais e de amenizar as contestações sociais advindas das brutais desigualdades geradas pelo processo de industrialização.
O objetivo de expandir sua área de influência, que existia desde o Período Meiji, passa a se tornar uma necessidade. Se as contradições internas pressionam a vida da população ao mesmo tempo em que a disposição das estruturas impede qualquer mudança profunda, é no exterior que se tentará encontrar uma solução. A hesitação das oligarquias abre caminho para os militares, que prontamente abraçam o projeto imperialista.
O descontentamento e a intolerância para com a democracia aumentaram e haviam apelos cada vez mais insistentes por parte dos militares para uma política de expansão territorial como solução para as desgraças do Japão. Os olhos viraram-se para a China. Como os políticos hesitavam, os militares tomaram o assunto em mãos (HENSHALL, 2014, p. 158).
Os japoneses direcionam a sua atenção mais uma vez para a China. A colônia mais importante do mundo estava bem diante do Japão, através dela diversas limitações poderiam ser superadas. Mão-de-obra barata, amplo mercado consumidor, abundância de matérias-primas, enfim, todos os requisitados necessários para o crescimento saudável de um país imperialista encontravam-se do outro lado do Mar da China Oriental.
“[...]o país asiático experienciou tanto a humilhação [...] quanto a trajetória de redução de sua primazia econômica dada retração de sua participação na economia mundial de, aproximadamente, 33% em 1820, para cerca de 4,5% em 1980 [...]” (BAPTISTA, 2020, p. 100).
A China encontrava-se dividida pelas potências imperialistas, dessa forma para ter acesso a ela seria necessário enfrentar o Ocidente. O Japão não podia esperar mais uma janela como a ocorrida na Primeira Guerra Mundial, ele teria que tomar a iniciativa caso quisesse aplacar o amplo descontentamento interno por parte da opinião pública.
[...] a sociedade chinesa vivenciou a ocorrência de tensões próximas as suas fronteiras, travou conflitos com outros países, sofreu perdas territoriais expressivas tanto decorrentes das pressões e agressões dos países da Europa Ocidental, da Rússia e do Japão, quanto do estabelecimento de tratados internacionais, tendo que conviver, portanto, com a penetração das potências estrangeiras em seu território [...] (BAPTISTA, 2020, p. 100).
Em 1928 extremistas japoneses explodiram um comboio em Mukden, no nordeste da China, os conspiradores buscaram culpar os chineses, esperando uma retaliação militar japonesa. A ala mais moderada do exército teve sucesso em conter o agravamento da situação, porém o castigo imposto aos terroristas foi puramente simbólico, mostrando que o descontentamento de tal ação foi limitado.
Um novo primeiro-ministro foi escolhido, Hamaguchi Osashi, em uma das diversas crises do Período Showa. Era o momento de atualizar os termos da famigerada Conferência de Washington, isso ocorreria na Conferência Naval de Londres de 1930, onde o governante não foi capaz de obter vantagens para o Japão. A repercussão interna foi altamente negativa, os japoneses sentiram-se ultrajados e o primeiro-ministro foi assassinado em um atentado político por um jovem da direita política. No curso dos anos o Japão se retiraria de todos os acordos navais que lhe impunham alguma limitação militar, implodindo a aliança com a Grã-Bretanha e consolidando as desconfianças dos Estados Unidos (HENSHALL, 2014, p. 158).
Desde o fim da Primeira Guerra Mundial as potências ocidentais se deram conta das intenções japonesas, adotando assim uma postura agressiva diante de suas pretensões imperialistas no Extremo Oriente.
Após a Conferência de Washington ficou claro a antipatia ocidental, pois além da retirada de concessões feitas em Versalhes, os japoneses ainda tiveram que aceitar um acordo que limitava sua expansão militar e viu a sua importante aliança com a Grã-Bretanha finalmente chegar ao fim. Com a subida ao poder dos comunistas na Rússia, o Japão ficou isolado no cenário internacional, com todas as potências ocidentais traçando limites as suas ambições.
Privado assim de qualquer apoio, o Japão fez o que se impunha: elevou ao máximo suas possibilidades internas à espera de uma reviravolta da situação internacional que lhe fornecesse novos aliados. Quis tornar-se grande potência industrial, desenvolveu suas forças navais e aéreas e, sem apelar para a ajuda estrangeira, melhorou suas culturas e seu criatório e intensificou seu comércio. Todavia, faltavam-lhe o carvão e o minério de ferro, seus recursos agrícolas eram insuficientes; ora, a Manchúria, onde ele já tinha uma posição privilegiada, podia permitir-lhe preencher essas lacunas; decidido a transformá-la em seu celeiro e seu arsenal, procurou a primeira ocasião para aí instalar-se (PANIKKAR, 1977, p. 207).
O histórico de agressões japonesas ao território chinês não tardaria a aumentar, pois as principais investidas e ganhos advindos da Primeira Guerra sino-japonesa, da Guerra Russo-Japonesa e da Primeira Guerra Mundial não foram efetivos o suficiente para aplacar o desejo expansionista do Império do Japão.
O Período Showa, dominado politicamente pelos militares e guiado ideologicamente pelo ultranacionalismo, tomará uma postura altamente agressiva em relação a China. A invasão da Manchúria foi o primeiro passo dessa nova geopolítica, que visava aumentar o espaço de influência japonês após perceber que os países ocidentais sempre agiriam em bloco contra o Japão. “Como resultado da influência crescente dos elementos militaristas na política japonesa, a atitude do governo de Tokyo tornou-se cada vez mais intransigente em relação à China [...] provocou afinal, um conflito armado entre os dois países.” (YAMASHIRO, 1964, p. 178).
Em setembro de 1931, deu-se o incidente da Manchúria. Era praticamente uma repetição da táctica usada [...] em 1928. Uma vez mais, tropas japonesas fizeram explodir uma via do caminho-de-ferro perto de Mukden e, uma vez mais, foram acusados os chineses, na esperança de que tal provocaria uma crise que permitiria o fortalecimento da posição militar do Japão. O atentado foi realizado por um grupo de oficiais de patente intermédia [...] mas agora tinha a aprovação tácita de altas figuras do comando militar (HENSHALL, 2014, p. 158).
Os militares finalmente tomavam a dianteira em relação as políticas imperialistas. Na intenção de criar um pretexto para expandir a sua influência dentro da China, os militares fizeram uso de atos de sabotagem, em meio a um inédito consenso interno das forças armadas.
“Desta vez, os moderados não ganharam. Em contraste com o caso de 1928, a intervenção militar japonesa seguiu-se rapidamente na realidade, ao fim de poucas horas. O governo foi impotente para a impedir [...]” (HENSHALL, 2014, p. 158-159).
A assimilação das estratégias imperialistas levou o Japão a empreender uma expansão de seus domínios coloniais fortemente baseada na colonização britânica da Índia. As visões sobre a suposta decadência do liberalismo ocidental repercutem entre as nações ultranacionalistas, o que tornava a França e a Grã-Bretanha menos assustadoras do que pareciam ser antes da Primeira Guerra Mundial.
“[...] o Japão, instalando regimes de seu gosto na Manchúria e governos a seu sôldo nas províncias do Norte da China, empreendia no continente uma expansão territorial que se inspirava grandemente na conquista inglesa da Índia.” (PANIKKAR, 1977, p. 275).
[..] o estudo dos métodos britânicos na Índia mostrara-lhe que poderia valer-se dos imensos recursos da China, combinando uma supremacia militar a uma administração indireta. Esquecendo-se que as condições, no século XX, já não eram as mesmas, o Japão tratava de aproveitar-se de uma situação internacional propícia para fazer a China do Norte uma réplica da índia inglesa [...] (PANIKKAR, 1977, p. 281).
O imperialismo japonês, sob o comando dos liberais, preferiu não se arriscar em uma invasão direta da Manchúria. Certamente a lembrança das inúmeras derrotas diplomáticas do passado os tornaram receosos sobre as retaliações estrangeiras.
A influência dos militares altera esse quadro, pois para eles não bastava influenciar o Norte da China indiretamente, era necessária uma dominação completa, que só seria possível com uma invasão militar.
A intervenção armada na Manchúria, em 1931, é o culminar de um longo processo de penetração nipónica neste país que, desde o fim do século XIX se defronta com as ambições concorrentes da Rússia e do Japão. De facto, até o fim dos anos vinte, os dirigentes de Tóquio não sentiram a necessidade de uma ocupação pura e simples da Manchúria. [...] controlando a maior parte das riquezas em minérios (carvão e ferro), julgavam que o Japão podia retirar dividendos das posições adquiridas e reforçar sua esfera de influência na região, com baixos custos [...] (MILZA, 2007b, p. 132).
Em 1932 foi estabelecida, pelo exército japonês, a República de Manchukuo, tendo sido renomeado como Império de Manchukuo em 1934. Sob a liderança de um imperador chinês totalmente sob controle dos militares, a tomada dessa região é a conquista mais importante do Japão desde o começo de sua expansão imperialista.
Em um primeiro momento não houve uma forte condenação vindo da comunidade internacional, diferente do que ocorrera no passado. A conjuntura geopolítica pareceu favorecer o Japão, com as potências ocidentais mais preocupadas com o fortalecimento da União Soviética sob a administração e Stalin. Essa condescendência para com a invasão do Norte da China fará a Alemanha Nazista ter mais confiança na ousada decisão de invadir os Sudetos, em outubro de1938, na antiga Tchecoslováquia[4].
A falta de reação instigou os japoneses a invadir a região do Jeol, em 1933, no Nordeste da China. Ela é rapidamente anexada a Manchukuo, ampliando ainda mais a vitória militar japonesa. A Sociedade das Nações conseguiu apenas uma condenação simbólica por meio de sua Assembleia Geral, o que de forma alguma ameaçou as conquistas japonesas, mas foi o suficiente para gerar uma retaliação diplomática japonesa.
O Incidente da Manchúria levou a uma reação da Sociedade das Nações. Uma comissão chefiada por Lorde Lytton, da Grã-Bretanha foi a Manchúria no início de 1932 para investigar. Com base no seu relatório, a Assembleia Geral da Sociedade das Nações condenou as ações japonesas em Fevereiro de 1933. O Japão abandonou rapidamente a Sociedade (HENSHALL, 2014, p. 159).
Em 1933 o Japão deixa a Liga das Nações, no mesmo ano em que Hitler sobe ao poder na Alemanha, abrindo novas possibilidades para o Japão, que isolado pela Conferência de Washington, vislumbrava uma nova chance de reinserção no concerto internacional.
Já a algum tempo as hostilidades dos Estados Unidos inquietavam os japoneses. As duras reações as suas pretensões por parte de Woodrow Wilson na conferência de Versalhes já haviam sinalizado um futuro difícil entre Tóquio e Washington.
Com o tempo, a Grã-Bretanha, importante aliada, também acabou enfraquecendo suas relações com o Japão. A aliança entre Londres e Washington se provou mais forte e duradoura, como era de se esperar entre as potencias anglo-saxãs do Atlântico Norte.
As nações ocidentais ditas “liberais”, ao isolar o Japão pelos Tratados de Washington, granjearam a sua hostilidade. O Japão esperava uma nova constelação internacional. A chegada de Hitler ao poder, em 1933, provocou no bloco ocidental uma brecha que o Japão julgou possível e vantajoso explorar [...] O Japão julgou, mas sem razão, que conseguira forçar o bloqueio diplomático e, consequentemente, que poderia agir à vontade com a China (PANIKKAR, 1977, p. 302).
A Segunda Guerra Sino-Japonesa, iniciada em 1937, é o verdadeiro início da Segunda Guerra Mundial, apesar da historiografia contemplar a invasão da Polônia, em setembro de 1939, como o estopim do conflito.
A Grande Guerra iniciou-se no Pacífico, o mesmo local onde terminaria, em 1945. A decisão japonesa de se lançar em uma invasão em larga escala ao território chinês, apesar de ousada, estava de acordo com o que vinha sendo exibido em sua política de expansão internacional já a décadas.
A necessidade de possuir territórios coloniais e o desejo de que a China fosse um deles já eram reconhecidos em Tóquio, porém, foi a conjuntura interna chinesa que parece ter acelerado a decisão de intervir. Os chineses aos poucos vinham se reestruturando, tanto politicamente quanto militarmente. Apesar de ainda muito frágil, os novos governantes mostravam-se superiores aos antigos e o futuro parecia promissor. Era melhor enfrentar uma China anda frágil em 1937 do que esperar que ela se fortaleça e que as potências ocidentais voltem a temer algo para além da União Soviética.
[...] Em 1937, o governo de Nanquim era relativamente fraco [..] Todavia, em relação aos governos que o precederam, o de Tchang era muito forte. Governo nacional, dispunha de um forte exército e gozava de uma autoridade mais extensa que qualquer outro antes da Revolução. Se a nova China não fosse morta no ovo, bastariam alguns anos para que se desvanecesse o sonho japonês de preponderância na Ásia Oriental [...] (PANIKKAR, 1977, p. 302-303).
Enquanto as potencias imperialistas, com exceção dos Estados Unidos, escolhiam não responder firmemente ao avanço japonês na China, coube aos soviéticos o papel de contenção dessa expansão. Oque levaria aos chamados, Conflitos fronteiriços entre a União Soviética e o Japão, entre 1932 e 1939.
Para os soviéticos, o Japão era mais um país imperialista que o tinha como inimigo ideológico. Porém, diferente dos rivais europeus, o Japão, estando tão próximo geograficamente e intensamente interessado em expandir sua área de influência, era um perigo eminente.
[...] Só a União Soviética, que se sente diretamente ameaçada na sua fronteira oriental com a escalada do imperialismo japonês, adopta, a partir de 1937, uma política mais firme em relação a Tóquio, assinando, em agosto de 1937, um pacto de não-agressão com a China, fornecendo a esta potência material de guerra, que passa pela Mongólia exterior, e chegando mesmo a desencadear operações militares contra o exército nipónico, em agosto de 1938 e maio de 1939 (MILZA, 2007b, p. 209).
A União Soviética, naquela altura, era um rival muito mais formidável do que foi a Rússia czarista, na primeira década do século XX. O Exército Vermelho mostrou-se superior as forças militares japonesas, infligindo-lhes uma grave derrota em 1939, na Batalha de Khalkhin Gol, na Mongólia.
Essa derrota alterou os planos iniciciais japoneses, que objetivaram uma invasão a Sibéria através da Mongólia. “[...] Decidiu, após fracassos militares em 1939 em Nomonhan, na Mongólia, assinar um pacto de não agressão com Stalin, da União Soviética, que foi respeitado quase até o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945.” (MACEDO, 2017, p. 68).
O pacto tirou japoneses e soviéticos da rota de colisão que parecia muito provável. Um acordo parecido foi feito entre a Alemanha nazista e a União Soviética em 1939, o Pacto Molotov-Ribbentrop. Dessa forma tanto Berlim quanto Tóquio ficaram livres para focar sua atenção nas potências liberais, que até então vinham sendo complacentes com suas expansões, na esperança que em algum momento entrassem em choque com a União Soviética.
Após a Crise da Bolsa de Nova Iorque de 1929, boa parte da economia capitalista global entrou em recessão. A Ásia não ficaria indiferente. Os reflexos políticos foram a ascensão de partidos políticos mais centralizados e dirigistas. No Japão, surpreendentemente, os efeitos da crise foram mitigados, mas o cenário democrático e parlamentar, sustentado desde 1868, sucumbiu diante de um avanço de um regime ultranacionalista e militarista (MACEDO, 2017, p. 66).
Até a assinatura do pacto com os soviéticos, os japoneses já haviam alterado toda a sua rede de alianças internacionais. O alinhamento com a Alemanha e a Itália está diretamente ligado a fatores externos, como o fim da aliança com a Grã-Bretanha e o receio de uma intervenção dos Estados Unidos no Extremo Oriente, além de questões internas, sobretudo a ascensão dos militares.
A Ascensão do ultranacionalismo e o alinhamento ao Eixo acontecem em um quadro de grande descrédito do capitalismo liberal. A Grande Depressão afetou o Japão inicialmente, que apesar de uma sólida recuperação econômica, viu perecer a sua democracia parlamentar, que apesar dos percalços e limitações, gozou de algum crescimento no Período Taisho.
No Japão, a asfixia econômica que acompanha a quebra das exportações vai servir de argumento aos partidários de uma política de expansão. A partir de 1931, os militares alcançam uma influência determinante na condução dos negócios, apesar do fracasso dos numerosos golpes de estados fomentados pelos grupos oficiais ligados aos movimentos ultranacionalistas. Dividido em facções rivais o exército não vai nunca tomar o poder: limita-se a exercer uma pressão constante e multifacetada sobre as várias equipas governamentais. Isso com o apoio mais ou menos explícito dos dirigentes da indústria pesada, convencidos da necessidade de uma política de armamento e de conquista (MILZA, 2007b, p. 131).
Os militares não tomam o poder de forma direta e formal, ao invés disso passam a exercer uma influência direta nas políticas nacionais e internacionais japonesas. A crise foi fundamental para a crescente força dos militares no Estado japonês, pois o receio de uma piora nos indicadores econômicos levou a nação a apostar convictamente no projeto de expansão imperialista. “[...] o efeito global da crise foi a maior proteção dos mercados nacionais [...] e incentivou a percepção necessária da nação assegurar um espaço a ser controlado com recursos energéticos e minerais para o seu autossustento [...].” (MACEDO, 2017, p. 66-67).
A busca por um espaço de influência que garantisse a continuidade do crescimento econômico japonês era, em outras palavras, a expansão do seu império colonial. O Estado passa a intervir para além de suas fronteiras, defendendo os interesses de sua oligarquia, em detrimento do espaço territorial de outros povos.
Revela-se a relação histórica de poder – econômico, da guerra, político, ideológico – com o espaço, segundo um imperativo estratégico, como um princípio geral. Mas essa relação varia no espaço e no tempo. No espaço, em decorrência das especificidades da organização social em várias escalas; no caso dos Estados, desenvolvem eles geopolíticas nacionais que correspondem a vias específicas para a modernidade, como o Brasil que seguiu uma via autoritária em que cresceu o Estado, mas não a Nação, em que o país assumiu feições de país central, mas sem perder as de país periférico [...] (BECKER, 1988, p. 28).
Diante da necessidade de expansão e do enfraquecimento do liberalismo, o Japão passa a interessar-se pelo fascismo. Ideologias totalitárias ganhavam cada vez mais espaço na Europa, sobretudo entre alemães e italianos, que assim como o Japão, encaravam os resultados de Versalhes como algo desastroso.
O concerto internacional erigido pelos Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França, simbolizado pela Sociedade das Nações e pelo liberalismo democrático, era considerado um arranjo cuidadosamente construído para a manutenção da hegemonia desses países, em detrimento da militarmente derrotada Alemanha e dos diplomaticamente injustiçados, Japão e Itália.
Pretendendo ser a grande potência asiática e expandir o limite das suas fronteiras terrestres e comerciais, o Japão via com bons olhos o novo regionalismo apresentado pelo Nacional-Socialismo. Assim como os alemães e italianos, os japoneses, pelo que aconteceu em Versalhes, desprezavam a Sociedade das Nações pois consideravam que ela “não passava de um fantoche para os britânicos e franceses fazerem valer as suas pretensões internas e protegerem os seus interesses velados” (MAZOWER, 2017, p. 210 apud RAMOS, 2019, p. 134).
Se o socialismo era um inimigo, cujas diferenças ideológicas eram irreconciliáveis, o embate era o caminho inevitável. O próprio Japão fez parte da coalizão internacional que procurou intervir na Rússia revolucionária, em 1918. Era apenas uma questão de tempo para que ocorresse um novo confronto.
As relações com o liberalismo foram esfriando a medida que os japoneses não conseguiram obter o status que esperavam com a ocidentalização. Ficava cada vez mais claro que não poderiam vencer o darwinismo social, que alicerçado em uma postura eurocêntrica, sempre colocaria o Japão em uma posição de inferioridade, mesmo que a realidade econômica e militar atual indicasse o oposto.
O militarismo em ascensão recorreu ao fascismo europeu como aparato ideológico. Mas como a maior parte do que veio do exterior, o Japão também faria sua própria leitura desse fenômeno. Sua releitura levou a um tipo particular de totalitarismo, conhecido como ultranacionalismo Showa. “[...] Até 1936 o Japão ofereceu o estranho espetáculo de um governo temperado com assassínios políticos: para um patriota, todo homem no poder era um traidor em potencial.” (PANIKKAR, 1977, p. 304).
Passou-se então a rejeitar a ocidentalização, juntamente com o liberalismo e a democracia. Uma nova etapa da “Reconstrução” japonesa precisava ser iniciada e os militares desejavam estar na liderança desse evento.
“O movimento geral para recuperar o Japão era muitas vezes referido de ‘Restauração Showa’, embora este termo significasse coisas diferentes para pessoas diferentes [...] houve numerosos assassínios e até tentativas de golpe objetivando esta restauração.” (HENSHALL, 2014, p. 159).
Com a oposição intimidada, os militares estavam agora virtualmente sem controlo. A “polícia do pensamento” estava activa e eram vulgares os assassínios dos que tinham ideias erradas. O próprio imperador não parecia constituir obstáculo aos planos militares de expansão. Na verdade, os militares assumiram eles mesmos o papel de o proteger dos “maus conselheiros”, os que tinham ideias erradas, conselheiros com perspectivas demasiado ocidentais e demasiado liberais. Entre as numerosas vítimas contou-se Minobe Tatsukichi, cujos pontos de vista sobre o constitucionalismo lhe valeram ser acusado de traição. Muitos de seus escritos foram também retirados (HENSHALL, 2014, p. 159).
Assim como em demais regimes totalitários, todas as vozes discordantes foram perseguidas. A década de 1930 é o ponto de virada na política interna japonesa. A frágil coexistência entre liberdade e repressão chega ao fim, com a vitória da última.
O processo pelo qual as liberdades civis são cada vez mais suprimidas ocorre em paralelo com o ascendente poder dos militares. Não existiu um evento em particular em que essas mudanças fossem devidamente formalizadas e institucionalizadas, porém uma série de eventos demonstram que houveram tentativas nesse sentido e a atitude das autoridades, incluindo o imperador foi, em geral, de tolerância, mesmo que em muitos casos o oficialato de baixa patente, por questões de aparência, tenha sido sacrificado de maneira exemplar.
O golpe mais bem conhecido, “O Incidente de 26 de Fevereiro” [...] de 1936. Cerca de 1400 militares chefiados por jovens oficiais tomaram de assalto vários edifícios governamentais, matando e ferindo figuras políticas importantes e conselheiros imperiais. O seu objetivo era instalar um governo militar mais em sintonia com as suas ideias ultranacionalistas [...] Os rebeldes tinham se declarado absolutamente leais ao imperador e viram a sua causa gravemente enfraquecida quando Hirohito, ultrajado com os ataques aos seus conselheiros, se recusou a ter o que quer que fosse a ver com eles e insistiu em que fossem julgados como traidores. Negou-lhes também o direito de cometerem o suicídio ritual. Os chefes dos rebeldes alimentaram a esperança de que o julgamento pudesse proporcionar uma tribuna para os seus pontos de vista, mas até isso lhes foi negado porque foi realizado em segredo. 19 foram por fim executados e outros 70 encarcerados. Contudo, nenhum dos oficiais superiores que tinham mostrado abertamente simpatia por tais pontos de vista foi condenado (HENSHALL, 2014, p. 160).
O Incidente de 26 de fevereiro é um dos casos onde ocorreram tentativas de tomada direta do poder. Mesmo que o discurso oficial deixasse claro a total obediência ao imperador, ainda assim o monarca não poderia tolerar tamanho ato de rebeldia. Caso aceitasse a tese golpista, isso significaria que assumia que as escolhas políticas feitas até então foram um erro absoluto, além do fato de que significaria o abandono dos membros que compunham a burocracia estatal.
Mas o sentimento que moveu o Incidente já havia se alastrado para a população antes mesmo desse evento. Indiretamente ele favorecia amplamente o próprio imperador, pois ao rejeitar as instituições, leis e políticas vistas como ocidentalizadas, os contrapesos ao poder total do monarca foram minados, abrindo caminho para uma administração monárquica sem limites.
O Incidente de 26 de Fevereiro foi um raro caso de intervenção firme de Hirohito e de os militares serem dominados. Em geral, nos 10 primeiros anos da Showa de Hirohito, assistira-se os militares a obter o controlo da nação à custa do governo parlamentar. A sua agressiva disposição antiocidental e antiliberal, partilhada por muita gente entre o povo, não contribuiu para um começo auspicioso da Era da Paz Ilustre (HENSHALL, 2014, p. 160).
A falta de confiança na democracia liberal e no parlamentarismo refletiram-se nas eleições de 1940. Os militares pareciam ter tomado o poder sem precisar de um golpe bem-sucedido para isso. O totalitarismo havia vencido nas ruas e nas urnas, cabendo-lhe comandar o Japão durante a Segunda Guerra Mundial.
Nesse ponto, o governo civil já se encontrava bastante debilitado e intimidado pelos atos organizados dos militares. Em 1940, não houve maioria partidária para garantir governabilidade no parlamento japonês, prenunciando a paralisação democrática do governo frente a um setor militar cada vez mais presente e atuante no país. Uma nova era de militarismo ultranacionalista se iniciava (MACEDO, 2017, p. 67).
As questões exteriores também estiveram intimamente ligadas a todos os eventos ocorridos no Japão. A Revolução Russa não repercutiu apenas no Ocidente, ele teve também impacto na Ásia. Muitos povos receberam as notícias sobre esse grandioso evento e viram uma oportunidade de mudanças, sobretudo aqueles locais onde forças estrangeiras constituíam a elite principal.
Na China a repercussão foi mais forte, pela proximidade geográfico, o histórico de relações com a Rússia e pela ocupação ocidental prolongada no país. No Japão, a agenda liberal como parte integrante do processo de modernização impediu que a revolução fortalecesse internamente os socialistas e comunistas, bem como a incapacidade da esquerda japonesa em gerar mudanças duradouras, tanto em relação aos movimentos sociais quanto na política partidária.
É indiscutível que a Revolução russa acelerou o despertar asiático; é igualmente indiscutível que ela sacudiu as massas, lançou a dúvida no espírito da elite intelectual quanto aos valores ocidentais até então jamais contestados [...] cada povo reagiu a ela de uma maneira diferente [...] a mensagem comunista só se difundiu nos países onde as estruturas sociais haviam sido profundamente subvertidas pela ocupação ocidental. Na China e no Anã, o comunismo preenchia um vazio; na Índia [...] ele constituiu sobretudo um fermento intelectual que acelerou a derrota ocidental. Finalmente, em países independentes como o Irã, o Afeganistão e o Sião, onde a agressão social e religiosa fora bastante limitada, o pensamento comunista não alcançou qualquer repercussão (PANIKKAR, 1977, p. 254).
Desde o primeiro momento o Estado e a oligarquia japonesa estiveram em alerta com relação aos bolcheviques, encabeçando a intervenção externa em apoio ao Exército Branco e chegando a invadir a Sibéria.
Se a maior parte da Ásia percebia Lenin como um anti-imperialista, isso gerou uma empatia por parte das colônias submetidas ao poder imperialista europeu. Mas o Japão era um caso único no mundo, sendo o único país imperialista fora do eixo do Atlântico Norte. Dessa forma os japoneses enxergam o estabelecimento da União Soviética como um risco direto as suas pretensões expansionistas.
O caso do Japão é inteiramente diferente. Lá a Revolução de Outubro só fez semear o pânico. O Japão havia se juntado ao rol dos agressores, e, se estava pronto a encorajar qualquer revolta asiática dirigida contra os ocidentais, só podia inquietar-se com uma revolução que pretendia subverter os fundamentos da sociedade estabelecida [...] Enquanto todos os países da Ásia, mesmo os mais conservadores, tendiam a encarar a Rússia como um possível aliado em sua luta contra o Ocidente, o Japão via nela o inimigo mais perigoso de sua grandeza nacional. Foi esse sentimento, bem como seu rancor contra a Inglaterra e os Estados Unidos, que o levou a juntar-se à Alemanha e à Itália no Pacto Anti-Komintern (PANIKKAR, 1977, p. 254-255).
A ascensão do militarismo japonês e a imposição de sua agenda na política interna logo também mudou os rumos da geopolítica do império. Se a União Soviética era um perigo existencial para o imperialismo japonês e se os Estados Unidos e a Grã-Bretanha tendiam a limitar os seus avanços, novas alianças eram necessárias, pois o isolamento só trouxe revezes para o Japão no passado.
Questões históricas, ideológicas e geopolíticas aproximaram os três países que viriam a formar o Eixo. Historicamente eles se lançaram tardiamente a corrida neocolonial, pois Alemanha e Itália só passam pelos seus processos de unificação no século XIX, enquanto o Japão só pôs fim ao Sakoku nesse mesmo século.
Ambos os países compartilhavam ideologias totalitárias, o fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha e o ultranacionalismo Showa no Japão. O concerto geopolítico após Versalhes não favoreceu nenhum desses países, mesmo a Itália, que mudou de lado antes do fim da guerra, ou o Japão, que sempre esteve alinhado a Tríplice Entente.
Em 1936, Alemanha e Itália compuseram o Eixo Roma-Berlim. No mesmo ano o Japão assinou o Pacto Anticomintern com a Alemanha nazista, a Itália se junta a eles em 1937. Como o anticomunismo fazia parte da retórica oficial, em um primeiro momento as potências liberais foram complacentes com o expansionismo do bloco, até ficar claro que as pretensões do Eixo eram muito superiores ao alardeado combate ao comunismo.
[...] A Alemanha voltava a ser, como nos tempos de Bismarck, a grande potência europeia. O eixo Roma-Berlim, nascido após a Guerra da Etiópia, viu-se logo apoiado pelos falangistas espanhóis. Daí por diante a Europa encontrava-se dividida em duas. O ocidente europeu, que obstaculizara a expansão japonesa, encontrava-se assim neutralizado. O Japão só tinha que enfrentar a cólera impotente da América: o fascismo europeu lhe abrira a Ásia. A Alemanha, a Itália e a Espanha firmaram o pacto anti-Komintern que permitia ao Império do Extremo-Oriente desprezar, por assim dizer, a oposição britânica e francesa [...] (PANIKKAR, 1977, p. 302).
A necessidade de manter os Estados Unidos longe do conflito que seria deflagrado entre as forças do Eixo e as potências liberais europeias, levou a formalização da aliança entre a Alemanha, a Itália e o Japão. Isso ocorre por meio do Pacto Tripartite, de 1940, com a Guerra já em andamento na Ásia e na Europa.
A formalização das forças que compõem o Eixo, substituindo o antigo pacto Anticomitern, foi fundamental para mostrar que em caso de uma declaração de guerra a um dos membros, os Estados Unidos estariam entrando em um conflito com todos eles, reforçando as vozes favoráveis a uma política de neutralidade por parte de Washington, para além das Américas.
[...] o êxito dos alemães nas fases inicias da II Guerra Mundial, que começaram no mês seguinte, em Setembro de 1939, levaram o Japão a pensar que uma política de apoio ao Eixo (a Alemanha e a Itália) ser-lhe-ia benéfica. Por isso, assinou o Pacto Tripartido em Setembro de 1940. As principais disposições do Pacto incluíam um acordo de ajuda mútua em caso de ataque por alguma potência que não estivesse naquele momento envolvida na guerra na Europa ou no conflito sino-japonês. Isto apontava, é claro, para os Estados Unidos (HENSHALL, 2014, p. 169).
Com a França e a Grã-Bretanha focadas na guerra na Europa e o pacto de não agressão firmado com a União Soviética, só restavam os Estados Unidos como uma ameaça direta ao projeto imperialista japonês. O Pacto Tripartido, reforçando a segurança mútua dos países signatários, é sem dúvidas uma solução para esse problema, tanto em relação a Alemanha quanto ao próprio Japão.
O Pacto, no entanto, não deve ser reduzido apenas a questões externas, pois os envolvidos nele compartilhavam a predileção pelo autoritarismo e, tinham cada um, uma ideia própria sobre espaço de influência e superioridade diante de seus rivais.
“O Eixo partilhava ideias comuns de “Espaço de influência”, racialismo, propagação de uma ideologia de tendor nacionalista e de governação internacional, através de uma política de força e imposição.” (RAMOS, 2019, p. 135)
A Alemanha, com o Pacto Tripartite, pretendia dissuadir os Estados Unidos de entrarem na guerra em apoio à Grã-Bretanha. E, da mesma forma que os Estados Unidos consideravam as Américas sua esfera de influência, e a Alemanha buscava na Europa seu Lebensraum, o Japão, em guerra com a China desde 1937, tinha o projeto de criar no Extremo Oriente o que chamou de uma “esfera de coprosperidade”, similar à Doutrina Monroe, ocupando na Ásia Oriental as possessões da França, dos Países Baixos e da Grã-Bretanha, ou seja, a Indochina, as Índias Orientais Holandesas (Indonésia) e a Malásia britânica, fontes de petróleo, estanho e borracha. Seu propósito consistia em levar os Estados Unidos a reconhecerem o que supunha ser seu direito. [...] (BANDEIRA, 2005, p. 125).
Da mesma forma que os Estados Unidos consideraram as Américas como seu espaço de influência natural, devido, sobretudo, a questões geográficas, também o Japão considerava o Extremo Oriente como o espaço natural para seu projeto imperialista.
“Foram também conhecidos os interesses do Japão na Ásia. Estes centravam-se na visão de uma Grande Esfera de Prosperidade Mútua do Leste Asiático (Dai Toa Kyoei-Ken) liderada pelo Japão [...].” (HENSHALL, 2014, p. 169).
Assim como ocorreu durante o primeiro conflito mundial, o Japão esperava expandir seu império colonial às custas de países que naquela altura não eram capazes de defender de maneira adequada suas possessões.
O capitalismo imperialista, representado pela oligarquia, contou com a ajuda do Estado para proteger e atingir seus interesses. Esse Estado tomou uma forma totalitária, através do ultranacionalista Showa, com capacidade para rapidamente silenciar ou eliminar as vozes discordantes do projeto de expansão.
Dessa forma, capitalismo, Estado nacional, militarização e construção do espaço na escala mundial foram elementos coevos e interligados. O desenvolvimento da sociedade capitalista implicou numa redefinição e instrumentalização do espaço: passou-se do espaço como valor de uso, como natureza (e basicamente primeira natureza), onde o homem vive e da qual é parte integrante, para o espaço construído, tornado mercadoria e claramente funcional. Cada parcela do espaço passa a ter funções próprias e insere-se tanto na divisão territorial do trabalho quanto na organização material do exercício da dominação (VESENTINI, 2020, p. 47-48).
5.2. Geopolítica do Período Showa: A Guerra Imperialista do Japão
Desde a chegada dos americanos na Baía de Tóquio e o estabelecimento dos Tratados Desiguais o Japão buscou equiparar-se as potências ocidentais. Muitos avanços foram realizados, mas mesmo após provar-se várias vezes, o resultado de suas ações era sempre minimizado pelo Ocidente.
O Tratado de Shimonozeki, de 1895, costurado pela Rússia, Alemanha e França, limitou seus ganhos na Primeira Guerra Sino-Japonesa. A partir desse momento seriam os Estados Unidos, a despeito da então aliança anglo-japonesa, que se posicionariam, com mais veemência, de forma negativa diante das ambições imperialistas japonesas.
Primeiro limitou os ganhos do Japão após a vitória na Guerra Russo-Japonesa, onde fez os japoneses desistirem da indenização de guerra e acabaram levando a opinião pública nipônica a reagir de forma negativa diante dos acertos para o fim da guerra, liderada pelo presidente Theodore Roosevelt, acarretando no Tratado de Portsmouth.
As negociações do Tratado de Versalhes, de 1919, apesar de ceder territórios alemães ao Japão, lembrou aos japoneses que sempre seriam tratados de modo diferenciado pelo Ocidente, independente do apoio prestado na Primeira Grande Guerra Mundial. Foi o presidente dos Estados Unidos naquela altura, Woodrow Wilson, quem se posicionou de forma mais enfática diante das exigências japonesas.
O Tratado Naval de Washington, de 1922, retirou do Japão aquilo que considerava seu por direito ao enfrentar a Alemanha na Grande Guerra, além de limitar o crescimento da sua marinha de guerra, impactando suas ambições imperialistas no Extremo Oriente.
Ficava claro que a dinâmica geopolítica estabelecida até aquele momento não daria ao Japão o quinhão que considerava justo. A frustração diante dos recuos estabelecidos pela diplomacia com o Ocidente abriu terreno para o avanço do ultranacionalismo e a decisão de empreender uma expansão imperialista no Extremo Oriente com uma envergadura até então desconhecida, mesmo que isso significasse o confronto direto com as potências ocidentais.
Essa situação fez nascer o imperialismo, isto é, o esforço de um sistema econômico para exercer controle sobre regiões estrangeiras de que o país depende para obtenção de combustíveis e mercados, matérias-primas e dividendos. Onde poderá o Japão encontrar essas oportunidades e esses materiais? Não lhe é permitido olhar para a Indochina, a Índia, a Austrália e as Filipinas, porque são zonas dominadas pelos ocidentais e defendidas por meio de elevadas barreiras de alfândega. A China, evidentemente, torna-se o forçado objetivo do expansionismo japonês; e a Manchúria, rica de carvão, ferro e trigo, por “destino manifesto” pertence ao Japão [...] (DURANT, 1995, p. 624).
As necessidades japonesas eram as mesmas dos ocidentais, apenas uma questão de tempo os separava, uma vez que os japoneses chegaram por última na corrida imperialista. O mundo já estava dividido entre os domínios da Europa e os países que já se libertaram desse domínio (e agora estão sob a tutela de Washington, enlaçados em seu imperialismo difuso).
Se a diplomacia não foi o suficiente para que o Japão conquistasse um espaço colonial, que em sua concepção seria digno de seus status como potência imperialista, seria através da força que alcançaria os seus objetivos. Da mesma forma que a divisão neocolonial levou a Alemanha e a Itália a contestarem, primeiro diplomaticamente e depois através da guerra, o mundo definido pela Conferência de Berlim, o concerto internacional após Versalhes foi percebido como injusto pelos japoneses, que teriam que trilhar o mesmo caminho que a antiga Tríplice Aliança.
[...] Mas com que direito se apossaria ele da Manchúria? Com o mesmo que permitiu que a Inglaterra se apossasse da Índia e da Austrália; a França, da Indochina; a Alemanha, de Xantum; a Rússia, de Porto Arthur; e a América, das Filipinas – o direito da necessidade do mais forte. Nenhuma escusa se faz necessária; tudo quanto os fatos exigem se resumem em força e oportunidade. Aos olhos de um mundo darwiniano, o triunfo sanciona todos os meios aplicados em consegui-lo (DURANT, 1995, p. 624).
As relações internacionais imperialistas, dominadas por um realismo beligerante, são temperadas ainda por um darwinismo social que se prestava tanto a eliminar populações carentes quanto a dominar países mais fracos.
O território e o povo que nele vive, mesmo coesos em um Estado-nação, ainda são presas diante do mundo dominado pelo imperialismo. Todas as nações que não podem se defender, ou não são defendidas, são uma potencial aquisição ao espaço de influência de um império estrangeiro.
A ideia de autodeterminação dos povos não cabe a todos, pois para o imperialista os povos não são iguais. Na concepção de mundo eurocêntrica, baseada em determinismo geográfico e darwinismo social, os povos autodenominados superiores tanto poderiam intervir nos demais para levar a eles um suposto desenvolvimento, sendo a tese preferida das potencias liberais ou, simplesmente, tinham o direito de dominá-los, para que todo o seu potencial pudesse ser atingido, como preconizavam as potencias ultranacionalistas.
Essa realidade só se alteraria de maneira mais sólida com os processos de descolonização na África e na Ásia, após o término da Segunda Guerra Mundial, derrubando os impérios coloniais; e a Conferência de Bandungue, de 1955; seguida da criação do Movimento dos Países Não Alinhados, garantindo a independência do Sul Global no mundo bipolar criado pelos Estados Unidos e a União Soviética, as duas superpotências que praticam uma política muito próxima a um imperialismo difuso em relação as antigas colônias europeias.
Com efeito, dois principais axiomas parecem guiar a expansão do capitalismo da Europa Ocidental para o restante do mundo a partir do século XV, ou, numa outra vertente do mesmo processo, a ocidentalização (mesmo que parcial e relativa) das demais culturas e civilizações. O primeiro deles é a valorização e a imposição do trabalho exaustivo, trabalho “produtivo" ou para o comércio (isto é, produção de valores de troca). E o segundo é o poder político instituído sob a forma de Estado: somente povos com Estado são considerados interlocutores válidos. Só a existência de um Estado – e, portanto, de uma soberania interna no território (a “violência legítima”, na expressão de Weber) e externa pelo reconhecimento como equivalente pelos demais Estados – possibilita o entendimento das sociedades como "civilizadas" e não mais como "primitivas" VESENTINI, 2020. P. 38.
O arcabouço ideológico imperialista, justificado pelas teorias pseudocientíficas, deu legitimidade para a criação de vastos impérios coloniais, que do século XV ao XX, tornaram aquilo que viria ser conhecido como Sul Global, um espaço de extração de riquezas e exploração de pessoas, em prol dos centros capitalistas industrializados.
A Europa, em um primeiro momento, domina as Américas, que através do colonialismo passa a ser seu espaço de influência, de onde, através do Pacto Colonial, gera acúmulo de capitais para o seu enriquecimento (bem como o das elites coloniais) e o processo de industrialização.
O surgimento de potencias imperialistas extraeuropeias altera esse quadro. Os Estados Unidos e o Japão passam a integrar o seleto grupo de nações imperialistas, em um momento de reconfiguração da geopolítica colonial. A Ásia e a África passam a ser dominadas em meio ao chamado neocolonialismo, no contexto da Segunda Revolução Industrial.
Até 1914, a história das relações internacionais quase se confunde com a história das relações entre as potências europeias. [...] a ascensão das jovens potências exteriores ao velho continente deu origem ao aparecimento de novos pólos de decisão com objetivos próprios em matéria de política externa e com meios para os atingir. O Japão, em 1895 (contra a China), depois, em 1905 (contra o império dos czares), os Estados Unidos em 1898 (contra a Espanha) mostram que podiam agira na sua própria esfera de influência sem terem de se preocupar com as reações dos europeus. [...] (MILZA, 2007b, p. 7).
Os ganhos do Japão através da adoção do imperialismo são notáveis, tanto no alargamento do seu império colonial, através da invasão e ocupação direta de territórios, como estendendo a sua influência econômica a diversas regiões.
A Primeira Guerra Mundial foi muito proveitosa para o país, que longe de ter seu território ameaçado, pode fazer guerra com a Alemanha sem o perigo de pôr em risco a sua infraestrutura e seu parque industrial.
Com o tempo a economia japonesa foi capaz de estender a sua influência, em um primeiro momento no Leste da Ásia e, posteriormente, no Sudeste Asiático. Ocupando um papel mercantil que as potências ocidentais não eram mais capazes de ter nessas regiões, mas sem obter o poder político necessário para fazer delas seu espaço de influência.
Os ganhos do Japão durante a guerra foram muito além das ofertas dos países aliados. Ocupou o lugar das grandes potências europeias, e depois das americanas, em numerosos mercados asiáticos, bem como no Pacífico Sul, (Austrália, Nova Zelândia) e na América Latina, içando-se ao segundo lugar na produção de algodão e ao terceiro na frota mercantil. Durante a guerra conseguiu alargar a sua influência à China, mas já não conseguiu apoderar-se da Sibéria oriental durante a guerra de intervenção contra os bolcheviques. No entanto, na Conferência de Paz, obteve um mandato sobre as colónias insulares alemãs da Micronésia e o território arrendado de Quiaucheu (MILZA, 2007b, p. 100).
A crise econômica consequente da Primeira Guerra Mundial atingiu fortemente as nações imperialistas, incluindo o Japão. O caminho adotado para superá-la foi a adaptação das medidas Keynesianas utilizadas nos Estados Unidos. “[...] No início da década de 30, o Japão tinha posto em prática a medida “keynesiana”, arrojada e sem precedentes, de recorrer a empréstimos para financiar as despesas do Estado [...].” (YAMASHIRO, 1964, p.165).
Um novo ciclo de crescimento começa dando ao Japão escolhas políticas e econômicas, uma vez que sem a pressão de uma crise o país não era “obrigado” a seguir a cartilha expansionista do imperialismo.
Se haviam alternativas em relação a conflitos militares, pois o Japão havia adquirido vantagens econômicas e geopolíticas consideráveis, questões internas foram fundamentais para que a escolha de confrontar as potências ocidentais fosse tomada.
Esta viragem econômica indica que o Japão, na década de 30, tinha alternativas ao expansionismo militar. A questão era se queria pô-las em prática. Se não quisesse, poderia utilizar uma economia mais forte para fortalecer as forças armadas, dentro do espírito do lema Meiji “nação rica, exército forte” (YAMASHIRO, 1964, p. 165).
A ascensão dos militares é um fator decisivo para os eventos que começariam na Manchúria e se alastrariam para toda a China. O ultranacionalismo que desprezava os demais povos asiáticos e buscava inflamar a população, tanto na perseguição aos dissidentes internos quanto a expansão imperialista, foi fundamental para gerar descrédito naquilo que era percebido como uma ferramenta ocidentalizante.
A democracia, o parlamentarismo e o próprio capitalismo (em grande parte devido à crise econômica) foram combatidos pela extrema direita japonesa. Aproveitando-se das condições insalubres do setor industrial e da falta de melhoria do padrão de vida no setor agrário, os ultranacionalistas canalizaram o descontentamento da população contra a “ocidentalização” e procuraram mostrar a expansão colonial como a solução para os problemas japoneses.
Os partidos burgueses viram-se [...] forçados a ceder ao domínio nacionalista do Estado-Maior e das sociedades secretas como o Kokuryubai. Tentaram, em certo momento, fazer uma depuração no exército e reduzir as despesas militares. Mas uma série de assassinatos políticos e golpes militares puseram fim a essa breve experiência do governo parlamentar. Aliás, a crise econômica de 1929 atingiu duramente o Japão. Facilitou a demagogia anticapitalista e antiparlamentar da extrema direita. Os militares conseguiram o poder a partir de 1932. A guerra geral contra a China, desejada pelo Estado-Maior, recebeu o apoio, em 1937, da grande maioria da opinião japonesa (CHESNEAUX, 1976, p. 52).
Assim como ocorreria em diversos países europeus, os anos trinta viram a chegada do totalitarismo ao poder. No Japão o Estado totalitário era dominado pelos militares, com a anuência do imperador, bem como a chamada Restauração Showa como seu arcabouço ideológico para sustentar uma política ultranacionalista.
Assim como nas demais nações onde o totalitarismo sagrou-se vencedor, no Japão também as dissidências foram acossadas. Tanto liberais como socialistas foram perseguidos, qualquer um que entrasse em confronto com as políticas militaristas seria punido. Esse quadro político e social, que contou com amplo apoio popular, foi fundamental para que o Império do Japão pudesse seguir adiante em suas campanhas militares, pois mesmo em momentos de maiores dificuldades frente aos inimigos, o Estado japonês estava seguro de que não encontraria dificuldades internas para seus intentos, devido ao seu enorme controle tanto da opinião pública quanto das instituições nacionais.
[...] os elementos pacifistas haviam perdido completamente sua força no Japão. Líderes liberais e socialistas haviam sido encarcerados ou condenados ao ostracismo político, quando não mortos na prisão. Alguns conseguiram fugir para o estrangeiro. Impusera-se um regime forte, que controlava a política, economia, cultura e todos os setores da atividade do povo. Não havia mais liberdade de pensamento, muito menos de imprensa ou de palavra. Leis de "segurança" impediam a livre manifestação das opiniões. Em nome da "União Nacional" foram suprimidos os partidos políticos, fundidos na "Associação de Apoio à Política Imperial" ("Taisei Yokusan-kai") (YAMASHIRO, 1964, p. 181).
A invasão da Manchúria, arquitetada e executada pelos setores militaristas, é vista positivamente pelos japoneses, que enxergam a China como um território a ser dominado, com um povo inferior e que falhou na tentativa de se modernizar (os chineses optaram por um caminho distinto), portanto incapaz de manter sua soberania nacional.
Se a China deveria pertencer a algum império, esse deveria ser o japonês. Desse modo a tomada bem-sucedida da Manchúria leva ao inevitável conflito direto com os chineses, em uma guerra total.
Enquanto na Europa os Estados fascistas se lançavam numa política de agressão, que até a primavera de 1939 não suscitou praticamente nenhuma reação da parte das democracias, o Japão continuava a conquista da Manchúria, que tinha começado em 1931. A agressão contra a China, que começa em julho de 1937 e que é contemporânea da guerra civil espanhola, assinala, de certo modo, o início do segundo conflito mundial (MILZA, 2007b, p. 206).
A Segunda Guerra Sino-Japonesa, de 1937, inicia as hostilidades da Segunda Guerra Mundial, pois diferente da Guerra Civil Espanhola, aqui o conflito persiste até 1945.
“Nossa cronologia ‘ocidentalista’, para qual o ponto de partida é 1939, não tem significado na Ásia oriental. Na Ásia, a Segunda Guerra Mundial começou em 1937, com o conflito sino-japonês [...]” (CHESNEAUX, 1976, p. 93).
A geopolítica, naquela altura, favoreceu os intentos do Japão. Um ano antes da Guerra Sino-Japonesa, os japoneses haviam feito o Pacto Anticomintern, dessa forma as potências ocidentais ainda tinham esperanças de um futuro conflito entre os membros do pacto e a União Soviética.
[...] em 1937, a guerra rebenta [...] Em julho ocupam a região de Pequim, depois o baixo vale do Iansequião e por fim, Nanquim, Hanqueu e Cantão. O governo de Chiang-Kai-Chek refugiou-se então em Xung-King e acentua a sua aproximação tácita aos comunistas. [...] Face à invasão estrangeira, a China readquire momentaneamente a sua unidade, mas quando rebenta a guerra na Europa, prelúdio do segundo conflito mundial, as regiões vitais da China estão sob o domínio dos japoneses (MILZA, 2007b, p. 208).
A comunidade internacional, a essa altura tendo que lidar com os movimentos totalitários dentro da Europa, não se comprometeu em retaliar de maneira contundente o Japão. As ações se deram, sobretudo, em âmbito diplomático, tendo Washington e Londres despendido duras palavras, mas sem ações concretas.
O Japão prontamente se retirou dos acordos de Washington (1922) e Londres (1930) que limitavam sua marinha de guerra. Porém, dessa vez os japoneses não seriam isolados, eles assinaram o Pacto Anticomintern, em 1936, com a Alemanha Nazista e mais tarde também englobaria a Itália (MILZA, 2007b, p. 208).
A tolerância das potências ocidentais em relação a Alemanha Nazista, como amplamente reconhecido pela historiografia, se dá pelo desejo de que essa freie a União Soviética e, por consequência o socialismo pelo mundo. O alinhamento do Japão, que havia vencido a Rússia no passado e disputava territórios em sua zona de influência também são um motivo para a fraca reação diante dos acontecimentos na China.
Apenas com os acordos de não agressão entre alemães com os soviéticos, em 1939, é que as potencias liberais entenderam a gravidade da situação em que se encontravam e foram tomando atitudes mais fortes para com esses países.
A luta acesa na China prejudicava os interesses, não só dos países beligerantes, como das potências interessadas: Estados Unidos, Grã Bretanha, França, etc. O próprio governo japonês, de início, procurou limitar ao mínimo a extensão do conflito, a fim de chegar a um acordo com o governo chinês. Entretanto, os elementos expansionistas do Exército aproveitaram-se da sua posição: por intermédio de forças estacionadas na China e Mandchúria, intensificaram os ataques. A pedra havia rolado da montanha e não existia força capaz de detê-la. Em vista dessa circunstância, o governo de Tokyo declarou que sua finalidade era estabelecer uma nova ordem na Ásia Oriental. E afirmou, também, que não mais trataria com o governo de Chang Kai Chek. Chegou a estabelecer um governo títere com sede em Nankin. Ora, isso significava, claramente, colocar-se em posição contrária à dos Estados Unidos, Grã Bretanha e outras potências que simpatizavam com o governo de Chang Kai Chek. A tensão internacional do Extremo Oriente aumentava de modo ameaçador (YAMASHIRO, 1964, p. 181).
Os japoneses, sem precisar se preocupar com a reação ocidental, avançaram até Nanquim, a capital da República da China. [...] Á queda da cidade seguiram-se assassinatos em massa, violações, torturas e pilhagens por parte das tropas japonesas, numa das atrocidades mais infames já praticadas no mundo [...] (YAMASHIRO, 1964, p. 167-168).
Episódios como o Massacre de Nanquim, de 1937, representam não apenas mais um capítulo na vasta história de violência envolvendo as guerras, seu contexto racialista foi fundamental para que a selvageria dos atos perpetrados pudesse ocorrer em tal escala.
Segundo Henshall (2014, p. 117) as teorias de evolução e seleção natural gozavam de popularidade entre os japoneses, o problema era que o darwinismo social também era influente, deturpando as teorias de Darwin. Também Herbert Spencer, que cunhou o termo “sobrevivência dos mais aptos”, tinha bastante espaço em meio as discussões racialistas.
Spencer era tido em tão alta consideração que foi consultado particularmente pelas mais altas instâncias do governo de meados do Período Meiji para os aconselhar sobre as melhores políticas para o país [...] Entre outras coisas aconselhava [...] a raça japonesa deveria ser manter pura, não se cruzando com as estrangeiras [...] (HENSHALL, 2014, p. 117-118).
É esse mesmo tipo de pensamento que fará com que os japoneses se lancem em uma desenfreada conquista por territórios coloniais no Extremo Oriente, tratando os povos conquistados da mesma forma que um império ocidental faria.
“[...] servir fielmente o imperador e sua família-nação [...] Não era este o seu modo de vida? Servir o imperador era ser um verdadeiro japonês. Era um privilégio não concedido aos de outras nações, que, por isso mesmo, eram seres inferiores.” (HENSHALL, 2014, p. 122).
O ultranacionalismo Showa deu ao Império do Japão as características que ainda faltavam em relação aos ocidentais. Um discurso de superioridade racial institucionalizado e uma geopolítica totalmente voltada para a expansão de um império colonial.
O império colonial japonês propriamente dito compreende Formosa e as “Pescadoras”, a Coréia, anexada em 1910, alguns arquipélagos do Pacífico, tomados da Alemanha pelo Tratado de Versalhes, e Port Artur; em todos esses territórios, o Japão pratica a política de exploração colonial pura e simples, dos pontos de vista econômico e jurídico. É necessário acrescentar à lista as posições conquistadas pelo Japão na China no primeiro terço do século XX: minas, fábricas e ferrovias, concessões, direito para estacionar tropas...essas posições são importantes, sobretudo no nordeste, mesmo antes da formação do Estado fantoche de Mandchukuo. Essa região representava 60% dos investimentos japoneses na China em 1930 (CHESNAUX, 1976, p, 51).
O plano de expansão nipônica girou em torno da ideia de Esfera de Coprosperidade da Grande Ásia Oriental, formulada pelos militares e logo aceita pelo governo Showa. O plano de uma rede de países asiáticos que excluiria as potências ocidentais e os livrariam de seu colonialismo foi defendida como uma forma de independência do Oriente.
Mas a coprosperidade não era um objetivo real, a ideia japonesa era apenas um pretexto para legitimar sua expansão sobre territórios que já eram dominados pelos ocidentais. De fato, ela só representava uma troca de liderança que favoreceria o Japão.
Como ficou claro com o Massacra de Nanquim, os japoneses hierarquizaram os povos asiáticos, colocando a si mesmos como a raça superior da região e, portanto, digna de dominar todas as demais.
No aspecto externo do Japão, na Manchúria, os japoneses consideraram-se como mantenedores da ordem e harmonia popular frente a poderosos líderes chineses locais, os chamados “senhores da guerra”. Argumentava-se haver uma natural afinidade cultural e histórica entre os povos do Leste Asiático, professando a ideia de uma “coprosperidade” entre todos. Como exemplo, a criação da Associação Concórdia na Manchúria (no Estado de Manchukuo, entidade criada pelos japoneses) foi intencionada para garantir a coordenação dos nativos locais com a devida supervisão japonesa, com base em princípios de harmonia confucionista. Nesse argumento, uma ampla frente pan-asiática era visada. Mas, com o tempo, tais ideais na prática não esconderam a pretensa superioridade racial nipônica com relação aos manchurianos e chineses (MACEDO, 2017, p. 68).
Os acordos firmados com os países do Eixo deram resultados ao Japão, colocando-o em oposição direta aos países em guerra com a Alemanha na Europa, podendo dessa forma invadir suas possessões, além de garantir que os Estados Unidos não romperiam sua neutralidade para intervir na Ásia Oriental.
A vitória alemã sobre a França possibilitou o avanço japonês sobre a Indochina francesa, alargando o espaço do Teatro do Pacífico, até então restrito ao Leste da Ásia, abrindo o Sudeste Asiático para ambições do Japão.
A França derrotada foi incapaz de defender sua possessão e o governo colaboracionista de Vichy respaldou o domínio japonês. Mas a essa altura do conflito as potencias liberais já não ficaram totalmente inativas, elas responderam com importantes boicotes econômicos que impactaram fortemente o Japão.
O Japão almejava, ao assinar aliança com os países do Eixo, fazer com que outros países relutassem em intervir contra eles na Ásia e, primordialmente, cortassem a linha de assistência e fornecimento para a China. Com isso em vista, em julho de 1941, o avanço nipônico aproveitou-se da ocupação nazista na França e ocupou toda a Indochina Francesa, focalizando a região costeira do Vietnã. A França foi incapaz de resistir e passou a colaborar com as forças invasoras. Por sua vez, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a Holanda passaram a boicotar economicamente o Japão, notavelmente na venda de metais e petróleo, algo com efeito devastador para a economia nipônica. Em 1940, 80% do fornecimento petrolífero da nação asiática provinham da economia norte-americana. A alternativa ao fornecimento americano se daria pela ocupação da ilha de Java, atual Indonésia, à época parte das Índias Holandesas (MACEDO, 2017, p. 68).
A guerra na Europa impediu que os europeus fossem capazes de fazer frente ao avanço japonês, que com o tempo e a necessidade de encontrar novas fontes de matérias-primas, devido aos boicotes, foi se voltando para além dos domínios da derrotada França.
Mesmo que a Grã-Bretanha ainda representasse algum desafio, ela não era capaz de contra-atacar os japoneses, limitando-se a tentar defender-se em suas possessões asiáticas. Eram os Estados Unidos a grande ameaça para os planos de expansão japoneses.
A subida do afamado Hideki Tōjō a cargos-chave de poder tornou a situação entre o Japão e os Estados Unidos cada vez mais tensa. A postura inflexível do líder japonês e a total desconfiança de Franklin Roosevelt em relação aos japoneses fizeram com que as tentativas de solução diplomática fracassassem.
[...] o governo manteve sucessivas negociações com os Estados Unidos [...] Entretanto, produziu-se uma profunda divergência entre o governo e as forças armadas, do que resultou a demissão do primeiro ministro Fumimaro Konoye, em outubro de 1941. O então ministro da Guerra, general Hideki Tojo, foi guindado à chefia do governo, acumulando, ao mesmo tempo, o cargo de chefe do Estado Maior. Partidário do expansionismo e da idéia da "Esfera de Co-Prosperidade da Ásia Oriental", Tojo assumiu atitude firme e intransigente em relação aos Estados Unidos. Fracassaram as negociações diplomáticas, embora o Japão tivesse enviado uma missão especial chefiada pelo embaixador Kurusú a Washington, para conferenciar com o presidente Franklin Roosevelt (YAMASHIRO, 1964, p. 182).
Com a invasão alemã a União Soviética os japoneses puderam parar de se preocupar em defender a Manchúria de algum ataque soviético. Voltou sua intenção para o Sudeste Asiático, onde a partir da Indochina, esperava poder invadir a Malásia e as índias Orientais Holandesas.
Além de visar alcançar pontos militares estratégicos, também estavam em jogo o acesso a recursos fundamentais para o funcionamento da indústria japonesa e o próprio esforço de guerra (HENSHALL, 2014, p. 169).
A escalada de tensão entre Washington e Tóquio atinge uma nova etapa, levando os Estados Unidos a realizar um embargo de petróleo ao Japão. Sem essa matéria-prima os japoneses seriam incapazes de manter seu parque industrial funcionando bem como não poderiam continuar as hostilidades pelo Pacífico.
“A resposta oficial americana foi congelar bens japoneses nos Estados Unidos e impor um embargo alargado às exportações de produtos americanos para o Japão. Nestes incluía-se esse bem essencial que era o petróleo [...]” (HENSHALL, 2014, p. 169).
Nesse momento os Estados Unidos, a despeito de suas ideias racialistas, já não menosprezavam mais o Império do Japão. As séries de vitórias na China e as batalhas travadas com britânicos mostraram que os japoneses eram um adversário formidável, que foi capaz de desafiar todo o sistema colonial europeu no Extremo Oriente.
A Primeira Guerra Mundial tivera profunda repercussão na Ásia. Ela desacreditara o Ocidente [...] A Revolução de Outubro ofereceu perspectivas de progresso diferentes daquelas que eram representantes das potências coloniais. As promessas destas últimas à China, à Índia e ao Vietnã, e a influência do Wilsonismo deram novo vigor ao movimento nacional [...] Os efeitos da Segunda Guerra Mundial na Ásia Oriental foram ainda mais decisivos. O Japão afirmou-se como terrível adversário dos ocidentais. Com suas vitórias, abalou todo o sistema colonial no Sudeste Asiático (CHESNEAUX, 1976, p. 93).
5.3. A entrada dos Estados Unidos na Guerra do Pacífico
As tensões entre os únicos países imperialistas extraeuropeus não começaram de maneira repentina, elas foram escalando à medida em que seus interesses no Pacífico se chocavam.
A geografia é determinante para entender o inevitável embate entre a potência imperialista da América do Norte e o Império da Ásia. Os Estados Unidos, para além da Costa Atlântica, possui a Costa Oeste, que o projeta para o Oceano Pacífico. O Japão, como um arquipélago, com grandes restrições de recursos naturais, precisa dominar outros territórios para fomentar sua economia industrializada.
Com o enfraquecimento dos europeus a partir da Primeira Guerra Mundial, os estadunidenses passam a ocupar, pouco a pouco, o seu papel no Extremo Oriente. Para os japoneses, que já não temiam mais os europeus e haviam firmado um acordo de não-agressão com os soviéticos, eles representavam o maior obstáculo para o seu projeto imperialista na Ásia.
[...] Já em 1844 os EUA atingiam a costa do Pacífico [...] Os Estados Unidos, nos 50 anos que se seguiram ao seu estabelecimento na costa da Califórnia, progrediram a passos de gigante no Pacífico, por um lado desenvolvendo o seu comércio e estendendo suas zonas de influência na China, por outro lado, anexando as Filipinas, após sua vitória sobre a Espanha. No curso do dos primeiros decênios deste século, a influência norte-americana já se tornara considerável; e após a Primeira Guerra Mundial veio a ser preponderante e, lentamente, eclipsou a da Europa no Extremo Oriente (PANIKKAR, 1977, p. 23).
Se os Estados Unidos viam no Extremo Oriente uma chance de aumentar sua influência e conquistar novos mercados, para o Japão essa era a região onde naturalmente teria que se expandir. Assim como fizera Washington em relação as Américas, primeiro desafiando seus vizinhos, o México e o Canadá colonial, seguindo para a dominação política da América Latina, o Japão deveria fazer o mesmo em relação aos seus vizinhos chineses e coreanos, para então partir para o Sudeste Asiático.
Quando os interesses dos Estados Unidos se chocaram de uma maneira irredutível com uma potência colonial europeia, o único caminho foi a guerra. A derrota da Espanha na Guerra Hispano-Americana, em 1898, além de dar o controle do Caribe para Washington, ainda legou as Filipinas, abrindo as portas da Ásia para os estadunidenses.
Quando o Japão decidiu tomar atitudes mais assertivas em relação a Coréia e a China o choque se deu com o Império Russo. A vitória na Primeira Guerra Sino-Japonesa teve ganhos limitados, pois agindo em bloco as potencias europeias, lideradas pela Rússia, diminuíram os ganhos japoneses. Porém, o avanço russo inquietava a Inglaterra, que prontamente realizou uma aliança com o Japão, retirando-o do isolamento diplomático racialista ao qual estava submetido.
Na Europa, esta aliança com uma potência “asiática” provocou algum escândalo nas chancelarias. Os Estados-Unidos, pelo contrário, encararam-na como uma garantia de paz no Extremo Oriente e como um travão à política exclusiva da Rússia nessa região. Surgiu assim, no dealbar do século XX, uma política para o Extremo Oriente em que “os concorrentes da Europa” - Estados Unidos e Japão, apoiando-se na Grã-Bretanha, manifestaram a sua vontade de partilhar os mercados comerciais e as vantagens económicas com as potências do velho continente (FREIRE, 2004, p. 5-6).
O Japão saiu vitorioso da Guerra Sino-Japonesa, mas teve seus ganhos limitados diplomaticamente pelas outras nações. Quando estourou a Guerra Russo-Japonesa, Tóquio obteve mais uma vitória no campo militar, o que diferencia esse conflito do anterior é que diplomaticamente o Japão estava muito mais preparado, graças a aliança com Londres.
Os japoneses não esqueceriam esses fatos, daí, em parte, o empenho em forjar uma aliança com a Alemanha e a Itália, procurando fugir do isolamento político e estreitar os laços ideológicos que o ligavam a essas nações.
O Japão já não estava sozinho diplomaticamente. Em termos de implantação territorial a situação era-lhe até menos vantajosa - já não estava em Porto Artur nem controlava a Península de Liaotung - era a Rússia que o fazia. Em 1895, para além de já estar em território conquistado, o Japão tinha ainda umas forças armadas vitoriosas e bem equipadas, por isso bastante motivadas, faltava-lhe apenas companhia diplomática. Ora em 1904 a situação era inversa, uma aliança com a Grã-Bretanha, permitia, pelo menos aparentemente, fazer frente a uma investida militar de uma coligação de países. Desta forma entendemos que esta aliança, mais do que um factor importante para escolher o momento para o início das hostilidades, foi determinante na opção do Japão em escolher a via militar para travar o expansionismo russo na Manchúria (FREIRE, 2004, p. 6).
A aliança com a Inglaterra dará ampla margem de manobra para os japoneses no Extremo Oriente. O fim dessa aliança, depois de Versalhes e dos Tratados de Washington, motivado sobretudo pelos temores dos Estados Unidos, levariam o Japão a um novo realinhamento internacional, resultando na aproximação com as forças do Eixo, no intuito de fugir do mesmo isolamento que o precarizou ao fim da Primeira Guerra Sino-Japonesa. O Japão entendeu que, para conquistar e manter suas conquistas militares, não bastava apenas vencer uma guerra, era preciso também vencer no campo diplomático.
É justamente no campo diplomático que os japoneses mais uma vez terão suas conquistas limitadas, agora após a vitória sobre a Rússia. Os Estados Unidos decidiram mediar as negociações de paz, temendo um desequilíbrio de forças que pudesse fazer algum dos beligerantes um adversário no futuro.
“Baseando-se mais no realismo geopolítico do que no altruísmo generoso, Roosevelt convidou os dois beligerantes para a elaboração de um tratado de paz que conseguiu limitar a vitória japonesa e preservar o equilíbrio no extremo oriente.” (FREIRE, 2004, p. 12).
Enquanto na Europa, Roosevelt considerava a Alemanha a principal ameaça, na Ásia estava preocupado com as aspirações russas, favorecendo, por isso, o Japão. Queria que a Rússia saísse enfraquecida, mas não fosse completamente eliminada do equilíbrio de poder. Um enfraquecimento excessivo da Rússia teria simplesmente originado a substituição da ameaça russa pela japonesa. Roosevelt compreendeu que o melhor para a América era um resultado no qual a Rússia ‘fosse deixada frente a frente com o Japão, de maneira que os dois tivessem uma acção moderadora um sobre o outro’ (FREIRE, 2004, p. 12).
Os Estados Unidos já procuravam equilibrar a balança de poder no Extremo Oriente desde a Primeira Guerra Sino-Japonesa. Uma Rússia poderosa demais poderia se sentir tentada a ampliar sua influência no Nordeste da China. Um Japão dominante significaria um risco ainda maior, pois colocaria em risco não só a China, mas também as Filipinas.
“Derrotados nos campos de batalha, os russos tinham todas as razões para estarem satisfeitos com o seu [....] desempenho na paz. Por outro lado, os japoneses receberam, incrédulos e com o sentimento de terem sido traídos, os resultados dos acordos de paz.” (FREIRE, 2004, p. 14).
Como o tempo, ficou claro para Washington que o Japão era um perigo maior que a Rússia czarista. Sua transformação em uma potência imperial e industrial em um curto espaço de tempo era inquietante, já a sua vitória sobre os russos era alarmante.
Na verdade, os progressos conseguidos pelo imperialismo nipónico são suficientemente significativos para inquietar os concorrentes ocidentais, principalmente os Estados Unidos, cujos interesses correm o risco de deparar com a concorrência do Império do Sol Nascente, no Extremo-Oriente e no Pacífico. Depois da Guerra russo-japonesa, as relações entre as duas grandes potências do Pacífico, até então amigáveis, começaram a azedar. Os Estados Unidos temem a concorrência econômica, que a longo prazo podem ameaçar os seus interesses, mas temem sobretudo as ambições territoriais do jovem imperialismo nipónico, pois desconfiam que ele cobiça as recentes aquisições insulares dos Estados Unidos – o Havaí e as Filipinas (MILZA, 2007, p. 138).
Existiram ainda outras questões explosivas envolvendo os dois países, como a polêmica em torno da emigração japonesa na Costa Oeste dos Estados Unidos, que logo se tornou um incidente internacional.
“Os habitantes de Los Angeles e São Francisco não estão nada contentes com os grandes contingentes que invadem os bairros pobres das suas cidades e que constituem uma mão-de-obra activa e barata, com grande peso no mercado de trabalho.” (MILZA, 2007, p. 138).
As autoridades políticas estadunidenses logo adotam abordagens populistas, de cunho racialista, para aplacar os ânimos populares. Os japoneses em solo americano passam a ser discriminados pelo próprio Estado, levando a veementes protestos de Tóquio.
“[...] Pressionado pela população o governador do estado da Califórnia adopta medidas discriminatórias para a imigração japonesa, o que provoca veementes protestos de Tóquio, sensível sobretudo ao caráter vexatório destas disposições [...]” (MILZA, 2007, p. 138).
Ambos os países conseguem chegar a um acordo, o Japão procuraria impedir o grande fluxo de emigrantes para os Estados Unidos, enquanto Washington aceitaria suspender as medidas provocativas em relação aos japoneses.
Com a delicada situação sob controle os atores políticos puderam voltar a sua atenção para outras questões e o equilíbrio de poder no Extremo Oriente foi mantido. Apenas um grande acontecimento, capaz de enfraquecer a posição europeia no Oriente poderia mudar esse quadro, tal evento foi a Primeira Guerra Mundial.
A tão esperada oportunidade sobreveio com a Guerra Mundial, repetindo-se depois com a crise econômica da Europa e da América. A luta militar não somente acelerou a produção da indústria japonesa, proporcionando-lhe o mercado externo ideal – um continente em guerra – como também enfraqueceu a Europa e deixou o japonês com as mãos livres no Oriente. Em 1915 tivemos a invasão de Xantum; um ano depois a China recebeu as “Vinte e uma exigências” que, satisfeitas, transformá-la-iam em uma enorme colônia do minúsculo Japão (DURANT, 1995, p. 624-625).
Ao se voltar contra o Império alemão, o Japão foi capaz de ocupar as possessões dessa potência, adicionando-as ao seu império colonial em expansão. Mas ainda foi além, fazendo exigências diretas a China, que fora o principal campo de batalha dos imperialistas na Ásia e, além de lidar com os europeus agora tinha que se posicionar diante de um Japão cada vez mais confiante e ousado em suas ações.
“As Vinte e Uma Exigências causaram uma preocupação considerável no Ocidente, para além da China, quanto aos motivos do Japão. A América, em particular, reagiu negativamente e, desde então, encarou o Japão com grande desconfiança.” (HENSHALL, 2014, p. 154).
A desconfiança em relação ao Japão fez os ocidentais rechaçarem os intentos japoneses em Versalhes. A sombra das questões raciais mais uma vez se fez presente, pois a cláusula de igualdade racial não foi contemplada pelos impérios europeus e os Estados Unidos, sendo esse último a voz mais ativa para limitar os ganhos do Japão.
A participação ao lado dos aliados na Primeira Guerra Mundial, além da ativa participação contra os bolcheviques na costa asiática da Rússia entre 1917 a 1922, fez com que o Japão fosse convidado como membro dos Quatro Grandes, vencedores da guerra (Grã-Bretanha, França, EUA e Itália) que se reuniram em várias sessões em Versalhes em 1919 a definir a nova ordem internacional. Esse reconhecimento, contudo, foi limitado pois não foram atendidas as demandas da delegação japonesa sobre uma cláusula de igualdade e não discriminação racial [...] Esse ato desagradou em muito Tóquio que passou a enxergar no ato uma traição concertada dos ocidentais [...] (MACEDO, 2017, p. 66).
As ambições imperialistas japonesas, expostas com a Primeira Guerra Mundial, repercutiram negativamente nos Estados Unidos. Mesmo que Washington tivesse articulado e liderado a campanha contra o expansionismo japonês em Versalhes, a opinião pública ainda achava que as medidas tomadas por Woodrow Wilson eram demasiado benevolentes.
“Este expansionismo nipónico não tardou a inquietar os Anglo-Saxões. No verão de 1919, a oposição senatorial dos Estados Unidos acusou os negociadores americanos de Versalhes de terem capitulado diante das exigências nipónicas [...]” (MILZA, 2007b, p. 100-101).
Um ultimato é dado para o Império japonês, uma vez que a Rússia já não representa uma ameaça os japoneses não têm motivos para continuarem se armando. Os Estados Unidos exigem o fim das expansões imperialistas japonesas no Extremo Oriente, ameaçando Tóquio com uma corrida armamentista que os japoneses sabem não poderem vencer.
“[...] uma pressão direta sobre o governo de Tóquio: ou este aceita renunciar de livre vontade às suas pretensões de expansionismo territorial no continente, ou será obrigado a envolver-se numa corrida aos armamentos navais [...]” (MILZA, 2007b, p. 100-101).
A Conferência de Washington, de 1921 até 1922, foi uma conferência internacional sobre o desarmamento naval e contou com a presença de nove países, entre eles o anfitrião, os Estados Unidos, e o Japão.
Para um império em ascensão não é fácil aceitar uma política de contenção de suas forças militares, porém o perigo do isolacionismo, em um mundo onde os ocidentais possuem um histórico de agir em conjunto contra nações asiáticas é muito perigoso.
As discussões sobre os ganhos japoneses por meio do Tratado de Versalhes também repercutiram na Grã-Bretanha, que deixou de renovar o Tratado de 1902, isolando ainda mais o Japão.
É nesse contexto que os japoneses aceitam os termos ocidentais, acalmando os ânimos estadunidenses. Além de fixar um tamanho para as marinhas dos países envolvidos a Conferência também dispôs sobre questões no Pacífico, sendo a mais importante delas relativa a China.
Segundo MILZA (2007b, p. 102) o chamado Tratado das Nove Potências determinou a continuidade da política de portas abertas na China, além de assegurar certo nível de integridade territorial e administrativa ao país. O Japão renuncia os seus direitos ao Xantum (vindos da Alemanha) e também de Quiaucheu, além de aceitar apenas uma participação na exploração mineira em Han Yeh-ping.
[...] as duas potências não europeias, os Estados Unidos e o Japão, interagindo entre si firmaram acordos que mantinham um status quo na região do Pacífico, o que também só viria a ser perturbado após pouco mais de três décadas. O Japão na Ásia e os Estados Unidos na América Latina, limitavam a expansão dos velhos imperialismos [...] (FREIRE, 2004, p. 21).
O choque entre os impérios extraeuropeus, também foi um choque de imperialismos, pois os Estados Unidos não tolerariam que a China se transformasse em uma colônia japonesa, eles desejavam uma política de portas abertas, capaz de garantir sua influência através de sua própria supremacia econômica e militar.
A conferência fez o Japão recuar em relação as conquistas feitas sob o Império alemão, as suas exigências em relação aos chineses foram abrandadas e ainda aceitou um acordo que limitava sua marinha de guerra. Por fim, ainda sepultava de uma vez a aliança com a Inglaterra.
“[...] Uma das resoluções de Washington obrigava o Japão a concordar com um limite de três navios de primeira linha, a América a cinco e a Grã-Bretanha a cinco também [...] irritou muitos no Japão, que consideravam que deveriam ter um estatuto igual.” (HENSHALL, 2014, p. 154).
A Conferência de Washington é portanto um travão que os ocidentais põem ao expansionismo japonês no continente asiático. [...] o Império Nipónico foi incontestavelmente obrigado a recuar perante as potências – brancas - e sentiu como uma afronta a obrigação que lhe impuseram de abandonar a maior parte das posições adquiridas no continente, graças ao conflito. Os militares japoneses, principais artesãos da política de expansão, não o esquecerão [...]. (MILZA, 2007b, p. 102).
Mesmo após tantos avanços, nos mais diferentes campos, o Japão ainda era tratado como um império de segunda classe, sendo visto como muito mais importante e superior que uma colônia, mas inferior as nações brancas ocidentais.
Sua indústria já era capaz de competir em variados setores econômicos, suas forças militares, que já envergonharam a China diversas vezes, foram vitoriosas sobre o Império Russo e o Império Alemão. O processo de ocidentalização os forçou a adotar o parlamentarismo e a democracia liberal em detrimento de séculos de tradições.
Sua postura internacionalista era clara através do fato de ser um dos membros fundadores da Sociedade das Nações, mas mesmo com todos esses fatos, os japoneses não conseguiram superar as barreiras raciais daquele período.
“[...] o Japão ficou bastante irritado e desiludido por não ter conseguido fazer aprovar a sua proposta de inclusão de uma norma de igual tratamento racial na Carta da Sociedade [...]” (HENSHALL, 2014, p. 155).
Ao ficar cada vez mais claro que os ocidentais não aceitariam o Japão como um igual, a postura dos japoneses foi tornando-se cada vez mais agressiva. Soma-se a essa questão a visão sobre as estratégias para a superação da crise dos anos trinta, que parecia levar o mundo para um caminho mais protecionista. Essas duas questões seriam fundamentais para a decisão de romper os acordos internacionais que limitavam a expansão da sua força militar.
O argumento econômico para a autossuficiência fora reforçado com as lições estratégicas militares decorrentes da Primeira Guerra Mundial, que parecia apontar um futuro cada vez mais protecionista e competitivo na ordem internacional. Para tanto, era necessário, em caso extremo, um plano nacional visando à guerra total, concretizado no Estado de Defesa Nacional. Esse plano vislumbrou aumento significativo em gastos militares e industriais para assegurar a defesa dos interesses nacionais. Em 1934, o Japão rompeu os acordos com Londres e Washington, que limitavam sua frota naval desde os acordos de 1921-1922, e, em 1937, iniciou a construção dos que seriam os maiores navios de guerra da época, os da classe Yamato (MACEDO, 2017, p. 67).
A busca por territórios que suprissem as necessidades de matérias-primas revelou-se tremendamente custosa. Com a guerra tomando proporções cada vez maiores, aumentavam também as demandas por insumos. Essa situação instigava o Japão a se expandir cada vez mais, gerando uma dependência que os territórios conquistados não eram capazes de suprir.
“[...] a partir de 1937, a economia nipônica entrou para uma fase emergencial, de modo a atender os esforços de guerra [...] na Ásia. E, ironicamente, ficou cada vez mais dependente dos recursos importados do mercado dos EUA e do exterior.” (MACEDO, 2017, p. 68).
A dependência em relação as matérias-primas importadas dos Estados Unidos, notadamente o petróleo, era uma fraqueza que seria amplamente explorada por Roosevelt. Ao Japão restava continuar o ciclo de expansão, sobretudo em relação as possessões europeias no Extremo Oriente, além de optar pelo caminho da austeridade econômica.
“Um dos efeitos mais imediatos para a economia japonesa diante dos seus esforços de guerra foi demonstrado na Lei de Mobilização Nacional de fevereiro de 1938, ao impor racionamento e outras medidas de austeridade a toda sociedade.” (MACEDO, 2017, p. 68).
Roosevelt, que em 1940 já proibira as exportações de petróleo e seus derivados, bem como de sucata de ferro, para o Japão, percebeu na sua ofensiva para controlar toda a Ásia uma grande ameaça aos interesses estratégicos dos Estados Unidos na região. E, ao tempo em que proclamava a Unlimited National Emergency, convocando os reservistas das forças armadas para o serviço ativo, decidiu aplicar sanções ao Japão. Os Estados Unidos, juntamente com a Grã-Bretanha e os Países Baixos (Holanda), congelaram seus ativos financeiros nos bancos americanos e cortaram o fornecimento de petróleo. Tais medidas visaram a estrangular economicamente o Japão, que, impossibilitado de importar matérias-primas fundamentais para a sua indústria, sobretudo petróleo, só tinha como alternativas ou retirar as tropas da China e da Indochina ou buscar fontes de matérias-primas em outras partes, através da invasão, o que provocaria a guerra contra os Estados Unidos (BANDEIRA, 2005, p. 125).
A forte intervenção diplomática por parte das potências liberais, já esperada desde a formação da aliança dos países do Eixo, levou a um embargo econômico de grandes proporções por parte dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da Holanda.
Esse cerco comercial conjunto objetivava impelir os japoneses a encerrarem as hostilidades. Ou o Japão decidiria pelo fim da sua expansão imperialista e voltaria a abastecer a sua indústria através do mercado externo, ou apostaria fortemente na tomada de colônias europeias para delas extrair os recursos necessários para a sua indústria e os esforços bélicos.
[...] Hitler sabia que a entrada dos Estados Unidos na guerra de 1914-1918 fora decisiva para a derrota do Reich. E Roosevelt, em tais circunstâncias, empreendeu uma estratégia diplomática, engendrada pelo comandante Arthur McCollum, em memorandum datado 7 de outubro de 1940 de modo a provocar o Japão e impeli-lo a desfechar o ataque contra a frota americana no Havaí ou contra as colônias da Grã-Bretanha e dos Países Baixos no Pacífico. A provocação implicou sanções econômicas, que culminaram em 25 de julho de 1941, quando os Estados Unidos, juntamente com a Grã-Bretanha e os Países Baixos, suspenderam todo o comércio com o Japão, submetendo-o a um completo cerco econômico [...] (BANDEIRA, 2005, p. 128).
Segundo Bandeira (2005, p. 128-129) Roosevelt desejava que o Japão tomasse uma atitude hostil em relação aos Estados Unidos. Hitler era cuidadoso e procurou evitar que os estadunidenses entrassem na Segunda Guerra Mundial, desse modo ele jamais provocava Washington, que naquela altura era refém do desejo popular em se manter neutro diante desse conflito.
Como o Pacto Tripartite, entre Alemanha, Japão e Itália, comprometia as três potencias a socorrerem um aliado que fosse atacado, Roosevelt esperava poder usar esse pacto em seu favor, impondo condições intoleráveis ao Japão instigando-o para o confronto.
[...] Em 16 de outubro de 1941, o general Hideki Tojo substituiu Fumimaro Konoye na chefia do governo e ainda tentou um entendimento, de modo a preservar os interesses dos Estados Unidos na Ásia Oriental. Propôs um modus vivendi temporário, por três meses. Mas as negociações tornaram-se tão tensas que, em 7 de novembro, Roosevelt e os secretários chegaram à conclusão de que “the people would back us up in case we struck at Japan down there” (no Oriente). Ele não tinha dúvida de que o Japão se dispunha a acometer os Estados Unidos, caso não alcançasse um entendimento por meios pacíficos. [...] (BANDEIRA, 2005, p. 128-129).
As negociações, como esperado falharam, uma vez que Roosevelt esperava que os japoneses optassem pela declaração de guerra. A proposta de retirada da China e da Indochina era inaceitável para o Japão, pois perderia uma oportunidade histórica de expansão, talvez os europeus não se encontrassem fragilizados assim novamente em um futuro próximo.
“[...] Roosevelt autorizou o secretário de Estado, Cordell Hull, a rejeitar a proposta do general Tojo, em 26 de novembro, dando-lhe ultimatum para que retirasse as tropas da China e da Indochina, e eventualmente rejeitasse o Pacto Tripartite [...]” (BANDEIRA, 2005, p. 129)
Se as lideranças estadunidenses já haviam decidido que a guerra era única opção para resolver as querelas com a Alemanha e o Japão, faltava o incentivo para que a população aceitasse essa tese. O grande problema era a imprevisibilidade dos acontecimentos, pois os japoneses tanto poderiam optar pela declaração formal de guerra, como atacar diretamente algum alvo inimigo, a semelhança do que fizera a Alemanha em relação a União Soviética.
“[...] figuras de topo como o secretário de Estado Cordell Hull e o próprio Roosevelt expressaram abertamente, mais de uma vez, de algum modo, tanto a sua ira em relação aos japoneses como o seu desejo de lhes dar uma lição.” (HENSHALL, 2014, p. 170).
Uma proposta de retirada apenas da Indochina foi recusada pelos Estados Unidos, que insistiam que o fim das hostilidades com a China era vital para qualquer acordo. Os japoneses então tomam a decisão de atacar, enviando uma frota diretamente para o Havaí.
“[...] Era uma grande frota com uma missão mortífera, compreendendo seis porta-aviões, com mais de 400 aeronaves no total, dois couraçados, três cruzadores, nove contratorpedeiros e mais de 20 submarinos.” (HENSHALL, 2014, p. 171).
A decisão de declarar guerra aos EUA, a partir de 1941, parece não fazer sentido, portanto. Mas, no referido ano, as reservas petrolíferas japonesas estavam consideravelmente baixas para a mobilidade de sua frota naval e aérea no Pacífico e de suas forças terrestres no Leste Asiático. Se almejasse alguma vitória duradoura na região, o governo japonês teria que agir rápido para ocupar e fortalecer suas posições de defesa antes da chegada das forças norteamericanas vindas do leste do Pacífico. Uma decisão imperial foi tomada em 05 de novembro de 1941: ir para a guerra caso não houvesse nenhum acordo com as lideranças em Washington. Em dezembro, a Marinha Imperial Japonesa decidiu mobilizar sua frota visando paralisar as forças dos Estados Unidos num ato de inesperada ofensiva à sua frota do Pacífico com base no Havaí. Em 07 de dezembro atacaram Pearl Harbor (MACEDO, 2017, p. 68).
A ideia de um ataque surpresa que fragilizasse as forças estadunidenses enquanto daria ao Japão o tempo necessário para fortalecer suas defesas foi a opção dos militares, respaldada pelo imperador.
Mesmo com o fator de imprevisibilidade inerente a esse tipo de confronto, as autoridades japonesas tinham a plena noção da superioridade militar dos Estados Unidos, que tenderia a aumentar em uma guerra total, fazendo uso de seus amplos recursos e sua economia fortemente industrializada. “[...] poderiam lutar com um inimigo mais poderoso, até que este se cansasse e estivesse disposto a discutir os termos da paz, termos esses que deixariam o Japão numa melhor posição do que a que tinha em 1941 [...]” (HENSHALL, 2014, p. 171-172).
O plano de negociar em uma posição vantajosa era arriscado, pois depois de um ataque como o planejado certamente o orgulho impeliria o país alvo a revidar. Mas a vastidão do Pacífico, combinada com a delicada posição em que a frota do pacífico se encontraria após o ataque, foi o suficiente para criar esperanças nos japoneses.
O ataque a Pearl Harbor começou pouco antes das 8 horas da manhã (hora local) de 7 de Dezembro. A primeira ofensiva foi constituída por uma vaga de 183 bombardeiros. Uma segunda vaga de 176 bombardeiros atacou aproximadamente uma hora depois. As forças americanas estavam completamente desprevenidas. Sofreram cerca de 4500 baixas [...] A América também perdeu, 4 couraçados, aproximadamente 180 aviões e 3 contratorpedeiros. Para além disso houve danos graves em 4 outros couraçados, e em cerca de 80 aviões e três cruzadores ligeiros. Do lado japonês, as perdas foram apenas de cinco submarinos, 29 aviões e cerca de 60 homens (HENSHALL, 2014, p. 172-173).
O fracasso das negociações acarretou no maior ataque a integridade territorial dos Estados Unidos em toda a sua história. A opinião pública rapidamente mudou seu pensamento em relação a neutralidade, pois passou a desejar uma retaliação aos japoneses. Dessa forma Roosevelt finalmente conseguiu levar seu país onde realmente desejava, na guerra contra a Alemanha. “[...] Aí estava o pretexto de que Franklin D. Roosevelt necessitava para vencer as tendências isolacionistas e envolver os Estados Unidos, diretamente, no conflito com a Alemanha [...]” (BANDEIRA, 2005, p. 132).
[...] a questão de saber se os dirigente americanos foram realmente apanhados de surpresa é uma questão muito mais controversa. De um lado, há os que acreditam que Pearl Harbor foi uma conspiração de Roosevelt e dos seus colegas, que sabiam tudo acerca do ataque iminente, mas que permitiram, ou atém encorajaram, que acontecesse, sacrificando vidas americanas para trazer a América para a guerra contra a Alemanha, a aliada do Japão. Do outro lado estão os que pensam apenas que a América foi apanhada desprevenida devido à sua complacência. Podem ser apresentadas provas nos dois sentidos, mas talvez nunca se chegue a ter um quadro definitivo do que acontece (HENSHALL, 2014, p, 174).
Para Bandeira (2005, p. 134) é possível que Roosevelt não aguardasse por um ataque tão trágico, mas certamente esperava por um acontecimento parecido, possivelmente um ataque em menor escala, no próprio Havaí ou em outras possessões pela Oceania. O presidente não escondia sua frustração em relação a tendência isolacionista e sentia-se atado devido a promessa eleitoral feita nesse sentido.
Por esse motivo esforçou-se para que a diplomacia fracassasse em reabilitar as boas relações entre os dois países, preferindo pressionar o Japão a tomar uma atitude, mesmo que drástica. “[...] manipulara os acontecimentos, tratando de provocar o Japão, e alcançara o seu objetivo de levar os Estados Unidos à guerra na Europa, através da porta traseira (back door) [...]” (BANDEIRA, 2005, p. 134).
[...] Vários militares americanos e historiadores, entre os quais Thomas Fleming, Robert B. Stinnet e John Toland, comprovaram, com base em vasta documentação, que o desastre militar em Pearl Harbor não foi um acidente, nem uma falha dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, nem um golpe traiçoeiro do Japão, premido pela explosão demográfica e pela necessidade de encontrar novas fontes de recursos e mercados. Foi conscientemente provocado e esperado. Roosevelt queria consolidar a opinião pública ao seu lado. Seria a “razão propagandística” para levar os Estados Unidos à guerra contra o Eixo [...] (BANDEIRA, 2005, p. 134).
O debate historiográfico envolvendo tal tema está impregnado de ideologia e interesses políticos, mas Bandeira oferece bons argumentos em favor da hipótese que defende. Henshall, por sua vez, prefere apenas aludir a essa questão, procurando não se comprometer a favor de nenhum dos lados.
Mas a satisfação de Roosevelt em poder finalmente entrar no conflito é patente e está bem documentada pela história, apesar de não ser uma polêmica comparável ao uso das bombas atômicas.
[...] o próprio Roosevelt contou depois a Churchill e a Estaline que se não tivesse sido o ataque japonês, teria tido grande dificuldade em convencer o povo americano a entrar na guerra. Mas tratava-se da expressão de satisfação por um ter cumprido um objetivo, ou apenas a constatação de um facto? É um caso típico da natureza ambivalente de muito do material envolvido na controvérsia infindável e labiríntica sobre Pearl Harbor, uma controvérsia que, embora seja fascinante e relevante para os que se interessam pelo Japão, deve ser sobretudo uma preocupação dos historiadores da política americana (HENSHALL, 2014, p. 174-175).
Cabiam agora as forças armadas dos Estados Unidos a tarefa de retaliar o ataque a seu território. Com o apoio popular o governo Roosevelt começa uma guerra em duas frentes, esquecendo-se por um momento das desavenças em relação a União Soviética e forjando uma coalizão capaz de derrotar os países ultranacionalistas do Eixo.
“O ataque [...] foi o suficiente para fazer entrar a América imediatamente em guerra para se vingar. O não-intervencionismo foi, de facto, neutralizado pela raiva da opinião pública contra o que foi considerado um ataque traiçoeiro e desonesto.” (HENSHALL, 2014, p. 173).
Para o Japão, só restava esperar pelos contra-ataques, que acima de tudo buscariam superar a humilhação do ocorrido em Pearl Harbor. Mas os primeiros a sofrerem foram os japoneses e descendentes residentes nos Estados Unidos, mandados para campos de concentração.
“[...] dois meses após o ataque a Pearl Harbor, Roosevelt emitiu a Executive Order 9.066, autorizando o secretário da Guerra [...] a criar campos de concentração, onde foram confinados todos os americanos descendentes de japoneses.” (BANDEIRA, 2005, p. 134).
O ataque produziu estupor e inicial paralisação do Alto Comando em Washington. Um ataque simultâneo à Malaia Britânica (atual península continental da Malásia), passando pelo território neutro da Tailândia, também foi empreendido com sucesso, provocando confusão e consternação entre os aliados antifascistas na Segunda Guerra Mundial. A Hong Kong britânica caiu no dia de Natal de 1941 e, no dia seguinte, Manila, capital das Filipinas controladas pelos EUA, foi declarada cidade aberta para não sofrer maiores danos das tropas japonesas. De Malaia, os japoneses prosseguiram despercebidos no seu avanço terrestre rumo à maior base naval britânica na Ásia, Cingapura. A cidade britânica caiu nas mãos japonesas em 08 de fevereiro de 1942. Em 09 de março, o maior prêmio visado, a ilha holandesa de Java, com seus ricos recursos de petróleo, borracha e estanho, se rendeu. Em maio, os últimos redutos dos EUA nas Filipinas, na ilha de Corregedor, foram submetidos. Rumores de que haveria uma massiva invasão na Índia Britânica e o norte australiano começaram a circular (MACEDO, 2017, p. 69).
Simultaneamente ao ataque a base de Pearl Harbor, os japoneses empreenderam uma série de invasões pelo Extremo Oriente, sobretudo em relação as possessões britânicas na região. A Malásia, Cingapura e Hong Kong foram conquistadas da Grã-Bretanha, enquanto as Filipinas e a Tailândia também foram atacadas.
As Índias Holandesas, atual Indonésia, juntamente com a Birmânia, atual Myanmar, também foram conquistadas, deixando a Índia britânica e a Austrália sob alerta. O Império do Japão atinge sua maior extensão territorial com a invasão massiva do Sudeste Asiático.
Com os Estados Unidos brevemente impossibilitados de revidar de forma efetiva e a Grã-Bretanha incapaz de defender suas posições, o Japão chega ao auge militar e político de seu poder, ficando em uma breve posição confortável no período posterior ao ataque a Pearl Harbor.
O ataque a Pearl Harbor modificou inteiramente o equilíbrio das forças na Ásia oriental. Contra o Japão, a China se encontrava agora no mesmo campo que a Inglaterra, os Estados Unidos e seus aliados. O Japão mantinha-se, entretanto, em vantagens. Seus fulminantes sucesso iniciais e a ocupação, em alguns meses, de Hong Kong, da Malásia e de Singapura, das Índias Neerlandesas, das Filipinas e da Birmânia, asseguravam-lhe o domínio de todo o Sudeste asiático e o conduziam às portas da Índia e da Austrália. Apoiava-se sobre a Tailândia, aberta às suas tropas pelo acordo de dezembro de 1941, e sobre a Indochina do almirante Decoux. Continuava a manter solidamente os centros mais importantes e mais evoluídos da China. De que modo poderiam os Aliados organizar sua cooperação na Ásia oriental? (CHESNAUX, 1976, p. 94).
5.4. O fim da experiência imperialista
O Japão iniciou a sua guerra imperialista em 1937, ao invadir a China. Apesar das resistências oferecidas pelos chineses, os japoneses continuaram avançando, sobretudo depois que o Pacto de Neutralidade Nipônico-Soviético, em abril de 1941, fez cessar a ajuda soviética ao país invadido.
O bloqueio econômico imposto pelas potencias liberais colocou em risco os ganhos japoneses, além de ameaçar toda a sua economia. Diante da preocupante perspectiva de ter sua indústria e a própria guerra paralisadas por falta de recursos os japoneses tomaram a ousada decisão de entrar em guerra com os Aliados.
Apenas algumas horas depois de Pearl Harbor, o poderio aéreo americano foi severamente atingido por um ataque à sua esquadra aérea, que estava baseada nas Filipinas e era outro alvo fácil. Passada uma semana, mais ou menos, a Tailândia foi ocupada, cedendo diplomaticamente. A pequena frota britânica ao largo da Malásia foi gravemente atingida, permitindo aos japoneses progressos militares naquela área. Guam caiu a 11 de Dezembro, com algumas ilhas do Pacífico a cair nos dois meses seguintes. Hong Kong foi capturada a 25 de Dezembro. O Bornéu rendeu-se a 19 de Janeiro. A 15 de Fevereiro, num dos piores e mais desmoralizantes momentos da história militar britânica, Singapura rendeu-se incondicionalmente, após um assalto inesperado por terra. Tinha sido considerada inexpugnável pela maioria dos Britânicos e tinha mais de 70 000 combatentes, mais do dobro dos japoneses que a atacaram. No fim de Fevereiro, Samatra, Timor e Bali também tinham caído. Batávia rendeu-se a 5 de Março. Rangum, na Birmânia, caiu a 8 de Março e Java a 9. Nas Filipinas, Manila caiu a 2 de Fevereiro de 1942 [...] (HENSHALL, 2014, p. 175).
Diversas possessões britânicas foram invadidas antes e após o ataque a Pearl Harbor, bem como posições estratégicas para os estadunidenses, como as Filipinas e também países como a Tailândia.
A Grã-Bretanha não tinha condições de defender de modo adequado as suas colônias, pois estava empenhada na frente europeia. Esse quadro colocou os britânicos em uma situação próxima a dos alemães na Primeira Guerra Mundial, tendo seus domínios sendo atacados pelos japoneses enquanto precisava focar em outros inimigos.
Os territórios ocupados na China a partir de 1937 e os países do Sudeste Asiático que, desde 1941, constituíram a “esfera de co-prosperidade extremo-oriental”, encontraram-se em estado de estrita dependência econômica em relação ao Japão, que assim substituíra as antigas metrópoles do Ocidente. Elas teriam que prover o Japão tanto em matérias-primas como em produtos alimentícios, e servir de escoadouro a sua produção industrial (CHESNEAUX, 1976, p. 95-96).
Graças as conquistas em fins de 1941 o Japão pode contar com um vasto império colonial, que ainda incluía as parcelas territoriais ocupadas na China. Esse espaço de influência foi fundamental para o esforço de guerra japonês, provendo o país das matérias-primas necessárias para a manutenção do conflito e da própria economia nacional, produtos esses que haviam cessado de chegar ao país devido ao bloqueio ocidental.
“Os êxitos inicias do Japão ficaram a dever-se, em parte, ao facto de os aliados estarem ocupados na Europa, mas também, em larga medida, à grande intensidade dos seus ataques. Isto era algo para que os Aliados não estavam preparados [...]” (HENSHALL, 2014, 175-176).
Mas as vitórias seguidas após os ataques iniciais aos Estados Unidos e a Grã-Bretanha também tiveram seus custos. Agora os movimentos de resistência na China já não estavam mais sozinhos, pois assim como os britânicos, os chineses receberam ajuda de Washington durante o conflito, mas isso não era o mesmo que tê-lo como um aliado em campo de batalha.
O Japão precisava apenas de mais algumas vitórias para garantir sua linha de defesa diante de uma eventual contraofensiva dos Aliados. Essas últimas vitórias, no entanto, não chegaram a tempo. Todos os porta-aviões norte-americanos escaparam ilesos do ataque em Pearl Harbor. Em 08 de maio de 1942, uma força tarefa dos EUA interceptou uma força invasora japonesa que se dirigia a Port Moresby, na ilha da Nova Guiné. Na batalha subsequente do Mar de Coral, entre a Austrália e a Papua Nova Guiné, os japoneses foram forçados a cancelar sua invasão. Em junho, os japoneses conseguiram invadir as ilhas Aleutas, no Alasca, território estadunidense. Mas foi um ato muito mais de distração dentro do plano maior de desarticular a força naval dos EUA no Pacífico (MACEDO, 2017, p. 70).
Apesar de um início promissor, através de uma série de ataques a alvos vitais ao Ocidente, o Japão logo enfrentaria as suas primeiras derrotas. Sem o fator surpresa e com os Aliados cada vez mais preparados, os japoneses logo começariam a perder território e passar para a defensiva.
O ataque a Pearl Harbor, apesar de um grande feito logístico, não foi o suficiente para deixar a Frota do Pacífico incapacitada, na verdade os estragos causados foram menores do que o esperado inicialmente, o que favoreceu um contra-ataque estadunidense mais rápido e poderoso do que o esperado antes do ocorrido no Havaí.
“Embora consideráveis, os estragos em Pearl Harbor poderiam e deveriam ter sido piores. O almirante Nagumo foi criticado por alguns colegas seus por ter feito apenas duas investidas aéreas e por não ter destruído grandes reservas de petróleo [...]” (HENSHALL, 2014, p. 173).
A Batalha do Mar de Coral, em maio de 1942, é o ponto de virada do conflito no Pacífico. Finalmente os japoneses tinham uma oposição naval a altura, que foi capaz de lhe infligir uma derrota que o enfraqueceria para os combates subsequentes.
Apesar de perder um porta-aviões, a marinha dos Estados Unidos juntamente com a australiana, afundaram o porta-aviões japonês Shōhō e deixaram diversas outras embarcações inoperantes. Esse confronto equilibrou a disputa entre japoneses e os Aliados, pois assim como ocorrera no Havaí, diversos navios foram avariados, mas agora do lado japonês. O confronto equilibrado tendia a favorecer Washington, que contava com uma economia muito mais poderosa, através de uma indústria capaz de fornecer equipamento militar em quantidades muito superiores ao que o Japão era capaz.
Um revés mais importante – de facto, constituiu um ponto de virada decisivo na guerra – aconteceu no mês seguinte, na Batalha de Midway, em 4-6 de Junho. O Japão vinha planeando a ocupação da ilha de Midway, aproximadamente a 1500 km do Havaí, como base estratégica. Porém, os seus planos foram descobertos pela espionagem aliada. Ao contrário de Pearl Harbor, desta vez a espionagem foi bem utilizada. A frota japonesa, novamente comandada por Nagumo, perdeu quatro dos seus porta-aviões. Perdeu também mais de 2000 tripulantes e um cruzador pesado (HENSHALL, 2014, p. 178-179).
A Batalha de Midway, em 04 de junho de 1942, é decisiva para minar as chances de vitória japonesa na guerra. Assim como ocorrera com a Alemanha depois de Stalingrado, as possibilidades de um acordo vantajoso ou uma virada bélica tornaram-se muito diminutas.
Os acontecimentos no Mar de Coral, o trabalho de inteligência e o fato dos porta-aviões estadunidenses não terem sido afundados no ataque a Pearl Harbor também são decisivos para os acontecimentos em Midway. “Graças aos esforços de inteligência militar com a quebra do código japonês, a frota dos EUA conseguiu sua primeira significativa vitória nas ilhas Midway [...]” (MACEDO, 2017, p. 70).
A vitória da Marinha dos Estados Unidos sobre a Marinha Real Japonesa é incontestável. Desse momento em diante os japoneses na defensiva vão perdendo territórios de maneira constante, até serem incapazes de efetuar uma proteção adequada do arquipélago.
A contraofensiva terrestre começou na ilha de Guadalcanal, nas ilhas Salomão, em agosto de 1942, expulsando as forças japonesas em fevereiro do ano seguinte. A partir dali as forças japonesas começaram a entrar numa tendência de retração contra as forças terrestres dos Aliados comandadas pelo General Douglas MacArthur (1880-1964) vindos do sul, a partir da Papua Nova Guiné, retomando as Filipinas, atravessando as ilhas do Pacífico das Marianas até Okinawa, na região meridional do Japão (MACEDO, 2017, p. 70).
Aos poucos o Japão vai deixando de controlar territórios antes ocupados, passando a administração para os governos fantoches instalados no poder. Essa estratégia era basicamente uma retirada militar em meio a uma permanência política.
O tempo sempre foi um fator desfavorável para o Japão diante dos Aliados. A medida que a guerra avançava a inquestionável superioridade industrial dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha foram tornando uma vitória Aliada no campo de batalha uma realidade cada vez mais próxima.
“[...] No período de 1941-1944, o Japão produziu 58 822 aviões, ao passo que a Grã-Bretanha produziu 96 400 e os Estados Unidos 261 826. Por mais tecnicamente avançados que os aviões japoneses fossem, não os havia em número suficiente.” (HENSHALL, 2014, p. 179-180).
O avanço aos poucos pelo Pacífico, em direção ao território nacional japonês, vai se intensificando a medida que a Marinha Imperial vai sucumbindo mais e mais em cada nova batalhada travada.
A Batalha do Golfo de Leyte, em outubro de 1944, deixa claro para as autoridades japonesas que uma vitória é agora impossível, devido as perdas gigantescas sofridas, causando um dano irreparável para a força militar do Japão e levando-o ao uso de estratégias desesperadas.
Diante da inquestionável superioridade industrial dos EUA, os japoneses empreenderam sua maior batalha naval no Golfo de Leyte, nas Filipinas, onde, em outubro de 1944, foram decisivamente derrotados pelos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Em desespero, os japoneses passaram com maior frequência a táticas suicidas, na ofensiva aérea de kamikazes (“vento divino” em japonês), frente aos navios aliados. Em novembro de 1944, os bombardeios aéreos contra cidades japonesas começaram com o uso dos aviões de longo alcance, os B-29, com base nas Ilhas Marianas. Ao todo, estimadas 66 cidades foram incendiadas entre muitas construções tradicionais japonesas de madeira. Somente a cidade imperial de Quioto foi poupada, pelo seu inegável símbolo histórico. Pouco depois, o espaço aéreo japonês fora dominado. Mas a rendição incondicional exigida pelo Comando Aliado, decidido na Conferência de Casablanca em 1943, permanecia inaceitável pelas autoridades japonesas. Algumas lideranças japonesas apostavam ainda no espírito resiliente do povo e na sua suprema lealdade ao Imperador Hirohito, designado como Showa (MACEDO, 2017, p. 71).
Os bombardeamentos ao território japonês tiveram início em 1942, em março de 1945 ocorreu a etapa mais mortífera dos bombardeios, um ataque com bombas incendiárias em Tóquio matou centenas de milhares de pessoas. Esse ataque supera qualquer bombardeio realizado na frente Ocidental, bem como as posteriores explosões atômicas.
“No dia 1 de Abril, começou a invasão de Okinawa. Esta fazia parte do próprio Japão [...] No mês seguinte, a 8 de Maio, a Alemanha foi derrotada e os Aliados ficaram livres para se concentrar no Japão [...]” (HENSHALL, 2014, p. 182).
Os militares insistiam na continuidade da guerra, mesmo que não houvessem mais possibilidades de conquistar nenhuma pequena vitória. A derrota em Okinawa, em 21 de Junho, deixou claro que o Japão já havia perdido.
Com a Alemanha e a Itália já derrotadas o Eixo colapsava. As potencias vencedoras já voltavam a sua atenção para a futura disputa que seria travada entre a União Soviética e o bloco ocidental, dando ao Japão um ultimato onde exigiam a rendição incondicional.
“Os chefes aliados, reunidos em Potsdam, Alemanha, em julho de 1945, fixaram a sua política em relação ao Japão e aconselharam a rendição deste. Em agosto foi lançada a primeira bomba atômica contra Hiroshima e, a seguir, outra em Nagasaki.” (YAMASHIRO, 1964, p. 183).
A 17 de Julho, o presidente Truman – Roosevelt tinha falecido em Abril – encontrou-se com Estaline e Churchill, em Potsdam, na Alemanha [...] Nesse mês, os Estados Unidos tinham testado com êxito uma bomba atômica e Truman esperou pelos resultados do teste antes de decidir dirigir ao Japão uma declaração. Esta foi a Declaração de Potsdam [...] Esta apelava ao Japão para que se rendesse incondicionalmente ou enfrentasse uma “destruição rápida e total”. Falava também de ocupação, da expulsão dos líderes militares, do estabelecimento de uma nova ordem política democrática e do reconhecimento da soberania japonesa, mas apenas nos limites territoriais estabelecidos no início do Período Meiji. Não fazia qualquer menção ao imperador (HENSHALL, 2014, p. 183).
É certo que nessa altura dos acontecimentos os líderes japoneses não questionassem que uma dura derrota estava a caminho, mas ainda preferiam lutar para garantir uma rendição sob as suas condições, que certamente livrariam o imperador e toda a cúpula militar de pagar pelos crimes de guerra e, talvez até mesmo, pudesse manter alguns de seus territórios ultramarinos.
“[...] Os objetivos da guerra dos Aliados na Ásia oriental foram definidos nas conferências de Yalta (1944) e de Potsdam (1945), com a participação soviética. O tratado sino-soviético [...] também contribuiu para fortificar a coesão dos Aliados.” (CHESNEAUX, 1976, p. 95).
Em Potsdam ficou decidido que os Aliados não aceitariam uma resolução diferente para o conflito que não fosse a rendição incondicional do Império do Japão. Através da Declaração de Potsdam os termos para o fim do conflito ficaram claros, eles incluíam a promessa de exclusão da autoridade que levou o Japão a guerra, sendo essa uma ameaça velada ao imperador. O documento também afirmava que haveria severidade na punição aos que cometeram crimes de guerra, o que por sua vez era um recado aos militares.
O Japão rejeitou a Declaração, levando os Aliados a atacar mais uma vez seu território nacional, dessa vez com armas atômicas. “[...] As ambições desmesuradas rapidamente se dissiparam, reduzindo-se, por fim, à esperança de que uma defesa tenaz do país convenceria os Aliados a permitir ao Japão condições generosas para se render [...]” (HENSHALL, 2014, p. 187).
Diante da intransigência japonesa com o aval do imperador, os Aliados prosseguiram numa nova ofensiva para forçar a rendição da ilha asiática. Em 06 de agosto de 1945, uma nova arma de destruição, a bomba atômica, foi lançada sobre a cidade de Hiroshima. Dois dias depois, a União Soviética decidiu romper sua neutralidade e passou a avançar sobre a Manchúria. No dia 09 de agosto, uma segunda bomba atômica fora lançada por aviões norteamericanos na cidade de Nagasaki. Até o dia 10, o governo japonês ainda não tinha se pronunciado claramente sobre a sua decisão de rendição, pois permaneciam irredutíveis no quesito preservação da família imperial no país. A resposta dos EUA, aprovada pelo governo britânico e soviético, foi de concordância com esses termos, para garantir a permanência da família imperial japonesa, porém “submetidos ao Comandante do Conselho Supremo das Forças Aliadas”, isto é, ao General Douglas MacArthur (MACEDO, 2017, p. 72).
Em 9 de agosto, de 1945, a segunda bomba atômica, cujo alvo foi Nagasaki, não foi o único infortúnio do Japão. Também nessa data a União Soviética inicia a sua guerra contra o Império japonês, deixando o país sem opções para além da rendição incondicional.
“A União Soviética que, até então, respeitara o tratado de neutralidade assinado com o Japão antes do início da guerra, entrou no conflito da Ásia ao lado dos seus aliados ocidentais [...] tornava-se realmente insustentável a posição do Japão.” (YAMASHIRO, 1964, p. 184).
A invasão soviética do Manchukuo, no contexto da Guerra Soviético-Japonesa, foi um duro revés para o Japão, que também teve a Coréia e a Sacalina invadidas.
Além das duas potências principais entre os Aliados, o Japão ainda teve que lidar com as guerrilhas de diversos países, como no Vietnã e na Birmânia, além dos ferozes combatentes chineses. Enfim o Japão capitula em agosto de 1945. “[...] O Japão em sua longa história nunca fora derrotado de maneira tão fulminante, e talvez essa tenha sido a sua tragédia, de não saber a hora da rendição [...]” (MACEDO, 2017, p. 73).
O imperador, ouvido o Conselho de Estado, resolveu afinal aceitar a "Declaração de Potsdam", baixando um rescrito no qual comunicava ao povo essa suprema decisão. E ordenou ao Estado Maior Imperial, ao governo e ao povo que depusessem as armas e suspendessem a luta. Era o fim da guerra que tantos sacrifícios custara a todos os povos que dela participaram (YAMASHIRO, 1964, p. 184).
Apenas depois de dois ataques atômicos e o fim da esperança de alguma intervenção soviética nas negociações de paz é que o governo japonês se decidiu pelo fim da guerra. O imperador, os militares e todos os japoneses tinham agora que esperar as decisões dos estadunidenses sobre seus futuros. “Ao final da Segunda Guerra Mundial, assinados os termos a bordo do navio norte-americano USS Missouri em 02 de setembro de 1945, o Japão saiu arruinado, sofrendo estimados dois milhões e 700 mil mortos [...]” (MACEDO, 2017, p. 73).
Ao contrário da Alemanha e da Coreia, o Japão não foi dividido em áreas pelos aliados. Foi muito mais um caso de ocupação dos EUA. A supervisionar toda a reconstrução política e econômica do país estava o Comando Supremo das Forças Aliadas (CSFA), sob o ofício do General Douglas MacArthur, cuja sede ficava no prédio Dai-ichi Seimei em Tóquio, com vistas ao palácio imperial japonês. Apesar de responder à autoridade do presidente dos EUA, MacArthur encarou-se como o soberano da nação asiática, com um misto de fascinação e arrogância paternalística. Esperava entender a mente japonesa, trazendo consigo sua experiência na sociedade filipina, algo completamente inadequado. As primeiras atitudes do CSFA foram a reconstrução do país [...] (MACEDO, 2017, p. 74).
Os militares foram considerados os grandes culpados pela guerra, tanto pelas suas ações antes do conflito, com o abrangente uso de assassinatos políticos, bem como a insistência em confrontar a China e dar seguimento a um conflito em larga escala por todo o Extremo Oriente.
“Quer Washington, quer MacArthur tinham planos, não só para o desmantelamento do modo de funcionamento do Japão militarista e totalitário, mas grandes perspectivas sobre a construção de uma nova nação de natureza utópica [...].” (HENSHALL, 2014, p. 199).
O CSFA estava, com isso, esperando conter a onda de revanchismo no Japão e afastar a ascensão de partidos políticos nacionalistas ou antiamericanos. Com relação aos militares e políticos envolvidos na Segunda Guerra Mundial, o CSFA decidiu selecionar alguns líderes e militares de alta patente e julgá-los de acordo, muitos sentenciados à morte por enforcamento, como o General Hideki Tojo. Mas muitos americanos sentiram que a responsabilidade última da guerra no Pacífico foi do imperador Hirohito. Mas o assunto era demasiado delicado, e MacArthur decidiu preservar a instituição visando uma melhor reestruturação do país sem grandes riscos de desordem. Em decorrência disso, o Imperador Showa, Hirohito, foi mantido no Trono do Crisântemo e a questão foi largamente não debatida no Japão por décadas, até sua morte em 1989 (MACEDO, 2017, p. 74).
O militarismo, sendo o alvo principal das políticas promovidas pelas forças de ocupação, passa a ser desmantelado, através de sentenças a militares de alta patente e de intervenções na estrutura das forças armadas.
“Forças aliadas [...] ocuparam o Japão, com o objetivo de estabelecer a ordem, eliminar as forças maléficas do militarismo, erradicar do espírito do povo as idéias imperialistas e dar-lhe liberdade, para reconstituir democraticamente o país [...]” (YAMASHIRO, 1964, p. 184).
A desmilitarização foi o primeiro passo do ambicioso programa “conjunto” MacArthur-Washington de construir um novo Japão. Com esta finalidade, o exército e a marinha foram desmobilizados em poucos meses. O Japão foi despojado dos territórios que tinha ganho por meios militares, regressando, de facto, à situação de antes da Guerra Sino-Japonesa de 1894-1895 [...] Entre 1946 e 1948, aproximadamente 700 000 indivíduos foram escrutinados e cerca de 200 000, que se considerou terem sido [...] “expoentes ativos do nacionalismo militante e da agressão”, foram “saneados” dos seus cargos [...] (HENSHALL, 2014, p. 201).
A desmilitarização do país, sobretudo no campo político, era parte de um projeto maior, o de criar uma democracia, nos moldes estadunidenses, no Japão. Isso só poderia ser possível com o fim absoluto das políticas imperialistas, em voga desde a Restauração Meiji.
Com a retirada das conquistas militares alcançadas pela guerra, bem como o expurgo dos ultranacionalistas dos cargos de poder, os Estados Unidos esperavam encontrar pouca oposição para os seus ambiciosos planos para o Japão pós-imperial.
Na primavera de 1946, foram conduzidas as primeiras eleições com a inédita participação das mulheres japonesas. Yoshida Shigeru (1878-1967) se tornou primeiro-ministro e desempenharia o papel de liderança durante a era da ocupação do país. As reformas políticas foram supervisionadas pelo CSFA, para enfatizar a unidade nacional, a criação de instituições políticas e partidárias, sindicatos, mídia livre, igualdade de direitos e de expressão, todos seguindo os modelos ocidentais. Leis antimonopólio e antitruste foram aprovadas, dando fim aos conglomerados de empresas zaibatsu. A reforma agrária das grandes propriedades gerou como efeito o fim dos privilégios de senhores de terras. Essa tendência, aliada à rápida urbanização do país, foi de fundamental importância na dissolução da ordem social tradicional. A religião oficial do Estado, o xintoísmo, que cultuava o imperador como figura divina foi abolida e a liberdade religiosa foi proclamada (MACEDO, 2017, p. 74).
Uma nova “reconstrução” estava em andamento, se a chegada de navios dos Estados Unidos e a abertura forçada, em 1854, levou o Japão a um amplo programa de reformas, cujo objetivo era alcançar os países imperialistas, em 1945 a ocupação de forças estadunidenses ensejaria uma nova onda de mudanças, dessa vez controlada por um Estado estrangeiro, no sentido completamente oposto ao militarismo e o imperialismo.
A democracia, que havia avançado intermitentemente ao longo dos Períodos Meiji e Taisho foi aniquilada pelo ultranacionalismo Showa. Com a participação dos militares e a anuência do imperador, principal beneficiado de um regime totalitário no Japão, a democracia japonesa foi preterida em nome das ambições imperialistas. Com a ocupação ela se tornava um ponto essencial, mesmo que isso leva-se a perda de poder do monarca e a grandes mudanças como, por exemplo, a formulação de uma nova constituição.
Uma nova constituição era necessária para repor a antiga ordem política. Nesse caso, os americanos no CSAF elaboraram uma nova carta respeitando as linhas diretrizes ditadas pelo General MacArthur. A nova constituição, com algumas pequenas revisões, foi aprovada no parlamento japonês (Dieta) em novembro de 1946 e entrou em vigor em maio de 1947 até os dias atuais. Na constituição, a figura imperial foi reduzida para um “símbolo do Estado”. A soberania, efetivamente, repousava na população. Todos os cidadãos com vinte anos ou mais de idade poderiam votar, incluindo as mulheres (MACEDO, 2017, p. 74-75).
Entre os principais pontos estabelecidos estão, segundo Yamashiro (1964, p. 185):
- — Renúncia voluntária, unilateral e inequívoca à guerra, e abolição de todos os armamentos de guerra.
2. — O princípio de que a soberania reside no povo e não no imperador.
3. — O imperador é simples símbolo nominal do Estado, retirando-se-lhe virtualmente todos os poderes políticos.
4. — O primeiro ministro é eleito pela Dieta e não escolhido ou nomeado pelo soberano; e o gabinete é responsável perante a Dieta e, portanto, o povo, e não perante o trono.
5. — A Dieta exerce a soberania como órgão representativo do povo, perante o qual é responsável.
6. — Direitos fundamentais do homem, inclusive o de vida, liberdade e procura de felicidade, garantidos contra possível pressão governamental.
7. — A classe aristocrática foi abolida e todos, independentemente de "raça, credo, sexo, condição social ou origem familiar" são declarados iguais perante a lei.
A Constituição do Pós-guerra é uma ferramenta que objetiva mudar a essência do Japão, naquele momento um império derrotado. A ideia de transformá-lo em uma sólida democracia pacifista, que através do sucesso econômico e posição geográfica estratégica poderia ser uma ferramenta fundamental para o confronto com a União Soviética.
Apesar de planejada para certos fins, muitos acreditaram em uma mudança real e duradoura através da nova constituição. Além de ampla garantia das liberdades ao longo do documento, destacava-se ainda o artigo 9, que representava uma virada histórica radical em relação ao passado recente de imperialismo.
Começou uma nova Era — de democracia e liberdade — para o Japão. Como todos os povos, o japonês também ama a liberdade, conforme já têm mostrado numerosos escritores e observadores ocidentais que estudaram longamente o país e seu povo. É, pois, de se esperar que, desta vez, a democratização do Japão seja uma realidade concreta e não apenas um recurso temporário para aplacar as iras do vencedor (YAMASHIRO, 1964, p. 185).
[5]Entre os primeiros e principais artigos do documento estão:
Artigo 1. O Imperador deverá ser o símbolo do Estado e a unidade do seu povo, derivando a sua posição a partir da vontade do povo no qual reside a soberania do poder.
Artigo 2. O trono imperial deverá ser dinástico e a sua sucessão será de acordo com a Lei da Casa Imperial aprovada pela Dieta.
Artigo 3. O conselho e aprovação do gabinete deverão ser requeridos em todas as ações do imperador em questões de Estado, e o gabinete deverá ser responsável por elas.
Artigo 4. O imperador deverá desempenhar apenas os atos de matéria do Estado como previsto na Constituição e ele não deverá ter poderes relacionados ao governo. O imperador deve delegar a execução de seus atos em matérias de Estado segundo previsto por lei.
Artigo 5. Quando, de acordo com a Lei da Casa Imperial, uma Regência for estabelecida, o Regente deverá executar seus atos em matérias de Estado em nome do imperador. Neste caso, o parágrafo um do artigo anterior será aplicado.
Artigo 6. O imperador deve apontar o primeiro-ministro como designado pela Dieta. O imperador deverá apontar o ministro presidente da Suprema Corte como designado pelo gabinete.
Artigo 7. O imperador, sob o conselho e aprovação do gabinete, deverá executar os seguintes atos em matéria de Estado em nome do povo:
• Promulgação de emendas constitucionais, leis, ordens do gabinete e tratados.
•Convocação da Dieta.
• Dissolução da Casa dos Representantes.
• Proclamação das eleições gerais dos membros da Dieta.
• Atestação da indicação e demissão dos ministros de Estado e de outros oficiais conforme estabelecido por lei, a nomeação e o credenciamento de embaixadores e ministros.
• Atestação da anistia geral e especial, comutação da punição, prorrogação e restauração dos direitos.
• Outorga de honrarias.
• Atestação dos instrumentos de ratificação e outros documentos diplomáticos conforme estabelecido por lei.
• Recebimento de embaixadores e ministros estrangeiros.
• Execução de funções cerimoniais.
Artigo 8. Nenhuma propriedade poderá ser concedida ou recebida da Casa Imperial nem presentes poderão ser trocados sem a autorização da Dieta.
O artigo constitucional japonês mais surpreendente no pós-guerra é o nono, que assegura que o “povo japonês renuncia à guerra como direito soberano da nação” e que as suas forças militares “nunca serão mantidas”. MacArthur parece ter tido essa ideia de inclusão, apesar de ter ajudado na criação e organização de uma força policial que ficou conhecida como as Forças de Autodefesa. A população japonesa, no geral, endossou a cláusula, repudiando qualquer tentativa de beligerância do país após os traumas de 1945 (MACEDO, 2017, p. 75).
Artigo 9 - Aspirando sinceramente a paz mundial baseada na justiça e ordem, o povo japonês renuncia para sempre o uso da guerra como direito soberano da nação ou a ameaça e uso da força como meio de se resolver disputas internacionais. Com a finalidade de cumprir o objetivo do parágrafo anterior, as forças do exército, marinha e aeronáutica, como qualquer outra força potencial de guerra, jamais será mantida. O direito a beligerância do Estado não será reconhecido.
Talvez a mais significativa de todas as medidas de desmilitarização tenha sido a inclusão na nova Constituição, esboçada no início de 1946 pelo pessoal do CSFA, da famosa cláusula de “não guerra” relativamente ao Japão. Esta foi incluída pessoalmente por MacArthur, mas não necessariamente concebida por ele [...] (HENSHALL, 2014, p. 201).
Figura 12: Manuscrito oficial da Constituição do Japão: detalhe do artigo 9.
Manuscrito oficial da Constituição do Japão (1946). Preservado nos Arquivos Nacionais do Japão (imagem do Artigo 9 da constituição, foto presente no site da Embaixada do Japão no Brasil).
Em destaque na imagem o preâmbulo; o selo imperial; as assinaturas do imperador e dos ministros de governo.
Fonte: https://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/pdf/constituicao.pdf
Os homens se vão, mas as instituições ficam, porém, o imperador japonês era, em si mesmo, uma instituição viva, a mais tradicional e importante de toda a história do Japão. Os Estados Unidos souberam reconhecer o valor da manutenção do trono imperial, usando-o tanto para parecer benevolente e respeitoso, ao não punir o monarca, quanto para usá-lo como ferramenta de legitimação na empreitada de “reconstrução” do Japão.
A omissão mais controversa de efectuar um julgamento foi a de Hirohito [...] A posição do governo americano acerca do imperador era fundamentalmente a de proceder com cautela. Não havia realmente desejo de dissolver a própria instituição imperial, porque tinha uma função útil em manter a nação unida, em manter o moral do país e em legitimar a política de ocupação. Os especialistas do Japão no Departamento de Estado não desconheciam a importância, profundamente enraizada, que tinha para o povo japonês o exercício do poder ser legitimado por uma alta autoridade, para que este poder se tornasse assim aceitável. Sem esta legitimação, podia instalar-se a anarquia e o país torna-se permeável ao comunismo [...] (HENSHALL, 2014, p. 202).
A instituição imperial, apesar de extremamente útil, mesmo preservada não foi totalmente poupada durante o período de ocupação. Justamente por ser um dos alicerces do mesmo Japão que desafiou o Ocidente e que fora, até o presente momento, o mais formidável inimigo já enfrentado pelos Estados Unidos, era necessário reformá-la.
Em 1946 o imperador Hirohito declarou, segundo Yamashiro (1964, p. 185):
— "Estamos ao lado do nosso povo e desejamos compartilhar com êle os mesmos interesses e os mesmos momentos de alegria e tristeza. Os laços entre nós e o nosso povo basearam-se sempre na confiança e afeto mútuos e não dependem de meras lendas e mitos. Não se estribam no falso conceito de que o imperador é deus-presente e que o povo nipônico é superior aos demais e, por isso, está destinado a governar o mundo".
Hirohito manteve-se, mas não pode evitar uma mudança no seu papel e na sua imagem. Teve de se tornar um símbolo para o povo e ganhar a sua aceitação e o seu respeito sob a forma de afecto, e não como temor ignorante perante uma divindade encarnada. Alinhando com a política de Washington e a própria concepção de MacArthur sobre os perigos de um deus-imperador, Hirohito teve de tornar-se um mero mortal. Essa transformação haveria de reduzir grandemente o perigo de um ressurgimento da doutrinação do sistema do imperador, que se pode ver no Rescrito Imperial sobre a Educação e nos Kotukai no Hongi. Neste sentido, esta mudança era mais uma medida contra a possibilidade de qualquer ressurgimento do militarismo (HENSHALL, 2014, p. 203-204).
Apesar da manutenção do trono imperial, o imperador foi esvaziado tanto de poder secular, quanto de sua simbologia mítica. Ao tornar-se um líder figurativo, o monarca também serviu para transformar o Japão o mais parecido possível com uma monarquia parlamentarista europeia. “[...] o Estado xintoísta seria desmantelado. O xintoísmo foi declarado uma religião e a religião seria legalmente separada do Estado. Reverenciar o seu deus-imperador deixaria de ser um dever nacional para os japoneses.” (HENSHALL, 2014, p. 2014).
Dessa forma, ao manter e, ao mesmo tempo, também modificar as tradições, os Estados Unidos foram capazes, mais uma vez, de abalar as estruturas de um país milenar como o Japão. E como uma nova constituição, que põe fim ao ultranacionalismo Showa, o Japão pode enfim adentrar para o seleto grupo de países posicionados no centro do poder, sem que para isso tivesse que tomar uma postura agressiva diante de outras nações.
Se a rendição do imperador, em 1945, é o fim do Império japonês, a promulgação da Constituição, em 1946, e sua entrada m vigor, em 1947, assinalam o final da política imperialista no Japão. “No preâmbulo da Magna Carta, os representantes do povo japonês declaram haver decidido ‘confiar nossa segurança e sobrevivência à justiça e boa fé dos povos amantes da paz’.” (YAMASHIRO, 1964, p. 186).
A frágil democracia que começou a despontar no fim do Período Meiji teve um breve ponto alto durante o Período Taisho. Contudo, foi em breve substituída pelo sempre presente autoritarismo, um autoritarismo de natureza militar cada vez mais agressiva. O Japão estava confiante após os seus êxitos no Período Meiji, quando conseguiu atingir rapidamente o estatuto de potência mundial e até obter colônias com o apoio da sua força militar. Continuou na mesma via com uma energia tão ambiciosa que terminou em confronto com as nações ocidentais aliadas, contrariando a sua aversão tradicional a entrar em conflito com um adversário mais forte (HENSHALL, 2014, p. 186).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Japão é uma anomalia, tanto no que diz respeito ao estudo do imperialismo quanto na história da Ásia, ou mesmo, do Oriente, com toda a carga simbólica que essa última categoria engloba.
Simultaneamente vítima e algoz do imperialismo, o Japão esteve em uma posição única, foi capaz de estabelecer contato com o Ocidente sem, no entanto, tornar-se mais uma de suas possessões. Dessa forma os japoneses tiveram a oportunidade de fazer uma escolha, poderiam seguir o exemplo chinês e tentar resistir, ou poderiam se adaptar e transformar seu país em uma potência imperialista.
Ao fazer a escolha pelo imperialismo, mesmo sendo uma nação asiática, o Japão passa por um processo singular, desejando diminuir a presença ocidental na região, ao mesmo tempo em que pretende tomar o seu lugar.
[..] toda a política asiática do Japão era dominada por uma contradição interna. Por um lado, visava anular a autoridade européia na China, o que lhe dava o apoio e a sustentação dos povos asiáticos; mas, ao mesmo tempo, o Japão fazia-se de rival das potências imperialistas e proclamava a santidade de sua missão imperial na Ásia [...] (PANIKKAR, 1977, p. 281).
As particularidades da história japonesa, bem como sua posição espacial, são os elementos fundamentais para compreender a excepcionalidade do imperialismo japonês, pois através delas é que todos os fenômenos pelo qual passou o Japão, estiveram em contato com uma carga de elementos intrínsecos ao seu passado e o resultado dele.
O imperialismo e o neocolonialismo, mais do que motores de uma economia adaptada para enfrentar os ocidentais, eram estratégias de sobrevivência, as quais os japoneses acreditavam ter que adotar, não sendo uma escolha, mas sim uma necessidade.
O capitalismo, a industrialização e o liberalismo eram os modelos necessários para efetuar a sua transformação, sendo fundamentais para que as demais potências, a quem pretendia impressionar, aceitassem um novo membro entre os seus.
O socialismo, o comunismo e o anarquismo eram as consequências da adoção desse modelo ocidentalizante, que carregado de contradições esgarçava o tecido social, em troca de render poder suficiente para submeter outros povos e fazer uso de suas riquezas.
Todos esses elementos tiveram uma trajetória particular em solo japonês, relacionando-se a uma cultura diferente dos países imperialistas ocidentais e, dessa maneira, levando a acontecimentos díspares dos vistos no Ocidente até então.
Os japoneses estavam cientes de que esses processos os transformariam em algo muito diferente do que fora até a achegada dos navios estadunidenses em suas águas, rumando para um caminho, que a despeito de tentaram controlar, certamente era arriscado, com consequências muitas vezes imprevisíveis.
Mas eles estavam convencidos de não ter escolha, pois os impérios ocidentais já haviam deixado claro a maneira pela qual operavam. Caso não se adaptasse ao modelo predatório imperialista, o próprio Japão tornar-se-ia uma presa.
Havia certamente alguns factores externos a instigar o comportamento do Japão. Um dos estímulos era a rejeição Ocidental, com fundamentos racistas, a considerar os japoneses como iguais. As políticas imperialistas das próprias potências ocidentais foram também como que uma mensagem dada ao Japão de que apoderar-se de território era como as potências mundiais procediam (HENSHALL, 2014, p.186).
Mas as relações entre o Japão e as demais potencias imperialistas também foram marcadas por contradições irreconciliáveis. Ao dominar povos pelo mundo, os europeus impuseram sua cultura como o modelo padrão, além de estabelecerem que seu aspecto físico também era o ideal.
Os japoneses, apesar de se esforçarem em ser aceitos, não acreditavam nessa narrativa, que infelizmente foi assimilada por muitos povos. Eles já se viam como especiais, distinguidos pela sua cosmogonia, que ligam eles e a sua terra com os próprios deuses.
Não obstante, um motivo importante para seu desígnio ambicioso e acção expansionista era a crença básica dos japoneses no seu próprio destino como raça superior. Esta crença era fortalecida pela doutrinação e reflectiu-se nas ideias subjacentes ao Kobutai no Hongi [...] à “libertação” pan-asiática da Ásia do domínio das potências imperialistas, etc. (HENSHALL, 2014, p.186).
Portanto, todos esses fatores levaram o imperialismo japonês a trilhar um caminho distinto daquele praticado no Ocidente. Uma vez que as condições históricas, culturais e geográficas entre o Japão e os impérios ocidentais não eram as mesmas, também os resultados serão díspares, daí a excepcionalidade do projeto imperialista do Japão.
Entender tais questões ajudam na compreensão daquilo que se tornou o Japão. Pois se novos eventos históricos afetam esse país, os mesmos alicerces tradicionais estarão lá para recebê-los, resultando em novos excepcionalismos, que só podem ser descortinados sob a luz do passado japonês.
Como um ator político de grande peso, o Japão ocupa um lugar especial em meio as demais nações, sobretudo pela sua importante economia. Mas o passado é um dos elementos que constituem as relações internacionais, sendo que a maneira pela qual os japoneses encaram seu passado imperialista é essencial para as relações com os demais povos do Extremo Oriente.
[...] memória [...], não está relacionada a um evento abrupto, mas a uma linha no tempo difusa entre passado e presente. Ela também reverbera como uma dor, dor daquilo que não mais se tem. Define-se nostalgia como um estado de melancolia, tristeza, saudade de um passado distante. Portanto, dentro da memória ela é reverberada na formação da identidade, mesmo levando em consideração que, pautando-se no construtivismo crítico, identidade e interesse são construídos reciprocamente (LUIZ, 2011, p. 12).
Diferente do ocorrido em relação a Alemanha, os japoneses não renegaram o passado imperialista, se ele hoje não se faz presente é devido apenas a derrota em campo de batalha, pois esse projeto não foi execrado como fora o nazismo entre os alemães.
Os japoneses repetidamente negam-se em reconhecer muitas das atrocidades cometidas durante o período imperialista, sobretudo em meio a Segunda Guerra Mundial. Os Sul-coreanos e os Chineses estão entre os povos que mais cobram uma resposta oficial em relação aos crimes de guerra cometidos pelo Império do Japão, mas as negativas de reconhecimento e, sobretudo, a generalizada falta de culpa ou remorso (apesar de exceções notáveis) criam graves problemas a nível internacional.
Algumas das atrocidades de Nanquim foram filmadas. Houve testemunhos públicos de remorso por parte de militares japoneses envolvidos pessoalmente no massacre. Nada menos do que uma figura pública como o príncipe Mikasa,, o irmão mais novo do imperador, que estava estacionado em Nanquim, reconheceu numa entrevista a um jornal popular, muitos anos depois, que houve um massacre [...] No entanto, ainda hoje o Massacre de Nanquim é desvalorizado, ou mesmo negado, por alguns japoneses, incluindo alguns com altos cargos. O mesmo se passa em relação à ideia de o Japão ter sido agressivo (HENSHALL, 2014, p. 168).
As relações do Japão com seus vizinhos no Leste da Ásia estão diretamente ligadas a memória sobre o passado imperialista japonês, sobre o qual os japoneses escolheram, em sua maioria, ignorar seus crimes e optaram pela não responsabilização em relação a eles. A memória dos eventos, portanto, é diferente para os povos envolvidos, gerando atritos políticos e evitando uma reconciliação profunda entre eles.
“[...] haveria de deixar em muitos uma permanente desconfiança em relação a um certo tipo de continuidade com o Japão anterior à guerra [...] sobretudo nos países asiáticos que sofreram sob o domínio japonês e nos japoneses desejosos de progresso.” (HENSHALL, 2014, p. 203).
O brutal período de ocupação japonesa na Península Coreana deixou diversas sequelas ao povo coreano, que se ressente do passado e cobra uma postura mais assertiva do Estado japonês em relação a culpabilidade sobre diversos episódios históricos, como o afamado e infame uso extensivo de mulheres coreanos para serviços sexuais em relação as forças armadas e o corpo dirigente japonês, que ficaram conhecidas como mulheres de conforto. A ocupação japonesa, de 1910 a 1945, segundo Visentini (2012, p. 199) ainda é marcada pela proibição da língua coreana e a obrigatoriedade em relação a mudanças de nomes para versões japonesas.
As mudanças na geopolítica também afetam esse quadro. Com a ascensão da China e o interesse dos Estados Unidos em evitar que seu poder extrapole o Leste do Pacífico, Washington vem pressionando o Japão para que aumente os seus gastos militares e torne-se mais atuante em relação aos conflitos globais.
Desse modo o Japão coloca os interesses de um país estrangeiro no mesmo patamar que o interesse nacional, pois uma relação conflituosa com a China é certamente indesejável para os japoneses, tanto pela importância econômica do vizinho, quanto pelo seu peso político e militar.
[...] o Japão criou e vem desenvolvendo suas próprias forças de terra, mar e ar, com assistência americana. Existem poderosos interesses a favor do pleno ressurgimento das forças armadas japonesas, não só dentro do país como nos países do bloco ocidental, desejosos de fortalecer seu sistema de defesa. Intelectuais, estudantes e líderes liberais e esquerdistas, no entanto, vêm se opondo tenazmente à remilitarização, lembrando, não só o artigo 9 da Constituição (que proscreve os armamentos e as forças armadas), como os horrores de Hiroshima e Nagasaki (YAMASHIRO, 1964, p. 186).
A oposição em relação a uma maior militarização tem na memória dos ataques atômicos o seu principal argumento, em detrimento dos crimes de guerra causados a outras nações. Também diversos setores da sociedade se mobilizam para evitar repetir os excessos do passado, ou simplesmente cometer novos erros que podem ser impedidos ao lembrar-se onde o militarismo levou o país.
Quanto aos movimentos sociais, de relevância cabal em relação a temas como a militarização, as questões energéticas, direitos trabalhistas, igualdade de gênero, etc., vale lembrar da ampla perseguição a certos grupos durante o Japão imperial. Os socialistas e comunistas, apesar de ter uma representação partidária significativa (uma vez que a social-democracia é tão pouco distinguível em relação ao liberalismo) não possui a força necessária para pautar os debates.
A perseguição a esses grupos vistos como dissidentes, bem como anarquistas e feministas, deixou graves sequelas na sociedade japonesa. Desse modo, o enfraquecimento dos movimentos sociais favoreceu a continuidade de uma visão conservadora sobre o meio social, que não foi alterada no pós-guerra.
Quando o novo projeto constitucional foi apresentado ao novo parlamento para a aprovação formal a secção sobre os direitos das mulheres parece ter causado um debate particularmente vivo. Esta secção tinha-se tornado um símbolo da nova democracia para o CSFA, apesar dos seus antecedentes extraordinários e de quase indiferença e menosprezo [...] Foi apoiada pelas 39 mulheres recém-eleitas do parlamento, num total de 466 lugares da Câmara Baixa, mas recusada pela maioria dos homens políticos. Entre o público, não foram apenas os homens que se lhe opuseram, mas também muitas mulheres, em grande parte, embora não exclusivamente, devido à doutrinação confucianista que haveria de durar ainda muitas mais décadas [...] (HENSHALL, 2014, p. 206).
A reconstrução do Japão deu-se de modo idealista, criando uma distensão entre o país real, ainda fortemente marcado pela educação ideológica praticado por tantos anos, com o novo modelo “imposto” através da constituição.
Em 2018, uma reportagem[6] do jornal Yomiuri Shimbun revelou que a Universidade de Medicina de Tóquio reduzia as notas das estudantes do sexo feminino no seu concurso de admissão, o objetivo era limitar o número de mulheres na instituição, de modo que não superassem 30% do número total de estudantes.
Segundo o jornal[7], a prática discriminatória era realizada desde 2011, porém uma investigação interna revelou que ela é realizada desde 2006. Em uma coletiva de imprensa os diretores da universidade alegaram que "Com frequência, as mulheres renunciam a serem médicas quando se casam e têm filhos". O caso só foi investigado devido a denúncias de que um estudante do sexo masculino foi favorecido no processo de admissão, ele é filho de um membro do Ministério da Educação.
Com o andamento do escândalo, outras dez faculdades admitiram fazer uso da mesma prática para que o número de estudantes do sexo masculino fosse superior[8].
Em 2022 um relatório do Ministério da Educação mostrou que as mulheres, pela primeira vez, superavam o número de homens em relação a admissões em faculdades de medicina japonesas. As estudantes do sexo feminino tiveram uma aprovação de 13,6%, enquanto os estudantes do sexo masculino tiveram 13,51%. Os resultados no passado, em que comprovadamente eram adulterados, sempre davam uma vantagem aos homens, que possuíam taxas de aprovação 2,05% superiores.
Os dados mostram que seis, das dez universidades que adulteraram os resultados, apresentaram um número maior de mulheres sendo admitidas.
O relatório também ressalta que o Japão possui um número anormalmente baixo de mulheres praticando a medicina, apenas 21,9%. A média da OCDE foi de 46% em 2015, o que coloca o país com os piores dados proporcionais entre os integrantes da organização[9].
A origem americana da constituição continua a ser objeto de alguma controvérsia. Nakasone Yasuhiro, um primeiro-ministro nacionalista bem conhecido da década de 80, não discorda necessariamente do conteúdo da Constituição. Contudo, argumenta que a verdadeira democracia não pode ser imposta por uma potência estrangeira, mas deve emergir a partir de dentro. Ou seja, para melhor e para pior, devia ter sido permitido aos japoneses elaborar a sua própria constituição. A vontade das autoridades ocupantes imporem, se necessário fosse, a liberdade aos japoneses é um dos paradoxos da constituição e da Ocupação. No entanto, ela é também conveniente, porque permite ao Japão afirmar que é uma democracia, embora na prática isso seja questionável. É um outro caso de diferença entre forma exterior e substância real (HENSHALL, 2014, p. 205-206).
O Japão pós-guerra e sua nova constituição chocam-se com o passado, levando a contradições que não podem ser resolvidos com a elaboração de um documento. Diversas questões perigosas, amparadas pelo argumento da tradição, se fazem presentes.
Tanto questões internas como externas estão intrinsecamente ligadas ao passado. O projeto liberal de um país cosmopolita, com igualdade de gênero e democracia precisa de organicidade, algo que as mudanças rápidas no período de ocupação não foram capazes de dar. Além do importante fato de que mesmo os Estados Unidos não possuem de forma plena todas as características citadas.
O novo projeto de uma nação relevante no cenário internacional, com poder militar, econômico e político capaz de ajudar os Estados Unidos a neutralizar a China leva a novas questões.
O Japão já se impôs como potência no passado, ao se colocar em uma posição geopolítica onde disputa diretamente o poder, os japoneses terão que lidar com a memória do imperialismo.
Seja em caráter pós-imperial (políticas de potências médias em busca de estabilidade e prosperidade através das leis e direito internacional) ou neo-imperial (políticas agressivas em busca de estabelecimento de um verdadeiro império informal para emergência de uma grande potência), os países seguem através do esforço de se manterem no centro do poder (LUIZ, 2011, p. 13).
Apesar do fim dos impérios coloniais, as potências mundiais ainda possuem esferas de influência. O Japão tem exercido grande influência sobre o Leste da Ásia, mas atualmente vê em Pequim um rival formidável que deseja dominar a mesma área.
Ao se colocar contra a China o Japão reedita, com óbvias diferenças históricas, o confronto realizado no passado. Porém, atualmente os chineses são largamente mais poderosos, muito longe da realidade vivida nos tempos do Século de Humilhação.
Seu posicionamento em meio a essa disputa suscita críticas sobre seu passado, que não foi devidamente enfrentado pela memória coletiva. Se os japoneses são incapazes de reconhecer seus crimes de guerra em relação aos chineses, é justificável a acusação de que talvez ainda os vejam como seres humanos inferiores. Se essa visão se mantém então seu posicionamento diante do crescimento da China é um resquício do passado imperialista, que se recusa a reconhecer os chineses como uma potência digna de liderar a região em que se encontra geograficamente.
Todos os países, salvo o Japão (apesar do esforço diplomático neste sentido) são membros do conselho de segurança da ONU, participam ativamente das discussões mundiais, em aspectos de segurança, política e economia. Contudo, é por entre suas esferas de influência que mais exercem seu poder de mando reverberado: A Inglaterra na Commonweath e pelo império britânico, a França pela região francófona, o Japão pelo leste asiático e a Rússia pelos países ex-União Soviética (LUIZ, 2011, p. 13).
O passado imperialista é, portanto, vital para o presente e o futuro do Japão. Fica claro a importância em estudar esse momento histórico e todas as implicações que ele traz para os japoneses e os demais povos atingidos pelas suas políticas expansionistas.
O Japão atual está diretamente envolvido com disputas que remontam ao seu passado imperial. Segundo Lima (2005, p. 04) o Japão fez uso de uma série de teorias que deram justificativas ao seu plano de expansão pelo Extremo Oriente, entre elas a Doutrina Amau que, em consonância com a Doutrina Monroe, dava e “impunha” ao Japão uma responsabilidade sobre seus vizinhos asiáticos. Em determinados momentos essa zona de influência se justificaria como um cordão sanitário em relação ao crescente comunismo, em outros apelava a cerca de uma luta anti-imperialista, com foco em uma Ásia livre do domínio ocidental.
Muitas disputas territoriais contemporâneas que envolvem o Japão só podem ser compreendidas a partir do entendimento sobre a sua expansão imperialista. Entre elas destacam-se, as Ilhas Senkaku, com grandes reservas de petróleo, disputadas pelo Japão, a China e Taiwan; as Ilhas Dokdo e Takeshima, ricas em gás natural, disputadas pelo Japão e a Coréia do Sul; as Ilhas Curilas, que são geopoliticamente estratégicas, possuem riquezas naturais e são uma área importante para a pesca, pertencentes a Rússia e reivindicadas pelo Japão.
Também as pesquisas sobre os impérios e o fenômeno imperialista se fazem necessários. Apesar das transformações estruturais pelos quais passaram, eles ainda estão presentes no mundo, tanto em uma forma distinta, como o imperialismo difuso dos Estados Unidos, como também uma consequência direta da divisão do mundo, como a Divisão Internacional do Trabalho.
Se os fenômenos e as estruturas se mantém, mesmo que modificadas, então as perguntas sobre eles também precisam permanecer, só que devidamente atualizadas, para que se possa apreender todas as nuances presentes em sua permanência.
Os impérios históricos, portanto, ainda podem e devem ser estudados. Para isto, basta que renovemos as perguntas. Será que os procedimentos de exploração entre estados devem ainda ser objetos de nossas pesquisas? Sendo já conhecida a exploração em nível macroeconômico, não seria o momento de perguntarmo-nos por outros modos de exploração, expropriação e dominação? Não poderíamos, na verdade, ultrapassar a exploração (sem esquecê-la, evidentemente), mas redimensionando suas implicações e limitações? Não seria o momento de nos perguntarmos sobre as relações entre os centros e as periferias (para empregarmos o léxico próprio das teorias da dependência) menos em termos estatais do que em termos metropolitanos? (AREND, 2006, p. 160)
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[1] Uma sangrenta guerra civil na China entre 1850 e 1864. O revolucionário Hong Huoxiu autoproclamou-se “Rei celestial”, bem como irmão mais novo de Jesus Cristo. Empreendendo uma rebelião conta a dinastia Qing, o mítico pretendia abolir o confucionismo e o budismo em prol de sua visão pessoal do cristianismo.
[2] Foi uma revolta na China, entre 1899 e 1901, no final da dinastia Qing, liderada por praticantes de artes marciais chinesas. O levante nacionalista caracterizou-se pela rejeição da influência do ocidente e do cristianismo na China, sendo uma das muitas reações a dominação estrangeira naquele país. Foi derrotada por uma coalizão internacional conhecida como a Aliança das Oito Nações.
[3] Guerra travada entre o Império Sueco e uma coligação liderada pela Rússia, de 1700 até 1721. Marca o fim da Suécia como uma potência regional na Escandinávia, livrando a Rússia de um poderoso inimigo.
[4] Em março do mesmo ano a Alemanha Nazista já havia anexado a Áustria. A incapacidade e falta de vontade das potências liberais em impedir tal acontecimento também é um agravante para a invasão dos Sudetos.
[5] Fonte: https://www.br.emb-japan.go.jp/cultura/constituicao.html
[6] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/08/07/faculdade-de-medicina-no-japao-baixava-notas-de-mulheres-para-limitar-ingresso-delas-na-instituicao.ghtml
[7] https://japannews.yomiuri.co.jp/society/crime-courts/20210529-57322/
[8] https://www.rtp.pt/noticias/mundo/japao-mulheres-tem-taxa-de-aprovacao-superior-aos-homens-para-a-faculdade-de-medicina_n1386384
[9] https://www.theguardian.com/world/2018/aug/02/tokyo-medical-school-changed-test-scores-to-keep-women-out
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Publicado por: Diego da Cunha Alves
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