A VALORIZAÇÃO DO SER HUMANO E DA NATUREZA EM LUDWIG FEUERBACH

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RESUMO

A filosofia de Feuerbach possibilita uma compreensão antropológica da religião. Em sua teoria, nota-se a utilização da própria essência humana como matéria-prima para a elaboração da concepção de Deus. As qualidades e características humanas são atribuídas a Deus e esquece-se de seu valor no próprio ser humano. A natureza e o homem, então, perde seu valor e são menosprezados pelo paradigma religioso. É diante desse cenário que Feuerbach desenvolve sua filosofia da sensibilidade, resgatando o valor intrínseco da natureza e do ser humano.

Palavras chave: Religião. Deus. Essência. Filosofia. Sensibilidade.

1. INTRODUÇÃO

Ludwig Andreas Feuerbach nasceu em 28 de julho de 1804, na cidade de Landshut, na Alemanha (MORAIS, 2014). Feuerbach foi aluno do filósofo alemão Hegel, em Berlim, e desenvolveu uma filosofia que compreendia, entre outras questões, uma crítica ao sistema filosófico de seu professor e a qualquer outra filosofia especulativa (MARTINS, 2013; MORAIS, 2014).

Em sua teoria, pode-se notar que o tema com maior engajamento e aprofundamento foi a elaboração de um modo de entender a origem do aspecto religioso no homem. Assim, Feuerbach se ocupa em perceber as influências da religião, a sua função, além de benefícios e prejuízos ocasionados por ela ao ser humano (MARTINS, 2013).

Feuerbach desenvolve, então, uma visão contraria a teologia, demonstrando o aspecto natural e antropológico da religião. É por meio da relação do homem com seu gênero e com a natureza, por meio dos sentidos, que ele elabora a noção de um Deus contendo diversas qualidades humanas (MARTINS, 2013; FEUERBACH, 2007).

A partir disso, o filósofo alemão nota o esvaziamento do mundo e do ser humano propiciado pela exteriorização de suas características em Deus, impossibilitando o homem de encontrar satisfação e prazer na vida concreta, tal como ela é (CHAGAS, 2010; FEUERBACH, 2007).

Como maneira de solucionar tal questão, Feuerbach descreve uma filosofia baseada na sensibilidade. Ele encontra na relação do ser humano com a natureza e consigo próprio, por meio dos sentidos, um modo de satisfazer aos anseios humanos e proporcionar uma vida que possui valor em si mesma (SANTOS, 2016; SOUSA, 2016).

2. JUSTIFICATIVA

Compreender a essência humana e sua relação com a natureza, bem como o papel da religião no desenvolvimento do homem, é de suma importância para se elaborar uma ética e uma prática social que vise a realização e a satisfação da humanidade.

É por meio da análise de tais aspectos que se torna possível uma vida mais plena, baseada em princípios que realmente proporcionem ao ser humano vivenciar as potencialidades presentes em sua essência, buscando reconhecer seu lugar no mundo e sua maneira autêntica de se relacionar com ele e com todos os outros seres humanos.

3. LINHA DE PESQUISA

O presente trabalho foi elaborado com o intuito de compreender a filosofia de Feuerbach. Para tratar desse assunto, foram pesquisados artigos em revistas de filosofia nas bases de dados disponíveis no Google Acadêmico, buscando-os por meio das palavras-chave “Feuerbach”, “Sensibilidade”, “Natureza”, “Religião”, “Ateísmo” e “Antropologia”. Além dos artigos, foi utilizado o livro “A Essência do Cristianismo”, de autoria do próprio Feuerbach.

A partir da leitura dos textos, notou-se a importância da natureza e do ser humano na filosofia feuerbachiana e a partir dessa percepção, elaborou-se o tema e o presente trabalho.

4. OBJETIVOS

4.1. OBJETIVOS GERAIS

O objetivo deste trabalho foi compreender a filosofia de Ludwig Feuerbach, sua concepção da essência da religião, assim como o valor da natureza e da essência humana em sua perspectiva.

4.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Compreender a essência humana

- Descrever a essência da religião

- Avaliar o valor da natureza

- Observar o papel da sensibilidade na satisfação do ser humano

5. DESENVOLVIMENTO

5.1. A ESSÊNCIA DO HOMEM

Ao tratar da essência da religião e, mais especificamente, do Cristianismo, Feuerbach considera importante compreender o ser humano, já que a religião é um fenômeno observado apenas nessa espécie (MARTINS, 2013; FEUERBACH, 2007). Para Feuerbach (2007), o fundamento da religião é justamente a diferença entre o ser humano e os outros animais, pois apenas o homem possui religião, o que implicitamente demonstra que há, no homem, algo que permite o surgimento da mesma, o que não ocorre com os outros animais.

A partir dessa perspectiva, o autor define a consciência que o ser humano possui de seu gênero, ou seja, a percepção que possui de seu pertencimento a humanidade, de uma essência comum que une a todos os humanos, como a diferença entre a espécie humana e os demais animais. O animal possui a capacidade de perceber a si próprio (enquanto indivíduo) e os objetos exteriores a si, mas o homem, além dessas características, consegue apreender o seu próprio gênero, transformando-o em objeto, o que origina o conhecimento. Segundo ele, “a ciência é a consciência dos gêneros” (FEUERBACH, 2007, pg. 35), ou seja, a partir da consciência da própria espécie como um gênero, como um grupo com características comuns que os definem, é possível elaborar o conhecimento de todos os outros objetos presentes no mundo (FEUERBACH, 2007).

É nesse contexto que é possível notar a capacidade do ser humano de conversar consigo próprio, de ser, simultaneamente, eu e tu. Isso ocorre devido a percepção do gênero, em que o ser humano constitui uma vida dupla, na qual há uma relação com o mundo exterior e também com o mundo interior, já que o “homem pode exercer a função de gênero do pensar, do falar (porque pensar e falar são legítimas funções de gênero) sem necessidade de um outro” (FEUERBACH, 2007, pg. 36).

Apesar de haver a possibilidade de se relacionar consigo próprio, a consciência humana tem como finalidade contatar o mundo exterior. Por ter uma natureza finita e limitada, o indivíduo alcança sua plenitude apenas quando se relaciona com seu gênero, ou seja, quando encontra o infinito e o ilimitado na criação e manutenção da sociedade, pois coletivamente a espécie humana é capaz de superar tais aspectos encontrados na perspectiva individual (MARTINS, 2013).

A respeito disso, Feuerbach (2007, pg. 105) descreve que “Somente através do outro torna-se o homem claro para si e consciente de si mesmo”. É na relação intersubjetiva que o homem reconhece a si e inicia a compreensão sobre o mundo que o cerca.

Em Feuerbach (2007) nota-se que o ser humano só percebe a si próprio a partir de sua relação com os objetos. Para o autor, “a consciência do objeto é a consciência que o homem tem de si mesmo” (FEUERBACH, 2007, pg. 38). É a partir da relação com o mundo exterior que o homem é capaz de se diferenciar do mesmo e perceber-se como humano. O ser humano se revela a partir da maneira como descreve os objetos com os quais tem contato.

Esse processo ocorre, primeiramente, fazendo do objeto algo exterior a consciência, para em seguida reconhecê-lo como sua própria essência que foi objetivada (MARTINS, 2013). Pode-se resumir tal ideia na seguinte frase “A razão é para si mesma o critério de toda a realidade” (FEUERBACH, 2007, pg. 66), ou seja, é pela essência do homem que ele interpreta e compreende o mundo.

Tal descrição pode sugerir certo relativismo quanto ao conhecimento, o que não se confirma na perspectiva do autor. A essência do homem torna-se uma ponte para conhecer os outros objetos, pois é a partir do que é comum entre o homem e o objeto que se inicia o processo de conhecimento do mundo exterior, o que permite ainda, após notar as semelhanças com a essência humana, perceber também a individualidade do objeto observado (MARTINS, 2013).

Por ter sido gerado pela natureza, é somente por meio dela que o homem se afirma e se reconhece como existente. É nela que a consciência se manifesta e se origina, por meio dos sentidos. Ao recusar o acesso ao mundo pela sensibilidade, deixa-se de acreditar na própria vida humana, visto que ela faz parte da natureza (SANTOS, 2016).

Para Feuerbach (2007), a religião utiliza como seu objeto o que há na essência humana, especificamente aquilo que a difere da essência animal. Assim, o autor descreve que o ser humano possui a percepção da infinitude de sua consciência e de sua ilimitada capacidade, descrevendo que “a consciência do infinito não é nada mais que a consciência da infinitude da consciência” (FEUERBACH, 2007, pg. 36). É justamente essa característica que a religião apreende, pois a “religião é a consciência do infinito” (FEUERBACH, 2007, pg. 36), que, segundo o autor, nada mais é que a consciência infinita do homem objetivada pela religião.

O filósofo então define três características da essência humana, sendo elas a razão, a vontade e o coração. Esses aspectos são perfeitos, devido a existirem com uma finalidade baseada em si próprios, pois a razão existe para conhecer, a partir de sua própria manifestação, o amor (coração) para a capacidade de amar, e a vontade para o exercício da liberdade. Não há, segundo o autor, a necessidade de justificar tais aspectos da essência humana, já que todos eles possuem um fim em si mesmo. A razão, a vontade e o amor são elementos que constituem o homem, tornando-o aquilo que ele é, não necessitando de algo além que satisfaça o gênero humano, pois suas características o faz autossuficiente (MARTINS, 2013; FEUERBACH, 2007).

Faz-se importante ressaltar que a essência humana em Feuerbach, embora pareça se sustentar em princípios metafísicos, pode ser compreendida de maneira materialista e imanente. Em sua teoria, o que está descrito como essência pode ser compreendido como aquilo que constitui o ser humano e o diferencia dos demais objetos existentes, ou seja, não é uma essência enquanto algo além da natureza, mas justamente o que na própria natureza diferencia o homem das demais criaturas e objetos (LIMA FILHO, 2017).

5.2. A ESSÊNCIA DO CRISTIANISMO E DA RELIGIÃO EM GERAL

Em sua análise a respeito da essência da religião em geral, Feuerbach (2007) inicia identificando o que seria o objeto religioso e a relação do ser humano com ele. Enquanto que os objetos disponíveis por meio dos sentidos são verificados com facilidade, reconhecendo-os como algo exterior, no caso do “objeto religioso a consciência coincide imediatamente com a consciência de si mesmo” (FEUERBACH, 2007, pg. 44).

Isso ocorre devido ao fato do objeto religioso estar no homem, ao contrário dos objetos sensoriais, que são exteriores ao organismo. Feuerbach (2007, pg. 44) então conclui que:

“... o objeto do homem nada mais é que a sua própria essência objetivada. Como o homem pensar, como for intencionado, assim é o seu Deus: quanto valor tem o homem, tanto valor e não mais tem o seu Deus. A consciência de Deus é a consciência que o homem tem de si mesmo, o conhecimento de Deus o conhecimento que o homem tem de si mesmo. Pelo Deus conheces o homem e vice-versa pelo homem conheces o seu Deus; ambos são a mesma coisa”.

Para Chagas (2010), o conceito de Deus é utilizado pelo ser humano como uma forma de manifestar sua própria essência e também a essência da natureza. Deus seria a essência humana livre de todas as limitações naturais.

A partir dessa perspectiva, a religião pode ser compreendida de maneira antropológica, ou seja, como algo constituído por meio da cultura humana. A religião seria, portanto, apenas uma expressão da natureza humana (SOUSA, 2016).

Apesar de Deus ser a própria essência humana, vista como um ser exterior e superior, os religiosos mostram-se incapazes de perceber tal fato. Devido a isso, a religião se torna o meio indireto para o ser humano conhecer a si mesmo, ainda de maneira infantil, já que não reconhece aquilo que ele próprio possui (FEUERBACH, 2007).

De acordo com Lopes (2013), é por meio das três características da essência humana, razão, coração e vontade, que o ser humano desenvolve a concepção de Deus. A partir delas, Deus recebe atributos presentes no ser humano, de maneira divinizada e exteriorizada.

É importante observar que, mesmo em religiões primitivas e animistas, apesar de não haver um ser pessoal denominado como Deus, já há uma exteriorização da essência humana. A diferença está apenas no objeto. Enquanto nas religiões monoteístas e politeístas a essência humana está presente nos deuses ou Deus, nas religiões animistas, a essência humana é revelada e objetivada na própria natureza, nos fenômenos e seres naturais (SERRÃO, 2014).

Pode-se observar que as religiões, ao sucederem umas as outras, tendem a condenar a prática da religião anterior, alegando justamente que ela idolatrava o próprio homem. Desse modo, a religião posterior julga adorar algo diferente e superior, sem perceber, no entanto, que apenas mudou de objeto e que, em última instância, ainda se refere à própria essência humana (FEUERBACH, 2007; SERRÃO, 2014).

Feuerbach (2007, pg. 45) então propõe “provar que a oposição entre humano e divino é apenas ilusória”. Para isso, descreve que a essência divina é a essência humana isenta de limitações, objetivada e adorada como algo exterior, por isso, as qualidades divinas são sempre idênticas as qualidades humanas.

É então retratada a existência de Deus a partir dos predicados atribuídos a ele. Feuerbach (2007) nota que, sem os atributos baseados na essência humana, tais como a bondade, o amor, a razão, a justiça, entre outros, Deus se torna um ser com uma existência abstrata. Para o autor, tentar separar as qualidades que atribuímos a Deus de sua essência em si não faz sentido, pois “Não posso saber se Deus é algo diferente em si e por si do que ele é para mim; como for para mim, assim será todo para mim” (FEUERBACH, 2007, pg. 47).

Feuerbach (2007) demonstra ainda que, ao perceber que as qualidades atribuídas a Deus são antropomorfismos, inevitavelmente pode-se concluir que o ser ao qual foi atribuído também é antropomórfico. Só é possível demonstrar a existência de algo a partir de seus predicados, de suas qualidades, pois “o predicado é a verdade do sujeito” (FEUERBACH, 2007, pg. 49).

Como tentativa de resolver tal questão, a teologia elaborou uma teoria negativa, alegando que Deus seria algo além de qualquer compreensão humana. Devido a isso, o que se pode dizer a respeito de Deus é apenas que ele não é semelhante ao humano, a natureza, ou seja, que Deus é diferente de qualquer coisa com a qual o ser humano possui contato e conhecimento (SERRÃO, 2014).

Entretanto, embora tente argumentar desse modo, a religião continua se manifestando como a crença em um Deus com qualidades humanas e naturais (SERRÃO, 2014). A respeito desse aspecto, Feuerbach (2007, pg. 51) descreve que:

“Somente quando Deus é pensado abstratamente, quando seus predicados são oferecidos pela abstração filosófica, só então surge a distinção ou separação entre sujeito e predicado, existência e essência – surge a ilusão de que a existência ou o sujeito é alguma coisa que não o predicado, algo imediata, indubitável em oposição ao predicado dubitável. Mas é apenas uma ilusão. Um Deus que tem predicados abstratos tem também uma existência abstrata”.

Percebe-se assim, que um ser sem qualidades ou predicados é um ser inexistente, pois se torna vazio de significado algo sem características que possam descrevê-lo. Assim, Deus tal como descrito pelos teólogos em sua teoria negativa, é apenas uma maneira inválida de tentar demonstrar a existência de um Deus que não seja antropomórfico (FEUERBACH, 2007; SERRÃO, 2014)

Ainda a respeito das qualidades, o filósofo descreve que elas não são divinas por se fazerem presentes em Deus, mas, ao contrário, que o ser humano as projeta em um ser divino por considerá-las divinas, já que sem tais qualidades Deus seria imperfeito. Por considerar tais qualidades perfeitas, o ser humano exterioriza as mesmas em um ser superior e ilimitado, sendo Deus “a essência do homem contemplada como a mais elevada verdade” (FEUERBACH, 2007, pg. 50).

Disso decorrem as divergências religiosas, pois o modo como cada povo e cultura compreende as características humanas e quais eles qualificam como divinas e dignas de valor, determina a forma e as qualidades que o seu Deus ou deuses terão. O que for considerado mais elevado pelo homem daquela cultura será também mais elevado para o seu Deus (FEUERBACH, 2007).

Apesar de toda essa avaliação do filósofo em relação a religião e o antropomorfismo de Deus, pode-se entender que o intuito não é exatamente o de provar a inexistência de Deus. Para Martins (2013), Feuerbach se interessa em desvendar o que Deus é e o que revela sobre nós, independente de sua existência ou não enquanto ser pessoal.

Feuerbach (2007) ainda descreve vários aspectos específicos sobre a religião cristã. O autor relata a encarnação do filho do Deus cristão, Jesus Cristo, como a revelação de que o “Deus encarnado é apenas o fenômeno do homem endeusado” (FEUERBACH, 2007, pg. 77).

Para melhor compreender tal interpretação, pode-se notar, na filosofia feuerbachiana, que a trindade na religião cristã existe para proporcionar ao ser humano um Deus que contenha todos os aspectos de sua essência. Desse modo, o sofrimento e o amor demonstrado por Cristo em sua encarnação, é apenas um modo de incluir o coração, uma das categorias da essência humana, em Deus (FEUERBACH, 2007).

Enquanto Deus Pai representa a razão humana, o filho contém o amor. A encarnação do filho e a elaboração da trindade é o modo que encontraram de cultuar um Deus que apresente ambos os aspectos da essência humana (FEUERBACH, 2007).

Somente um Deus misericordioso, um Deus que sinta amor e compaixão pelo ser humano, pode satisfazê-lo. Feuerbach (2007, pg. 83) escreve “O que amo então em Deus? O amor ao homem”. Desenvolver a ideia de um Deus que ama aos seres humanos torna efetiva a afirmação de Feuerbach, em que a encarnação de Deus demonstra o endeusamento do homem.

Já descrito anteriormente, as qualidades atribuídas a Deus são consideradas divinas independentemente da existência de uma divindade. Portanto, ao perceber que tais aspectos pertencem à essência humana, e que os mesmos são válidos por si mesmos, conclui-se que o homem, por si próprio, é capaz de ser autônomo e viver de acordo com as qualidades que antes notava apenas como exteriores a si (MARTINS, 2013).

5.3. A VALORIZAÇÃO DO SER HUMANO E DA NATUREZA

Ao identificar os mecanismos e processos que envolvem a formação da religião, Feuerbach (2007) percebe a desvalorização da natureza e do ser humano presentes nas diversas manifestações religiosas. De acordo com o autor, a religião promove uma cisão entre o ser humano e sua própria essência.

Isso ocorre precisamente devido a objetivação das qualidades humanas, pois elas são exteriorizadas em Deus e negadas no homem. Para a religião, o homem é desprovido das qualidades que alegam estarem presentes apenas em Deus, pois:

“Deus é o infinito, o homem o finito; Deus é perfeito, o homem imperfeito; Deus é eterno, o homem transitório; Deus é plenipotente, o homem impotente; Deus é santo, o homem pecador. Deus e homem são extremos: Deus é o unicamente positivo, o cerne de todas as realidades, o homem é o unicamente negativo, o cerne de todas as nulidades” (FEUERBACH, 2007, pg. 63).

Sobre especificamente a religião cristã, Chagas (2010) descreve que há menosprezo em relação à natureza. O que é valorizado é apenas o absoluto, imaterial, espiritual, sobrenatural, ou seja, características antinaturais.

O objetivo do Cristianismo seria se libertar da natureza, desenvolvendo uma noção de essência humana destituída e transcendente ao natural, ou seja, sobrenatural. Isso acontece com o intuito de superar os limites impostos pelo mundo, tais como a transitoriedade, a finitude e a materialidade (CHAGAS, 2010).

Como os cristãos desejam um mundo e uma existência livre das contingências naturais, atribuem as características positivas do mundo em um ser ilimitado e uma existência absoluta, livre de tais limitações. Assim, a natureza fica destituída de valor (CHAGAS, 2010).

Apesar dessa tentativa religiosa, pode-se compreender que o ser humano é do modo como é justamente por ser originado na natureza e ser parte da mesma. O ser humano possui os sentidos, é temporal, e possui todas as suas características devido à natureza (CHAGAS, 2010).

É relevante ressaltar ainda, que para Feuerbach (2007, pg. 97) “Quanto mais vazia for a vida, tanto mais rico, mais concreto será o Deus”. O que o autor demonstra é que ao elaborar uma concepção de Deus, retira-se o valor do mundo e todas as possibilidades do ser humano perceber e encontrar satisfação na natureza, já que cria a ilusão de que aquilo de que necessita e que existe na natureza está presente apenas em Deus, numa existência abstrata e vazia.

Feuerbach (2007, pg. 107) descreve que “A essência de Deus [...] nada mais é que a essência do universo pensada abstratamente”. Para o autor, o universo possui uma essência em si mesmo, tal como qualquer outro objeto existente, pois tudo o que existe se fundamenta em sua própria existência. São os predicados atribuídos a eles que demonstram sua existência.

Outra questão apresentada é a existência da diversidade no universo. A pluralidade presente pode sugerir que o criador também seria um ser diversificado, de onde proviriam tais características. No entanto, ao formular a necessidade da diversidade no criador, estabelece-se que a diversidade é uma essência ou uma verdade, ou seja, Deus é derivado da essência do mundo, que é, de maneira geral, a sua diversidade (FEUERBACH, 2007).

Ao fazer isso, o ser humano desenvolve a concepção de um ser com todos os atributos desejados, no entanto, irreal. Deus substitui a natureza e a essência humana e, concomitantemente, o priva de conquistar a realização de suas vontades no mundo real (CHAGAS, 2010).

A partir dessa análise, Feuerbach declara que a natureza é a origem do ser humano, e por isso, é nela que o homem deve buscar sua realização e a compreensão de si mesmo. Relacionando-se com a natureza e a compreendendo a partir dela própria, numa perspectiva materialista, o ser humano toma consciência de si (SANTOS, 2016).

Na teoria feuerbachiana, há a aceitação da dependência humana e de sua relação com a natureza, bem como a compreensão de que o ser humano é finito. A dificuldade do ser humano em aceitar tal ideia está no fato da natureza não corresponder aos anseios humanos (SANTOS, 2016).

A natureza não tem sentimentos, pensamentos e demais características presentes no ser humano. No entanto, o homem deseja ter uma relação recíproca com ela e por isso cria a religião (SANTOS, 2016).

Para Feuerbach, a natureza é infinita, pois não tem início e não terá um final, sendo ela uma espécie de combinações de causas e efeitos, que harmonicamente se mantém. Os seres vivos e tudo o que existe surge a partir dessa harmonia entre tudo o que há no universo (SANTOS, 2016).

Enquanto a religião observa a natureza a partir da perspectiva humana, Feuerbach analisa o homem a partir da natureza. Nas religiões primitivas, a natureza é vista como um ser semelhante ao homem, sendo cultuada pelo ser humano, por promover a existência e sobrevivência do mesmo (SANTOS, 2016).

O ser humano elabora a religião justamente por possuir sensibilidade. É por meio dos sentidos e de sua relação com o exterior que ele desenvolve a crença em divindades (SANTOS, 2016).

Outro aspecto que impulsiona a criação da religião é o egoísmo. Para Feuerbach, o egoísmo significa amor próprio, instinto para autoconservação. É a partir do egoísmo que o ser humano visa se autoconservar e, para além disso, almeja a felicidade (SANTOS, 2016).

Para Feuerbach, o homem vive apenas quando se relaciona com a natureza por meio da sensibilidade. Utilizando dos sentidos o ser humano alcança o prazer e a felicidade. Ao se afastar dos sentidos, de maneira ascética, o homem nega a si mesmo, afastando-o da vida tal como ela é (SANTOS, 2016).

Com essas conclusões, a filosofia feuerbachiana visa suplantar a perspectiva idealista, substituindo a valorização da razão pela aceitação da natureza e da sensibilidade. Em lugar da espera pela vida eterna e da negação da vida terrena, busca-se viver a partir dos sentidos. É na natureza que o homem pode encontrar possibilidades de satisfazer suas necessidades (SOUSA, 2016).

Por meio dos sentidos o ser humano se relaciona com a realidade e constrói sua história, de maneira ativa. Além disso, só é possível confiar em um conhecimento gerado pela experiência, pelo contato com a realidade. O pensamento por si só é incapaz de compreender o mundo e a existência (SOUSA, 2016).

De acordo com Lopes (2013), a teoria de Feuerbach descreve o homem como um ser que existe para amar, conhecer e querer, pois sua essência contém a razão, o coração e a vontade, aspectos que guiam o ser humano para a sua realização. Esses são atributos presentes em todos os seres humanos, por isso são infinitos, já que existem sempre em cada ser humano.

Para Feuerbach (2007, pg. 105) “Um homem que existisse somente para si perder-se-ia nulo e indistinto no acaso da natureza”, ou seja, a relação intersubjetiva é algo de extrema importância para a realização do ser humano. A ética humana deve-se basear nas relações concretas com o outro e no conhecimento, por meio dos sentidos, da natureza.

Lopes (2013) descreve que, a partir da essência humana compreendida por Feuerbach, pode-se notar a capacidade do ser humano de realizar proezas coletivamente. A ação coletiva em prol de uma existência baseada na sensibilidade é o caminho da realização plena das potencialidades e necessidades humanas.

A política e a criação do Estado é um caminho rumo ao desenvolvimento de uma sociedade pautada na natureza e na sensibilidade. O Estado é gerido pela própria humanidade e visa a realização de uma vida satisfatória. Ao invés de esperar e contar com intervenções divinas, o homem assume a responsabilidade pelo seu próprio destino (LOPES, 2013).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir, a partir desse trabalho, que a essência do ser humano é notada a partir de sua distinção em relação aos animais. O homem, diferentemente do animal, possui a consciência de seu gênero e de todos os outros tipos de gênero. Assim, ele desenvolve o conhecimento de si e do mundo por meio da percepção do que há em comum entre os seres e objetos, daquilo que os definem.

A respeito da religião, pode-se compreender que na filosofia feuerbachiana ela surge a partir da objetivação da essência humana, exteriorizando-a em Deus. Assim, o ser humano elabora a ideia de Deus por meio de suas próprias qualidades, tais como a razão, os sentimentos e a vontade.

Decorre disso uma cisão do homem consigo próprio, pois ao atribuir a Deus suas qualidades, ele as nega em si, desvalorizando sua essência e sua capacidade de autonomia e realização. Além disso, nega a natureza, valorizando apenas o imaterial, infinito, metafísico, em detrimento do mundo real.

A partir desses aspectos, Feuerbach desenvolve uma filosofia pautada na sensibilidade e na relação do homem com a natureza tal como ela é. Por ser originado pela natureza e se relacionar com ela por meio dos sentidos, o ser humano se realizará ao buscar satisfazer-se com as possibilidades presentes no mundo ao seu redor, agindo coletivamente em busca da realização plena de suas potencialidades.

As questões analisadas propiciam a compreensão da necessidade do ser humano utilizar a sensibilidade como modo de alcançar a realização de sua vida. É na relação com a natureza e com os outros que o homem encontra satisfação e felicidade em sua existência.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHAGAS, Eduardo Ferreira. A aversão do cristianismo à natureza em Feuerbach. Philósophos-Revista de Filosofia, v. 15, n. 2, p. 57-82, 2010. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/philosophos/article/view/10857>. Acesso em: 26 jun. 2017.

FEUERBACH, Ludwig. A Essência do Cristianismo. Editora Vozes, Petrópolis, 2007.

LIMA FILHO, José Edmar. Antropologia, ética e política em A essência do Cristianismo de Ludwig Feuerbach. 147 f. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Ceará, 2017. Disponível em: < http://repositorio.ufc.br/ri/handle/riufc/21856>. Acesso em: 23 jun. 2017.

LOPES, Jorge Luis Carneiro. A Crítica da Religião como Pressuposto da Efetiva Realização do Homem em Feuerbach. REVISTA EROS, v. 1, n. 1, 2013. Disponível em: <http://www.uvanet.br/helius/index.php/eros/article/view/29>. Acesso em: 26 jun. 2017.

MARTINS, Felipe Assunção. A gênese antropológica da religião em Ludwig Feuerbach. Revista Inquietude, v. 4, n. 2, p. 9-27, 2013. Disponível em: <http://www.inquietude.xanta.org/index.php/revista/article/view/214>. Acesso em: 22 jun. 2017.

MORAIS, José Elenito Teixeira. A teologia antropológica de Ludwig Feuerbach. Revista de Cultura Teológica. ISSN (impresso) 0104-0529 (eletrônico) 2317-4307, [S.l.], n. 83, p. 127-139, ago. 2014. ISSN 2317-4307. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/culturateo/article/view/19229>. Acesso em: 22 jun. 2017.

SANTOS, JOÃO BATISTA MULATO. A religião como contraponto à Natureza e ao mundo da sensibilidade em Ludwig Feuerbach. Revista DIAPHONÍA, p. 83, v. 2, n. II, 2016. Disponível em: <http://e-revista.unioeste.br/index.php/diaphonia/article/view/15956/10851>. Acesso em: 23 jun. 2017.

SERRÃO, Adriana Veríssimo. A essência da religião em geral: uma análise da Introdução a Das Wesen des Christentums de Ludwig Feuerbach. Ensaios Filosóficos, v. 10, 2014. Disponível em: <http://www.ensaiosfilosoficos.com.br/Artigos/Artigo10/SERRAO_Adriana_A_essencia_da_religiao_em_geral.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2017.

SOUSA, Karla Samara dos Santos. A filosofia do futuro como filosofia da sensibilidade em Ludwig Feuerbach. Revista Brasileira de Filosofia da Religião, v. 3, n. 2, p. 85-102, 2016. Disponível em: <http://abfr.org/revista/index.php/rbfr/article/view/39>. Acesso em: 26 jun. 2017.

XENÓFANES. Fragmentos. In: Os Pré-socráticos (Coleção Os Pensadores). Abril Cultural, São Paulo, v. 1, 1ª Edição, 1973, p. 68-73.


Publicado por: Paulo Roberto Magalhães Junior

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