A definição de pessoa em Emmanuel Mounier: uma nova perspectiva das relações humanas

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1. Resumo

A reflexão em defesa dos valores da pessoa humana ganhou relevância no século XX. Uma vez que se percebeu a construção de uma sociedade de indivíduos desprovida de relações interpessoais saudáveis, mas movida por um doentio individualismo e por interesses econômicos. Emanuel Mounier foi o grande filósofo personalista desse período que não desejou apenas sistematizar uma filosofia da pessoa, mas desenvolver uma práxis de engajamento em prol da pessoa e de uma sociedade de pessoas. Daí, acreditarmos que sua filosofia ainda ressoa tão forte em nossa época, onde verificamos agressões aos direitos da pessoa e relações interpessoais cada vez mais atrofiadas pelo egocentrismo e indiferença. Por isso, este artigo pretende, trazendo a conceituação mounieriana de pessoa, refletir novas perspectivas de ação para tornarmos nossas relações humanas menos egoístas e mais fraternas e solidárias.

Palavras-chave: Pessoa. Personalismo. Engajamento. Sociedade. Comunidade

2. Introdução

O Personalismo de Emmanuel Mounier objetiva uma sociedade política, onde se alcance o bem comum superior a uma mera coletivização de bens individuais, melhorando a vida humana, de modo que todos os homens vivam na liberdade e gozando dos frutos da cultura e da fraternidade.

Emmanuel Mounier, nascido no dia 1° de abril de 1905, na pequena Grenoble, interior da França. Católico e filho de camponeses, sempre se orgulhou de sua origem humilde. Devido à condição de pobreza retardou seus estudos, mas no tempo em que foi dedicado à escola, destacava-se nas reflexões, sobretudo no que diz respeito às ciências humanas.

Seus pais, percebendo essa extraordinária capacidade intelectual, o incentivaram a estudar medicina, mas uma verdadeira angústia tomou conta de sua vida. Então, após dois anos de medicina, resolve se dedicar a filosofia sob a orientação de Jaques Chavalier, seu diretor espiritual de Mounier por toda a vida.

A sociedade da década de 1930 passava por uma grave crise econômica e Mounier via também, nisto, uma profunda crise espiritual. Como estava inserido em um ambiente universitário, não percebia nenhuma iniciativa para tentar revitalizar a sociedade. Fez duras críticas ao ambiente universitário, o qual chamava de hostil, frio, não preocupado com a realidade humana. Em 1932 resolve abandonar a promissora carreira de professor universitário para se dedicar ao debate de problemas relativos a realidade humana. Com um grupo de amigos inicia uma série de estudos e debates acerca da sociedade. Dessas reuniões surgiam alguns artigos. No mesmo ano durante o Congresso de Front Romeu funda-se a revista Esprit com o objetivo de publicar uma série de artigos que propunham a reflexão sobre as dificuldades pelas quais a sociedade estava passando. Não era uma revista católica, apesar de ter elementos que a caracterizavam como tal, Mounier aceitava a colaboração até de não crentes para sua revista.

Toda essa reflexão mounieriana se apresenta bastante significativa a medida que os desafios da sociedade da primeira metade do século XX impunham uma reflexão mais sensível e fraterna sobre o ser humano. Todas as ideologias contrárias à eminente dignidade da pessoa deveriam ser banidas. Por isso, a direção prática da revista Sprit tinha como palavra de ordem "ruptura com a ordem estabelecida", de modo que a pessoa humana e seus valores estivessem no centro das reflexões e das ações dos homens e de suas instituições. Assim, constituiu-se a filosofia personalista de Emmanuel Mounier.

3. Filosofia do engajamento em prol da pessoa humana

O pensamento de Mounier está inserido num contexto da modernidade do século XX, marcada pelo niilismo, pelo cientificismo, pelas duas guerras mundiais, regimes totalitários como o fascismo e o Nazismo, e principalmente pela guerra ideológica político-econômica entre capitalismo e socialismo. É por isso que em várias edições da revista Esprit, o filósofo francês publica artigos em prol de ruptura com a ordem estabelecida. Ordem essa que agride a dignidade humana, determinando o homem a ser apenas mais uma engrenagem dentro de um sistema, onde o econômico tem o primado em detrimento do universo pessoal do indivíduo e a crise das estruturas sociais misturam-se a uma crise do espírito humano (MOUNIER, 1976).

Na segunda parte da obra, ‘O Personalismo’, Mounier dedica-se a elencar os desafios a serem superados no século XX mediante uma filosofia da pessoa que através da reflexão e ação seja capaz de afrontar as ideologias desumanizadoras das sociedades e tornar o ser humano mais autêntico e livre para si e para o mundo.

Entres esses desafios do homem moderno ao qual se insere o pensamento de Mounier podemos citar: a sociedade econômica, o Estado democrático, a educação, a cultura e a religião.

3.1. A sociedade econômica

Ainda que a Crise de 29 tenha refreado a utopia capitalista e fortalecido as ideologias socialistas, o homem do século XX é totalmente alienado a seus direitos e deveres de pessoa, uma vez que as instituições imprimem o ideal do progresso econômico e da felicidade do possuir, do ter.

Não podemos deixar de dar razão ao marxismo quando afirma um certo primado do econômico. Geralmente só desprezam o econômico aqueles que deixaram de ser perseguidos pela nevrose do pão quotidiano (...) Daqui não resulta que os valores econômicos sejam exclusivos ou sequer superiores a outros: O primado do econômico é uma desordem de que urge libertarmo-nos.   (MOUNIER, 1976, p. 179)

Segundo Mounier, é necessário libertar a pessoa de um sistema que a define pelo ter e que gera abissal desigualdade social. Além disso, o próprio filósofo admite a possibilidade de no corpo capitalista introduzir-se linhas socialistas, no entanto com a devida filtragem.

3.2. O Estado democrático

Conforme o personalismo defendido por Mounier, faz-se necessário saber o lugar próprio do Estado. Ele não está acima das pessoas, mas está para proteger seus direitos e viabilizar o cumprimento responsável de seus deveres, sem abuso de poder. Além disso, reflete sobre a melhor forma de democracia, aquela que esteja ao serviço articulado duma sociedade pluralista (MOUNIER, 1976).

3.3. Educação, cultura e religião

No personalismo de Mounier, o papel da educação não consiste em conformar indivíduos segundo ideologias já existentes, mas despertar a pessoa para o seu universo pessoal.

A educação não pode ter como fim moldar a criança ao conformismo (...) A transcendência da pessoa implica que a pessoa não pertença a mais ninguém senão a ela própria: a criança é sujeito, não é nem RES societatis, nem RES familiae, nem RES Ecclesiae. (MOUNIER, 1976, p. 200-201).

Quando trata da cultura e da religião – cristianismo – ressalta o valor transcendente de ambas. A primeira, inculta a pessoa neste tempo e espaço, fazendo-a interiorizar os valores humanos em sociedade. No entanto, deve-se cuidar que uma cultura utilitarista e determinista venha engessar as diversas possibilidades da pessoa. A segunda é base do personalismo cristão de Mounier, uma vez que ele via convergência entre os valores do cristianismo e o personalismo, embora, o mesmo admita que o cristianismo não tenha conseguido dialogar com o mundo moderno e que era necessário uma práxis cristã de mais engajamento em prol da pessoa humana.

Diante de tal crise da pessoa humana, o fundador da revista Sprit, juntamente com outros amigos pensadores, puseram-se a refletir de um modo mais humano e cristão o ser da pessoa, considerando ela única, autêntica, transcendente e necessitada do comunitário, das relações interpessoais para exprimir ao mundo e aos outros, seu universo pessoal. Mounier conclui, então, que “o universo pessoal é o universo do homem”. (1976, p. 16)

Desse modo, concordamos que o Personalismo de Emmanuel Mounier, segundo Da Silva (2009) visa uma sociedade política que alcance um bem comum superior a uma simples coletivização de bens dos indivíduos. E mais, o mesmo desejava não somente teorizar a respeito do conceito de pessoa, mas sim, responder de modo prático a uma sociedade de sua época que caminhava desordenadamente para a desumanização das relações.

O personalismo não é um sistema.- O personalismo é uma filosofia, não é apenas uma atitude. É uma filosofia, não é um sistema. Não foge a sistematização. Porquanto o pensamento necessita de ordem: (...) Porque define estruturas, o personalismo é uma filosofia, e não apenas uma atitude. (MOUNIER, 1976, p. 16)

Ainda que Mounier afirme que Sócrates, com o seu famoso imperativo “Conhece-te a ti mesmo”, tenha sido o primeiro a causar uma revolução personalista da história, é fato que as reflexões mounierianas no século XX sistematizaram o personalismo como filosofia, termo esse cunhado em 1903, por Renouvier. No entanto, sua proposta não se limita em definir o conceito de pessoa, mas em promover um engajamento e práxis para salvaguardar os direitos de cada ser humano

Ainda hoje, passados 67 anos de sua morte, em pleno século XXI, vemos que seu pensamento urge frente a um tempo que a indústria midiática e tecnológica, por exemplo, tem deslocado a pessoa de seu próprio centro para as margens da instrumentalização do ser humano. Desse modo, o personalismo de Mounier é tão atual quanto a necessidade de o homem pós-moderno recentralizar a si mesmo para ir ao encontro do outro e cultivar relações fraternas, dialógicas e transcendentes.

Para atualizar bem o personalismo mounieriano para os nossos tempos, faz-se necessário, a priori, delimitar suas reflexões a respeito do quem vem a ser pessoa, a partir da análise da primeira parte da sua obra ‘O personalismo’.

4. QUEM É A PESSOA

O fato de o título desse tópico dar-se nos termos quem é a pessoa, ao invés de o que é a pessoa, já demonstra claramente a singularidade e pessoalidade que Mounier trata a pessoa humana em rejeição à concepção coisificante do indivíduo, próprio do pensamento moderno e pós-moderno.

Com uma breve apresentação da história de como o conceito de pessoa se desenvolveu dentro da filosofia, Mounier nos defronta com várias concepções, entre elas: A dos gregos antigos, que concebiam a pessoa como um caráter representativo do indivíduo, – daí o termo persona = máscara – de uma dualidade substancial entre matéria e espírito e cuja dignidade se dava pela coletividade – participação na Pólis; dos medievais, onde a filosofia cristã trouxe uma visão mais completa do ser humano, uma vez que considerava toda pessoa com uma dignidade singular, unitária e transcendente; e dos filósofos modernos, onde percebe-se que a reflexão sobre a humanitas do homem vai cedendo lugar a sua função produtora e consumidora no sistema capitalista.

A partir disso, o filósofo personalista introduz sua expressão própria de universo pessoal, onde encontramos a diferenciação substancial de individuo para pessoa. No indivíduo, encontramos um ser imerso num universo coletivo, onde o valor encontra-se fora dele, na sua ação objetiva, de modo a estar sujeito a subordinação e massificação. Já, na pessoa, Mounier discorre sobre um ser que possui valor anterior a sua ação, e esta, externa todo esse seu universo carregado de pessoalidade livre, singular e transcendente. Silva (2005) contribui para o entendimento de universo pessoal dizendo que a dignidade do homem não pode ser resumida apenas a um ou alguns de seus aspectos. É preciso vê-lo como um todo, cujas partes estão todas interligadas e que, por isso, não pode ser reduzível.

Claramente, para Mounier, promover o ser humano é facilitar sua passagem de indivíduo para pessoa quando este descobre seu universo pessoal. Esta descoberta acontece pela relação pessoa a pessoa, na vida comunitária, pois o homem sendo único, identificar-se-á consigo mesmo na medida que reconhecer a singularidade do outro. E numa inter-relação livre, verdadeira e responsável que crescerá a solidariedade humana.

Quando a comunicação se enfraquece ou se corrompe perco-me profundamente eu próprio: todas as loucuras são uma falha nas relações com os outros – o alter torna-se alienus, torno-me também estranho a mim próprio, alienado. Quase se poderia dizer que só existo na medida em que existo para os outros, ou numa frase-limite: ser é amar. Estas verdades são o próprio personalismo, a ponto de podermos dizer que há pleonasmo quando se designa a civilização que ele visa por personalista e comunitária (MOUNIER, 1976, p. 64).

Assim, quando obstáculos são postos à descoberta deste universo pessoal, constata-se a despersonalização das pessoas e de suas relações umas com as outras. É o que Mounier observa no contexto político-social de sua época, como já ressaltamos.

Agora, para melhor explicitar a definição de pessoa em Mounier, passemos aos eixos centrais que compõem as estruturas desse universo pessoal radicado no ser humano.

4.1. INCORPORADA

Desde os gregos antigos, dentre algumas das concepções existentes a respeito do ser humano, destacava-se a concepção dualista do ser humano, onde a matéria representava o mundo natural e o espírito o homem. Sendo este, espírito cognoscente, sua dimensão espiritual há de ser supervalorizada ao passo que sua corporeidade a ser suprimida, No entanto, a tradição cristã sempre rejeitou esta dicotomia corpo/alma concebendo a pessoa na totalidade de suas dimensões. O personalismo de Mounier é adepto da fé cristã católica, e o próprio afirma que “A Incarnação confirma a unidade da terra e do céu, da carne e do espírito, confirma o valor redentor da obra humana logo que assumida pela graça” (MOUNIER, 1976, p. 26). O filósofo da pessoa ainda nos aponta que na história há sempre um movimento de despersonificação e outro de personificação do indivíduo. Sobre o primeiro movimento, Mounier chama a atenção da pessoa humana ser diluída na natureza, no objetivismo, coletivismo social, político e econômico, de modo a enfraquecer-se e alienar-se de suas forças de vitais, sua singularidade, unidade, superação e transcendência. No movimento de personificação o homem ao despertar para um universo pessoal, percebe que sua existência possui valor autêntico e irredutível, para além da natureza, do coletivo, do Estado e do econômico.

Posto isso, assimilamos de Mounier a pessoa como existência que incorpora em si uma unidade entre suas dimensões corporais e espirituais, rompe e transforma a natureza, capaz de desenvolver ou atrofiar sua personificação na história.   

4.2. Comunicação

A comunicação constitui o processo pelo qual o indivíduo vai tornando-se pessoa. Mounier exemplifica por meio da criança que para se autoconhecer, necessita do contato com os outros, especialmente a mãe. É na experiência com um TU que o EU se abre para si mesmo e para o mundo numa provocação recíproca, numa mútua fecundação (MOUNIER, 1976).

O personalista francês, já alertava em sua época que a solidão buscada no individualismo exacerbado e do permanente estado de estranheza e guerra entre os homens, enfraquecia tanto a vida comunitária, onde as pessoas em comunhão têm suas diferenças respeitadas, quanto a vida pessoal, uma vez que sem a relação EU-TU, a pessoa permanece como indivíduo segregado de si, uma ilha.

Finalmente, para Mounier, a pessoa é sempre diálogo, relação, exposição ao outro. Única, comunica uma pluralidade de dons, transpondo o indivíduo para uma sociedade de pessoas, onde reina a comunhão e a solidariedade.

4.3. Interioridade

O personalista Severino (1974, p. 73), ao retratar a pessoa revela que “a existência pessoal é sempre disputada entre um movimento de exteriorização e um movimento de interiorização que lhe são essenciais”. No entanto, o que Mounier percebia no homem moderno, e que ainda o vemos de modo mais assustador na contemporaneidade é uma sociedade de pessoas frenéticas, ativistas, sem tempo para interiorizar-se, para buscar aquele aspecto fundamental da pessoa humana, a espiritualidade. Pois que, “o homem pode viver como uma coisa. Mas, como não é uma coisa, uma tal vida apresentará sempre o aspecto duma demissão” (MOUNIER, 1976, p. 82)

Logo, a vocação da pessoa é tomar posse de si, e para isso é preciso a interioridade, o pudor, que a levará a transcender a própria realidade, tantas vezes absorta em barulhos e fragmentações do ser humano, sobretudo quando temos um sistema político-social que gira em torno apenas do mercado de consumo.

4.4. Inalienabilidade

A pessoa humana é inalienável de si, ela afronta tudo aquilo que queira roubá-la de si mesmo. Isso explica porque tantas vezes as realidades tornam-se hostis ao ser humano, uma vez que ameaçam os seus direitos. Pois, é da condição da pessoa, defender e salvaguardar tudo aquilo que a constitui como ser autêntico e singular. Possuidora de valores, o ser humano é protesto de tudo a que o pode ferir. É capaz de grandes renúncias para atingir objetivos que elevam sua existência, pois ele é chamado a coisas extraordinárias, ainda que no quotidiano. Dotado de paixões, está sempre alerta a qualquer ameaça de escravidão e defende mais do que a própria vida a dignidade de sua vida (MOUNIER, 1976).

Dessa forma, o ser humano desenvolve sua pessoalidade na medida que ações externas – em especial as estruturas sociais injustas -  não venham ferir ou roubar sua dignidade de ser pessoa.

4.5. Liberdade

É bem claro para a filosofia mounieriana que a liberdade é condição substancial da pessoa, ao mesmo tempo que é uma conquista.

Considerando tantos conceitos equivocados sobre liberdade, Mounier a define como dom. O homem não pode prender-se a determinismos e muito menos a situações de escravidão de qualquer espécie. Na verdade, a pessoa livre é aquela que tem consciência de sua liberdade, ainda que em circunstâncias adversas.

Mounier, ainda nos indica que o homem livre não é anárquico, mas pessoa responsável que constrói e aderi no anonimato.     

4.6. Dignidade

Acredita-se, aqui, existir uma realidade para além das pessoas. Essa transcendência da pessoa humana é sua eminente dignidade. Ela não pode estar no campo da repetição como o quer o sistema capitalista, mas na condição de ultrapassar-se.

Faz-se necessário, regates dos valores da pessoa como a felicidade, a ciência, a verdade, a moral, a arte, a história e a religião. Essa dignidade para Mounier, afirma-se diante do sofrimento, onde a pessoa mediante a renúncia e o sacrifício enfrenta a vida com amor, na certeza de que seu ser não é restringido pela natureza física, mas a partir dela, lança-se por cima dela. 

4.7. Compromisso

A pessoa é compromissada consigo mesma e com a sociedade de pessoas. Sendo livre, o homem age para transformar a si, mediante uma ação contemplativa, pois pela aquisição de sua singularidade, atingirá a perfeição e universalidade.

Além disso, segundo Mounier, a pessoa realiza-se realizando. Agindo sobre um mundo descompromissado com a pessoa e primado freneticamente pelo capital. Por isso, o personalismo define-se como filosofia do engajamento, onde a própria pessoa atua diretamente na construção de uma sociedade menos egoísta e alienante.

Depois de exposto todo o pensamento mounieriano a respeito do universo pessoal que o constitui e realiza o ser humano, vejamos agora como sua filosofia da pessoa permanece pertinente nos dias de hoje para uma nova perspectiva das relações sociais, de modo que sejam mais autênticas e humanas.

5. Uma nova perspectiva das relações de pessoas

A partir da definição de pessoa feita pelo personalista Emmanuel Mounier, analisamos que do século XX ao XXI, saltos ainda maiores nossa humanidade obteve por meio do avanço das ciências e tecnologias. Contudo, não é visto a mesma evolução nas relações entre os homens, uma vez que os seus valores são suplantados pelos valores econômicos. Além disso, o próprio Mounier já alertava sobre outros obstáculos ao desenvolvimento da pessoa e de suas relações interpessoais presentes no seu tempo e que permanecem até hoje, como a tirania do Estado e a negligência com o papel da família, da educação, da cultura e da religião na construção da pessoa.

A crise espiritual é a crise do homem clássico europeu, nascido com o mundo burguês. Convenceu-se de que realizaria o animal racional, com a razão triunfante a domesticar definidamente a animalidade, e a felicidade a neutralizar as paixões (...).                                                                               Não se sabe já o que é o homem, e, como assistimos às espantosas transformações por que em nossos dias passa, pensa-se que não haverá natureza humana. (MOUNIER, 1976, p. 172-173).

Se a crise do homem moderno era espiritual, na pós-modernidade continua o sendo com mais agravantes. A pessoa não se enxerga única e autêntica, mas alguém que deve seguir a tendência da moda, consumir o que encontra nas prateleiras, aceitar como verdade o que as mídias lhe dão como noticiário. É verdade que a evolução nos transportes e nas comunicações aproximou os povos – efeito da globalização - porém, paradoxalmente minimizou o contato interpessoal. Hoje, encontramos bilhões de internautas conectados às redes sociais, mas desconectados da vida social, familiar e comunitária.

Imersos em uma cultura de massificação dos povos, sem religião e compromisso com o próximo, a pessoa em si, tem perdido sua identidade que se constitui naquilo que Mounier chama de seu universo pessoal. Isso, porque gigantescas estruturas de cunho político, social, econômico, e ideológico tem feito do homem um produto descartável, vendável, impessoal, sem expressão de vida ou crítica.  Dessa forma, quanto mais o indivíduo afasta-se de si, num processo de despersonalização de suas ações, mais vai se constituindo um ambiente social hostil às relações humanas.

Por isso, afirmamos categoricamente que as reflexões deste filósofo sobre o universo da pessoa humana lançam ainda hoje luzes de esperança sobre nossas relações comunitárias. Mounier não pretendeu uma filosofia partindo de um sistema para a pessoa, mas ao contrário, partiu da pessoa para as pessoas, a fim torná-las capazes de transformar as estruturas que as descentralizam e diluem.

Uma vez que a pessoa toma posse de si mesmo, ela é capaz de se expor ao outro, de revelar sua singularidade na liberdade de dar-se ao um TU que o desvela e o complementa. Martin Buber nos ajuda nesta reflexão a respeito do universo dialógico do ser humano, fundamental para o processo de personificação de suas relações tão agredidas pelo individualismo exacerbado.

Quando a decisão vital do homem percebe o sopro do espírito entre ele e o parceiro da relação, acontece a conversão, advém a reposta, surge o Tu. Não existe nenhum meio ou conteúdo, nenhum interesse interposto nesta doação do Tu e na aceitação do Eu. A doação gratuita do Tu, o Eu responde pela aceitação imediata. Então, na presença, na proximidade que une os semelhantes, o Eu, pessoa, encontra o Tu. (BUBER, 2001, p. 54-55)

Salvaguardar a pessoa é soprar sobre essa sociedade capitalista e egocêntrica, um novo mundo das relações interpessoais. A humanidade se personaliza no contato mais íntimo, corporal e espiritual com aqueles que pertencem a sua mesma espécie. Resgatar os valores da pessoa humana é regatar sua relação com o semelhante, uma verdadeira vida em comunidade ou segundo o próprio Mounier, “uma sociedade de pessoas, cujas estruturas, costumes, sentimentos e até instituições estejam marcadas pela sua natureza de pessoas: sociedade de que apenas começamos a entrever e a esboçar os costumes” (1976, p. 65).

6. Considerações finais

Conclui-se que a filosofia mounieriana, mais do que nunca, nesta época do consumismo e tecnicismo, engaja-nos em favor de uma sociedade de pessoas, onde seus valores não tão somente sejam assegurados, como também seja promovida a reconstrução das suas relações interpessoais tão descaracterizadas por um ambiente social que tem quisto a coisificação do ser humano. Urge, levantar-se a em ações de combate a toda estrutura social que despersonifica a pessoa e impede de ela construir relações verdadeiras e não excludentes com o próximo.

7. Referências Bibliográficas

MOUNIER, Emmanuel. O personalismo. Trad. Lisboa: M. Fontes, 1976.

BUBER, Martin. Eu e Tu. Trad. Newton Aquiles Von. São Paulo: Centauro editora, 2001

SEVERINO, Antônio Joaquim. A Antropologia Personalista de Emmanuel Mounier. São Paulo: Saraiva, 1974.

SILVA, Maeldon. O personalismo de Emmanuel Mounier e sua influência para a compreensão do homem integral na contemporaneidade. Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/o-personalismo-de-emmanuel-mounier-e-sua-influencia-para-a-compreensao-do-homem-integral-na-contemporaneidade/28919/

DA SILVA, Gustavo Paulo. A NOÇÃO DE PESSOA NA FILOSOFIA PERSONALISTA DE EMMANUEL MOUNIER. Disponível em: http://gustavo-pauloblog.blogspot.com.br      


Publicado por: Eloi Raimundo Silva Branco Júnior

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