ANÁLISE E CONTROLE DE RISCOS OCUPACIONAIS NO SETOR DE CORTE EM UMA FÁBRICA DE CALÇADOS SINTÉTICOS

índice

Imprimir Texto -A +A
icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

1. RESUMO

A indústria de calçados é responsável por gerar milhares de postos de trabalho no Brasil. A exigência por produtividade, fazer mais e melhor em menos tempo, pode ser perigoso par saúde física e mental de trabalhadores de vários setores da indústria. O presente estudo buscou identificar os riscos ocupacionais aos quais os trabalhadores do setor de corte em uma fábrica de calçados estão expostos, através de análise e de conversas com os colaboradores, tendo como objetivo a elaboração de um mapa de risco do local. A operação é, basicamente, o começo do processo de produção. Com base nas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, também foram verificadas as instalações físicas da fábrica, como instalações sanitárias, refeitório e cozinha. Após análise do posto de trabalho, de suas condições e das máquinas, os riscos foram avaliados para mensurar de que forma estes atingem os trabalhadores. Por fim, foram propostas intervenções para os problemas encontrados.

Palavras-chave: Riscos Ocupacionais, Corte, Saúde e Segurança do Trabalho.           

2. INTRODUÇÃO

A indústria calçadista tem uma participação enorme na economia brasileira. Seus números como produção anual, geração de empregos e vendas para o exterior reforçam a sua importância para o país. Dados do relatório anual da ABICALÇADOS (2021) mostram que haviam 266 mil empregos formais no ano de 2021, e a produção totalizou 806,3 milhões de pares e um investimento de mais de 25 milhões de Reais, o que coloca o Brasil no 5° lugar dos principais produtores no mundo. Tal volume levanta um questionamento acerca dos riscos à saúde que trabalhadores possam estar expostos no ambiente de trabalho.

A busca por vantagem competitiva em novas estratégias de produção, a otimização do uso de recursos e a cobrança por eficiência por parte das empresas podem exigir dos colaboradores um ritmo mais acelerado de trabalho, o que muitas vezes gera um desgaste físico e mental. Kassada, Lopes e Kassada (2011) falam sobre a importância do trabalho na vida do ser humano como uma forma de garantir o seu sustento e elevar sua auto-estima. Entretanto, os autores afirmam que, se este for realizado em condições indevidas e precárias,  o trabalho pode ser prejudicial à saúde e ao bem estar do trabalhador. 

A fabricação de calçados sintéticos varia conforme o modelo, mas em geral engloba os processos de corte, costura, montagem e acabamento. Na etapa de corte são trabalhados o solado e a palmilha do calçado. O corte é feito manualmente por um operador, através de facas e moldes ou por uma prensa hidráulica. Essa operação requer uma atenção constante ao posicionamento do material, de modo a evitar o desperdício de matéria-prima, ao mesmo tempo que é cobrado agilidade para realização do trabalho. Deste modo, o trabalhador envolvido pode estar exposto a variados riscos que possam causar acidentes e agravos para sua saúde e integridade física.

Luz et al. (2013) reafirmam a justificativa de que estudar os  potenciais riscos a quais os trabalhadores estão expostos e informá-los, eles poderão tomar ações preventivas que visem a diminuição de acidentes e perigos à sua saúde, contribuindo para melhoria das condições de trabalho.

Diante do exposto, a presente investigação teve como objetivo analisar os riscos ocupacionais a quais os colaboradores estão submetidos no setor de corte em uma fábrica de calçados, bem como se eles adotam ações preventivas contra esses riscos e quais são elas.

3. REFERENCIAL TEÓRICO

Iida (2005) define a ergonomia como o estudo de adaptar o trabalho (máquinas, equipamentos, atividade, ambiente) ao homem. O autor afirma que, para preservar a saúde do trabalhador, projeta-se o trabalho a partir do estudo das características  do trabalhador, observando  suas capacidades e limitações.

Na década de 1980, a ergonomia passa a se preocupar com o grau de repetitividade, monotonia, desempenho, turnos de trabalho, segurança, higiene, layout e biorritmo. Nesse contexto, o caráter participativo do funcionário/cliente/usuário serve como base para as avaliações ergonômicas. (WACHOWICZ, 2013)

Uma das principais funções do setor de segurança do trabalho das empresas é controlar os riscos a que os trabalhadores estão submetidos. É muito importante controlar as atividades da empresa e seus respectivos riscos, mantendo-os dentro de valores tolerados. (ALBUQUERQUE et al, 2018)

A Norma Regulamentadora 17 do Ministério do Trabalho indica parâmetros e requisitos para a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores. O texto visa melhorias referentes ao transporte de carga, uso de equipamentos, temperatura, máquinas e mobiliário, ruído, iluminação. A norma cita ainda fatores da organização do trabalho, tais como ritmo de trabalho e tempos e natureza das tarefas (repetitiva ou monotonia).

Há também a NR 12 - Segurança no trabalho em máquinas e equipamentos - que estabelece medidas para prevenção de acidentes e doenças do trabalho na utilização de máquinas e equipamentos como medida de proteger a saúde do trabalhador..

Nishide e Bennati (2004) comentam sobre a importância de treinar e informar os trabalhadores acerca dos potenciais riscos de sua atividade, adotando medidas de controle de prevenção de acidentes, afim de evitar problemas de saúde.

Afim de informar e expor os riscos à quais determinados trabalhadores estão expostos, o Ministério do Trabalho obriga a criação e anexação nos locais de trabalho de um Mapa de Riscos. Mattos e Freitas (1994) definem mapa de risco como um desenho gráfico dos fatores presentes que possam resultar em prejuízo a saúde dos trabalhadores, que podem se originar em fontes físicas, como equipamentos, máquinas, instalações) e no modo de trabalho (ritmo, turnos, método, postura).

4. METODOLOGIA

Após consultas em livros, artigos, periódicos e normas, foi feita uma visita à empresa para acompanhar o processo produtivo e levantar dados gerais, como quantidade de funcionários, jornada de trabalho, dimensionamento das instalações, fornecimento de EPI, etc. Os colaboradores foram avisados previamente e se colocaram a disposição para ajuda na pesquisa.

Algumas variáveis foram medidas quantitativamente, como temperatura e ruído. Com as informações obtidas e a análise do setor (maquinário, espaço físico, condições de trabalho) em questão, foi elaborado um Mapa de Risco. Por último, foram feitas sugestões para eliminá-los ou controlá-los.

5. RESULTADOS

A empresa tem sua fábrica em um município da região do Cariri, interior do Estado do Ceará, onde atua no ramo calçadista desde 2012. Seu catálogo conta com produtos masculinos e femininos, e atualmente tem um contingente de 40 funcionários, sendo 23 homens e 17 mulheres. A jornada de trabalho são 44 horas semanais, com duas horas de intervalo para o almoço (a empresa não serve almoço), e sem hora-extra. Os trabalhadores não têm direito a pausa, apenas para beber água ou ir ao banheiro se necessário. Na hora da chegada, os operários registram a entrada através de assinatura. São monitorados através de câmeras instaladas no local.

A matéria-prima e os insumos chegam ao galpão e são levados aos almoxarifados, em dois setores. Após, é levado ao setor de corte, que tem aproximadamente 58m² de área. Lá trabalham 4 operadores. Conta com um balancim e três máquinas para o corte de fitas. As tiras ou fios, a serem unidas e transformadas em fitas, ficam no chão sem qualquer apoio. Após passarem pelo processo de transformação, são colocadas em uma prateleira para depois serem levados ao próximo processo.

Todos os solados são injetados, e, durante o processo, recebem pigmentação desejada. O cabedal passa pelo corte e costura, e em alguns modelos são colocados enfeites. A palmilha é cortada em balancim. Depois, todas as partes são levadas até a esteira, onde são montadas e o produto é finalmente acabado. Para finalizar, são colocadas em caixas e enviadas ao estoque. A figura 1 detalha o processo produtivo.

Figura 1: Fluxo do Processo Produtivo.

Fonte: Os autores

Para o recrutamento de mão de obra da produção, a empresa avalia o currículo, ou pede indicação dos próprios trabalhadores. A primeira etapa é fornecer treinamento e avaliar o operário em um teste que dura em torno de dois dias. Só então é admitido ou não.

Na empresa não há SESMT ou CIPA, embora a quantidade de funcionários (40) seja maior do que a exigida por norma (20 ou mais funcionários para esses órgãos serem criados). Já foi registrado um acidente de trabalho no ano de 2016, quando um funcionário se feriu na máquina de cortar fita (acidente provocado por falta de atenção do funcionário).

A empresa fornece EPI (Equipamento de Proteção Individual) como luvas e protetor auricular, dependendo de cada operação, mas fica a decisão dos próprios operadores seu uso ou não. A empresa não fiscaliza nem exige o uso.

5.1. Identificação e Controle dos Riscos        

De acordo com a NR-24 as instalações sanitárias, são separadas por sexo, e tem aproximadamente 11m², estão dentro da conformidade (1m² para 20 operários em atividade). O local não tem vestiário, pois não há necessidade de troca de uniforme. Também não conta com refeitório ou cozinha, exigido apenas quando há mais de 300 funcionários.

A temperatura registrada foi de 31ºC, maior do que o permitido pela norma. Logo, os funcionários deveriam receber adicional de insalubridade. O ruído no balancim foi medido na escala dB(C) e resposta fast por ser um ruído de impacto, apresentando um valor de 116 dB(C). Nas máquinas de corte o ruído é continuo (portanto sendo medido em dB(A) apresentando um valor de 86.6 dB(A).

Nas máquinas de corte das fitas foi identificado a exigência de um ritmo excessivo de trabalho (sem pausas), onde os operadores são cobrados para serem ágeis. Os mesmos se queixaram de cansaço físico e mental após o trabalho. Ainda há um risco alto de acidentes nas mãos devido ao manuseio próximo às facas das  máquinas. No balancim o operador fica em pé durante todo o expediente. O trabalhador reclamou de freqüentes  dores nas costas.

Há ainda uma desorganização do espaço de trabalho, onde as matérias-primas ficam jogadas pelo chão, cabendo ao auxiliar levá-las até a máquina para uso dos operadores.

Na Figura 2 é apresentado o mapa de risco do setor de corte. O número dentro de cada círculo é a quantidade de operários que estão expostos ao risco.

Figura 2: Mapa de risco do setor de corte.

Fonte: Os autores.

Após análise do local, estrutura e condições de trabalho são apresentadas sugestões de eliminação ou de controle dos riscos identificados.

  • Instalação de um climatizador evaporativo para o resfriamento de todo o ambiente de trabalho;

  • Manutenção preventiva nas máquinas e no balancim de modo a diminuir ruído provocado pelos mesmos; Ou substituição desses equipamentos (não é possível enclausurar);

  • Manutenção preventiva nos ventiladores do ambiente;

  • Revezamento de função para o operador do balancim, visto que o mesmo passa a jornada de trabalho na posição em pé;

  • Diminuição do ritmo dos operários que cortam a fita, ou intervalo a cada hora;

  • Melhorar alocação das tiras que ficam jogadas ao chão, colocando-as em mesas ou carrinhos, aproveitando melhor o espaço físico do local.

6. CONCLUSÃO

A partir do estudo realizado, foram percebidos alguns perigos aos quais os trabalhadores do setor de corte estão expostos. Desde ergonômicos (má postura e ritmo excessivo), até riscos ocasionados por erro no layout. A exigência ergonômica do maquinário se constitui um fator considerável para a má postura dos operadores, exigindo um maior esforço físico que pode resultar em lesões. Para uma análise mais profunda de toda a empresa, é interessante que a análise seja feita também nas tarefas de outros setores. As medidas aqui sugeridas visam organizar o espaço e dar mais conforto à jornada de trabalho, o que pode aumentar a produtividade e diminuir a chance de um eventual afastamento dos trabalhadores por motivos de saúde.

7. REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, D et al. Gerenciamento de riscos físicos em ambiente fabril de calçados. R. Gest. Industr., Ponta Grossa, v. 14, n.1, p. 19-35, jan./mar. 2018.

Associação Brasileira das Indústrias de Calçados, ABICALÇADOS. Relatório setorial: Indústria de calçados do Brasil 2022. Novo Hamburgo, 2022.

BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. NR-12, Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/composicao/orgaos-especificos/secretaria-de-trabalho/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/normas-regulamentadoras/nr-12.pdf. Acesso em 14/03/2022.

BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. NR-17, Ergonomia. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/composicao/orgaos-especificos/secretaria-de-trabalho/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/normas-regulamentadoras/nr-17-atualizada-2021.pdf. Acesso em 10/03/2022.

IIDA. Itiro. Ergonomia: Projeto e Produção. 2 edição rev. e ampl. São Paulo: Edgard Blucher, 2005.

KASSADA, D. S.; LOPES, F. L. P.; KASSADA, D. A. Ergonomia: atividades que comprometem a saúde do trabalhador. VII EPCC – Encontro Internacional de Produção Científica Cesumar. Maringá: Editora CESUMAR, 2011.

LUZ, F. R. et al. Riscos ocupacionais de uma indústria calçadista
sob a ótica dos trabalhadores.
Rev Bras Enferm, jan-fev; 66(1): 67-73. Brasilia, 2013.

MATTOS, U. A O.; FREITAS, N. B. B. Mapa de Risco no Brasil: As Limitações da Aplicabilidade de um modelo Operário. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (2): 251-258, abr/jun, 1994.

NISHIDE, V. M.; BENATTI, M. C. C. Riscos Ocupacionais entre trabalhadores de enfermagem em uma terapia intensiva. Rev. Esc. Enfermagem USP 2004; 38(4): 406-14.

WACHOWICZ, Marta Cristina. Ergonomia. Instituto Federal do Paraná. Curitiba, 2013.


Publicado por: Ruth Esmeraldo Amaro de Morais

icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.