REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA GRAVIDEZ EM MULHERES PRIMIGESTAS ASSISTIDAS NO AMBULATÓRIO PRÉ-NATAL DA MATERNIDADE ESCOLA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

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1. RESUMO

O presente estudo visa compreender as representações sociais de mulheres primigestas assistidas pela Maternidade Escola para realização do pré-natal. Segundo a literatura que aborda o fenômeno gravidez, o mesmo é descrito como um evento biopsicossocial, que está atravessado por valores culturais, sociais, econômicos e emocionais, trazendo diversas modificações, no caso, no organismo e na vida social da mulher. Desta forma, a mulher pode experienciar situações, das mais simplórias às mais complexas, que interferem tanto no seu bem-estar como no de seu bebê, podendo gerar medos e/ou ansiedades, até o desencadeamento de risco gestacional. É necessário que esta mulher/gestante receba apoio e suporte das pessoas para ela significativas, bem como a atenção e correta atuação da equipe de saúde que participará de todo o percurso do ciclo gravídico-puerperal. Esta é uma pesquisa de campo de cunho qualitativa compreensiva, realizada em duas etapas: A primeira etapa da pesquisa foi à realização de observação das atividades de acolhimento coletivo das gestantes atendidas na Maternidade Escola com o objetivo de melhor conhecer o campo em causa. A segunda etapa da pesquisa consistiu em aplicação de uma entrevista aberta, contendo uma questão disparadora com finalidade de captar as explicações e interpretações trazidas pelas gestantes acerca do fenômeno gravidez. Participaram dessa pesquisa 19 (dezenove) primigestas. Esclarecemos que a entrevista buscou cartografar categorias, tais como valores culturais, religiosos, psicossociais, econômicos. Assim, o tema proposto de compreender as representações sociais dessas gestantes, em suas singularidades, é relevante e traz em seu cerne a possibilidade e a probabilidade desta gravidez transcorrer da melhor forma possível.

Palavras-chave: Representação Social; Gravidez; Primigesta.

ABSTRACT

The present study aims to understand the social representations of First pregnancy women assisted by Maternity School to perform prenatal care. According to the literature that addresses the pregnancy phenomenon, it is described as a biopsychosocial event, which is crossed by cultural, social, economic and emotional values, bringing various modifications, in this case, in the body and in the social life of the woman. In this way, the woman can experience situations from the simplest to the most complex, which interfere both in her well-being and that of her baby, which can generate fears and / or anxieties, until the onset of gestational risk. It is necessary for this woman / pregnant woman to receive significant support and support from the people for her, as well as the attention and correct performance of the health team that will participate throughout the pregnancy-puerperal cycle. This is a comprehensive qualitative field research, carried out in two stages: The first stage of the research was the realization of a participative observation of the activities of collective reception of the pregnant women attended at the Maternity School with the objective of better knowing the field in question. The second stage of the research consisted in the application of an open interview, containing a triggering question with the purpose of capturing the explanations and interpretations brought by pregnant women about the pregnancy phenomenon. Participated in this research 19 (nineteen) First pregnancy. We clarify that the interview sought to map categories, such as cultural, religious, psychosocial, economic values. Thus, the proposed theme of understanding the social representations of these pregnant women, in order to better accommodate them and to attend to them in their singularities, is relevant and brings in its core the possibility and probability of this pregnancy to run in the best possible way.

Keywords: Social Representation. Pregnancy. First pregnancy

2. INTRODUÇÃO

Segundo a literatura acerca da gravidez, a mesma é um fenômeno diferenciado no qual a mulher passa por adaptações tanto físicas quanto emocionais, pois tem seu corpo modificado pelos efeitos hormonais. Nela ocorrem mudanças fisiológicas e emocionais que podem gerar angústias, medo e inseguranças sobre o processo gestacional e o parto. Entretanto, esses fatores podem ser minimizados pela atenção acolhedora e esclarecedora dos profissionais que acompanham essa paciente durante o pré-natal.

Desta forma, este estudo tem como objetivo geral conhecer as representações sociais da gravidez em mulheres primigestas assistidas no ambulatório de pré-natal da Maternidade Escola da UFRJ, e assim, através dos objetivos específicos cartografar as categorias psicossociais, econômicas, culturais e religiosas, destas mulheres primigestas e consequentemente traçar estratégias e criar dispositivos em Educação em Saúde e de educação permanente para melhor acolher e atender a demanda atendida no ambulatório de pré-natal da Maternidade Escola.

A metodologia adotada para esse estudo foi a de uma pesquisa de campo de abordagem qualitativa compreensiva com o objetivo de observar e compreender as transformações ocorridas, na mulher, durante o período gestacional e entender quais são as representações sociais trazidas por elas.

Cabe esclarecer, ao leitor, que as palavras negritadas que aparecem no corpo do texto são recursos estilísticos, cuja finalidade é chamar a atenção para sua relevância no contexto da pesquisa realizada.

Este estudo recorre à Teoria da Representação Social (TRS), como referencial teórico para sustentação da pesquisa. A opção para a escolha deste embasamento teórico foi a de que, em nosso entender, a TRS é a teoria que melhor responde as questões emergentes da pesquisa.

Com finalidade de compreender as representações sociais das primigestas, o estudo utiliza o método da análise do conteúdo da Bardin (2000) sugeridos por (MINAYO et al; GOMES, 1994), para a interpretação dos dados qualitativos retirados do instrumento de coletada de dados, utilizado na pesquisa (entrevista aberta).

A justificativa para realização desta pesquisa foi inspirada em Barros e Lehfeld (2000). Estes autores afirmam que a escolha ou justificativa de um tema para investigação nunca se dá aleatoriamente, ele é sempre influenciado por fatores internos correspondentes ao próprio investigador (curiosidade, imaginação, experiência, filosofia) e por fatores externos, a realidade circundante ou a instituição a que o pesquisador se filia. Aproprio-me desta citação e acrescento que o meu interesse em escrever sobre o tema gravidez é devido estar inserida neste universo há mais de dez anos e buscando sempre pesquisar acerca deste período (gestação) que é sempre desafiador e transformador para as mulheres. Acrescento, ainda, a minha necessidade de aprofundar o conhecimento do perfil da clientela atendida nesta instituição (Maternidade Escola/UFRJ) para melhor acolher e criar dispositivos de cuidado.

O conceito de Representação Social aparece, pela primeira vez, na obra do Sociólogo da Educação Émille Durkheim, com o conceito da teoria da Representação Coletiva, no qual procurava dar conta de fenômenos como religião, mitos, ciência, categorias de tempo e espaço em termos de conhecimento inerente à sociedade.

Moscovici (1978), por sua vez, afasta-se da perspectiva sociológica de Durkheim quando considera as representações como algo compartilhado de modo heterogêneo pelos diferentes grupos sociais, assim retoma o conceito de Representação Social para a Psicologia Social.

Em 1961, Moscovici menciona, através de sua obra, La Psychanalyse, son image et son public, o conceito de Representação Social, desenvolvendo a partir dele uma psicossociologia do conhecimento. Para Moscovici (1978), as Representações Sociais circulam, cruzam-se e cristaliza-se incessantemente, por intermédio de uma fala, um gesto, um encontro em nosso universo cotidiano, constituindo, assim, uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos.

Desta forma, o conhecimento é assimilado por meio da compreensão alcançada por indivíduos que pensam, porém, não sozinhos, pois a semelhança dos pronunciamentos feitos pelos indivíduos de um grupo demonstra que pensaram juntos sobre os mesmo assuntos. Portanto a Teoria das Representações Sociais visa entender as lutas, batalhas, espaços, formas de comunicação desses indivíduos e o que eles produzem de saberes no e pelo cotidiano, é algo que vai muito além de formulações de conceitos acerca de determinado fenômeno. Segundo, ainda, Moscovici (1978) estas proposições, reações e avaliações estão organizadas de acordo com a cultura e a formação social de cada.

Com a finalidade sustentar e legitimar o discurso e a produção de saberes destas mulheres primigestas acerca da gravidez, a partir de seu ponto de vista cultural, será utilizada a teoria da análise do conteúdo da psicóloga francesa, professora da Universidade de Paris, Laurence Bardin, na qual a voz (discurso) das participantes da pesquisa será o grande norteador para atingir o objetivo da pesquisa, que é perceber, compreender e a partir desta compreensão traçar o perfil desta demanda e criar dispositivos de ações educativas em saúde para atender com qualidade, eficiência e eficácia essa população.

O presente trabalho foi elaborado em duas etapas, sendo a primeira, uma revisão da literatura na qual se pretendeu traçar um mapeamento de quem já escreveu e o que já foi escrito sobre o tema e/ou problema da pesquisa. Foram utilizadas duas bases de dados científicos (CAPES e BIREME) na qual se lançou três descritores: Representação Social; Gravidez; Primigestas. Para seleção dos artigos, publicados nos últimos cinco anos, a serem consultados, cabe esclarecer que os artigos selecionados foram oriundos de pesquisas de campo. Quanto ao instrumento utilizado para a entrevista aberta, o mesmo foi construído a partir de uma questão disparadora1, na qual a participante da pesquisa teve a oportunidade de expressar, livremente, suas impressões e expectativas acerca da gravidez.

Finalizando a introdução, ressalta-se a importância e a relevância da presente pesquisa para a instituição a qual a mesma foi desenvolvida. A Maternidade Escola é um hospital de Ensino, Pesquisa e Extensão, portanto gerador de conhecimento científico, com a missão de desenvolver atividades de assistência especializada à saúde, formação de recursos humanos nas diversas áreas de saúde, atividades de pesquisa e inovação tecnológica em perinatologia.

Assim, acredita-se que a presente pesquisa esteja de acordo com as premissas estabelecidas na missão desta Instituição.

3. OBJETIVOS

3.1. Objetivo Geral

Conhecer as representações sociais no período gestacional, sob o ponto de vista das mulheres primigestas, assistidas no ambulatório de pré-natal da Maternidade Escola da UFRJ, tendo em vista ser a gravidez um evento biopsicossocial, que está atravessada por valores culturais, sociais, econômicos e emocionais.

3.2. Objetivos Específicos

  • Cartografar as categorias psicossociais, econômicas, culturais e religiosas, das primigestas assistidas no ambulatório de pré-natal da Maternidade Escola;

  • Criar dispositivos em Educação em Saúde para melhor acolher e atender a demanda atendida no ambulatório de pré-natal da Maternidade Escola.

4. JUSTIFICATIVA

Segundo Barros e Lehfeld (2000), a escolha ou justificativa do problema de pesquisa nunca se dá aleatoriamente, ela é sempre influenciada por fatores internos correspondentes ao próprio investigador (curiosidade, imaginação, experiência, filosofia) e por fatores externos, a realidade circundante ou a instituição a que o pesquisador se filia. Aproprio-me desta citação e acrescento que o meu interesse em escrever sobre o tema gravidez é devido estar inserida neste universo há mais de dez anos e buscando sempre pesquisar acerca deste período (gestação) que é sempre desafiador e transformador para as mulheres. Acrescento, ainda, a minha necessidade de aprofundar o conhecimento do perfil da clientela atendida nesta instituição (Maternidade Escola/UFRJ) para melhor acolher e criar dispositivos de cuidado.

A gravidez é um fenômeno diferenciado no qual a mulher passa por adaptações tanto físicas quanto emocionais, pois tem seu corpo modificado pelos efeitos hormonais. Nela ocorrem mudanças fisiológicas e emocionais que podem gerar angústias, medo e inseguranças sobre o processo gestacional e o parto. Entretanto, esses fatores podem ser minimizados pela atenção acolhedora e esclarecedora dos profissionais que acompanham essa paciente durante o pré-natal.

A abertura de espaços para encontros voltados para as gestantes e seus familiares com a participação de profissionais das várias áreas do conhecimento favorece os esclarecimentos das dúvidas, assim como a troca e identificação entre os participantes refletindo diretamente no emocional e facilitando o resgate da autoconfiança, da autonomia e da autoestima

A gravidez como qualquer fenômeno traz diversas modificações, neste caso, no organismo e na vida social da mulher. Assim, a mulher, pode experienciar situações das mais simplórias às mais complexas, que interferem tanto no seu bem-estar como no de seu bebê, podendo gerar medos e/ou ansiedades, até o desencadeamento de risco gestacional. Levando-se em conta tal fato, o contexto social de cada gestação é fundamental para o desenvolvimento da criança que vai nascer, e para a relação que a gestante e a família desenvolverão com ela.

O fenômeno da gestação é um processo transitório biologicamente, psicologicamente e sociologicamente sendo vários os fatores que interferem no desenrolar e no acontecimento da gravidez, que por si só ocasiona modificações na vida da mulher – em seu corpo, em sua psique, relacionamentos e dinâmica de vida. Sua reação inicial dependerá do momento de vida pelo qual esteja passando: o desejo ou não de engravidar, se a gravidez foi ou não planejada. Em qualquer destas situações, ela (mulher/gestante) dependerá do apoio e suporte das pessoas para ela significativas, bem como da atenção e correta atuação da equipe de saúde que participará de todo o percurso do ciclo gravídico-puerperal.

Para que a gravidez transcorra com segurança, os cuidados necessários devem ser realizados, o mais precocemente possível, pela própria gestante, parceiro e família, com a participação dos profissionais de saúde.

Foi a partir destas premissas e acreditando nas mesmas que surgiu meu interesse no investimento de desenvolver uma pesquisa na qual fosse possível cartografar as categorias tais como valores culturais, religiosos sociais, econômicos, trazidas pelas primigestas dentro de uma unidade hospitalar especializada no atendimento exclusivo desta demanda com enfoque multidisciplinar no qual não se desvincula as condições sociais, psíquicas, biológicas e políticas das quais estão imersos esses sujeitos.

Assim sendo, considero o tema relevante, bem como a contribuição dessa pesquisa para aqueles profissionais que lidam com esse fenômeno. Esclareço, ainda, que o enfoque desta pesquisa estará pautado à luz da teoria das representações sociais de Moscovici (1978), a qual tem se mostrado cada vez mais importante, adequando-se à complexidade dos fenômenos sociais.

5. Conceituando a Teoria da Representação Social: Marco Teórico De Emilie Durkheim a Serge Moscovici: da Sociologia à Psicologia

Este capítulo destina-se à apresentação da teoria da representação social. Para entendermos a Teoria da Representação Social faz-se necessário resgatar o conceito de “Representação Coletiva” cunhado pela primeira vez pelo Sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917).

O conceito de “representação coletiva” surge na sociologia, nos estudos de Durkheim, sendo empregado na elaboração de uma teoria da religião, da magia e do pensamento mítico. Durkheim argumentou que esses fenômenos coletivos não podem ser explicados em termos individuais, pois o indivíduo não pode inventar sozinho uma língua ou uma religião. Esses fenômenos são produto de uma comunidade, ou de um povo (ALEXANDRE, 2004, p.123).

Para entender melhor as ideias de um determinado autor, se faz necessário conhecer a sua época, seu contexto histórico social, político econômico, pois o mesmo sempre influenciará a sua produção literária. Desta forma traçaremos um breve histórico de Emile Durkheim.

O sociólogo francês Emile Durkheim é considerado como o grande fundador das ciências sociais, nasceu na França em 1858 e lá viveu até sua morte, em 1917. Diretamente influenciado pelo positivismo de Auguste Comte, dedicou sua trajetória intelectual a elaborar uma ciência que possibilitasse o entendimento dos comportamentos coletivos. Sua grande preocupação era explicar os elementos capazes de manter coesa a nova sociedade que ia se configurando após a Revolução Industrial e a Revolução Francesa.

Durkheim designa o fato social como alvo principal primordial de investigação deste novo campo científico. Entende-se o fato social como uma coisa que exerce força de coerção sobre os sujeitos, independente de sua vontade ou ação individual. O fato social se impõe na direção da sociedade para o indivíduo e se estabelece de forma a homogeneizar e padronizar os comportamentos particulares, garantindo que sejam coletivos. Propositalmente, Durkheim chama o fato social de coisa para ressaltar que ele é um objeto no sentido científico, isso é algo que pode ser observado, definido e explicado pelo cientista social.

Quando se fala em Durkheim não se pode deixar de falar em Fato Social, termo criado pelo mesmo cuja definição é:

É um fato social toda a maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das suas manifestações individuais que possa ter (DURKHEIM, 1974, p. 11).

O fato social se constitui a partir de três características singulares, a primeira delas é a coerção social, ou seja, coercitividade, que é força ou pressão que os fatos exercem sobre os indivíduos, fazendo-os a se conformarem ou aceitarem as regras da sociedade em que vivem independentemente de suas vontades e escolhas. A segunda característica do fato social é que ele existe e atua sobre os sujeitos independentemente de sua vontade ou de sua adesão consciente, ou seja, ele é exterior aos indivíduos, esta característica é nomeada de exterioridade. As normas, regras sociais, os costumes, as leis preexistem ao nascimento dos indivíduos; são impostos por mecanismos de coerção social, a educação é um desses mecanismos. Portanto, os fatos sociais são ao mesmo tempo coercitivos e dotados de existência exterior aos indivíduos. A terceira característica apontada por Durkheim é a generalidade. É considerado social todo fato que é geral, que se reproduz em todos os indivíduos ou, pelo menos, na maioria deles. Desse modo, os fatos sociais manifestam sua natureza coletiva.

A definição de consciência coletiva tem suas raízes no fato social e aparece pela primeira vez na obra de Durkheim “Da divisão do trabalho social” publicada em 1893: trata-se do “conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade [que] forma um sistema determinado com vida própria” (DURKHEIM, 1973, p. 342). A consciência coletiva não se fundamenta na consciência dos indivíduos singulares ou de grupos específicos, porém está disseminada por toda a sociedade.

O conceito de representação coletiva foi trazido à academia pelo romeno, naturalizado francês, Serge Moscovici que o renomeou de Representação Social transformando-o em uma teoria, a qual denominou de “Teoria das Representações Sociais” tirando-a do campo da sociologia e alocando-a no campo da Psicologia Social, em 1961.

Vasconcelos (2009), nos apresenta alguns autores e seus respectivos conceitos sobre a teoria da representação social.

De acordo com Vilas Bôas (2004), há uma gama grande de autores que conceituam a representação social, dentre eles estão:

as representações sociais constituem uma forma de conhecimentos socialmente elaborados que são produzidos pelos grupos de indivíduos para poder comunicar-se e entender tudo aquilo que lhe é estranho e não familiar. Surgem a partir das relações entre grupos sociais por meio da comunicação entre si, evidenciando as características dos indivíduos através dos assuntos que são objeto do seu dia a dia (COUTINHO, apud VASCONCELOS 2009, p. 23).

Enfocando uma visão mais sociológica sobre as representações sociais e partindo da visão de vários autores nesta linha de pensamento, relata que:

as RS devem ser analisadas com base na compreensão das estruturas e comportamentos sociais de forma crítica. Pelo fato de corresponderem às situações reais da vida, manifestam-se por palavras, sentimentos e condutas e usam a linguagem como forma de conhecimento e interação social (MINAYO, apud VASCONCELOS, 2009, p. 24).

Campos e Rouquette (2003), “as representações sociais constituem um conhecimento estruturado com papel determinante no modo como os indivíduos veem e reagem em face da realidade” (CAMPOS; ROQUETE apud VASCONCELOS, 2009, p.24).

Lemos (1994) “nas representações, a pessoa apropria-se da realidade que a cerca e, a partir daí, maneja seu comportamento e ações de forma a adaptar-se, ajustar-se e sobreviver na realidade” (Lemos, apud Vasconcelos, 2009).

Rodrigues (1999)

as representações sociais surgem da reconstrução mental elaborada com suporte na consciência, expressadas pelas figuras, atos ou de experiências, aos quais os indivíduos atribuem um significado, de acordo com sua percepção sobre eles, podendo originar comportamentos e atitudes (RODRIGUES, apud VASCONCELOS 2009, p.23).

Jodelet: “é uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, tendo um objetivo prático e concorrendo à construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, apud Villas Bôas 1994, p. 36). As Representações Sociais surgem por uma necessidade de conhecer o mundo, está em interação com ele e com os outros, elas permeiam os discursos, emergem através das palavras e são veiculadas através de mensagens e imagens da mídia, cristalizadas em condutas e organizações materiais e espaciais (Jodelet, apud Vasconcelos 2009, p.23).

Wagner “é um conteúdo mental estruturado – isto é, cognitivo, avaliativo, afetivo e simbólico – sobre um fenômeno social relevante, que toma a forma de imagens ou metáforas, e que é conscientemente compartilhado com outros membros do grupo social” (WAGNER, 2000, p. 3).

Abric “é produto e processo de uma atividade mental pela qual um indivíduo ou um grupo reconstitui o real ao qual ele é confrontado e lhe atribui uma significação específica” (ABRIC, 1994, p. 188).

Em virtude desse vasto leque de conceituações sobre o fenômeno das representações sociais, ora similares ora divergentes, decidiu-se priorizar o entendimento de representação social cunhado por Moscovici. Mesmo assim, Villas Bôas afirma que na própria proposta teórica de Moscovici, percebe-se a dificuldade em conceituar as representações sociais ao,

admitir que, se, por um lado, o fenômeno é passível de observação e de identificação, por outro, o conceito, dada a sua complexidade, demanda uma maior “maturidade” e desenvolvimento do próprio postulado teórico das representações sociais para que haja uma definição do mesmo (MOSCOVICI, 1978).

Uma das dificuldades apontadas por Vilas Bôas para se definir ou conceituar representação social, reside no fato do termo conter características híbridas, ou seja, não pertencendo a uma única área de conhecimento, uma vez que sua origem vincula-se tanto à sociologia quanto à psicologia. Em decorrência deste fato, “esse fenômeno acaba articulando conceitos dessas duas áreas (tais como ideologia/cultura e imagem/pensamento), o que faz com que o Moscovici conclua que a representação social é um conceito psicossocial” (VILLAS BÔAS, 2004).

Desta forma, Moscovici resgata desta confusão de conceitos sociológicos e psicológicos a definição de representação social: “uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos” (Moscovici, 1961, p.26).

Segundo Moraes et al. (2015), O pensamento de Moscovici difere do entendimento de Durkheim no sentido de que acredita que as relações entre sociedade e cultura são interdependentes e contraditórias e não estáticas, como defendia Durkheim. Corroborando esse entendimento, (MORAES et al. 2015 apud Duran 2006, p. 41), menciona que:

[...] enquanto Durkheim vê as Representações Sociais como formas estáveis de compreensão coletiva, Moscovici esteve mais interessado em explorar a variação e a diversidade das ideias coletivas nas sociedades modernas.

Desta forma, qualquer conhecimento presume uma prática e um contexto que lhe são peculiares, ou seja, cada indivíduo é um sábio amador, um conhecedor, e parte de observações e testemunhos que se condensam para expor o seu pensamento, tem-se a liberdade da imaginação e o desejo de dar sentido aos fatos e às coisas. De acordo, ainda, com Moraes, (2015) “existem conceitos sem percepções, percepções sem conceitos, palavras sem conteúdo e conteúdos sem palavra”. Nesse sentido, essas figuras buscam-se, deslocam-se e permutam-se na sociedade de forma dinâmica (MOSCOVICI, 1978, p.60). É daí que resultam as representações sociais.

Quando, ao iniciarmos este estudo, sinalizamos que a base teórica do mesmo teria seu alicerce fincado no conceito de representação social de Moscovici é porque já imaginávamos ser este um conceito muito permeável, ou seja, não é um conceito fechado, rígido, pertencente apenas a uma área específica de conhecimento, devido a sua complexidade, abrangência e total ausência de consenso entre os autores que escrevem sobre o mesmo.

Para Moscovici, as representações são sociais, por possuir um aspecto impessoal, em razão de pertencer a todos, são representações de outrem pertinentes às pessoas e a outros grupos e são uma representação pessoal, entendida afetivamente como pertencente ao ego (MOSCOVICI, 2003, p. 221). Em suma, as representações sociais explicitadas por Moscovici (2003) “são consideradas maneiras específicas de compreender e comunicar o que sabemos com o objetivo de abstrair sentidos do mundo e introduzir nele ordens e percepções que reproduzam o mundo de forma significativa” e são assim elaboradas por meio da mídia, em lugares públicos em processos de comunicação, tendo o senso comum e conhecimento popular a base para seu acesso (VASCONCELOS, 2009, p.23).

O arcabouço das representações sociais é constituído por duas faces, comparando-se à frente e o verso de uma folha de papel, que são interdependentes, uma face icônica e a face simbólica sendo representada da seguinte forma: representação = imagem/significação, em outras palavras, a representação nada mais é do que aproximação de toda imagem a uma ideia e vice versa (MOSCOVICI, 2003). As representações sociais ocorrem por via das relações do sujeito com o objeto representado para dar um sentido àquilo que é estranho e novo, tornar o não familiar em familiar, como também por meio do discurso público nos grupos, onde as pessoas expressam os conhecimentos que tem acerca do universo, resultando em um processo discursivo e, portanto socialmente construído (NOBREGA, 2003; MOSCOVICI, 2003; CARDOSO; ARRUDA; 2004; WAGNER, 2000). Moscovici se interessou não apenas em compreender como o conhecimento é produzido, mas principalmente em analisar seu impacto nas práticas sociais e vice-versa. Em suas próprias palavras, interessou-se no "poder das ideias" de senso comum, isto é, no "estudo de como, e por que as pessoas partilham o conhecimento e desse modo constituem sua realidade comum, de como eles transformam ideias em práticas” (Moscovici, 2003, p. 8). Em suma, preocupou-se em compreender como o tripé grupos/atos/ideias constitui e transforma a sociedade (OLIVEIRA 2004, p.1).

Este estudo utilizou a Teoria das Representações Sociais (TRS) com a finalidade de compreender onde se ancoram as concepções que as mulheres primigestas assistidas no ambulatório de pré-natal da Maternidade Escola têm acerca do fenômeno gravidez.

A representação social é uma forma de conhecimento compartilhado e articulado e que se transforma em uma teoria leiga a respeito de determinados objetos sociais. Estamos, neste estudo, nos referindo às representações sociais das mulheres primigestas assistidas no ambulatório de pré-natal da Maternidade Escola e vamos nos debruçar sobre o conhecimento leigo compartilhado entre esse grupo (mulheres primigestas) e sobre um objeto social específico que faz parte do cotidiano deste grupo que é gravidez, fazendo um recorte ainda menor, a primeira gravidez.

Vale ressaltar que não é todo e qualquer conhecimento do senso comum que é representação social, pois para ser representação social, o objeto (o que se investiga) tem que ser polimorfo, ou seja, passível de assumir formas diferentes para cada contexto social (SANTOS; ALMEIDA, 2005).

Assim o fenômeno gravidez, embora se apresente exatamente igual fisiologicamente entre as mulheres, o mesmo é vivido e concebido de formas diversas dependendo dos valores psíquicos, culturais, sociais, econômicos, religiosos de cada sociedade. Exemplificando, a representação social da gravidez em mulheres indígenas de uma determinada aldeia ou tribo provavelmente não será igual à representação social em mulheres quilombolas ou de mulheres inseridas numa sociedade urbana. Vale, ainda, ressaltar que mesmo dentro de uma mesma comunidade também há variações das representações sociais em relação a um determinado objeto.

5.1. Teoria da Representação Social e o fenômeno da gravidez

Como forma de enriquecer o presente estudo procurou-se apresentar alguns trabalhos científicos acadêmicos sobre a representação social do fenômeno gravidez, com o objetivo de trazer as suas respectivas discussões e resultados para dialogar com os resultados e as discussões encontradas ao final da realização desta pesquisa. Cabe esclarecer que a proposta do diálogo tem finalidade de ressaltar que embora os sujeitos envolvidos nas pesquisas sofram variações em seus perfis, o diálogo nos mostra que a percepção frente ao fenômeno da gravidez, é bem similar no que diz respeito aos sentimentos, principalmente a ambivalência dos mesmos.

O material consultado foi constituído a partir de artigos oriundos de pesquisas de campo nas quais foi utilizada a teoria das representações sociais como referencial teórico para o seu desenvolvimento. Vale ressaltar que a literatura acerca deste tema é muito vasta e rica. Selecionaram-se quatro artigos, onde resumidamente destacaram-se os dados principais dos mesmos com finalidade de promover um diálogo entre eles e o presente estudo.

O diálogo ocorreu principalmente nos trabalhos desenvolvidos em Souza et al (2012) que trata da TRS. Neste estudo buscou analisar as representações de adolescentes grávidas sobre a gravidez na adolescência, com base na Teoria das Representações Sociais. A amostra da pesquisa foi constituída por 223 adolescentes grávidas do primeiro filho, (primigesta) com faixa etária de 15 a 20 anos. Como instrumentos para operacionalização da pesquisa, foram utilizados o Teste de Associação Livre de Palavras processados pelo software Tri-Deux-Mots para análise fatorial de correspondência e entrevista aberta que foram submetidas à análise de conteúdo temática.

Os resultados da Análise Fatorial de Correspondência evidenciaram oposições representacionais relativas à gravidez na adolescência, conforme a idade e o estado civil. O estudo obteve como resultado a conclusão de que as representações sociais das adolescentes grávidas encontram-se edificadas sobre elementos ambivalentes, incluindo, por um lado, o desejo que as impulsiona à prática sexual e à gravidez e, por outro lado, a angústia decorrente do medo das perdas afetivas e psicossociais ocasionadas pela gravidez. As palavras chaves utilizadas neste estudo foram: gravidez na adolescência; adolescente; representação social.

O estudo elaborado por Amorim (2015) selecionado para compor o corpus deste capítulo é intitulado de Representações sociais da gravidez na adolescência para mães adolescentes, este artigo é uma produção da Universidade Federal de Pernambuco e é fruto de um projeto maior intitulado “Gravidez na Adolescência: Percepções de diferentes atores sociais” financiada por: FACEPE (em conjunto com a Secretaria da Mulher) e CNPq.

A gravidez na adolescência tornou-se foco de interesse de áreas como a política, saúde, e educação, sendo atualmente considerada como um problema social e de saúde pública. No entanto, há controvérsias no que se refere a essa atribuição negativa dada à gravidez nesse período da vida, visto que os significados e expectativas referentes à gravidez diferem em função de variáveis sociais, culturais e subjetivas.

O estudo apresentado, por Amorim (2015), teve como objetivo investigar as representações sociais sobre a gravidez na adolescência para mães adolescentes. A amostra foi constituída por adolescentes do sexo feminino da região metropolitana do Recife e cidades da Zona da Mata Pernambucana, na faixa etária de 14 a 19 anos, que estavam passando ou já tivessem passado pela experiência de gravidez.

Para a obtenção dos dados foi utilizados um questionário sócio demográfico, um questionário de vivência da sexualidade, práticas preventivas e de características da gravidez, e entrevista aberta. Os dados quantitativos foram analisados através de estatística descritiva (frequência, média, desvio padrão). As entrevistas foram analisadas com base em categorias determinadas a partir dos temas suscitados e processado em uma série de etapas, de acordo com a proposta de Bardin (2002). A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Pernambuco.

Como resultado, observou-se que a vivência da gravidez para este grupo, ocorreu em sua maioria dentro de uma relação com parceiro fixo, em uma realidade financeiramente desfavorecida, e com grande taxa de evasão escolar. De acordo com os dados qualitativos, observaram-se representações sociais ancoradas em dimensões atitudinais positivas ou negativas, através das diversas subcategorias que emergiram.

A gravidez na adolescência foi representada enquanto um fenômeno que pode trazer diversas consequências psicossociais, profissionais, familiares e orgânicas. De uma maneira geral, a maternidade foi ancorada no ideal de natureza feminina, na qual a mulher é colocada no lugar de responsável pelo cuidado e desenvolvimento das crianças. Constatou-se que mesmo sendo compreendida como um período de crises e constantes conflitos, a gravidez na adolescência não é necessariamente percebida como acidental, pois algumas adolescentes afirmaram desejar a gravidez atual.

Segundo as autoras desta pesquisa,

ainda que o objetivo desse estudo não seja o de generalizar os resultados para toda a população adolescente, a partir de semelhanças e contradições identificadas, é possível verificar indícios que podem facilitar a elaboração de estratégias voltadas para esse público. É importante que estejam disponíveis intervenções em nível individual, coletivo e de políticas públicas, visando uma maior difusão de conhecimento sobre reprodução sexual, garantindo que os adolescentes tenham condições de escolher se devem ou não experienciar uma gravidez. (AMORIM, 2015 p.03).

As palavras chaves utilizadas foram: representações sociais; gravidez na adolescência; profissionais de Saúde; unidades de saúde da Família.

O artigo, Representação social de adolescentes frente à gravidez de Castro; Pereira, (2016) é, também, objeto de análise deste estudo uma vez que sua pesquisa objetivou conhecer as representações sociais das adolescentes em relação à gestação. A metodologia aplicada, segundo as autoras, enquadrou-se em um modelo exploratório/descritivo, compreendendo descrição, registro, análise e interpretação do problema numa abordagem qualitativa, o que possibilitou conhecer significados, aspirações, valores e atitudes relacionados à gestação das mães adolescentes.

Os instrumentos utilizados foram imagens e entrevista aberta aplicada em 10 adolescentes participantes do Serviço de Atendimento à Saúde do Adolescente da Secretaria de Saúde da Prefeitura de Juiz de Fora. Verificou-se que a representação social das mães adolescentes em relação à gestação, na maior parte das vezes, se dá por uma idealização da maternidade e do amadurecimento como mulher, do qual acarretam sentimentos ambivalentes, pois a saída do plano imaginário para o real confronta os desejos de ser mãe, socialmente reconhecida, com as reais necessidades do bebê e as dificuldades da maternidade. Os descritores foram: Maternidade. Adolescência. Gestação.

O artigo Representação Social da Gravidez na Adolescência para Adolescentes Grávidas, escrito por Barreto et al. (2011), traz em seu bojo a questão da gravidez na adolescência e postula que adolescência associada a uma gestação não planejada traz profundas consequências para o indivíduo.

Os objetivos da pesquisa foram os seguintes: identificar as representações de gestantes adolescentes sobre o engravidar; descrever os fatores que motivaram a gravidez; analisar as representações objetivando o desenvolvimento de subsídios para a atuação da enfermagem.

Tratou-se de uma pesquisa qualitativa fundamentada na Teoria das representações sociais. Realizou-se 15 entrevistas, submetidas à análise de conteúdo com adolescentes grávidas atendidas em um ambulatório no Rio de Janeiro, de maio a julho de 2008. Observou-se polaridade nos conteúdos representacionais, englobando tanto aspectos positivos quanto negativos. O principal fator destacado para a motivação da gravidez foi o próprio desejo de engravidar.

A representação da gravidez está associada a fatores socioculturais, que determinarão o modo que será vivenciado a gestação. Esses conteúdos representacionais da gravidez na adolescência poderão servir para futuras intervenções. Esta pesquisa também detectou fatores positivos e negativos na gravidez, porém houve uma maior prevalência dos fatores negativos e entre eles o medo foi o fator que predominou entre as adolescentes grávidas.

6. ENQUADRE METODOLÓGICO

6.1. Procedimentos Metodológicos

Segundo Minayo (1994), entende-se por metodologia o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade. Incluem-se, ainda, segundo a autora, as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do investigador.

A metodologia adotada neste estudo foi a de uma pesquisa de campo de abordagem qualitativa compreensiva com o objetivo de observar e compreender as transformações ocorridas, na mulher, no período gestacional e entender quais são as representações sociais trazidas por elas.

Neste estudo, optou-se pela pesquisa qualitativa, tendo em vista que a mesma, segundo Minayo (1994), responde a questões muito particulares com um nível de realidade que não pode ser quantificado.

Após a definição do nosso objeto de estudo surge à necessidade de apresentarmos as técnicas para investigar esse objeto, nesta pesquisa, optou-se por adotar como instrumento de investigação a entrevista aberta com uma questão disparadora que possibilitasse a compreensão desse objeto de estudo. Cabe ressaltar, que segundo Victoria, Kauth e Hassen (2000), As entrevistas na pesquisa qualitativa podem ser de vários tipos, constituindo um espectro que vai desde uma conversa informal até um questionário padronizado.

A análise dos dados, segundo Gomes (1994), quando tratamos de análise em pesquisa qualitativa, não se deve esquecer de que, apesar de ser mencionada como uma fase distinta, com denominação de “análise” a mesma poderá ocorrer durante a coleta de dados.

Gomes (1994) com base em Minayo (1992) aponta três finalidades para essa etapa (análise), que são elas: estabelecer uma compreensão dos dados coletados, confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e/ou responder às questões formuladas, e ampliar o conhecimento sobre o assunto pesquisado articulando-o ao contexto cultural da qual faz parte. Cabe esclarecer que é justamente o que esta pesquisa busca ao optar em realizar a análise do conteúdo como técnica/método com finalidade de criar dispositivos de educação em saúde, e cuidado e acolhimento às primigestas que realizam o pré-natal no ambulatório da Maternidade Escola.

6.1.1. Local da Pesquisa: Breve Histórico

Figura 1 - Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio De Janeiro


Fonte: Maternidade Escola (2015)

A Maternidade de Laranjeiras, como é popularmente conhecida a atual Maternidade-Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ME/UFRJ), foi criada pelo Decreto n. 5.117, de 18 de janeiro de 1904. A sua finalidade principal era, então, a de assistir às gestantes e às crianças recém-nascidas das classes menos favorecidas. Sua importância no ensino da Obstetrícia, no Brasil, foi base para a formação dos cursos de pós-graduação em níveis de mestrado e de doutorado em 1974.

A Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro ampliou o seu leque de atuação ao longo do século, com a incorporação das novas tecnologias à medicina e o surgimento das novas especialidades. A obstetrícia, especialidade médica inicial da instituição, se uniu a pediatria, mais especificamente a neonatologia, tendo atualmente uma assistência perinatal, com a participação de profissionais médicos e outros profissionais da área de saúde. A Maternidade Escola presta assistência integral à saúde da mulher e da criança, com perfil multiprofissional, recebendo alunos dos cursos de graduação em medicina, enfermagem, nutrição, serviço social, psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia e saúde coletiva. Possui programas de residência médica e multiprofissional, programas de pós-graduação lato sensu e stricto sensu com atividades de pesquisa vinculadas aos referidos programas. Tais ações integram a missão institucional: assistência de qualidade à saúde materno-infantil, formação profissional, atividades de pesquisa e inovação tecnológica.

Atualmente, a Maternidade Escola é uma unidade especializada, que dispõe de assistência ambulatorial e hospitalar, multiprofissional, oferecendo linhas de cuidado específicas na atenção à saúde de gestantes e recém-nascidos de alto risco. Possui ambulatórios especializados na assistência pré-natal (hipertensão arterial, diabetes, gestação gemelar, patologias fetais e adolescentes), programa de rastreio de risco para gestantes no primeiro trimestre, planejamento familiar para mulheres de risco2, genética pré-natal e medicina fetal.

Cumprindo seu papel na inovação tecnológica, a Maternidade introduziu a ultrassonografia no Brasil (1974), a utilização do doppler em obstetrícia (1986), a cordocentese e a transfusão intravascular intrauterina (1987), a fetoscopia e a utilização do laser em procedimentos intrauterinos (2004).

6.1.2. Contextualizando a Demanda Assistida pela Maternidade Escola

A Maternidade Escola da UFRJ é uma Instituição contratualizada e pactuada, pelo Programa de Pactuação Integrada Intermunicipal. A Programação Pactuada e Integrada é um processo instituído no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) onde, em consonância com o processo de planejamento, são definidas e quantificadas as ações de saúde para população residente em cada território, bem como efetuados os pactos intergestores para garantir o acesso da população aos serviços de saúde. Em outras palavras, a pactuação é a maneira através da qual os gestores do SUS, nas três esferas de gestão, assumem publicamente compromissos sanitários com ênfase nas necessidades de saúde da população.

Assim, a demanda da Maternidade Escola é oriunda do Sistema de Regulação de vagas (SISREG). A Maternidade-Escola é, também, um hospital universitário, portanto um hospital de ensino, pesquisa e extensão, necessita atender aos diversos programas e ações sociais vinculados aos cursos de graduação, pós-graduação, residências médica e multiprofissional, pesquisas e projetos de extensão universitária.

Por esta razão, a Maternidade Escola destina 30 vagas para acolhimento do pré-natal, por semana, essas vagas são alocadas em dois dias para o acolhimento, sendo as segundas e quartas feiras na parte da manhã. Cabe esclarecer que, teoricamente, a demanda assistida pela Maternidade Escola é de residentes da área programática a qual a Maternidade faz parte,3 (AP-2.1).

Além de realizar os partos de pacientes que realizaram pré-natal em seu ambulatório, a Maternidade Escola, por ser um hospital público com emergência funcionando vinte e quatro horas, realiza também partos de pacientes que não fizeram o pré-natal em seu ambulatório. Esta demanda é classificada como espontânea, ou seja, paciente que chega por conta própria de forma independente. Além da demanda espontânea para realização do parto a Maternidade Escola é integrante do Programa Rede Cegonha, por esta razão acolhe pacientes que fizeram pré-natal em postos de saúde públicos e a elegeram como hospital referência para realização do parto. Por este motivo o quantitativo de partos realizados na mesma é superior ao número de pré-natais.

6.1.3. Desenho da Pesquisa

A pesquisa foi iniciada após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)4. Num primeiro momento pensou-se em acompanhar as reuniões (palestras) de acolhimento às gestantes na Maternidade Escola que acontecem sempre às segundas e quartas feiras no auditório do ambulatório. Esse acolhimento é realizado por uma equipe multiprofissional composta por profissionais dos serviços de enfermagem, nutrição, psicologia e serviço social.

Neste encontro cada profissional expõe de forma didática a rotina institucional e a importância da realização do pré-natal e do cumprimento das orientações recebidas para o sucesso do parto. A participação nestes encontros teve o intuito de observar a sua dinâmica e entrar em contato com as primigestas as quais são sujeitos deste estudo.

Porém, selecionar alguém naquele grupo tornou-se difícil, uma vez que a Maternidade Escola, embora inclua os serviços de atenção primária, secundária e terciaria em saúde da mulher é uma instituição referenciada para gravidez de alto risco, geralmente recebe, em sua maioria, gestantes multíparas, público que não está no escopo desta pesquisa.

Diante desta realidade percebida foi ampliando o contexto e o local da coleta de dados, que passou a ser, também, no pátio aberto em frente ao ambulatório de pré-natal, mais conhecido como sala de espera, as intervenções foram realizadas aleatoriamente, sem a priori saber se àquela gestante era ou não primigesta.

O contato inicial com as primigestas foi feito após a observação das mesmas quando esperavam para serem atendidas em suas consultas. O período de observação e coleta dos dados foi realizado entre os meses de março e abril de 2017.

Neste período foram entrevistadas 25 (vinte e cinco) primigestas das quais 19 (dezenove) tiveram suas respostas às entrevistas analisadas, tendo em vista que foram descartadas 06 (seis) entrevistas em virtude de corresponderem à primíparas menores de 18 anos de idade, e como no projeto aprovado pelo CEP não havia a autorização devida dos responsáveis para que essa clientela participasse do estudo, optou-se por não analisá-la.

Para realizar esta etapa do estudo, que é a análise das entrevistas, ou seja, dos dados qualitativos, Bardin (2011) disponibiliza um capítulo denominado Organização da Análise. Este capítulo é divido em três partes são elas: a pré-análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.

A análise do conteúdo segundo Bardin (2011) é compreendida como um conjunto de técnicas de pesquisa cujo objetivo é a busca do sentido ou dos sentidos de um documento.

Para iniciar a análise do conteúdo das entrevistas utilizou o que Bardin (2011) e Minayo, (2007) denominam de Leitura Flutuante.5

Quanto à amostra da pesquisa, segundo Bardin (2011) dentro da regra da representatividade postula que:

Um universo heterogêneo requer uma amostra maior do que um universo homogêneo. A costureira, para que possa fazer ideia de uma peça de tecido com flores, tem necessidade de uma amostra maior deste tecido do aquela que seria necessária para ter ideia de um tecido liso. (BARDIN, 2011, p.127),

A citação acima da Bardin legitima a amostra da pesquisa realizada, uma vez que a mesma fora retirada de um universo homogêneo, ou seja, todas as entrevistadas são com primigestas, (mulheres que estão grávidas pela primeira vez) e estão sendo acompanhas no ambulatório de pré-natal da Maternidade Escola da UFRJ. Portanto a amostra em relação ao seu universo é significativa, pois a representação social a qual este estudo pretendeu mapear não contempla todas as gestantes nem todas as primigestas, vide critérios de exclusão e inclusão da pesquisa, enfim a amostra é composta por um corpus bem singular.

Quanto à regra da homogeneidade a Bardin (2011, p.128) disserta que: “os documentos retidos devem ser homogêneos, isto e, devem obedecer a critérios precisos de escolha e não apresentar demasiada singularidade fora desses critérios” e cita como exemplo as entrevistas de inquéritos efetuadas sobre determinados temas. A autora diz que essas entrevistas devem referir-se apenas ao tema, por intermédio de técnicas idênticas e ser realizadas por indivíduos semelhantes. Esta regra, segundo Bardin, é, sobretudo, utilizada quando se deseja obter resultados globais ou comparar entre si os resultados individuais.

O instrumento utilizado no presente estudo foi uma entrevista aberta, na qual coletamos dados sociodemográficos da amostra e em seguida formulou-se uma pergunta aberta e disparadora para reflexão acerca do fenômeno gravidez. Este instrumento foi fornecido para as primigestas de forma igualitária, em condições também iguais, com tempo de resposta igual, ou seja, cada uma respondeu no seu tempo.

No mesmo livro, análise do conteúdo há um capítulo intitulado a codificação, que de acordo com Bardin (2011).

a codificação corresponde a uma transformação- efetuada segundo regras precisas- dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e numeração, permite atingir uma representação do conteúdo ou da expressão. (BARDIN, 2011, p.133)

Segundo Bardin (2011) “a codificação é o processo pelo qual os dados brutos são transformados sistematicamente e agregados em unidades, as quais permitem uma descrição exata das características pertinentes do conteúdo”. (BARDIN, 2011, p.133)

A análise dos dados obtidos através do instrumento de coleta fora elaborada a partir da fundamentação da análise qualitativa referenciada por Bardin (2011, p.144) na qual afirma que: “A abordagem não quantitativa recorre a indicadores não frequenciais suscetíveis de permitir inferências; por exemplo, a presença (ou ausência) pode constituir um índice tanto (ou mais) frutífero que a frequência de aparição.” E acrescenta que:

A análise qualitativa apresenta certas características particulares. É válida, sobretudo, na elaboração das deduções específicas sobre acontecimento ou uma variável de inferência precisa, e não em frequências gerais. Pode funcionar sobre corpus reduzidos e estabelecer categorias mais descriminantes (BARDIN, 2011, p.145).

Neste estudo, seguindo as orientações acima, mais especificamente na resposta da pergunta disparadora, nada fora desprezado, tudo foi analisado criteriosamente, até o tamanho, o formato do texto e sua estrutura não foram desprezados na análise.

Conforme constou no termo de consentimento livre e esclarecido do projeto de pesquisa deste estudo, os nomes das participantes foram mantidos em sigilo e substituídos por nomes de mulheres historicamente empoderadas que interferiram na história social da humanidade e de suas respectivas sociedades.

7. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DA REALIDADE OBSERVADA: DISCUSSÃO

É do nosso entendimento que a característica sociodemográfica da amostra não é fator determinante da nossa pesquisa, porém este era um dado do instrumento utilizado para realizar a entrevista e como a Maternidade Escola é hospital universitário vinculado ao SUS, optou-se por fazer uma breve descrição da população usuária a fim de ressaltar como a mesma (clientela) vem sofrendo transformação em seu perfil sociodemográfico, não nos cabe apontar quais fatores ou variáveis influenciaram a transformação, uma vez que, isto requereria uma pesquisa específica. Porém, fazer uma breve descrição do perfil atual da população usuária atendida na maternidade escola a partir da pesquisa realizada não irá nos desviar de nosso objetivo. A Maternidade Escola embora esteja na cartografia da AP 2.1, que teoricamente privilegia a população residente nos bairros da zona sul da cidade do Rio de janeiro, hoje tem seu maior percentual de atendimento a população da zona norte (47,36%), e (15%) da população da zona sul. Outra mudança percebida foi no nível de escolaridade de sua população usuária que nos dias atuais, pela amostra pesquisada e estudada não apontou nenhuma participante com nível inferior ao do nível médio. Quanto ao estado civil das pacientes (42%) são de mulheres solteiras, (36%) mulheres casadas e (21%) de mulheres que moram com parceiros. Quanto à faixa etária das primigestas, esta se manteve de forma equilibrada, sendo (52,63%) entre 19 e 24 anos e (47,36%) entre 25 a 34 anos de idade.

Gráfico 1 – Estado Civil


Fonte: Elaborada pela autora (2017)

Gráfico 2 – Localização Geográfica


Fonte: Elaborada pela autora (2017)

Gráfico 3 – Faixa Etária


Fonte: Elaborada pela autora (2017)

Na Análise do Conteúdo é fundamental a elaboração das categorias de estudo, esse processo pode ser definido ou conceituado como “uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto” (BARDIN, 2010, p.147). Nesse sentido, trabalhar com categorias significa agrupar elementos, ideias ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso (Gomes, 1993, p.70).

Pode-se, segundo a literatura, optar por dois tipos de estabelecimento das categorias. Pode-se determiná-las antes ou depois da coleta dos dados, optamos por seu estabelecimento após o trabalho de campo. As categorias definidas por este estudo foram: sentimentos em relação ao fenômeno da gravidez; expectativa em relação ao momento parto; idealização em relação ao filho.

A partir da leitura e análise do conteúdo extraído das entrevistas com as primigestas pode-se perceber que o fenômeno gravidez, embora seja muito singular para cada uma, possui elementos muito comuns às mulheres.

A ambivalência foi algo extremamente perceptível na análise dos dados coletados, principalmente em relação às emoções e aos sentimentos aflorados diante do fenômeno gravidez. Esta ambivalência fica muito clara nos discursos das primigestas através da antítese, que é uma figura de linguagem que consiste na aproximação de palavras que expressam ideias opostas. Tal aproximação produz um contraste que enfatiza os sentidos das duas palavras, ressaltando-os de uma forma que não seria possível se os termos fossem empregados isoladamente.

Recorremos a esta figura de linguagem para ressaltar a presença de afetos incompatíveis marcado na fala das entrevistadas tais como segurança/insegurança- alegria/tristeza- medo/coragem. Enfim, diversos pares de palavras semanticamente opostas assinaladas. Destaca-se, também, a fim de apontar essa ambivalência o uso da conjunção adversativa MAS, que é um indicador da presença da mesma. A conjunção adversativa MAS tem como função, segundo o dicionário da língua portuguesa Aurélio, indicar uma relação de oposição bem como de contraste ou compensação entre as unidades ligadas. Também pode gerar um sentido de consequência a algo dito anteriormente. Pode-se afirmar que a representação social do fenômeno gravidez ancorada em paradigmas de reações positivas tais como amor; alegria; carinho; prazer e negativas tais como nervosismo; tristeza; raiva; arrependimento; medo desvela a ambivalência de sentimentos próprios da gestação em que a ansiedade frente ao novo encontra-se presente.

De acordo com Maldonado (1990), a ambivalência afetiva, ou seja, a balança do querer ou não querer é justificável na medida em que não existe uma gravidez totalmente aceita ou totalmente rejeitada; mesmo quando há clara predominância de aceitação ou rejeição o sentimento oposto jamais está inteiramente ausente.

Maldonado (1990), atribui essa ambivalência ao fato da gravidez implicar na perspectiva de grandes mudanças- interpessoais, intrapsíquicas, etc - o que evidentemente envolve perdas e ganhos e isso, por si só, justificaria a existência de sentimentos opostos entre si. (Maldonado, 1990, p.27).

passei por muitas fases, mas ainda não posso dizer que sou uma mãe feliz (Maria Teresa de Calcutá, 21anos , grifo nosso).

desde que descobri minha gravidez no início foi uma surpresa, mas logo se tornou um momento de pura felicidade e a melhor coisa do mundo, um sentimento incondicional e um amor fora do comum” (Simone Beauvoir 24 anos, grifo nosso).

Momentos de grandes susto, medo, ansiedade, mas ao mesmo tempo uma grande alegria. Gravidez boa, sem complicação (Irmã Dulce 31 anos, grifo nosso).

No momento em que eu descobri a minha gravidez, foi um momento de grandes emoções, por ser muito nova em primeiro momento pensei em aborto, mas ao longo das semanas o carinho pelo meu filho foi crescendo e eu vi que seria uma atitude improvável, não vou dizer que está sendo super fácil mas com o tempo estou criando maturidade e responsabilidade. As emoções são muitas, que eu nem sei explicar, contudo tá sendo ótima, o atendimento no hospital está sendo fundamental, estou amando essa experiência. “ (Dandara 19 anos)

Bem meu primeiro sentimento foi o medo. Insegurança, mistos de muitos sentimentos confusos. Mas depois veio o amor a ternura, bem o gostinho de carregar o ser mais importante de sua vida.” (Maria de Nazareth 34 anos).

Apesar do discurso altamente técnico da paciente Maria da Penha, recém-graduada em enfermagem, o mesmo em seu conteúdo apresenta manifestação de ansiedade, medo, revelando desta forma que, mesmo sendo empoderada do conhecimento técnico científico que sua graduação lhe proporcionou o seu sentimento frente ao fenômeno gravidez está, também, atravessado pelos mesmos sentimentos de medo e ansiedade que as outras gestantes revelam.

Estudei, pesquisei e me empoderei para que não cair nas conveniências médicas e aumentar o risco para nós. Meu plano de parto consiste em um parto natural, sem analgesia, sem ocitocina, sem rompimento de bolsa mecânico, sem episiotomia, sem Manobra de kristeller, liberdade para parir na posição que eu me sentir confortável e eu ser protagonista do meu parto, pois eu sei parir e minha filha sabe nascer. Isso me traz uma segurança enorme. Então fico tranquila por ter escolhido uma equipe respeitável pelo SUS, me sinto capacitada pra esse processo fisiológico, segura e feliz, apesar do medo e ansiedade que a criação ainda traz.

A ansiedade constatada no discurso das primigestas é pelo fato de a gravidez constituir uma situação crítica, implicando naturalmente em maior vulnerabilidade de desorganização de padrões anteriores, em inúmeras modificações fisiológicas e em estados emocionais peculiares. No entanto, quando a maternidade, por motivos vários, gera um grau de ansiedade mais intenso, há maior probabilidade de se observar complicações obstétricas na gravidez, no parto e no puerpério. (Maldonado, 1990 p.102).

Quanto à categoria de planejamento, sentimentos e idealização em relação ao filho esperado, pode-se perceber, através da análise do conteúdo das entrevistas, que das dezenove (19) primigestas, apenas uma (01) gestante declarou ter planejado sua gravidez, o que não significa que as dezoito (18) gravidezes das primigestas não foram desejadas, embora uma primigesta tenha declarado que ao saber que estava grávida admitiu a possibilidade da realização de efetuar um aborto, porém essa possibilidade fora descartada.

Três primigestas atribuíram suas gravidezes a um planejamento divino, assinalando que a mesma não foi um planejamento delas, mas sim de DEUS, destas três gravidezes planejadas por DEUS uma delas a nomeou como um milagre divino, pois não podia engravidar. As demais primigestas classificaram as gravidezes como inesperadas revelando um sentimento de surpresa em relação à mesma. Percebe-se, aqui, no discurso destas primigestas um forte atravessamento de cunho religioso quando atribui suas gravidezes a algo no campo do divino.

Quanto ao sentimento e idealização em relação ao filho esperado as entrevistas evidenciaram que há uma idealização de que “tudo” se ajustará após o nascimento do bebê. Embora os sentimentos de medo, ansiedade e pânico tiveram marcado fortemente nos discurso das primigestas o sentimento de superação, alegria e total felicidade seriam trazidos por este filho idealizado como o “salvador”.

No começo foi complicado porque não estava acreditando ainda, mas com os dias fui aceitando e hoje em dia aceitei e só esperar ele chegar e só felicidades.” (Joana D’arc, 19 anos)

Bom no momento da descoberta, foi bem assustador, devido o momento desse acontecimento e por outros motivos familiares, mas que o tempo foi se acalmando. Hoje posso dizer que a ficha ainda não caiu, mesmo com quase 38 semanas, passei por muitas fases, mas ainda não posso dizer que sou uma mãe feliz. Ansiosa? Sim estou e tenho certeza que assim que ver o rostinho da minha Bella, todo esse sentimento virará um amor incondicional.” (Maria Teresa de Calcutá, 21 anos).

O sentimento de um sonho realizado. A emoção de saber que seria mãe é indescritível. A experiência e a expectativa de vivenciar este novo desafio, é a junção do sentimento e da emoção de uma nova vida que está chegando para nos motivar cada vez mais a superarmos quaisquer barreiras” (Dilma Rousseff, 32 anos)

Um ser iluminado que veio para alegrar meus dias e renovar as minhas forças, só tenho que agradecer a Deus pelo cuidado e confiança em mim” Anna Nery, 22 anos

As expectativas em relação à gravidez são muito similares aos sentimentos e idealização do bebê, pois as mesmas se ancoram numa radical mudança e transformação das vidas das primigestas. As mesmas creem que a gravidez trará grandes transformações tais como, alegrias, felicidades e o todo sentimento negativo será transformado em “amor incondicional”.

As expectativas destas mulheres em relação à gravidez giram em torno de mudanças “radicais”, ou seja, elas saem de um “polo negativo” e se transportam a um “polo positivo” cujo transporte é o processo da gravidez. Gravidez para estas mulheres representa a passagem para o melhor de suas vidas.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura acerca da gravidez revela que esta é um fenômeno transitório, biopsicossocial, e que por si só, ocasiona modificações na vida da mulher – em seu corpo, em sua psique, relacionamentos e dinâmica de vida, pois está atravessado por valores culturais, sociais, econômicos e emocionais. Este fenômeno em mulheres primigestas revela-se, ainda, mais enigmática, uma vez que estas estão a vivenciando pela primeira vez. Outro fator relevante e que interfere no processo gestacional se refere ao momento de vida pelo qual a mulher esteja passando, o desejo ou não de engravidar, se a gravidez foi ou não planejada.

Para que a gravidez transcorra com segurança, os cuidados necessários devem ser realizados, o mais precocemente possível, pela própria gestante, parceiro e família, com a participação dos profissionais de saúde.

Quando o ser humano se depara frente ao desconhecido, é natural que sentimentos tais como ansiedade, medo e angustia sejam gerados, esta é uma afirmativa que está legitimada pela ciência. Esta pesquisa constatou a produção destes sentimentos frente ao fenômeno da gravidez em mulheres que a vivenciam pela primeira vez.

A representação social revelada neste estudo, pelas primigestas, apontou sentimentos de medo, angustia ansiedade e certo sofrimento relacionado ao fenômeno da gravidez. Constatou-se, também, um ancoramento na ambivalência de sentimentos, ora positivo, ora negativo que de alguma maneira leva a estas mulheres a se sentirem inseguras.

Percebeu-se durante a análise da pesquisa que as primigestas ao idealizarem o filho, suas expectativas ficam ancoradas na possibilidade da instauração de uma realidade fantasiosa de que tudo será harmônico e terá um final feliz como as histórias de conto de fadas, Santos, Schor, (2003), atribuem essa expectativa afirmando que a percepção positiva da experiência da maternidade está associada à noção de que o filho pode preencher o vazio afetivo que essas mulheres sentem antes da ocorrência da gestação.

Acreditamos que estas representações sociais emergidas neste universo no qual a pesquisa foi realizada, não diferem muito de outros contextos similares, como foi revelado através da articulação entre esta pesquisa e pesquisas realizadas em outros contextos, ambientes e com perfis de amostra diferenciada.

Ao correlacionar os resultados obtidos na literatura consultada, ou seja, nos artigos científicos selecionados, observou-se que os sentimentos em relação ao fenômeno da gravidez estão, também, ancorados num sentimento generalizado de medo. Talvez este sentimento, generalizado de medo, esteja por sua vez ancorado por uma representação social mais ampla, que não podemos categorizá-la, uma que não houve o questionamento de onde viria esse medo em nossa coleta de dados. Quanto à ambivalência de sentimentos aflorados na gravidez, ou seja, quanto à percepção positiva e negativa deste fenômeno, também, se fez presente em todas as pesquisas citadas neste estudo. Cabe ressaltar, que essa ambivalência é um fator marcante no fenômeno da gravidez, que foi explicado por Maldonado como algo peculiar deste fenômeno.

A ansiedade também foi um dado extremamente importante que marcou o discurso das primigestas entrevistadas, a mesma, assim como a ambivalência, se constitui a partir das incertezas que o fenômeno da gravidez traz consigo.

Contudo, apesar de ser comum a emersão desses sentimentos e expectativas em relação à gravidez das primigestas, esse estudo sugere ao seu campo de pesquisa, Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a abertura de espaços para ações educativas a fim de despotencializar esses sentimentos e trazer esclarecimentos a essa demanda e proporcionar a tranquilidade necessária para que o processo gestacional ocorra dentro dos parâmetros da normalidade.

Finalizando este estudo, acredita-se ser fundamental ressaltar, mais uma vez, a importância e a relevância da pesquisa desenvolvida, uma vez que a mesma pode contribuir a diversos e variados estudos similares a esse, contudo há necessidade de se ter consciência de que cada ambiente e contexto serão sempre singulares.

Portanto, os resultados dessa pesquisa é o reflexo do espelho do grupo de primigestas atendidas no ambulatório de pré-natal da Maternidade Escola da Universidade Federal do Rio de janeiro, e não deve ser compreendida como algo engessado ou cristalizado, uma vez que se trata de representações sociais e as mesmas se reconfiguram constantemente.

Assim, parafraseando Minayo (1990), o produto final da análise de uma pesquisa deve ser sempre encarado de forma provisória e aproximativa.

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8.1. Notas

1 Pergunta que auxilia a tecer um relato mais detalhado da experiência vivenciada. Fio condutor para o enriquecimento de uma descrição.

2 Entende-se por gravidez de risco

3 AP-2.1-A cidade do Rio de Janeiro é cartografada em 10 Áreas de Programáticas de Gestão. Botafogo, Catete, Copacabana, Cosme Velho, Flamengo, Gávea, Glória, Humaitá, Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa, Laranjeiras, Leblon, Leme, Rocinha, São Conrado, Urca e Vidigal compõem a Área Programática de atendimento da ME.

4Certificado de Apresentação para a apreciação ética. CAAE: 03614913.6.00005275

5 Leitura flutuante consiste em tomar contato exaustivo como o material para conhecer seu conteúdo (MINAYO, 2007). O termo flutuante é uma analogia a atitude do psicanalista, pois pouco a pouco a leitura se torna mais precisa, em função de hipóteses, e das teorias que sustentam o material (BARDIN, 2011).  

9. APÊNDICES

9.1. Apêndice A

9.2. Apêdice B

9.3. Apêndice C




Publicado por: lucineide fernandes moraes

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