Variação lingüística, uma realidade de nossa língua

VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA, UM PRINCÍPIO DA EVOLUÇÃO DA LÍNGUA

 

Partimos do pensamento primário e norteador de que o fenômeno “variação lingüística” esteve presente em todo o momento da formação e estruturação de nossa língua, ao retornarmos à língua-mãe, o latim, percebemos que desde então, até os dias atuais, tivemos mudanças renovadoras da língua.

A lingüística atual revela que uma língua não é homogênia e deve ser entendida justamente pelo que caracteriza o homem – a diversidade, a possibilidade de mudanças.

É preciso compreender que tais mudanças, como se pensava no início, não se encerram somente no tempo, mas também se manifestam no espaço, nas camadas sociais e nas representações estilísticas.

De acordo com Celso Ferreira da Cunha (1992), ao traçarmos a linearidade histórica de nossa “língua brasileira”, notamos que essa provém da língua portuguesa, que por sua vez provém do latim, que se entronca na grande família das línguas indo-européias.

De início era o simples falar de um povo de cultura rústica, que vivia no centro da Península Itálica, mas a língua latina veio, com o tempo, a desempenhar extraordinário papel na história da civilização ocidental.

Os romanos, em contato com outras terras, outras gentes e outras civilizações, ensinavam, mas também aprendiam. E aprenderam muito com outros povos. Desde o século III a.C., pois, sob a benéfica influência grega, o latim escrito com intenções artísticas foi sendo progressivamente apurado até atingir, no século I a.C., a alta perfeição da prosa de Cícero e César, ou da poesia de Horácio e Virgílio. Em conseqüência, acentuou-se com o tempo a separação entre essa língua literária, praticada por uma pequena elite, e o latim corrente, a língua usada no colóquio diário pelos mais variados grupos sociais da Itália e das províncias.

Tal diferença era sentida pelos romanos, que opunham ao conservador latim literário, ou clássico, o inovador latim vulgar, língua falada por todas as camadas da população e em todos os períodos da latinidade.

Foi esse matizado latim vulgar que os soldados, colonos e funcionários romanos levaram para as regiões conquistadas e, sob o influxo de múltiplos fatores, diversificou-se com o tempo. Por volta do século V, os falares regionais já estariam mais próximos dos idiomas românicos do que do próprio latim.

Após a fase de transição, surgem, então, durante o século XIII, os primeiros documentos que chegaram até nós integralmente redigidos em galego-português.

Com os descobrimentos marítimos dos séculos XV e XVI, os portugueses ampliaram enormemente o império de sua língua. No Brasil, a língua portuguesa apresenta uma relevante diferenciação com o português de Portugal; há, evidentemente, diferenças sintáticas, semânticas e fonéticas.

Diferenças sintáticas – colocação diferente dos pronomes oblíquos; uso da preposição em com verbos de movimento: chegar na, ir na...; emprego de ter em lugar de haver...

Diferenças semânticas – azular, em Portugal significa tornar azul; no Brasil, fugir. Cangaço, em Portugal significa resíduo de uvas; no Brasil, quadrilha.Moço, em Portugal,criado; no Brasil, apenas jovem.

Diferenças fonéticas – na fonologia, as diferenças são mais profundas, assinalando-se não só na emissão das vogais, como na das consoantes: minimo, mintira, (m); fonti, poti (t); quêxo, bêjo (ai)¹ e o acréscimo de e, após r e l,em Portugal (sole)...

Além dos fatores sociais, geográficos e históricos, outros mais serviram para distanciar o nosso português do português de Portugal.

Em primeiro lugar, a língua portuguesa encontrou rival no tupi, o qual, tornado língua geral, a ultrapassou, até o século XVIII, segundo Teodoro Sampaio (1954). Os padres preocupados com a catequese, falavam, escreviam a sua gramática e organizavam dicionários em tupi. Os bandeirantes também contribuíram batizando os acidentes geográficos e algumas localidades com vocábulos dessa procedência. O português sobressaiu, e tornou-se idioma nacional, o que não impediu que restassem vestígios do tupi em nosso falar. Assim, temos de providência indígena muitos nomes de lugares, utensílios, alimentos, flora e fauna, como: Manhumirim, pororoca, Iracema, tatu, abacaxi, etc.

Outro elemento que entrou em contato com o português do Brasil foi o africano. A necessidade de braços que trabalhassem a terra, trouxe o negro, que agregou ao nosso falar seu vocabulário e influiu na pronúncia. De providência africana temos: macumba, cachaça, moleque, quindim, jiló, cochilo, tanga, etc.

(1) As letras entre parênteses representam, aproximadamente, a pronúncia portuguesa da parte destacada.

Os colonizadores portugueses trouxeram para o Brasil a cultura e a Língua Portuguesa, essa foi sendo enriquecida com vocábulos e locuções novas; adquirimos outra pronúncia. Além de recebermos influência das línguas indígenas e africanas, também estão presentes em nossa língua alguns vocábulos do oriente e de outras línguas européias.

De providência árabe temos: álcool, algarismo, café, oxalá, alfaiate, etc. De origem francesa temos: abajur, champanhe, manchete, omelete,chique,garage, etc. De origem inglesa temos: clube, xampu, estresse, futebol, gol, short, etc.

Após analisarmos o desenvolvimento linear de nosso português, estamos certos de que a evolução da língua vem desde sempre, e tudo indica que vai continuar. E mais ainda, a evolução perpassa pela diversidade que é a transitoriedade da língua.

Ocorreu com o latim, que se estruturou em duas vertentes durante seu processo evolutivo: o latim clássico, falado por uma minoria de grandes escritores e o latim vulgar, que pela extensa população usuária se difundiu rapidamente. E o mesmo com a Língua Portuguesa, em que se distanciaram os falares do Brasil com o de Portugal.

E hoje, no Brasil, é irreal o nivelamento da língua devido a muitos fatores como: social, histórico, geográfico e cultural. Portanto, necessitamos aceitar as variações e estudar o que as provoca para entendermos o processo evolutivo lingüístico.

Ao constatarmos a renovação da língua, muita vezes, mesmo sabendo que é fato incontestável seu dinamismo, ainda assim percebemos dificuldades de coexistência dos múltiplos falares; recentemente passamos a assumir que o preconceito lingüístico é real e se manifesta toda vez que temos o embate e a identificação das diferenças lingüísticas por diferentes grupos.

O latim se modificou para se adequar à extensão do território dominado pelos romanos. E o português que chegou a nossas terras não permaneceu o mesmo por diversas influências, como já citamos.

Dentro da unidade territorial brasileira se revelam muitos falares que se justificam e condicionam para se adequar a realidade sócio-cultural de nosso país. Foi de evolução para evolução que chegamos até o exato momento de nosso falar; caso contrário, estaríamos falando latim.


2. Variações: A Multiformidade Da Língua.

Em uma linguagem sistemática e coerente podem ocorrer formas diferentes de se efetuar a língua, uma vez que variam no espaço – variação diatópica –, no tempo – variação diacrônica – e no indivíduo.

Ao encontrarmos pessoas de regiões diferentes do Brasil, não raro nos deparamos com expressões lingüísticas diferentes. Na fala de interioranos de São Paulo, por exemplo, o r é retroflexo, como em porta, celular; já na região Nordeste temos o uso das vogais o e e abertas, como em Rónaldo, sémente.

Segundo CAMACHO(1988) existem múltiplos fatores originando as variações, as quais recebem diferentes denominações. Eis alguns exemplos:

• Dialetos – variações faladas por comunidades geograficamente definidas. Idioma é um termo intermediário na distinção dialeto-linguagem e é usado para se referir ao sistema comunicativo estudado quando sua condição a iguala a linguagem.
• Socioletos – variações faladas por comunidades socialmente definidas. É a linguagem padrão estandardizada em função da comunicação pública e da educação.
• Idioletos – é uma variação particular, isto é, o vocabulário especializado e/ou a gramática de certas atividades ou profissões.
• Etnoletos – variação para um grupo étnico.
• Ecoletos – um idioleto adotado por uma casa.

É inegável as diferenças que existem dentro de uma mesma comunidade de fala. A partir de um ponto qualquer vão se assinalando diferenças à medida que se avança no espaço geográfico. Da mesma forma se constatam diferenças dentro de uma mesma área geográfica, resultantes das diferenças sociológicas tais como educação do indivíduo, sua profissão, grupos com os quais convive, enfim, sua identidade. Tudo isso pode interferir e operar como modelador à fala de alguém.


2.1 Dimensões que propiciam as variedades

2.1.1 Variação histórica

A variação histórica acontece ao longo de um determinado período de tempo, pode ser identificada ao se comparar dois estados de uma língua. Ao lermos alguns textos, na íntegra, do século XVII e XVIII nos deparamos com registros lingüísticos que diferem com os de hoje. Alguns termos se tornaram obsoletos, outros permaneceram, mas com algumas alterações. Como exemplo, citamos o desuso de expressões com mesóclise: constatamos sua estranheza quando alguém lê trechos bíblicos com uma linguagem mais antiga. Os ouvintes tendem a demonstrar falta de familiaridade com esses termos, porém, apesar disto , muitas vezes concebem o teor de entendimento; uma vez que incoerências locais não destituem do texto a coerência.

As manifestações que se operam no sistema lingüístico sempre têm origem nas necessidades expressivas. O processo de mudança é gradual, não acontece de repente. Uma variante inicialmente utilizada por um grupo restrito de falantes passa a ser adotada por indivíduos socialmente mais expressivos e ao cair em uso torna-se uma norma; a partir daí, temos uma variante como verdade. O novo pode se sobrepor ao antigo, assim como os arcaísmos podem se tornar presentes ou por fixar-se na fala popular – PRADO MENDES (2000) ao analisar a ausência de artigo definido diante de nomes próprios em algumas regiões mineiras constatou como uma caso de retenção lingüística, isto é, um conservadorismo do português dos séculos XVIII e XIX.

Assim em (1) e (2) abaixo, dados do português contemporâneo falado nas referidas regiões, em que há supressão do artigo definido diante de nomes próprios Edmundo e Olinto.

(1) “...aquele que é fio(filho) de Edmundo”

(e não “filho do Edmundo”)

(2) “...Luís de Olinto cê cunhece ele?”

(e não “Luís do Olinto”)

Este é, portanto, resquício de uma forma lingüística de períodos anteriores da língua portuguesa que não sofreu alterações com o passar dos anos.

Ou ainda, retornar como fosse algo novo, inédito. Neste caso temos, jovens ao desconhecer a existência de algumas palavras ao se depararem com essas, se interessam e as lançam em seus grupos sob novo significado ou com o mesmo mas tendo sempre como idéia primária o modismo.

A palavra resenha aparece nos dicionários como: ato ou efeito de resenhar; descrição pormenorizada; contagem, conferência; notícia que abarca certo número de nomes ou fatos similares; recensão. Entretanto, na linguagem de alguns jovens apareceu nos anos 90 para descrever conversa desnecessária.

As mudanças no decorrer do tempo podem ser de significado – vazar, além de todos os significados encontrados no dicionário, também é usado com o sentido de sair furtivamente –; e grafia – êle, tôdas ( perderam o acento), cousa (escrita amplamente coisa).

Portanto, quanto à dimensão histórica da variação lingüística, podemos afirmar que possuímos formas diversificadas de nosso falar por ora haver retenções de estágios anteriores ou por estarmos mudando o uso dos vocábulos para nos adequar a grande evolução temporal.


2.1.2 Variação geográfica

O Brasil apresenta um vasto território, caracterizado por regiões geográficas diversas. Com isso temos diferentes formas de pronúncia, vocabulário e estrutura sintática.

Os estudos dialectológicos de caráter científico iniciaram-se no Brasil com o Dialeto caipira, de Amadeu Amaral, publicado em 1920. O trabalho de Amadeu Amaral teve o mérito de chamar a atenção para a importância e a urgência de uma recolha sistemática dos nossos falares, condenados a perecerem pela progressiva nivelação cultural. Foi ele quem animou as pesquisas de Antenor Nascentes sobre o linguajar carioca (1922) e outras que se lhe seguiram.

Entre as divisões propostas em caráter provisório, sobreleva a de Antenor Nascentes, fundada em observações pessoais colhidas em suas viagens por

todos os Estados do País.

Antenor Nascentes dividiu o falar brasileiro em seis subfalares que reuniu em dois grandes grupos os quais foram chamados de Norte e Sul.

Basta uma singela frase ou uma simples palavra para caracterizar as pessoas pertencentes a cada um destes grupos. Eles estão separados por uma zona que ocupa uma posição mais ou menos eqüidistante dos extremos setentrional e meridional do país. Esta zona se estende, mais ou menos, da foz do rio Mucuri, entre Espírito Santo e Bahia, até o Estado de Mato Grosso.

Para Nascentes o falar do Norte e do Sul apresenta traços diferenciadores fundamentais:

a abertura das vogais pretônicas no Norte em palavras que não sejam diminutivos nem advérbios terminados em –mente;
a cadência do ritmo frasal, “cantada” no Norte, e normal ou descansada no Sul.
Estes espaços admitem seis subfalares – no Norte: amazônico e nordestino; e no Sul: baiano, fluminense, mineiro e o sulista.

A variação se manifesta com maior evidência no léxico(vocabulário), nas realizações de determinados sons, como o “r”, “o”, “e”, “t” e no ritmo da fala, de maneira a distinguir áreas lingüísticas e falares.

Mas no nível semântico também ocorre esta manifestação. Para denominar uma planta muito conhecida da família da euforbiáceas temos nomeações diversas. Cada região uma denominação. Em Minas Gerais é conhecida como mandioca, no Rio de Janeiro como aipim e em Pernambuco, macaxeira ; evidenciamos pois a manifestação lexical da sinonímia. É relevante lembrar que tal fenômeno se encerra no âmbito geográfico, mas é fundamentado no histórico; uma vez que todas as variações provém da língua indígena tupi, que por um período breve – durante a colonização – foi largamente utilizada no país.

Percebemos que dentro de uma comunidade ampla, formam-se comunidades lingüísticas menores em torno de centro polarizadores da cultura, política e economia, que acabam por definir os padrões lingüísticos utilizados na região de sua influência.

A globalização é um processo que de certa forma homogeneiza os falares. Uma forma expressiva, que antes era própria de uma região do país; hoje, trazida pela mídia incorpora-se ao falar de regiões distantes. A expressão “ficar para titia” (ficar solteirona, não encontrar casamento) era usada mais na região Sudeste. Nas regiões Norte e Nordeste se falava “ficar vitalina” (em alusão à Santa Vitalina) e “ficar no caritó” (espécie de prateleira rústica, nas casas pobres, onde são colocados os objetos de pouco uso), com o advento da televisão, hoje “ficar vitalina” e “ficar caritó” são usadas mais nas dramaturgias como forma de evidenciar o falar nortista e nordestino.

A região mato-grossense, por exemplo, Antenor Nascentes a considerava incaracterística por ser praticamente despovoada na época em que ele propôs as divisões do falar brasileiro. Hoje, essa região está mais povoada e o falar encontrado nela é muito parecido com os subfalares mineiro e sulista. Encontramos o “r” retroflexo pertinente a tais regiões.

Entendemos que as diferenças lingüísticas entre as regiões são graduais e que nem sempre coincidem com as fronteiras. A definição de áreas lingüísticas fundamenta a indicação de diferenças e identidades , além de estabelecer, pelo confronto, as variáveis sociais ligadas à distribuição espacial.


2.1.3 Variação social

A variação social está relacionada a fatores sociais como etnia, sexo, faixa etária, grau de escolaridade e grupo profissional. Os vários estudos que enfocam este tipo de relação língua/fatores sociais têm privilegiado a variação morfo-sintática ou a morfo-fonológica.

De acordo com RAMOS(1998), na comunidade belorizontina, por exemplo, a forma reduzida do pronome pessoal de 3ª pessoa ele para “eis” e “es” ocorre com maior freqüência e é, portanto, favorecida na fala das pessoas de baixa escolaridade, isto é, que têm apenas o 1º grau.

Fica claro que a variação social não compromete a compreensão entre indivíduos, uma vez que alguns momentos de incoerência são sanados pelo contexto em que a fala se forma.

Não é difícil perceber que a norma culta – por diversas razões de ordem política, econômica, social, cultural – é algo reservado a poucas pessoas no Brasil; talvez porque haja um distanciamento entre as normatizações gramaticais e a obediência dos falantes em seguir tais normas. Há uma indagação implícita neste fato: “ Existe alguma disfunção, alguma impossibilidade de uso da gramática normativa pela grande maioria dos falantes?” ou “Estamos apenas a observar a língua como um fator de identidade?”

Sendo esse o caso, a língua como referencial humano traria inúmeras variações, porque decididamente não somos todos iguais e devido ao meio espacial ou social em que estejamos haverá uma tendência da língua em se caracterizar por esses agentes, sendo assim, o indivíduo que protagoniza a fala poderá adequá-la a seu perfil ou ao grupo a que pertence.

Conforme MARTINET(1964) “uma língua é um instrumento de comunicação segundo o qual, de modo variável de comunidade para comunidade, se analisa a experiência humana em unidades providas de conteúdo semântico e de expressão fônica...”

Comunidades diferentes vivenciam experiências diferentes e isto se reflete nos respectivos sistemas lingüísticos: léxico, morfológico e sintático. Um grupo acadêmico de uma universidade apresentará uma variedade lingüística bem diferente de um grupo de vendedores ambulantes do interior do Brasil. Cada qual usará o recurso lingüístico que lhe foi concebido em seu processo de aprendizagem para efetuar a comunicação.

Do exposto, concluímos que a língua signo/privilegiado de identidade não é um instrumento neutro, um contingente meio de comunicação entre os homens, mas principalmente a expressão de sua diferença.


2.1.4 Variação estilística

A variação estilística se faz presente na expressividade individual duma língua e considera um mesmo indivíduo em diferentes situações de comunicação: se está em ambiente familiar, profissional, o grau de intimidade, o tipo de assunto tratado e quem são seus receptores.

Tendo como norteador as três dimensões de W. BRIGTI – emissor, receptor e situação – entendemos que a identidade do emissor determina as variedades lingüísticas. A do receptor, implica a escolha do tratamento e uma busca de adaptação, como por exemplo, quando o adulto se dirige a uma criancinha; a situação determina uma variedade menos formal e mais próxima da concepção de entendimento do receptor para que haja comunicação, que é o princípio básico da língua.

Sem levar em conta as graduações intermediárias, é possível identificar dois limites extremos de estilo: o formal, quando há um mínimo de reflexão do indivíduo sobre as normas lingüísticas utilizados nas conversações imediatas do cotidiano ; e o formal, em que o grau de reflexão é máximo, utilizado em conversações que não são coloquiais e cujo conteúdo é mais elaborado e complexo.

Temos vários fatores direcionando a escolha da variação específica para cada ocasião. Dentre alguns destacamos a influência da profissão, que MC DAVID JR., denomina de dimensão decorrente da associação. Uma pessoa pertencente a um grupo profissional, quando desenvolve um léxico altamente especializado, é em certas ocasiões inacessível aos leigos. Isto ocorre no momento em que uma pessoa de baixa escolaridade ouve um diagnóstico médico (feito dentro da nomenclatura específica, mas fora do conhecimento do ouvinte); em um parecer judicial (quando o juiz, promotor, advogado expõem os fatos analisados para um júri, que apesar de ter uma escolaridade média, não consegue apresentar compreensibilidade devido aos inúmeros termos em latim e vocabulário muitas vezes rebuscado).

Notamos que as pessoas tendem a apresentar desvios maiores às normas gramaticais na língua falada, isto talvez pela rapidez com que se efetua a comunicação. Em contraposição, observamos que ao se registrar a língua de forma escrita temos mais cuidado e preocupação em obedecer as normas gramaticais, sem contar que na escrita os desvios ficam mais nítidos do que na fala.

Tomando por base as informações até então, concluímos que as diversas modalidades de variação lingüística não existem isoladamente, há certamente, uma relação mútua entre elas. Uma variante histórica pode resultar em uma variante geográfica; assim como uma variante geográfica pode ser vista como uma variante social ao se considerar a migração entre regiões.

Sendo fato real a coexistência de variedades lingüísticas entendemos que cada forma particular de se manifestar a língua portuguesa no Brasil, é uma variante de uma única vértice . Neste momento vemos o favorecimento e a eleição da norma formal como “certa”, uma vez que é essa a ensinada nas escolas e tida como forma de ascensão social. Não queremos desmerecer a variante formal, sabemos o quão importante é seu papel de sustentação da língua. Vemo-la num caminhar mais arrastado no processo renovador da língua, pois está sempre presa às estruturas mais antigas por ter raízes mais profundas no português arcaico. Entretanto quando nos deparamos com a priorização do ensinamento da norma culta e o desrespeito as demais variações, vemos também o preconceito lingüístico se formar.

A norma culta está relacionada à linguagem da classe dominante. Todavia, esta classe não é composta por indivíduos de um único meio nem com a mesma formação. Uma minoria sente-se capaz e confiante em utilizá-la.

Mas, há uma grande maioria que utiliza a língua de forma despreocupada; trava a comunicação conforme seu dialeto e dentro de uma prática lingüística eficaz – comprometida com as condições contextuais.

Esta maioria desvincula seu falar da norma padrão promovendo as variações ora de forma ocasional – seu dialeto é inerente à sua formação -; ora de forma intencional – tem a língua como mediação simbólica de sua identidade.


3. Variação, Manifestação Ocasional Ou Intencional?

Estamos consciente de que a variação lingüística é uma situação real e abrangente, e que a simultaneidade da língua padronizada pela gramática normativa e a existência das diversas formas que o falante usa para a efetivação da comunicação, divergem no campo da praticidade oral e escrita.

Os motivos que proporcionam tantas variedades foram expostos nos capítulos anteriores, mas um questionamento surge: “Temos, enquanto operadores da língua, consciência da versatilidade do nosso idioma?”

Sob a ótica do usuário da língua como ponto preponderante na escolha de formas específicas de efetuação lingüística cremos que podemos nos portar de maneira consciente ou inconsciente perante a atuação das variedades da língua materna.

As variações provocadas pelos fatores geográfico e histórico tendem a perpassar pelos falantes sem que estes percebam a ocorrência das mudanças na língua. Talvez porque sejam tênues para o indivíduo enquanto as emprega na comunicação; uma vez que as mudanças ocorridas por estes fatores são lentas e gradativas.

Entretanto entendemos que os fatores social e estilístico agem na configuração de nossa língua sob a harmonia da sincronia presente, tornando a comunicação, um processo de construção de significados em que ocorre interação do sujeito com a sociedade . A língua assim será usada como instrumento de definição do que é a “pessoa” entre “as pessoas.” A variação lingüística surge intencionalmente.

Uma comunidade humana adota certos comportamentos constantes em termos de comunicação. É uma forma de isolamento, de diferenciação, através de uma linguagem especial, principalmente no campo léxico. Evidentemente, esse comportamento lingüístico é decorrente do próprio comportamento social e a criação dessa linguagem específica serve a diversos objetivos como: o desejo de privacidade, isto é, de ser entendido apenas por elementos do grupo, como também de auto-afirmação.

Tomamos como exemplo a linguagem dos internautas. O advento da internet trouxe muitas transformações e inovações e dentre elas no campo textual, que se difere significativamente de outras formas escritas tradicionais. Este tipo de texto apresenta novas características, uma vez que a própria escrita adquire uma forma nova, identificada por elementos verbais e não verbais, como imagem, ícones e som. Ao se criar uma linguagem peculiar, as comunidades da internet acabam por criar uma sociedade lingüística restrita com suas especificidades próprias como: ausência de pontuações, ausência de acentuação gráfica, processos de redução e processos de alterações ortográficas.

Todas essas modificações têm uma questão humana presente – construir e agregar novos amigos. Na ânsia de criar elos com indivíduos que compartilham os mesmos interesses ; cria-se um dialeto próprio que os agrupe e ao mesmo tempo os distancie dos demais falares.

Atualmente, a rede da internet inaugura uma nova forma de escrita,

caracterizada por várias tipologias textuais que “conseqüentemente, pede novas formas de leitura e escrita que trazem uma outra dimensão para os papéis de autor e leitor.” (PRESENÇA, 32) .

Esta necessidade de utilizar a língua como ponto referencial e particularizador, também e percebido no grafite e na pichação. Tais manifestações lingüísticas são entendidas como signos presentes no cenário de imagem das grandes cidades contemporâneas apresentando o seu caráter dialógico.

Existem na cidade de Belo Horizonte, diversas crews (grupos de pessoas de uma mesma região) que aparecem nos muros através de siglas, junto aos apelidos dos pichadores. Seus traços lingüísticos em alguns momentos são tão particulares que para o leitor de fora do grupo é incoerente e sem estruturação.

O que percebemos nesta manifestação lingüística é a necessidade de se expressar, de fazer das ruas uma extensão da individualidade, sob a forma de rastros escritos em paredes e muros.

Portanto, há uma intencionalidade de se criar uma variação própria para a autodefinição e particularização do usuário da língua. E isso não ocorre somente agora. Durante o século XVI, período da colonização brasileira, os errantes e presos nas galés das embarcações marítimas, criaram um vocabulário “especial e secreto”, o calão.

As variações lingüísticas podem ocorrer naturalmente como resultado dos fatores espaço e tempo, mas também como recurso de individualidade, quer por uma pessoa ou uma comunidade.

Independentemente da intencionalidade ou não no emprego das variações, torna-se importante evidenciar os vocabulários diferenciados, como uma forma dos grupos marcarem presença na comunidade e seu papel de fator de projeção no meio social.

É importante desmistificar a íngua padronizada e respeitar a riqueza cultural presente nos falares que compõem a “língua brasileira.”


Considerações Finais

A variação de nossa língua é fato incontestável de acordo com a nova lingüística. Vimos que as mudanças foram gradativas desde o nascimento do latim, que é a língua-mãe do português, até o nosso “abrasileiramento” do português vindo de Portugal.

Apresentamos fatores geográficos, históricos, sociais e estilísticos como geradores de transformações e criação de novos falares dentro do território nacional.

Entendemos que o crescente distanciamento entre a língua eleita como “certa” e a efetivação nas grandes camadas sociais divergem causando o elitismo de uma e marginalizando as outras possibilidades. Constatarmos a permanência da unidade lingüística, devido à caracteres similares presentes em todas as variações. Toda forma de se expressar possui uma gramática que a estrutura tornando cada variação eficaz no processo da comunicação.

Ciente do poder simbólico das variações o usuário tende a utilizá-la como meio de projeção social, enfim , a Língua Portuguesa torna-se hoje, fator de inserção no mundo atual estimulando o sujeito a ser ativo perante a cultura e história de nossa nação.


Referência

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Língua Portuguesa: 3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental. MEC/SEF, 1998.

BUDIN, J. e ELIA, Sílvio. Compêndio de Língua e de Literatura. 2 ed. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1954.

CABRAL, Leonor Scliar. Introdução à lingüística. 7 ed. Rio de Janeiro: Globo, 1988.

CAMACHO, R. A variação lingüística. In: Subsídios à proposta curricular de Língua Portuguesa para o 1º e 2º graus. Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, 1988.

CUNHA, Celso Ferreira da. Gramática da Língua Portuguesa. 12 ed. Rio de Janeiro: FAE, 1992.

MARTINET, A. Elementos de lingüística geral. Trad. de J. Morais-Barbosa. Lisboa, Liv. Sá da Costa, 1964. (ELG)

NASCENTES, Antenor. Tesouro da Fraseologia Brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S.A. , 1966.

PRADO MENDES, Soélis T. (2000) A ausência de artigo definido diante de nomes próprios no português mineiro da comunidade de Barra Longa: caso de retenção?, dissertação de mestrado,FALE/UFMG.

RAMOS, Jânia (1998) “História social do português brasileiro: perspectivas”, in CASTILHO, A (org.) Para uma história do português brasileiro, SP: Humanitas.


Publicado por: Ana Lúcia de Assunção

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