Uma Reflexão Sobre os Esforços de Unificação da Língua Portuguesa

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1. Resumo

Trata-se de uma reflexão, sustentada em três hipóteses e uma tese, sobre os esforços de unificação gramatical da língua portuguesa entre os países lusófonos, bem como sobre os impactos positivos e negativos resultantes dos referidos esforços. Este artigo trata também das influências linguísticas ocorridas no Brasil devido à sua diversidade cultural, além de comparações entre o português falado pelos brasileiros e os portugueses. Apresenta ainda o processo natural de formação de uma língua e os conflitos provocados pela ação política e social do grupo linguisticamente dominante.

Abstract

It is about a reflection supported in three hypotheses and a theory, on the efforts of grammatical unification of the Portuguese language between the Portuguese-speaking countries, as well as on the positive and negative resultant impacts of the above-mentioned efforts. This article also deals with the linguistic influences occurred in Brazil due to its cultural diversity, besides comparisons between the Portuguese spoken by Brazilians and the one spoken by the Portuguese. It also presents the natural formation process of a language and the conflicts caused by the political and social action of the linguistically dominant group.

Palavras chave:

Portugal, Brasil, acordo ortográfico, língua, gramática, linguística, analogia, cultura, nheengatu.

2. Introdução

O português é a terceira língua ocidental mais falada, após o inglês e o espanhol e possui dois sistemas ortográficos oficiais: o português de Portugal, África e Timor Leste e o do Brasil. Essa dupla ortografia, no entanto, dificulta a propagação internacional da língua, além de aumentar os custos editoriais, à medida em que um mesmo livro, para circular em todos os territórios de língua portuguesa, precisa de no mínimo duas publicações.

Em 1945 Portugal tentou unificar as gramáticas, mas o Brasil, após tentativa de unificação voltou a usar o seu próprio sistema ortográfico. Essa situação continuou até que em 1990 foi assinado, em Lisboa, um novo acordo gramatical para todos os países lusófonos. Na ocasião, estipulou-se a data de 1º de janeiro de 1994 para a entrada em vigor da ortografia unificada, depois do Acordo ser ratificado por todos os países.

Contudo o processo de ratificação não se deu conforme o esperado. De início, apenas Portugal o ratificou, seguido, mais tarde, pelo Brasil e por Cabo Verde.

Em 2004, os países de língua portuguesa, concordaram que bastaria a manifestação ratificadora de três dos oito países para que o Acordo passasse a vigorar. Essa decisão exigiu nova rodada de ratificações. Brasil e Cabo Verde ratificaram em 2005. Em novembro de 2006, São Tomé e Príncipe completou o processo. Com isso, foi possível a implantação da ortografia.

Ficou decidido então que o sistema ortográfico unificado passaria a vigorar a partir de 01/01/2009, instituindo um período de transição de quatro anos até 31/12/2012. Diante desses fatos, entre o povo brasileiro (possivelmente também entre os outros lusófonos) renasceram muitas críticas a esse novo sistema.

3. Corpo do Artigo

Usando este cenário como pano de fundo, temos a intenção de provocar, com esse trabalho, uma reflexão sobre tal unificação ortográfica. Para isso usamos três hipóteses para, ao final do trabalho chegarmos à nossa tese.

4. Primeira Hipótese:

Os esforços desprendidos para aproximar os lusófonos em diferentes países fortalecerão a língua portuguesa como veículo de comunicação.

Muitos que apoiam a unificação usam o castelhano como um exemplo positivo, tendo em vista que apesar das diferenças de pronúncia e vocabulário entre a Espanha e a América Hispânica, o mesmo está sujeito a uma só forma de escrita, regulada pela Associação de Academias da Língua Espanhola. Muitos defendem ainda que a redução dos custos, de produção e adaptação de livros, facilitará a projeção da língua portuguesa internacionalmente e tornará mais acessível à população dos países lusófonos o preço das obras, estimulando cada vez mais a leitura e enriquecendo, culturalmente, todos esses povos. Outros estão certos de que essa unificação facilitará a aprendizagem da língua portuguesa pelos estrangeiros, divulgando assim nossa cultura para o mundo, aproximando os lusófonos a países de língua estrangeira, agindo como facilitador do atual processo de globalização. Alguns garantem que os atuais softwares em português terão seus preços reduzidos, já que atualmente são comuns softwares e homepages construídos em dois “idiomas” Português de Portugal e Português do Brasil. Com isso mais lusófonos poderiam se beneficiar com a redução de custos e consequente redução de preços, tornando o mundo virtual uma realidade mais justa para todos.

Especialistas afirmam que haverá uma simplificação nas atuais regras ortográficas e que todos os lusófonos sairão ganhando neste processo de unificação. Porém estão cientes que todo processo de mudança exige adaptação e há fatores positivos e negativos. Mas acreditam que a reforma unificará a CLP (Comunidade de países de Língua Portuguesa) e a cultura será espalhada por meio de novas obras bibliográficas comuns em toda a CLP. E que devemos pensar que a reforma trará mais unidade e cooperação dentro dessa comunidade e que não estamos nos privando de nosso “dialeto”, ao contrário, estaremos nos aproximando de nossos irmãos de língua e excluindo as barreiras culturais existentes entre eles que têm o português como idioma oficial.

5. Segunda Hipótese:

Os esforços desprendidos para aproximar os lusófonos em diferentes países provocarão um distanciamento, ainda maior, entre a língua padrão e a língua coloquial.

Existe um grande distanciamento, não somente no que se refere a fonética, mas também no escrito, entre o português do Brasil e outros países lusófonos. Como exemplo, destacamos apenas algumas palavras faladas em Portugal que têm um significado diferente do português falado por aqui:

Brasil

Portugal

Açougue / Açougueiro

Talho / Talhante

Fila (em mercado)

Bicha

Ônibus

Autocarro

Trem

Comboio

Tela (de TV)

Écran

Terno (roupa)

Fato

Menino

Puto

Meias

Peúgas

Cueca

Boxer

Multa

Coima

Usuário

Utilizador

Calça comprida

Pantalona

Legal (bacana)

Fixe

Cafezinho

Bica / Biquinha

Elegante

Gira

Restaurante

Casa de Pasto

Suco

Sumo

Xícara

Chávena

No mundo globalizado, o compartilhamento de filmes e seriados acontece com muita frequência através da internet e podemos notar o abismo existente entre o português coloquial e o padrão. Basta tentarmos assistir a um filme legendado para o público de Portugal que se torna quase impossível a nossa compreensão. Depois de 5 minutos assistindo a um desses filmes é comum desligarmos a televisão e sairmos da sala.

A diferença da língua portuguesa padrão entre Brasil e Portugal é de menos de 5%, a leitura de livros portugueses por brasileiros e vice versa é uma tarefa simples, facilmente superada pela contextualização do texto, resultando em leitura prazerosa. Mas ao lermos o português coloquial a leitura torna-se cansativa e na maioria das vezes incompreensível.

Isso nos leva a afirmar que com o passar dos anos o esforço em manter uma língua padrão fará com que o lusófono simples tenha, cada vez mais, dificuldade de se expressar graficamente.

6. Terceira Hipótese:

O esforço para aproximar os lusófonos de diferentes países, através de uma gramática unificada, incorrerá em maior dificuldade de comunicação entre os brasileiros.

O Brasil, devido à sua dimensão continental, possui enorme diversidade cultural, essas diferenças culminam em uma linguagem diferenciada. A cultura brasileira reflete o legado de diversas nações indígenas, europeias, africanas, asiáticas, árabes etc. Como resultado da intensa miscigenação e convivência dos indivíduos que participaram da formação do Brasil, surgiu uma realidade cultural peculiar, que inclui aspectos das várias culturas. Por ilustração somente a contar de 17 de agosto de 1758, a língua portuguesa tornou-se idioma oficial do Brasil, através de um decreto do Marquês de Pombal, que também proibiu o uso da língua geral, que era uma mistura do tronco Tupiguarani com o português vulgar, existindo inclusive uma gramática escrita pelo Padre José de Anchieta. Receberam o nome de língua geral as línguas de base indígena praticadas amplamente em território brasileiro, no período de colonização. No século XVIII havia duas línguas gerais: língua geral paulista, falada ao sul do país no processo de expansão bandeirante, e a língua geral amazônica ou nheengatu, usada no processo de ocupação amazônica. Destas duas línguas gerais somente o nheengatu continua a ser utilizado entre os indígenas de diferentes etnias.

Inúmeras línguas africanas foram faladas no Brasil e influenciaram fortemente a língua portuguesa como resultado de séculos de tráfico de escravos da África. Hoje em dia, nenhuma dessas línguas africanas é falada plenamente no Brasil, tendo passado a se manifestar apenas em usos específicos.

Já os imigrantes chegados depois de 1850 trouxeram línguas de seus respectivos países, dentre as quais as mais faladas hoje são o Talian (dialeto da língua vêneta da Itália) e o Hunsrückisch, derivado da língua alemã.

Além disso, nossa língua foi influenciada por ideologias internacionais (estrangeirismo), principalmente da França, nos séculos XIX e XX, e dos Estados Unidos, nos séculos XX e XXI, que modificaram e ainda modificam a língua portuguesa no Brasil. Nós brasileiros não tentamos traduzir novas palavras, por exemplo, em Portugal o endereço de uma página na internet chama-se “sítio”, no Brasil “site”. O nome do equipamento que fica conectado ao computador para movimentação entre os itens de menu no Brasil chama-se “mouse” e em Portugal “rato”. Brasileiros adoram estrangeirismo e isso faz parte de nossa cultura e acreditamos que isso não vai mudar. Somos um país com vocação à globalização diferentemente de Portugal.

 Podemos notar por essa explanação sucinta sobre a formação do povo e da cultura brasileira as dificuldades que o cidadão comum sofre com uma gramática imposta através de acordos políticos, sem consulta prévia do maior usuário da língua, o povo brasileiro em toda sua diversidade.

7. Conclusão:

Após análise crítica das três hipóteses chegamos à seguinte tese híbrida:

Os esforços desprendidos para aproximar os lusófonos em diferentes países fortalecerão a língua portuguesa como veículo de comunicação internacional e ao mesmo tempo, o distanciamento, ainda maior, entre a língua padrão e a língua coloquial, aumentando a dificuldade de comunicação entre os brasileiros.

Justificativa da tese:

Desde o apogeu do Império Romano, passando pela sua queda e invasão de diversos povos considerados bárbaros, a península ibérica viveu um constante processo de transformação da língua latina, produzindo diversas novas línguas até o surgimento do português como língua nacional em uma parte daquela península. A energia que alimentou esse processo chama-se evolução. O desenvolvimento de uma língua é um processo natural e inevitável. Tem marcações temporais, regionais e socioculturais. Possui alguns fatores de interferência, independe de normas de gramática e decretos de governos. Sendo a língua a maior expressão de um povo e levando-se em consideração que nossas ligações com Portugal e com os outros países lusófonos são cada vez menores, a evolução dessas línguas tomará seu curso natural e cada vez mais se distanciará dessas regras adversas a atualidade.

Sabemos que os meios de comunicação como TV, rádio, internet, revistas e livros, são interferências ao desenvolvimento da língua.

Quando William Bonner e Fátima Bernardes entram nos lares dos brasileiros trazendo as notícias diárias, através do Jornal Nacional, uma forma de imposição linguística acontece, mas a aceitação desse processo é apropriada. Pensamos que a língua brasileira será cada vez mais comum a todos e até mesmo os brasileiros que usam o nheengatu continuam conectados a essa nossa língua que surgiu espontaneamente, apesar das interferências “cultas”.

Entendemos que para nós brasileiros é muito positivo ter uma língua com uma abrangência em todas as regiões, colocando-nos integrados como nação.

Nossa vocação ao crescimento e desenvolvimento fará com que um estrangeiro prefira aprender o Português brasileiro ao Português europeu. E se um dia a língua do Brasil deixar de se chamar português e for renomeada como brasileira, não significará que renegamos o nosso passado, virando as costas às nossas raízes, de fato somos muito gratos pelo maior legado que Portugal nos deixou. Nosso idioma é motivo de honra e orgulho. Mas nesse contexto cabe uma reflexão: por acaso o Português, o Italiano, o Espanhol, o Francês, o Romeno o Catalão e outras línguas deixaram de ser latinas? É claro que não! A marca impressa pela tradição portuguesa nunca deixará de existir. No entanto evitar que algo natural aconteça é o mesmo que remar contra a maré, é desprender uma grande energia a um processo que por fim será fadado ao fracasso.

Acreditamos que, em um futuro próximo, todos os povos serão bilíngues usando suas línguas maternas como forma de expressar suas ideias e, ao mesmo tempo, uma segunda língua que entendemos, como possível, uma variação do idioma inglês, (o inglês global) que pouco preso a regras gramaticais, servirá como veículo de comunicação para toda a humanidade.

Estamos convictos que uma língua tem como principal propósito a comunicação entre pessoas, e ela língua deve ser funcional e sem barreiras.

Debruçando-nos sobre esta tese, chegamos a uma conclusão que, desde já, descartamos ser uma profecia. Sabemos que a linguagem faz parte do campo das ciências humanas e por essa razão ela é uma gota em um oceano de possibilidades, e nossa intenção desde o princípio foi provocar uma reflexão nos leitores deste artigo. E caso algum leitor faça uso destas ideias consideraremos que o trabalho terá sido válido e o artigo terá atingido o seu objetivo.

8. Referências bibliográficas

ABAURRE, Maria Bernadete M.; RODRIGUES, Ângela C.S. Gramática do Português Falado. São Paulo: Unicamp, 2002.

ABREU, Antônio Suárez. A Arte de Argumentar. 10. Ed. São Paulo Ateliê Editorial, 2007.

AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa, 2. ed. – São Paulo: Publifolha, 2008.

JAKOBSON, Roman, Linguistica e Comunicação, Editora Cultrix, São Paulo http://pt.wikipedia.org/wiki/Reforma_ortogr%C3%A1fica


Marcelo Cascardo Cavagnero - O autor é Bacharel em Ciências Contábeis pela Faculdade Simonsen - RJ, com pós-graduação em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Estácio de Sá - RJ, com MBA em gestão de Pessoas pela Fundação Getúlio Vargas – RJ e Graduando em Letras Português/Inglês pela Universidade Castelo Branco – RJ.

Sebastião Pereira Martins - O autor é Oficial da FAB reformado, com especialização na área de Administração de Pessoal e Graduando em Letras Português/Inglês pela Universidade Castelo Branco – RJ.


Publicado por: MARCELO CASCARDO CAVAGNERO

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