TECNOLOGIA, DISTANCIAMENTO E CLASSES SOCIAIS: A REALIDADE BRASILEIRA EM TEMPOS DE PANDEMIA

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Rafael de Souza Lopes - FAEL[1]

1. RESUMO

Os anos de 2020 e 2021 foram marcados por acontecimentos que deixaram a humanidade em grande alerta a respeito de sua existência sobre a terra, entre estas preocupações destaca-se a pandemia da Covid-19 que fez o mundo parar e se readaptar, escolas, supermercados e até mesmo o transitar nas ruas foram abalados, atividades comuns tiveram que ser repensadas, a vida das pessoas mudou de tal forma que já não se pode falar em pandemia por SARS – COV2 sem pensar nas dificuldades que vão desde a doença em si a doenças psicológicas. Este artigo baseado no projeto de pesquisa que leva o mesmo nome buscou por meio da análise dos dados coletados responder aos questionamentos relacionados a como método de ensino a distância foi recebido pelos estudantes que não tinham e de certo modo ainda não tem acesso parcial ou total aos AVA’s. Para coletar os dados aplicou-se entrevista semiestruturada com determinada quantidade de pessoas. As respostas obtidas estão apresentadas no decorrer deste trabalho que por sua vez proporcionou uma abordagem critico reflexiva sobre a forma que a população de classe mais baixa percebe o acesso à EAD, bem como a forma como os mesmos lidam com o período de isolamento social obrigatório. Foi confirmado assim aquilo que se supôs no decorrer do projeto: a educação a distância não proporciona de fato uma democratização da educação em seu sentido lato, mas a mesma pesquisa foi refutada na suposição dos serviços de streaming serem barreiras para o desenvolvimento de doenças psicológicas.

Palavras – chave: Pandemia. Educação a distância. Distanciamento social.

2. INTRODUÇÃO

Diversos foram os motivos que levaram a escolha deste tema para elaboração da pesquisa que resultou neste artigo. Questionamentos foram levantados a partir da suposição da realidade da população durante os períodos de distanciamento social obrigatório causado pela onda do novo corona vírus, questionamentos estes que foram pensados ao perceber que a educação se viu obrigada a se tornar EAD. Na pesquisa supôs-se que esse modo de ensino poderia vir a ser prejudicial para uma determinada parcela da população, não somente por questões de adaptação, mas também pelo fato de que nem todas as pessoas dispõem de recursos físicos (dispositivos e internet) para acesso aos AVA’s[2]. Além destes fatos traz-se neste artigo as respostas para a reflexão da pesquisa no que diz respeito as tecnologias como meio de entretenimento nestes tempos de pandemia.

Tal temática se apresenta extremamente relevante nos tempos atuais não somente para exploração do conteúdo apresentado, mas também para compreensão de como o acesso à tecnologia se dá nas camadas mais pobres da sociedade, bem como os dados desta pesquisa servirão futuramente para embasar novos projetos e novas pesquisas de caráter humano cientifico que precisem de respaldo em termos de bibliografia partidos da pesquisa de campo.

Para que fosse possível sua aplicação adotou-se o método de pesquisa de campo com auxílio de entrevista semiestruturada visando coletar dados de determinadas pessoas de classes sociais que variaram de media a baixa. O fato deste tema ser relativamente novo tornou os materiais para respaldo teórico bastante escassos, no entanto, foi realizada fundamentação de acordo com as possibilidades propostas para a pesquisa, foram utilizados textos que contemplavam as ideias apresentadas perpassando por revistas, informações de sites confiáveis, artigos e afins. Deste modo, fundamentado por textos científicos somados as informações coletadas por meio das entrevistas realizadas a pesquisa conseguiu responder as questões propostas.

Este artigo cientifico tem como objetivo principal verificar qual a importância da tecnologia nos momentos em que a sociedade se vê obrigada a permanecer em casa, distantes das pessoas mais queridas, confrontando a própria família e lidando com adversidades dentro de casa, entre elas as doenças psicológicas que “visitaram” muitas pessoas durante este período de pandemia. Este trabalho tem ainda o intuito de apresentar os resultados da pesquisa de mesmo nome deste artigo, que foi base principal para que este se concretizasse. 

O texto está organizado em quatro partes, sendo na primeira apresentado um contexto histórico pandêmico e tecnológico, abordando de maneira breve a historicidade dos vírus e da tecnologia junto a humanidade. Na segunda parte aborda-se de maneira critico reflexivo o uso das tecnologias dentro de casa como recurso de estudos e entretenimento para as pessoas, na parte seguinte apresenta-se os dados da pesquisa realizada, confrontando as informações teóricas com a realidade, e finaliza-se com a última parte apresentando as considerações finais deste trabalho.

3. UM BREVE CONTEXTO HISTÓRICO: TECHNE LOGOS.

De acordo com o site Gramatica.net[3], o termo tecnologia deriva do grego techne e significa “técnica” unida a logos que por sua vez significa argumento, razão ou discussão, logo podemos com facilidade deduzir que tecnologia nada mais é do que a discussão da técnica que leva a uma nova produção. Contudo, a tecnologia ao contrário do que algumas pessoas pensam é muito mais do que somente os avanços que percebemos na época em que vivemos.

É comum acreditar que a tecnologia esteja ligada somente aos grandes inventos deste século como por exemplo os computadores ultra rápidos, a internet com conexões aceleradas, na verdade tudo o que um dia foi inovador em determinado tempo se caracterizou como tecnologia em sua respectiva era, o que hoje achamos ultrapassado um dia já foi uma grande invenção que modificou e melhorou a vida das pessoas, pode-se citar aqui o mimeografo tanto utilizado nas escolas para realizar copias rápidas para os alunos.

A tecnologia cresceu com a humanidade, as vezes até mais rápido que a sociedade em si, isso faz com que as pessoas busquem constante adaptação em relação a esses avanços, se pararmos para refletir veremos que a trinta anos atrás nossos pais não faziam ideia das grandes conquistas que alcançamos hoje, daí pode-se tirar conclusões a respeito de suas dificuldades em lidar com os smartphones por exemplo, que substituíram a maior parte dos aparelhos comuns: despertadores, calculadoras, lanternas, relógios e afins, desta forma a tecnologia invadiu o campo social, educacional e residencial, nos fazendo adaptar e a arriscar uma utilização diferenciada destes.

Desde a descoberta da eletricidade e sua manipulação em  700 a. C com Tales de Mileto, esta como tecnologia cresceu em proporções inimagináveis, sendo fundamental no desenvolvimento de aparelhos mais avançados que por sua vez permitiram chegar ao que hoje conhecemos como tecnologias da informação e comunicação (TIC’s) como bem aponta Lemos 2004 ao afirmar que as novas tecnologias de informação e comunicação são resultado de convergências tecnológicas que transformam as antigas através de revisões, invenções ou junções.

Assim a tecnologia está sempre nos rondando desde os tempos mais remotos, pois se analisarmos, o ser humano está em constante processo adaptativo e para que esta adaptação seja possível de acontecer se faz necessário não somente que haja informações a respeito de determinada situação, mas de conhecimento sobre a mesma, de acordo com Costa (2012, p.112)

Querendo-se ou não, atualmente o cidadão de qualquer grande cidade é confrontado com as TIC. São formas de acesso e uso das TIC em que os cidadãos estão imersos com a entrada da sociedade na era da informação, tendo ou não alguma formação para tal uso. A simples vivência em metrópoles coloca o cidadão em meio a novos processos e produtos em que ele terá que desenvolver capacidades de uso das TIC. A digitalização perpassa cada vez mais por diversos processos, e até em atividades corriqueiras do dia-a-dia estamos nos confrontando com questões que já não são mais analógicas e que trazem, de certa forma, alguma novidade em relação ao que é informado/comunicado. Costa (2012, p.112)

A partir desta afirmação se entende que somente o acesso a uma tecnologia especifica não é suficiente para utiliza-la, pois o conhecer, o saber lidar com ela se faz fundamental para a construção do que se chama de sociedade e para seu crescimento, pois foi desta forma que a população se consolidou no que hoje conhecemos, Harari (2015) afirma que esse processo de composição histórico social da humanidade passou por três revoluções, sendo estas a revolução cognitiva, agrícola e cientifica, todas de caráter significativo para que pudéssemos chegar onde estamos em sentido de evolução.

Estas mudanças evolutivas se mostraram fundamentais não somente no que diz respeito comodidade de vida, mas de saltos para avanços ainda maiores na humanidade, pois com pequenos passos foi possível construir grandes estruturas e grandes avanços, segundo Harari (2015):

Em 1500, os humanos estavam confinados à superfície da Terra. Eles podiam construir torres e escalar montanhas, mas o céu era reservado para pássaros, anjos e deidades. Em 20 de julho de 1969, os humanos aterrissaram na Lua. Essa foi não só uma conquista histórica como também um feito evolutivo e até mesmo cósmico. Durante os 4 bilhões de anos anteriores de evolução, nenhum organismo havia conseguido sequer sair da atmosfera terrestre, e certamente nenhum deixou uma pegada ou marca de tentáculo na Lua. (HARARI, 2015, n.p.)

Com este grande marco na história da humanidade, uma infinidade de possiblidades se abriu para o mundo, pois a partir do momento em que o homem percebe que pode transpor a barreira do espaço, supõem ser capaz de fazer qualquer outra coisa, pois até 1500 o ser humano, ainda de acordo com Harari (2015), não acreditava que podia adquirir novas habilidades medicas, militares e econômicas, haviam sim investimentos em educação e pesquisa, mas o objetivo principal era manter os conhecimentos que já se possuía. 

Essa crescente gigantesca de conhecimento, inúmeras inovações tecnológicas foram desenvolvidas e com elas as formas de resolver a mesma situação se tornaram muito maiores e com mais possibilidades, desta maneira, ficou mais viável introduzir determinadas tecnologias no campo educacional, que por sua vez pode ter vindo a melhorar o processo de ensino aprendizagem daqueles alunos que dispõem de acesso a essas mesmas tecnologias.

3.1. VIRUS E HUMANIDADE

Desde que se tem conhecimento a respeito da origem do ser humano compreende-se que o mesmo teve que passar por inúmeras situações que testaram sua capacidade de sobrevivência, desde frio extremo a fome, perpassando por ataques de animais e afins, muito tempo se passou desde que o homem percebeu que não estava sozinho no ambiente, em termos de evolução o ser humano compreendeu que possuía poder sobre os demais animais devido ao seu intelecto superior, o homem tinha capacidade para sobrepor a força dos animais, pois seu cérebro lhe permitia idealizar armadilhas, armas e estratégias que iam muito além da reles força física, deste modo os seres humanos avançaram e conquistaram mais espaços geográficos, expandindo-se rumo a novas terras, fazendo novas descobertas e consequentemente aprendendo sobre o ambiente a qual pertencia.

Com o passar do tempo e os avanços nos conhecimentos adquiridos, foi possível ao ser humano compreender que a vida não lhe era infinita e que poderia ser ameaçada pelos mais diversos animais, porém o ser humano não contava com o fato de que não existiam somente aqueles animais que seus olhos podiam ver, pois seres microscópicos ameaçariam tanto sua vida como qualquer outro animal. Os vírus, retrovírus, fungos e bactérias faziam com que as pessoas morressem com mais rapidez tendo em vista que não haviam conhecimentos que hoje se possui, bem como não havia tecnologia suficiente para lidar com a doenças virais que apareciam.

A humanidade se viu ameaçada várias vezes devido a exposição a vírus que quase a exterminaram, com por exemplo a peste negra, a gripe espanhola e muitos outros que foram disseminados na humanidade devido ao descaso ou por falta de conhecimento, difusão viral essa que ocorria até mesmo por questões de domesticação de animais selvagens:

A domesticação nos expôs a vírus presentes nos animais. Vírus mutantes do gado originaram o vírus do sarampo, nascido na Ásia. O vírus no gado causa a peste bovina, doença letal que foi transportada para os rebanhos europeus. A peste bovina atormentou os criadores europeus durante os séculos XVII, XVIII e XIX. Durante a colonização da África, italianos ou ingleses trouxeram gado para o chifre da África, e com eles veio o vírus da peste bovina. A doença espalhou-se pela África e varreu antílopes, búfalos, zebras, girafas, gazelas e gado do mapa africano (DeSalle apud Ujvari. 2008. n.p.).

Segundo a biologia os vírus possuem uma capacidade mutagênica que faz com o que eles se adaptem com o passar do tempo e de acordo com o organismo infectado, quando uma doença passa de um animal ao ser humano acontece essa mutação dando origem assim as doenças que assolam a humanidade. Nota-se que os vírus não somente estavam presentes na história da humanidade como de certa forma foi cuidado por ela a partir do momento que o homem passa a utilizar-se da natureza da maneira que bem lhe interessa, como por exemplo o caso do gado e de sua domesticação, em outros casos a própria falta de conhecimento a respeito das doenças virais foram fundamentais para que elas se alastrassem com rapidez por várias partes do mundo, como foi o caso da peste negra, que recebeu este nome devido suas características especificas e que fizeram inúmeras vítimas na Europa durante o século XIV.

Além do fato de os micro organismos estarem presentes na sociedade é conhecido também que estes também fazem parte de nós, contribuindo positiva ou negativamente para nosso desenvolvimento biológico, de acordo com Harari (2015. n.p) estima-se que cada um de nós possua dentro de si bilhões de micro organismos unicelulares que nos auxiliam ou nos prejudicam, dependendo da forma como esta se manifesta em nosso interior, algumas digerem os alimentos, limpam os intestinos e outras causam doenças e epidemias. “Com o avanço do tempo e das tecnologias foi possível perceber e se familiarizar com estas espécies, podendo ser possível o combate as doenças que elas causavam nos seres humanos, além de outras possibilidades”. Harari (2015. n.p).

4. RICOS e POBRES: TECNOLOGIA X PANDEMIA

Ao analisar de maneira profunda a sociedade conclui-se que a parcela de pessoas ditas pobres é relativamente grande se colocada em paralelo aqueles que são chamados de ricos, de acordo com o site G1[4] em 2019 o Brasil possuía cerca de 52 milhões de pessoas na linha da pobreza e 13 milhões em extrema pobreza, em porcentagem são 6,5% das pessoas brasileiras sobrevivendo com uma renda menor a R$ 151, 00 por mês, a estas pessoas a situação de quarentena não é uma opção, os auxílios ofertados pelo governo federal deixaram de lado uma grande parcela da população brasileira que precisava deste dinheiro para sobreviver, mas que tiveram seus pedidos negados, em contrapartida, notícias nos mostraram a dura realidade brasileira: enquanto muitos não tem quase nada, poucos tem muito e ainda se aproveitaram das brechas do governo para receberem os auxílios que deveriam ser destinados a população mais pobre.

Para os pobres, a pandemia não foi um motivo que fez com que paralisassem seus trabalhos, pelo contrário, esta parcela da população se viu obrigada a ir as ruas procurar uma forma de trazer sustento para casa, enfrentando e correndo riscos de contaminar-se e consequentemente a família toda podendo vir a perder a principal pessoa que mantinha os recursos do lar. Para essa camada a pandemia não só resultou em recolhimento, mas representou medo, não apenas pelo fato de os hospitais estarem sem leitos para os diagnosticados com Covid, mas também por terem ainda menos certeza a respeito do amanhã.

Mas o que seria de fato pobreza? Algumas pessoas mencionam a pobreza espiritual como sendo uma das mais difíceis de sanar, mas refere-se aqui aquela de caráter material, que se faz ainda necessária de ser superada no hoje, pois como dito acima algumas destas pessoas só tem mais o dia de hoje para algum membro de sua família, de acordo com Crespo e Gurovitz a pobreza é uma categoria de valor quando se fala de um olhar subjetivo, abstrato, no que diz respeito a um determinado grau de satisfação das necessidades básicas ou ainda da privação do que seria dignamente aceitável para viver, assim, 13 milhões de pessoas como bem diz o ditado popular “vendem o almoço para garantir a janta” podendo ainda não ter nenhuma das refeições essenciais em suas mesas.

Por outro lado, a parcela chamada rica, soma míseros 259 mil pessoas, das quais possuem 49%[5] de toda riqueza familiar do país, ao contrário da população mais pobre, estes por sua vez podiam se manter em casa sem nenhuma preocupação, com seus serviços de streaming e comida na geladeira e teoricamente estavam mais protegidos das possíveis infecções do novo corona vírus, no entanto o que mais foi noticiado pela mídia eram as festas de grandes proporções que ajudaram a disseminar o novo corona vírus, alcançando a boa parte da população em velocidade extremamente acelerada. Em casa, confinados com as melhores “regalias” supostamente puderam passar bem seu isolamento.

A pandemia da COVID-19, fez com que o entretenimento se tornasse uma moeda de grande valor no mercado atual, os serviços ofertados pelos streamings foram uma das saídas para  aguentar o ficar em casa, contudo, nem todas as pessoas possuem estes serviços ou sequer os recursos materiais para acesso, de acordo com Marin (2009, p 212) “A mídia assume um papel central na produção de entretenimento e consequentemente na apropriação espaciotemporal de uma vasta parcela da população humana.”, deste modo o entretenimento, garantido pela constituição no seu artigo sexto como uma das garantias constitucionais dizendo que todos os brasileiros tem direito a cultura, contudo, em especificidades isto não é cumprido, tendo em vista que nem todas as pessoas possuem acesso aos meios. A isto denomina-se de exclusão digital, onde de acordo com Costa (2011, p 110):

A exclusão digital traz apenas mais uma faceta às outras exclusões já vividas e conhecidas por essa faixa da população; por isso há a preocupação em tratar a inclusão digital como uma facilitadora de outras inclusões, e não apenas focada no uso técnico das novas ferramentas. (COSTA, 2011, p. 110)

Esta exclusão de caráter tecnológico é apenas um reflexo do que a sociedade real vive todos os dias, pois as pessoas sem condições financeiras são deixadas de lado e as vezes esquecidas por aqueles que deveriam defende-las. Em termos de pandemia estes brasileiros são os que teoricamente mais ficam em casa e consequentemente estão passiveis para adquirir uma doença psicológica, pois o fato de não disporem de verbas faz-se deduzir que não possuem serviços de entretenimento, fazendo com que estes sucumbam diante do tédio. De acordo com o guia disponibilizado pela Pfizer[6], os sintomas psíquicos ou transtornos mentais durante a pandemia podem ocorrer de inúmeras formas, entre elas estão as experiências traumáticas associadas à infeção ou morte de pessoas próximas durante o período de pandemia, o estresse induzido pela mudança na rotina ou ainda pelas consequências econômicas, na rotina de trabalho ou nas relações afetivas.

De acordo com a pesquisa realizada, quando questionados sobre a importância das tecnologias durante a pandemia ou se as mesmas fariam diferença no processo de impedir o desenvolvimento de doenças psicológicas, as falas de G18 foram: “Com certeza ajudariam a passar com mais facilidade. Pra aliviar o tédio? Assistia, Youtube, rede social, assisti filme, nesses aplicativos, filme pirata também.” Ao mencionar o termo “filme pirata” a entrevistada quis referir-se aos aplicativos gratuitos disponíveis que permitem o acesso a filmes online, ao ser questionada nesta mesma pergunta, R23 ressaltou: “Com certeza, principalmente pra desestressar, pra distração, principalmente distração né?” neste sentido os serviços de streaming nas falas das entrevistadas se mostraram com significativo grau de importância no que diz respeito a entretenimento para passagem de tempo nos períodos de reclusão social.

É valido ressaltar que G18 não dispunha de acesso a streaming quando a reclusão era extremamente obrigatória, enquanto que R23 possui dos mesmos no referido período, de acordo com L33, o fato de possuir ou não streaming não influencia no processo de adaptação durante a pandemia pois: “Eu acredito que é uma das formas de tu ocupar teu tempo de outra forma, então não necessariamente eu não tivesse tido porque eu ocupei meu tempo de outra forma, mas talvez as preocupações o medo tivesse causado tudo isso em mim, não que isso pudesse me auxiliar a não ter isso, entendeu?!”. Fica perceptível nas falas desta que independentemente de ter ou não acesso aos serviços, é possível passar pela pandemia, porém L33 desenvolveu crises de ansiedade durante a pandemia, fato este que não aconteceu com G18, tampouco com R23. Marin (2009) afirma que “Nos diferentes campos sociais, o entretenimento passou a ser uma linguagem aceita e necessária[..]”. Desta forma o entretenimento independe de classe social para ser de grande ajuda no que diz respeito à mesma manifestação material daquilo que não o é, sendo nestes períodos de pandemia uma fuga da realidade.

4.1. EAD E AS CAMADAS SOCIAIS

De acordo com os dados coletados pela pesquisa, G18 ao ser questionada sobre a EAD ser a democratização da educação a mesma pondera que: “Eu diria que hoje no brasil, com certeza não, hoje a educação a distância no Brasil ela exclui e exclui muito. Porque não tem como falar de educação a distância sendo que tem gente que nem tem internet, eu acho que é mais de 40 milhões de brasileiros que não tem acesso à internet, então assim, muita gente que ta sendo excluída por conta de que não tem como a educação a distância no Brasil hoje ser inclusiva, teria que ser feita outras coisas para que poder ela ser democrática, porque ela não ta sendo democrática.”, F34 apresenta a mesma opinião: “Não, assim como também a escola pública não tem um ensino democrático, há uma defasagem , se já há uma defasagem dentro do sistema público presencial, imagina a distância, hoje o cidadão ele vai pensar dez vezes antes de comprar uma recarga no valor de 15 reais, sendo que ele precisa comer com esses 15 reais, então, eu acho que não é democrático não.”

É perceptível e dedutível que o Brasil inteiro ainda não possa de fato contar com uma educação democrática vindo do EAD, pois se por um lado ela permite que determinados cursos sejam acessados por uma parte da população, por outro ela segrega esse mesmo acesso limitando-o a apenas aqueles que possuem determinada condição financeira para cursar estes referidos cursos, pois não há em todo o território brasileiro nem mesmo o acesso aos meios tecnológicos para os estudos nessa modalidade de ensino, contudo  de acordo com Alencar (2009, p. 2): “não se pode pensar em inclusão digital sem nos remetermos à inclusão social”. A inclusão e democratização educacional, seja ela de caráter presencial ou a distância só poderá ocorrer de fato, quando a inclusão digital acontecer em todas as camadas e assim consequentemente uma possível inclusão social.

O fato é que as tecnologias estão cada vez mais inseridas no campo educacional, mas isso não significa que todas as pessoas no brasil tenham acesso ou estejam preparadas para elas, também não se deve arriscar que estas direcionem a forma como a sociedade deve caminhar, de acordo com Lévy (1999) “Essas técnicas [TIC] criam novas condições e possibilitam ocasiões inesperadas para o desenvolvimento das pessoas e das sociedades, mas [...] elas não determinam automaticamente nem as trevas nem a iluminação para o futuro humano”. (Lévy, 1999, p. 17), essas tecnologias sejam no âmbito educacional, seja no social não deve ser o foco das mudanças significativas, mas sim devem ser meios que auxiliem no processo de crescimento e de mudança, pois como mencionado acima, não é inteligente simplesmente mudar uma forma de ensino pelo simples fato de “necessitar” de tornar-se tecnológica:

O uso de variadas tecnologias deve ser constantemente reavaliado e readaptado para que cumpra com seu real papel: auxiliar alunos e professores na produção de conhecimento.Os professores devem usar os recursos com sabedoria e criatividade, é preciso mas do que ferramentas para proporcionar o aprendizado, o educador deve planejar suas aulas com responsabilidade, sempre pensado no desenvolvimento e na aprendizagem do seu aluno. Outrossim, existe outras técnicas de ensino, que não podem ser desprezadas no processo de ensino-aprendizagem os quais são: teatro, trabalho em grupo, seminário, dialógo sobre temáticas contextualizadas, aulas campo, etc. Fernandes e Zitzke. (2012, n.p)

Deste modo a educação junto com a introdução de tecnologias no âmbito educacional não só deve ser feita de forma inteligente, como também deve estar em constante readaptação e reavaliação de modo que não caia no desuso ou que seja apenas inserida no lócus escolar por aparência ou para que a mesma caminhe de acordo com o tempo, sem uma verdadeira utilização significativa da mesma. Nesta mesma linha de raciocínio quando questionados sobre a possibilidade da educação EAD ser o futuro do país e sobre como se veem neste cenário, também houve unanimidade nas respostas, F34 respondeu que: “Eu me vejo burro, me vejo com uma limitação de conhecimento extraordinária, [...], eu entendo que pode até ser o ensino a distância no futuro ter uma boa qualidade, mas se hoje fosse futuro eu poderia dizer que hoje estaríamos em uma decadência de conhecimento.”, bem como as demais respostas foram semelhantes, afirmando que neste possível cenário não conseguem perceber-se como parte da realidade.    

Na educação presencial o contato entre professor e aluno é crucial para a assimilação de conhecimento, segundo os entrevistados essa relação permite ao alunado compreender o conteúdo de forma mais significativa, coisa que não acontece no modo de ensino a distância, pois as aulas muitas das vezes são gravadas e não permitem ao aluno tirar dúvidas e tampouco interagir com os colegas de maneira significativa, também não há um agrado aos mesmos alunos pela metodologia utilizada durante as aulas, pois estes não se sentem parte do processo de aprendizagem, mas sim apenas consumidores daqueles vídeos, sobre isso, Goulart (2004) afirma que no ensino presencial as políticas em curso direcionam para o ensino e a pesquisa, enquanto que na EAD o acesso à tecnologia se torna restrito a condição de usuários e consumidores.

Nas camadas mais pobres, esta forma de ensino não é viável pois essa população são consumidores com mais questões a serem processadas na hora de tomar a decisão do investimento, pois são as mesmas pessoas que precisam decidir se põem créditos no celular (quando há aparelho) para ter acesso à educação e sanar a fome de conhecimento ou investem este mesmo dinheiro em um alimento que vai sanar a fome biológica, uma escolha muito obvia de ser realizada se partirmos do pressuposto que o aparelho biológico humano deseja saciar aquilo que lhe incomoda em determinado momento especifico.

5. RESULTADOS DA PESQUISA

A pesquisa como apresentada no projeto foi realizada em campo com auxílio de entrevista semiestruturada, de acordo com Triviños (1987, p. 146) “a entrevista semiestruturada tem como características questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam com o tema da pesquisa” este método permite ao investigador direcionar o foco da pesquisa para alcançar melhores resultados, pois segundo o autor ela “favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...] além de manter a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de informações” Triviños (1987, p. 152)

Após a coletar-se os dados deu-se início a análise dos mesmos, com o auxílio do gravador de sons de um smartphone foi possível manter a fidelidade das falas dos entrevistados. Estes foram escolhidos por meio da observação que incluiu uma análise que correspondia de acordo com os seguintes quesitos: tom de pele, nível de escolaridade e classe social, todas estão arquivadas caso sejam necessárias para comprovação dos dados ou caso outro pesquisador se interesse pelos mesmos, estes por sua vez foram analisados de maneira critico reflexivo levando em conta para sua interpretação o método qualitativo, pois neste artigo buscou-se não a quantidade, mas a qualidade dos dados, sobre este método Demo (1991) diz: “A arte qualitativa do homem é a sociedade desejável que é capaz de criar. E isto passa necessariamente pela participação [...]”. deste modo, a sociedade que se pretende construir por meio do aprendizado assimilado com esta temática é uma em que todas as pessoas estejam inclusas e não somente inseridas, ou tampouco que sejam passivas, mas que sejam colaboradores, autores e atores da sociedade.

Os escolhidos foram designados de acordo com a inicial de seu nome, seguido de sua idade, os escolhidos foram: G18: Parda, classe média, com acesso a streaming e estudante do ensino híbrido, nível de estudo técnico integrado ao médio. R23: parda, classe média, com acesso a streaming e pós-graduanda por meio de faculdade 100% a distância; L33: Parda, classe média, sem acesso a streaming e sem estudos EAD, nível de ensino graduação presencial; F34: Pardo, classe social baixa, pós-graduado faculdade presencial. Após serem escolhidos todos foram notificados sobre o dia de sua entrevista, com exceção de F34, todos os demais foram entrevistados presencialmente, respeitando as normas estipuladas pela O.M.S[7]. Com a conclusão das entrevistas deu-se início a transcrição das informações, posteriormente analisadas e finalmente apresentadas no decorrer deste artigo.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após análise dos dados coletados na entrevista foi possível comprovar as suposições levantadas no projeto de pesquisa, ficando claro que a educação a distância pode vir a ser de grande auxílio na formação das pessoas, contudo, a mesma precisa ser reformulada para que alcance a mais pessoas, é perceptível na fala dos entrevistados que a internet é uma das principais barreiras para que esta modalidade de ensino seja um pró no processo da aprendizagem brasileira. Nota-se que de fato nas camadas mais baixas o acesso a EAD é mais dificultoso, uma vez que a falta de recursos financeiros não permite as pessoas desta classe terem acesso a este método de ensino, além do fato dos alunos estarem acostumados com o modelo presencial, podendo assim o ensino a distância contribuir negativamente na formação das pessoas, pois baseado nos dados levantados constata-se que há uma possibilidade muito maior de aprovação sem comprovação segura do aprendizado dos alunos dentro deste modo de ensino.

Assim, a velha história se repete, o acesso as aulas se tornam mais facilitados e variável, pois cada aluno acessa o ambiente virtual de aprendizagem no horário que melhor lhe for possível, mas não garante a aquisição do conhecimento por aqueles que se submetem ao ensino remoto. No sentido de adaptação percebe-se que há alunos que se adaptam com facilidade a este método, mas a maior parte deles não e podem vir a não ter acesso constante aos AVA’s que permitem o acesso as aulas, professores e colegas, pois nas falas dos entrevistados fica explicito que o contato com o professor e os colegas ainda é o melhor meio de aprender.

A pesquisa, no entanto, foi refutada no que diz respeito aos serviços de streaming serem possíveis meios para evitar o suicídio, pois como bem se viu durante o decorrer do texto o aumento dessas taxas dentro da pandemia cresceu significativamente não apenas nas classes mais baixas, mas em todas elas, mostrando que o acesso a estas plataformas não possui o poder de retirar pensamentos negativos que levam as pessoas a atos tão desesperados, além do fato de pesquisas recentes terem mostrado que os sintomas se tornaram sim mais sinuosos, mas que depois de determinado período, os mesmos voltaram ao seu padrão.

Na opinião dos entrevistados notou-se que independente de terem ou não acesso a estas plataformas os mesmos se saíram bem no quesito suportar os dias enfadonhos e pesados de suas vidas neste período de reclusão social, precisando não apenas de serviços de streaming, mas de auxílio profissional para passar pelas ansiedades e depressões que a pandemia causou e está causando nas pessoas. Conclui-se aqui a pesquisa e deixando abertura para novas investigações nesta mesma linha de raciocínio.

7. REFERÊNCIAS

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INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS
, 2009, São Luís do Maranhão. Neoliberalismo e lutas sociais: perspectivas para as políticas públicas. Rio Grande do Sul: Federação Educa Brasil, 2009. Disponível em: >Acesso em: 22 abr. 2021.

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Disponível em: acesso em: 13 abr. 2021.

FERNANDES, Elizangela da Rocha & ZITZKE, Valdir Aquino. A Evolução da Técnica e o Surgimento da Tecnologia no Contexto Econômico e Educacional. Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. 2012. Disponível em: acesso em: 13 abr. 2021.


[1]Aluno do curso de pós-graduação em Educação a Distância 4.0 – Aluno do curso de pós-graduação em Psicopedagogia Institucional – Especialista em Educação Especial e Inclusiva pela Faculdade Educacional da Lapa – Pedagogo pela Universidade Federal do Pará.  E-mail: rafaelrccmma@gmail.com.

[2]Ambientes Virtuais de Aprendizagem

[3]Disponível em: https://www.gramatica.net.br/origem-das-palavras/etimologia-de-tecnologia/

[4]Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/11/12/ibge-brasil-tem-quase-52-milhoes-de-pessoas-na-pobreza-e-13-milhoes-na-extrema-pobreza.ghtml

[5]Fonte:https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2019/10/21/numero-de-milionarios-no-brasil-cresceu-1935-em-2019-mostra-relatorio.htm

[6]A segunda maior empresa biofarmacêutica global. Fonte: https://forbes.com.br/listas/2015/07/15-maiores-empresas-farmaceuticas-do-mundo/#foto2

[7]Organização Mundial de Saúde


Publicado por: Rafael de Souza Lopes

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