Quem tem medo da "Dez": Um estudo de caso de duas escolas públicas municipais de São Francisco do Co

RESUMO

O presente trabalho busca apresentar os resultados de uma pesquisa feita em duas escolas municipais de São Francisco do Conde acerca da implementação da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o Estudo da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nos sistemas de ensino público e privado, e, os desafios colocados à aplicação da legislação na estruturação/sistematização escolar e nas práticas pedagógicas. Inicialmente, busca-se contextualizar o funcionamento do sistema educacional brasileiro numa sociedade baseada nas desigualdades e, nesse ínterim, o surgimento de uma legislação voltada para a mudança dos sistemas de ensino tendo em vista a diversidade e a diferença, o reconhecimento dos povos africanos na formação do Brasil, suas contribuições nas áreas do conhecimento; o combate às práticas discriminatórias, o preconceito racial e o racismo; a construção de uma identidade negra.

Palavras – chave: Práticas pedagógicas; Estudos afro-brasileiros e africanos; Desigualdades; Funcionamento do campo educacional; currículo; livro didático; estereótipos; preconceito racial; discriminação.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AP Ação Pedagógica
AuP Autoridade Pedagógica
CECBA Centro Educacional Claudionor Batista
CEDIC Centro de Estudos e Desenvolvimento Interdisciplinar
EABA Estudos Afro-Brasileiros e Africanos
HSSFCA História sobre São Francisco do Conde e Africanidades
HSCAI História Social e Cultura Afro-Indígena
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MEC Ministério de Educação e Cultura
PCN Parâmetro Curricular Nacional
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
PPP Projeto Político Pedagógico
SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
SECULT Secretaria de Cultura e Turismo
SEDUC Secretaria de Educação
UNEB Universidade do Estado da Bahia

APRESENTAÇÃO

A questão étnico-racial sempre despertou o meu interesse, primeiro por me reconhecer negra, e segundo por ser uma educadora comprometida com o trato da questão étnico-racial na escola. O fato de a temática africana ter sido pouco estudada em minha trajetória estudantil, tanto no período escolar, como na universidade, me fez despertar o interesse em aprofundar o entendimento da questão étnico-racial no campo educacional.

Assim, a pesquisa monográfica direcionada à temática africana na escola foi proposital, na medida em que o estudo desse tema no âmbito educativo se constituiu uma oportunidade para a busca por compreensão acerca das formas utilizadas pelos sistemas de ensino para trabalhar as questões étnico-raciais no campo da educação.

Tendo em vista a obrigatoriedade da legislação que determina o trato das questões africanas e afro-brasileiras na Educação Básica, embora sem o devido preparo dos docentes para lidar com a problemática que a diversidade se coloca no cotidiano de ensino, procurei perceber como os sistemas de ensino têm contemplado a temática africana nas práticas pedagógicas, entendendo a conjuntura ao qual estão imerso: o contexto educacional eurocêntrico.

A expectativa de formação de uma sociedade menos desigual é acompanhada junto à busca pela construção de espaços sociais abertos à diversidade. O espaço “escola” deve refletir os saberes e valores humanos diversos. A educação sob a ótica da Educação das Relações Étnico-Raciais deve possibilitar o encontro da diversidade e não o confronto que destrói sonhos e expectativas humanas.

Michele Santana Pacheco de Almeida

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I - O FUNCIONAMENTO DO CAMPO EDUCACIONAL 17
1 Entendendo a escola como um campo de exclusão e de relações de poder 17
1.1 A influência da ideologia hegemônica na construção das representações sociais e poder simbólico no espaço escolar 24
1. 2 Currículo escolar e livro didático: elementos reprodutores da ideologia dominante no ensino 39
CAPÍTULO II – A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 E OS NOVOS DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO 46
2 Lei 10.639/03 no ensino: desafios para os sistemas educacionais 45
2.1 O educador e a aplicação da Lei 10.639/03 no ensino: formação para a diversidade? 52
2. 2 Educação para as Relações Étnico-Raciais: um novo caminho para construir uma educação voltada para a superação das desigualdades 57
CAPÍTULO III – HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA NO CONTEXTO DE NOVAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS 61
3 História e Cultura Africana e Afro-Brasileira no ensino de São Francisco do Conde: estudo de caso 61
3.1 Ações dos sistemas de ensino para a implementação da Lei 10.639/03 66
3.2 “Vamos dar uma aula de respeito às diferenças”: a Lei 10.639/03 no contexto das Políticas Educacionais de São Francisco do Conde 78
CONSIDERAÇÕES FINAIS 80
REFERÊNCIAS 82

INTRODUÇÃO

Convivemos atualmente com o significativo surgimento da Lei 10.639/03 que traz fortes repercussões e implicações aos sistemas educacionais. No entanto, embora a legislação educacional, obrigatória nos estabelecimentos públicos e privados, ainda seja algo novo para os sistemas de ensino, a necessidade de estes estarem estruturados ou se estruturando a fim de oferecer de forma plena uma educação de fato determinada a propiciar um espaço que contemple e valorize a diversidade de culturas e povos, que se proponha em novas posturas e concepções pedagógicas, humanizantes e imparciais, tornam-se relevante e urgente.

O Movimento Negro, alguns intelectuais e setores sociais têm denunciado a escola como um espaço onde são formados e reforçados comportamentos e ideias carregados de racismo e preconceito em relação à população negro/a¹. Nesse sentido, tanto por meio de práticas pedagógicas, currículo, relações interpessoais entre os agentes educativos e os estudantes é que os sistemas educativos conduzem a dinâmica das desigualdades e tratamentos diferenciados entre brancos e não brancos, com efeito perverso ao aluno negro.

Nesse ínterim, é pertinente a reflexão acerca das dificuldades que a criança negra encontra para construir a sua identidade étnico-racial, especialmente em um espaço que cotidianamente atua para inferiorizar a importância dos seus ancestrais na formação da nação brasileira. Dessa forma, tanto a aversão a sua negritude, a vergonha em pertencer a um grupo racial que ela encara como insignificante, são apenas algumas conseqüências nefastas na formação da identidade do indivíduo negro na sociedade brasileira.

A escola reproduz os estigmas e estereótipos e serve para rotular o aluno negro como “fracassado”, aquele que já está fadado ao insucesso. Quando o aluno negro se destaca é tratado como o “esforçado”, aquele que estuda mais em relação aos outros colegas. Esse tratamento geralmente não é dado ao aluno branco, que tem o seu desempenho encarado como natural.

O contexto escolar reproduz a valorização da cultura hegemônica em importância e significado às outras culturas formadoras do povo brasileiro. A cultura européia, e mais recentemente, a norte-americana, se destacam e sobrepõem-se aos saberes diversos que constituem e fazem parte da riqueza de conhecimentos que herdamos através da influência dos indígenas, africanos, asiáticos, que deixaram um legado de conhecimento, valores, crenças, formadores dos nossos hábitos e costumes.

É nesse contexto que o presente trabalho de pesquisa se propõe: apresentar os resultados das pesquisas acerca do entendimento daquilo que é o funcionamento do campo educacional, sob a égide das relações hierárquicas entre brancos e negros, através da tensa construção da identidade do aluno negro no contexto educacional que privilegia o capital cultural europeu, e, a reeducação das relações étnico-raciais no contexto educacional, através de novas práticas pedagógicas propostas pela Lei 10.639/03 e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

No Capítulo I, contextualizo o funcionamento do campo educacional no ínterim de uma sociedade que valoriza a cultura hegemônica. Utilizo as referências de Dermeval Saviani em Escola e Democracia (2005) acerca dos estudos de Bourdieu e Passeron (A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino, 1975) sobre a violência simbólica reproduzida nos sistemas de ensino, através da ação pedagógica autoritária imposta por um modelo de educação conservador que valoriza e reproduz a cultura hegemônica.

Nesse contexto, a fim de entender a formação do imaginário social acerca da diferenciação racista entre brancos e negros, foi utilizado as pesquisas de Munanga da obra Rediscutindo a mestiçagem no Brasil (2008) onde o autor traz uma abordagem dos estudos de Gobineau, Buffon, Diderot, Sílvio Romero, Nina Rodrigues, Euclides da Cunha, dentre outros, que serviram para fundamentar a sua discussão acerca da construção das teorias que tentavam justificar a inferioridade do negro e sua situação de pobreza oriunda dessa suposta inferioridade. Assim, por meio da influência significante dessas teorias raciais, buscou-se compreender a formação do pensamento social preconceituoso e discriminatório em relação aos negros e mestiços. E, por outro lado, estudos que buscavam um outro direcionamento. Por exemplo, os estudos de Oracy Nogueira que procurava diferenciar o racismo de origem (Estados Unidos, onde a ascendência define a raça/etnia), do racismo de marca, este associado a fatores sócio-econômicos (no caso do Brasil, onde o negro/mestiço que ascende socialmente é inserido no mundo dos brancos). Nogueira considerava pertinente o tipo aparente, isto é, a cor da pele asssociada a marcas sociais de classe.

Os estudos de Guimarães na obra Racismo e anti-racismo no Brasil (1999) e o resultado de alguns estudos sobre Preconceito de cor e racismo no Brasil (2004), foram fundamentais para o entendimento sobre o preconceito e a discriminação vivenciada pela população de cor negra nos espaços sociais. A cor da pele negra numa sociedade racista é símbolo de discriminação. A cor da pele tem um significado social muito forte e serve para definir a posição de determinados papéis e funções sociais de indivíduos e grupos. Assim, ser negro no Brasil ainda implica em ser um indivíduo discriminado pela cor da pele, e, nem mesmo sua condição social privilegiada é elemento que isenta o negro do preconceito. Isso porque embora uma condição social privilegiada propicie ao negro freqüentar lugares refinados na sociedade, ainda assim, ele é olhado com desconfiança pelas pessoas brancas. Além disso, o branco pobre tem mais chances de ser aceito em determinados setores sociais do que um negro pobre.

A contribuição de Ana Célia Silva em sua obra A discriminação do negro no livro didático (2001), sobre as representações sociais de brancos e negros nas ilustrações do livro didático de Língua Portuguesa, demonstra as diferenças de representações sociais hierárquicas entre brancos e negros no meio social, baseadas na ideologia da inferioridade do negro em relação aos outros povos.

Embora a população negra em sua maioria faça parte do contingente de pobreza, essa situação não deve ser justificada como algo de responsabilidade do próprio negro, mas sim por variados mecanismos que propiciaram uma situação de desigualdade entre brancos e negros. No entanto, apesar da situação de pobreza ao qual a maioria negra se encontra, também é considerável mostrar a ascensão social de pessoas negras.

A criança e o jovem negro constrói a percepção de seu grupo étnico-racial através da ótica da inferioridade. As imagens passadas pelos meios de comunicação são carregadas de estereótipos e estigmas em relação ao negro. As ilustrações do livro didático animalizam, idiotizam, rebaixam, inferiorizam os negros, e, por outro lado, engrandecem os brancos. (SILVA, 2001)

Tais estereótipos atribuídos ao negro contribui negativamente no processo de formação da identidade e aceitação dos traços estéticos herdados. Nesse sentido, Gomes (2001, 2003) em seus estudos sobre estética negra, e as reflexões de Munanga (2001, 2008), acerca das tensas construções da identidade negra numa sociedade racista, trazem uma importante reflexão sobre a formação da negritude tomando por base a negação/aceitação da estética numa sociedade que padroniza a beleza europeia. Compreender a auto-estima do/a aluno/a negro/a numa sociedade que valoriza o padrão de beleza branco-europeu, ressignificar a negritude nesse contexto discriminatório torna-se uma tarefa extremamente difícil. No entanto, a reeducação das relações raciais implica nesse repensar – tanto por novas concepções, quanto por novas posturas que visem a valorização da diversidade.

Apple em Ideologia e Currículo (1982) teoriza sobre a reprodução da ideologia dominante no currículo escolar e seus efeitos na preservação da ordem social. Tanto a economia, como o sistema político colaboram para a formação da consciência. Nesse sentido, a reprodução das desigualdades entre brancos e negros seguiria a ordem social, natural. Por outro lado, a importância de um currículo que valorize a multiculturalidade de povos e culturas formadoras de uma sociedade é fundamentada em Sacristán em Currículo e Diversidade Cultural (1992), onde enfatiza a necessidade de a educação acolher a diversidade. O currículo escolar deve ser elaborado a partir da contextualização da cultura local e nacional, e não referenciar um único conhecimento. Além dos conteúdos referentes à diversidade de conhecimentos, a valorização dos saberes “extra-classe” é fundamental para que a escola se aproxime das formas de vida dos estudantes.

No Capítulo II, há uma abordagem acerca do surgimento da Lei 10.639/03 e os desafios encontrados pelos sistemas educacionais para estruturar as práticas pedagógicas a fim de implementar o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no ensino público e privado, bem como, a reeducação das relações étnico-raciais para possibilitar mudanças de posturas e concepções enraizadas pelo racismo e pelo preconceito. Oliva (2003) em suas análises sobre a História da África nos bancos escolares, enfatiza o desconhecimento ocidental acerca do continente africano e as implicações no ensino. A obrigatoriedade da inclusão da História da África no currículo como conteúdo das disciplinas ao longo do ano letivo gerou e tem gerado inquietações nos meios escolares e acadêmicos. Como Oliva questiona: “como ensinar o que não conhecemos?” Assim, as dúvidas do como e o quê trabalhar no ensino, são pertinentes, se formos pensar a histórica negligência da sociedade brasileira no que diz respeito aos conhecimentos dos povos africanos e suas contribuições nas áreas do conhecimento humano.

É importante saber que a alteração da legislação educacional não implica apenas na mudança do conteúdo didático. Requer também a mudança na subjetividade dos grupos étnico-raciais presentes na sociedade brasileira, numa perspectiva da diversidade, do direito à diferença. Requer o combate a mecanismos implícitos e explícitos de discriminações raciais fortemente enraizados nos setores sociais.

A Constituição Federal de 1988, a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), Temas Transversais – Pluralidade Cultural, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, são alguns documentos utilizados para orientar os sistemas de ensino acerca do tratamento da questão étnico-racial nas relações do contexto escolar e extra-escolar. O entendimento de que o racismo contra o negro, as desigualdades entre brancos e não-brancos não se restringem apenas ao Movimento Negro, são questões levantadas por Gomes (2008), que considera como dever do Estado Brasileiro e da sociedade atuar para combater a discriminação racial e o preconceito.

A limitada formação do educador para lidar com a problemática que a diversidade coloca cotidianamente no ensino (MUNANGA, 2001) repercute consideravelmente nas práticas pedagógicas, bem como nas situações que surgem nos espaços da escola (sala, pátio), tais como, piadas e falas inferiorizando a estética negra, associação do negro ao sujo, dentre outros aspectos, que são determinantes nas relações de aprendizado do aluno negro. A sua aprendizagem é afetada quando vivencia constantemente ridicularizações em sala e, portanto, não consegue ter um bom desempenho, nem mesmo, se considera como um indivíduo capaz. Pela falta de preparo do docente, as situações de discriminações são encaradas por indiferença e silêncio.

No Capítulo III, trago os resultados do estudo de caso realizado em duas escolas municipais de São Francisco do Conde em relação à implementação da Lei 10.639/03. A fim de compreender como as escolas estão estruturando as práticas pedagógicas para oferecer um ensino baseado na inclusão da temática africana no currículo e no ensino, busquei realizar uma análise das ações desenvolvidas pelo Departamento da Área de Humanas para subsidiar a prática docente. Em virtude de as escolas criarem uma disciplina voltada para a temática étnico-racial, sob a coordenação da área de humanas da escola, resolvi realizar a pesquisa com o referido departamento.

Inicialmente, realizei a entrevista com a Coordenação responsável pela estruturação curricular da disciplina, bem como os professores da disciplina História Social. Em seguida, passei a analisar os documentos das escolas, referentes às ações desenvolvidas para proporcionar aos docentes uma formação continuada e de suporte às práticas de ensino. Os documentos que analisei foram referentes aos Ac’s, os projetos desenvolvidos pelos docentes, os seminários e fóruns realizados pela escola na Semana da Consciência Negra.

Tornou-se necessário verificar na Secretaria de Educação (SEDUC) do município de São Francisco do Conde sobre o Documento Introdutório para a Construção das Diretrizes para a Política Educacional de São Francisco do Conde, elaborado pela assessoria da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) que presta serviços à Secretaria. Esse documento trata de orientações para a estruturação das escolas para a implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08 no ensino.

A pesquisa junto à coordenação da escola foi importante na medida em que pude analisar como as escolas estão se estruturando para aplicar a legislação educacional, e nesse sentido, pude constatar as dificuldades para a implementação da Lei 10.639/03 no currículo e no ensino. O pouco conteúdo acerca do continente africano, o enraizado preconceito e indiferença em relação à questão racial, o mito da democracia racial, dentre outros aspectos, repercutem no currículo escolar e no processo ensino-aprendizagem.

A ausência de uma política educacional plena, capaz de estruturar os sistemas educacionais a partir do surgimento da Lei 10.639/03, de forma que os gestores, os docentes e coordenadores não sentissem tantas dificuldades no processo de implementação da questão étnico-racial de forma eficiente no currículo e nas práticas pedagógicas, foi elemento condicionante e dificultador dos sistemas educacionais pesquisados.

Ter a legislação como aliada já é um grande passo. No entanto, é preciso não estacionar por aí, é imprescindível a estruturação dos sistemas educacionais através de uma formação docente que priorize a diversidade cultural, religiosa, uma visão positiva acerca da importância da diferença na formação individual, coletiva, social; a reformulação do currículo etnocêntrico por um currículo multicultural; a inovação e melhorias nos recursos didáticos, reflexão e conscientização da formação da negritude e branquitude na conjuntura social-eurocêntrica; a proposta de espaços educativos que proponham debates, discussões, seminários, etc., para que assim, os resultados sejam significantes tanto nas mudanças de concepções, como nas posturas. A “descolonização” de idéias e práticas é um processo contínuo e incessante.

Não é possível desconstruir “500 anos” de influência e dominação européia no modelo cultural ao qual fomos socializados. Não é uma disciplina específica, um curso de formação de curta duração, nem eventos esporádicos que irão desfazer mecanismos desiguais e hierárquicos entre brancos e negros. Sobretudo, a existência de uma legislação que reafirme a importância de incluir os conhecimentos dos povos africanos nos conteúdos e currículos, que fará com que de imediato todos – indivíduos e grupos étnico-raciais passem a conviver harmoniosamente de uma hora para outra. Somente a constância das ações dos movimentos sociais, daqueles que tem forte interesse em combater as desigualdades, de todo um conjunto – sociedade civil, intelectuais, pesquisadores, família, comunidade negras, etc., unidos em prol do respeito e da valorização da diversidade e da diferença, é que poderemos alcançar o êxito pela plena harmonia nas relações étnico-raciais.

CAPÍTULO I – O FUNCIONAMENTO DO CAMPO EDUCACIONAL

“Temos que aceitar que introjetaram em nós uma série de mecanismos, uma série de posturas que são racistas e autoritárias. Então, para aceitar isso, é preciso ter coragem de assumir essa luta e essa contradição. Nós somos contraditórios e a assunção desta contradição nos dará coragem para enfrentar nossas dificuldades.”

Helena Theodoro Lopes

1. ENTENDENDO A ESCOLA COMO UM CAMPO DE EXCLUSÃO E DE RELAÇÕES DE PODER.

Ao longo do tempo, o sistema educacional brasileiro criou mecanismos de exclusão do segmento negro/a dos processos de escolarização. Inicialmente, através do Decreto n° 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, que determinava que nas escolas públicas do país não fossem admitidos escravos/as. Cabia aos/às professores/as a decisão de ensinar aos adultos negros/as. Posteriormente, o Decreto n° 7.031 – A, de 06 de setembro de 1878, estabelecia que os negros somente pudessem estudar no período noturno. (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, MEC/SECAD, 2004).

Assim, várias estratégias de impedimento ao acesso pleno da população negra aos bancos escolares foram montadas no século XIX. Entretanto, mesmo após a universalização da escola pública, o sistema educacional brasileiro se constituiu como um espaço permissivo e excludente, através de um contexto de ensino que valoriza e legitima a cultura hegemônica, sobretudo, indiferente às necessidades específicas dos grupos étnico-raciais indígenas e africanos.

Os resultados são notórios: os grandes índices de analfabetismo, evasão e menor número de anos de estudo estão entre a população negra, bem como, o ingresso precoce ao trabalho informal como resultados da situação econômica desfavorável. As disparidades entre brancos e negros é o resultado do processo do sistema escravocrata opressor e excludente na estruturação da condição social do negro nos setores da sociedade brasileira. (REIS, 2009).

Nessa perspectiva a escola dá significados e sentidos ao ideário social dominante através de mecanismos institucionais excludentes - por meio de um currículo didático que representa os papéis sociais e as relações hierárquicas do branco e do negro na sociedade e difundidas na prática pedagógica conservadora que focaliza a cultura européia como oficial.

A cultura hegemônica é difundida na escola e internalizada pelos alunos brancos e não brancos, porém com efeito perverso ao aluno negro que se vê representado de forma caricatural e estereotipado, além de ser encarado com idéias preconcebidas no que confere à sua etnia/raça. Assim, a tendência dos sistemas de ensino é privilegiar o capital cultural europeu como fundamento dos conteúdos e conhecimentos escolares, tendendo à homogeneização.

A heterogeneidade da formação brasileira é invisível e negada. Conforme Sacristán, (1992) “os padrões de funcionamento da escolarização tendem à homogeneização. A escola tem sido e é um mecanismo de normalização.” (p. 83) Através de mecanismos ideológicos, organizativos e pedagógicos é que a assimilação da cultura dominante e homogeneizada se faz presente nas práticas de ensino.

São as relações de força material produzidas no sistema capitalista e transposta nos sistemas de ensino que são a base para a ideologia da organização e práticas pedagógicas. Para Bourdieu & Passeron (apud SAVIANI, 2005) a sociedade estrutura-se como um sistema de relações de força material entre grupos ou classes. E, na base da força material surge um sistema de relações de força simbólica que reforça por dissimulação as relações de força material.

A idéia central da teoria da reprodução do sistema de ensino define que “todo poder de violência simbólica, isto é, todo poder que chega a impor significações e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força.” (BOURDIEU & PASSERON, 1982, p. 19) A tese defendida por esses dois teóricos afirma que o sistema de ensino reproduz a cultura dominante e essa reprodução cultural reforça como poder simbólico a reprodução constante das relações de força na sociedade.

O processo de ensino é realizado por meio de uma Ação Pedagógica (AP) que se processa como uma imposição arbitrária da cultura dos grupos dominantes aos grupos dominados, se define e se determina através da Autoridade Pedagógica (AuP) que é encarada como legítima e que difunde o capital cultural hegemônico.

Ainda segundo Saviani, a violência material é convertida ao plano simbólico que (re) produz o reconhecimento da dominação e de sua legitimidade pela dissimulação de seu caráter de violência explícita. Então, a dominação econômica dos grupos e classes dominantes corresponde à violência simbólica, isto é, à dominação cultural.

A Ação Pedagógica (AP) exercida pela Autoridade Pedagógica (AuP) é definida por Bourdieu & Passeron

Como trabalho de inculcação que deve durar o bastante para produzir uma formação durável; isto é, um hábitus (grifo do autor) como produto da interiorização dos princípios de um arbitrário cultural capaz de perpetuar-se após a cessação da AP e por isso de perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário interiorizado. (1982, p. 44)

Os efeitos de uma ação pedagógica desenvolvida no contexto escolar que é caracterizada pela reprodução da cultura dominante contribuem para a reprodução da estrutura das relações de força onde a escola assegura a violência simbólica e a legitima no ensino. Assim, a função da educação é a de reproduzir as desigualdades sociais pela reprodução da cultura legítima sobre outras culturas marginalizadas.

O contexto de ensino em que as culturas e os povos encontram-se inseridos reforça as desigualdades sociais e a legitimidade cultural do grupo dominante. Os grupos e classes subalternos são marginalizados socialmente porque não possuem a força material - capital econômico - e culturalmente porque não possuem força simbólica - capital cultural. (SAVIANI, 2005) Sobretudo, é na escola que o reforço das desigualdades acontece, uma vez que a ideologia transposta no ensino se relaciona com os interesses dominantes.

A escola enquanto campo social de (re) produção de sentidos e significados orienta as ações dos sujeitos escolares – docentes, discentes, gestores e funcionários -, e tende a refletir as características das estruturas de poder e dominação social. O funcionamento do campo educativo se processa sob a égide de uma cultura de dominação que se reproduz através de mecanismos de legitimação do preconceito e da discriminação racial. As relações raciais tensas, construídas no ambiente escolar são tratadas pela escola com indiferença ou de forma superficial, fator que contribui consideravelmente para a difusão de atitudes discriminatórias e a aversão do indivíduo negro à sua “raça”.

Um dos mecanismos de reprodução das relações de poder é através da inculcação de determinados conteúdos curriculares que primam pelo ideal do colonizador. Sob várias formas, as desigualdades são difundidas e legitimadas.

As atribuições de juízos de valor sobre os alunos brancos e não brancos; práticas docentes autoritárias e legitimadoras de um ideal de poder sobre um “inferior” (nesse caso o aluno negro, que deve obedecer à autoridade do professor que tem nas práticas de ensino o arbitrário cultural hegemônico); concepções concernentes à organização das ações pedagógicas que reforçam um ideal de cultura em detrimento de outras, para hierarquizar conhecimentos, comportamentos, relações de autoridade e, sob essa lógica de poder que o sistema de ensino transcorre no cotidiano dos atores escolares.

As instituições educacionais ainda expressam ações conservadoras no ensino e no trato com os/as alunos/as e tais relações de poder são legitimadas nas ações pedagógicas e institucionais. É a chamada autoridade pedagógica que serve para legitimar o arbitrário cultural dominante. Nesse ínterim, o capital cultural valorizado e de prestígio e poder na sociedade assume uma posição prioritária na composição da matriz curricular e se estabelece e se difunde sob várias facetas.

A prevalência do capital cultural europeu no contexto de funcionamento das instituições educacionais, no currículo, na formação de professores, nas atividades desenvolvidas na escola, enfim, o arbitrário cultural do colonizador instaurado no campo educacional é uma forma de violência simbólica presente nesse espaço social.

A violência simbólica que o negro sofre no espaço escolar acontece sempre que ocorre a negação da sua negritude, sua pertença étnico/racial, a ausência da história e cultura de seus ancestrais, enfim, toda vez que a sua existência se torna invisível sob mecanismos racistas e discriminatórios.

É também na escola que o aluno constrói sua percepção do mundo, seu modo de pensar, seu comportamento. É nesse espaço social que o aluno negro forma sua percepção acerca das relações interpessoais que ocorre no ambiente escolar, tanto da sua relação com seus colegas, como através dos professores e gestores.

Os valores, emoções, ideais e comportamentos recebem significados e simbologias que delineiam sua “persona”. A ambiência educacional e suas variadas formas de intervenções pedagógicas - práticas educativas, currículo, o universo escolar cotidiano -, configuram na mentalidade do aluno negro um conjunto de significados e simbologias que marcam a idealização desse espaço social enquanto espaço de aprendizagem e formador de sua individualidade e identidade racial.

A representação da escola no imaginário do aluno negro é carregada de subjetivações e emoções diretamente ligadas à sua condição social e mais especificamente, racial. A maneira como o estudante percebe e se relaciona no espaço escolar (tanto nas relações grupais e com o professor), se processa de forma dinâmica e influente, e se relaciona com a forma com que o estudante se identifica no espaço educativo, no clima que envolve sua vivência nesse ambiente e que define e determina posições e condutas.

A desmotivação do aluno negro na escola decorre de uma série de fatores - desde o ensino que reforça uma ideologia de inferioridade cultural do negro e seus ancestrais; que não trabalha a questão racial, a diversidade e a diferença étnica; que nega e torna invisível o negro; o fator sócio-econômico ao qual este segmento está inserido na sociedade. E, mediante tais mecanismos excludentes, a autorrejeição a cor e aos traços físicos, o sentimento de vergonha de si e de não se reconhecer enquanto negro são conseqüências do poder de uma ideologia perversa na construção do indivíduo em relação à sua identidade racial e que resulta em fracasso no processo de aprendizagem.

Os efeitos psíquicos de uma ambiência educacional desfavorável ao desenvolvimento educativo dos estudantes negros resultam nos altos índices de evasão, repetência e baixo desempenho escolar. Desse processo difícil o aluno negro nutre um sentimento de incapacidade e inferioridade em relação aos outros colegas e não vê na escola a possibilidade de crescimento pessoal.

Há situações em que a justificativa dada pela escola para compreender os baixos desempenhos de muitos alunos negros é através da afirmação da “dificuldade de aprendizagem, déficit de atenção, problemas psicológicos”, mas raras vezes a escola se propõe a analisar a trajetória de vida desse aluno, sua situação sócio-econômica ou a própria prática pedagógica ineficiente. A culpa recai sobre o aluno que é responsabilizado pela sua derrota escolar.

Da mesma forma que muitos intelectuais justificaram e responsabilizaram a situação de pobreza e miséria da maioria da população negra à inferioridade racial deste segmento (e não a fatores e situações excludentes criados pela elite governante), o aluno negro vivencia o sistema excludente e racista do ensino, ao ser culpado e responsabilizado pelo seu fracasso no desempenho escolar.

Desta forma, o fracasso do aluno negro na escola pode ser resultado de vários fatores, exceto à ideologia de inferioridade racial, étnica, cultural ou biológica.

Sobretudo, é importante salientar que quando a escola confere ao aluno negro total responsabilidade do seu fracasso escolar, atribuído à dificuldade de compreender o assunto, sem antes realizar uma avaliação séria, a escola está na realidade agindo de forma racista e discriminatória, e de um mecanismo de exclusão que acontece de forma silenciosa.

Quando a ação pedagógica não intervém no sentido de fazer com que o aluno tenha um ensino que preencha suas necessidades, mas uma ação docente indiferente e que desconsidere sua dificuldade, também a escola está (re) produzindo uma prática de exclusão desse aluno e perpetuando mais um mecanismo de poder e invisibilidade ao diferente.

A prática de rotulação do aluno em “culpado”, “fracassado”, “aquele que não avança porque é lento no raciocínio”, implica num mecanismo de ocultação das causas do fracasso do aluno que pode ser por vários fatores, dentre eles a escola e a sociedade que produzem as condições materiais para o fracasso ou o êxito do aluno. Assim, o educador através do “efeito profecia”, com concepções e posturas carregadas de pré-conceitos acerca do aluno negro.

O processo de rotulação, portanto, tende a funcionar com uma forma de controle social, um sucedâneo avaliativo para a longa linha de mecanismos com que as escolas procuram homogeneizar a realidade social, eliminar as percepções divergentes e empregar meios supostamente terapêuticos para criar consenso moral, ético e intelectual. (APPLE, 1982, p. 189).

O complexo processo de rotulação e parcialidade nas práticas de ensino - a distribuição de diferentes tipos de conhecimento e tendências a diferentes tipos e classes de pessoas-, evidencia o descaso e a ausência de responsabilidade social do gestor e do corpo docente. Na realidade, diferenciar métodos de ensino e conhecimentos para tipos de alunos é uma prática que mantém e perpetua as desigualdades educacionais e sociais.

A escola tem duas alternativas para lidar com as situações apresentadas: ou reage e investe numa mudança significativa do ensino para que o aluno preencha as lacunas de dificuldades, ou reforça tais dificuldades na medida em que se ausenta das responsabilidades do desempenho deste aluno. Se trabalhar as diferenças no sistema de ensino é algo democrático e de respeito aos direitos individuais e coletivos, então o contrário implica na preservação e perpetuação de um modelo de educação que privilegia o capital cultural hegemônico, legitimado como ideal.

Tornar a escola um espaço que valoriza a pluralidade de culturas é reconhecer as diferenças de forma positiva. “Desierarquizar” as relações de ensino, os saberes e estar aberta aos modos de ser e viver dos atores sociais que estão inseridos na escola é compreender as identidades e individualidades no contexto da diversidade.

1.1 A INFLUÊNCIA DA IDEOLOGIA HEGEMÔNICA NA CONSTRUÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E PODER SIMBÓLICO NO ESPAÇO ESCOLAR.

Os fundamentos da ideologia hegemônica de superioridade e inferioridade entre brancos/as e não-brancos/as, justificadas pela exploração e colonização da Europa sobre os povos asiáticos, africanos e ameríndios, influenciaram consideravelmente na inculcação no imaginário social da hegemonia européia sobre os povos colonizados. Nesse ínterim que as representações sociais ganham espaço no meio social e reforçam a legitimidade das construções feitas de indivíduos e seu grupo, dotada de valores, estereótipos, estigmas, onde são atribuídas ideologia de superioridade e inferioridade social/racial, que contribuem com a construção deturpada e distorcida do real.

Em busca da manutenção do status quo, da hierarquia de poder e principalmente da ideologia hegemônica, a utilização das representações sociais de caráter racista se configura por meios imagéticos e ideológicos e cumpre a função de cristalizar no ideário social a definição de papéis e posições de brancos e não brancos na sociedade.

Para entender como as representações sociais de cunho racista conquistaram espaço e força na sociedade é preciso retornar à história para perceber como a ideologia de superioridade entre povos e culturas, serviu para fundamentar o processo de colonização e, como as teorias e filosofias racistas que pregavam o ideal de superioridade/inferioridade entre europeus e os povos colonizados (índios e africanos) serviram para justificar a utilização da força de trabalho escravo.

Segundo as filosofias e teorias raciais dos séculos XVIII e XIX, os europeus detinham a capacidade científica, filosófica, enquanto que os povos colonizados e encarados como selvagens e primitivos, serviam apenas ao trabalho braçal. Portanto, é nesse ínterim que a lógica da colonização buscava fundamentar e justificar a exploração, escravização, opressão e marginalização do indígena e do africano através do discurso da existência de raças superiores e inferiores, e a imposição da religião Católica com o fim de cristianizar os povos “primitivos”.

Assim, no sistema baseado na exploração dos povos indígenas e africanos, caracterizado por uma ideologia justificadora da opressão é que o colonizador europeu criou as bases para a marginalização, e desigualdades.

Embora o índio e o africano fossem encarados pelos europeus como atrasados, inferiores, primitivos, ainda assim havia certa diferenciação discriminatória e de cunho racista na hierarquia racial que colocava o índio acima do negro africano, onde os povos indígenas detinham certa revalorização no século XVIII, através do mito do “bom selvagem” de J. J Rousseau e da aceitação das civilizações incas e maias. (MUNANGA, 2008, p. 20)

A estética indígena – pele mais clara e próxima da cor da pele do europeu, bem como o seu cabelo escorrido - influenciou na superioridade do índio sobre o africano.

A marca indelével da cor, os traços faciais, o cabelo crespo, se tornaram elementos de repúdio ao qual o negro foi severamente submetido do período colonial, com efeitos até os dias atuais. (GUIMARÃES, 1999, 2004; FERNANDES, 2007; MUNANGA, 2008).

O botânico sueco Carolus Linnaeus , em 1758, foi o responsável pela criação do atual sistema de classificação dos seres vivos – deu à humanidade o nome científico de Homo Sapiens e a classificou em quatro subespécies: os vermelhos americanos, “geniosos, despreocupados e livres”; os amarelos asiáticos, “severos e ambiciosos”; os negros africanos, “ardilosos e irrefletidos”, e os brancos europeus, evidentemente, “ativos, inteligentes e engenhosos”. (CUNHA, 2010) Dessa diferenciação da humanidade, segundo critérios de superioridade/inferioridade entre povos, os indivíduos e grupos passam a se enxergar e encarar o outro.

Em 1855, Arthur de Gobineau escreveu o Ensaio Sobre a Desigualdade da Raça Humana, a bíblia do racismo moderno, que considera a miscigenação como a causa da decadência e da degeneração das nações. Afirma que mediante a mestiçagem o sangue puro se altera e perde valor.

Segundo Gobineau, a raça branca possuía originalmente o monopólio da beleza, da inteligência e da força. Porém, através das sucessivas misturas os povos degeneram. Além disso, a raça ariana era encarada por ele como suprema, capaz de conquistar os povos fracos, civilizá-los. No entanto, começaram todos a declinar quando o sangue ariano diluiu-se por cruzamentos. De todas as misturas raciais, as piores, do ponto de vista da beleza, são as formadas pelo casamento de brancos e negros. (MUNANGA, 2008, p. 43)

A divisão da humanidade em raças serviu para acarretar impactos fundamentais na formação das diversas sociedades, implicando tanto no avanço de umas (caso dos povos europeus) como na exploração e atraso de outras (caso dos países dominados).

No século XIX, o conceito de raças, atribuído aos caracteres biológicos subdividia as espécies humanas.

No século passado, não havia dúvidas de que as “raças” eram subdivisões da espécie humana, grosso modo identificadas com as populações nativas dos diferentes continentes, caracterizadas por particularidades morfológicas, tais como cor da pele, forma do nariz, textura do cabelo e forma craniana. A tais particularidades físicas, juntavam-se características morais, psicológicas e intelectuais, que se supunham definir o potencial diferencial das raças para a civilização. Estas doutrinas científicas, que Appiah chama de racialismo, serviram de base para justificar diferenças de tratamento e de estatuto social para os diversos grupos étnicos presentes nas sociedades ocidentais e americanas, e conduziram, quase sempre, a um racismo perverso e desumano, e às vezes genocida. (GUIMARÃES, 1999, p. 62)

A aparência física, revestida de significados sociais, se torna um elemento condicionante e de distinção entre os povos. Ser branco/a e ser negro/a numa sociedade racista e de classes implica em ser aceito ou não e, nesse caso, a rejeição explícita ao qual o negro e seus descendentes passam a vivenciar tem marcas tanto pelo genótipo (origem genética) como pelo fenótipo (pigmentação da pele) que caracterizam a condição social desse indivíduo e seu grupo de pertença.

Embora atualmente as teorias sobre as raças tenham perdido sua validade científica, os efeitos na sociedade foram marcantes a ponto de causar no imaginário social, modelos mentais herdados do passado colonial, de identificação de posições sociais entre europeus e colonizados, do pioneirismo do descobrimento e a benevolência das campanhas religiosas dos europeus portugueses sobre os povos descobertos, e os negros considerados como “coisas e força animal de trabalho”. (CUNHA, 2010).

Mesmo que a Ciência no final do século XX tenha comprovado a existência de apenas uma raça, a humana, e o Movimento Negro ter dado outra conotação ao termo raça, utilizando-o no sentido sociológico e político, destituído do teor racial ligado à biologia, ainda assim, os contornos e conseqüências que as teorias raciais dos séculos XVIII e XIX configuraram no meio social são de uma proporção incrível, na medida em que o sentido biológico de superioridade e inferioridade entre a espécie humana ainda persiste no imaginário social.

Assim, “é através dessas categorias cognitivas, cujo conteúdo é mais ideológico do que biológico, que adquirimos o hábito de pensar nossas identidades sem nos darmos conta da manipulação do biológico pelo ideológico.” (MUNANGA, 2008, p. 18)

Se “raça” é um conceito que não corresponde à realidade de natureza biológica, trata-se então de um conceito de classificação social utilizado pelo mundo social. Conforme Guimarães, “se as raças não existem num sentido estrito e realista de ciência, ou seja, se não são um fato do mundo físico, elas existem, contudo, de modo pleno, no mundo social, produtos de formas de classificar e de identificar que orientam as ações humanas.” (1999, p. 67).

A elite brasileira do fim do século XIX e início do século XX se apoiou nas bases teóricas e científicas da Europa Ocidental para explicar a situação racial do seu país, bem como propor caminhos para a construção da nacionalidade brasileira. Inclusive, alguns importantes intelectuais brasileiros como Nina Rodrigues, Euclides da Cunha, Roquete Pinto, Gilberto Freyre etc., se empenharam em formular teorias acerca do tipo étnico brasileiro, ou seja, na questão da definição do povo brasileiro enquanto povo e do Brasil enquanto nação.

A preocupação fundamental era transformar essa pluralidade de raças, mesclas culturais e civilizatórias em um só povo. Alguns intelectuais brasileiros seriam influenciados pelo determinismo biológico do fim do século XIX.

Nina Rodrigues acreditava na inferioridade dos negros e dos índios e sugeria um tratamento penal diferenciado para esses grupos étnicos. As teses racistas de Nina Rodrigues baseavam-se na biologia. (CRUZ, 2001)

Segundo Munanga (2008) se a institucionalização e legislação da diferença, tão defendidos por Nina Rodrigues fossem realizadas pelos governantes poderia ter ocasionado no Brasil o apartheid. Ainda segundo Munanga, Nina Rodrigues define que,

As características raciais inatas afetam o comportamento social e deveriam, por isso, ser levadas em conta pelos legisladores e autoridades policiais. Consequentemente, aos negros e índios deveria ser atribuída uma responsabilidade penal atenuada e aplicado um código penal diferente daquele da raça branca superior. (p. 53)

Nina Rodrigues, discípulo das idéias de Gobineau, acreditava no elevado nível de desenvolvimento intelectual do branco em relação aos índios, negros e mestiços. Para ele, a mistura das raças resulta de um tipo sem valor, degradado.

Euclides da Cunha (1938 apud MUNANGA, 2008, p. 54) em Os Sertões retoma a discussão do tipo étnico brasileiro oriundo das três raças originais, e define o mestiço como um desequilibrado, um decaído, sem a atitude intelectual dos ancestrais superiores, nem a força física dos ascendentes selvagens. Para ele, a mestiçagem entre as raças superiores e inferiores apaga as qualidades das primeiras e faz reaparecer as das últimas.

Euclides aderiu ao conceito de raças superiores e inferiores e ajudou a difundir a distinção entre brancos, negros, índios e mestiços na hierarquia social.

O negro era o componente de uma raça inferior. Na tríade da mestiçagem, o português, apesar de demonstrar que já era mestiço, não deixa de ser a raça superior, aristocrática. O próprio índio... não tinha a capacidade de se afeiçoar às mais simples concepções de um mundo mental superior. Quanto ao africano, não há esforços que consigam aproximá-lo sequer do nível intelectual do indo-europeu. (MUNANGA, 2008, p. 56).

Além disso, via no sertanejo a possibilidade da criação de uma nacionalidade, da criação de uma raça brasileira, autêntica.

Roquete Pinto creditava o problema entre brancos e negros ao fator educacional e não racial. Para ele inferiores eram aqueles que se encontravam atrasados por conta da falta de educação e que a unidade nacional se dava pela natureza sociológica (política e econômica) e jamais racial. A ignorância brutal ao qual viviam os negros foi resultante da ignorância, da ausência de uma educação capaz de melhorar a qualidade da vida do negro na sociedade.

Embora constatasse através de levantamentos estatísticos que a política de branqueamento da população brasileira já havia atingido 50 % (em 1911), Pinto não se atentava ao fator racial, apenas ao fator educacional que para ele representava de forma significativa na condição de marginalização do negro na sociedade. No entanto, Pinto não percebeu um fator importante na questão racial: não era através da educação que o negro seria aceito nas camadas sociais mais altas; mas sim, “o próprio negro corolário do racismo é que devia ser transformado para ser aceito no mundo dos brancos.” (FERNANDES, 2007; MUNANGA, 2008).

Gilberto Freyre retoma a questão da identidade nacional numa nova perspectiva. Passa do conceito de “raça” ao conceito de cultura, num distanciamento entro biológico e o cultural.

Na obra clássica Casa Grande e Senzala, Gilberto Freyre narra a história datada nos séculos XVI e XVII, de uma economia latifundiária baseada na monocultura da cana-de-açúcar. Nesse contexto, a escassez de mulheres brancas aproxima os senhores brancos das escravas negras em busca da relação sexual; nesse ínterim, Freire enfatiza o fato de que embora houvesse a presença marcante da escravidão, havia uma zona de confraternização entre negros e brancos. Justifica a harmonia à flexibilidade do português e a miscigenação diminuiria, inclusive, a distância entre a casa grande e a senzala.

Freyre consolida o mito da democracia racial ao resgatar a mistura dos três povos originários da sociedade brasileira e define que não somos nem preto, nem branco, mas sim um povo miscigenado, um povo mestiço surgido através do caldeamento dos três povos (indígenas, europeus e africanos).

O mito da democracia racial difundido por Freyre oculta a condição imposta nas relações sexuais entre brancos e negros. Na realidade, a exploração sexual ao qual a mulher negra foi submetida, foi um dos mecanismos de opressão e exploração cometidos contra a população negra, escravizada.

Munanga (2008) cita um levantamento feito pelo historiador Clóvis Moura, após o censo de 1980 que expressa claramente o ideal de branqueamento e de democracia racial da população brasileira sustentado pela mestiçagem. As 136 cores levantadas pela pesquisa demonstraram como o brasileiro percebia sua identidade étnica, o quanto essa percepção fugia da sua realidade de pertencimento africano e a tentativa de aproximação simbólica do modelo branco.

O mito de democracia racial, baseado na dupla mestiçagem biológica e cultural entre as três raças originárias, tem uma penetração muito profunda na sociedade brasileira: exalta a idéia de convivência harmoniosa entre os indivíduos de todas as camadas sociais e grupos étnicos, permitindo às elites dominantes dissimular as desigualdades e impedindo os membros das comunidades não brancas de terem consciência dos sutis mecanismos de exclusão da qual são vítimas na sociedade. Ou seja, encobre os conflitos raciais, possibilitando a todos se reconhecerem como brasileiros e afastando das comunidades subalternas a tomada de consciência de suas características culturais que teriam contribuído para a construção e expressão de uma identidade própria. Essas características são “expropriadas”, “dominadas”, e “convertidas” em símbolos nacionais pelas elites dirigentes. (p.77).

Assim, a política de branqueamento que incentivou a miscigenação e, posteriormente, o mito da democracia racial que difundiu no ideário social a harmonia entre os povos, serviu de base para dissimular, primeiro a tentativa de diminuir a população de cor preta através das relações interraciais que faria surgir uma nova “raça”, os mestiços, com a cor da pele mais clara, e, segundo, para ocultar as desigualdades sociais resultantes da escravidão.

Os trabalhos acadêmicos e científicos que legitimou o ideário de superioridade entre as raças (primeiro no sentido biológico, posteriormente, no sentido cultural), serviram enquanto instrumento de apoio às políticas diferenciadoras entre brancos e negros no Brasil, e ajudou a consolidar na sociedade a ordem hierárquica social.

Posteriormente, somado ao mito da democracia racial de Gilberto Freire contribuiu para a manutenção do atual quadro de desigualdades raciais e sociais, na medida em que a indiferença e invisibilidade da condição sócio - econômica da população negra, o destrato e desinteresse dos governantes em oportunizar igualdades ente brancos e negros e o combate à discriminação racial, trouxe como conseqüências a marginalização desse segmento racial.

As várias tentativas de branqueamento da população negra serviram para demonstrar o quanto a pigmentação preta da cor da pele foi rejeitada pela elite dominante. Inclusive, a miscigenação emerge nesse contexto – da tentativa de conduzir a sociedade brasileira ao ideal de estética aproximado do branco europeu. Com isso, as alterações que porventura viriam a surgir através das relações entre brancos, índios e negros, resultariam na formação de um novo povo, mais claro, cada vez mais distante da estética negra africana.

A miscigenação seria então a solução para diminuir o contingente de cor negra da população. A válvula de escape para o negro ser aceito na sociedade acontece no processo de miscigenação, pois a possibilidade de um mestiço de pele clara ocupar posições sociais nunca ocupadas por aqueles de pele escura, se torna uma arma de poder de ascensão social. Assim, “no Brasil, o negro pode esperar que seus filhos sejam capazes de furar as barreiras que o mantiveram para trás, caso eles se casem com gente mais clara.” E, além disso, ser aceito no mundo dos brancos. (MUNANGA, 2008)

Ainda segundo Munanga, os processos de branqueamento da população brasileira com vistas a diminuir o contingente negro foi o “etnocídio” (grifo meu) do negro empreendido pela elite branca brasileira. “A política e a ideologia do branqueamento exerceram uma pressão psicológica muito forte sobre os africanos e seus descendentes. Foram, pela coação, forçados a alienar sua identidade, transformando-se, cultural e fisicamente em brancos.” (2008, p. 89).

A ideologia racial brasileira, fundamentada nas teorias hegemônicas, estruturou as bases para que a difusão plena dos ideais discriminatórios de separações entre brancos e negros se configurassem e conquistasse espaço no meio social mesmo após a abolição da escravatura. Assim, os mecanismos de dominação sócio-econômica aconteceram sob um contexto de exclusão de negros e mestiços no meio social uma vez que o Governo não promoveu políticas públicas de inserção desses segmentos na sociedade, pelo contrário, foi um processo permissivo e excludente que propiciou ao ex-escravo continuar na posição servil na casa grande, e ao mestiço a ocupação de funções de baixo prestígio social. (GUIMARÃES, 1999; VIDA, 2001; FERNANDES, 2007; MUNANGA, 2008).

Segundo Guimarães, “... a falta de políticas públicas efetivas para reverter a situação marginal dos negros na sociedade brasileira acabou por reproduzir a ordem hierárquica diferenciadora entre brancos e negros, ampliando as desigualdades sociais e nutrindo uma série de tropos sociais para a raça.” (1999, p. 66)

A associação do negro à imagem marginal tem contornos também a partir desse período da história do Brasil pós-abolição e, esta crença está presente no ideário social de diversas formas e facetas.

Essa trajetória histórica de construção ideológica, estruturante para o branco e o negro é que impera na atribuição de estereótipos presentes nas representações sociais, que são na realidade distorções e deformidades da estética e vida social de indivíduos e grupos de indivíduos que representam as minorias excluídas (negros, índios, homossexuais, nordestinos, latinos, etc.), e que se vêem representados de uma forma caricatural e irreal, manipulada pela ideologia hegemônica. Tais representações se configuram e ganham espaço no contexto das relações de poder presentes na sociedade e que são fundamentais para a definição de ideias e posições sociais que caracterizam os grupos étnico/raciais.

A veiculação da ideologia dominante se dá de diferentes maneiras, porém a que mais influencia são os meios de informação de massa, como a TV, e o livro didático que é um recurso acessível para a população, considerado como fonte segura de informação.

As representações sociais possuem marcas preconceituosas, racistas e discriminatórias em relação à população negra, e essa representação é na realidade uma violência simbólica vivenciada cotidianamente e de diversos aspectos.

Na conjuntura social e econômica é que os brancos e os negros percebem as distinções de papéis que lhe são designados, e nesse aspecto é que ficam nítidas as consequências do processo colonialista no contexto social do segmento negro, na medida em que a relação de poder e subalternidade são marcas deixadas pela dominação européia e que não se limitou no período escravocrata, mas sim através desse momento histórico obteve as bases fundamentais para fincar as raízes que ao longo do tempo se fundamentariam e perpetuariam a ideologia de dominação e inferioridade dos povos africanos e seus descendentes.

A evidência que se dá à figura do negro e do branco é de uma conotação de caráter altamente racista e discriminatória. A freqüência com que o negro é retratado em posições subalternas é banalizada nas imagens, e internalizadas como algo natural. A crença de que em tais posições é que o negro está inserido sem uma crítica à condição sócio-econômica estruturante para a definição de papéis sociais, e, por outro lado, a ausência da presença do negro em posições privilegiadas, cristaliza a concepção de incapacidade deste grupo étnico-racial em ascender socialmente.

Se de um lado o negro é representado como um indivíduo executando as funções com pouco ou nenhum prestígio social; marginalizado; escravizado, aparentando passividade e nenhuma alusão às tentativas de resistência e luta empreendida contra o senhor de engenho e o capitão-do-mato; por outro lado, o branco é aquele que está sempre no comando, tomando decisões; a feição humana e sensível do branco se contrapõe à feição do negro que apresenta formas animalescas, idiotizada, com traços faciais exacerbados.

Assim é que o indivíduo negro é retratado nos meios de comunicação: “sob forma estereotipada e caricatural, despossuídos de humanidade e cidadania.” (SILVA, 2001, p. 14).

No contexto das representações sociais e sob a égide das relações de poder, os sistemas simbólicos vão se configurando e sendo legitimadas no ideário social. E, nessa perspectiva que a negação do povo africano como partícipe do processo civilizatório da sociedade brasileira conquista terreno e contribui impreterivelmente para o fortalecimento no imaginário social de que a cultura européia foi principal na formação nacional.

A negação absoluta da diferença ou uma avaliação negativa de qualquer diferença sugere um ideal implícito de homogeneização. A rejeição dos traços físicos e a tentativa de aproximação da estética branca; a negação da pluralidade cultural do brasileiro são fatores que implicam na destruição da identidade racial e étnica. Isso resulta no ato de o indivíduo se perceber e perceber seu grupo como inferior; com efeitos negativos à aceitação da sua ancestralidade.

A invisibilidade e o recalque dos valores históricos e culturais de um povo, bem como a inferiorização dos seus atributos adscritivos, através de estereótipos, conduz esse povo, na maioria das vezes, a desenvolver comportamentos de auto-rejeição, resultando em rejeição e negação dos seus valores culturais e preferência pela estética e valores culturais dos grupos sociais valorizados nas representações. (SILVA, 2001, p. 14)

A ideologia dominante representativa nos diversos espaços da sociedade é legitimada também no campo educacional e, por ser um espaço social onde estão presentes pessoas brancas, negras, indígenas, se constitui um local que não privilegia a diversidade do povo brasileiro, no entanto, reproduz o pensamento da cultura hegemônica. Sobretudo, ao difundir a ideologia dominante, a escola se torna um espaço em que o educando negro e indígena não vê representada sua cultura. A escola se torna então um espaço excludente e racista.

Quando promove a cultura européia em detrimento da africana e indígena, a escola se torna um mero aparelho ideológico de reprodução eurocêntrica. De caráter social e ideológico, o espaço educativo perpetua valores simbólicos de representação das culturas, e faz por meio da atribuição de valores negativos e positivos dos grupos sociais.

Esse peso ideológico perpassado no currículo escolar cumpre o papel de excluir de maneira grave a cultura negra e indígena, e designa para tais grupos a sua “valorização” por meio de datas/eventos comemorativos sem qualquer teor questionador. O teor folclorizado e exótico é uma forma de violência simbólica, na perspectiva que reduz estes povos a personagens comemorativos, destituídos de história e representatividade.

A retratação do processo de colonização do Brasil é contada de forma limitada e sem sentido para que o estudante reflita criticamente e questione o contexto apresentado. A presença de imagens e histórias distorcidas desse período (o negro sofrido, o índio preguiçoso), a ausência da história dos povos indígenas e africanos antes da colonização, são particularidades que incentivam o indivíduo de forma proposital a aceitar a história contada pelo olhar do outro (europeu), e com definições de situações e posições sociais, a imagem do colonizador e do colonizado é construída. O europeu desbravador e colonizador, e o africano e indígena como meros personagens descobertos e primitivos, precisando ser civilizados.

[...] mecanismos de invisibilização e de recalque das diferenças adscritivas e culturais dos segmentos sociais subordinados, uma vez saturados através da sua freqüência nos veículos de reprodução ideológica e tornados hegemônicos, passam a ser o senso comum de todos, indiferente de raça/etnia e classe social. (SILVA, 2001, p. 14)

Os traços físicos são marcas classificatórias que diferenciam e excluem povos e culturas nas sociedades que possuem racismo (implícito ou explícito). O poder ideológico por trás desses condicionantes físicos e que caracterizam como inferiores os povos oriundos da África confere ao povo afro-descendente e, em especial, àqueles de cor negra, a referência à incapacidade intelectual e civilizatória. Não há nada de especial e verídico que comprove que os atributos físicos correspondam à incapacidade/inferioridade do indivíduo e seu grupo social. Assim,

De fato, não há nada espontaneamente visível na cor da pele, no formato do nariz, na espessura dos lábios ou dos cabelos, ou mais fácil de ser discriminado nesses traços do que em outros, como o tamanho dos pés, a altura, a cor dos olhos ou a largura dos ombros. Tais traços só têm significado no interior de uma ideologia preexistente (para ser preciso: de uma ideologia que cria os fatos, ao relacioná-los uns aos outros), e apenas por causa disso funcionam como critérios e marcas classificatórios. (GUIMARÃES, 1999, p. 47)

Os critérios de classificação racial embasadas nas teorias científicas serviram por certo tempo para criar uma marca definidora dos grupos étnico/raciais nas posições sociais. A marca que define as posições sociais corresponde impreterivelmente a cor da pele, que por ser um atributo físico e relevante na sociedade racista se constitui como arma de exclusão.

O elemento cor foi decisivo para designar as posições e papéis de brancos e negros no período escravocrata e pós-abolição e tais desígnios foram internalizados pela sociedade ainda nos dias atuais.

[...] é a cor que tem legitimado, durante séculos, a exclusão social no Brasil. São os negros – primeiro africanos, depois crioulos, em seguida pretos, por último pardos – que têm conformado o que entendemos por ralé, gentinha, povão. São eles os destituídos de individualidade e, portanto, de direitos. (GUIMARÃES, 1999, p. 200)

A pigmentação escura é uma marca que diferencia, exclui e de certa forma é vista como característica inferior e que confere um processo de auto-rejeição do próprio indivíduo negro à sua cor. Há uma carga emocional em torno da cor da pele negra, característica que não pode ser modificada, como o cabelo crespo que pode ser alisado através de processos químicos, e os lábios e o nariz que podem ser afinados mediante uma cirurgia plástica.

A aversão à cor da pele se deve ao fato de que esse caractere físico é algo imutável, pelo menos em relação ao indivíduo que sofre a discriminação. A proximidade da estética branca só acontece de fato, visível aos olhos, quando o negro se transforma esteticamente a tal ponto de ser encarado como branco. Nesse caso, é o mestiço que consegue se aproximar da estética branca.

É a marca fenotípica que confere ao negro a suspeição em situações policiais. A discriminação àqueles que se esperam condutas criminosas ou comportamentos desviantes, atribuídas à cor da pele, baseia-se nas marcas sociais, na “aparência”, seja nos gestos, na fala e na vestimenta, marcadores sociais que influenciam consideravelmente a vida dos negros e negras. Isso porque “é a cor negra que define a visão cultural de raça. Não há dúvida, é a partir da cor da pele – que é o sinal mais visível que aquele ou aquela que discrimina identifica a sua vítima.” (GUIMARÃES, 1999, p. 204; SANT’ANA, 2001, p. 52)

O legado negativo deixado pelo período escravocrata e pós-abolicionista, através do regime opressor, explorador e marginal, as teorias raciais que buscavam inferiorizar o negro, e posteriormente, o mito da democracia racial que serviu para ocultar a realidade de desigualdades entre brancos e negros nos setores da vida social, foram estruturantes para a condição do negro no meio social. Sob a égide das relações de poder econômico, cultural, religioso, político, que as desigualdades foram estruturadas e serviu para estratificar a hierarquia social entre brancos e negros.

A formação da identidade negra numa sociedade estruturada nas bases do colonialismo implicou na ausência da concepção de negritude deste segmento étnico-racial e, embora as lutas do Movimento Negro avancem na busca pela afirmação racial, há vários desafios que dificultam a construção da afirmação étnico-racial, de identidade e consciência negra.

Algumas questões levantadas por Munanga (2008) são essenciais para a reflexão em torno da questão racial brasileira: “como formar uma identidade em torno da cor e da negritude não assumidas pela maioria cujo futuro foi projetado no sonho do branqueamento? Como formar uma identidade em torno de uma cultura até certo ponto expropriada e nem sempre assumida com orgulho pela maioria de negros e mestiços?”.

Os mecanismos ideológicos de vinculação do negro à bandidagem, bem como a violação da sua cidadania serviram “para anular e diluir a identidade étnico-racial do afro-descendente”. Além disso, o racismo brasileiro se constituiu através de uma forma sutil e silenciada, caracterizado pela exclusão sistemática dos negros em vários setores da sociedade e que contribuiu para a forte rejeição do negro à formação da sua identidade coletiva, da qual resultaria a conscientização e mobilização política das suas vítimas. (MUNANGA 1996 apud VIDA, 2001, p. 15).

Para Gomes, “a identidade negra é entendida, aqui, como uma construção social, histórica, cultural e plural. Implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre sí mesmos, a partir da relação com o outro.” (2003, p. 171) Essa construção social forjada e falseada através dos mecanismos de discriminação, rejeição e exclusão do negro nos setores da vida social serviu para enfraquecer e diluir o sentimento de pertencimento étnico-racial da população negra.

Construir uma identidade negra numa sociedade que exclui os nacionais pela cor da pele e valoriza apenas um povo e cultura é uma tarefa difícil. No entanto, os esforços do Movimento Negro, de alguns intelectuais e setores da sociedade comprometidos com o combate ao racismo e à discriminação racial, continuam avançando no intuito de fazer valer a legislação nas práticas cotidianas na sociedade.

Ressignificar o campo educacional na tentativa de mudanças e novas perspectivas envolve “mexer” na subjetividade de indivíduos que possuem concepções e posturas enraizadas pela cultura racista ao qual foram socializados. Além disso, essa mudança é precedente para outras reformulações, inerentes ao ensino como a crítica ao currículo escolar e aos conteúdos didáticos, elementos reprodutores da ideologia dominante.

A escola enquanto campo social formador de individualidades confere significados aos seres e grupos. Nesse ínterim, a construção da identidade étnico-racial do/a aluno/a no espaço educativo faz parte de um contexto maior – implica na expressão das ideologias sociais que são reproduzidas nas relações de ensino, nas relações entre os grupos de amigos, entre os agentes escolares, a comunidade.

A reprodução das relações sociais formadas nos diversos espaços é transposta nas ideologias que fundamentam o currículo, os conteúdos e as imagens dos livros didáticos. Entender a lógica do campo educacional através dos elementos que sistematizam as práticas de ensino implica em entender a reprodução da cultura hegemônica no processo ensino-aprendizagem.

1.2 CURRÍCULO ESCOLAR E LIVRO DIDÁTICO: ELEMENTOS REPRODUTORES DA IDEOLOGIA DOMINANTE NO ENSINO.

A escola é um espaço social e ideológico que perpetua os valores culturais dominantes de um ideário europeu legitimado e oficializado na sociedade. A organização curricular baseia-se na prevalência desse ideário e se manifesta através de um currículo homogêneo que tende à normalização.

Apple em sua obra Ideologia e Currículo (1982) faz uma análise crítica da estrutura social e econômica e suas conotações ideológicas para a reprodução das desigualdades que opera na escola. Ele demonstra o modo como as instituições produzem e reproduzem formas de consciência que mantém a ordem social e a legitimação da cultura dominante.

As relações estruturais de poder social, os modos de produção material, as relações de classe e o sistema político e econômico influenciam na consciência das pessoas no contexto de sua situação histórica e sócio-econômica determinada. Tais estruturas predominantes exercem um controle social e cultural que inclui as formas como são organizadas as instituições, pessoas, práticas cotidianas, inclusive no cerne do sistema de ensino – organização, gestão, currículo, prática docente. Assim,

As formas concretas em que os programas estruturais predominantes (e eu acrescentaria alienantes) – as formas básicas como são organizadas e dirigidas as instituições, as pessoas e os modos de produção, distribuição e consumo – controlam a vida cultural. Isto inclui práticas cotidianas como as escolas, e o ensino e os currículos que nela se encontram. (APPLE, 1982, p. 10)

Williams (1976, apud APPLE, 1982, p. 14) discute o conceito de hegemonia no contexto do controle social e das relações estruturais nas escolas, no conhecimento, na vida diária. Assim, para ele ‘a hegemonia atua para “saturar” a consciência de tal forma que o mundo social, econômico, educacional, que interagimos e o senso comum que a ele atribuímos tornam-se o único mundo. A hegemonia engloba os significados e práticas, valores e ações que são vividos’.

Ainda segundo Williams, o padrão de significados e valores por meio dos quais as pessoas dirigem toda a sua vida não pode ser desvinculado de um sistema político e econômico específico. A educação, então não poderia “ignorar o fato de que a sua forma e conteúdo são afetados e, em alguns casos determinados pelos sistemas reais de decisão política e de base econômica”. (p. 45).

A reprodução dessa ideologia acontece por meio do livro didático que reforça e difunde falsas representações dos povos. O livro didático expressa essa dominação e representa as tensas relações de poder entre os brancos e não-brancos, relações hierárquicas de legitimação da cultura européia e da subjugação do indígena e do africano.

A imposição da cultura hegemônica como oficial no ideário social e a negação dos povos colonizados no processo civilizatório são abordadas de forma legítima nas ilustrações e conteúdos.

A seguridade das informações presentes no livro didático se dá pela importância que apresenta como recurso de ensino-aprendizagem, e, portanto, suas informações são aceitas como verídicas na sociedade. Para Silva (2001),

Os materiais pedagógicos têm papel fundamental na reprodução das ideologias, uma vez que expandem visões estereotipadas dos segmentos oprimidos da sociedade. Entre eles, sobressai-se pela importância que lhe é conferida pelos pais, alunos e professores, o livro didático, considerado o depositório da verdade, a memória conservada das civilizações. (p. 51)

A internalização do ideário branco-europeu e a visão falseada das culturas indígenas e africanas são ideologias presentes no conteúdo e imagens do livro didático. Ainda segundo Silva (2001) “o livro didático reproduz, em grande parte, através dos estereótipos, a ideologia da inferiorização das diferenças étnico-culturais e raciais”. Portanto, são as representações sociais de brancos e negros que exercem poder no ensino. (p. 18).

A representação do branco-europeu está sempre carregada de significações positivas que designam a origem, a posição social, a intelectualidade deste indivíduo e seu grupo. A retratação do seu cotidiano no livro didático é apresentada como um modelo ideal e sua cultura são predominantes. Em contraste com essa representação irreal, o negro é caracterizado através de valores culturais estereotipados e de teor folclórico no livro didático.

Nas ilustrações, a “maioria” branca se contrapõe a minoria negra nas diversas situações cotidianas apresentadas. O negro geralmente aparece nas ilustrações, isolado ou apenas inserido no grupo onde a maioria branca prevalece. Seu universo cultural não é mencionado, sobretudo a menção à sua comunidade, a sua presença nos diversos aspectos da sociedade é ausente. “Essa ausência gritante pode se traduzir na tentativa de negar a sua existência. No entanto, essa ausência “fala” e pode ser indicativa de uma tentativa de ocultamento da sua presença majoritária, bem como das condições em que vive esse segmento na sociedade brasileira.” (SILVA, 2001, p. 39).

O currículo escolar no contexto da hegemonia da cultura européia apresenta visões de mundo de determinados segmentos sociais, tidos como reais, porém, um real falseado e mistificado. A ideologia que está contextualizando essa situação é concreta, porém distorcida e que não corresponde à realidade.

O currículo escolar mantém e difunde o preconceito racial, seja por omissão seja por desconsideração da questão racial, ou tratando como problema sem muita importância.

De acordo com o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), e os Parâmetros Curriculares Nacionais – Temas Transversais (Pluralidade Cultural), o currículo e o livro didático devem promover uma imagem positiva dos afro-descendentes e da cultura afro-brasileira, dar visibilidade aos valores culturais, às tradições e saberes sócio-científicos dos povos africanos; abordar a temática das relações étnico-raciais, da pluralidade cultural do povo brasileiro.

A mudança de um currículo que exclui a diversidade étnico/racial, por um currículo que priorize as culturas e os povos, se constitui uma tarefa minuciosa e reflexiva por parte do educador que deve sempre estar atento a estas questões, em especial, aos recursos didáticos que utiliza em sua prática de ensino.

A internalização do estereótipo e ideologia de inferioridade, promovida pelo livro didático (SILVA, 2001) faz parte do processo de aprendizagem do aluno negro no cotidiano de ensino. Numa outra perspectiva, a inclusão de conteúdos que abordem a África pré-colonial, a resistência à escravidão, a história de personalidades negras são essenciais para a construção de um novo saber.

Não apenas o saber histórico da África pré-colonial, bem como a luta do povo negro se constitui conhecimentos importantes para o processo de ensino. Entretanto, associado a esses conteúdos evidencia-se a importância de o currículo contemplar um saber referenciado na vivência do aluno negro em sua comunidade. Isso porque,

(...) a experiência educativa das comunidades leva em conta os valores de sua própria história, enquanto na escola os valores da cultura dominante, ou seja, o saber sistematizado é imposto como único, sem qualquer referência às historicidades vividas e aprendidas pelos alunos em seu contexto de origem. (MOURA, 2001, p. 64)

A “bagagem” de conhecimentos que os estudantes possuem é o resultado das experiências vivenciadas no meio social, do contato com a família, com os amigos, com a igreja, no bairro, entre outros. Quando o aluno ingressa no contexto escolar, o conhecimento prévio e as ideias que têm sobre os povos, as culturas, desenvolvidas através do contato com a mídia, as relações sociais, por exemplo, de certa forma expressam os estereótipos culturais, de crenças e valores sobre a percepção dos diferentes povos e culturas.

Essa experiência é o que Sacristán (1992) chama de “currículo extra-escolar”, que é adquirido através de uma série de fontes de conhecimentos e crenças construídas no meio social.

A ausência da perspectiva multicultural no conhecimento social, presente no “currículo extra-escolar” dá certa visão de homogeneidade da cultura oferecida aos cidadãos, visões enviesadas e falsas a respeito da variedade cultural do grupo do qual vivem e que constitui o conhecimento e a experiência humana. Nesse ínterim que a ação pedagógica deve atuar – na perspectiva de uma educação escolarizada que intervenha no conhecimento social “extra-escolar” que nega o multiculturalismo do povo brasileiro. (SACRISTÁN, 1992).

Nesse sentido, o currículo escolar é limitado para atingir crenças e comportamentos, particularidades enraizadas por uma sociedade predominantemente eurocêntrica. O ensino torna-se então limitado para atuar sozinho, no contexto de outras fontes de conhecimentos que manipulam as mentes e reforçam a legitimidade cultural européia.

É preciso pensar não somente no âmbito educativo, pois não é apenas nesse interior que se formam cidadãos, mas também no contexto amplo da sociedade - as instituições sociais presentes na vida dos indivíduos e que influenciam na formação de idéias e comportamentos.

A fim de mudar essa realidade é necessário que ocorra uma intervenção que abarque a perspectiva ideológica, que leve em conta os valores culturais, a diversidade étnico/racial, que promova o reconhecimento das culturas excluídas, visando tornar legítima a contribuição do indígena e do africano no processo de constituição da sociedade brasileira.

A capacidade da escola em acolher a diversidade implica não apenas na (re) elaboração do currículo, na inclusão de temas que tratem da questão racial, mas perpassam o simples plano, sistematização e organização dos conteúdos curriculares. A cultura escolar, isto é, as experiências cotidianas das relações sociais e raciais entre estudantes, professores e funcionários da escola devem ser contextualizadas com as intenções da proposta do currículo multicultural elaborado pela escola.

Ainda segundo Sacristán “a forma de selecionar e desenvolver os conteúdos do currículo faz parte de toda a configuração histórica das práticas educativas, das instituições e das idéias que as legitimam.” (p.84) Assim, o currículo escolar expressa as relações de poder presentes na realidade das relações sociais e raciais entre brancos e negros, sob a égide do ideário de superioridade cultural do branco sobre o negro e a negação e invisibilidade dos povos subalternos nos conhecimentos escolares.

O desenvolvimento da cultura escolar se processa para além da sistematização de conteúdos. A vivência dos estudantes no processo ensino-aprendizagem, as relações desenvolvidas nos grupos, nas classes, são situações importantes para a compreensão do real sobre as intenções declaradas pela escola durante a organização curricular. Para Sacristán, a cultura escolar é mais que conteúdos, isso porque o currículo real é mais amplo que qualquer documento no qual se reflitam os objetivos e planos que temos.

Na situação escolar se aprendem mais coisas, dependendo da experiência de interação entre alunos e professores, ou entre os próprios alunos, dependendo dos materiais com os quais o aluno se relaciona, dependendo das atividades concretas que são desenvolvidas. (p. 86)

Não basta incluir uma perspectiva multicultural sem antes observar a cultura vivida na sala de aula que significa muito nas relações de aprendizagem. Introduzir a temática da pluralidade cultural nos documentos curriculares ou nos materiais didáticos não significa afirmar com veemência que de fato o ensino tem sido multicultural.

Ainda segundo Sacristán, “a idéia de currículo real nos levaria a analisar a linguagem dos professores, os exemplos que utiliza, suas atitudes para com as minorias ou culturas, as relações sociais entre alunos, as formas de agrupá-los, as práticas de jogo e brinquedo fora da sala de aula, os estereótipos que são transmitidos através dos livros, aquilo que é exigido na avaliação.” (p. 87) Assim, um currículo multicultural nos processos de ensino implica modificar “os processos internos que são desenvolvidos na educação institucionalizada.”

A perspectiva que o currículo multicultural implica no sistema de ensino evidencia um conjunto de mudanças que precisam ser consideradas no aspecto comportamental por parte dos educadores durante a sua ação pedagógica, as mudanças nas metodologias de ensino, a formação docente numa perspectiva multicultural; sugere a mudança no cotidiano escolar em situações de discriminação e a intervenção do educador; o estímulo a atividades que visem contribuir com o combate a atitudes racistas e discriminatórias nas relações intra-escolares; a organização de ações pedagógicas que estimulem a convivência harmoniosa entre os alunos de diversas culturas. “O currículo multicultural exige, pois, mudanças muito profundas em mecanismos de ação muito mais sutis.” (SACRISTÁN, 1992, p. 88).

Tornar o currículo multicultural abrange não apenas mudar os conteúdos programáticos, mas também envolve a necessidade da reeducação das posturas e concepções dos/as professores/as, que por sua vez nortearão a implementação da valorização da diversidade de povos e culturas nos conteúdos e práticas de ensino. Assim, tornar o ensino multicultural destituído de estereótipos racistas e discriminatórios, tanto nas práticas quanto nos recursos didáticos, implica num processo que envolve a reeducação das relações de ensino, relações pessoais no espaço escolar, na comunidade.

A perspectiva que a multiculturalidade brasileira deve proporcionar ao ensino implica na reestruturação dos sistemas educacionais a fim de possibilitar o acesso dos/as alunos/as aos conhecimentos referentes aos povos e culturas formadoras da nacionalidade. Tratar a diversidade nas relações de ensino-aprendizagem, numa perspectiva pluricultural, é uma necessidade denunciada pelo Movimento Negro há certo tempo.

Vários desafios são colocados no ensino a fim de que o respeito à multiculturalidade seja constante nas relações cotidianas das escolas. O fato de reeducar as relações raciais no espaço escolar e mudar determinados aspectos (tanto no ensino, como nos conteúdos), tornar o conteúdo, o currículo e as relações voltadas à multiculturalidade são desafios a serem enfrentados pelos sistemas de ensino que se propõem em valorizar a diversidade formadora do povo brasileiro.

CAPÍTULO II – A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 E OS NOVOS DESAFIOS PARA A EDUCAÇÃO.

“O grande desafio da escola é investir na superação da discriminação e dar a conhecer a riqueza representada pela diversidade étnico-cultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade.”

Parâmetros Curriculares Nacionais

2. LEI 10.639/03 NO ENSINO: DESAFIOS PARA OS SISTEMAS EDUCACIONAIS.

No início do século XXI a comunidade negra alcançou uma grande conquista na arena educacional. A alteração da Lei 9.394/96, nos Arts. 26-A, 79-A e 79-B, pela Lei 10.639/03 (que torna obrigatório o estudo da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino público e privado) é o resultado de uma luta histórica do Movimento Negro, de alguns intelectuais e setores da sociedade preocupados com a retratação do povo negro nos conhecimentos escolares.

A LDBEN/96 no seu Art. 25, parágrafo 4°, enfatiza a importância de o ensino da História do Brasil levar em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia. Com a Lei 10.639/03, o conteúdo programático é ampliado pela inclusão do estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira, e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil. Portanto, a alteração da LDBEN/96 pela Lei 10.639/03 no que diz respeito à questão afro-brasileira no ensino, supera o parágrafo 4°.

Embora a LDBEN/96 ofereça como princípios da educação o reconhecimento da pluralidade de idéias, do respeito à diversidade, à liberdade, à tolerância, ainda assim, o respeito às diferenças e à diversidade cultural e étnica não é evidenciada na prática.

No entanto, o fato de existir na legislação brasileira (Constituição Federal/88 e LDBEN/96) o reconhecimento e a importância do respeito à diversidade significa um avanço do Estado em reconhecer a importância da valorização dos povos e culturas formadoras da nacionalidade brasileira. Todavia, com a promulgação da Lei 10.639/03, torna-se oportuno exigir do Estado garantias para a sua plena implementação na Educação Básica.

A Constituição Federal de 1988 assegura direitos iguais a todos (Art. 205) e responsabiliza o Estado pela promoção de políticas de reparação ao assinalar o seu dever de garantir uma educação igualitária para o pleno desenvolvimento de todos como indivíduos, cidadãos e profissionais. Assim a Constituição trata da promoção do bem de todos indistintamente sem preconceito de origem, raça, credo, cor e qualquer forma de discriminação.

O Estado brasileiro deve oferecer à todos, o ingresso, permanência e sucesso na educação escolar. Somente assim, as disparidades sociais entre brancos e negros serão diminuídas e as oportunidades de emprego poderão vir a ser disputadas igualitariamente.

A crença que os/as negros/as não atingem os mesmos patamares que os/as brancos/as por conta de incompetência e desinteresse evidencia o poder do mito da democracia racial no imaginário social. Esse mito desconsidera as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica definiu nas posições sociais entre brancos e não brancos. (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais).

Nos sistemas de ensino, a implementação da Lei 10.639/03 requer a ruptura com um modelo pedagógico hegemônico e homogêneo que privilegiou (e privilegia) o capital cultural europeu em detrimento dos outros saberes e conhecimentos. Nesse sentido, retratar a população negra nos conhecimentos escolares com o mesmo valor e reconhecimento dos outros povos e culturas que formaram o povo brasileiro é um dos fatores primordiais que a nova legislação educacional propõe aos sistemas educacionais.

Entretanto, o rompimento com as estruturas institucionais e as práticas pedagógicas conservadoras implica em um dos grandes desafios para as instituições educacionais, uma vez que a legitimação da cultura dominante encontra-se enraizada no meio social, e reproduzida no ensino.

Todavia, os conselhos de educação, as secretarias estaduais e municipais de educação e o próprio Ministério da Educação não vêm atuando de forma sistemática e integrada no sentido de criar as condições sistêmicas para a efetiva aplicação da lei. Embora, existam várias experiências desenvolvidas nos últimos anos de alguns profissionais que se empenham em trabalhar a questão racial na escola, tais ações são isoladas, além da ausência de apoio institucional. (Contribuições para a implementação da Lei 10.639/03, MEC/SECAD, 2008).

Valorizar e reconhecer a diversidade étnico-racial na educação a partir do enfrentamento estratégico de uma cultura discriminatória e racista institucionalizada nos sistemas de ensino são mecanismos de promoção do acesso dos estudantes brancos e não brancos ao conhecimento verídico das culturas e povos originários do Brasil.

Contudo, é necessário que a sociedade brasileira considere a questão racial como um problema público e não restrito ao negro. (GOMES, 2008). Os reflexos oriundos da escravidão estão registrados nos altos índices de desigualdades sociais da população afro-descendente, em especial, dos negros, que sofrem exclusão e preconceito por conta da cor da pele.

Possibilitar o acesso a um sistema educacional que privilegia as culturas e povos, implicará numa melhoria da qualidade do processo de ensino e aprendizagem dos estudantes negros e negras. Inclusive, incluir a discussão racial no âmbito educativo implica na possibilidade de um novo momento para a sociedade brasileira em conhecer a verdadeira contribuição do povo africano na formação do Brasil e nas diversas áreas do conhecimento.

A escola é uma instituição social que forma o indivíduo, e por esse motivo deve ser um espaço que valorize as diferenças, a diversidade, que proporcione à população negra a oportunidade de conhecer a sua ancestralidade e história, que veja representado o seu grupo étnico-racial de pertencimento nos bancos escolares.

A trajetória histórica de negação e marginalização do povo negro é o sinal claro do descaso público, governamental comandado por uma elite política e administrativa que construiu as bases sócio-econômicas para as desigualdades da população negra. Daí decorre a formação de uma sociedade racista que durante o período colonial e pós-abolicionista excluiu os negros das oportunidades de ascensão social.

Nesse sentido, garantir o acesso do povo negro na igualdade de oportunidades de inserção nos setores sociais, em especial, na educação e no mercado de trabalho, é fazer justiça à população negra que vivenciou variadas formas de exclusão e discriminação.

A justiça para corrigir as desigualdades da população negra deve ser reivindicada, uma vez que os índices estatísticos nos mostram constantemente a marginalização e envolvimento de jovens negros na criminalidade. Esse é o resultado do sistema opressor ao qual foram submetidos e teve como conseqüências graves as desigualdades sociais e a marginalização do negro nos diversos setores da sociedade.

O grande objetivo da inclusão dos estudos africanos na escola não significa mudar um foco etnocêntrico de raiz européia por um africano, mas ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, religiosa. Sobretudo, promover um espaço de debates e análises políticas, econômicas e sociais, a fim de que novas posturas sejam configuradas para a abertura de uma nova postura sobre a diversidade do povo brasileiro, no contexto das relações raciais.

É importante salientar que o Art. 26A (que inclui nos conteúdos a História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação nacional) implica muito mais que a inclusão de novos conteúdos no currículo escolar, mas sim que sejam refletidas as relações raciais, sociais, as práticas pedagógicas, as condições de oferta de ensino, os materiais didáticos oferecidos nas escolas. A reeducação das relações é um importante aspecto a ser refletido nas discussões sobre racismo e discriminação.

É na intervenção do Estado, promovendo políticas de combate ao racismo, abrindo espaços para que o sistema educacional crie aparatos metodológicos e curriculares para a mudança de conceitos e olhares sobre o ensino para a diversidade, que a sociedade como um todo começará a reivindicar para si mudanças significativas. Sobretudo, analisar e debater com criticidade a formação do Brasil é uma forma de proporcionar uma visão positiva sobre a diversidade, sobre as diferenças entre os povos, sobre os conflitos e relações desiguais; é entender que o Brasil é uma nação que se formou à base das relações de poder e dominação colonial; é compreender que a dominação européia sobre os povos indígenas e africanos ocorreu através da desigualdade de armamentos, onde o poderio armamentista europeu foi determinante para a dominação dos povos colonizados.

Além disso, o estudo da diversidade deve propiciar aos estudantes a compreensão das relações de poder estabelecidas no meio social, fundamentadas na Ciência que promoveu a polarização superior/inferior o branco (ariano) e o não-branco (povos da Ásia, América e África); portanto, a Ciência a serviço da Europa.

Entender qual foi o legado dos povos africanos para a construção da nossa identidade; conhecer as maneiras, os hábitos e costumes dos nossos ancestrais, suas crenças, e como esses saberes influenciaram nossa história e formação, são alguns fatores que devem estar presente nas pesquisas entre a comunidade escolar. Essa é uma discussão que deve ser realizada em conjunto, é um desafio da sociedade brasileira enquanto povo que em pleno terceiro milênio exclui sua verdadeira história do processo de ensino; que manipula direta ou indiretamente a educação baseando-se em ideologias eurocêntricas e que em nada colaboram com o conhecimento voltado para a diversidade.

Os meios de comunicação contribuem para a formação de um imaginário racista e discriminatório do negro em situações e posições sociais de baixo prestígio sociais, que ao longo do tempo se tornaram cristalizadas no imaginário e tornadas legítimas. Da mesma forma, o livro didático durante muito tempo foi fundamental para formalizar o ideário eurocêntrico, expressando imagens negativas da África como um continente arrasado pela miséria, fome e doenças e do negro sempre ligado à características desqualificadas. Assim, verifica-se que apesar das mudanças nos programas do livro didático, ainda persiste a pouca representatividade da população negra, tanto nos conteúdos, como nas ilustrações.

Em pleno século XXI, as pesquisas sobre os livros didáticos e paradidáticos mostram que, a despeito da introdução de critérios antidiscriminatórios e anti-racistas nos editais dos Programas do Livro do MEC, há materiais nas escolas que continuam a associar o negro e a negra com percepções negativas tais como: não-humanidade, maldade, feiúra, tragédia e a sujeira. Esses estudos mostram que o branco ainda é apresentado como condição humana natural; as mulheres negras continuam sendo associadas ao estereótipo da empregada; e os livros são produzidos pressupondo, exclusivamente, como leitores crianças e jovens brancos. (Contribuições para implementação da Lei 10.639/03, MEC/SECAD, 2008).

Assim, a mudança nos materiais de ensino deve ser refletida na imagem, na ideologia, no conteúdo e refletir a expressão da diversidade de povos e culturas, sobretudo a valorização da diferença como aspecto positivo. Nesse ínterim, o surgimento da lei permite a reflexão dos próprios recursos metodológicos utilizados no sistema educacional brasileiro, e como os materiais didáticos influenciam consideravelmente na negação da identidade negra na construção do indivíduo e do seu grupo enquanto ser social.

Também, a ação docente e a gestão escolar devem buscar atuar para garantir a aplicação da legislação no ensino e nas práticas cotidianas na escola, visando a valorização da diferença e da diversidade, da ancestralidade africana, da identidade oriunda dessa influência e da resistência para afirmação étnica.

O educador tem um papel fundamental na perpetuação dos valores culturais hegemônicos nas práticas educativas. Embora a Lei 10.639/03 ofereça fortes repercussões de mudanças nos sistemas de ensino, o/a professor/a continua sendo o principal responsável pela perpetuação de saberes e conhecimentos no processo ensino-aprendizagem. Nesse sentido, o educador deve estar atento àquilo que é ensinado e como os conhecimentos são dados no processo de ensino, de forma a evitar a perpetuação e legitimação dos valores etnocêntricos.

2.1 O EDUCADOR E A APLICAÇÃO DA LEI 10.639/03 NO ENSINO: FORMAÇÃO PARA A DIVERSIDADE?

A obrigatoriedade do estudo da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira tem configurado nos sistemas de ensino um grande desafio, na medida em que as escolas não estão preparadas para trabalhar a temática da diversidade nas práticas de ensino. O quê trabalhar e como trabalhar, são algumas dificuldades apresentadas no momento de estruturação da escola para incluir no currículo e nas práticas pedagógicas a temática étnico-racial.

Os professores em sua formação docente não recebem o devido preparo para lidar com o desafio que a diversidade e a diferença se colocam no cotidiano de ensino. A partir da obrigatoriedade da legislação na Educação Básica é que tanto as gestões escolares quanto os docentes perceberam as limitações e desconhecimento acerca da História e Cultura Africana como tema a ser trabalhado nos conteúdos das disciplinas. Segundo Munanga,

Alguns dentre nós não receberam na sua educação e formação de cidadãos, de professores e educadores o necessário preparo para lidar com o desafio que a problemática da convivência com a diversidade e as manifestações de discriminação dela resultadas colocam quotidianamente na nossa vida profissional. Essa falta de preparo, que devemos considerar como reflexo do nosso mito de democracia racial compromete, sem dúvida, o objetivo fundamental da nossa missão no processo de formação dos futuros cidadãos e responsáveis de amanhã. Com efeito, sem assumir nenhum complexo de culpa, não podemos esquecer que somos produtos de uma educação eurocêntrica e que podemos, em função deste, reproduzir consciente ou inconscientemente os preconceitos que permeiam nossa sociedade. (2001, p. 7)

Assim, a formação docente tem sido alvo preocupante no campo educacional. É notório que há uma necessidade de uma formação adequada tanto inicial quanto especializada para que a plena efetivação da temática africana seja feita no ensino.

O que sabemos sobre a história e a cultura africana? O que os professores aprendem durante sua formação sobre a África pré-colonial? O que deve ser trabalhado no amplo campo sobre a África? Tais questionamentos devem ser feitos quando os professores se encontram no processo de formação e também deve ser pensado no contexto escolar em relação à inclusão da temática africana no currículo.

Conforme Oliva (2003) é importante ressaltar que as inquietações que surgem no meio escolar decorrem, sobretudo, da realidade que há tempos os estudiosos da África e das questões étnico-raciais alertam: esquecemos de estudar o continente africano. Tanto os professores formados ou em formação, tiveram pouco contato com a história africana e afro-brasileira.

O que aprendemos sobre a África nos livros restringe-se à história da colonização, onde os povos africanos são transportados nos navios para outro continente para trabalharem como escravos, como se o continente africano não tivesse uma história anterior à escravidão. É com essa visão que somos formados no período escolar. Nos cursos de formação de professores não há nenhum aprofundamento acerca da história da África.

No entanto, com a criação da lei e a obrigatoriedade no ensino, não houve tempo para a capacitação devida dos docentes e a inquietação dos mesmos deve-se a esse fator.

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, os professores devem ter uma formação que proporcione lidar com as tensas relações produzidas pelo racismo e pela discriminação. A sua ação deve intervir para reeducar as relações entre diferentes grupos étnicos, ou seja, entre descendentes de europeus, africanos, indígenas, asiáticos. (2004, p. 20)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais enfatizam no aspecto Pluralidade Cultural a necessidade e importância da formação docente contemplar a diversidade e a diferença da formação nacional para que dessa forma a sua ação no ensino seja plural, imparcial e de respeito e reconhecimento às etnias e culturas.

Gomes (2003) ressalta a importância do tipo de formação docente com as seguintes reflexões:

A formação de professores/as, sobretudo a que visa a diversidade, deveria considerar outras questões, tais como: como os/as professores/as se formam no cotidiano escolar? Atualmente, quais são as principais necessidades formadoras dos/das docentes? Que outros espaços formadores interferem na sua competência profissional e pedagógica? Que temas os professores gostariam de discutir e de debater no seu percurso de formação e no dia-a-dia da sala de aula? E que temáticas sociais e culturais são omitidas, não são discutidas ou simplesmente não são consideradas importantes para a sua formação profissional e para o processo educacional dos seus alunos? Será que a questão racial está incluída nessas temáticas omitidas ou silenciadas.” (p. 169)

Torna-se oportuno na formação de professores um questionamento acerca da lógica de ensino que valoriza o conteúdo e não considera outras formas de construção de conhecimento. Inclusive, o campo de estudos de formação docente deve buscar dialogar com outros espaços sociais (ONG’s., movimentos sociais, associação de moradores, etc.), com o Movimento Negro, pois são nesses espaços sociais que ocorrem a construção da identidade negra.

A formação do educador deve levar em consideração o conhecimento “extra-classe”, isto é, os espaços sociais externos à universidade (formação) e à escola (ensino) e que são fontes valiosas de experiências e valores. O conhecimento que o docente utiliza em sala, bem como, as relações desenvolvidas entre os estudantes reflete pouco do que se aprende nos bancos universitários. No entanto, os conhecimentos ligados à cultura, ao meio de convivência influenciam consideravelmente naquilo que ele ensina aos estudantes.

[...] as atividades do professor devem der entendidas, não apenas em termos dos padrões de interação social que prevalecem nas salas de aula, mas sim em termos do padrão mais amplo das relações sociais e econômicas na estrutura social da qual ele e a própria escola fazem parte. (APPLE, 1982, p. 91)

O meio social, a economia, a política, a cultura local, são elementos estruturantes da forma como o sujeito concebe o mundo à sua volta e, é através dessa articulação entre os setores sociais que o educador é formado.

Conforme Pinto (2005, p. 109) “o educador deve compreender que a fonte de sua aprendizagem, de sua formação, é sempre a sociedade.” Os diversos espaços sociais manipulam e formam os indivíduos no meio social. Crenças, valores, princípios e normas são construções sociais presentes na vida dos indivíduos e que fazem parte da vida do ser social, embora muitas vezes sejam hierarquizados.

A vivência dos sujeitos sociais evidencia a cultura ao qual se encontra inserido e as formas de dar significados ao mundo ao longo do processo histórico e social. (CUCHE, 1999 apud GOMES, 2003). Por meio da cultura, os seres humanos estipulam regras, convencionam valores e significados sociais. Cada povo tem sua forma de estipular as formas de comportamento.

Dentre as diversas formas que os seres humanos constroem sua relação com seu semelhante e com os diferentes estão nas formas com os quais se educam e transmitem essa educação aos seus descendentes. É nessa troca e transmissão de valores e conhecimentos que a cultura se apropria dos sistemas simbólicos de representações construídas na vida cotidiana. (GOMES, 2003).

Pensar a educação implica em ampliá-la num sentido que abarque a escolarização/universidade e os processos externos ao âmbito educativo. O que constitui a humanização são os diversos espaços sociais (família, comunidade, trabalho, grupos culturais, movimentos sociais, etc.) A universidade seria então uma parte de um conjunto de fatores que juntos fundamentam a personalidade, a formação humana e profissional.

Considerar os processos formativos internos e externos à arena escolar e universitária como influente na vida tanto dos docentes quanto dos estudantes é fundamental para provocar uma reflexão nos tipos e modelos de educação que constantemente influenciam as concepções e comportamentos dos atores da escola.

A escola é uma instituição que conjuga saberes, conteúdos, crenças, valores, hábitos. Também, é no espaço escolar que os estudantes e professores vivenciam preconceitos raciais, sexuais, relações de gênero. Há uma grande necessidade de o educador estar preparado para intervir nessas situações, para que assim, a sua prática não seja mantenedora do racismo e da discriminação. Assim, a cultura de socialização dos docentes condiciona suas práticas pedagógicas, que implicará tanto na reprodução da discriminação, como no silêncio e indiferença.

[...] alguns professores, por falta de preparo ou por preconceitos neles introjetados, não sabem lançar mão das situações flagrantes de discriminação no espaço escolar e na sala de aula como momento pedagógico privilegiado para discutir a diversidade e conscientizar seus alunos sobre a importância e a riqueza que ela traz à nossa cultura e à nossa identidade nacional. (MUNANGA, 2001, p. 7).

A internalização no senso comum da ausência ou da não valorização da diversidade e da diferença é reproduzida nas práticas de ensino e legitimada através de um ideal de cultura mais interessante a ser ensinado. Se o professor reproduz e difunde os conhecimentos culturais dos povos formadores do Brasil de forma estereotipada e, na sua prática de ensino não evidenciar a diversidade cultural, então a sua práxis de ensino reforça as diferenças de tratamentos aos grupos raciais distintos, com forte repercussão negativa para os alunos negros. (MUNANGA, 2001, p. 8).

O fato de existirem leis que visem ao combate do racismo e da discriminação racial na sociedade não significa que os mesmos irão desaparecer. O enraizamento do racismo e do preconceito no imaginário social e nas práticas resulta dos sistemas culturais discriminatórios na qual as pessoas foram socializadas. No entanto, somente através de uma educação comprometida com a mudança social e que se pretenda difundir valores positivos dos diferentes povos e culturas na formação brasileira, que proporcione a desconstrução do mito de superioridade e inferioridade entre grupos humanos, é que haverá a possibilidade de uma mudança significativa.

Educar para as relações étnico-raciais significa reformular cotidianamente as relações sociais dentro e fora do espaço escolar, o que não é tarefa fácil. Romper com determinadas posturas requer intervir em elementos significativos, simbologias oriundas de processos de socialização há muito encaradas como verídicas.

Reeducar para superar as desigualdades é um desafio proposto pelo Movimento Negro, por intelectuais e todos aqueles que lutam pelo direito à diferença e à diversidade. 

2.2 EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: UM NOVO CAMINHO PARA CONSTRUIR UMA EDUCAÇÃO VOLTADA PARA A SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES.

Educar para as relações étnico-raciais requer uma sensibilização do educador com as questões raciais, étnicas, culturais, religiosas, visando o respeito à diferença e à diversidade. Uma educação que se proponha plural e multicultural envolve muito mais do que mudanças no currículo, nos livros didáticos. Envolve mudanças nas concepções e posturas conservadoras e preconceituosas.

Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, educar para a diversidade implica numa mudança ética, cultural, pedagógica e política nas relações entre os atores escolares e desses nos espaços extra-escolar (família, igreja, comunidade, trabalho, etc).

Na conjuntura social brasileira, a busca por uma educação étnico-racial implica na compreensão de alguns determinantes nas relações raciais entre brancos e negros. Assim, compreender o sentido de ideologias e posturas estruturadas no meio social requer um trabalho cuidadoso por parte dos educadores.

Nessa perspectiva, entender o sentido que o termo raça foi uma construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros e utilizado nas relações sociais brasileiras para informar como determinadas características físicas como cor da pele, traços faciais e tipo de cabelo influenciam e interferem no interior da sociedade, é um dos passos iniciais para a busca pelo entendimento acerca da diversidade e diferença numa sociedade estruturada nas relações de poder.

No processo de análise crítica acerca das desigualdades raciais e sociais, é válido considerar que 50 % da população brasileira é negra, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Porém, mesmo com a metade da população sendo negra, ainda assim, a busca pelo branqueamento é uma tentativa ainda feita por muitos que não aceitam a sua raiz africana.

Nesse ínterim, o discurso de fundamento é que o racismo entre os negros faz com que esse segmento almeje alcançar o ideal europeu. No entanto, desconstruir essa ideia mostrando a construção da identidade negra numa sociedade que tentou diversos mecanismos de negação e marginalização dessa população, e revelar que a negritude ainda precisa ser reconhecida positivamente, assim como a pertença negra deve ser valorizada na formação humana do negro são alvos a serem conquistados. (SILVA, 2001; GOMES, 2003; MUNANGA, 2008).

Na busca por uma educação que valorize a diversidade, a escola deve também fazer o aluno compreender que se o segmento negro se encontra em sua grande maioria numa situação de pobreza e marginalização, ocorre não por conta de inferioridade, mas por conta do racismo que excluiu o negro dos setores sociais e dificultou a sua ascensão em posições privilegiadas. A escola deve promover aos estudantes a desconstrução da ideia de inferioridade racial e analisar os fatores sociais, econômicos e políticos que ocasionaram nas disparidades sociais entre brancos e negros na pirâmide social. (SILVA Jr., 2002)

A escola deve trabalhar a questão racial ao longo do ano letivo, de diferentes maneiras. Uma das formas de ação não apenas restringe-se ao ensino na sala, mas através da intervenção de projetos pedagógicos voltados à temática africana; discutir amplamente com a comunidade o verdadeiro significado do dia 13 de maio como o início da marginalização da população ex-escrava negra no meio social, bem como sua eliminação física e simbólica empreendida pela elite governante; discutir o dia 21 de março que é o dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial; e o dia 20 de novembro, em que questionamos a situação do negro na sociedade, nas esferas educação, mercado de trabalho, saúde, moradia, enfim, dia de consciência da situação social do negro, além de exaltarmos o nosso herói Zumbi dos Palmares.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana contemplam alguns princípios norteadores para uma educação étnico-racial.

O desenvolvimento de uma Consciência Política e Histórica da Diversidade que deve conduzir à:

  • Igualdade de direitos;
  • Compreensão da diversidade;
  • Valorização dos povos africanos;
  • Superação das indiferenças e injustiças;
  • Desconstrução de posturas e idéias ligadas à superioridade/inferioridade racial;
  • Ao diálogo.

O Fortalecimento de Identidades e de Direitos que deve conduzir à:

  • Afirmação de identidade;
  • Desconstrução de imagens negativas do negro;
  • Combate à privação de direitos humanos;
  • Acesso à informação sobre a diversidade brasileira;

Ações Educativas de Combate ao Racismo e à Discriminação que devem conduzir à:

  • Criar uma conexão entre objetivos, estratégias de ensino e atividades com a experiência de vida dos alunos e professores, valorizando as aprendizagens com as pessoas negras, brancas e indígenas;
  • A equipe pedagógica e a gestora devem criticar os materiais pedagógicos que tenham estereótipos e representações negativas do negro;
  • Condições para que os docentes pensem, decidam e assumam responsabilidade por relações raciais positivas, superando conflitos e valorizando as diferenças;
  • Valorização da corporeidade, oralidade e arte ligadas às africanidades;
  • Participação de grupos do Movimento Negro, da comunidade para a elaboração do PPP da escola e que contemple a diversidade;

Estes princípios expostos nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Africana devem orientar as estratégias das escolas para a estruturação do ensino multicultural. Dessa forma, as ações a serem desenvolvidas nos sistemas de ensino devem contemplar os diversos aspectos inerentes à questão étnico-racial.

A dinâmica das relações raciais é constante e se processa na medida em que os interesses individuais e coletivos surgem ou são formados na sociedade. O interesse maior dos movimentos sociais que vêm lutando pela afirmação do negro nos setores da vida social é ver as contribuições africanas nos conhecimentos escolares de forma positiva, e, questionar, reivindicar do Estado um sistema educacional capaz de se constituir um espaço significante para a população negra.

Esse é o momento para que o Movimento Negro, os intelectuais do campo das Ações Afirmativas reivindiquem condições estruturais para a plena implementação da Lei Federal 10.639/03 nos sistemas de ensino. Não dá para pensar que a sociedade já alcançou os objetivos pertinentes à representação da África, sua história e cultura, nos conhecimentos escolares.

Mesmo existindo uma legislação que torna obrigatória o estudo da História e Cultura Africana no ensino, ainda assim, existem escolas que não implementaram a lei. Esse é o momento de o Ministério da Educação junto com as secretarias estaduais e municipais de educação verificar as dificuldades dessas escolas a fim de construir propostas de intervenção nesses espaços educativos.

A ação em conjunto – sociedade e Estado deve ser significativa para uma proposta maior de intervenção. Não se limitar no espaço escolar, mas sim, nos espaços sociais formadores de identidades individuais e coletivas (família, igreja, organizações, associações, grupos culturais, etc.), a fim de que a socialização de saberes extra e intra-escolar dinamize as relações étnico-raciais, é uma das variadas estratégias que a sociedade deve procurar para a busca por uma reeducação das relações sociais e raciais.

CAPÍTULO III – HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA NO CONTEXTO DE NOVAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS.

“A discussão sobre a questão africana e afro-brasileira só terá sentido e eficácia pedagógica, social e política se for realizada no contexto de uma educação para as relações étnico-raciais”.

Nilma Lino Gomes

3. HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA NO ENSINO DE SÃO FRANCISCO DO CONDE: ESTUDO DE CASO.

A obrigatoriedade do Estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo escolar acarretou diversas demandas aos sistemas de ensino, com repercussões importantes à formação de professores e à organização curricular. Desde 2003 que a Lei 10.639/03 foi sancionada pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, e desde então, as escolas devem implementar a legislação no currículo.

No entanto, desde o surgimento da referida lei, tem surgido no âmbito educativo, implicações decorrentes de vários fatores, como por exemplo, os conteúdos utilizados nas aulas, as práticas pedagógicas, os recursos didáticos de suporte ao professor e aos alunos, a formação dos docentes para implementar a legislação no ensino.

Nesse contexto, a implementação da temática afro-brasileira nos sistemas educacionais públicos e privados têm sido feita pela obrigatoriedade em implementar a legislação, uma vez que, estar “dentro” da lei tem se tornado um elemento de preocupação por parte dos gestores educacionais, embora o suporte necessário à essa implementação tenha sido limitado para suprir as lacunas oriundas de um processo educacional marcado pela imposição da cultura hegemônica, marca presente do funcionamento do campo educacional brasileiro.

Compreender como a escola tem estruturado as práticas pedagógicas é uma das formas para analisar as limitações e dificuldades encontradas pela gestão e pelo corpo docente em busca de uma educação voltada para a perspectiva multicultural e pluriétnica que a diversidade de culturas e povos formadores da população brasileira traz em sí.

Tendo em vista a representatividade que a influência africana deixou de legado para o povo brasileiro em algumas regiões do Brasil, o principal motivo da escolha de o estudo de caso ser no município de São Francisco do Conde, recôncavo baiano, é pelo fato de este local ser composto por cerca de 97% de pessoas negras, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entretanto, não apenas pela quantidade majoritária de negros representarem o contingente de munícipes sanfranciscanos, mas, sobretudo, pela herança ancestral africana que está presente de forma marcante na cultura deste povo. Portanto, conforme afirmou o Coordenador Pedagógico e Historiador, Renato Soares, “o resgate cultural de São Francisco do Conde é eminentemente negro”.

O estudo de caso foi estruturado visando contemplar uma análise direcionada para a estruturação pedagógica das escolas pesquisadas visando a implementação da Lei 10.639/03 no ensino. O recorte da pesquisa nas escolas foi o Departamento de Humanas, tendo em vista que a temática africana e afro-brasileira é contemplada pela disciplina de História. Os sujeitos da pesquisa entrevistados foram os docentes da disciplina História, a Coordenação Pedagógica da Área de Humanas, representantes da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) que prestam assessoria à Secretaria de Educação (SEDUC) local. Também, tornou-se indispensável realizar análise de alguns documentos de ações desenvolvidas pelas escolas, relacionadas com a questão étnico-racial, a conscientização da negritude, o combate ao racismo e ao preconceito racial, voltados para a formação de professores e ao processo de ensino-aprendizagem numa perspectiva da diversidade.

Em relação ao suporte às práticas pedagógicas em sala, buscou-se observar junto à coordenação, os livros didáticos e paradidáticos utilizados pelos professores, o suporte pedagógico oferecido nos planejamentos pela Coordenação Pedagógica para a melhoria na qualidade das práticas de ensino, a fim de proporcionar subsídios aos docentes tendo em vista a estruturação teórica e prática para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

As duas escolas pesquisadas oferecem o Ensino Fundamental de 5ª à 8ª séries no período diurno. O Instituto Municipal Luiz Viana Neto foi escolhido por ser uma escola localizada no centro da cidade e de referência para a população, pois a maioria dos munícipes estudou nesta instituição de ensino. O Centro Educacional Claudionor Batista (CECBA) foi escolhido para a pesquisa por estar localizado numa comunidade remanescente de quilombo.

Na análise das duas escolas buscou perceber como tem sido feito o tratamento da questão étnico-racial nas práticas pedagógicas, nas relações entre os alunos e os agentes educativos no espaço intra-escolar, bem como, sua relação com a comunidade; o resgate da história nacional e local do passado colonial, através dos diversos espaços (ruas), as heranças culturais, os imóveis (as igrejas, os engenhos) que revelam as marcas que esse momento estruturou na formação da economia, da política, da cultura, da religiosidade do povo brasileiro, e, nesse caso, do povo sanfranciscano, e suas repercussões nos sistemas de ensino, tendo em vista a Lei 10.639/03 não somente no currículo escolar, mas na reeducação das relações étnico-raciais.

Nesse contexto, os aspectos históricos da cidade, na conjuntura da ancestralidade africana e sua influência na cultura local, é tema presente dos conteúdos escolares.

Tendo em vista a necessidade de implementar a Lei 10.639/03 nas escolas, a Secretaria de Educação do município (entre 2006 à 2007), criou uma disciplina voltada para a inclusão da temática africana e afro-brasileira. Após várias reuniões, foi decidido então que seria apropriado que o professor de História lecionasse a disciplina, pois seria o profissional mais “capacitado” em sua formação para atender às determinações decorrentes daquilo que se esperava aplicar no ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira. Através da parceria firmada com a UNEB, os docentes receberam formação continuada na área de Estudos Africanos. No entanto, com a mudança de gestão os docentes que receberam a formação não foram recontratados.

A descontinuidade de determinadas ações implica negativamente nos resultados.

A carga horária da disciplina História Geral foi fragmentada com a nova disciplina. Essa mudança não foi aceita por todos os professores. Houve questionamentos por parte de alguns docentes insatisfeitos com a criação de uma nova disciplina com carga horária de 50 minutos semanais e, se esta seria ideal para atender às demandas que a questão étnico-racial coloca para os sistemas de ensino.

A primeira denominação foi Estudos Afro-Brasileiros e Africanidades (EABA). Na época (2006/2007), a ausência de material didático com a temática africana para subsidiar o ensino foi um dos principais desafios encontrados pelos sistemas de ensino. Com isso, a Secretaria de Educação ofereceu aos docentes a coleção A África em nós, da editora Grafset. Apesar de o conteúdo ser limitado no que diz respeito à História da África pré-colonial, às organizações econômicas, políticas, social, às contribuições dos africanos nas diversas áreas do conhecimento, o livro foi de grande ajuda naquele momento. Hoje, a produção literária avançou mais em relação àquele período.

Logo após, em 2008, a disciplina sofreu uma alteração, tendo em vista a necessidade de dar significado à forte influência ancestral africana no município, passando assim a ser denominada História sobre São Francisco do Conde e Africanidades (HSSFCA). Portanto, além de ter que incluir no currículo o Estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, também a História e Cultura de São Francisco do Conde tornou-se necessária em virtude da influência marcante dos povos africanos na formação do município.

Em virtude da necessidade de contextualizar a História e Cultura sanfranciscana com a ancestralidade africana, o Núcleo de Estudos sobre São Francisco do Conde e Africanidades, da Secretaria de Educação do município elaborou cartilhas com questões inerentes à africanidade, com temas que resgatam a história do município de São Francisco do Conde e sua influência africana na cultura local. Além disso, todas as unidades escolares receberam o livro São Francisco do Conde, resgate de uma riqueza cultural do geógrafo sanfranciscano José Jorge do Espírito Santo. Nesta obra, o escritor mostra o quanto a riqueza cultural do município carrega a forte influência da ancestralidade africana. Portanto, além da coletânea produzida pela Secretaria de Educação, a obra sobre o resgate cultural do município também foi oferecida como subsídio para os docentes e discentes conhecerem a história e cultura africana e sua influência para a formação do povo sanfranciscano.

Assim, conforme o geógrafo José Jorge do Espírito Santo, na epígrafe da cartilha sobre São Francisco do Conde, diz:

Não conhecer o seu povo é o mesmo que não conhecer a si mesmo. E uma forma de se promover esse encontro é, sem sombra de dúvida, reconstruir a sua história, buscando configurar o seu perfil, seja racial, seja político, seja econômico. Para isto, torna-se extremamente imprescindível buscarmos no passado os valores necessários e as tradições que foram esquecidas, mas que são elementos-chave para este encontro. Pois, tenho plena convicção que, para o futuro ser construído, temos que restaurar o passado e dinamizar o presente.

Conhecer a cultura local contextualizando-a no cerne do processo histórico da colonização e, desse período, as heranças ancestrais africanas, permite à comunidade (re)conhecer a sua história, que foi negada nos conhecimentos escolares, mas que precisa ser valorizada enquanto processo formador do povo brasileiro.

Com a criação da Lei 11.645/08, que inclui também a cultura indígena no currículo escolar, a disciplina sofreu uma nova alteração, passando a ser chamada de História Social e Cultura Afro-Indígena (HSCAI). Portanto, a disciplina com carga horária de 50 min/aula deve abordar a questão africana, afro-brasileira, indígena e sobre São Francisco do Conde.

A Lei 10.639/03 foi criada não com o intuito de causar prejuízos às disciplinas, já que a mesma não faz menção à criação de disciplina específica, unidade de estudo, eventos esporádicos, nem mesmo a fragmentação da carga horária de qualquer disciplina. A dificuldade de trabalhar nas disciplinas, ao longo do ano letivo, as contribuições africanas é ainda um desafio encontrado pelas escolas.

3.1 AÇÕES DOS SISTEMAS DE ENSINO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03.

A fim de possibilitar o desenvolvimento de ações que visem proporcionar um espaço dinâmico e propiciador das relações étnico-raciais, as escolas têm realizado atividades que perpassam o ambiente da sala de aula, buscando a dinâmica que os processos formativos de educação possibilitam à formação de indivíduos e grupos.

Reeducar as relações étnico-raciais envolve muito mais do que o espaço da sala de aula, requer que os docentes repensem suas práticas numa perspectiva voltada ao contexto social externo à escola, que poderá servir para ampliar as visões acerca da diversidade. Não é apenas um conteúdo que fará com que as pessoas (brancas e não brancas) reconstruam suas relações, mas para além da sistematização curricular, os sistemas de ensino, especificamente, os docentes, devem criar novas possibilidades de atuação.

A “Dez” no Instituto Municipal Luiz Viana Neto

A implementação da Lei 10.639/03 tem sido realizada através da disciplina História Social e Cultura Afro-Indígena, onde quatro docentes da disciplina História Geral ensinam a História e Cultura Africana e Indígena através de conteúdos programáticos nas quatro unidades. Antes do surgimento da referida lei a escola já desenvolve trabalhos de conscientização na Semana da Consciência Negra, que são trabalhos feitos pelos alunos e abertos à comunidade.

Embora a questão étnico-racial tenha sido trabalhada antes do surgimento da Lei 10.639/03, sempre no mês de novembro, “ainda há forte resistência de alguns professores para trabalhar a questão étnico-racial no ensino”, afirma o Coordenador Pedagógico. Por exemplo, os professores das outras disciplinas, não trabalham as contribuições dos povos africanos ao longo do ano letivo, mas, no período em que há a sensibilização em torno da Semana da Consciência Negra, onde a escola atua interdisciplinarmente com as questões referentes às contribuições da população negra nas áreas do conhecimento.

Embora as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira Africana indique que o trato da temática africana deva ser trabalhada ao longo do ano letivo pelas disciplinas, em especial, pelas disciplinas de Literatura, Artes e História, há ainda resistência por parte de alguns docentes que não trabalham a influência africana nas áreas do conhecimento. De acordo com o Coordenador da escola,

[...] a formação ineficiente para lidar com a diversidade de conhecimentos, a negação do racismo (fruto do mito da democracia racial enraizado no imaginário, com efeito nas posturas em sala), a negação da negritude, a intolerância às matrizes religiosas africanas, são alguns fatores que influenciam a ideologia e as práticas de ensino.

A intervenção da Coordenação Pedagógica da escola para mudar essa situação tem sido através de encontros que visam oferecer um espaço de debates, discussões e estudos para que os docentes repensem suas posturas e práticas, esclareçam dúvidas, enfim, um momento em que há a “reciclagem” e a busca de conhecimentos, por uma reeducação das relações étnico-raciais. Esses encontros são os Fóruns Permanentes em Educação e Diversidade, realizados na escola a partir de 2009.

Os fóruns são uma oportunidade de propiciar aos docentes e à comunidade espaços de discussões que visem ampliar o foco acerca de temas relevantes como o racismo, a discriminação, o preconceito, a diversidade e a diferença, as desigualdades, dentre outros aspectos pertinentes.

De acordo com as informações do Departamento de Ciências Humanas (contidas nos relatórios e ATAS), os fóruns foram pensados e organizados da seguinte forma:

Fóruns Permanentes em Educação e Diversidade: o quê? Por quê? Para quê?

Os Fóruns Permanentes em Educação e Diversidade são atividades de caráter acadêmico, relacionados às trajetórias e aos trabalhos de docentes dentro e fora de sala de aula que impliquem em intervenção no cotidiano e nas relações sociais, levando em consideração as suas experiências docentes e suas percepções de mundo, centradas na prática político-pedagógica, sintetizando criticamente teoria e prática, conhecimento e realidade, saber e educação, constituindo grupos de debates e reflexões, destacando experiências que têm dado certo no dia-a-dia dos docentes e dos discentes; nesta e em outras unidades escolares da cidade de São Francisco do Conde e áreas circunvizinhas que contemplem a diversidade étnico-racial, cultural e religiosa no Brasil, bem como a diversidade de sexo e de gênero, atendendo às especificidades locais e seus contextos.

Ponto de Partida

Pensado e construído pelo Departamento de Ciências Humanas do Instituto Municipal Luiz Viana Neto, os Fóruns Permanentes em Educação e Diversidade têm caráter deliberativo e democrático, portanto, aberto a críticas, sugestões e encaminhamentos de todos que participem ou queiram participar, priorizando as linhas de atuação já destacadas, focadas na Lei 10.639/03 e 11.645/08 e nas práticas pedagógicas, pensadas de forma interdisciplinar no âmbito da diversidade étnico-racial, cultural e religiosa do país, bem como a diversidade de sexo e de gênero.

Objetivos dos Fóruns Permanentes em Educação e Diversidade

• Contribuir para a capacitação e interação entre os docentes da área de Ciências Humanas e áreas afins, levando em conta o caráter acadêmico da proposta, a partir dos relatos, experiências e pesquisas dos expositores que traçam suas propostas e trabalhos nos espaços escolares, priorizando as discussões sobre as relações e desigualdades étnico-raciais e culturais, bem como da diversidade étnico-racial, cultural e religiosa, pautando questões recorrentes como a de sexo e a de gênero;

• Fomentar estudos e aprofundamento sobre o tema: “Prática Pedagógica e o Trabalho do Docente”, divulgando experiências bem sucedidas nas unidades escolares, priorizando o legado ancestral africano como linha de estudo e de pesquisa.

O que pretende os fóruns

O racismo e suas formas silenciadas de manifestações, comprovadamente têm se constituído um dos maiores impasses para o rendimento e aprendizado dos discentes no cotidiano em sala de aula, composta majoritariamente de negros e de negras, o que impede a ascensão desses sujeitos. Por isso, a discussão da prática pedagógica e o trabalho do docente, priorizando a Lei 10.639/03 e 11.645/08 trabalhando questões recorrentes à educação, cultura e relações étnico-raciais, visando qualificar professores da área de ciências humanas, bem como de outras áreas do conhecimento, socializando experiências, pesquisas e práticas voltadas para a produção do conhecimento com atividades permanentes e mensais neste campo de ação, funcionando como laboratórios de educação, prática pedagógica e interdisciplinaridade, considerando a diversidade étnico-racial, cultural e religiosa de São Francisco do Conde e seu entorno, pautando questões recorrentes com a de sexo e gênero.

Público-alvo

Professores e Coordenadores do Departamento de Ciências Humanas e demais departamentos da unidade escolar e das demais unidades escolares convidadas do município de São Francisco do Conde, bem como coordenações específicas e correlatas da SEDUC – Secretaria de Educação.

Procedimentos e encaminhamentos

• Criação de comissão relatora, de avaliação e divulgação dos fóruns permanentes;

• Criação de comissão para organizar os próximos fóruns a partir de experiências de pessoas e/ou grupos das unidades escolares do município ou de outras localidades;

• Criação de comissão para elaborar o regimento interno dos fóruns, registrando-os em cartório;

• Comissão para elaboração do estatuto ou regimento interno dos Departamentos de Ciências Humanas das unidades escolares do município, constituindo-os marcos legal e autônomo, respaldado nas legislações locais e na Constituição Federal/88;

• Criação de comissão para elaboração do estatuto ou regimento interno dos núcleos de estudos sobre educação, cultura negra e relações étnico-raciais, contemplando a diversidade existente no Brasil;

• Criação de comissão para elaboração da proposta de certificação aos participantes dos fóruns;

• Criação de e-mail ou blog para divulgar idéias, propostas e socialização dos encaminhamentos.

No dia 19 de Setembro de 2009 ocorreu o início do fórum. O Departamento de Ciências Humanas encaminhou convite às secretarias das unidades escolares, aos representantes de associações, ONG, enfim, à comunidade interessada no tema.

A 1ª temática em questão foi: “Prática Pedagógica e o Trabalho do Docente”, priorizando a Lei 10.639/03 e 11.645/08. Posteriormente, o 2° tema foi: “O ensino de Geografia sob outra perspectiva”, e o 3° tema foi: “Dilemas enfrentados para a aplicabilidade da Lei 10.639/03 e 11.645/08 e o ensino de História”. Todos os fóruns foram avaliados positivamente pelos professores.

Desde 2008, a escola oferece colóquios na Semana da Consciência Negra. O I Colóquio sobre Políticas Públicas, Intolerância Religiosa e a Lei 10.639/03 – perspectivas e desafios, ocorreu no período de 11 a 13 de novembro de 2008. Representantes de diversas áreas e intelectuais da área do Negro e Educação estiveram presentes nas mesas-redondas.

A preparação para o II Colóquio em Educação, Cultura Negra, Relações Étnico-Raciais, ocorreu nas reuniões de planejamentos das aulas, nos fóruns, onde os grupos de trabalhos foram divididos para organizar os temas de pesquisa. O período do II Colóquio foi entre 10 e 13 de novembro de 2009, sob o tema: “Por uma educação descolonizadora”. Os eixos norteadores foram: educação anti-racista; políticas de ações afirmativas; cultura e estética negra; convivência e respeito à diversidade cultural e religiosa.

Os docentes participantes dos grupos de trabalhos foram incentivados a expor suas experiências de classe, as relações com os alunos. Além disso, o coordenador propôs que os trabalhos acadêmicos de alguns docentes fossem atrelados às suas experiências de ensino e divulgados no colóquio. Dessa forma, a valorização das pesquisas de determinados docentes que possuem “afinidades” com a questão étnico-racial é uma forma de dar significados aos saberes produzido pelos próprios professores da instituição de ensino.

A participação de intelectuais da área de educação, estudiosos da questão étnico-racial e representantes da sociedade civil e religiosa, são fundamentais para encorajar os docentes numa perspectiva étnico-racial. Propor um espaço de interação entre docentes, estudiosos, comunidade é oportunizar a formação de uma cultura de respeito e valorização às diferenças. Tratar de temas tão complexos e ao mesmo tempo freqüentes no cotidiano das relações sociais e raciais, através da fundamentação de estudiosos da área, reforça a auto-estima docente, colabora com a ressignificação de concepções e posturas. Os efeitos desses encontros são significantes:

[...] nunca vi algo assim, pessoas de diversas religiões, com o mesmo propósito e concordando com o mesmo assunto – a intolerância religiosa. Nunca vi um pastor, uma mãe de santo e um padre juntos, se abraçando e concordando com as mesmas ideias. (professora de Língua Inglesa)

Esse comentário feito pela professora foi uma constatação em relação ao respeito demonstrado pelos participantes da mesa-redonda do I colóquio, ocorrido em 2008. Embora de matrizes religiosas diferentes, os três palestrantes – o padre, a mãe de santo e o pastor, concordaram com a idéia de que é necessária a tolerância religiosa. Afirmaram a possibilidade da convivência harmoniosa entre os diferentes.

Através do acesso às avaliações (nas ATAS) dos docentes que participaram como ouvintes nos dias do I Colóquio, ficou constatado a preferência pela palestra acerca do tema “Intolerância Religiosa”. A palestra dos três representantes de matrizes religiosas diferentes foi avaliada positivamente e, as sugestões posteriores de alguns professores foi pela continuidade dos encontros, inclusive com a temática da religiosidade.

Em virtude da necessidade de trabalhar a questão da diversidade religiosa no espaço educativo, o Departamento de Ciências Humanas, através da disciplina Ensino Religioso, aplicou um questionário de caráter diagnosticador com os alunos a fim de preparar um trabalho mais consistente em relação à diversidade e intolerância religiosa. A proposta é que através dos resultados, a coordenação visa construir um programa de estudos que contemple a diversidade étnico-cultural e religiosa.

A Coordenação da Área de Humanas enfatiza a necessidade de os docentes lançarem um olhar crítico em relação à diversidade religiosa dos estudantes, através de uma observação atenta, de forma que possa direcionar o ensino, na perspectiva da diferença.

O próprio coordenador questiona e provoca os professores acerca de uma auto-avaliação das práticas pedagógicas, das relações construídas com os alunos e como essas relações causam efeitos (positivo/negativo) no desempenho dos discentes. Além disso, chama a atenção para o fato de que as trocas de experiências entre os professores são essenciais para a melhoria na qualidade do ensino.

Um dos Fóruns Permanentes em Educação e Diversidade, sob o tema: “O Ensino de Geografia sob outra Perspectiva”, o professor de Geografia, responsável pelo tema, realizou uma abordagem acerca das condições desiguais entre brancos e negros na sociedade brasileira. A atividade desenvolvida com os professores da área de humanas foi uma análise da representação do negro no livro didático de Geografia. A após análise, os docentes verificaram a pouca presença do negro no livro, além de constatar que os poucos negros presentes estavam em situação de baixo prestígio social. Essa dinâmica de sensibilização permitiu aos professores perceber o quanto é necessário a atenção nas escolhas dos livros que são trabalhados com os alunos.

Os livros geralmente utilizados pelos professores são livros oferecidos pelo Ministério da Educação. No entanto, embora mudanças positivas tenham ocorrido na quantidade de imagens negativas da população negra, ainda assim, as editoras continuam fornecendo livros com imagens do negro em posições sociais de baixo prestígio social.

Outro tema dos Fóruns em Educação e Diversidade foi: “Dilemas enfrentados para a aplicabilidade da Lei 10.639/03 e 11.645/08 e o ensino de História”, proferido pelo professor de História. Foi enfatizada a importância da inclusão da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas. Três eixos nortearam seu discurso: 1°) a lei colocou a necessidade da reformulação curricular; 2°) o mito da democracia racial contribui com a falsa ilusão de democracia e harmonia entre as raças, que estas desfrutam dos mesmos direitos, mascarando o preconceito e a discriminação que existe contra a população negra; 3°) a intolerância religiosa desmoraliza as religiões de matriz africana.

Para o Coordenador responsável pelos colóquios e fóruns, tais iniciativas são fundamentais para “o fomento ao estudo e aprofundamento das questões étnico-raciais”. Segundo a professora de História Social, “os fóruns são importantes para o educador trabalhar a questão do negro no ensino. Quando estava na graduação, não estudei muito o continente africano”. O curso de licenciatura não prepara o educador para lidar com a diversidade em sala.

Para a professora de História Social, os livros de História abordam de forma limitada os conhecimentos relativos à África. Os livros da coleção A África está em nós “é pouco utilizado, o conteúdo é considerado simples, limitado para trabalhar em sala”. Outro fator desafiador encontrado pela professora é trabalhar as relações raciais em sala, pois, os alunos fazem piadas discriminatórias em relação aos traços físicos do colega. Em relação à abordagem acerca do Candomblé, alguns alunos não gostam, principalmente os evangélicos. Comentários atribuídos ao Candomblé, do tipo “coisa de macumba”, são comuns.

Através de uma entrevista informal com a docente, ficou nítida a necessidade de reeducarmos as relações raciais, e que esse processo somente será possível com o trabalho em conjunto – escola, família, comunidade, Estado.

Para a docente de História Social, muita coisa “está na lei, no papel, e pouca ação”. É preciso saber fazer, ir muito mais além do que sistematizar currículo e conteúdos.

A “Dez” no Centro Educacional Claudionor Batista

Entender a implementação da Lei 10.639/03 numa instituição educacional localizada numa comunidade remanescente de quilombo, onde cerca de 93,7% das pessoas são negras, implica em considerar como a escola vem trabalhando a questão étnico-racial dentro e fora do espaço educativo. Envolver a comunidade com as questões relacionadas ao negro e suas contribuições na formação nacional e local é uma tarefa que deve ser empreendida pelos docentes da escola, pela Associação Quilombola da comunidade, pela Secretaria de Educação municipal, pela comunidade do entorno e de outros locais da cidade, atentas às especificidades relacionadas às questões étnico-raciais.

O Centro Educacional Claudionor Batista já vem trabalhando a questão étnico-racial na Semana da Consciência Negra, antes do surgimento da lei, bem como, através da disciplina História Social e Cultura Afro-Indígena. “A Lei 10.639/03 é obrigatória, foi implementada num espaço que já se buscava discutir a questão étnico-racial, o racismo, o preconceito e a discriminação racial”, afirma a Coordenação Pedagógica da escola.

Na Semana da Consciência Negra do ano de 2009, a escola divulgou no espaço escolar várias frases sensibilizadoras: “Monte Recôncavo, remanescência quilombola”, “Racismo é produto da mediocridade intelectual”, “O negro reflete a luz do sol e o brilho do luar”, “Somos todos iguais, filho de Deus, não devemos tolerar preconceitos”, “A raça negra é uma das mais bonitas, temos orgulho disso”, “Dignidade à raça negra...exaltação à sua cultura!”, “Desconstrua seu preconceito, seja ele qual for”, “As mãos dos negros construíram este país”, “Inteligentes, altivos...somos negros do Monte com muito prazer”.

Outras iniciativas de incentivo ao resgate cultural sanfranciscano e afro-brasileiro são desenvolvidas, por exemplo, o II Concurso de Redação destinado aos estudantes, uma forma de possibilitar o processo criativo de escrita, sob um tema inerente à cultura e história local.

As iniciativas educacionais voltadas à população de São Francisco do Conde, população negra, implica na finalidade de melhorar a qualidade da educação dos munícipes. Com isso, dar significados à participação dos estudantes em processos criativos é também uma forma de melhorar a qualidade de vida da comunidade.

II CONCURSO DE REDAÇÃO São Francisco do Conde – BA

Tema: Manifestações Culturais de São Francisco do Conde

Objetivo: provocar uma reflexão no estudante sobre a importância das manifestações culturais para a história do município de São Francisco do Conde.

As inscrições para o concurso foram de 01.10 a 14.10.2009 e a premiação no dia 05.11.2009. O concurso contou com apoio da Prefeitura Municipal de São Francisco do Conde, da Casa de Projetos, da Secretaria de Educação municipal e Secretaria de Cultura e turismo (SECULT).

Projeto Consciência Negra X Ação CECBA – de 16 a 19 de novembro de 2009.

Projeto voltado para a articulação da escola com a comunidade, através de um espaço social de trocas coletivas, através do resgate, da valorização e do reconhecimento da cultura africana e afro-brasileira como identidade histórica.

O Centro Educacional Claudionor Batista (CECBA), através da integração entre os projetos Consciência Negra e Ação Global com o propósito de sensibilizar, envolver e despertar para a melhoria da qualidade de vida, à conscientização, respeito mútuo e preservação dos Direitos Humanos dos discentes, família e comunidade.

Transformar o dia 20 de novembro em dia da Ação Negra e culminância da mostra cultural com prestação de serviços para a comunidade, com atendimento ao cidadão através do Fórum (cartório cível – certidão de nascimento e justiça eleitoral), da Embasa e Coelba (palestras sobre o consumo consciente, Meio Ambiente e abastecimento), da Defensoria Pública (esclarecimentos na área dos direitos do cidadão).

Através de mesas redondas composta por representantes do Juizado de Menores, pelo Conselho Tutelar, Delegacia de assistência à Mulher (DEAM), sensibilizar a comunidade sobre direitos e deveres do cidadão.

A palestra teve o seguinte tema: “Monte Recôncavo e sua ascensão”, com enfoque principal à Afro-descendência e os Movimentos Sociais. Os sub-temas foram: lutas, resistências e reivindicações; heranças culturais e genéticas; comunidades negras/quilombo, morros e favelas; comunidades indígenas/demarcações e protestos; desigualdades sociais e raciais; inclusão e exclusão; economia, política e justiça.

Além do dia 20 de novembro ser discutido no espaço escolar, o dia 13 de maio (2010) foi discutido e conscientizado na 1ª unidade, a fim de estimular a discussão e reflexão acerca das leis que pouco surtiram efeito para a verdadeira libertação dos escravos. O Projeto “Abolição sem libertação: leis que pouco surtiram efeito” objetivou permitir aos discentes a identificação das leis; a reflexão acerca dos movimentos abolicionistas; discutir as leis de forma comparativa; conscientizar no âmbito étnico-racial, dentre outros.

O projeto buscou enfatizar que a Lei Áurea não significou a libertação dos negros, mas sim, significou o início da marginalização no meio social da população liberta. O Governo não criou qualquer política de inserção dos ex-escravos nos setores da vida social, ocasionando a continuidade da maioria dos negros na condição de escravidão, ou em posições subalternas e de baixo prestígio social.

Os docentes vêem esses momentos oportunos para o desenvolvimento de ações voltadas ao combate de posturas racistas, uma vez que consideram difícil trabalhar em sala questões tão complexas.

Através de uma avaliação da formação acadêmica para trabalhar em sala numa perspectiva multicultural, a professora de História Social considera que a graduação em História não foi suficiente para lidar com a problemática que a diversidade se coloca cotidianamente no ensino, e que o conhecimento acerca da História e Cultura Africana adquirido na graduação não foi suficiente para atender às expectativas que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais requer nas práticas pedagógicas.

O conhecimento limitado adquirido na formação produz fortes efeitos nos processos de ensino. Os poucos livros contendo conhecimentos à respeito da História da Bahia, por exemplo, é uma reivindicação da professora de história.

A história voltada para a atualidade, para a nossa história, a nossa origem, a história real dos povos, é pouco tratada nos estudos de história. Não gostava da aulas de história factual, mítica. Na graduação em História pouco falava da História da Bahia. Falta conhecimento sobre a história local nos livros didáticos. (professora de História Social)

A Secretaria de Educação do município solicitou que as escolas escolhessem os livros para serem trabalhados nos próximos quatro anos. Em relação ao livro de História, várias editoras (Moderna, FTD, Ática, Radix) estão sendo analisadas, e, nas reuniões, os professores de História estão sendo incentivados no processo de escolha dos livros sobre a abordagem da diversidade, a questão africana e afro-descendente, a representação do negro nas ilustrações. “Alguns livros tentam romper com o padrão europeu. Tem um livro que Jesus Cristo é negro”, afirma o professor de História Social.

No que diz respeito à religiosidade afro-brasileira, o professor de Ensino Religioso sente muitas dificuldades para trabalhar a diversidade religiosa com os alunos, em específico, no que diz respeito ao Candomblé. “Os alunos evangélicos são os mais radicais. Sinto dificuldades para trabalhar o Candomblé, pois alguns alunos não gostam, fazem xingamentos utilizando os exus, dizem que é coisa de macumba”. O professor realiza pesquisas na internet para subsidiar as aulas, pois na escola são poucos os livros didáticos referentes à diversidade de religião.

Em virtude da dificuldade para trabalhar um tema tão complexo, o professor de Ensino Religioso busca um trabalho inicial com os alunos sobre valores, respeito, diversidade, para depois prosseguir com conteúdos referentes à diversidade religiosa.

O respeito à diferença é uma proposta que deve ser empreendida por todos os educadores, das diferentes áreas. O tema central de qualquer proposta que busque a valorização de povos e culturas deve ser pensada e realizada na perspectiva da diferença como algo positivo para a humanidade.

3.2 “Vamos dar uma aula de respeito às diferenças”: a Lei 10.639/03 no contexto das Políticas Educacionais de São Francisco do Conde.

O atual governo municipal de São Francisco do Conde tem por objetivo o lema “Cuidar das Pessoas”. Nesse sentido, as políticas públicas elaboradas para a população sanfranciscana, majoritariamente negra, é promover melhorias na qualidade de vida, nos aspectos educação, saúde, emprego, habitação.

Nesse contexto, as Políticas Públicas para Educação do município estão sendo pensadas e construídas a partir das Leis Federais 10.639/03 e 11.645/08. Assim, a busca por uma educação pautada na pluralidade cultural e com base no campo das Ações Afirmativas, na Educação das Relações Étnico-Raciais, visando o fortalecimento da identidade negra na população negra local é um passo relevante para a melhoria na qualidade de ensino ofertado nas escolas.

A jornada pedagógica do corrente ano (2010) sob o tema “Vamos dar uma aula de respeito às diferenças” refletiu os desafios colocados pela Lei 10.639/03 na educação. Assim, as escolas estão sendo incentivadas a trabalhar a diferença de forma positiva no espaço educativo. Através de um documento balizador para ações e reflexões, a Secretaria de Educação organizou uma proposta de estruturação das escolas para implementar a Lei 10.639/03 de forma eficiente.

A Secretaria de Educação municipal, em parceria com o Centro de Estudos e Desenvolvimento Interdisciplinar (CEDIC) elaborou o Documento Introdutório para a Construção das Diretrizes para a Política Educacional de São Francisco do Conde, que tem como objetivo iniciar a construção de um marco teórico político orientador para as políticas educacionais de São Francisco do Conde.

A fundamentação do documento foi feita a partir: do Plano Municipal de Educação 2008; a Conferência Municipal de Educação 2009; as Mini-conferências Regionais de Educação; os Relatórios dos Diretores e dos Coordenadores Pedagógicos das unidades escolares do município; a Jornada Pedagógica de 2009; os Relatórios Institucionais e de Gestão de anos anteriores; as deliberações dos Conselhos Municipais; as demandas dos movimentos sociais, entre outros documentos que foram articulados aos estudos e pesquisas realizadas por pesquisadores e intelectuais negros no campo das Ações Afirmativas e outros estudos no campo Negro e Educação. O documento é balizador para as reflexões do pensar e fazer pedagógico sanfranciscano.

O documento se constitui em uma das diretrizes capazes de orientar as concepções e posturas pedagógicas, uma vez que o marco teórico utilizado para fundamentar a elaboração do documento versa sobre os estudos acerca do funcionamento do campo educacional, as relações construídas em sala, a ambiência educacional, o desempenho do aluno.

Vários são os objetivos para que as escolas sejam estruturadas para a implementação da Lei 10.639/03 nas práticas pedagógicas. As dificuldades são muitas, principalmente se formos analisar o quanto reeducar as relações numa sociedade racista é tarefa difícil. Mais do que pensar a existência de uma disciplina é refletir como as escolas estão atuando para ampliar a ação das questões étnico-raciais no ambiente educativo.

“Não se resolve o problema de 500 anos com 50 min/aula”, conforme salientou o representante da CEDIC. Os docentes têm reclamado bastante em relação aos conteúdos, ao currículo, mas precisam também perceber a “importância de reeducar as relações raciais”. A mudança da cultura escolar é uma tarefa pertinente, pois a educação também acontece em outros espaços, além da sala de aula.

É tão difícil “tocar” na subjetividade alheia que foi formada numa cultura preconceituosa e discriminatória. São “relações que estão sendo mexidas”, afirma o representante da CEDIC.

No que diz respeito ao Candomblé, os professores precisam ser cuidadosos, cautelosos, pois o aprendizado não se apaga facilmente. Por isso que as escolas precisam ser estruturadas com o tempo para saber intervir nessas questões. Entretanto, ampliar a afirmação do representante da CEDIC quando diz sobre a importância de “reeducar professores que aprenderam que os orixás são coisas do diabo”, para a ênfase de que toda a sociedade precisa ser reeducada para o respeito à diversidade de culturas e povos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A existência de uma legislação educacional comprometida com a questão étnico-racial no ensino se constitui um grande avanço na sociedade brasileira. No entanto, torna-se oportuno pensar como funcionava o campo educacional antes da lei, e, a partir dela, como os sistemas de ensino estão atuando no campo da educação para as relações étnico-raciais.

Os passos a serem dados para que a implementação da Lei 10.639/03 na Educação Básica seja de fato eficiente são muitos – desde o pensar as relações raciais até a estruturação dos sistemas de ensino.

Quando as escolas resolveram criar a disciplina para aplicar a lei no ensino, decidiram a partir da constatação das dificuldades em trabalhar nas disciplinas a História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, ao longo do ano letivo. Muitos se perguntaram: como ensinar aquilo que não conhecemos? O que ensinar?

Desde a alteração da LDBEN/96, pela Lei 10.639/03, pouco avanço foi constatado no que diz respeito ao livro didático utilizado para subsidiar o processo ensino-aprendizagem. Além disso, é imprescindível que os cursos de formação de professores reformulem o currículo acadêmico levando em consideração as Leis Federais 10.639/03 e 11.645/08.

De acordo com a RESOLUÇÃO N° 1, DE 17 DE JUNHO DE 2004, no Art. 3°, § 1°, diz que “os sistemas de ensino e as entidades mantenedoras incentivarão e criarão condições materiais e financeiras, assim como proverão as escolas, professores e alunos, de material bibliográfico e de outros materiais didáticos necessários para a educação tratada no “caput” deste artigo.” Nesse sentido, desde o surgimento da Lei 10.639/03, a Secretaria de Educação Municipal de São Francisco do Conde providenciou material didático para subsidiar os professores durante as aulas. Inicialmente, através da coleção A África em nós, as cartilhas elaboradas pelo Núcleo de Estudos sobre São Francisco do Conde e Africanidades, o livro Resgate Cultural de São Francisco do Conde, dentre outros.

Essas iniciativas devem ser consideradas, pois revelam a preocupação dos gestores com a prática docente. No entanto, se a qualidade das publicações não é tão satisfatória para ampliar o foco sobre a África pré-colonial, é necessário que sejam realizados incentivos para que as universidades e centros de pesquisas elaborem livros voltados à questão africana, às relações étnico-raciais para os sistemas de ensino.

Ainda no Art. 3°, no § 2°, diz que “as coordenações pedagógicas promoverão o aprofundamento de estudos, para que os professores concebam e desenvolvam unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares.” Assim, os fóruns desenvolvidos pela Coordenação Pedagógica, do Instituto Municipal Luiz Viana Neto, buscou trabalhar a interdisciplinaridade através de unidades de estudos referentes a temas relacionados à diversidade, à diferença, ao preconceito racial, discriminação e africanidades. Essas iniciativas demonstram a responsabilidade da escola com a formação docente numa perspectiva multicultural. O Centro Educacional Claudionor Batista através dos projetos voltados à consciência negra, à desmistificação do dia 13 de maio, numa perspectiva interdisciplinar, busca desenvolver o pensamento crítico-reflexivo dos alunos nas áreas do conhecimento.

Se a Lei 10.639/03 é direcionada aos sistemas de ensino, então, que tais iniciativas de formação docente oferecidas pela Secretaria de Educação Municipal contemplem todos os educadores, pois é dever do professor implementar a temática africana nos conteúdos e práticas pedagógicas. Os cursos de formação na área de africanidades devem ser direcionados para todos os docentes. Isso porque, a Secretaria de Educação do Estado da Bahia, em parceria com o Instituto Anísio Teixeira, tem realizado um curso de formação continuada para os professores da rede municipal e estadual. O curso África Contemporânea – Práticas e Saberes, com oferta de 80 vagas, não é suficiente para contemplar todos os professores da rede municipal.

A construção de uma nova cultura escolar requer a sensibilização e o interesse por parte dos “atores” da escola para construir um espaço que revele o respeito à diversidade, e, sobretudo, que se constitua um local em que a “aula de respeito às diferenças” seja realizada por todos.

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Publicado por: Michele Santana Pacheco de Almeida

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