O Plebeísmo na Obra “O Cão e os Caluandas” de Pepetela

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1. Resumo

O presente estudo assenta na busca de informações sobre a razão do uso do plebeísmo, linguagem informal encontrada de forma exacerbada na fala do povo, encontrado nas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, particularmente na obra do escritor angolano Pepetela intitulada “O Cão e os Caluandas”. O estudo desta é por um lado uma forma de precaução aos leitores que ao acaso pretendam passar as neologias patentes na obra em estudo para o seu vocabulário activo, correndo o risco de desenquadramento linguístico, por estas terem sido usadas estrategicamente pelo autor para revelar a realidade angolana daquele período, e por outro lado pretendemos revelar que a miscigenação da linguagem informal com a formal é uma forma de chamar a atenção para a afirmação de uma identidade angolana, apagada pelo colonialismo.Intitulado “O Plebeísmo na Obra “O Cão e os Caluandas” de Pepetela”, o trabalho, tem como Objectivo Geral, demonstrar a razão do uso do plebeísmo na obra “O Cão e os Caluandas”, e tem como motivação intrínseca a natureza da escrita da própria obra que a diferencia e ao mesmo tempo a aproxima de outras obras, pois, nota-se que a obra tem um fundo cómico que deixa qualquer leitor com vontade de ler incansavelmente. Énotável que este tema possui uma importância académica no que revela ao enriquecimento da área da Literatura Angolana. Portanto, a presente Monografia Científica, está dividida em quatro partes. A primeira parte versa sobre os preliminares relativos a introdução que faz a contextualização do tema e da delimitação, apresentando outrossim, os objectivos traçados, as metodologias usadas para alcançar esses objectivos, a justificativa e a problematização do objecto de estudo. Já na segunda parte faz-se uma contextualização do tema buscando as fontes bibliográficas existentes que abremoinício na busca da resolução do problema de partida, então, nesta parte são encontradas discussões e visões de vários autores. Na terceira parte, a decisiva, trazemos a tona toda uma série de gamas e justificativas resolvendo o caso, apresenta-se então, o objecto de estudo com os seus respectivos argumentos de acordo com a linhagem feita no quadro teórico.É a partir deste capítulo que percebemos que a linguagem na obra “OCão e os Caluandas”é usada como forma de exaltação da Identidade Angolana. Mostramos então, as formas usadas para realizar as actividades investigativas através da metodologia, e finalmente perfazemos a quarta e última parte com a conclusão e a bibliografia.

Palavras-chave: Literatura Angolana, Neologia, Plebeísmo, O Cão e os Caluandas.

2. Capítulo I

3. Introdução

Poucas são as pesquisas literárias que se preocupam com a compreensão das figuras variacionais que se encontram patentes nas obras de muitos escritores africanos. Sendo que na Literatura Africana, resultante de um processo de colonização, a oralidade é o ponto mais focante no que toca às características típicas dos africanos na literatura, é comum encontrar marcas neológicas nos textos dos Autores Africanos de Língua Portuguesa.

As obras literárias africanas em geral, e de Língua Portuguesa em particular, têm uma característica muito comum que se elucida pela presença de marcas da oralidade. O plebeísmo assinala-se a partir do momento em que a oralidade é caracterizada pela informalidade. A obra em estudo é um exemplo concreto da aplicação da língua no seio dos angolanos, neste caso, nota-se na obra que, o plebeísmo não é somente usado pelos não instruídos, mas também pelos poucos instruídos, motivado assim pelas circunstâncias e contexto do uso da língua e através da influência linguística que os angolanos possuem. Portanto, naquela obra, o autor transparece essa realidade de uma forma muito esplendente que nos bisbilhota o intelecto na tentativa de perceber a relação que existe entre a maneira de o autor escrever e a sociedade no contexto da criação da obra.

As neologias usadas na obra de Pepetela são de origem vulgar, ou seja, encontram-se vulgarmente no uso informal da Língua Portuguesa. Embora, normalmente, seja usado pela comunidade menos instruída, é notável no seio dos angolanos instruídos. Neste contexto, o uso dessa informalidade na obra “O Cão e os Caluandas” parece uma estratégia literária que alude a um facto ocorrido no meio dos angolanos daquela época.

Na tentativa de desvendar essa máscara, iremos rapar o osso e descobrir o que está escondido por detrás dela, entrando assim com profundeza para o meio angolano através desta obra que sem enroscar a cauda pode ser considerada uma imagem esculpida na determinação da identidade dos angolanos a partir da sua linguagem.

O plebeísmo é considerado um vício de linguagem não apropriado para ser proferido em meios formais, porque, para além de revelar a falta de instrução, inclui certos palavrões e tudo o que é comum no seio dos plebeus.

A razão do uso do plebeísmo na obra “O Cão e os Caluandas” ainda é uma questão que mexe a cabeça, no entanto, pretendemos mergulhar no oceano e buscar uma gota dela, pois “o que sabemos é uma gota e o que não sabemos é um oceano”1, e investigar o plebeísmo é mais ainda uma riqueza para a área da literatura e linguística, uma vez que o estudo do plebeísmo numa obra como uma figura de linguagem, não está abordado em muitas obras, isto é, está crassamente carecendo de estudos.

No intento de facilitar a compreensão do conteúdo da nossa monografia, achamos pertinente organizá-lo em quatro capítulos, para além do índice e da bibliografia. Portanto, é com a introdução que inicia o primeiro capítulo que volve em torno da estrutura, dos objectivos, da justificativa, do problema e da metodologia do trabalho investigado, enquanto no segundo capítulo, discorremos sobre as reflexões das noções preliminares que fundamentam as neologias. É neste capítulo que são evidenciadas as perspectivas teóricas dos autores em volta das neologias. E finalmente o terceiro capítulo levanta o pó com a apresentação dos excertos contendo os elementos neológicos que são automaticamente analizados, enquanto o último, o da conclusão, faz o desfecho.

3.1. Tema

O Plebeísmo na Obra “O Cão e os Caluandas” de Pepetela

3.2. Objectivos

3.2.1. Geral

  • Demonstrar a razão do uso do plebeísmo na obra “O Cão e os Caluandas” de Pepetela.

3.2.2. Específicos

  • Identificar o plebeísmo usado na obra “O Cão e os Caluandas” de Pepetela;
  • Analisar o plebeísmo usado na obra “O Cão e os Caluandas” de Pepetela;
  • Descrever os motivos do uso do plebeísmo na obra “O Cão e os Caluandas” de Pepetela.

3.3. Justificativa

As motivações do desenvolvimento deste tema centram-se primeiro em uma motivação pessoal que surgiu aquando da leitura da obra “O Cão e os Caluandas”, que nos interessou não só pelo conteúdo, mas também pela forma cómica da abordagem e o uso da linguagem vulgar, ou seja, o plebeísmo que não é simplesmente uma inovação do autor, mas uma linguagem comum no seio dos angolanos.

Esta obra, que revela uma desorganização organizada pelo autor, interessou-nos bastante por possuir uma imensa riqueza para qualquer investigador que pretende fazer estudos na área de literatura, pois, para além de uma linguagem angolanizada apresenta-se de um modo difícil de se enquadrar quanto ao género e ao modo literário.

Talvez isso seja uma das coisas que mais chamou a nossa atenção, uma vez que na escolha do tema sentimo-nos um bocado conturbados por ter-nos passado da cabeça o desenvolvimento de mais de duas obras que tem algumas dessas características. Uma é a obra de Ngungi wa Thion’go “Um Grau de Trigo”, que se apresenta com muitos termos próprios da sociedade africana do Quénia, local onde se dá a ocorrência dos factos, talvez como uma forma de se pronunciar defendendo a sua identidade. A outra obra que se identificou muito com a nossa motivação foi a de Almeida Garrett “Viagens na Minha Terra” que conta duas histórias que parecem distintas mas que no final se unem como uma só agulha.

Uma vez que não são todas as vezes que se fazem aventuras deste tipo, achamos que o estudo de “O Cão e os Caluandas” é importante, pois não existem muitos estudos acerca desta riquíssima obra. Neste contexto, podemos afirmar que, a partir deste trabalho, abriremos uma porta para posteriores estudos aprofundando e enriquecendo a área de literatura e linguística, visto que falar de plebeísmo como vício de linguagem torna o tema da área de linguística e o uso do plebeísmo como estratégia literária torna este tema da área de literatura.

Alguns estudos têm sido feitos na área da linguística, no sentido de perceber a variação da língua em diferentes contextos. Na área da literatura, no que tange ao estudo da variação da língua, têm-se feito estudos na tentativa de perceber o papel da oralidade, principalmente na literatura africana. Porém, pesquisas acerca da linguagem informal, têm sido esmeramente desenvolvidas auscultando espaços temporal-espaciais físicos através da busca de fontes humanas, e nota-se o desamparo da obra literária na visão de espelho de sociedade, por exemplo, a linguagem usada em “Os Lusíadas”2 é relativa ao tempo de produção da obra, e estudos podem ser feitos acerca da variação linguística nessa obra. Outros estudos fazem alusão às variações linguísticas fora das obras literárias, mas não no sentido de verificar se o informalismo pode ser uma estratégia literária, mas na congruência de analisar as diferenças da língua em diferentes estágios.

Importantes e interessantes estudos têm sido feitos e podemos confirmar nas afirmações patentes num artigo publicado por ABBADE3 e, por exemplo, o facto de Leocarpo Mário,  estudante universitário angolano do curso de Ciências da Comunicação, ter criado um projecto de estudo de tendências linguísticas de Angola “Calão/gíria”, denominado “Kallun”, portanto, o nosso trabalho, é um estudo semelhante a este, todavia, nós fazemos uma abordagem um pouco diferente, porque enquanto o autor atrás citado desenvolve os seus estudos e cria um dicionário de calão angolano, com base no desenvolvimento da linguagem plebeia no seio dos angolanos, nós fazemos o estudo da linguagem plebeia na obra “O Cão e os Caluandas” relacionando com o contexto da criação da mesma.

“O Cão e os Caluandas” possui um acervo de plebeísmo muito admirável. O autor leva a realidade dos angolanos para a obra, trabalhando-a num sentido que nos leva a considerar que existe um motivo pelo qual o autor escreveu essa realidade tal como ela é, na oralidade e na escrita dos angolanos. Torna-nos imprescindível perceber porque Pepetela recorre-se ao plebeísmo na obra e qual é o seu objectivo ao trazer o seu assunto do modo que expõe.

Os estudos acerca da variação linguística têm sido feitos como objecto da linguística; uma inovação será revelada na nossa pesquisa no momento que trataremos esse conteúdo como objecto da literatura, o que por um lado irá fazer-nos perceber que as áreas do estudo da Língua Portuguesa não caminham isoladas, e, portanto, há necessidade de aprofundar mais os conhecimentos das figuras variacionais estudando um alvo, neste caso “O Cão e os Caluandas” não só como uma obra, mas também como um texto, pois sabemos que a aula de Língua Portuguesa tem como base o texto, e é importante termos como suporte de estudo da variação linguística. Depois deste estudo poderemos usar este texto como base sólida quando quisermos falar da variação linguística e sobretudo da linguagem coloquial.

Há que referir que o plebeísmo é habitualmente conhecido como um vício de linguagem, e portanto, tem sido objecto de críticas e quando é usado em meios formais é olhado com olhos diferentes, todavia, o nosso objectivo vai levar-nos a evidenciar a utilidade do plebeísmo para o enriquecimento da Língua Portuguesa em geral e da literatura em particular, e iremos perceber o impacto que este tem nas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa com especificidade na obra “O Cão e os Caluandas”.

3.4. Problema

A obra “O Cão e os Caluandas” de Pepetela apresenta um vício de linguagem denominado vulgarismo ou plebeísmo, que nós preferimos chamar de estratégia linguística. Surge então a necessidade de saber as razões por detrás do uso do plebeísmo, visto que a obra retrata um passado não muito longo, nem muito recente.

Sendo a leitura uma actividade muito importante para o aperfeiçoamento da mesma, do vocabulário, escrita e oralidade, e que o desenvolvimento da língua depende da sua prática, supomos que a leitura de uma obra literária pode levar o leitor a apoderar-se de certos vocábulos e certas maneiras de falar, visto que o texto tem sido um exemplo concreto da aplicação da língua. Pode-se dar o caso de o leitor servir-se da linguagem coloquial das Obras Literárias Africanas de Língua Portuguesa e utilizá-la no dia-a-dia caso não seja um leitor crítico e isso pode influenciar na maneira de falar do indivíduo, o que poderá fazer com que este seja considerado um indivíduo menos culto e ainda ser conotado de forma negativa por usar essa linguagem em situações formais.

Embora isso possa ser comum em leitores-consumidores passivos, não descartamos a possibilidade de isto poder acontecer com qualquer leitor de outro género, portanto, é necessário que se esclareça o papel que as neologias, particularmente a linguagem coloquial, ou seja, o plebeísmo desempenha nas Obras Literárias Africanas de Língua Portuguesa, de modo que não se confunda e não leve os leitores a considerarem certos modos de falar como sendo cultos, correndo o risco de usar em situações formais que seriam inadequados.

Para tal, postulamos a nossa pergunta de partida que nos levou a peneirar a questão e a compreender as razões do uso do plebeísmo como estratégia discursiva na Literatura Angolana, exclusivamente no estilo de Pepetela na obra “O Cão e os Caluandas”.

“Qual é a razão do uso do plebeísmo na obra “O Cão e os Caluandas” de Pepetela?”

3.5. Metodologias

Esta é a fase de metodologias que de uma forma mais detalhada explica como foi efectuado o trabalho de recolha de dados, os métodos e as técnicas usadas, assim como o tipo de pesquisa adoptado. Para além desses detalhes, apresenta de forma clarificada, a pertinência, as razões do uso das mesmas estratégias, assim como os passos seguidos em cada método e técnica.

Através de alguns conceitos apresentados por autores que se preocupam na explicação das metodologias de trabalho científico, mostramos as evidências e provas que nos asseguraram na escolha dessas metodologias.

O mais importante neste ponto é a explicação apresentada em relação ao uso ou adopção de um método em detrimento do outro para realizar as actividades planificadas. Neste contexto respondemos a questão “como?”.

3.5.1. Tipo de pesquisa

Quanto à forma de abordagem, a pesquisa é Qualitativa. SILVA e MENEZES (2001:20) consideram que nela,

há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objectivo e a subjectividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenómenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas.

A adopção da pesquisa qualitativa foi proeminente para o apuramento dos factos a realçar no tema sem o uso de gráficos, posto que sem dados numéricos processamos a informação através de dados empíricos apresentados nos diferentes escritos que abordam sobre o coloquialismo, isto significa que, centramos as nossas abordagens na interpretação dos fenómenos tendo em conta o conhecimento teórico-empírico.

E, tendo em conta a especificidade do nosso trabalho, julgamos que a nossa pesquisa teve êxitos desejados por adoptar a pesquisa do tipo qualitativo, pois fomos de uma forma aprofundada trazer preceitos fundamentais sobre a relevância do plebeísmo para as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, procurando assim, perceber historicamente o contexto do seu uso.

Portanto, cabe-nos afirmar que a pesquisa qualitativa pareceu-nos ser a mais indicada para a investigação que efectuamos, visto que, permitiu um estudo exaustivo, profundo e amplo no sentido de envolver mais reflexão em torno das bases que nos foram fornecidas, tendo como fonte de análise uma gama de fenómenos linguísticos que decorrem em contextos de enunciação.

O trabalho desenvolvido baseou-se também na leitura bibliográfica no que tange aos procedimentos técnicos, pois, esta deu-nos bases e pontes para ajustarmos e percebermos o assunto. A pesquisa bibliográfica acontece quando é “elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e actualmente com material disponibilizado na Internet (Op Cit.: 21)”. O nosso objecto de estudo constituiu um material publicado, uma obra, portanto, a pesquisa bibliográfica facilitou-nos na busca do conteúdo a estudar, assim como na busca da satisfação dos nossos objectivos conforme o material disponível acerca do tema.

3.5.2. Método de abordagem

O método que usamos para a análise de dados foi o método dedutivo. GIL (2009) assim como SILVA e MENEZES (2001) afirmam que este foi proposto pelos racionalistas Descartes, Spinoza e Leibniz, pressupondo que só a razão é capaz de levar ao conhecimento verdadeiro, que decorre de princípios a priori evidentes e irrecusáveis.

Uma das características das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa é a oralidade, entretanto, partimos desse pressuposto geral e reconhecido como verdadeiro e descemos ao particular para encontrar a solução do nosso problema. E foi nessa mesma ordem de ideia que revelamos como verdadeira a premissa de que o plebeísmo faz parte do quotidiano africano em geral e angolano em particular, e ele é característica desmedida do texto literário “O Cão e os Caluandas” da autoria do angolano Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos que tem como pseudónimo Pepetela.

Há que frisar que durante a abordagem, na fase da apresentação e análise de dados, no terceiro capítulo, intitulado: “O Cão e os Caluandas, espelho da Língua Portuguesa como Identidade dos Caluandas”, usamos o negrito para destacar o alvo assemelhando-se assim, ao negrito dos títulos e subtítulos, e sobretudo focalizamos com o negrito, as palavras que são objecto de estudo nos fragmentos comentados.

3.5.3. Métodos de procedimento

A investigação científica depende de um “conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos”4 para que seus objectivos sejam atingidos, os métodos científicos.

O método que usamos nesta pesquisa foi o monográfico ou estudo de caso, a partir do qual tivemos como alvo de estudo a obra “O Cão e os Caluandas” da autoria de Pepetela. O método monográfico ou de estudo de caso foi importante porque permitiu-nos descrever detalhada e minuciosamente o assunto do plebeísmo. Essa descrição foi feita num ponto de vista restringido a obra em estudo partindo de uma visão geral que nos permitiu conhecer globalmente as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa para demonstrarmos os resultados pretendidos de forma restrita na obra “O Cão e os Caluandas”.

Dentre os procedimento que tivemos em conta na abordagem do tema com o objectivo de chegarmos às conclusões, usamos o método histórico, pois recorreremos ao passado para perceber o contexto da inserção da oralidade na Literaturas Africanas, para além de termos procurado perceber a origem dos termos plebeus patentes no texto.

O método histórico facilitou na recolha de informações relevantes na obra “O Cão e os Caluandas”, portanto, entramos com mais profundeza na percepção da emergência da Literatura Angolana e procuramos perceber o papel das formas populares de linguagem na criação de uma Literatura Angolana.

3.5.4. Técnicas de recolha de dados

De acordo com MARCONI e LAKATOS5 são consideradas técnicas, “um conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência, são também, a habilidade para usar esses preceitos ou normas, na obtenção de seus propósitos”. Nessas técnicas anteriormente definidas usamos especificamente a documentação indirecta (pesquisa documental e bibliográfica) que está intimamente ligada à pesquisa bibliográfica que se prende a busca de ferramentas documentais para a explicitação do assunto em causa, por conseguinte, usamos esta técnica para extrair conhecimentos em torno do objecto de estudo.

O desenvolvimento desta pesquisa foi feito na base da leitura, análise, tradução e interpretação do conteúdo linguístico da obra “O Cão e os Caluandas”, focalizando principalmente na linguagem que tange ao plebeísmo como uma estratégia litarária. Após a colecta de dados e análise crítico-literária da obra, fizemos o desenvolvimento escrito da pesquisa.

Outrossim, fizemos uma análise textual no intento de perceber a estrutura, as relações e os elementos que compõe o texto relacionando com a presença das marcas plebeias. É também na análise do conteúdo que procuraremos identificar os termos usados e a relação destes com o contexto social da produção do texto “O Cão e os Caluandas”.

4. Capítulo II

5. Fundamentação teórica

5.1. Conceito de neologia

A língua é um instrumento dinâmico que permite a entrada e saída de vocábulos de forma natural, acontecendo assim uma incorporação e criação de novas unidades lexicais formadas de vários modos. As acepções comuns da neologia revelam que ela trata de perceber as novidades relativas a reforma dos vocábulos que as línguas apresentam de acordo com o tempo. Traduz ainda as mudanças que se efectuam a nível lexical e faz o estudo dos neologismos que surgem na língua na base de observações, registos, datações, descrições e análises.

GUILBERT (1975) citado por CORREIA (1998:61) afirma que enquanto demonstração da criatividade lexical, a neologia pode ser:

  • Denominativa: resultante da necessidade de nomear novas realidades (objectos, conceitos), anteriormente inexistentes;

Essa verifica-se devido a dinâmica das límguas, pois, surgem novos itens lexicais de acordo com a evolução e o aparecimento de novos conceitos e imagens que precisam ser designados, e não tendo denominações anteriormente, são usados os novos vocábulos para o efeito.

  • Estilística: corresponde à procura de uma maior expressividade do modo inédito a certa visão do mundo. Estes neologismos existem, primeiramente, apenas ao nível do discurso, sendo geralmente formações efémeras, entrando raramente no sistema da língua, isto é, são unidades que tendem a desaparecer rapidamente.

São muito frequentes no discurso humorístico, jornalístico (sobretudo ao nível dos títulos, pelos caracteres original e apelativo que estes devem apresentar), bem como na crónica política;

  • Linguística: unidades lexicais do discurso que, por não se distinguirem das restantes unidades lexicais da língua (elas correspondem à actualização da competência derivacional dos falantes), não despertam qualquer sentimento de novidade.

São processadas, na comunicação, quer ao nível da produção, quer ao nível da percepção, como sintagmas, levando em conta as suas partes constituintes, bem como a sua posição relativa. O que faz destas unidades, neologismos, é o facto de elas não se encontrarem registadas nos dicionários representativos da língua em questão.

Em certas épocas, por factores extralinguísticos, determinadas formações de palavras (já existentes ou novos) “ficam em moda”, dando origem a inúmeras unidades lexicais novas6. Ex.: mini- (sobretudo nas décadas de 60 e 70); super- e, actualmente, mega- (por exemplo: megaconcerto, megaprograma, mega-espectáculo)

Apesar de ao nível da língua corrente ocorrer mais a neologia do tipo denominativo que ocorre pela ausência de vocábulos adequados ao que se pretende expressar, nota-se o uso das neologias estílicas, como é o caso das usadas na obra “O Cão e os Caluandas”, que para além de dar mais expressividade ao texto parece identificar o povo.

Em termos gerais, a neologia é o processo de criação de novas palavras para nomear novas realidades, ou criação de novas acepções para palavras já existentes na língua.

Na língua corrente, os neologismos são, então, num primeiro momento unidades do discurso, passando para o sistema da língua apenas aquelas formações que assumem um carácter permanente e estável, isto é, aquelas que resultam de uma necessidade do sistema, sobretudo as de carácter denominativo. A entrada no sistema linguístico, oficializada pelo registo em dicionário de língua, é, ao mesmo tempo, o momento em que a formação deixa de ser um neologismo.7

Uma vez que a neologia faz o estudo das unidades lexicais que entrar e saem de uma língua onde são inclusos, os neologismos, há necessidade de discutir e reflectir sobre as premissas preliminares e fundamentadoras em volta das neologias, isto é, os dois termos: a lexicologia, que tem como objecto de estudo o léxico, e os neologismos.

5.2. Neologismo Versus lexicologia

O léxico de uma língua é ilimitado, permitindo que certos vocábulos entrem em (des)uso, e outros sejam criados e inovados de acordo com a necessidade. Para isso, as línguas possuem uma constituição capaz de acolher essas mudanças que são efectuadas.

Há discussões que rolam em volta de definição dos neologismos, que defendem a imprecisão da definição que atesta que ela relaciona-se com o processo de criação de novas unidades lexicais, acreditando que o dinamismo e a mudança na língua é uma das ocorrências que faz com que uma língua seja uma língua, ou seja, os processos usados para a criação de novas unidades lexicais encontram-se disponíveis em qualquer sistema linguístico.

Outros autores admitem a existência de neologismos autênticos resultantes de elementos afixionais dispostos no sistema linguístico, surgindo a criação lexical neológica subvertida às possibilidades previstas na língua.

O neologismo é uma nova unidade lexical formada consciente ou inconscientemente através dos preceitos possíveis e fornecidos pela própria língua ou por outros sistemas linguísticos, é por isso que ALVES8 embate-nos com a definição de que “a neologia é o processo de criação lexical”.

O surgimento de novas unidades lexicais, geralmente está relacionado com mudanças sociais, pois com a mudança e o desenvolvimento sociais, surgem novas ciências e técnicas que obrigam a reforma lexical, para nomear novos conceitos e ideias, por isso, para além de o estudo das neologias ser de extrema importância para a compreensão dos processos de formação de palavras que se notam ao nível da variação linguística, torna-se importante para a sociedade, a cultura e a política.

Verifica-se comummente que os neologismos são empregues não só na oralidade como também na escrita de documentos formais e oficiais que orientam o ensino da Língua Portuguesa, e como caso de notificação, importa reafirmar que a linguagem humana tem como característica comum universal “a mudança”, porém a linguagem é um sistema ordeiro que é posto em prática de acordo com as regras e situações pragmáticas, facto que nos leva a afirmar que essas mudanças verificam-se tanto ao nível do léxico como em todos as áreas contundentes que tocam a língua e a gramática.

Sem bambolear, a seguir apresentamos duas razões fundamentais das mudanças linguísticas na componente lexical de acordo com CORREIA (1998:62):

  • A componente lexical não é uma componente tão estruturada como, por exemplo, as componentes fonológica ou sintáctica, e sendo o conhecimento lexical mais consciente, por ser constituído não só por regras, mas sobretudo por itens, a mudança pode ocorrer de modo mais livre e rápido, afectando unidades e não tanto a estrutura do léxico;

  • É através das unidades lexicais que designamos os itens da realidade envolvente e que traduzimos o conhecimento que temos dessa realidade, e é natural que a componente lexical reflicta de forma mais directa todas as alterações e toda a evolução que o meio vai sofrendo.

A mudança lexical, a mais afectada em termos de mudança, reflecte-se a dois parâmetros: arcaísmo (por razões extralinguísticas, algumas unidade caem em desuso) e neologismo (novas unidades lexicais entram no léxico).

O item lexical “neologismo” é sentido e reconhecido pelo falante da língua e pela comunidade linguística, sendo considerado de “novo” pelo falante. Baseando-se em critérios lexicográficos, os neologismos são considerados unidades não registadas nos dicionários representativos do estado da língua em questão, neste caso, podemos recorrer ao exemplo das neologias que surgem em Angola que não estão registadas nos dicionários da Língua Portuguesa Padrão, “Português Europeu”, muito embora, haja tendências de criação de um dicionário próprio do Português de Angola devido a essas entradas de novas unidades lexicais, que não são reconhecidas pelo Português Padrão.

CABRÉ (1993:445) refere que “a instabilidade formal do neologismo é relevante para a sua classificação enquanto tal, isto é, uma unidade será considerada neológica se, cumulativamente, apresentar sinais de instabilidade de natureza morfológica, fonética ou ortográfica”. Porém, preferencialmente, o estabelecimento dos critérios da conceitualização dos neologismos carecem de objectividade, baseando-se e dependendo da intuição linguística de cada falante, porque o que constitui novo para um falante pode ser antigo para outro. No entanto, a definição de neologismo na óptica de REY (1976) “uma unidade de léxico, cuja forma significante ou cuja relação significado-significante, caracterizada por um funcionamento efectivo num determinado modelo de comunicação, não se tinha realizado no estádio imediatamente anterior do código da língua” parece mais ajustada, pois apresenta vários níveis de acordo com a novidade, embora o mesmo neologismo pode evidenciar, ao mesmo tempo, tipos de novidade diferentes.

  • Formal (a sua forma significante é nova): quando o neologismo apresenta uma forma não atestada no estádio anterior do registo de língua (ex.: derivados e compostos novos, palavras de origem estrangeira);

  • Semântica: quando o neologismo corresponde a uma nova associação significado-significante, isto é, uma palavra já existente adquire uma nova acepção;

  • Pragmática: quando a neologia resulta da passagem de uma palavra previamente usada num dado registo para outro registo da mesma língua. A novidade pragmática implica, normalmente, novidade semântica.

Uma vez que a discussão dos neologismos rola em volta do léxico, importa perceber a concepção da Lexicologia na sua profundidade, disciplina essa que faz o estudo do léxico de uma língua.

O léxico, objeto de estudo da Lexicologia, pode ser estudado de acordo com os aspectos: fonológicos, morfológicos, semânticos e sintáticos. E ele “engloba o conjunto de signos linguísticos por meio dos quais o homem não só se expressa, se comunica, mas também cria novos conhecimentos e/ou assimila conhecimentos que outros homens criaram, não só na sua civilização mas também em outras civilizações”, BIDERMAN (2001) citado por PIRES (1978:04).

Dentro da ocupação da Lexicologia (análise e descrição de todo o conjunto de palavras que conhece o falante de uma língua), aborda-se sobre a questão da inovação lexical,“processo de criação de novas palavras numa determinada língua” (Op Cit.:09).

A inovação lexical é uma marca do dinamismo e vivacidade da língua. A língua torna-se cada vez mais viva e energética quando novas palavras são criadas, e a realidade pragmática e envolvente enrosca-se bastante nesse processo.

A criatividade lexical torna-se ilimitada com o aparecimento de novas realidades que precisam ser denominadas. Novas palavras surgem com o surgimento de novos conceitos, novas realidades e novas exigências do mundo.

Apesar de as denominações verificarem-se sobretudo a dois níveis, “denominação dos objectos do quotidiano” e “denominações em domínios especializados”, existem outras denominações que surgem fora desses níveis, pois são criadas novas palavras para substituir as já existentes. Ao nível das especializações, é frequente a criação de novas palavras recorrendo-se aos estrangeirismos e à formação de palavras por composição.

Uma das formas eficientes para medir o grau de inserção de novas palavras na língua é por meio da medição da capacidade criativa da língua, é isso só pode ser realizado extraindo os vocábulos em materiais escritos, para além dos escritos pelos lexicógrafos e pelos literatos que espelham braviamente a realidade social.

5.3. Plebeísmo

No plano da diferenciação entre os níveis linguísticos encontram-se diferentes formas de comunicação de acordo com a faixa etária, o sexo, o meio sócio-cultural e o nível económico, e é nesta variação que encontramos um grupo de indivíduos considerados povo. O povo normalmente possui uma forma de linguagem fácil de perceber no contexto da sua comunicação, usando a informalidade que é característica pura da sua linguagem.

A linguagem vulgar, característica do povo é carregada de informalidade e é considerada de plebeísmo quando usado em meios formais. Há que se considerar formalismo no sentido de presumir a existência de uma língua considerada de dialecto relactivamente à considerada de padrão. Nesta concepção, OSCAR (2012:126) define o plebeísmo como sendo “o uso linguístico popular em contraposição às doutrinas da linguagem culta da mesma região”.

O plebeísmo é composto de palavras ou expressões triviais ou de gíria. Consiste em se utilizar de expressões informais em demasiado (baixo calão), popular, incluindo gírias e normalmente não é tolerado na língua culta, por espelhar grosseria, falta de instrução e boçalidade na visão dos falantes da língua padrão. Este vício pode ser verificado a nível fonético, morfológico e sintáctico.

Segundo a sua origem refere-se a uma qualidade ou condição de plebeu, e constitui linguisticamente a frase, palavras ou modos usados apenas pelo povo. Gramaticalmente é um defeito de linguagem que consiste em empregar, como correntes, essas frases ou palavras.

Por questões de etiqueta, evita-se o uso de plebeísmo em contextos sociais que requeiram maior formalismo no tratamento comunicativo. Porém, parece a questão do formalismo uma questão discutível no que tange aos procedimentos para a definição do que é formal, mas a sociedade sendo uma constituição organizada possui seus parâmetros para a definição do formal e informal. Tratando-se de “O Cão e os Caluandas” uma obra angolana, analisamos a linguagem formal no sentido alvitrado pelo regime colonial antes da independência do país e depois pelo governo angolano ao conferir a Língua Portuguesa o estatuto de Língua Oficial e língua usada em contextos formais por diversas razões tais como a Unidade Nacional, a ideia de civilização em relação a língua do colonizador, o privilégio que essa língua possuía no seio dos angolanos, e a presença de um número considerável de indivíduos falantes da Língua Portuguesa.

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O plebeísmo é a condição, particularidade ou maneiras de plebeu. É o estado ou característica de quem é plebeu. Na linguística é aquilo (palavras, expressões, maneiras) que caracteriza a maneira de falar das pessoas que fazem parte das classes mais populares, frequentemente, considerado como vulgarismo abrange também os palavrões e as palavras decididamente ofensivas e grosseiras. Estilisticamente evidencia o tipo de relações numa determinada comunidade.

Contextualizando, há que perceber a essência do plebeísmo a partir da obra “O Cão e os Caluandas” que possui muitos termos plebeus usados no contexto angolano, como por exemplo, “Kota = mais velho, Monandengue=miúdo, Kumbo = dinheiro, Kamba = amigo” 9, entre outros.

O plebeísmo é o termo designado para referir às formas não cultas de expressão, e portanto, o calão, os empréstimos usados na linguagem popular, os regionalismos e outros elementos linguísticos usados pelos plebeus, ou seja, pelo povo é o que denominamos de plebeísmo.

A presença do vulgarismo nas obras literárias constitui uma questão de muita novidade e, portanto, relaciona-se com a questão das neologias, uma criação extensiva do léxico do português, e nota-se a partir da presença de diferentes tipos de plebeísmo, um desenvolvimento elevado do léxico da Língua Portuguesa, que não se pode delimitar por causa da liberdade de entrada e saída de novos vocábulos no mundo dos arcaísmos e neologismos, estes que são considerados unidades lexicais que caem em desuso e/ou se integram no léxico respectivamente.

a) Plebeísmo fonético

O plebeísmo fonético manifesta-se ao nível da pronunciação das palavras comparativamente a pronunciação das mesmas de acordo com os preceitos gramaticais. O Português varia de acordo com várias influências no contexto social e cultural.

Nessa variação do Português pode-se dar o caso de se abreviarem certas palavras fazendo com que a pronúncia também modifique. Por exemplo, a forma verbal “estar” é pronunciada da seguinte maneira [ɨʃtár] de acordo com as regras fonéticas que regem a gramática da Língua Portuguesa, porém a mesma forma verbal tem sido reduzida, principalmente na oralidade para “tar” e consequentemente a pronúncia fica [tár]. Esta marca da oralidade que se contrapõem às regras da gramática é uma marca plebeia, ou seja, o seu uso é informal.

b) Plebeísmo morfológico

O plebeísmo morfológico é revelado no contexto da produção frásica onde há tanto a inserção de novos vocábulos de várias proveniências assim como a modificação das palavras a partir da original. O exemplo anterior usado para o plebeísmo fonético serve para o morfológico, pois a palavra correcta deveria ser “estar” mas por causa da informalidade, este passa a ser “tar”. Tal é um dos vários exemplos que se podem evidenciar, como se averigua no processo de formação de neologismos, que leva a mudança de uma categoria gramatical a outra.

a) Plebeísmo sintáctico

Para elucidarmos o plebeísmo sintáctico partiremos do pressuposto que as frases em Língua Portuguesa seguem a estrutura SVO10 e embora nota-se por vezes a movimentação de constituintes, o excesso desse movimento de constituintes é notável na elocução informal, pois o locutor pouco se interessa pela formação lógica ou regra gramatical da formação de frases, sendo que tem existido falta de concordância e regência verbal.

5.4. Formas populares de comunicação

É comum no seio de muitos linguístas concordar com a ideia de que a fala do povo tem tendência de desrespeito a norma culta de uma língua ou ao que é considerado correcto do ponto de vista da língua padrão, por exemplo, o povo pode acrescentar, diminuir ou modificar os vocábulos e as palavras da língua para expressarem novas e diferentes ideias de acordo com a sua necessidade.

Como exemplo, as línguas que convivem com o Português podem contribuir crassamente e influenciar a mesma na oralidade e na escrita, pois, os indivíduos que têm o Português como Segunda Língua podem ter influência das línguas maternas no processo de comunicação em Língua Portuguesa, e os indivíduos com o Português como Língua Materna podem incorporar o informalismo ou neologias na sua fala por causa da influência de outras línguas ou pelo contacto social. De acordo com BORREGANA (2009:20):

linguagem popular é a língua utilizada pelo povo, quer quando fala, quer quando escreve. Caracteriza-se este nível de língua pela simplicidade do vocabulário, em que são raríssimos em termos eruditos, e pelos desvios da norma, nos domínios quer fonético, quer morfológico, quer sintáctico.

Uma das características da linguagem popular no contexto do multilinguismo é a presença de palavras de outras línguas, isto é, as línguas não só vão conviver no meio geográfico, mas também no seu uso, portanto, é frequente na obra “O Cão e os Caluandas” a presença de palavras das línguas de Angola, assim como a presença de palavras existentes e percebíveis no seu meio, por causa da variação e contexto linguístico do uso da Língua Portuguesa.

NB: Os tipos de plebeísmo apresentados de a) a c) são os notáveis a nível gramatical, todavia, o plebeísmo extrapola as margens da gramática, notabilizando-se outrossim no léxico e em todas as encostas que patenteiam a língua, portanto, considerem-se como alguns dos quais são verificados na linguagem informal que é própria dos plebeus.

Na sociedade, por causa da hierarquia e prestígio, nota-se a diferença no uso da língua, verificando-se que o plebeísmo, como o próprio termo demonstra é próprio do povo, o povo que “atropela a língua padrão”11, se é que assim se pode dizer.

5.4.1. Regionalismos no contexto angolano

Numa ponte de ideia comunga-se a incorporação dos regionalismos no plano do plebeísmo por ser uma forma que identifica o povo de uma certa região, assim pode se averiguar que na óptica de alguns autores como BORREGANA12 os regionalismos ou provincianismos “são registos de língua próprios da população que habita as aldeias mais afastadas dos centros urbanos, distinguindo-se da língua da cidade pelo léxico, pela pronúncia, pela sintaxe e até pela semântica (certas palavras tem significado diferente do das populações citadinas)”.

O regionalismo, de acordo com PEREIRA13, pode ser definido como a corrente literária na qual está inserido “qualquer livro que intencionalmente ou não, traduza peculiaridades locais”.

Os argumentos das duas definições atestam-nos que é notório o regionalismo quando uma obra identifica-se com os traços de uma região. Por exemplo, Angola, antes uma colónia portuguesa, usa um registo de língua que se afasta do registo metropolitano, embora tenha o Português Europeu como padrão, portanto, essa forma de expressão e comunicação típica dos angolanos que nos faz perceber do afastamento do mesmo com Portugal considera-se regionalismo, isto implica que, o regionalismo angolano é a forma de ser, estar, de fazer, de falar, de agir do angolano, ou seja, tudo o que faz com que o angolano seja visto como angolano.

Se por exemplo, uma obra literária fala da cultura angolana sem necessariamente mencionar o espaço físico e social angolano, poderá ser possível sabermos que se trata de Angola, por causa da maneira de estar, até porquê não, através da culinária típica de Angola ou a linguagem, que é também um elemento forte para a identificação da cultura de um indivíduo.

É importante lembrar que o regionalismo abarca todos os aspectos gramaticais e linguísticos, por isso não se pode confundir com sotaque, mas incluir o sotaque no regionalismo, por este fazer parte das características linguísticas que os fazem distanciar do padrão enaltecendo a identidade do povo.

5.4.2. Calão no contexto angolano

Como em qualquer sociedade, a língua possui imensa diversidade de acordo com o contexto de comunicação, e vezes há que os falantes usam termos próprios do seu contexto social para não serem percebidos por outros pertencentes a outros grupos, ou por questões técnicos que o contexto obriga. Neste fio de ideias encontramos GOMES e CAVACAS (2004:100-102) a afirmarem que,

a língua que falamos é claramente um organismo elástico e ao mesmo tempo auto-regulador. A sua elasticidade permite-lhe aceitar e enquadrar as pequenas “revoluções silenciosas” que ora em termos geográficos, ora em termos históricos, temporais ou sociais, foram e sempre vão afirmando presença – e, mais, personalidade. O calão não fica longe da gíria. Dir-se-á mesmo que é uma gíria que reflecte uma situação social, em regra associal, marginal. É como uma língua de grupo que se opõem à sociedade, língua que só deve ser compreendida por iniciados. Constituem-no uma amálgama de termos de proveniência e formação diversa, nomeadamente por recursos a processos de truncagem, de prefixação e sufixação parasitárias, de alargamento, redução lexical, léxico metafórico, termos dialectais ou estrangeirismos com valor pejorativo.

O calão tem por vezes uma conotação pejorativa devido a sua origem, pois acredita-se que é usado normalmente em ambientes ou sociedades onde a acção educativa penetra com dificuldades, portanto, nota-se também esse linguajar grosseiro, mais usado pelos vadios e contrabandistas, nas várias camadas sociais, muito embora BORREGANA14 tenha afirmado que “o calão não é geralmente aceite pelas classes sociais mais elevadas, que o consideram grosseiro, e até obsceno”.

FERNANDO15 acredita que o calão em Angola surgiu na tentativa dos negros na época colonial utilizarem palavras em línguas nacionais juntamente ao português para fazer com que os brancos colonizadores não percebessem na totalidade o que eles falavam, uma vez que as pessoas que conviviam com os colonizadores eram obrigadas a se expressar em português.

O calão angolano é uma maneira portuguesa de falar que tem influências das línguas nacionais angolanas e das estrangeiras como o Inglês e o Francês, por exemplo na obra “O Cão e os Caluandas”, somente para exemplificar a influência de línguas estrangeiras, usa-se o termo “faine” …Vais virar um tipo faine…

Actualmente, o calão angolano está muito desenvolvido que segundo os exemplos citados por (Op Cit.: s/p), um indivíduo que não faz parte do contexto angolano poderá não perceber.

— Bazei no Chalé daquele madié fazer um balumuca pra ver se o wi me paga o kilapi.

Tradução: Fui à casa daquele homem pressionar para que ele me pague a dívida.

— Esta mboa é bué rija, mesmo com este cauele num quer me dar um abraço.

Tradução: Esta mulher é muito difícil, apesar deste frio não quer me dar um abraço.

— Não há maka, vamos bazar na Melói com o kota.

Tradução: Não há problemas, iremos à Portugal com o senhor.

5.5. Texto Versus textualidade

Os enunciados usados em situações formais ou informais, decorrem de um processo de comunicação e realiza-se com a produção de palavras. As palavras realizadas seguem um percurso e uma direcção no qual se pretende atingir um objectivo, o de comunicar.

A conexão destas palavras, que também pode ser uma única palavra, vai construir o texto de acordo com o contexto de enunciação, coesão e coerência. Nisto, há que se reiterar que o texto pode ser longo ou curto, escrito ou oral, e, normalmente, o texto escrito tem a tendência de seguir uma norma rígida no que concerne às regras gramaticais e de composição do texto, e está sujeito a retificações antes da sua publicação, o que difere do texto oral, que se planifica na mente e se executa com a fala, e pode ser corrigido após a locução, e isto lembra-nos o axioma latino“quis cribit, bis legit”16 e o conselho de Horácio aos escritores “nescit vox missa reverti”17, que significa, “quem escreve lê duas vezes”, e “a palavra, depois de enunciada, não volta atrás”, respectivamente.

Isto mostra claramente como é importante um discurso bem planificado antes da sua enunciação. E para contextualizar o conceito operatório de texto na abordagem de “O Cão e os Caluandas”, afirmamos que este é um texto literário, cujo iremos definir posteriormente, que é constituído de enunciados que fazem parte da oralidade assim como da escrita, com diferentes níveis de enunciação. Verifica-se no texto uma miscigenação entre discursos pertencentes a indivíduos de diferentes níveis sociais, todavia, essas disparidades não fazem com que o texto não seja coerente, tal como se pode auferir na definição de texto na visão de AGUIAR e SILVA18, “é a sequência de elementos materiais e discretos seleccionados dentre as possibilidades oferecidas por um determinado sistema semiótico e ordenados em função de um determinado conjunto de códigos”.

De acordo com FIGUEIREDO e BIZARRO19, “o texto é uma materialização do acto de comunicação resultante das opções que o enunciador faz das estruturas da língua e dos modos de organização do discurso”. Isto significa que, as palavras no texto são organizadas em sistemas e construídas a partir do pensamento. Elas seguem certos princípios que facilitam o alcance dos objectivos da comunicação, que podem se circunscrever em descrever, narrar, argumentar, entre outros.

Ainda AGUIAR e SILVA20 reitera a sua definição com a ideia de que “o texto é um conjunto permanente de elementos ordenados, cujas co-presença, interacção e função são consideradas por um codificador e/ou por um decodificador como reguladas por um determinado sistema sígnico”.

Os elementos que formam um texto são entre si dependentes, e o texto assim credita-se de uma filosofia que permite a ligação entre o emissor e o receptor, onde os dois estão sujeitos respectivamente a codificar e a descodificar os signos pelo (re)conhecimento dos mesmos e por meio de uma interacção recíproca.

Nesta perspectiva, a textualidade segundo (Op Cit.:562) vai se compreender com a presença de um conjunto de propriedades formais que caracterizam o texto, nomeadamente:

  • Expressividade: o texto representa uma actualização de um determinado sistema semiótico, está fixado por meio de certos signos, assim se contrapondo às estruturas extratextuais;

A sociedade está organizada linguisticamente por um sistema de comunicação que envolve entidades enunciadoras e receptoras que se (cor)respondem mutuamente no sentido de expressarem os seus sentimentos e pensamentos que tocam à natureza que os rodeia. É própria da sociedade, o lado comunicativo, aliás, é função da linguagem a inteligibilidade da comunicação entre as pessoas, e a expressão linguística criativa é característica imensurável do homem, porque este não age somente pelo instinto, mas tem a capacidade de reflectir e reagir perante essa reflexão, assim como partilhar as suas magnas e mesquinhas ideias com os da sua espécie.

Na base dessa necessidade e dos signos já existentes, o autor exprime as suas ideias inovadoras sem reparar para o que está para além do que pretende expressar. É neste sentido que ele cria elementos coordenados linguística ou iconicamente para aliviar a sua necessidade.

  • Delimitação: o texto constitui uma entidade delimitada topológica e/ou temporalmente e por isso se contrapõe aos signos materialmente realizados, que não entram na sua composição e às sequências de signos carecentes de marcas delimitadoras;

O texto é produzido consoante um determinado período espácio-temporal que pode ou não se relacionar com os referentes reais, ou seja, na construção de um texto, o autor tem em vista um espaço e um tempo, mas esses dois elementos podem ou não ser co-referentes sendo que a delimitação textual é parte do mundo da ficção, mundo imaginário que pode ou não ser possível sobrevivendo na base do realce de uma realidade concreta, se tratar-se de um texto ficcional, contrapondo-se assim ao texto não ficcional.

  • Estruturalidade: o texto possui uma organização interna que configura como um todo estrutural.

O texto funciona como um sistema, ele é composto de elementos que são coordenados hierarquicamente de modo a torna-lo texto. Esses elementos são analisados a partir da gramática, onde a coesão e coerência textual são enfatizadas, pois a presença desses dois elementos contribui significativamente, senão imprescindivelmente para a descodificação da mensagem.

Neste contexto podemos afirmar que, o texto é constituído por um conjunto de sinais que se estruturam e se determinam a partir de elementos coordenados de forma coesa e coerente pelo autor. Este é consumido activamente pelos leitores reconhecidos como peritos na decifração dos códigos usados pelo autor, e deste modo estes são capazes de descodificar por causa das suas habilidades e conhecimentos dos signos linguísticos. A esse conjunto de características e estruturas que compõe o texto, denominamos textualidade, e tal como referimos nos parágrafos anteriores, a textualidade vai resumir-se nos três elementos-chave da composição do texto, nomeadamente, a expressividade, a delimitação e a estruturalidade.

5.6. Conceito de texto literário

A (in)transigência do ser humano faz com que ele tenha a necessidade de representar a natureza e os seus profundos sentimentos através da linguagem escrita, oral ou gestual. A literatura é uma arte representativa da natureza e da expressão individual do ser humano. A representatividade atribuída ao texto literário manifesta-se por meio da imitação à natureza e por meio da expressão intencional do indivíduo criador.

O texto literário transborda a realidade e impõe uma criatividade que transcende a arte e o indivíduo, isto é, a inspiração. O autor empírico proíbe-se de falar do seu “eu” para construir o pensamento de um “eu” que está sobre e dentro de si. De acordo com REIS (2008:169):

o texto literário, enquanto resultado articulado e coerente estruturado da enunciação da linguagem literária, é detentor de certas características, que sinteticamente podem ser descritas da configuração de um universo de natureza ficcional, com dimensão e índice de particularização muito variáveis; ao mesmo tempo, ele evidencia uma considerável coerência, tanto do ponto de vista semântico como do ponto de vista técnico-compositivo; o texto literário deve ser entendido também como uma entidade pluristratificada, ou seja, constituída por diversos níveis de expressão; considera-se também que este compreende uma dimensão virtualmente intertextual, na medida em que é possível relaciona-lo com outros textos que com ele dialogam e nele se projectam.

Portanto, a linguagem é a questão que fica na dianteira quando se aborda sobre a questão do texto literário, por causa da diferença que o texto literário apresenta em relação ao texto não literário, e a função linguística deste encurva-se para a focalização da linguagem estética, mesmo sabendo que a existência de outras funções linguísticas, tais como a expressiva e a referencial não são anuladas.

AGUIAR e SILVA (2002:574) atesta que, o texto literário “constitui uma unidade semântica, dotada de uma certa intencionalidade pragmática, que um emissor/autor realiza através de um acto de enunciação regulado pelas normas e convenções do sistema literário e que os seus receptores/leitores decodificam, utilizando códigos apropriados”.

Como se pode notar, é quase impossível delimitar o conceito do texto literário com apenas uma característica. Enquanto muitos estudos foram feitos tentando discutir esse assunto, há conclusões que recaem na visão de que o texto literário pode ser literário de acordo com o contexto diacrónico e sincrónico. O percurso da definição do lexema literatura indica exactamente a dificuldade que se encontra para definir o texto literário. Ora vejamos, anteriormente à segunda metade do século XVIII, a literatura é considerada como todo o saber e ciências em geral, sendo que a partir do século XVIII muda-se o foco para ser entendido como arte, ou seja, um específico fenómeno estético, uma modalidade de produção, de expressão e de comunicação artística, e é visto também como corpus de textos que resultam da actividade artística, no terceiro momento, o momento da crise, todos os textos que representam a civilização de qualquer época e de qualquer povo são considerados de textos literários.

No enlace dos três principais movimentos seguintes: “formalismo russo, newcriticism anglo-norte americano e estilística”, na ordem de reagirem para o estabelecimento do conceito de literatura enquanto fenómeno estético, na primeira metade do século XXI, defendem que os textos literários detêm específicas características estruturais peculiares que os diferenciam dos não literários. Entretanto, o conjunto das propriedades que caracterizam o texto literário enquanto texto literário é aquilo que Roman Jakobson denominou de literariedade.

Embora estas todas conturbações que giram em volta da definição do texto literário, existem princípios que se condensam na caracterização deste tipo de texto pela ficcionalidade, coerência, pluristratificação e intertextualidade.

A ficcionalidade característica do texto literário é um fingimento resultante de um mundo-imaginário a partir de uma realidade, ou seja, a mensagem transmitida no texto literário é uma mensagem idealizada a partir de uma realidade, é por isso que REIS (2008:172) afirma que “a relação do mundo possível “imaginário/ficcional” e o real pauta-se pela verosimilhança literária motivada pela realidade circundante empírica do homem”. A ficcionalidade é uma característica que poderá ser desenvolvida posteriormente. Neste ápice incumbe-nos explicar os outros aspectos concernentes à coerência, pluristratificação e intertextualidade.

A coerência é a referência da semântica, ela se responsabiliza pela confirmação do sentido e percepção do receptor. A coerência do texto literário implica a comunhão dos elementos constitutivos deste, para formar um sentido único, ou seja, o texto literário quando é produzido, ele tem uma intenção, e na base da coerência nota-se um efeito de compatibilidade entre o mundo real e o mundo imaginário, fazendo com que a conexão dos factos leve ao alcance do objectivo pelo qual foi produzido o texto.

O pluri remete-nos a ideia de variados e diversos, neste contexto a pluristratificação, reside no sentido de o texto literário possuir “diversos estratos integrados por elementos de natureza diversa” (Op Cit.: 177). Esses estratos desempenham diferentes funções concebidas fundamentalmente numa base com diferentes estilos, isto é, diferentes maneiras estratificadas são compostas e combinadas num mesmo texto sem no entanto ter que se considerar de estranho ou causar desconforto textual.

No que fere à intertextualidade, supõe-se que o texto literário é construído com base na citação, desconstrução ou na transformação de um outro texto. Este é revelado do ponto de vista das semelhanças textuais urgidas das influências e fontes destes.

O texto literário ainda que seja original, ele articula e dialoga com outros textos por ele não ser uma entidade aprisionada imanentemente em si mesma, permitindo a não projecção de outras criatividades imaginativas textuais, todavia, o texto literário é uma cadeia dialógica que não tira o mérito da originalidade.

5.7. Ficcionalidade literária

A ficcionalidade é uma propriedade necessária para a existência do texto literário, apesar de o mesmo ser encontrado em textos literários assim como nalgumas vezes em textos não literários.

Para AGUIAR e SILVA (2002:640), a ficcionalidade “é um conjunto de regras pragmáticas que prescrevem como estabelecer as possíveis relações entre o mundo construído pelo texto literário e o mundo empírico”.

MATOS (2001:237) liberta o seu pensamento afirmando que, “a relação entre a ficção e a realidade é uma relação tão estreita que a ficção procura aproveitar grande quantidade de elementos da realidade, de modo a dar mais consistência ao mundo possível que cria”.

A ficcionalidade literária manifesta-se em dois níveis: no nível da enunciação e no nível dos referentes textuais.

No nível da enunciação, há que diferenciar três aspectos que parecem se (con)fundirem mas que são diferentes: o autor textual, o autor empírico e o narrador. As premissas de AGUIAR e SILVA (2002:640) quando afirma que “o autor textual e o narrador não são co-referenciais com o autor empírico e produzem textos qua não dependem, imediata e explicitamente de um contexto de situação actual”, se explicam com as palavras de MATOS (2001:237)

há que perceber que a pessoa que fala e que assume o discurso no texto literário não se pode confundir com o escritor na sua personalidade prática. O autor textual e o narrador são já seres inerentes ao universo ficcional (mesmo que revelem muitas afinidades com a pessoa concreta do escritor, ao qual chamamos “autor empírico”).

O autor empírico é um ser independente do texto, existe histórica e fisicamente. Este autor empírico é cúmplice do autor textual, porque a pessoa do autor empírico carrega dentro de si o autor textual no momento da escrita, embora nalgumas vezes este não seja capaz de explicar o texto criado pelo autor textual. O autor textual não existe enquanto um ser fisicamente vivente, ele existe dentro do autor empírico desde o momento da enunciação do texto, sendo que o autor empírico é que realiza as actividades físicas na ajuda ao autor textual que somente tem ideias mas não tem a capacidade de escrever. O autor textual é uma espécie de inspiração do autor empírico, ele só existe enquanto existir a inspiração dentro do autor, e este pode-se comparar a uma encarnação espiritual.

Então, o narrador surge para contar a história de acordo com o conhecimento que possui e o papel que desempenha no texto, podendo identificar-se com uma das personagens ou não. Portanto, refere-se que, é o autor empírico que cria o autor textual, enquanto o narrador á criado pelo autor textual.

Quanto ao nível dos referentes textuais encontramos objectos constituídos ficcional ou imaginariamente que não se podem encontrar no mundo real ou empírico por não serem factualmente verdadeiros.

Os significados temporais, espaçais, os que indicam objectos, seres animados e inanimados, têm seus respectivos significantes dentro do texto enquanto seres existentes, isto é, o que é mencionado dentro do texto literário considera-se existente dentro do texto mas não se pode apontar o mesmo fora dele, porque tudo que nele existe, existe dentro dele e não fora do mesmo.

5.8. Romance

Uma vez arroladas as premissas introdutórias que apontam para a explicação exaustiva do objecto de estudo, de acordo com o nível de enquadramento artístico, com o intento de perceber com mais delicadeza o que temos a mão, iremos particularizar a abordagem do texto para a forma literária a que se enquadra a obra em estudo, o romance “O Cão e os Caluandas”.

Há que perceber o romance como uma forma literária do género narrativo que faz a narração de factos fictícios baseados em uma realidade, onde a descrição dos factos e a enfatização dos sentimentos das personagens é feita como que uma transferência da vida para a arte. Os elementos da narrativa neste cume narrativo são atenciosamente elaborados e detalhados, facto que faz com que a temporalidade, ambientação e personagens estejam claramente definidos.

O romance “é uma forma literária relativamente moderna. Ele é considerado como uma das mais ricas criações artísticas das modernas literaturas. E, embora tenham existido várias flutuações semânticas do termo romance, este indica sobretudo composições literárias de cunho narrativo”, AGUIAR e SILVA (2002:671;672).

Tendo em conta os diversos tratamentos que podem apresentar os eventos, a personagem e o espaço, (Op Cit.: 685) apresenta as três classificações tipológicas avançadas por Wolfgang Kayser.

  • Romance de acção ou de acontecimento

Caracteriza-se por uma intriga concentrada e fortemente desenhada, com princípio, meio e fim bem estruturados. A sucessão e encadeamento das situações e dos episódios ocupam o primeiro plano, relegando para lugar muito secundário a análise psicológica das personagens e a descrição dos meios. A intriga é excepcionalmente rica, variada e emocionante.

  • Romance de personagem

Caracteriza-se pela existência de uma personagem central, que o autor desenha e estuda demoradamente e à qual obedece todo o desenvolvimento do romance, isto é, a personagem ocupa uma posição fulcral no desenvolvimento do romance e o romancista concede uma atenção particular à formação e à evolução dos sentimentos e das suas ideais.

  • Romance de espaço

Caracteriza-se pela primazia que concede à pintura do meio histórico e dos ambientes sociais nos quais decorre a intriga. O meio descrito pode ainda ser geográfico ou telúrico.

Relacionando as classificações acima aclaradas com o exemplo da obra em estudo, poderemos notar que “O Cão e os Caluandas” é um romance de personagem, porque tal como o próprio título da obra alvitra, “O Cão”constitui a personagem de foco e Caluandas que é o mesmo que dizer Natural/Habitantes de Luanda reserva a personagem luandina para o fulcro das realizações das acções.

O autor desta obra põe em atenção o cão, fazendo com que tudo gire em volta dele relativamente às suas jornadas ao lado dos angolanos e no meio angolano, e percebe-se também que para o autor, “O cão e os luandinos” são os motivos centrais da narração de “O Cão e os Caluandas”.

Importa aqui enfatizar que a classificação acima, foi feita tendo em conta os diversos tramentos que podem apresentar os eventos, a personagem e o espaço, todavia, a classificação do romance transborda as margens dessa visão, notabilizando-se diversas opiniões na classifição do mesmo.

Uma vez que não pretendemos aqui levar a cabo uma discussão em torno das tipologias de romances, preferimos adoptar a classificação apontada em Aguiar e Silva, mesmo sabendo que o romance é classificado de diferentes maneiras de acordo com o ponto de vista de cada autor, encontrando deste modo, classificações fundamentadas com os períodos literários e até a forma de abordagem do conteúdo.

Por exemplo, quanto ao tipo de abordagem existem de acordo com SÉRGIO (2007: 01), o romance histórico, romance sertanejo ou regionalista, romance urbano ou de costume, romance indianista, romance psicológico, romance gótico, romance intimista, romance memorialista e/ou autobiográfico, romance policial, romance de ficção científica, romance galante, romance negro, romance didáctico, nouveau roman, romance pastoril e o romance urbano ou de costumes, este último, a que se enquadra “O Cão e os Caluandas”.

Dentro dessas tipologias relativas ao tema principal do romance, “O Cão e os Caluandas” enquadrada-se no romance urbano ou de costume porque “tem como principal característica retratar e criticar os costumes da sociedade”21, e notabiliza-se que há na obra uma denúncia indirecta à sociedade angolana proletária e desorganizada daquele período.

Em suma, é praticamente, “O Cão e os Caluandas”, um romance pitoresco, que presa a sua atenção para a sociedade e para a vida marginal que leva o cão vagabundo “pastor-alemão”. E justifica-se assim que o humor pantente no texto, é por causa das características do texto, por isso faz sentido a afirmação “o tom das histórias nas quais se fazem presentes os pícaros é humorístico”22.

Citado por CEIA (2010) in JÚNIOR (2014:01)”, CORREIA (2001:130) afirma que “graças a disponibilidade do pícaro para correr o mundo, a novela picaresca é fundamentalmente uma narrativa de espaço e de aventuras proporcionando uma enorme variedade de lugares, de situação e de costumes” no que aufere ao espaço e à acção do romance picaresco.

E esse facto que constitui uma reafirmação à contextualização feita na primeira classificação do romance “O Cão e os Caluandas” em Aguiar a Silva, verifica-se claramente com a ocorrência de acções em diferentes espaços, entre ilha, praia e continente dentro da obra.

6. Capítulo III

7. ​“O Cão e os Caluandas”, espelho da Língua Portuguesa como identidade dos Caluandas

Para uma melhor organização e uma análise profunda dos dados, apresentamos algumas informações contextualizadoras que justificam o uso do plebeísmo na obra “O Cão e os Caluandas” seguidos de excertos com elementos neológicos estudados e os respectivos argumentos em relação a afirmação destes fazerem parte dos discursos plebeios diferenciando-se assim da linguagem culta. Para tal, recorremos também ao glossário da obra em estudo que apresenta e explicita claramente sobre a origem e/ou a semântica de alguns termos consoante o seu uso.

Sendo que os elementos são apresentados em contextos frásicos, e porque não pretendemos plagiar todo o conteúdo, os excertos estão codificados de tal modo que possamos recorrer a obra para a sua confirmação, para tal o p. indica a página e como o parágrafo tem um sinal que o simboliza, usamo-lo §. Também usamos o negrito nos fragmentos para destacar o objecto de estudo.

Antes porém, iremos desvender a identidade do autor enquadrando-o em sua respectiva geração de acordo com os seus supostos ideais que os motivaram na escrita tanto de “O Cão e os Caluandas” assim como de outras obras da sua autoria.

7.1. Pepetela, uma estrela na construção da Literatura Angolana

No período da produção da obra “O Cão e os Caluandas”, com o peseudónimo Pepetela, ostentava o cargo de Vice-Ministro da Educação de Angola com o nome de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nascido em 29 de Outubro de 1941, em Benguela, filho de família colonial portuguesa. Com pais nascidos em Angola, cresceu num abiente de classe média e frequentou uma escola para crianças provenientes de várias classes sociais.

Decidiu tornar-se militante do Movimento Popular de Libertação de Angola, fugindo de Portugal onde cursava Letras depois de abandonar o curso de Engenharia. Fez o Ensino Primário em Benguela e o Ensino Médio em Lubango, e entre 1963 e 1975 viveu entre França, Angola e Argélia, e até então publicou 18 romances, duas peças e um livro de contos.

O caos pós-colonial enfrentado pela sociedade angolana, uma sociedade proletária, corrupta, burocrática, cheia de desconfianças entre os diferentes extractos sociais e racista foi a motivação usada pelo autor para falar dos problemas enfrentados em Angola. Sabe-se pois, que este caos resultou da sua vivência colonial, pois, sabe-se que a partir de 1969, participou na luta armada contra os portugueses, da qual resultou a inspiração para a narrativa de guerra Mayombe (1980), uma de suas obras mais aclamadas.

Em Argel, conheceu Henrique Abranches, e juntos trabalharam na difusão das mensagens do Movimento Popular de Libertação de Angola no exterior. Lá, Pepetela se licenciou em Sociologia e escreveu seu primeiro romance, Muana Puó, que foi publicado algum tempo depois, em 1978, depois do segundo romance: As aventuras de Ngunga (1973).

Depois da independência de Angola, em 1975, Pepetela tornou-se o Vice-Ministro da Educação no governo do Presidente Agostinho Neto por sete anos. Durante esse período, Pepetela contou com o apoio de Agostinho Neto para publicar seus romances, inclusive Mayombe, já que a temática não agradava a todos no governo. Nos anos 1970, Pepetela também foi membro da diretoria da União dos Escritores Angolanos, juntamente com o escritor José Luandino Vieira. Outros romances importantes para compreender a obra de Pepetela são Yaka (1985) e a A gloriosa família (1997). O primeiro narra a saga da família portuguesa Semedo, em Benguela, durante cem anos, vistos a partir da perspectiva da estátua Yaka. A gloriosa família, por sua vez, trata dos sete anos, 1642 a 1648, em que Angola esteve sob o domínio holandês, a partir do ponto de vista do personagem Baltazar Van Dum23.

Com o percurso de vida de Pepetela, percebe-se que a formação de uma Literatura Africana escrita em Língua Portuguesa seguiu um longo processo influenciado pelas políticas coloniais (assimilacionismo), pois foram os assimilados os primeiros a darem o passo na escrita literária.

Nos primeiros momentos, a literatura produzida tinha os seus horizontes virados para a metrópole, porém, ao longo do processo de conscientização iniciado nos anos 40 e 50 influenciados por vários movimentos começam a surgir pequenas viragens; surgem textos inspirados pelos modelos europeus contendo amostras de identidade africana.

Em Angola assim como em outros Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, antes colónias portuguesas, depois da independência, os autores escrevem os textos literários numa postura envolvendo duas realidades, a colonial e pós-colonial, pois, para além de fazerem o uso da língua do colonizador não ficam alheios à sociedade africana, assim fazendo fáceis transições entre os dois mundo, tal como atesta a afirmação “os escritores forçosamente transitavam pelos dois espaços(...) Esse embate que se realizou no campo da linguagem literária foi o impulso gerador de projetos literários característicos dos cinco países africanos que assumiram o português como Língua Oficial”24.

FERREIRA (1989) aponta sobre a existência de quatro momentos decisivos na emergência da Literatura Africana. No primeiro momento considerado de teórico, o escritor encontra-se a mercê do colonizador, tornando-se num ser menos pensante e mais alienado culturalmente. O segundo momento é composto por escritores pouco conscientizados, manifestando primeiros presságios do sentimentalismo nacional, sentindo-se condoídos com a realidade do negro.

No terceiro momento há uma consciencialização total sobre a colonização, e primam pelo discurso revoltoso dando mais ênfase ao meio social, cultural e geográfico. E, finalmente, no quarto momento, verifica-se a adoptação de uma escrita que rompe significativamente com os cânones metropolitanos, enfatizados pela liberdade, criatividade e pela construção identitária de uma África puramente africana.

É no quarto momento da afirmação da Literatura Africana onde localizámos o autor Pepetela com o seu texto “O Cão e os Caluandas”, mas primeiro prestemos atenção à afirmação de Pepetela, numa entrevista feita por PEREIRA (2012:229) sobre o intuito da literatura como uma arte.

a literatura tem uma função a cumprir na (re)construção de uma nação, (...) A Arte tem uma importante palavra na afirmação de identidade (...),ao socorrer-se de factos do passado e dos mitos a eles ligados, a literatura está a dar às pessoas as raízes da sua identidade, dos seus ancestrais, de que elas se sentem orgulhosas.

Portanto, do parágrafo anterior podemos deduzir que a linguagem plebeia usada pelo autor na obra “O Cão e os Caluandas” é um veículo de afirmação da identidade angolana, segundo afirma ainda Pepetela sobre a interferência das línguas nativas angolanas que é uma das características do plebeísmo “Tenho certamente influência da fala do meu meio social, que foi variado, citadino, mas do sul primeiro e mais tarde do norte, entretanto matizado pela vivência no campo, com contato com outras culturas. E aprendi línguas da terra (sem serem as minhas maternas).”25

Vê-se então nesse trecho uma relação irrevogável entre o discurso formal e informal, entre a oralidade e o escritor angolano, portanto, esta é a tendência que se vai afirmar em quase todos os textos africanos deste século, aliás, só para exemplificar tomemos como partida os seguintes extractos de “O Cão e os Caluandas”:

E deixei a velha no passeio, a abanar a cabeça. Mania que essas velhas de agora têm de dar conselhos. O cão cheirou mais a tia Alice, deu uma mirada no cesto vazio, apostou em mim. Estás mal, canzarrão, essa velha tem mais comida que eu, pois que não vou a casa. Se queres vir, mesmo assim, podes vir, até dá banga passear com um cão desses pela Baixa. Nos tempos, só os brancos que andavam com um mamífero atrás. Mas agora é a independência, até um patrício pode. [p.15 §3]

Como se vê, usa-se a palavra banga que significa prestígio, categoria ou classe, tal como prova o autor de “O Cão e os Caluandas” no glossário da obra, no entanto, percebece-se o dar banga, como dar estilo, elevar o prestígio, e isso é mais óbvio pelo facto de este tipo de cão, no período colonial, ter andado somente com os brancos, e andar com ele no pós-independência significava ser de uma alta sociedade.

Era isso. Agora, com a abolição das classes sociais, ao que diziam, não havia mais diferenças. Por isso mesmo um patrício podia ter um cão desses, que dantes só os brancos e polícias podiam ter. Porque o patrício tinha enriquecido? Não, mas porque o cão se tinha proletarizado. (…) O cão, que nos tempos era burguês, agora tinha virado proleta, talvez porque o dono bazou na Melói. Podia ser meu. Dava mesmo para um poema revolucionário. [p.15 §7]

No calão angolano bazar significa fugir, mas nesta frase usa-se como sinónimo do verbo ir e Melói quer dizer Portugal, entretanto, notabiliza-se também o problema da regência com o uso da contracção na, por isso traduzindo a frase teremos “...o dono foi à Portugal...”. E assim, verifica-se o uso de palavras do domínio informal em quase todo o texto, até em situações que requerem máxima formalidade como por exemplo num relatório. Explicando: no capítulo “Objecto: relatório das ocorrências na bicha do «Martal»” são usadas algumas palavras do domínio informal, tais como “maka, mujimbo, kitandeiras, enxontanço, bazar”, passemos os dois seguintes extractos:

Havia uma grande bicha desde as 5 (cinco) horas da manhã, porque o mujimbo correu na véspera que da “Martal” ia sair bacalhau. Maior parte das kitandeiras mandaram os filhos cedinho para a bicha, a tomar lugar. Algumas colocaram pedras ou tijolos, antes da meia-noite da véspera, a marcar o lugar à frente mesmo da porta. Mas os primeiros que chegaram às 5 (cinco) da manhã* desconsideraram as pedras e tijolos na frente deles e ficaram já junto da porta, com os pés empurraram as pedras para trás. Aqui os testemunhos são contraditórios e é difícil chegar a uma conclusão, pois estes primeiros acusados eram crianças que puderam bazar a tempo, quando chegou o carro-patrulha. [p.141-142 §5]

(...) Ao cheirar uma das mulheres que se sentia prejudicada, o cão recebeu um pontapé e um enxotanço. Ele recuou e a dona do tijolo empurrado avançou para fora. Com o avanço lateral, a senhora ficou fora da bicha e os que estavam atrás aproveitaram avançar e tapar logo o lugar vazio. Ela quis voltar ao seu sítio na bicha, no momento preciso em que se abriram as portas. A força que vinha do fundo da bicha a empurrar impediu a senhora de voltar ao lugar. Então começou a pancadaria, pois a suposta lesada (segundo suas próprias declarações) agrediu um homem que antes estava mesmo atrás dela. O homem respondeu à violência, as outras mulheres envolveram-se e aí estalou-se a maka. [p.143 §2]

No primeiro extracto, a palavra kitandeira é usada pelo povo angolano no contexto informal e quer dizer vendedeira informal, conforme é apresentado pelo autor no glossário da obra em estudo, enquanto bazar é palavra do calão angolano que significa fugir.

E para o segundo extracto encontra-se o informalismo em enxontaço que surge a partir do processo de nominalização26 do verbo enxotar, tal como acontece com bazanço, formação partida do verbo bazar usado em [p.24 §1], enquanto maka quer dizer problema ou confusão.

Estas realizações a negrito fazem parte do domínio informal, porém na obra encontramos fora e dentro de extractos desse domínio, o que demonstra o seu uso em diferentes níveis e extractos sociais. Pois, seria questionável se por acaso, os angolanos, fruto do processo de colonização usassem integralmente a Língua Portuguesa sem a contextualização do meio, uma vez que para a maoria deles a Língua Portuguesa foi aprendida forçosamente, tendo havido antes uma língua e uma cultura oralística, encontrando assim um choque linguístico que tem como consequência a existência de um Português angolanizado.

Nesta vertente, pode se afirmar que Pepetela dá voz a quem não a tem, tornando a obra, o portavoz do povo na denúncia de algumas práticas sociais anti-nacionalista que travam a luta que consiste em destruir as ideias mansas sobradas pelos colonos, ou seja, o racismo e o tribalismo, por exemplo.

Essa ideia de desconstrução e denúncia de comportamentos de uma sociedade que abriga ideias anti-nacionalistas e colonialistas verifica-se em muitos extractos tal como se pode notar de partida a desconfiança ao mulato no seguinte extracto de “O Cão e os Caluandas”:

- Lá no Brasil não sei como é. Mas aqui nós os dois temos uma coisa em comum. A cor, Sabes? Mulato é o judeu de Angola. Ouvi isso dum amigo poeta e gostei da ideia. Mulato-judeu-deAngola! Os judeus sempre foram os tipos que levaram de todos. Aqui é mulato. Se alguma coisa corre mal, a culpa é do mulato que estiver mais perto. Porque os negros têm a sua tribo, as suas grandes famílias, defendem-se. Mulato não tem tribo. Melhor, a sua tribo é a dos mulatos... [p.132 §6]

Completamente, no texto, a linguagem informal e formal coexistem e convivem de tal modo que com ela, Pepetela marca claramente a formação de uma literatura angolana pura com características únicas. Essa tendência de oralizar a Língua Portuguesa, recriar-la sintáctica e lexicalmente e recombina-la com vários estilos de falar pertencentes ao modo angolano e muitas vezes provenientes de outras línguas das quais convivem com a Língua Portuguesa dentro do meio angolano, descende das gerações literárias anteriores, pois Pepetela pertence a geracão de Luandino Vieira e Mário António de Oliveira que precede a geração da “Mensagem” constituída por Viriato da Cruz, Mário de Andrade, Agostinho Neto, António Jacinto entre outros, que deram uma alta contribuição para a consolidação do sistema literário de Angola, portanto, esta primeira geração foi precedida pela de Pepetela que deu continuidade criando assim textos independentes e diferentes dos produzidos em Portugal, com o propósito de mostrar que os africanos são diferentes e independentes conforme os ditames do MNIA.

No entanto, a linguagem é considerada deste modo, uma forma de afirmar a identidade do angolano corroído pelo sistema colonial, mas que se encontra em via de um desenvolvimento na construção de uma nação.

Foi na concorrência desse objectivo “afirmação da identidade” que várias estratégias foram usadas, e algumas intecional e incoscintesmente. A linguagem é um foco, isto é, “a tematização linguística ganha especial relevo na literatura angolana”27, porque ela também faz parte da identidade de um indivíduo e a obra “O Cão e os Caluandas espelha de forma grosseira a identidade dos angolanos através do uso do plebeísmo tal como se pode notabilizar em muitos excertos neológicos.

É importante notar que isto não resulta unicamente da falta de palavras, na Língua Portuguesa, para dizer o que se pretende, mas porque a “água de coco sabe bem no próprio coco”28, isto é, a Literatura Angolana de Língua Portuguesa tem mais expressividade no contexto angolano com a inserção de neologias de origens locais.

Na tentativa de demonstrar a permeabilidade existente entre a literatura escrita feita pelos angolanos e a oralidade, LEITE (2003:25) afirma que:

nas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa tendo em conta a especificidade de colonização que favorece a indigenização do colono e a aculturação do colonizado, em graus mais ou menos extremados e substancialmente diferentes de outras colonizações, a relação com as tradições orais e com a oratura começa por manifestar-se exactamente pelas diferentes falas com que os escritores africanos se assenhorearam da língua. A pilhagem ou roubo da Língua Portuguesa pelo colonizado mostra que a africanização, perversamente, se institui e processa no interior do instrumentos comunicativo, num processo transformativo e nativizante.

Assim, a linguagem em “O Cão e os Caluandas” concorre para a construção da imagem da angolanidade atravéz da recriação linguística usada pelo escritor, de tal forma que a Língua Portuguesa transformou-se na língua do colonizado, caracterizada por uma familiaridade maleavél entre duas realidades, a formal e a informal. Nessa convivência busca-se o antigo que caracteriza o africano reformulando no novo, isto é, uma vez que o povo africano é visto desde o seus tempos remotos como oralístico, busca-se então a oralidade e se compõem, de tal modo que se angolaniza a escrita literária com a presença das marcas oralísticas do seio angolano.

No que tange ao relacionamento entre a oralidade e a literatura africana, CHABAL (1994:37) citado por DUTRA (2010:73), propôs quatro fases intrinsicas ao relacionamento mútuo entre ambos no contexto da Literatura Africana.

Na primeira fase, a da assimilação, os escritores africanos escrevem imitando os modelos de escrita europeia, na segunda fase, a da resistência, o escritor torna-se o pedreiro e advogado da cultura africana rompendo com os cânones metropolitanos por causa da conscientização do homem africano sofredor e colonizado. Os escritores são influenciados pela Negritude por homens como Aimé Césaire, Léon Damas e Leopold Senghor. Já na terceira fase, depois da independência verifica-se a afirmação do escritor africano, procurando e definindo um lugar na sociedade pós-colonial. E na quarta fase, o escritor consolida os trabalhos literários anteriores traçando novos rumos para o futuro dentro das evoluções verificadas no país.

Entretanto, Pepetela dentro da classificaçao feita por LARANJEIRA (2001:43), enquadra-se na quinta fase da Literatura de África, que tece uma literatura de resistência, uma literatura anti-colonial a partir de 1961, como se pode confirmar na afirmação,

(...) a entrada na década de 60 e o início da luta armada de libertação nacional, despoletada, em primeiro lugar, em Angola, passando a ser produzida uma literatura não todo circunstancial[...]por escritores tanto com inferior nível de escolarização como com estudos superiores, cuja orientação ideológica e política é expressamente anticolonialista, que engloba, para além de um específico corpus de guerrilha, também, a partir de 1969, uma temática e um discurso de ghetto, relativos estes ao curto período final do colonialismo português. Essa literatura cria textualmente a nacionalidade, antes da sua existência política.

É o referido discurso de ghetto, ou apenas o retrato do musseque que confirma a força contida na linguagem usada no texto “O Cão e os Caluandas” que reflecte a sociedade angolana humilhada pelo colonialismo e elevado pelos assimilados, partindo das premissas de LEITE (2013:23) que atesta de que “Muitos escritores das Literatiuras Africanas de Língua Portuguesa são assimilados, uma parte significativa de sociedade europeia, grande parte também de origem urbana, sem contacto directo com o campo”.

7.2. Um olhar em “O Cão e os Caluandas” e a sua linguagem

A obra “O Cão e os Caluandas” é composta por 31 capítulos divididos em duas partes intercaladas, a primeira parte tem 21 capítulos que retratam o percurso do cão pastor-alemão., enquanto a outra constitui um diário enumerado e denominado de “A bungavília 1” a “A bungavília 10”. O último capítulo intitulado “Primeiro episódio outra versão possível” faz uma ligação das duas partes que compõem a obra, assemelhando-se assim ao texto de Almeida Garrett intitulada “Viagens na minha terra”.

Sobre as passagens com elementos neológicos, usam-se na obra cerca de 177 vezes, elementos neológicos, dos quais alguns encontram-se repetidos em várias passagens, porém, iremos apresentar alguns casos, divididos em duas abordagens, a primeira versando a neologia (novidade lexicológica) e a segunda abordando sobre o plebeísmo linguístico.

Mais ainda no primeiro capítulo intitulado “Aviso ao leitor” o narrador que se confunde efectivamente com o autor textual e empírico explica explicitamente sobre a linguagem usada na obra com as seguintes palavras “Peço esforço para compreenderem a linguagem, que é a da época em que aconteceram os casos. Os que conheceram o cão pastor-alemão deixaram os documentos escritos ou gravados, que me resumi a pôr em forma publicável”, retirando deste modo a sua responsabilidade sobre os discursos contendo elementos estratégicos (marcas da oralidade) da Literatura Africana.

Assim sendo, encontramos por exemplo excertos com neologismos tais como a seguir se apresentam:

Em “E deixar a Lua? Tia, deixe esses campunas ir no café, eu sou rapaz da cidade. Com estudos, segundo ano do Liceu, um intelectual revolucionário...Até tenho um poema publicado no jornal.” [p.14 §5], em que se verifica o uso da palavra “campunas” pertencente ao calão angolano, que quer dizer camponeses. Essa palavra usada é um neologismo criado a partir do momento que sofreu uma transformação da palavra original através do processo de elisão e alteração de alguns caracteres na palavra “camponeses”. E mais ainda constata-se o plebeísmo linguístico através do problema da regência no uso da contração “no” resultado de “em+o” em detrimento de “ao” resultado de “a+o”, assim como a concordância entre o sujeito “esses campunas” e o verbo “ir”, portanto pareceria mais conveniente aos olhos do Português Padrão dizer “Tia, deixe esses camponeses irem ao café”.

Em “A velha muxuxo. Mas não tinha palavras para continuar a ofender, o meu verbo fácil arrumou-a. Olhou o cão. Mudou de assunto.” [p.14 §6], a negrito está o neologismo usado com o significado de soltar um som desprezivo entre dentes, tal como atesta o autor no glossário, o que faz-nos entender que “a velha chiou”. Neste fragmento a palavra “muxoxo” constitui uma novidade que não se formou a partir de uma outra realização em Português assemelhado ao caso de campunas, o que revela que se trata de um neologismo formal, pois é uma realização nova dentro do contexto da Língua Portuguesa.

As interjeições são realizáveis em grande parte na oralidade, embora as mesmas têm sido registadas nas gramáticas por possuirem a função gramatical dentro da língua, por isso, é necessário a constatação de que as interjeições são formas de expressão, e tudo é mais expressivo quando é na forma que mais o identifica, isto é, sendo as interjeições, realizações não planificadas, o mais provável é realizá-las na forma que mais expressa a emoção ou o sentimento, como por exemplo, o angolano teria mais facilidade de dizer “sukua!” do que um “valha-me Deus!”, e é por isso o “sukua” em “Geleiras? Sukua! Não tenho luz em casa.” [p14 §19], expressa uma admiração ou raiva, pois trata-se de uma inovação neológica que entrou na Língua Portuguesa pela falta de palavras que expressam as emoções exactamente como elas são sentidas.

Aquando a revisão de literatura foi constatado que uma das características do plebeísmo é a presenção de palavras de origem estrangeira. O extracto a seguir exemplica claramente essa afirmação, pois verifica-se a corruptela do Inglês against quer dizer contra e faine empréstimo do Inglês usado não por não existir a palavra que se pretende, na Língua Portuguesa, mas por esta ser a mais prática no calão angolano; também tem a gíria popular, ou seja, o calão no uso de topas para significar entender e paparoca para significa abrigo.

- Cão, nem sei o teu nome – falei então. – Mas vê-se mesmo és o resultado de luta de classes. Operário-camponês versus pequena-burguesia, não confundir versus, que é grego, com versos, que é poesia, o meu forte. Só sabes morder, abanar o rabo, versus para ti é latinório! Quer dizer agueineste, topas? Portanto, tu perdeste a casa, a paparoca, tudo. Agora és vadio, proletário. Mergulhaste no seio do povo explorado cinco séculos.Vais virar um tipo faine, um operariócamponês. Amanhã vou te ler o poema, vais gostar. [ p.15-16 §7]

De acordo com o tipo de novidade, as palavras “agueineste, faine e paparocas” constituem neologismos formais, sendo que “topas” é um plebeísmo linguístico registado como gíria popular usado informalmente.

A seguir destaca-se uma neologia estilística usada pelos angolanos daquela época para significar mulher, mas não uma qualquer, e sim uma mulher com uma aparência atraente, essa palavra actualmente tende a desaparecer e em substituição usa-se mboa, afinal a língua é dinâmica, e a neologia estilística tem essas características de facilmente entrar em desuso em detrimento de uma outra palavra mais criativa, ora vejamos o uso de “garina” no seguinte fragmento:

Levantei. Adiantei na Marginal, tentando boleia nos carros. O dedo ficava espetado no ar, inútil, azarado. Nenhum carro parou. Esses condutores de agora são uns egoístas, julgam que dão boleias a uso? Só se for uma garina a mostrar a perna. Aí deixavam as marcas dos pneus no chão a chiar com os travões, mesmo se ela diz quero ir em Benguela eles dizem logo era aí até que eles iam, só o tempo de pegar a mala em casa. (...) [p.16 §2]

Sobre o que se havia referido na questão do uso do informalismo, neologias e plebeísmos linguísticos por indivíduos de diferentes extractos e orientações pedagógicas exemplifica-se no trecho,

(...) E as pessoas devem esperar, pois claro que devem esperar, também não tem mais nada para fazer pois não trabalham, andam só nas bichas e arrumar e classificar tudo como deve ser leva o seu tempo e se nos começam a gritar mais depressa, acabamos por nos enervar e estragamos tudo. Mas essa gente não percebe nada de arte de governar um país, pudera, a maior parte veio do mato agora ou do Zaire, e só chateia... E um kota fica com o saco cheio, os nervos estoiram, pontadas na cabeça... [p.23 §1].

Trata-se de um discurso proferido no capítulo “O primeiro oficial ”, em que o narrador do capítulo, um funcionário oficial de uma Repartição que trata de documentação, conta como conheceu o cão pastor-alemão. A sua fala é gravada pelo narrador da obra, o que fala em “Aviso ao leitor” e começa com o discurso que o identifica como africano e justifica a presença de marcas da oralidade no seu discurso, que afinal foi oral e só foi o autor que o tornou escrito “isso de escrever não, estou farto de escrever lá na Repartição: recibos, folhas de efectividade, dispensas de serviço, requerimentos, pareceres, protocolos, ofícios...Não é que não tenho minha queda prás letras, até que tenho...Mas falar é mais fácil, mais agradávcel, mais africano...”, então, perante as justificações usa-se a neologia kota como referência ao mais velho ou ancião, e o plebeísmo linguístico saco cheio, expressão idiomática usada no contexto informal, isto é, pelo povo que significa fartar-se ou cansar-se. Em:

(...) Aí bravei. Já era demais. Comia minha comida e não servia para nada. Amarrei-o com uma grande corda à mangueira. De dia ficaria amarrado, à noite ficava solto. E carreguei-lhe no jindungo na comida do almoço. Na passagem lhe conto que tive de vuzumunar umas chapadas num dos miúdos que protestava contra a prisão do cão. Pois é, esses kandengues de agora, com as porcarias que andam a aprender na escola e nas ruas, já refilam com os pais: que o povo tem direito à palavra e eles são povo. Veja lá! Na minha casa, não. Eu falo e o resto ouve. Quem traz o dinheiro para casa? Quando eles ganharem o seu sustenmto e tiverem mulher em quem mandar e bater, então aceito que venham discutir comigo. Antes não, sou eu o chefe. Com este feitio energético é que subi na Repartição, se fosse um mole, um pau-mandado, ainda hoje era escriturário-dactilógrafo de segunda, como na altura da indepenência. Zangulei pois uma porrada num dos miúdos para mostrar quem era soba, o bando aquietou-se. (…) [p.25-26 §2],

notabiliza-se o uso da palavra jindungo, neologia que significa detalhe, pormenor, particular, vuzumunar que significa dar umas boas porradas, isto é, o termo em si só indica chapadas embora depois dele tenha se usado o termo chapada do Português Padrão, o que revela que este serviu para enfatizar a força das chapadas. Quando se fala de pau-mandado na gíria popular refere-se ao indivíduo que nunca dá opiniões em relação a qualquer assunto do seu trabalho, somente segue e obedece o que é proposto pelos seus chefes mesmo sabendo que não está bem, aliás, para ele está sempre bem. Para o povo o uso de zangular é mais adequado porque parece mostrar mais a força da zanga do que a expressão zangar. Por outro lado, soba significa chefe, e bando, grupo de pessoas, neste caso, as crianças que protestavam contra a prisão do cão. São tanto parte das neologias como dos plebeísmos linguísticos, sendo que para além de manifestarem-se como novas formas criativas de fala, são usadas em contextos informais.

É também interessante como esse parágrafo revela muito sobre as atitudes dos angolanos, ele espelha a posição e o papel do homem, da criança e da mulher dentro de uma sociedade maxista; um “soba” em relação a um “kandengue”, isto é, miúdo. Em:

Todos falam mal da nossa cidade e lá estava o Malaquias inocentemente a pôr jindungo na ferida. Dizem não se consegue pôr isto direito. Desde que o colono bazou, passou ainda pouco tempo. Mas como querem que se ponha esta Babilónia em ordem se aqui vivem os malanjinos, ilhéus, ambakas, umbundos, quiocos e até mesmo mulatos? Dos brancos já nem se fala, é uma confusão de brancos de vários cambiantes, angolanos (dizem!), suecos, franceses, soviéticos, brasileiros, cubanos, portugueses... Uns mais rosado, outros mais tisnados... E sem falar nos kikongos que sonham tornar Luanda na nova capital do novo Reino Kongo (julga que não lhes conheço os intentos?). E lingalas então, os recentíssimos angolanos? Isto é uma Babilónia ingovernável, uma Torre de Babel (...) [p.32 §3],

usa-se o enunciado “pôr jindungo na ferida”, uma expressão idiomática que quer dizer provocar uma situação de modo a piorá-la, enquanto bazar foi referido nas páginas 45 e 46 deste deste trabalho. Segundo o glossário da obra em estudo, lingalas é uma neologia usada pelos caluandas para designar refugiados angolanos no Zaire que regressaram a Angola e falam lingala, língua de Zaire.

E partindo deste fio de pensamento, julgamos que kikongos é a designação dada aos residentes de Congo, assemelhando essa situação ao nome kaluandas que posteriormente será apresentado, que significa residentes de Luanda, e consideramos que a substituição da consoante C pela K no título da obra resulta da estrutura da palavra e regras de formação da palavra em língua Bantu em relação a Língua Portuguesa.

As neologias formais são as mais usadas em “O Cão e os Caluandas”, pois estas resultam na grande maioria do quimbundo, o que testemunha a afirmação de LEITE (2003:23) “tanto o Kimbundu, em Angola, como o Ronga, em Moçambique, foram línguas mais ou menos incipientes na literatura e no jornalismo até aproximadamente a década de 1930”, que demonstra que o uso de neologias de origens locais na obra de Pepetela não constitui um alarme, pois é a continuação do que vem se produzindo nos anos anteriores com o intento de construir a imagem da angolanidade.

Para tal, encontramos em fragmentos como “...não deixavam entrar nenhum bumbo que não fosse criado da casa...” [p.33 §11], do qual é apresentado o neologismo bumbo, usado para referir o negro; “...sempre foi um batuta...” [p.48-49§10] do qual é apresentado o neologismo batuta, apresentado no glossário da obra em estudo com o significado de conhecedor ou competente; “Eles dormem numa cubata...”[p.53 §3], em que é apresentado a palavra “cubata” que quer dizer palhota, e finalmente “...Um kissanje acompanha as canções...”[p.63 §4] do qual é apresentado o neologismo “kissanje” formal denominativo, pois esta é uma denominação de uma nova realidade anteriormente inexistente, ou seja, este instrumento não possui uma denominação no Português Padrão. E esta é a denominação dada a um instrumento musical, constituído por uma caixa-de-ressonância e palhetas de metal em Angola.

Mais ainda, estão os neologismos a negrito com características assemelhadas aos supra-apresentados, como se pode averiguar nos seguintes extractos:

“...foi enrabichado por uma mulata...São todas umas cabras! Têm uns milongos que voltam a cabeça dum homem...” [p.86 §4]; “...aviso qual a maka do historiador... o Heródoto o sabia ao confiar as suas kíbuas que até hoje continuamos a engolir.” [p.90 §1]; “atiraram os karkamanos para os areiais...” [p.90 §3]; “...Com as dicanzas, puítas e gomas, apitos à mistura, fazia-se o carnaval...” [p.93 §1]; “...como se diz, muadié...” [p.100 §2]; “...saímos nesse dia com as latitas...as kitandeiras montaram banca...um monandengue... lei da kitanda não se torce... Então não têm monas em casa a chorar de fome?” [p.102 §2]; “...Defini logo a profissão: quitata-de-luxo...”[p.131 §2]; “...será cazumbi, como dizem os trabalhadores?” [p.139 §5]; “...pode ser truque, meu kamba...Aí bóco nas calmas. Oh, esses métodos...” [p.148 §4]; “...Convido-o para um mufete no Mussulo...” [p.156 §6]; e “...os kaluandas e outros loiros... só passam de barco a corricar os serras e os dourados.” [p.154 §7].

Nesses extractos verifica-se a recriação linguística como uma estratégia literária que levanta o astral angolano e desassombra a ideia de a Língua Portuguesa ser a língua do colono, pois ela é nativizada pelo angolano, aliás, a Língua Portuguesa é desta forma considerado do angolano.

Relativamente aos significados dos neologismos sublinhados, enrabichar significa atrair, de acordo com o contexto empregue, enquanto cabras revela a grossaria e o uso normal dos palavrões no seio dos plebeus, revelando um neologismo pragmático-semântico por causa da mudança de sentido da palavra cabra que no sentido literal significaria fêmea de bode, diferente do sentido figurativo usado no texto.

No glossário da obra em estudo apresenta-se o neologismo de origem local “milongos” que quer dizer feitiços ou medicamentos tradicionais, e mais ainda encontramos maka que quer dizer confusão, enquanto kíbuas quer dizer mentiras de acordo com os angolanos, e engolir torna-se um neologismo pragmático-semântico com a aquisição de um novo significado, o de aguentar ou suportar.

Karkamanos é um nome pejorativo usado para designar os sul-africanos, e este é apresentado no glossário da obra em estudo. E também encontram-se as neologias denominativas em dicanzas, puitas e gomas, que são denominações angolanas de instrumentos musicais.

Importa referir que por um lado usa-se muadiê, palavra que quer dizer senhor, e por outro lado latitas, grau diminuitivo irregular e informal do substantivo latas; quitandeiras, vendedeiras dos mercados ou das ruas, e monandengue que significa miúdo, isto é, esta é o singular de monas (miúdos).

A palavra destacada “quitata” é um neologismo formal usado para designar a prostituta, enquanto o destaque da palavra cazumbi força-nos na explicação, pois trata-se de um neologismo formal que significa espírito. Refere-se também ao termo kamba que os seus comentários incidem sobre o significado de “amigo”, enquanto o caso que para além de conter uma interjeição oh, possui “bóco nas calmas”, quer dizer falo pouco, pois bocar significa falar.

Tal como veio se explanando anteriormente, kaluandas também usado no título da obra, porém com diferenciação na primeira consoante, quer dizer residentes de Luanda e quanto as duas vertentes ortográficas não diferem no significado, havendo vezes que até autores que estudam “O Cão e os Caluandas” denominam-na de “O Cão e os Calus”. E como a neologia denominativa consiste em denominar novas realidades antes inexistentes, encontramos o mufete que não possui uma designação exacta na Língua Portuguesa Padrão, por este ser um prato tradicional tipicamente angolano composto de feijão de óleo de palma e peixe mergulhado, lembrando-nos assim a questão do regionalismo que engloba a culinária. Recorde-se mais uma vez que esta é uma culinária típica dos angolanos.

7.3. Plebeísmo linguístico, um vício ou uma estratégia?

Os linguístas vêm afirmando que o plebeísmo é um vício linguístico que consiste em empregar em demasia formas de linguagem informais e fora da considerada língua culta, incorporando assim novas acepções do calão e gíria popular para o uso corrente em qualquer situação de comunicação. E em “O Cão e os Caluandas” encontramos patente o plebeísmo, uma informalidade linguística que atinge os meios menos convenientes tal como em situações de comunicação mais formais.

Embora o uso do plebeísmo seja menos aconselhado pelos linguíticas, a obra literária não esconde essa realidade, pois ela para além de retratar a vivência de sociedade, é um portavoz do povo, e a linguagem que a obra usa também revela uma causa, “a luta pela angolanização da Língua Portuguesa” e “afirmação da identidade angolana”.

Portanto, é com esta visão que se repara para o plebeísmo em “O Cão e os Caluandas”, não como um vício, mas como uma estratégia literária. E este engloba também uma série de enunciados rompendo com as normas da Gramática Portuguesa, como se pode ver em “O cão olhou para mim e mexeu a cauda. Era grande e bonito, canzarrão simpáctico. Mas se via comia muito. E nesse tempo de crise, nem tinha carne para mim, quanto mais... Passei de lado.(...)” [p.13 §1], onde do ponto de vista gramatical verifica-se uma anomalia causada pelo uso de dois verbos que não se auxiliam, conjugados no mesmo modo e tempo gramatical sem o uso da conjunção que entre ambos, conjunção essa que serviria para completar o sentido da frase, e mais ainda verifica-se uma negligência no uso do clítico, portanto de acordo com o padrão seria “...via-se que comia...”.

A falta de atenção na questão das regras gramaticais, ocorre normalmente na oralidade de forma inconsciente, todavia, os enunciados aqui apresentados são escritos, notabilizando que essa constitui uma estratégia para enfatizar a forma de comunicação em Angola. Então, o mesmo acontece em “Foi aí que dei encontro na tia Alice. Devia de andar fazer compras, pois que carregava um cesto vazio. A senhora travou-me logo.” [p.13 §4], onde a exposição não possui uma coesão gramatical, mas é notável a coerência a partir do contexto que se enunciou a frase. A falta de coesão é causada pelo mau emprego da preposição de, neste caso seria mais conveniente dizer “...estaria a fazer compras...”.

Em “, Tico. Tás fazer o quê?” [p13 §5], inicialmente encontramos uma interjeição marcando o plebeísmo que se caracteriza com a presença exacerbada de marcas da oralidade, e a interjeição usada é típica dos angolanos com a função de admiração, e depois verificamos a formulação de uma questão de forma desorganizada e com ausência de elementos frásicos para completá-la, outrossim, com a modificação do verbo original “estar” para “tár”. Em contrapartida a frase seria “Tico, o que estás a fazer?”, pois como explicamos no plebeísmo fonético e morfológico, o povo tende a reduzir a forma “estar” para “tár”, e isso foi incorporado na escrita, trazido pela oralidade.

Em “Quando que começas a trabalhar?” [p.13 §8] verifica-se um problema de coesão frásica com a inclusão da conjunção “que” que não desempenha a função de conector dentro da frase, neste caso a frase que deveria ser enunciada é “Quando começas a trabalhar?/ Quando é que começas a trabalhar?”.

Outros aspectos relacionados com a sintaxe verificam-se em “Escrevo esta carta, conforme me pediu, para contar o que sei sobre o cão-pastor-alemão. Agradeço me corrija as faltas e a pontuação, para sair bem no livro. Aí vai...” [p.45 §1], onde se verifica o plebeísmo porque o correcto seria “Agradeço que me corrija”, isto implica que o elemento que não foi incorporado criando a instabilidade frásica. Neste trecho pode até se justificar por causa da característica da personagem deduzida a partir das suas palavras, que levam a conclusão de que não tem conhecimento íntegro da Língua Portuguesa.

Nota-se também no fragmento “Depois o pai acalmou. Saí procurar o cão no quintal e ele não estava.” [p.51§3], a ausência da preposição a, e o verbo procurar era suposto que não estivesse no infinitivo, passando assim a ser “Saí a procura do cão”. Nota-se em:

Por isso às vezes ele não sabia muito bem como proceder, tinha medo ir contra os princípios da República por falta de política e por ideias caducas que ainda podiam estar na sua cabeça, dele, Venâncio. Que agradecia aos camaradas que lhe ajudassem e lhe criticassem sempre que fosse necessário. Que estava disposto a cumprir qualquer sanção que os camaradas impunham, mas que não o tirassem da fábrica onde já trabalhava tinha muitos anos e os amigos dele todos estavam aqui na dita empresa [p.39 §1]

É um discurso escrito em uma acta, o que era suposto que fosse mais coeso, encontrando-se no capítulo “Acta” que faz denúncia ao problema psicológico tido pos alguns portugueses sobrados em Angola depois da independência, isto é, demonstra claramente que o branco português vive um clima de medo de ser desconfiado de ainda estar com ideias colonialistas, por este ser branco, todavia é uma acta elaborada por um caluanda natural, e encontra-se com problemas de redundância verificada após o uso de dele e Venâncio que não era necessário por a frase indicar esse elemento, ou seja, ao dizer na sua cabeça já se indica que a cabeça é do Venâncio, portanto também acontece em “amigos dele todos” referentemente ao pronome usado que em contrapartida deveria ser “todos os seus amigos”.

Em “- Menino, deixa de mentiras. Um rapaz novo, cheio de força, não tens trabalho? Não queres, masé. Uma vergonha! A tua mãe é que faz tudo.” [p.13 §9], notabiliza-se o uso do plebeísmo com o calão, pois enfatiza-se a palavra do calão angolano “masé” usada como uma conjunção contrastiva e há vezes que também é usado para dar mais ênfase a frase, embora não seja este o caso, portanto, no Português Padrão seria mais conveniente dizer “Não queres, porém é uma vergonha.

Uma das questões que se averigua no plebeísmo, é o uso de expressões idiomáticas, e podemos notar nos seguintes fragmentos: “- Não. Travámos conhecimento agora.” [p.14 §10], do qual se destaca a expressão idiomática que significa “acabámos de nos conhecer”; “Generosos, sim, e por duas razões. Primeira: compraram o livro, uma parte do vosso dinheiro vem para o meu bolso (por isso devia haver lei a proibir empréstimo de livro; cada um pague o seu; patos fora!)” [p.163 §4], usa-se o patos porque sabe-se que os patos são domesticados, portanto esperam que tudo lhes seja dado, até para tomar banho na lagoa, esperam pela chuva, o pato referido é o leitor que pede empréstimo do livro. Verifica-se uma expressão idiomática que serve para proibir os que não pagam os direitos do autor contribuindo para o cresciemnto do artista de acordo com o texto, pois o escritor revela-se no capítulo “Conversa com um informador pouco cooperativo” dizendo que vive na base da arte “literatura”.

Outras expressões idiomáticas estão em “...Até o pode ter envenenado, só para se livrar dele e não dar o braço a torcer. Oh, são mestres no veneno!” [p.35 §1], onde “não dar o braço a torcer” significa “não perder” ou “não enfraquecer”; em “...Mas depois de jiboiar, não sei o que vai acontecer...” [p.34 §5], usa-se a expressão jiboiar, proveniente da palavra jibóia, uma cobra enorme dos países quentes; a palavra tem como significado “refastelado, porque normalmente esta serpente por causa do seu tamanho parece calma e cansada; em “...Mas sempre que me aproximava dele, bazava a sete pés.(...)” [p.27 §2] encontra-se patente a expressão trivial do calão angolano “bazar a sete pés” que significa fugir rapidamente; e em “...desnuviar os miolos mexendo as pernas(...)” [p.24 §1] a expressão “desnuviar os miolos mexendo as pernas” quer dizer “refrescar a cabeça caminhando”.

Lembra-se que no plebeísmo encontramos o uso normal e corrente de palavrões, facto que leva os da língua culta a considerarem de linguagem de boçais e grosseiros e “O Cão e os Caluandas” não é uma excepcão, só para exemplificar vejamos os dois seguinte excertos: “...O sacana era masé um lumpen, abancou o meu almoço...Um parasita...filho de cobra é cobra!” [p.17 §4]; e “...Foi mesmo aquele filho-da-puta do jornalista...” [p.104 §2], do qual se notabilizam sacana e lumpen, caso do uso de espressões ofensivas e grosseiras que caracterizam o calão assim como parasita e filho-da-puta.

Há também que referir uma questão fora do contexto de palavrões mas destacado no primeiro excerto do parágrafo supracitado, “filho de cobra é cobra!”, um ditado africano, pois, sabe-se que os africanos usam também ditos e provérbios para alertar, aconselhar, avisar entre outros fins, então é o caso de filho de cobra é cobra, que é um dito africano para se atentar a origem do cão, antes da sua tutela ou adopção, uma vez que o cão não era firmemente angolano, mas fruto do colonialismo.

Há que referir também que o plebeísmo engloba o uso de figuras estilística habitualmente na vida quotidiana, como se nota em “...a bola das Onças tinha dormido na véspera na cubata da Nhazela, conhecida por seus pós e milongos.” [p.162 §1], em que se notifica o uso da personificação porque a “bola nunca dorme”, e embora seja uma figura de estilo, o povo uso na normalidade sem saber que na linguagem corrente de acordo com o Português Padrão está perante um atropelamento, por não possuir coesão e coerência;

Em “Lida com toda a atenção atentiva...” [p.124 §10], verifica-se um pleonasmo em “atenção atentiva”, pois, a palavra “atentiva” torna-se desnecessária; e em “...bastante apreciadíssima pelos presentes.” [p.38 §1], onde se verifica um caso quase que hiperbólico, mas não sendo, apresenta-se um adjectivo coadjuvando dois graus em simultâneo, isto é, ou deveria ser “bastante apreciada” do grau superlativo absoluto analítico ou “apreciadíssima” do grau superlativo absoluto sintético.

Outrossim nota-se em “...perguntas um monte, ciúmes bué...” [p.25 §2], a metáfora um monte para significar grande, assim como o bué que significa muito de acordo com o calão angolano. Essa metáfora é feita a partir da comparação do tamanho de um monte.

No plebeísmo é frequente o uso de uma palavra repetidamente como que um bordão, como se vê em “Sinceiramente!” [p.67-73], ou seja, em todo o capítulo “O elogio da ignorância”, o 5º actor faz o uso exacerbado da palavra sinceiramente. Caso este que tem acontecido muitas vezes pela falta de conhecimento da função da palavra. Praticamente em todas as suas entradas escepto duas faz o uso da palavra sinceramente, por exemplo em “...O meu amigo já chegou. Sinceramene!”, “...pronuncio-me pela pena máxima. Sinceramente!...”, e isto faz-nos lembrar de discursos formais que logo no exórdio apresentam “portantos” e este vai servindo de bordão até ao seu término.

As onomatopeias são outros elementos muito usados na oralidade, e logo nos textos africanos e em “O Cão os Caluandas” existem várias, e como exemplo temos em “...fazia um ronron de gato que puxava o sono...” [p.17 §2], a onomatopeia ronron, uma imitação ao ronco do gato, que é frequente na oralidade, pois tem mais expressividade e dá mais ênfase agradando aos ouvintes e falantes.

Esses e tantos outros fragmentos demonstram a presença do plebeísmo que dá legitimidade a “angolanidade”29 literária nos escritos de Pepetela em “O Cão e os Caluandas”.

8. Capítulo IV

9. Conclusão

Foi necessário descrever para demonstrar, argumentar para convencer, provar para certificar que o plebeísmo faz parte do povo, e que a oralidade é o que mais caracteriza o povo africano, e que a neologia faz parte da Literatura Africana, e que a oralidade e a escrita se coadunam nas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. E mesmo se uma recusa do tamanho do mar viesse provar com um “não”, voltaria com ecos vindos de “O Cão e os Caluandas” que falaria por si só com um “sim” de evidência.

Na obra estudada, o autor recorre ao uso do plebeísmo que é uma característica de qualquer povo não culto, como uma estratégia de afirmação da identidade angolana, pois sabe-se que o povo angolano teve uma colonização portuguesa, e obviamente o seu modo de falar no que tange a Língua Portuguesa está distante do modo padrão, verificando-se o uso vulgar de uma linguagem própria da época, tal como confirma o autor no capítulo Aviso ao Leitor “…Peço esforço para compreender a linguagem, que é a da época em que aconteceram os casos…”.

Nesta linhagem, nota-se que na obra, o autor não faz esforço para modificar e/ou melhorar as intervenções dos informantes notabilizando-se evidentemente a maneira própria do falar angolano, no que refere ao povo culto e não culto.

É importante frisar que a análise da vida e obra de Pepetela ditou e influenciou bastante para se chegar às conclusões das razões do uso do plebeísmo na sua obra, percurso esse que se verifica desde a sua participação no MPLA até ao cargo de Vice-ministro da Educação. Os antecedentes da história das LALP foram também decisivos para a compreensão do tema estudado. Em suma, foram tantas as leituras auxiliares para a percepção e interpretação do objecto de estudo.

Estudar “O Cão e os Caluandas” foi mais que uma aventura, foi tentar viver dentro da cabeça de um escritor na base das suas palavras, que se encobrem e se descobrem por meio do humor. Acreditamos que a resolução do problema de partida não foi um secreto disparo inesperado e espantoso porque a tendência de miscigenar a oralidade e a escrita nas LALP não é recente. Outrossim este trabalho, levou-nos a perceber os ideais de Pepetela e dos angolanos, não só daquela época, mas também desta, pois o plebeísmo na actualidade é o que mais se usa nas artes angolanas, entre a música, o teatro, o humor, assim como na vida diária.

O mais importante ao longo da investigação que levamos a cabo, foi o de atingir os objectivos postulados, pois com esses, fomos automaticamente confirmar a veracidade dos factos de que afirmam ser verdade ou não o que supomos serem as razões do uso do plebeísmo na obra “O Cão e os Caluandas” de Pepetela.

Os objectivos e os métodos de investigação caminharam em concordância como que um guião que nos levou a ponte onde estava o rio dos conhecimentos que aspiravamos possuir, portanto, neste dissemelhante trabalho não se encontram palavras para defender “O Cão e os Caluandas”, porque ela se defende e a identidade angolana. Não há denúncia, mas há visão. Há literatura falando da literatura.

No que tange a concretização dos objectivos, sem sobressaltos, os objectivos específicos caminharam, um por um, na busca de resposta para a pergunta de partida e na congruência de realizar o mais importante aspecto “demonstrar a razão do uso do plebeísmo na obra “O Cão e os Caluandas” de Pepetela.”. No entanto, primeiro identificamos o plebeísmo e apresentamos a negrito na terceira parte deste trabalho, analisamos o mesmo na base dos antecedentes históricos da Literatura Angolana e da tradução retirada do glossário da obra e a partir do contexto de enunciação, e finalmente descrevemos automaticamente os motivos do uso do plebeísmo naquela obra.

Há que se reconsiderar também o ponto focalizado na problematização relativa ao leitor crítico em relação ao uso deste plebeísmo, pois, este é usado com o intento de “afirmação da identidade angolana” no período pós-colonial, onde existiam crises de identidade por várias razões, uma das quais a adopção de uma língua oficial que não os identificava como nativos.

Ao lermos a obra literária, temos que ser crítico de modo que saibamos integrar os conhecimentos adquiridos a partir dela, no contexto em que nos encontramos, portanto, ao lermos “O Cão e os Caluandas” estaremos a viajar pelo mundo dos angolanos desde o seu passado até a actualidade, descobrindo uma parte do orgulhoso ser angolano através da língua.

Muitas das neologias criadas em Angola actualmente tende a serem inseridas nos dicionários por causa da força da palavra, porém, nem por isso devemos fazer o uso de qualquer expressão em qualquer contexto; a opção pela selecção vacabular e pela rigidez nas regras gramaticais são necessárias para não se correr o risco de cair no ridículo.

No que toca as limitações, transcorrerram dois preciosos problemas, preciosos porque para além de nos dar uma nova visão sobre próximos estudos, serviram de lição para a vida de investigação de trabalhos científicos, e mais ainda, obrigou-nos a recorrer a uma reflexão avançada sobre o tema.

O primeiro problema relacionou-se com o facto da escolha de uma obra que se enquadra dentro da Literatura Angolana, logo, rodeou-nos na cabeça a questão de como os leitores poderiam acolher este trabalho, e qual seria o impacto sócio-cultural e pedagógico para o contexto moçambicano, e a outra questão foi relativa ao modo de tradução de alguns excertos que contêm elementos não apresentados no glossário da obra. E mais ainda houve dificuldades na busca de acervo bibliográfico que aborda especificamente acerca do plebeísmo, factor que nos motivou também na abordagem deste tema, pois, achamos pertinente enquadrá-lo cientificamente na área da literária.

E embora essas dificuldades foram notáveis, não baixamos a cabeça, porém, erguemos o olhar para o positivismo, deixando o pessimismo de lado, porque afinal concordamos com Confúcio quando diz “Escolha um trabalho que ames e não terás que trabalhar um só dia” e acrescentamos ainda “Ou procura um trabalho que ames, ou procura amar o teu trabalho”.

Para posteriores estudos da obra, talvez seja um ponto de partida, mas porque não quisemos ser ociosos no que rufa a esta abordagem, escoprosamente trabalhamos no sentido de satisfazer as necessidades das curiosidades de todos, porque sendo um tema sugestivo sugeriu também muita leitura. Deste modo, esperamos ter contribuído para o enriquecimento de uma área fundamental para a evolução da Literatura de África, África que era alegada não ter literatura, só porque era oralística, e a partir deste estudo sugerimos que se façam mais estudos nesta riquíssima obra que ainda tem muito a dar.

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1- Dito de Isaac Newton retirado em http://www.mensagenscomamor.com/frases_de_isaak_newton.htm

2- A obra “Os Lusíadas” está adaptada ao Português actual, portanto estudos referidos aludem à primeira versão da obra original.

3- Celina Márcia de Souza ABBADE (UNEB/UCSAL) na abordagem sobre “filologia e o estudo do léxico” aponta vários estudos referentes à lexicologia, embora, considerados ainda escassos, e faz ainda uma viagem no tempo e lembra dos primeiros passos dados nos estudos linguísticos de fundamentos lexicológicos, Cf. celinabbade@ig.com.br.

4-Cf. António Carlos GIL.Métodos e técnicas de pesquisa social.6ªed., São Paulo, Editora Atlas S. A., 2009, p. 26.

5- Maria de Andrade MARCONI e Eva Maria LAKATOS. Fundamentos de metodologia científica. 6ª ed. São Paulo, Editora Atlas S.A., 2009, p. 224.

6- In CORREIA (1998:61) este tipo de neologia é denominado como o de “poder gerador de certos elementos constituintes”.

7- Cf. M.CORREIA. Terminologia: questões teóricas, métodos e projectos. Publicações Europa-América, Lisboa, 1998, p. 61.

8- I. ALVES. Neologismo - Criação lexical. Ed. Ática, São Paulo, 1990, p.05.

9- Cf. Glossário da obra de PEPETELA. O cão e os caluandas. 5ª ed. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2002.

10- A estrutura Sintáctica do Português é a SVO, que quer dizer, Sujeito, Verbo e Objecto.

11- Nosso precisado para caracterizar o falar do povo.

12- António Afonso BORREGANA. Gramática – língua portuguesa. Texto Editores, Maputo, 2009, p.21.

13- L. M. PEREIRA.História da literatura brasileira. Prosa de ficção de 1870 a 1920. Rio de Janeiro: J. Olympio/MEC, 1973, p.179.

14- António Afonso BORREGANA. Gramática – língua portuguesa. Texto Editores, Maputo, 2009, p.21.

15- C. FERNANDO. Calão, uma língua viva. O patifúndio, observatório multicultural do mundo em Língua Portuguesa, 2008, artigo disponível na internet, no site http://opatifundio.com/site/?p=1544 visitado em 15 de Setembro de 2014.

16- Cf. Magnus BERGSTRÖM e Neves REIS. Prontuário ortográfico e guia da língua portuguesa. 44ª ed. Editorial Noticias, Lisboa, 2002, p. 360.

17- Op Cit., p. 361.

18- AGUIAR e SILVA, V. M. de. Teoria da literatura. 8ªed., Livraria Almedina, Coimbra, 2002, p.75.

19- FIGUEIREDO, O. M.; BIZARRO, R. P. Da palavra ao texto. Edições ASA, Lisboa, 1995, p.164.

20- Definição restrita avançada por AGUIAR e SILVA, V. M. de. Teoria da literatura. 8ªed., Livraria Almedina, Coimbra, 2002, p.562. ao introduzir sobre o conceito de texto como entidade semiótica, translinguística para a compreensão das propriaedades formais que o constiutuem.

21- Cf. Ricardo SÉRGIO “Tipos de Romance: Estudos Literários” 2007, Disponível em http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/374583

22- Cf. João Adalberto Campanto JÚNIOR “Romance Picaresco” em http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&link_id=335:romance-picaresco&task=viewlink

23– Cf. Fernanda Alencar PEREIRA, na sua tese de Doutoramento com Convenção de Cotutela Internacional pela Universidade Federal de Minas Gerais na Faculdade de letras intitulada Literatura e política:a representação das elites pós -coloniais africanas em Chinua Achebe e Pepetela”. Belo Horizonte (MG), 2012, p.39.

24- Cf. Maria Nazareth Soares FONSECA e Terezinha Taborda MOREIRA no seu texto elaborado a partir de pesquisas desenvolvidas pela primeira autora, com financiamento do CNPQ “ Panorama das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa”. s/d, p.02.

25- Entrevista com Pepetela in Fernanda Alencar PEREIRA, tese de Doutoramento com Convenção de Cotutela Internacional intituladaLiteratura e política: a representação das elites pós -coloniais africanas em Chinua Achebe e Pepetela”. Belo Horizonte (MG), 2012, p.230.

26- Os falantes dispõem de muitas estratégias para incorporar novas acepções e novos itens lexicais, do qual encontramos a estratégia de nominalização, que consiste em transformar uma palavra de qualquer categoria gramatical para a categoria de substantivo, e nota-se então a transformação de um verbo “bazar” e “enxotar” para o substantivo “bazanço” e “enxontaço” respectivamente. Importa referir que esta nominalização pode ser consciente assim como inconsciente, uma vez que a gramática da língua dá espaço para a realização destas modificações, e a isso chamamos neologismo com novidade formal. Cf. p.23 deste trabalho.

27- Cf. Ana Mafalda LEITE. Ensaios sobre Literaturas Africanas. Maputo, Alcance Editores, 2013, p.25.

28- Provérbio africano

29- De acordo com a etimologia, a “angolanidade” é definida como o conjunto dos caracteres e das maneiras de pensar, de sentir e de se exprimir próprios dos Angolano, Cf. http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/angolanidade


Publicado por: Ermelinda Higino Dade

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