NAS TRILHAS DOS DIREITOS HUMANOS, UM CAMINHO DE DESCOBERTAS: CONHECER PARA PRATICAR

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1.  RESUMO

A cada dia percorremos caminhos. E em cada trilha, novas descobertas, aprendizados e escolhas que determinam quem somos e o que desejamos ser. Este memorial, relata etapas de vida, e no contexto histórico procuro relata memórias de infância, da vida escolar, formação profissional e a formação familiar. Assim, como os Direitos Humanos evoluíram em fases e contextos diferentes. Nos Direitos Humanos na escola faz-se uma reflexão dos anos vivenciados na escola, pois os mesmos influenciaram escolhas de vida, bem como orientou às profissionais; E na prática há sugestões de oficinas em Direitos Humanos. Na formação e troca de experiências, é reconhecido o papel de agente de transformador de vidas durante o processo de formação em Pedagogia. É fundamental o desenvolvimento de ações e programas de educação que mobilizem diferentes dimensões presentes nos processos de ensino-aprendizagem concebidas de maneira integrada e interrelacionadas incorporando a Educação em Direitos Humanos.

Palavras-chave: Direitos Humanos; educação; caminhos

2. Introdução

A cada dia percorremos caminhos. E em cada trilha, novas descobertas, aprendizados e escolhas que determinam quem somos e o que desejamos ser.

Assim, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos que tem como objetivo, que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, se esforce, através do ensino e da educação, promover o respeito a esses direitos e liberdades. Este trabalho relata algumas de minhas escolhas pessoais e de como elas modificaram ações, atitudes, valores e minha compreensão de mundo, bem como o entendimento da minha função e o papel que exerço na sociedade, o de atuar na luta em busca da efetivação de direitos do indivíduo, por meio da educação.

3. Contexto Histórico

Meu nome é Valéria, nome que remete à valentia. Sou negra, e o mais engraçado dessa minha identidade é que somente depois de muitos anos, consegui me identificar como mulher negra.

Sou a irmã do meio de 4 filhos. Meus pais são de origem humildes, não tiveram acesso aos estudos formais por muito tempo e, portanto, só concluíram o ensino fundamental. No entanto, os estudos sempre foram essenciais na nossa família. Para eles e para nós sempre foi inculcado que somente por meio dos estudos, poderíamos ter a oportunidade de ter um futuro.

Muitos são os altos e baixos na nossa vida e, as lembranças tendem a ser marcantes. Sempre estudei em escola pública. Lembro no jardim da infância, de ter encontrado na areia do parque uns pedaços de gizes de cera e os trouxe apertadinhos na minha mão, quando cheguei em casa, meu pai me perguntou de quem eram e disse tê-los encontrado e, meu pai disse que se não eram meus tinham dono e que eu deveria devolvê-los e que “nunca mais” deveria possuir algo que não fosse meu. Esse foi um dos ensinamentos que jamais esqueci e com certeza pratico-o sempre.

Durante o Ensino Infantil, fui uma menina realizada, estava cercada de crianças, ajudava a professora, desempenhava minhas tarefas com afinco, participava de todas atividades da escola, inclusive cheguei a ser a noiva da festa junina, era um universo de contato com letras e números, danças, brincadeiras e histórias.

Ao chegar, na primeira série, as coisas começaram a se modificar. Comecei a perceber como minha condição social, minha aparência e minha raça me distanciavam das pessoas. A tia Max, professora muito dedicada, ao perceber a situação me fez protagonista do seu processo de alfabetização, eu era a boneca Pituxinha. Através de uma história criada pela professora ela desenvolvia atividades de alfabetização e nos ensinava a ler e a escrever, esperávamos ávidos a cada dia por mais um capítulo da história. Acho que minha paixão por livros e literatura começou aí.

Os próximos anos, não foram fáceis. A discriminação e o preconceito doem demais. Na mesma escola, estudavam meus irmãos e minha irmã mais nova também era alvo das brincadeiras, dos xingamentos e apelidos. Um dia, ela pediu à nossa mãe que a pintasse de branco, somente assim, os outros a aceitariam. E eu, para que me aceitassem, me dedicava extremamente aos estudos para ser a número 1 da classe e me destacar, assim veriam a minha capacidade e não a minha cor. Foi exaustivo o tempo todo ter que ser a melhor.

Em casa, muitas eram as dificuldades. Brigas de casal, de irmãos, de família. Dificuldades econômicas. Problemas de saúde. Falta de trabalho. Os recursos eram poucos, dividíamos tudo. As roupas eram passadas de um a um. E, ajudávamos meu pai em seu trabalho.

Estudar nunca foi fácil. Hoje, o acesso à informação é sensacional. Desde pequena, se precisávamos de alguma informação ou ler um livro recorríamos à Biblioteca Municipal. A alegria foi completa quando meus pais compraram a enciclopédia Barsa em muitas prestações. Me recordo deles dizerem que agora poderíamos aprender e conhecer mais das coisas e do mundo.

No entanto, muitas das coisas que aprendíamos era no dia a dia, no cotidiano entre as atividades escolares, as dores causadas pela discriminação, pelos conflitos familiares. O ginásio já estava chegando ao fim e, muitas feridas estavam abertas. Nesse momento, muitas dúvidas, muitos pensamentos, muitas angústias tomavam conta do meu ser, era desesperador não saber o que fazer ou como agir. Meus pais, não sabiam a dimensão que tais atos estavam causando em mim e não sabiam como resolver. Na escola, ninguém me enxergava ou se preocupava com o que estava acontecendo. Sinceramente, eu era somente mais uma que vivia com a dor da exclusão e do racismo.

E, acho que toda a dor se resumia na minha aparência, não queria aceitar como eu era, como meu cabelo era, de onde eu vinha, minhas raízes. Por meu pai ser branco e minha mãe negra, fiquei parda, nem lá nem cá. Penso muitas vezes que até eu mesma discriminava que eu era. Fiz vários processos de alisamento no cabelo e com isso achava que poderia ser aceita. No entanto, nem chuva e nem piscina!

Minha mãe sonhava com a escola e, com a falta dela e, acho que por isso insistiu tanto que eu optasse pelo Magistério e, acredito que fui fazê-lo meio que para agradá-la. Mas, sempre tive algo comigo: se é pra fazer, é pra fazer bem feito.

Nessa época, precisei fazer uma prova para seleção. Passei. No Magistério, as realidades se misturam, diversas são as pessoas, as intenções, as histórias e expectativas de vida. Na época, não pensava em ser professora, galgava outros caminhos e depois do estágio, decidi: não vou dar aulas!

A experiência do estágio foi traumática, pode ser que seja, pela minha imaturidade quer seja pela realidade social ou sei lá, não encontrei o encantamento. Os professores que foram meus tutores abdicavam da minha presença em sala, desmerecia a minha capacidade, maltratava os alunos mais vulneráveis e suas famílias e, tive comigo, não quero fazer parte. Não quero ser eu a machucar alguém.

No último ano do Magistério, arrumei um trabalho. Fui ser freelance de vendedora de roupas em uma loja no centro da cidade, nunca havia trabalhado para fora, sempre ajudando meu pai, mas já era hora de deixar o ninho. E, sem entender nada de vendas, sem saber a diferença entre bag, semibag e tradicional, mas com uma única certeza, sempre dar o meu melhor.

E, foi assim, trabalhando muito que aprendi e me tornei uma vendedora. É claro, pensei em desistir, não era fácil lidar com tanta informação, pessoas tão diferentes, situações tão diferentes e ainda estudar. Mas, uma conversa com meus pais, não me fez desistir. Eles disseram, você até pode não ir mais neste trabalho, mas e quando você encontrar outra dificuldade, você também vai desistir?

Não desisti e, no prazo de um mês me dediquei e aprendi bastante. E, pelo meu desempenho fui convidada a permanecer, me tornei uma das melhores vendedoras da loja. Neste mesmo ano, com o dinheiro do trabalho entrei para um cursinho pré-vestibular, agora iria fazer uma faculdade, não mais para agradar meus pais, agora seria o curso que eu iria escolher. Escolhi, Comunicação Social. Não consegui entrar em uma faculdade pública e, para concretizar agora a minha vontade, teria que ser particular e, por conta própria. Meus pais não teriam como ajudar, então, todo o meu salário ia para custear a mensalidade.

Eu não estava contente no trabalho, não via oportunidades de crescimento, no entanto, com a faculdade não podia sair de lá sem ter a garantia de um outro trabalho. Meu patrão, um excelente comerciante e uma pessoa fenomenal, conseguiu enxergar as minhas angústias e Deus aliviou a minha alma, sem ao menos eu dizer para ele o que estava acontecendo, me ofereceu uma nova oportunidade. Ele iria começar um escritório de representação comercial e me queria lá, mesmo sem saber ao certo o que fazer, nem pensei, aceitei de prontidão!

Nesse mesmo período, muitas mudanças ocorreram. Meu coração nunca havia batido forte por alguém, a não ser as apaixonites do colégio que não eram correspondidas. Conheci alguém. E, mais tarde vim a saber, minha alma gêmea.

Comecei a faculdade, comecei um novo trabalho e comecei um namoro. Tudo junto. E, por mais que complicado, uma coisa foi ajudando a outra. Foi dando maturidade, entendimento, contemplação, conhecimento, vida.

Digo vida, porque foi nesse momento que comecei a viver. A faculdade me mostrou novos horizontes, enxerguei com novos olhares e novas perspectivas. Conheci também outras dores, novas realidades. Entrei para o mundo dos adultos, das dores da existência, da fome, da miséria, da política, da sociedade, da ilusão, do consumismo, da propaganda. Durante o curso pude entender como a vida funciona. Como são construídos os processos excludentes sociais, como a sociedade está dedicada ao capitalismo e consumismo e como são grandes as desigualdades sociais.

Como todos os relacionamentos, às vezes, nós também brigávamos, mas, na maioria das vezes, aprendi. Aprendi muitas coisas, a sorrir, me valorizar, amar. Ele me incentivava sempre mais, a olhar minhas qualidades e não somente os meus defeitos. E, mesmo com vários episódios de discriminação quando a gente saía, a dor não era tão importante, não que não doesse, mas não dava conta.

O escritório crescia, muitos foram os aprendizados. Conheci também muita gente, vendedores, representantes, fornecedores, donos de loja, vendedoras, transportadoras, gerentes; viagens também, conheci várias cidades da capital ao interior-norte de SP. São tantas histórias, tantos acontecimentos.

Me formei na faculdade e, no ano seguinte me casei. A vida parece que gira 360º mesmo porque muitas transformações acontecem, lidar com tantas mudanças, gerir tanta coisa ao mesmo tempo, trabalhar e manter forte a relação, só os casados entenderão!

O tempo cumpre a sua função e não se cansa em correr.

Tive de dois filhos. Corridas ao médico, à escola, noites mal dormidas, decisões mal pensadas ou pensadas em demasia, medos, receios, alegrias, festividades e muuuuitas mudanças, resolvi voltar a estudar.

Depois da minha primeira graduação em Comunicação Social com ênfase em Publicidade e Propaganda onde mais do que encantar as pessoas para o consumo, precisava fazer algo para àqueles à margem que buscavam sua sobrevivência, que eram discriminados, excluídos. Em 2015, decidi fazer Serviço Social, ou seja, mudar o lado da moeda. Ingressei no curso na busca de informações, ferramentas e técnicas que me orientasse o quê e como fazer.

Confesso que no início acreditei que o Serviço Social era o desenvolvimento de práticas assistencialistas para a diminuição da dor e do sofrimento dos menos favorecidos. Agradeci por estar errada. Ao aprender os conceitos, as vertentes e finalidades do Serviço Social, me identifiquei e me dediquei a conhecer as múltiplas expressões da questão social. Com os estudos e na vivência do estágio frente a frente com a realidade, aprendi o quão fundamental é o Serviço Social, para a compreensão, olhar e ouvir ao outro e ajudar os que se encontram em vulnerabilidade e fragilizadas.

A experiência da maternidade foi fundamental para a mudança do olhar. Com os filhos o questionamento já não é mais sobre você ou suas vontades, agora você deseja a felicidade deles e, para mim, é claro que para que eles sejam felizes, eles precisam viver em um mundo melhor do que eu vivi. E, o que eu vou fazer para que isso ocorra? Para que esta realidade se modifique? Depois de 19 anos trabalhando no escritório, decidi sair e dar aulas!

4. Direitos Humanos na escola

Os anos vivenciados na escola, influenciaram minhas escolhas de vida, bem como orientou minhas escolhas profissionais. Através de momentos de dor, rejeição e alegrias pude desenvolver minha personalidade e construir quem sou. Pessoas, momentos vivenciados e experiências foram essenciais para esta etapa, este ciclo.

Reconhecer e experimentar novamente sentimentos fazem parte cotidianamente do nosso crescimento e, este será um desafio a mais, perceber os sentimentos dos outros no chão da escola.

Não foi fácil começar. Adentrar novamente o espaço escolar trouxe à tona um turbilhão se sensações, sentimentos, dúvidas, preocupações. Será que ia dar conta? Esta pergunta me rondava a cabeça o tempo todo. Assumi uma sala de terceiro ano. E, como fui parar lá?

Quando decidi voltar a dar aulas, prestei um concurso, meio sem ter a certeza se realmente era esse o caminho. Confesso, que não acreditava que poderia dar certo, mas, Deus já tinha trilhado o meu destino, passei em 4º lugar e, aprendi que Ele envia seus anjos, eles estão ao nosso redor.

Anjos? Quando assumi a sala de terceiro ano, o olhar de curiosidade não era só das crianças, os de suas famílias eram avassaladores. Muitos foram os comentários e questionamentos: idade, experiência, planejamento, conteúdo, formação, família; e infelizmente, o preconceito também se fez presente. Mas, um anjo veio me salvar.

Na sala de aula, cada dia é um acontecimento. São tantas as histórias, a mãe, o avô, o cachorro, o final de semana, a tarefa, o recreio, amigos, doenças. Todas têm um começo, mas difícil é encontrar o fim.

Nossa responsabilidade como professor é imensa. Carrego em mim que cada um de nós vai contribuir para a vida de cada aluno que por nós passar, sejamos sempre o positivo, já que a vida tem muito de negativo. E, por isso, temo constantemente, não ser e fazer o suficiente. Então, decidi que deveria estudar novamente. Precisava fazer Pedagogia, para ter a certeza de que não estava errando. E em 2018, entrei na UFU.

“A educação é processo fundamental para que o ser humano possa obter as condições mínimas de sobrevivência com dignidade em uma sociedade edificada na cultura de exclusão social. O desafio da educação consiste na busca e manutenção de estratégias para uma organização social de convivência mais justa e pacífica, transmitindo conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana. Ademais, a educação é uma ferramenta de emancipação dos indivíduos, na medida em que proporciona a retomada de valores como ética e justiça, aparentemente tão esquecidos.” (GORCZEVSKI; KONRAD, 2013)

O ambiente educacional é espaço de aprendizagem e envolve todas as interações, portanto, deve promover o respeito às diferenças sem preconceito, discriminação e violência devendo estar marcado pelo entendimento mútuo, pelo respeito, pela responsabilidade, pela interdependência, indivisibilidade e universalidade dos direitos humanos.

“Para garantir a todos o direito à educação é fundamental que sejam disponibilizadas condições mínimas para que cada indivíduo possa usufruir deste direito de forma digna, para que alcance a vivência plena de sua cidadania em sociedade. Dessa maneira, é necessária a atuação do Estado por meio da implementação de políticas públicas que ofereçam oportunidades, principalmente para a população de baixa renda, contribuindo para a redução de desigualdades sociais e combate à pobreza” (REIS, 2000).

São inúmeras as desigualdades, assim como são os fracassos para reduzir as desigualdades sociais, é necessário através da interdisciplinaridade, da diversidade de grupos e opiniões e o do diálogo a construção de meios de aplicabilidade, enriquecimento e aprimoramento da legislação, a fim de que todos os indivíduos e órgãos da sociedade desenvolvam o respeito, a igualdade, cidadania, justiça e a democracia.

Encontrei o caminho que desejo seguir, o de atuar na luta em busca da efetivação de direitos do indivíduo e, para que o consiga realizar com eficiência necessito de muitos estudos nas mais diferentes abordagens para que assim, possa participar no desenvolvimento de ações que garantam a preservação e ampliação de direitos e de justiça social, contra todos os processos de exploração, opressão e alienação.

5. Direitos Humanos: a necessária unidade teoria-prática

O desconhecimento e desprezo dos direitos fundamentais do Homem contribuem para a prática de atos de barbárie, racismo, preconceito, homofobia, feminicídio, desigualdades sociais, educacionais e culturais e tantas outras opressões construídas historicamente que impedem a equidade e liberdade.

A Educação em Direitos Humanos é uma temática recente e preocupa-se em difundir e fomentar a cultura dos Direitos Humanos, quando no cotidiano de nossas vidas, através do convívio com as pessoas, as formas de trabalho e produção, economia e outros temos constantemente nossos direitos violados, neste contexto, a educação é importante estratégia para a construção de uma sociedade justa e igualitária na formação de cidadãos que assumam seus papéis sociais e, portanto, efetivem práticas e atitudes de direitos e deveres.

A Declaração de Direitos Humanos, promulgada em 1948 pela Organização Mundial das Nações Unidas (ONU) estabelece o direito à educação, tendo como objetivo principal o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito aos Direitos Humanos.

“Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente da sua raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, liberdade de opinião e expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre outros. Todos têm direito a estes direitos, sem discriminação.” (ONU,1948)

A educação como processo de aprendizado se consolida como instrumento de construção de conhecimentos sobre os direitos humanos; como prática social se constitui como ação transformadora da sociedade e do indivíduo no reconhecimento de sua posição, bem como o de superação de desigualdades, vulnerabilidades e fragilidades; e, de autonomia no processo de reflexão e tomada de decisões.

E, como lutar pelos direitos?

A prática educativa com Direitos Humanos tem sua especificidade e exige determinados saberes, da formação pedagógica, de conteúdos curriculares e da experiência.

No Brasil, os direitos humanos estão expressos e garantidos na Constituição Federal. O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) visa fortalecer o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais e promover o pleno desenvolvimento da dignidade humana, construindo uma cultura de paz nas escolas.

“A educação para os direitos humanos é uma educação comprometida com a mudança, possibilitando ao homem a prerrogativa de atuar como condutor de seu conhecimento, fazendo desta educação seu instrumento de luta e superação das injustiças, opressões e exclusões. A fim de assumir o caráter libertador em relação à opressão de um sistema educacional alienante, faz-se necessário criar condições para o questionamento e a criticidade acerca da realidade vivenciada para que os sujeitos conscientizem-se de seu papel e o assumam frente às necessárias transformações sociais.” (CARVALHO, 2016, s.p.)

A formação da cultura em Direitos Humanos significa efetivar a cidadania e a democracia para a construção de conhecimentos, no desenvolvimento de valores, atitudes, costumes, hábitos e mudanças de comportamentos, os quais devem se transformar em práticas e modos de vida.

Segundo Mosca y Aguirre (92):

“Uns dos maiores obstáculos à difusão da educação em direitos humanos é o abismo entre o discurso - as palavras e os feitos e as atitudes. Se um educador, um sistema escolar, pensa educar para os direitos humanos, deve sempre começar por praticá-los. Não existe educação para os direitos humanos, não existe projeto válido neste campo, sem um profundo compromisso social para que eles se tornem realidade” (p.19)

Os saberes atrelados à formação pedagógica são correspondentes às estratégias e recursos utilizados para articulação dos conteúdos de Direitos Humanos, desde os conteúdos, atividades, organização espaço-temporal, utilização de materiais e recursos didáticos bem como sobre o conhecimento e a vivência em Direitos Humanos.

Os saberes provenientes da formação pedagógica são fundamentais para a construção do saber docente em Direitos Humanos e, portanto, a Universidade deve-se constituir em espaço de formação e aquisição/construção de saberes pedagógicos por meio de disciplinas que contemplem a metodologia, a evolução histórica, a problemática no mundo atual e na sociedade brasileira através de seminários, oficinas e cursos. A Educação em Direitos Humanos tem seu caráter multicultural e, portanto, deve-se utilizar de diferentes linguagens (música, arte, poesia, dança, teatro) e oficinas pedagógicas para sua efetivação. No entanto, o grande desafio para a Educação em Direitos Humanos é a construção de uma proposta educativa que seja plástica, flexível, integradora e criativa.

Segundo Candau:

“... a oficina é concebida como uma realidade integradora, complexa e reflexiva, na qual a relação teoria-prática é a força motriz do processo pedagógico. Está orientada à promoção constante da comunicação com a realidade social e para ser um grupo de trabalho altamente participativo no qual cada um é um membro a mais do grupo e dá sua contribuição específica.” (CANDAU, 1999, p. 11).

As oficinas são espaços de construção coletiva de um saber, de análise da realidade, de confrontação e intercâmbio de experiências, de exercício concreto dos direitos humanos. (CANDAU, 1999) Através das oficinas é possível criar um ambiente participativo de socialização e interação com o uso de debates, explanação, teatralização, vivências, análise de textos, vídeos, etc.

Os conteúdos curriculares em Direitos Humanos versam sobre diferentes perspectivas, sua gênese, caráter histórico, evolução, tipos de direitos, as diferentes declarações e instrumentos, avanços e retrocessos, portanto, sendo impossível fragmentar e, é por meio do currículo que o professor orienta sua dinâmica educativa, por isso a temática deve ser inserida no currículo na transversalidade, atravessando todas as disciplinas.

Os Direitos Humanos devem estar presentes no currículo como elemento de transformação e reflexão, na construção de um olhar crítico destinado a tomar consciência das variadas e múltiplas discriminações, sem ocultação, simbologia ou concepções atreladas à cultura dos grupos dominantes.

Os saberes da experiência se fundamentam por meio da vida profissional e pessoal e estes, formam e moldam a identidade do docente que constrói a sua práxis através da interação com outros sujeitos, do cotidiano e outros saberes. Portanto, este é o saber central na formação do educador em Direitos Humanos, pois sua prática está pautada em valores, crenças, atitudes e condutas.

E, portanto, faço aqui um parêntese de sugestões de oficinas e práticas pedagógicas em Direitos Humanos para ajudar pessoas que queiram explorar o tema. Assim, podemos tratar do respeito ao outro, do diálogo, da valorização da diversidade e pluralidade, da convivência com as diferenças, dos direitos.

Oficinas e práticas pedagógicas em Direitos Humanos

A cultura de paz: valorizar as diferentes formas de comunicação na convivência cotidiana e as diferenças individuais geradas pela história de cada pessoa. (Fundação Banco do Brasil)

A cultura indígena dançada e cantada: traz o respeito às diferentes etnias e culturas. (Cenpec)

A dignidade humana nas relações de trabalho: qual o papel dos direitos humanos para o exercício digno do trabalho? (Caderno de Oficinas)

Bem-vindos! Nós também viemos de outros lugares...:trata do respeito às outras nacionalidades, etnias e culturas; da convivência, do diálogo e da valorização da diversidade e pluralidade. (Cenpec)

Cor e preconceito no Brasil: debate o preconceito e a discriminação contra a população negra no Brasil. (Cenpec)

Declaração dos Direitos Humanos: conhecer os princípios que regem a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os motivos que levaram à sua criação. (Fundação Banco do Brasil)

Direitos trabalhistas no Brasil: conhecer os principais direitos trabalhistas previstos na CLT e seus impactos para a consolidação do trabalho digno. (Caderno de Oficinas)

Mulheres negras no cenário nacional: busca valorizar a vida de todos os seres humanos e a igualdade de oportunidades, de tratamento e de justiça para todos os(as) cidadãos(as). (Cenpec)

Não à homofobia!: fala sobre o respeito e a convivência com as diferenças, e a garantia dos direitos de cidadania no dia a dia da sala de aula e da vida. (Cenpec)

O ECA e eu: discute os direitos que devem ser assegurados às crianças e aos adolescentes. (Cenpec)

O ser humano e o solo: uma relação delicada: trata dos impactos provocados pela ocupação humana e suas consequências. (Cenpec)

Panorama das condições de trabalho no Brasil e mecanismos de proteção: conhecer os principais mecanismos, instrumentos e instituições de proteção aos direitos do trabalhador. (Caderno de Oficinas)

Quem sou eu?: identificar as características da subjetividade que integram a identidade e a sua condição de pertencimento. (Fundação Banco do Brasil)

Sexualidade, corpo e sentimentos: identificar valores, mitos, tabus, preconceitos e estereótipos sobre gênero e sexualidade. (Fundação Banco do Brasil)

Telejornal da galera: propicia a reflexão crítica sobre o poder das mídias, a necessidade de todas as pessoas terem voz legitimada, e a construção coletiva de um ambiente educativo democrático e cidadão. (Cenpec)

Tempo de ser adolescente: valorizar o processo de transformações físicas, psicológicas, sociais e culturais inerentes a todo adolescente. (Fundação Banco do Brasil)

Vida comunitária: analisar criticamente questões relacionadas ao cotidiano, especialmente as que envolvam valores e a pluralidade cultural brasileira. (Fundação Banco do Brasil)

Viver em grupo: valorizar a convivência com pessoas e ideias diferentes para a construção de ações solidárias, fraternas e justas. (Fundação Banco do Brasil)

A Educação em Direitos Humanos é uma perspectiva de educação assumidamente política que exige do educador uma postura crítica e transformadora, que não admite indiferença e discriminação e que se engaja na luta pela melhoria das condições de vida e de trabalho de todos e por isso sofre muita resistência.

A relação pedagogia-política é inerente aos pressupostos da Educação em Direitos Humanos. Ser um educador nesta perspectiva é assumir uma postura política na busca da promoção de mudanças sociais, na formação de cidadãos que sejam, ao mesmo tempo, conscientes, políticos, críticos e com capacidade de respeitar a alteridade e de interferir no contexto em que vivem.

A Educação em Direitos Humanos abarca os diferentes conflitos presentes em nossa sociedade e o docente tem o papel de mediador, que busca manejar o conflito de forma democrática e não violenta para o “empoderamento” de seus educandos alimentando o poder subjetivo baseado na autoestima e na autovalorização de cada pessoa.

Cabe à educação em Direitos Humanos contribuir para o empoderamento individual e coletivo dos atores escolares para a construção de suas identidades e que, conhecedores de seus direitos e potencialidades, tornar-se-ão agentes de mudanças, operando transformações em seus contextos imediatos.

Não é um caminho fácil de ser percorrido. É um processo em construção. Assumir a Educação em Direitos Humanos é um compromisso onde a luta jamais se extingue.

6. Formação e troca de experiências

Nóvoa (2003 p.23) “O aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa, como agente, e a escola como lugar de crescimento profissional permanente”.

Desde o momento em que decidi voltar a estudar foram as razões pessoais que mais pesaram, ou seja, acredito que desde a minha primeira formação o que estava mobilizado em mim e que seria a realização profissional, era o de poder transformar meu conhecimento, minha experiência em combustível para que outros pudessem evoluir. Acredito, que minha grande vocação e minha maior realização, é poder compartilhar o que sei e, que este ensinamento possa ajudar o outro a refletir e buscar caminhos e trilhas para seu próprio desenvolvimento.

E, esse não seria o papel do professor? Ser um agente de transformador de vidas?

Junto com a Pedagogia fiz especializações, participei de fóruns, palestras, estudos, simpósios e tantas outras formas de aprendizagem, com o objetivo de conhecer métodos, contéudos, práticas, pedagogias e tudo que pudesse enriquecer meu saber docente.

“A educação é permanente não porque certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de sua finitude. Mais ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia, mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí.” (FREIRE, 1993a, p. 22-23).

Acredito que além de ensinar as vogais, ler e escrever, conhecer os números e a lógica matemática, a localização geográfica e compreender a história, o professor, fornece elementos para que o aluno construa sua própria história, seus valores éticos e morais, e, assim possa participar e cooperar socialmente.

Ao conceber uma abordagem que visa a construção de um novo modelo social, a prática pedagógica está voltada ao empoderamento, de saber/conhecer os direitos, desenvolver uma autoestima positiva, possibilitar a capacidade argumentativa e promover uma cidadania ativa e participativa e tem como principal objetivo compreender e transformar a realidade.

A educação visa o desenvolvimento dos sujeitos com o objetivo de emancipar, humanizar, promover valores, autoconhecimento, autonomia através do reconhecimento e afirmação dos direitos humanos e dignidade humana para o pleno exercício da cidadania, da formação ética e solidária.

“Pediram-me para contar os meus desejos...

...É isto que acontece sempre que o desejo fala e diz o seu mundo. Viramos bruxos e feiticeiros e a nossa fala constrói objetos mágicos, expressões simples de amor, nostalgia por coisas belas e boas, onde moram os risos...

É só isto que desejo fazer: saltar sobre os limites que separam o possível existente do utópico desejado, que ainda não nasceu. Dizer o nome das coisas que não são, para quebrar o feitiço daquelas que são...

- O que a gente deseja mesmo é que as crianças estejam se divertindo e possam vir a ser um pouquinho mais felizes...

E é isto que eu desejo, que se reinstale na escola a linguagem do amor, para que as crianças redescubram a alegria de viver que nós mesmos já perdemos.

Que a aprendizagem seja uma extensão progressiva do corpo, que vai crescendo, inchando, não apenas em seu poder de compreender e de conviver com a natureza, mas em sua capacidade para sentir o prazer, o prazer da contemplação da natureza, o fascínio perante os céus estralados, a sensibilidade tátil ante as coisas que nos tocam, o prazer da fala, o prazer das estórias e das fantasias, o prazer da comida, da música, do fazer nada, do riso, da piada... Afinal de contas , não é para isto que vivemos, o puro prazer de estar vivos?

E creio mais: que é só do prazer que surge a disciplina e a vontade de aprender. (Rubem Alves – Estórias de quem gosta de ensinar. Cortez/Autores Associados, 1984, p. 101-108)

Educar, depende da capacidade de fazer o aluno sonhar; sonhar o seu caminho, sonhar o seu destino. E, para isso, a vivência em Direitos Humanos na escola é o ponto de partida para a construção do indivíduo através do diálogo, da crítica, da aprendizagem, da compreensão, do respeito e da valorização de cada um. É assim, que transformamos a nós mesmos e a sociedade.

“Ter um pé no concreto e outro na utopia e uma sã loucura impulsionando um sonho.” (Paulo Freire). Assim, eu sonho.

7. Conclusão

A Educação em Direitos Humanos ainda necessita romper com muitos paradigmas sociais e com a realidade para que sua concepção seja plena. E se assim o é, na sociedade em geral, nos espaços escolares não é diferente. Na escola, acreditar na Educação como direito já é um desafio e, atrelar a este os Direitos Humanos, exponencia ainda mais sua dimensão.

É fundamental o desenvolvimento de ações e programas de educação que mobilizem diferentes dimensões presentes nos processos de ensino-aprendizagem concebidas de maneira integrada e interrelacionadas.

Quanto aos principais desafios, incorporar a Educação em Direitos Humanos no currículo escolar constitui um deles. No dia a dia, o contexto se apresenta com constantes violações no que tange às práticas pedagógicas, pois, não existe a clara disseminação dos direitos e como garantir para que estes aconteçam. Situações de discriminação, preconceito, bullying, gênero, etnia são tratadas de maneiras pontuais e com conversas exclusivas com os participantes. Ações coletivas de entendimento e modificação de comportamento não existem e, por isso, a Educação em Direitos Humanos só acontece no papel.

Portanto, assumir uma concepção de educação em Direitos Humanos e explicitar o que se pretende atingir em cada situação concreta é outro desafio. O entendimento sobre a educação e o horizonte que se pretende caminhar ainda é muito divergente. A escola não possuiu um direcionamento claro das concepções educacionais e, cada professor atua de acordo com seus propósitos e experiências de vida. Assim, cada qual age de acordo com suas convicções e percepções e, isto claramente impede o desenvolvimento de ações coletivas de respeito às igualdades e diversidades. Acaba-se por introduzir nos alunos concepções e entendimentos individuais e distante das realidades de vida.

Para mim, a educação é um processo coletivo de formação de identidade e subjetividades, onde todos os partícipes têm responsabilidades essenciais neste processo e, portanto, deve conceber conhecimentos, saberes e práticas de se fazer educação. Conhecer, respeitar e defender os Direitos Humanos, é educar.

8. Referências

ALVES, Rubem. Escola: fragmento do futuro – Estórias de quem gosta de ensinar. Cortez/Autores Associados, 1984, p. 101-108.

BETANCOURT, M. El Taller Educativo. Santafé de Bogotá: Secretaría del Convenio Andrés Bello, 1991.

BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: 2007. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. 76 p.

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Publicado por: Valéria Aparecida Pereira Candido

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