Interpretação de texto: Um desafio à prática pedagógica

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1. RESUMO

Este estudo sobre a interpretação de textos tem origem nas inquietações que emergiram em nossa vivência como acadêmica do curso de Pedagogia, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e, no período de estágio em uma escola pública de Campo Grande/MS. Tem como objetivos refletir sobre a prática docente e a interpretação de textos; conhecer as estratégias que o professor do 5º ano do ensino fundamental utiliza para ensinar seus alunos a interpretar textos. O estudo foi desenvolvido a partir dos princípios da pesquisa qualitativa e o levantamento das informações foi realizado por meio de dois instrumentos: uma entrevista semi-estruturada com duas professoras que atuam no 5º ano do ensino fundamental, uma da rede pública de ensino e outra da rede particular. E uma observação das aulas de Língua Portuguesa das referidas professoras entre os meses de abril e junho do corrente ano. O estudo revela que a prática de leitura e interpretação de textos é pouco valorizada na sala de aula. As professoras apenas lêem textos que se encontram no próprio livro didático, de forma rápida e instruem os alunos a responder as perguntas que se seguem aos mesmos. Prevalecem nas falas e nas ações observadas em sala de aula práticas apoiadas numa tendência tradicional de ensino e aprendizagem. As professoras utilizam estratégias de ensino de interpretação de textos semelhantes - questionário com perguntas diretas e objetivas sobre o texto lido, com pouco ou quase nenhum espaço para debate e reflexão. Os alunos das duas professoras apresentam os mesmos problemas relativos às dificuldades de interpretação de textos.

Palavras-chave: Interpretação de Texto; Leitura; Prática Pedagógica.

2. APRESENTAÇÃO

Neste estudo propomo-nos a refletir sobre a prática docente e a interpretação de textos por parte dos alunos na dinâmica da sala de aula, bem como de conhecer as estratégias que o professor do 5º ano do ensino fundamental utiliza para ensinar seus alunos a interpretar textos. A reflexão sobre essa prática possibilita o entendimento dos processos que envolvem o ensino, a compreensão e a interpretação de textos e o porquê de alguns alunos chegarem a este ano sem saber interpretar textos.

Constatamos esse problema no decorrer dos estudos teóricos realizados no curso de Pedagogia Habilitação em primeiros anos do Ensino Fundamental do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS); nas experiências em escolas da rede pública de ensino de Campo Grande/MS durante as Práticas de Ensino e Estágios, disciplinas obrigatórias do curso de Pedagogia, nos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008.

Assim como em observações de divulgação pelos meios de comunicação de matérias sobre a questão do insucesso escolar de muitos alunos, tanto do Ensino Fundamental como do Ensino Médio em relação, especialmente, aquele relacionado com a produção e a interpretação de texto e, por conseguinte da leitura, amplamente veiculada pela televisão, como o “O Provão do Fantástico” (matéria exibida em 11 de novembro de 2007) e, recentemente nas primeiras semanas de novembro de 2008 a divulgação do desempenho dos alunos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Provocaram-nos algumas indagações: Por que os alunos das escolas públicas e particulares apresentam baixo “rendimento” escolar? Por que não conseguem responder questões, consideradas de baixa e média dificuldade, o que implica em ler, interpretar e produzir um texto?

Essas indagações levaram-nos a repensar a importância das práticas de produção de texto, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, conseqüentemente surgiram novas interrogações: Por que os alunos lêem e não conseguem trocar idéias e argumentações sobre o que leram? Por que os alunos enfrentam dificuldades para aprender a ler e interpretar textos criticamente? Quais são as estratégias e técnicas utilizadas pelos professores para trabalhar em sala de aula, com a interpretação de textos?

Para dar conta de responder a esses questionamentos desenvolvemos este estudo com os objetivos de: conhecer quais são as práticas de leitura e interpretação de textos mais comuns em sala de aula; conhecer as concepções de leitura e interpretação de textos de professoras que trabalham no 5º ano do Ensino Fundamental e identificar quais são os fatores que interferem de maneira positiva ou negativa na compreensão e interpretação de textos, por parte dos alunos que chegaram até este momento da escolarização - o 5º ano.

Se considerarmos que vivemos em uma sociedade na qual estamos expostos à escrita todos os dias e a todo o momento, seja na rua: diante de outdoors, faixas, placas, letreiros, etc. Seja em casa, como, por exemplo, embalagens dos produtos domésticos, bulas de remédios, manuais de eletrodomésticos, listas telefônicas, entre outros portadores de textos. Ou ainda, na escola, com sua variedade de cartazes murais e painéis com objetivos diversos. Estamos continuamente diante de alguma informação escrita, que precisamos ler para nos localizar, nos informar ou até mesmo para “saciar” nossa curiosidade. Somos “obrigados” a adquirir e dominar habilidades de leitura e interpretação para agir com autonomia nos lugares que freqüentamos e ter conhecimento sobre novos fatos, em tempo real, que ocorrem a todo o momento na sociedade global.

Como esclarece Solé (1998, p. 32): “A aquisição da leitura é imprescindível para agir com autonomia nas sociedades letradas”. Para isso, é necessário que o aluno desenvolva a capacidade da analisar, refletir, questionar, inferir e tomar uma posição pessoal sobre o que lê. Ou seja, emitir uma opinião a partir de conhecimentos anteriores, uma vez que as informações as quais tem acesso muitas vezes não são confiáveis. Essa habilidade pode e deve ser desenvolvida na escola por meio de estratégias significativas de interpretação de textos, propiciadas em sala de aula pelo professor.

A falta de habilidade para ler e interpretar textos leva na maioria das vezes, os alunos a apresentarem dificuldade em compreender o que lêem e conseqüentemente não desenvolver a capacidade de refletir sobre a leitura, tornando-se uma pessoa passiva que apenas recebe e reproduz as informações sem o interesse em refletir sobre a validade das mesmas, questioná-las ou refutá-las.

Entretanto, sabemos que é através do trabalho desenvolvido, pelas propostas do professor e pelo suporte oferecido por ele na interação, o texto deixa de ser, para o aluno um objeto estranho para constituir-se num objeto do qual se fala e que tem características de fornecer elementos para uma resposta adequada. Em seguida ele deixa de ser tema de “conversas vagas” e começa a emergir como linguagem significativa. Sendo assim, o texto então, passa a ter “alguma coisa” a lhes dizer.

Acreditamos que uma reflexão sobre as práticas de interpretação de texto pode contribuir para a melhoria ou mudanças, se for necessário, do ensino de Língua Portuguesa, de forma que os alunos do 5º ano do Ensino Fundamental possam aprender a interpretar textos de maneira compreensiva e que as leituras, por eles realizadas, tenham sentido e significado.

Entendemos, como Vygotsky que o significado é uma parte do sentido, existem outras estabelecidas no contexto, que são influenciadas pelas mudanças históricas, e são marcadas, substancialmente, pelas vivências, pelas emoções e pelos interesses da pessoa que pensa.

Também concordamos com o referido autor quando ele reafirma a idéia de Paulhan e assinala que o sentido de uma palavra

[...] é a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluído e dinâmico, que tem várias zonas de estabilidade desigual. O significado é apenas uma das zonas do sentido, a mais estável e precisa. Uma palavra adquire o seu sentido, no contexto em que surge; em contexto diferente, altera o seu sentido. O significado permanece estável ao longo de todas as alterações do sentido. O significado dicionarizado de uma palavra nada mais é do que uma pedra no edifício do sentido, não passa de uma potencialidade que se realiza de forma diversa na fala. (VYGOTSKY, 1991, p. 125).

Ainda segundo Franco (2003, p. 15 - grifo da autora), “O significado de um objeto pode ser absorvido, compreendido e generalizado a partir do corpus de sua significação” e “[...] o sentido implica a atribuição de um significado pessoal e objetivado, que se concretiza na prática social [...]”.

Isso significa dizer que um aluno só vai se interessar em compreender um texto se este, no seu entendimento, tiver algum sentido e aplicabilidade para aquele seu momento de vida e seu dia-a-dia fora da escola. Para isso o professor pode: “[...] estimular as crianças a perguntar e a entender os significados das palavras dentro dos contextos em que aparecem.” (CAGLIARI, 1989, p. 171).

Analisando os estudos de Vygotsky a respeito das relações entre pensamento e linguagem, Oliveira (1997, p.48-50), também, destaca que o significado é o componente principal da palavra, e que este, sofre transformações com o tempo de acordo com o meio social e físico em que as pessoas vivem. A autora explica que os significados das palavras também sofrem modificações durante o desenvolvimento do pensamento do individuo e no desenrolar do processo de aprendizagem, pela interferência e mediação do educador.

Sendo assim, os alunos passam a conhecer e adotar os conceitos das palavras mediados pelos conhecimentos já consolidados tanto pela sua cultura como pela cultura da escola tendo em vista que, na maioria das vezes, ambas são distintas. A autora distingue a diferença entre sentido e significado da seguinte forma:

O significado propriamente dito refere-se ao sistema de relações objetivas que se formou no processo de desenvolvimento da palavra, consistindo num núcleo relativamente estável de compreensão da palavra, compartilhado por todas as pessoas que a utilizam. O sentido, por sua vez, refere-se ao significado da palavra para cada individuo composto por relações que dizem respeito ao contexto de uso da palavra e às vivencias afetivas do individuo (OLIVEIRA, 1997, p. 50).

Apesar de termos a consciência de que a escola, principalmente a pública, instituída nos padrões da classe média e alta, pressupõe um desenvolvimento lingüístico e uma exposição à escrita na fase inicial da escolarização que a(o) criança (aluno) oriunda(o) de meios não-letrados não tem e, em conseqüência, ela(e) passa a ser vista(o) como deficitária(o). É a teoria do déficit (de Lemos 1984; Erickson 1987; Soares, 1986; Collares e Moisés 1985). Esse aluno não é então, considerado em seu contexto real.

Portanto, é fundamental para este estudo, considerar tal aspecto da aprendizagem, o qual pressupõe que os alunos possuem uma bagagem de conhecimentos a respeito do que estudam na escola, a qual pode ter para eles, um sentido diferente daquele que é ensinado nesse espaço.

Esse trabalho, também, traz subsídios que ajudam na reflexão dos acadêmicos, futuros professores, sobre o ensino da leitura e, especificamente, sobre a prática de interpretação de textos, ajudando-os a repensar sua própria formação, bem como da escolha da profissão.

Para tratarmos das questões acima pontuadas, dividimos este trabalho em dois capítulos e uma parte conclusiva, provisoriamente, a partir das discussões realizadas nos mesmos. Sendo assim, no primeiro capítulo - “Interpretação de texto e suas interfaces: Leitura e Escrita”, apresentamos os pressupostos teóricos do estudo. Para desenvolvê-lo nos apoiamos em: Isabel Solé, 1998; Cagliari 1998; Freire 1983 que há longo tempo desenvolvem pesquisas sobre esses temas.

No segundo capítulo - “O ensino da interpretação de textos: vivenciado no cotidiano da sala de aula”, tratamos dos pressupostos metodológicos que subsidiaram nossa investigação, a qual se pauta nos princípios da pesquisa qualitativa, que valoriza o processo, como se desenvolve o trabalho investigativo, apresentamos também, os dados coletados durante a observação em sala de aula e as entrevistas com as professoras e explicitamos como os mesmos foram analisados.

Na última parte do trabalho “Algumas considerações” que destacamos como “provisórias”, pelo fato de que elas têm a ver com este momento único de nossa formação docente.

3. INTERPRETAÇÃO DE TEXTO E SUAS INTERFACES: LEITURA E ESCRITA

Tem sido consenso entre estudiosos que se ocupam do ensino da Língua Materna o reconhecimento da persistência de uma crise estabelecida nessa área, em relação às atividades de interpretação de textos, particularmente nos anos iniciais do ensino fundamental.

De um modo geral, a expectativa que as pessoas têm do ensino nos cinco primeiros anos deste nível de ensino, enquanto um processo contínuo de alfabetização, é que a escola propicie aos alunos as condições necessárias para o desenvolvimento de habilidades necessárias para a comunicação e a vida em sociedade como: ler, escrever, interpretar, independentemente das suas condições físicas, cognitivas, sociais ou econômicas.

Isso porque a aprendizagem é um processo que se desenvolve no dia-a-dia, é natural do homem, o qual elabora hipóteses, constrói conhecimentos ao longo de sua vida.

Sob esse aspecto, sendo a interpretação de textos um objeto de conhecimento, a escola deve priorizar o contato com grande variedade de material escrito, para que o aluno possa comparar, excluir, ordenar, categorizar, reformular e comprovar, a apropriar-se, assim, do conhecimento. Neste processo, o professor atua como mediador entre o aluno e o conhecimento para cuja apropriação se faz necessário que ele se utilize de estratégias que expliquem, informem, suscite a curiosidade, o interesse, a vontade de conhece/saber mais.

Dessa forma, o professor proporciona ao aluno a reflexão sobre o texto, e, neste contexto, o aluno é visto como sujeito que constrói conhecimento em interação com o seu meio. Neste âmbito, a intervenção do professor consiste não em fabricar modelos prontos, mas sim em incentivar e desafiar o aluno a descobrir a língua escrita, e a compreender melhor a idéia do autor lido.

Para tanto faz-se necessário o desenvolvimento da capacidade de ler e entender um texto de forma global, com todas as informações que ele possui/apresenta mesmo aquelas que não estão escritas, mas que podem ser percebidas, nas suas entrelinhas. O aluno precisa fazer a “conexão” das informações que obteve por meio da leitura com o que ele já sabe sobre o assunto tratado em sala de aula e também precisa ter interesse e curiosidade suficientes para procurar informações extras que venham a complementar o que ele não pôde entender na leitura do texto seja na escola ou fora dela.

Essa atitude por parte do aluno exige do professor uma ação pedagógica que se ampare numa concepção de ensino e aprendizagem que reconhece a necessidade de articular o processo educativo com o contexto sócio-histórico em que tanto ele como seus alunos se inserem. E mais, que os conhecimentos científicos trabalhados no espaço escolar devem ser construídos ou reelaborados coletivamente, de modo que os alunos possam compreender, explicar e intervir nas discussões em sala de aula ou no seu contexto social mais amplo.

Entretanto, o que se observa na maioria das vezes, é que os professores dos anos iniciais do ensino fundamental estão mais preocupados com a transmissão dos conhecimentos estabelecidos pelos projetos das escolas, com os resultados imediatos de seu trabalho. E com isso, valorizando o produto final, ou seja, que seus alunos leiam e interpretem, reproduzindo “exatamente” o que está no texto, seja ele escrito ou oral, apesar de contraditoriamente afirmarem que privilegiam a construção do conhecimento.

Para que os alunos tenham sucesso em sua aprendizagem, a prática docente deve estar voltada para os mesmos, de forma que eles, como sujeitos de seu próprio aprendizado, participem ativamente desse processo. E que possam construir ou (re)construir por meio da mediação do professor e de outros instrumentos por ele utilizados um aprendizado sólido que o acompanhará e servirá de base para novas aprendizagens ao longo de sua vida. Em outras palavras, os professores devem propiciar aos seus alunos situações de aprendizagem significativas em que eles aprendem fazendo.

Isto porque, ao agir e interagir na realidade social, o aluno depara-se objetivamente com as significações definidas por Leontiev (1978, p. 94) como “[...] aquilo que num objeto ou fenômeno se descobre objetivamente num sistema de ligações de interações e de relações objetivas.”

No livro “Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra” Freire e Macedo (1990), enfocam a importância de os educadores estimularem nos alunos a sua criatividade, tanto no nível individual como no social, o que implica em, arriscar-se, ir além do texto, inferir. Segundo os autores, “Em vez de reforçar as repetições puramente mecânicas de frases e de listas de fatos ou acontecimentos, os educadores deveriam estimular os alunos a duvidar” (FREIRE e MACEDO, 1990, p. 39). Pois a dúvida estimula os alunos a buscarem as informações necessárias para melhor compreender o que estudaram. Porém, essa dúvida não pode ser algo desestimulante, mas sim, uma dúvida que os deixe inquietos e com vontade de saná-las.

Para Isabel Solé (1998, p. 44-45) a partir de uma outra perspectiva de construção do conhecimento diferente de Leontiev, mas que “caminha em paralelo” com a idéia do autor que apresentamos acima, destaca que na concepção construtivista, aprender é formar uma representação, um modelo próprio, daquilo que se apresenta como objeto de aprendizagem. Isso implica em poder atribuir significado ao conteúdo em questão, em um processo que leva a uma construção pessoal de algo que existe objetivamente.

Nessa perspectiva, o aluno é um sujeito ativo que atribui significado àquilo que estudou, pois ele faz referência ao que já conhece para construir novos conhecimentos. Se o educador não tem essa percepção, tende apenas a transmitir conteúdos automaticamente sem se preocupar se os alunos compreenderam, se conseguiram estabelecer relações com conhecimentos adquiridos anteriormente e, portanto se aprenderam de forma significativa, ou seja, se viram aplicabilidade em sua vida cotidiana.

A autora explica que a leitura é um instrumento de aquisição de novas aprendizagens, portanto o aluno que não sabe ler corretamente também pode apresentar dificuldades na aprendizagem de outros conteúdos que necessariamente não são os de Língua Portuguesa, uma vez que não compreende o que lê. Para Solé (1998, p. 48): “[...] quando a leitura envolve a compreensão, ler torna-se um instrumento útil para aprender significativamente.”

O domínio da leitura e da escrita é de primordial importância na sociedade atual, uma vez que como já assinalamos no início deste estudo, estamos expostos à escrita todos os dias e a todos os momentos, o que nos obriga a decifrá-la e interpretá-la constantemente, pois do contrário não poderíamos nem mesmo nos locomover, escolher um filme, fazer compras etc. Por esse motivo o professor deve dar especial atenção ao seu ensino, pois “[...] aquisição da leitura é imprescindível para agir com autonomia nas sociedades letradas [...]” (SOLÉ, 1998, p. 32).

Entretanto, os alunos não precisam apenas aprender a decifrar os códigos da escrita. No mundo em que vivemos também é essencial aprender a fazer escolhas, a compreensão dos “fatos reais” e dos elementos que se encontram ocultos nos discursos, sejam eles oficiais ou não. Isso obriga os professores a escolher estratégias que oportunizem aos alunos, situações de reflexão em sala de aula e o desenvolvimento da criticidade, com base na capacidade de analisar e argumentar considerando que “[...] o ato de aprender a ler e escrever é um ato de raciocínio, mas também é criativo e implica uma compreensão crítica da realidade” (FREIRE e MACEDO, 1990, p. 105).

Para esses autores, a leitura da palavra deve ser feita juntamente com a leitura de mundo, o que implica um conhecimento do contexto social, histórico e cultural em que alunos e professores estão inseridos. E como assinala Lener (2002, p. 80)

Em cada situação de leitura responderá a um duplo propósito. Por um lado, um propósito didático; ensinar certos conteúdos constitutivos da prática social da leitura, com o objetivo de que o aluno possa reutilizá-los no futuro, em situações não-didáticas. Por outro, um propósito comunicativo relevante [...].

Daí emerge a importância do ensino de interpretação de texto, muitas vezes ignorado pelos educadores, que não optam por trabalhar estratégias especificas de interpretação e não dedicam um horário para esse tipo de atividade.

Ensinar os alunos a interpretar textos, implica ensiná-los a enfrentar a vida, a fazer opções e a posicionar-se diante do mundo que os cerca. Enfim, é desenvolver neles, habilidades que os deixarão preparados para tomar decisões necessárias que possam surgir em seu dia-a-dia. Além do que, diante das inúmeras informações a que todos os indivíduos estão expostos, a falta de habilidade de compreender os fatos pode transformá-los em pessoas alienadas.

Segundo Solé (1998, p. 24-27), para ler, “[...] é necessário dominar as habilidades de decodificação e aprender as distintas estratégias que levam à compreensão [...]”, sendo que o leitor é um processador ativo do texto e a leitura é “[...] um processo constante de emissão e verificação de hipóteses que levam a construção da compreensão do texto e do controle da compreensão [...]”. Para a autora, “[...] a leitura pode ser considerada um processo constante de elaboração e verificação de previsões que levam à construção de uma interpretação” (SOLÉ, 1998, p. 27). Ou seja, o leitor faz previsões e, durante a leitura, ele verifica se suas previsões estão corretas. Caso constate que não, ele pode voltar à leitura para entender porque isso ocorreu, relacionar com seus conhecimentos prévios e decidir o que é importante de acordo com os seus objetivos de leitura, desenvolvendo assim, o controle sobre a compreensão do texto.

Nessa mesma linha de pensamento Lencastre (2003, p. 98), assinala que compreender um texto é construir uma representação daquilo se está lendo. Ele aponta algumas características relacionadas ao leitor as quais são determinantes para a compreensão do que ele lê, como “[...] conhecimento prévio, a perspectiva, os interesses e atitudes, a capacidade cognitiva, o objetivo da leitura, as estratégias e estilos de processamento da informação textual”. Sendo que o conhecimento prévio é considerado determinante nesse processo.

Isso porque, nas abordagens atuais sobre as estratégias de leitura com vistas a uma interpretação correta, o conhecimento prévio tem um lugar de destaque. É o conhecimento acumulado pelo indivíduo ao longo de sua vida, do tempo, e o ajuda na compreensão do que lê, na medida em que vai identificando e comparando as informações que encontra no texto com as informações que possui sobre o assunto em estudo. Segundo Solé (1998, p. 40) São as representações que temos da realidade e que foram sendo construídas na interação com as demais pessoas que fazem parte do nosso contexto sócio-cultural, que nos permite interpretar adequadamente as informações que nos são dadas.

Lencastre (2003, p.100-101) trata das estratégias ou competências para compreensão leitora, e destaca como fundamentais: “[...] a determinação da importância da informação, a sumarização da informação, a realização de inferências, a realização de questões, e o controlo1 da compreensão durante a leitura”. Determinar a importância da informação consiste em direcioná-la para os objetivos de leitura de forma que o leitor absorva do texto aquilo que realmente lhe interessa o que ajuda na compreensão do texto, pois “[...] quanto mais importante a informação, mais atenção o leitor dedica a esse elemento textual, e melhor ele é retido” (LENCASTRE, 2003, p. 103).

Para o autor, a realização de inferência consiste em utilizar algumas técnicas como a realização de perguntas sobre o texto, geração de imagens ou a paráfrase, o que ajuda o leitor a ligar a informação obtida com seus conhecimentos prévios e conseqüentemente o ajuda a memorizar uma quantidade maior de informações (LENCASTRE, 2003, 106).

A sumarização consiste na utilização de algumas técnicas como a de sublinhar e tirar notas do texto. Porém, essa técnica só ajuda na compreensão quando o leitor é capaz de determinar quando e como elas podem ser utilizadas para não perderem o foco apropriado da intenção de leitura (LENCASTRE, 2003, 107).

Além desses fatores relacionados ao leitor, o autor, destaca outros relacionados ao texto que, também, podem interferir na compreensão, como “[...] o conteúdo do texto, a estrutura desse conteúdo (que pode se dividir em dois grandes níveis: global e local) e em ajudas complementares na compreensão” (LENCASTRE, 2003, p. 109 – grifo do autor). Isso significa dizer que, o conteúdo deve ter uma linguagem compreensível para quem lê e, também, deve estar estruturado de forma que facilite fazer a conexão das idéias que o autor quer transmitir.

Solé em seu livro “Estratégias de leitura” (1998), destaca entre as idéias associadas à concepção construtivista de ensinar e aprender a ler, escrever e interpretar texto, conteúdos básicos da Língua Portuguesa, nos anos iniciais do Ensino fundamental, uma que possui caráter essencial é a de que a situação educativa é um processo de construção conjunta, onde o professor exerce a função de guia e afirma que:

[...] à medida que deve garantir o elo entre a construção que o aluno pretende realizar e as construções socialmente estabelecidas e que se traduzem nos objetivos e conteúdos prescritos pelos currículos em vigor em um determinado momento (SOLÉ, 1998, p. 75).

A autora aponta ainda, que no ensino das estratégias de compreensão leitora, o professor é um facilitador, que possibilita ao aluno utilizar seus conhecimentos prévios e contrastá-los com o conhecimento novo. Isso porque ele, além de proporcionar uma visão de conjunto da tarefa, permite que o aluno assuma a responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento de forma progressiva (SOLÉ, 1998, p. 76). E destaca também que essa ajuda deve ser retirada na medida em que o aluno demonstre capacidade para aprender sozinho.

O documento do Ministério da Educação, chamado “Pró-letramento”, destinado à formação de professores dos anos iniciais do ensino fundamental da rede pública de ensino apresenta uma concepção que também se preocupa com o aspecto social do processo de ensino e aprendizagem da língua materna. Nele a alfabetização é vista como “[...] o processo não apenas de ensinar e aprender as habilidades de codificação e decodificação, mas também o domínio dos conhecimentos que permitem o uso dessas habilidades nas práticas sociais de leitura e escrita” (BRASIL, 2007, p. 10). E o letramento é definido como:

[...] o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever, bem como o resultado da ação de usar essas habilidades em práticas sociais, é o estado ou condição que adquire um grupo social ou um individuo como conseqüência de ter-se inserido num mundo organizado diferentemente: a cultura escrita (BRASIL, 2007, p. 11).

Em seguida o documento enfatiza que: “[...] a ação pedagógica mais adequada e produtiva é aquela que contempla, de maneira articulada e simultânea, a alfabetização e o letramento” (BRASIL, 2007, p. 13), acrescentando que a leitura é

[...] uma atividade que depende de processamento individual, mas se insere num contexto social e envolve disposições atitudinais, capacidades relativas à decifração do código escrito e capacidades relativas à compreensão, à produção de sentido (BRASIL, 2007, p. 39).

O ensino da leitura e da escrita é visto aqui como um processo que prepara o aluno para a vida em sociedade, que se preocupa em torná-lo apto para utilizar os conhecimentos, adquiridos na escola, no seu dia-a-dia e em todos os âmbitos da vida social.

O texto destaca como fundamental para a compreensão leitora o desenvolvimento de algumas capacidades como: atitudes e disposições favoráveis à leitura, capacidades de decifração, fluência em leitura e a compreensão dos textos, que inclui, entre outros fatores: a compreensão linear, a produção de inferências, e a compreensão global (BRASIL, 2007, p. 43). E acrescenta que a interpretação de textos pode ser ensinada até mesmo antes da alfabetização.

A concepção de interpretação de texto aqui não se refere apenas a textos escritos, mas a outros tipos de leituras, como por exemplo, a leitura de imagens. Pode também ser entendida como um diálogo sobre a leitura de um livro. Por exemplo, um adulto faz uma leitura para a criança sobre um fato, um acontecimento histórico, um desenho, uma pintura. E depois indaga sobre o que ela entendeu, oportunizando situações dialógicas que permitam o desenvolvimento da atenção, percepção, compreensão e da capacidade de posicionar-se criticamente a partir da troca de idéias e experiências em sala de aula.

Sendo assim, é possível trabalhar alguns aspectos que favoreçam a compreensão mesmo antes da criança ingressar na escola como, por exemplo, estimulá-la a fazer previsões sobre uma história que ela ouviu, pois “Prever é a base da leitura e da aprendizagem da mesma” (SMITH, 1999, p. 130). O importante é que seja mostrado para a criança o significado da leitura e da escrita, de forma que ela tenha vontade de conhecê-las e interpretá-las. Isso representa, como já assinalamos anteriormente que “Os leitores devem dar significado [...] ao que lêem, empregando o seu conhecimento prévio do assunto e da linguagem do texto.” (SMITH, 1999, p. 72).

Segundo Smith, a chave para a aprendizagem da leitura está no sentido que os alunos encontram na mesma. Para ele a criança aprende porque vê sentido nas coisas ao seu redor e isso faz com que ela se interesse em aprender, portanto se ela não encontrar sentido na leitura, não se interessará em aprender a ler e conseqüentemente não aprenderá. Concordamos com o Smith, quando reafirma que: “As crianças que irão fracassar na aprendizagem da leitura são aquelas que não querem ler, que não encontram sentido nisso ou que consideram o preço da aprendizagem muito alto” (SMITH, 1999, p. 14).

O mesmo autor assinala ainda que, não há um método ou material especifico que garanta que o aluno irá aprender a ler, é preciso que o professor mostre para ele a importância da leitura não somente para o seu desenvolvimento cognitivo, pessoal, como para sua atuação na sociedade.

Quando o leitor atribui significados à leitura, a informação não-visual, ou a “leitura de mundo” é essencial para a compreensão do que é lido, por isso “Os leitores devem dar significado [...] ao que eles lêem, empregando o seu conhecimento prévio do assunto e da linguagem do texto. Mais uma vez, esta utilização da informação não visual é impossível se o material a ser lido não fizer sentido para o leitor.” (SMITH, 1999, p. 72).

Conforme o autor a “compreensão” ou a “minha teoria de mundo” depende da previsão e para entender e compreender preciso ter uma visão geral de como funciona o cérebro humano. “O que já temos em nossa mente é a nossa única base tanto para encontrar o sentido do mundo como para aprender mais sobre ele.” (SMITH, 1999, p. 73).

Interpretamos e compreendemos os eventos do mundo por meio de nossa teoria de mundo. Essa teoria “[...] é a base de toda a nossa percepção e compreensão do mesmo; é a raiz da aprendizagem, a fonte de todas as esperanças e temores, motivos e expectativas, raciocínio e criatividade.” (SMITH, 1999, p.74). Para aprender necessitamos a todo o momento ir modificando, elaborando e (re)elaborando nossa teoria de mundo.

A teoria do mundo que está em nossas mentes é complexa, enfatiza Smith, e ela é a síntese de nossa experiência passada, por isso “[...] é mais do que um meio de encontrar sentido no presente.” (SMITH, 1999, p. 76). Ela é a arena de todo o pensamento e ainda faz prever o futuro.

O autor reafirma a idéia de que a previsão que o leitor faz quando lê é fundamental para a compreensão e afirma que a

Previsão é fazer perguntas – e compreensão é responder essas perguntas. Enquanto lemos, enquanto escutamos uma pessoa falando, enquanto vivemos, estamos constantemente fazendo perguntas, e se essas questões forem respondidas, se não ficarmos com incertezas, estamos compreendendo. (SMITH, 1999, p. 78)

Assim para Smith quando o leitor lê, ele pergunta e prevê. Quando tem respostas as sua previsões, está compreendendo. Compreensão para o autor é atribuir respostas às perguntas realizadas quando o leitor lê. Deste modo, ao ler estou necessariamente fazendo perguntas, em busca de respostas, por isso quando leio necessito de respostas, de compreender o que li. Por isso a compreensão é relativa, vai depender das perguntas realizadas pelos indivíduos distintamente.

Desse modo, confirma Smith (1999, p. 80),

A fundamentação da compreensão é a teoria do mundo que nós todos construímos e carregamos conosco permanentemente. Essa teoria é testada e modificada constantemente em todas as nossas interações com o mundo. É a fonte das previsões que nos possibilita encontrar sentido nos acontecimentos e na linguagem. Não poderemos encontrar sentido no mundo se a situação que enfrentamos não puder ser relacionada com nossa teoria de mundo.

Nessa mesma perspectiva, Solé (1998) ressalta que a compreensão de um material escrito não está na extração, dedução ou na cópia de seu significado, mas na construção do significado do texto. Para que o leitor compreenda deve realizar um importante esforço cognitivo durante a leitura. Por meio desse esforço o leitor intervém no texto, e conseqüentemente, torna-se um leitor ativo, processando e atribuindo significado ao escrito. A autora enfatiza que “[...] compreender é, sobretudo, um processo de construção de significados sobre o texto que pretendemos conhecer.” (SOLÉ, 1998, p. 44).

Já Smith assegura que é importante que o leitor ao compreender um texto realize previsões, faça perguntas. A compreensão é a própria resposta às perguntas. Essas perguntas são realizadas com determinadas finalidades e expectativas do leitor. Solé, também acredita que para o leitor compreender, ele emprega objetivos e intenções no ato de ler. Caso contrário, não haverá compreensão.

Isso significa dizer que “A responsabilidade do professor não é a de ensinar as crianças a ler, mas a de tornar a aprendizagem da leitura possível” (SMITH, 1999, p. 12).

O ensino de interpretação de texto deve então, contemplar não somente a capacidade criativa dos alunos, mas a possibilidade deles participarem do processo de ensino e aprendizagem de forma ativa através de estratégias específicas elaboradas por eles mesmos que contemplem o desenvolvimento de suas potencialidades, numa relação dialética em que alunos e professores interagem e constroem o conhecimento de forma conjunta.

Nesse sentido, o professor exerce um papel preponderante nas práticas de leitura e interpretação de textos, sejam eles escolares ou não. Ele é um orientador/facilitador, é um questionador que mobiliza os alunos a buscarem e construírem suas próprias estratégias de acordo com suas capacidades individuais. Dessa forma, os alunos constroem seu conhecimento de maneira criativa, dinâmica e critica, e se sentem motivados a buscar novos conhecimentos.

Quanto mais oportunidades o aluno tiver de ler e discutir, maior será o seu referencial para expressar seu pensamento com segurança; assim ele não será um mero reprodutor das idéias dos outros, mas compreenderá a mensagem que desejaram passar e os pensamentos nela expressos, e que o ato de ler não é apenas decodificar, é atribuir sentido ao texto, compreendê-lo, interpretá-lo, e, acima de tudo, ser capaz de fazer relações com o que foi lido, percebido, compreendido e a sua experiência de vida de uma maneira eficiente.

Dessa forma, entendemos que a leitura, a interpretação e a escrita estão interligadas com a linguagem, que de maneira ampla pode ser definida como a capacidade do ser humano de utilizar a linguagem falada ou linguagem escrita, considerando cada uma com a sua especificidade, envolvendo conceitos e processos diferentes, porém indissociáveis.

Nesse capítulo fizemos uma breve discussão sobre a prática de interpretação de texto em sala de aula nos anos iniciais do Ensino Fundamental, relacionando-a com a função social da leitura escrita, da produção de textos e a prática pedagógica do professor, permeando a discussão com idéias de alguns teóricos as quais julgamos relevantes para a compreensão deste estudo.

Acreditamos que esta parte do trabalho possibilita entender, um pouco, sobre as concepções que fundamentam as práticas cotidianas de ensino e aprendizagem de interpretação de textos, conforme veremos no próximo capítulo.

4. O ENSINO DA INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS VIVENCIADO NO COTIDIANO DA SALA DE AULA

Esta pesquisa enfoca um assunto de caráter subjetivo – a interpretação de texto - que envolve um processo dinâmico caracterizado por diversos fatores individuais, sociais, didáticos e metodológicos que só podem ser percebidos, pelo pesquisador como assinala Martins apud Freire (1996, p. 25), na “observação sensível e atenta” durante todo o processo investigativo.

Sendo assim, para o desenvolvimento deste estudo utilizamos a abordagem qualitativa que possibilita um estudo aprofundado e reflexivo sobre o tema em questão. Também utilizamos alguns dados quantitativos, como no caso da entrevista (Anexo I), por meio da qual levantamos algumas informações passíveis de serem quantificadas como: tempo de trabalho como professora; tempo de atuação no 5º ano; freqüência das práticas de interpretação de texto (objeto de nosso trabalho) que contribuem na compreensão dos dados coletados tanto na entrevista, como na observação em sala de aula. Isto porque acreditamos que a experiência profissional aliada aos estudos teóricos interfere de forma positiva ou negativa na qualidade do trabalho docente.

Para Alves-Mazzotti (2004, p. 129-131, grifo da autora), a pesquisa qualitativa surgiu como alternativa à rigidez metodológica do positivismo que foi altamente criticado na década de 1960, especialmente na Escola de Frankfurt. Ela utiliza a explicação de Patton (1986) para dizer o que é uma pesquisa qualitativa: “Para esse autor, a principal característica das pesquisas qualitativas é o fato de que estas seguem uma tradição ‘compreensiva’ ou ‘interpretativa’”, e acrescenta que:

[...] essas pesquisas partem do pressuposto de que as pessoas agem em função de suas crenças, percepções, sentimentos e valores e que seu comportamento tem sempre um sentido, um significado que não se dá a conhecer de modo imediato, precisando ser desvelado (ALVES-MAZZOTTI, 2004, p. 131).

Portanto, o enfoque qualitativo permite conhecer e refletir sobre aspectos subjetivos dos fatos que não poderiam ser revelados em dados quantitativos, especialmente os relacionados a questões sociais e culturais que embora não sejam perceptíveis a primeira vista, interferem diretamente no modo de vida das pessoas e na forma como elas agem e tomam suas decisões.

A autora também enfatiza as três características básicas desse tipo de pesquisa: “a visão holística” (ou seja, a compreensão de um fato só é possível quando compreendemos as inter-relações que fazem parte do contexto), a “abordagem indutiva” (o pesquisador faz considerações livres deixando que dimensões e categorias surjam progressivamente) e a “investigação naturalística” (o pesquisador deve interferir o mínimo possível no contexto observado).

No livro “Pesquisa em educação: abordagens qualitativas”, Lüdke e André (1986, p. 11-13), também, falam dessas características. Elas dizem que este tipo de pesquisa tem caráter naturalístico, pois o pesquisador não faz nenhum tipo de manipulação intencional do ambiente estudado. A coleta de dados é feita de forma descritiva, pois o pesquisador precisa: “[...] atentar para o maior número possível de elementos presentes na situação estudada, pois um aspecto supostamente trivial pode ser essencial para a melhor compreensão do problema que está sendo estudado.” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 12).

Além dessas características as autoras apontam a preocupação com o processo e com a perspectiva dos participantes, e acrescentam que a análise de dados é feita de forma indutiva, em outras palavras, o pesquisador não se preocupa em formular hipóteses antecipadamente, e durante os estudos ele as vai especificando melhor. Portanto

A pesquisa qualitativa ou naturalística, [...] envolve a obtenção de dados descritivos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p.13)

Isso significa que a pesquisa qualitativa proporciona ao pesquisador realizar o levantamento das informações em contexto real, e observar as relações de interação e as interlocuções entre professoras2 e alunos em sala de aula.

Em relação à amostragem nas pesquisas de cunho qualitativo Minayo (2003, p. 43) assinala que: “[...] a pesquisa qualitativa não se baseia no critério numérico para garantir representatividade.”. Com base na afirmação da autora e tendo a necessidade de investigar o fato em seus pormenores para dar fidedignidade as informações obtidas e, levando em conta que esse trabalho é em nível de graduação, consideramos que o número de sujeitos escolhidos é representativo e constitui-se em uma amostragem que contribui para a compreensão do objeto pesquisado.

4.1. Coleta e Análise dos Dados.

Neste estudo, o levantamento de informações foi realizado por meio de dois procedimentos: a observação em duas salas de aula, do 5° ano do Ensino Fundamental, uma da rede pública de ensino e outra de rede particular, no município de Campo Grande /MS, no período de 19 de maio a 30 de junho de 2008, nos horários de aula de Língua Portuguesa. As observações foram realizadas em dias seguidos, com o objetivo de verificar como as professoras, sujeitos da pesquisa, trabalham com a interpretação de texto. Recorremos também, à entrevista semi-estruturada, que foi realizada nos dias e horários determinados pelas professoras das turmas observadas.

A escolha desses dois instrumentos está fundamentada na metodologia da pesquisa qualitativa, pois como destacam Lüdke e André (1986, p. 33): “[...] ao lado da observação, a entrevista representa um dos instrumentos básicos para a coleta de dados.”

A entrevista é uma atividade que ocorre em nosso cotidiano com certa freqüência, mas para fins de pesquisa possui uma especificidade, uma vez que o entrevistador tem um objetivo, ou seja, uma problematização a ser respondida. Pode-se por meio dela ter um aprofundamento dos pontos levantados sobre o objeto de pesquisa, podendo o entrevistador numa relação direta com o entrevistado questionar sobre algo que não tenha ficado bem esclarecido.

Optamos pela entrevista semi-estruturada porque ela permite ao pesquisador, flexibilizar a condução de suas perguntas e pode ser considerada como um diálogo, porém com uma finalidade delineada. Com esse tipo de entrevista não é necessário seguir de forma rígida o roteiro pré-elaborado e, pode-se questionar, caso seja pertinente, sobre outros elementos que emergirem durante a mesma.

Um dos quesitos importantes para a realização de uma entrevista, evidenciado por Lakatos (1996, p. 87) é o contato inicial:

O pesquisador deve entrar em contato com o informante e estabelecer, desde o primeiro momento, uma conversação amistosa, explicando a finalidade da pesquisa, seu objeto, relevância e ressaltar a necessidade de sua colaboração. É importante obter e manter a confiança do entrevistado, assegurando-lhe o caráter confidencial de suas informações. [...] A conversa deve ser mantida numa atmosfera de cordialidade e de amizade. [...] Mediante a técnica da entrevista o pesquisador pode levar o entrevistado a uma penetração maior em sua própria experiência, explorando áreas importantes, mas não previstas no roteiro de perguntas.

E foi justamente essa cordialidade que tentamos estabelecer com as professoras sujeitos da pesquisa, Foi explicitado o motivo do trabalho e ressaltado o quanto seria importante contar com a colaboração delas para realizar essa pesquisa.

Para Szymansky (2002, p. 14) a entrevista é um “[...] momento de organização das idéias e construção de um discurso para um interlocutor [...]”. Ela enfatiza que “Esse processo interativo complexo tem um caráter reflexivo, num intercâmbio contínuo entre significados e o sistema de crenças e valores, perpassados pelas emoções e sentimentos dos protagonistas”. E, é nessa interação que são construídos os significados.

Em relação a essa técnica de investigação, Alves-Mazzotti (2004, p. 168 – grifo da autora), explicita que: “[...] a entrevista permite tratar de temas complexos que dificilmente poderiam ser investigados adequadamente através de questionários, explorando-os em profundidade”, devido à sua “natureza interativa’”.

A entrevista é uma técnica que permite o levantamento de informações a respeito do assunto estudado na medida em que possibilita ouvir os sujeitos do estudo, o que eles pensam a respeito da interpretação de texto.

Nessa perspectiva a entrevista tem caráter reflexivo, pois leva em conta a recorrência de significados e a busca da horizontalidade entre o entrevistado e o entrevistador, com o objetivo de estabelecer uma relação de confiança. No decorrer desse procedimento de investigação o entrevistador pode retornar a questões que, porventura, não tenham ficado claras e oferecer ao entrevistado a oportunidade de rever ou esclarecer algumas falas, cumprindo assim outro objetivo da entrevista que é o de ser ético (SZYMANSKY, 2002, p 14-15). A autora, também enfatiza a necessidade do pesquisador ter bem claro os objetivos da entrevista e não deixar que ela tome rumos que não estão relacionados com a pesquisa.

Além desse instrumento, outro se tornou essencial, para a compreensão do objeto da investigação: a observação em sala de aula porque ela permite uma maior proximidade com os sujeitos do estudo, essa técnica é importante para entender como o ensino se dá na sua subjetividade, na prática, permite ver e ouvir os envolvidos na pesquisa, ver a realidade como ela é. “É sair de si para ver o outro”, como assinala (MARTINS APUD FREIRE, 1996, p. 10-11).

A autora destaca que o “ato de observar envolve” reflexão, avaliação, e planejamento, pois todos estes instrumentos “[...] se entrecruzam no processo dialético de pensar a realidade”. A observação da prática pedagógica das professoras que participaram deste estudo é fundamental, pois nos ajuda a refletir sobre aspectos que só podem ser vistos ou percebidos no âmbito da escola e da sala de aula.

Segundo Lüdke e André (1986, p. 26-27), a observação ocupa um lugar bastante privilegiado na pesquisa qualitativa, pois ela “[...] possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado [...]”, permite também que o observador chegue mais perto da perspectiva dos sujeitos participantes, auxilia na descoberta de aspectos novos de um problema.

“Na observação sistemática, o observador sabe o que procura e o que carece de importância em determinada situação.” (MARCONI E LAKATOS, 1996, p.81). E, delimitando ainda mais essa observação, fez-se a opção pela pesquisa não participante, na qual o pesquisador permanece como espectador, como assinala Barros e Lehfeld (1999, p. 62): “[...] a observação é feita sem que haja interferência ou envolvimento do observador na situação.” Sendo assim, nos portamos em sala de aula, mesmo que em alguns momentos tivéssemos vontade de interagir com os alunos, foi necessário ter um autocontrole para não fazer intervenções nas práticas de produção de texto e de leitura propiciadas aos alunos pela professora da sala.

No decorrer de nossa pesquisa de campo, para melhor conhecer os procedimentos pedagógicos desenvolvidos em sala de aula elaboramos um roteiro para a observação (Anexo II), isso porque como ressalta Triviños (1987, p. 153 – grifo do autor):

Observar um “fenômeno social” significa em primeiro lugar, que determinado evento social, simples ou complexo, tenha sido abstratamente separado de seu contexto para que, em sua dimensão singular, sejam estudadas em seus atos, atividades, significados, relações, etc. Individualizam-se ou agrupam-se os fenômenos dentro de uma realidade que é indivisível, essencialmente para descobrir seus aspectos aparenciais e mais profundos, até captar, se for possível, sua essência numa perspectiva específica e ampla, ao mesmo tempo, de contradições, dinamismos, de relações, etc.

Nessa perspectiva, o pesquisador precisa ser perceptivo para analisar cada fato do contexto da pesquisa e, em certos casos vê-los de maneira individualizada, para verificar os detalhes tanto superficiais, quanto os menos aparentes, fazendo uma correlação das semelhanças e diferenças dos dados coletados na investigação.

Ressaltamos que os dados obtidos nas observações e entrevistas foram analisados de maneira articulada com as leituras dos textos teóricos que discutem as questões presentes nesse estudo.

Para análise das informações obtidas na pesquisa de campo utilizamos a técnica de análise de conteúdo (AC), de modo a dar conta de interpretar as falas e as práticas das professoras do 5º ano do Ensino fundamental, que colaboraram com nossa pesquisa.

Segundo Franco (2003, p. 13), a análise de conteúdo é um procedimento de análise de dados que tem como ponto de partida, a mensagem, que pode se apresentar de diversas formas (verbal, gestual, silenciosa, figurativa, documental, ou diretamente provocada); ela parte do pressuposto de que esta mensagem possui um significado e um sentido que estão diretamente vinculados a um determinado contexto, o qual envolve as questões econômicas, sócio-culturais, o grau de acesso aos códigos lingüísticos de seus produtores e o grau de competência para decodificá-los,

Neste sentido, a análise de conteúdos assenta-se nos pressupostos de uma concepção crítica e dinâmica da linguagem. Linguagem, aqui entendida, como uma construção real de toda a sociedade e como expressão da existência humana que, em diferentes momentos históricos, elabora e desenvolve representações sociais no dinamismo interacional que se estabelece entre linguagem, pensamento e ação (FRANCO, 2003, p. 14).

Baseia-se, principalmente, na análise da semântica, com o objetivo de fazer uma “[...] busca descritiva, analítica e interpretativa do sentido que um indivíduo (ou diferentes grupos) atribuem às mensagens verbais ou simbólicas.” (FRANCO, 2003, p. 14 - grifo da autora).

A característica principal desse tipo de procedimento é a análise da mensagem com a finalidade de produzir inferências, visando “[...] à indagação sobre as causas ou efeitos das mensagens [...]” (FRANCO, 2003, p. 21). Ou seja, o pesquisador deve se fazer perguntas como: quem (fonte)? Por que (processo de codificação)? O quê (mensagem)? Com que efeito (processo de decodificação)? Para quem (receptor)?

A contextualização é um dos requisitos imprescindíveis no uso da técnica da análise de conteúdo. Pois ela garante a relevância dos resultados, os quais “[...] devem refletir os objetivos da pesquisa e ter como apoio indícios manifestos e capturáveis no âmbito das comunicações emitidas.” (FRANCO, 2003, p. 23). Sua principal finalidade é produzir inferências a partir do processo: descrição – inferência – interpretação. Para tanto, é necessário fazer comparações.

Vale acrescentar que, para preservar as identidades dos sujeitos do estudo ao descrever as observações em sala de aula e as respostas das entrevistas utilizamos palavra Professora seguida da letra A quando nos referimos a professora da escola municipal e Professora seguida da letra B ao nos reportarmos a professora da escola particular.

4.2. A Realização da Pesquisa de Campo

É importante destacar, neste item, que o nosso processo de pesquisa teve início com os primeiros contatos que tivemos com as escolas nos meses de abril e maio. No mês de abril, fomos à escola municipal que seria o espaço de nossa pesquisa para solicitar a autorização para fazer observação em uma sala de 5º ano do ensino fundamental. A diretora consentiu, mas informou que deveríamos levar uma carta de apresentação da instituição em que estudamos o que foi feito em maio. O mesmo aconteceu na escola particular, no primeiro contato no mês de abril a diretora também pediu que levássemos uma carta de apresentação, retornamos à escola no mês de maio com a referida carta e obtivemos autorização para observar uma sala de 5º ano, conforme nossa solicitação.

Estivemos na escola municipal no período de 29 de maio de 2008 a 30 de junho de 2008, não faltamos nenhuma aula de Língua Portuguesa. Na escola particular, iniciamos a observação no dia 19 de maio de 2008 e terminamos no dia 24 de junho. Nos dias nove, dezesseis e dezessete de junho, não fomos à escola porque a professora avisou que daria somente revisão de conteúdo (substantivos) para prova e que não trabalharia com produção ou interpretação de textos.

Optamos por fazer primeiro a observação e depois a entrevista, pois acreditamos que a convivência anterior com as professoras criaria mais intimidade, o que, a nosso ver, tornaria a entrevista menos tensa e mais produtiva.

No intuito de mostrar o perfil das professoras que participaram de nossa pesquisa, para melhor compreendermos sua prática no decorrer das observações, apresentamos alguns dados que obtivemos no decorrer das entrevistas:

  • A Professora A é formada em Orientação Educacional, fez o Curso de Magistério e atua como docente há vinte anos, nos anos iniciais do ensino fundamental.

  • A Professora B tem o Curso de Magistério, faz o Curso de Pedagogia a distância e atua como docente nos anos iniciais do ensino fundamental há sete anos.

4.3. Das Observações

Como já assinalamos anteriormente, realizamos a observação em salas de aula do 5º ano do ensino fundamental, uma pertencente a uma escola da rede municipal de ensino e outra de uma escola pertencente à rede particular, ambas localizadas na periferia da cidade de Campo Grande/MS. A escolha por uma escola particular e outra pública deu-se pelo motivo de acreditarmos que haveriam diferenças e semelhanças na orientação das práticas pedagógicas, especialmente no que se refere à interpretação de textos, foco deste estudo e, por considerarmos que elas têm projetos pedagógicos apoiados em concepções de ensino, aprendizagem, aluno, professor, homem, mundo e sociedade diferenciadas porque, a princípio, atendem crianças de classes diferentes, mesmo estando situadas em regiões periféricas.

Na escola municipal, a sala de aula observada tem 40 alunos, matriculados e freqüentes, as aulas de Língua Portuguesa são ministradas nas segundas-feiras, das 7h às 08h40min e nas quintas-feiras no mesmo horário. Porém, na segunda-feira, no período em que estivemos na escola, só havia aula até as 8h porque das 8h às 9h havia aula do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD).

Dessa forma, a professora “perdia”, em nosso entendimento, quarenta minutos da aula de Língua Portuguesa toda semana, apesar de seus alunos estarem com a atenção voltada para um conteúdo importante e que precisa ser trabalhado na escola. O PROERD é um programa que incentiva os alunos a dizer não as drogas, eles possuem uma cartilha que trata desse assunto e têm aula todas as segundas-feiras com um policial civil.

Na escola particular, a sala observada tem um número bem menor de alunos que a escola municipal, possui quatro alunos matriculados e freqüentes, as aulas de Língua Portuguesa são nas segundas-feiras das 08h40min às 11h com intervalo de meia hora para o recreio e, nas terças-feiras, das 7h às 08h40min.

5. O dia-a-dia na Escola Municipal com a Professora A

Obtivemos autorização da diretora que nos orientou a procurar a professora da turma para combinar quando iríamos começar a observação. Retornamos no dia 27/05/2008 para falar com ela, explicamos qual era o objetivo da observação e perguntamos quais eram os dias e horários em que ela ministrava as aulas de Língua Portuguesa. Ela respondeu que era nas segundas-feiras e nas quintas-feiras e que se chegássemos à escola às 7h da manhã, ela iniciaria a aula nesse horário.

29 de Maio de 2008

Chegamos à escola às 7h e nos dirigimos até a sala de aula para dar inicio a observação. Os alunos de toda a escola estavam posicionados em fila, por turmas, no pátio e posteriormente fizeram uma oração junto com a coordenadora e depois foram para a sala de aula, obedecendo a mesma formação.

Antes de começar a aula, a professora da sala, lócus de nosso estudo, pediu que os alunos fechassem os olhos para fazerem uma oração. Algum tempo depois percebemos que este é um hábito, todos os dias ela faz uma oração antes de dar inicio à aula. Em seguida ela anunciou que daria continuidade aos exercícios da aula anterior, distribuiu para os alunos folhas com questões de múltipla escolha sobre gramática e algumas questões de interpretação de textos. Explicou-nos que eram questões retiradas da prova de avaliação externa. Após terminar as atividades os alunos pegavam um livro ou gibi para ler até o término da aula.

A aula terminou às 08h40min, é importante acrescentar que neste dia o tempo estava frio e chuvoso e poucos alunos compareceram à aula.

02 de Junho de 2008.

Dos 40 alunos matriculados, compareceram à aula 38 alunos e no primeiro momento (após a oração diária), a professora corrigiu as atividades realizadas na aula anterior. A correção foi feita oralmente e depois escrita no quadro para que todos os alunos copiassem. Após essa atividade os alunos fizeram outras atividades do livro3 didático (p. 67). Os exercícios eram sobre numerais, neste dia e a professora não trabalhou interpretação de texto e a aula terminou às 08h e 40min.

05 de Junho 2008

Após a oração, a professora pediu que os alunos dessem continuidade às atividades sobre numerais iniciadas na aula anterior. Em seguida os alunos fizeram atividades da p. 71 e 72 do livro didático, sobre os usos do lh e li. No meio da aula, a metade dos alunos saiu para ensaiar uma quadrilha e a aula terminou às 8h.

09 de junho de 2008

No primeiro momento, a professora fez uma oração com alunos. Em seguida, corrigiu a tarefa, ainda, eram exercícios sobre numerais da p. 68 do livro didático.

Depois desse procedimento a professora leu para os alunos o poema “A Andarilha da Trilha da Ilha” retirado de: Ciça. Enrolalíngua. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, da página 70 do livro didático, chamando atenção dos alunos para que eles observassem as palavras com lh e li. Em seguida os alunos realizaram os exercícios do livro sobre os usos do lh e li da p. 70.

Após a atividade da p. 70, a professora pediu que eles fizessem os exercícios da p. 73 do mesmo livro. Nessa atividade, havia uma explicação do autor dizendo que, as histórias podem ser contadas de várias maneiras, por exemplo, uma mesma história pode ser contada na forma de teatro, filme, história em quadrinhos, narração, etc., ou seja, pode-se mudar o tipo de texto sem prejuízo das informações contidas na história que se pretende contar. Depois desta explicação, havia uma questão para os alunos responderem, era a seguinte: diga qual a sua forma preferida de ouvir histórias? Por quê? Essa tarefa ficou para os alunos fazerem em casa.

Às 8h chegou o professor do PROERD, e deu inicio a sua aula, que durou até as 9h.

12 de Junho de 2008

Após a oração diária, a professora dialogou com os alunos sobre a atividade do dia anterior, sobre a forma preferida de ouvir histórias. Eles disseram que gostavam de filmes, histórias em quadrinhos e gibi. Chamou-nos atenção o fato de nenhum deles dizer que gostava de conhecer histórias contadas em livros, exceto as contadas em quadrinhos e gibis.

Após essa conversa a professora pediu que os alunos fizessem a leitura silenciosa de um texto - uma peça de teatro “O Chapeuzinho Vermelho” de Maria Clara Machado p. 74-78 do livro didático. Após a leitura, ela fez algumas perguntas do livro didático, são elas:

  • Quais são os personagens?

  • Qual o autor?

  • O que você viu nessa história que não tem em outras histórias?

E outras relacionadas às características do texto teatral.

Em seguida os alunos fizeram a leitura do vocabulário do texto e da biografia da autora, Maria Clara Machado. E depois realizaram a atividade da sessão “estudo do texto” no livro didático, cujas perguntas são:

  • Neste tipo de texto as histórias são: relatadas? Contadas? Ou encenadas?

  • A qual faixa etária ele se dirige?

  • O que são rubricas num texto teatral?

  • Quais são os personagens que aparecem no texto?

  • Como está indicada a fala dos personagens?

  • Onde se passa a historia lida? E outras. Todas estas perguntas estão nas p. p. 79-81.

Estivemos na sala de aula das 7h às 08h40min.

16 de Junho de 2008

Após a oração diária, a professora solicitou que os alunos dessem continuidade à atividade da aula anterior sobre o texto teatral - O Chapeuzinho Vermelho. A execução dessa tarefa demorou até as 8h quando o professor do PROERD chegou para a sua aula.

19 de junho de 2008

Depois da oração habitual, a professora fez a correção no quadro das atividades das duas últimas aulas. Em seguida pediu que os alunos criassem sua própria história sobre a Chapeuzinho Vermelho (atividade sugerida pela professora). Como não havia tempo hábil para a realização da tarefa, esta ficou para ser realizada em casa. Um fato que chamou nossa atenção foi que a professora tem o hábito de pedir que os alunos copiem todas as atividades do livro no caderno, inclusive os desenhos.

23 de junho de 2008

Em seguida da oração, a professora pediu que os alunos fizessem a leitura silenciosa do conto “O bisavô e a dentadura” (p. 83-86), do livro didático. Logo após a leitura ela fez uma breve discussão com a turma e constatou que eles não tinham entendido o texto, solicitou que eles lessem novamente. Em seguida pediu que os alunos fizessem as atividades da sessão “respondendo por escrito” da página 87-88 do livro. Essa atividade foi interrompida às 8h para dar inicio á aula do PROERD.

26 de junho de 2008

Ao término da oração, a professora pediu que os alunos dessem continuidade à atividade da aula anterior. As questões eram as seguintes:

  • O que é uma narrativa?

  • O texto “o bisavô e a dentadura” é uma narrativa?

  • O que é um narrador observador?

  • E o narrador personagem?

  • Qual é o tipo de narrador do texto lido?

  • Qual é o personagem principal do texto?

  • Onde aconteceu a história?

  • Como era o bisavô Arquimedes?

Após terminar essa atividade, a professora fez a correção no quadro e passou para a próxima atividade, pedindo que os alunos fizessem outra atividade do livro didático referente a história “O bisavô e a dentadura”, a qual continha algumas frases retiradas da narrativa, escritas fora da ordem em que elas aparecem na historia e eles deveriam reordená-las de forma que ficassem na ordem correta.

Concluído o exercício, a professora solicitou que os alunos fizessem a atividade da página 89 da sessão “Mais uma Leitura” do livro didático. Era um texto sem escrita, somente desenho, de Quino. Pecados de Gula. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1991. A professora pediu que os alunos observassem o desenho e depois o copiassem no caderno. Estivemos na sala das 7h às 08h e 40 min.

30 de junho de 2008

A professora iniciou a aula como nos dias anteriores primeiro com uma oração, depois entregou para os alunos, a prova que eles fizeram no dia 18/06/2008 e pediu que eles copiassem no caderno e corrigissem o que estava errado. Eles levaram uma hora para cumprir a tarefa.

Durante essa aula fizemos a entrevista com a professora, tínhamos consciência de que aquele não era o momento mais apropriado, pois sabíamos que tal procedimento poderia prejudicar a aula, mas atendemos a solicitação da professora, uma vez que ela informou que não tinha outro horário disponível e que poderia conceder a entrevista enquanto os alunos realizavam as atividades. Às 8h a aula terminou para dar inicio á aula do PROERD.

5.0.1. O dia-a-dia na sala da professora B.

Estivemos na escola particular pela primeira vez em abril, para nos informar sobre a possibilidade de fazer a observação. A diretora consentiu, mas solicitou que levássemos uma carta de apresentação da professora orientadora do estudo. Retornamos em maio com a carta (Anexo IV), obtivemos autorização e, fomos apresentadas à professora no dia em que íamos começar a observação (19/05/2008). A própria diretora nos disse os dias em que havia aula de Língua Portuguesa: nas segundas-feiras das 08h40min às 11h (com intervalo de meia hora para recreio) e nas terças-feiras, das 7h às 08h 40min.

19 de Maio de 2008

Estivemos na sala das 08h40min ás 11h. No primeiro momento da aula a professora corrigiu a tarefa de casa, depois fez uma pequena revisão de conteúdos (substantivo coletivo e pontuação). Em seguida pediu que os alunos lessem o poema “Bolhas” de Cecília Meireles, p. 74 do livro didático (4Um Jeito de Aprender, da Editora FTD, 4ª série. Autora: Dirce Guedes de Azevedo).

Depois da leitura do poema, ela fez uma breve discussão sobre o mesmo e os diversos significados da palavra bolha. Depois pediu que os alunos fizessem alguns exercícios sobre o uso do lh, do livro didático, p. 75. Era uma atividade em que havia palavras que podiam ser escritas com lh ou com li, e os alunos deviam completar as palavras da forma correta.

Após o recreio os alunos leram um texto chamado “Querida T. Ohtake”, de Lygia Bojunga Nunes, p. 76 e 77 também do livro didático. No texto um menino escrevia uma carta para uma parenta (tia- T. Ohtake) contando que havia desenhado um coração igual ao que ela havia mandado para ele, e dizia que seu amigo o havia criticado por ter desenhado um coração marrom e que ele ficou chateado com a crítica porque achava que poderia desenhar seu coração do jeito que tivesse vontade.

Ao terminarem a leitura silenciosa, a professora fez uma discussão oral com os alunos sobre o texto e em seguida pediu que eles fizessem os exercícios de gramática: trocar expressões informais/coloquiais encontradas no texto por expressões formais, do livro didático, p. 112. O questionário foi respondido oralmente pelos alunos e em seguida escrito no caderno.

As questões eram:

  • Você acha que os desenhos que vocês fazem devem estar de acordo com a realidade ou podem expressar sentimento?

  • Por que o desenho do coração sempre representa sentimento?

  • Quando você fica chateado, como você acha que fica o seu coração?

Durante a troca de idéias entre os alunos e a professora, percebemos que algumas questões os alunos não compreenderam, como por exemplo, se respondiam sim, não sabiam dizer o porquê. Nesse dia a aula terminou às 11h.

20 de Maio de 2008

Estivemos na escola das 7h às 08h e 40min. A professora explicou como se escreve uma carta e pediu que os alunos escrevessem uma. Essa atividade durou toda a aula. Os alunos escreviam individualmente, a professora corrigia e pedia que eles reescrevessem.

Ao término da aula ela pediu que os alunos fizessem como tarefa, alguns exercícios sobre substantivos.

26 de Maio de 2008

No primeiro momento da aula, a professora fez a correção da tarefa de casa, em seguida pediu que os alunos realizassem um jogo sugerido pelo livro didático, no qual os alunos deveriam identificar se as palavras eram substantivos comuns, abstratos, próprios, derivados, etc., marcando as palavras com um símbolo que representa o tipo de substantivo. Depois dessa atividade os alunos fizeram a atividade da p. 86 do livro didático, também sobre substantivo.

Após o recreio, a professora pediu que os alunos escrevessem uma carta para levar ao correio na próxima aula.

27 de Maio de 2008

Na primeira aula das 7h às 07h50min, a professora corrigiu as cartas que os alunos haviam escrito, neste momento pudemos observar que algumas cartas tinham erros de Português, mas a professora não corrigiu, os alunos postaram como estava. Ela levou-os a uma Agência dos Correios, que fica próximo da escola para que postassem as cartas que haviam escrito.

Na segunda aula, após voltar do correio, a professora pediu que os alunos fizessem uma cruzadinha - um exercício em que eles deveriam preencher com palavras que continham g ou j, p. 87.

Após essa atividade os alunos leram uma fábula “A Princesa e o Saltimbanco” de Januária Cristina Alves, p. 88-89 do livro didático, discutiram sobre o que leram e identificaram as palavras desconhecidas encontradas no texto. No final da aula a professora solicitou que eles fizessem os exercícios de interpretação de texto sugeridos no livro, p. 90-91, como tarefa de casa.

02 de Junho de 2008

Neste dia, a professora utilizou parte da aula para terminar uma atividade de matemática (15 min.). Em seguida, fez a correção da tarefa de casa. Após a correção da tarefa, ela pediu que os alunos produzissem um texto. Havia no livro didático um desenho ilustrando os quatro principais momentos da história do conto “A princesa e o Saltimbanco”. Os alunos deveriam observar o desenho e escrever um texto narrativo, contando uma história que eles ouviram ou assistiram em algum filme. A professora ressaltou que o texto que eles iriam produzir deveria ser resumido em quatro momentos principais, da mesma forma como estava no exemplo citado no desenho, p. 93 do livro didático.

A professora teve que explicar várias vezes o que era para fazer, como realizar a atividade, pois os alunos estavam com dificuldades para entender como escrever o texto.

Como tarefa de casa a professora pediu que eles fizessem um cartaz falando sobre a preservação do meio ambiente, pois estávamos na semana do meio ambiente.

03 de Junho de 2008

No primeiro momento da aula a professora recolheu os cartazes que os alunos haviam feito sobre meio ambiente, depois eles leram as instruções para fazer um texto jornalístico da p. 97-98 do livro didático. Após explicar o que era um texto jornalístico, a professora leu um texto no jornal, em seguida pediu que eles produzissem um texto desse gênero. Os alunos, da mesma forma que na aula anterior, demonstraram não entender o que tinham que fazer e tiveram bastante dificuldade para escrever.

Após a produção de texto, eles fizeram a atividade do livro (p. 99-100) na qual deviam descobrir nas charadas se as palavras eram com x ou com ch.

A professora pediu aos alunos como tarefa de casa, que eles trouxessem um recorte de noticia de jornal.

10 de Junho de 2008

Estivemos na escola das 08h 40min às 11h, neste dia a professora trabalhou somente com o substantivo, fazendo uma revisão de conteúdo para prova a ser realizada no dia 17 de junho de 2008.

23 de Junho de 2008

No início da aula a professora pediu que os alunos lessem o texto “O cego e o dinheiro enterrado” do livro didático e depois solicitou que eles fizessem os exercícios de interpretação de texto sugeridos pelo livro, cujas questões eram:

  • Qual o principal personagem da história?

  • Onde o cego escondeu o tesouro?

  • O que fez o vizinho do cego?

  • Como o cego readquiriu o dinheiro?

  • Você achou que o cego agiu certo? Por quê?

Após essa atividade os alunos leram um texto informativo sobre a vida das formigas, de Laura de Guglielmo, p. 110-111 e da vida das abelhas, de Ivan L. Rotundo, e fizeram uma discussão em grupo sobre os textos que leram. Em seguida a professora leu as perguntas do livro, p. 112-113 e eles responderam oralmente:

  • As formigas são importantes? Por quê?

  • Os túneis construídos pelas formigas embaixo da terra são bons para as plantas? Por quê?

  • Todas as espécies de formigas são importantes para as plantações? Por quê?

  • Os cientistas concluíram que as formigas têm apenas alguns milhares de anos. Certo ou errado? Por quê?

  • As formigas operárias não sabem trabalhar juntas. Certo ou errado? Por quê?

  • Um formigueiro só desaparece quando é destruído pelo homem. Certo ou errado? Por quê?

Depois de responder as questões acima descritas, a professora trabalhou grau de substantivo. E em seguida pediu que eles produzissem um texto sobre qualquer assunto, fez a correção e, por fim, passou um exercício em que os alunos deviam escrever os números por extenso. Todos os exercícios eram do livro didático (p. 116-121).

24 de Junho de 2008

No primeiro momento da aula, a professora passou no quadro, exercícios sobre os graus de substantivos.

Depois os alunos fizeram a leitura coletiva da lenda “Muitos Dragões Juntos não Conseguem Cuidar das Águas”, de Heloisa Prieto, p. 122-123. Após constatar que os alunos não haviam entendido o texto, a professora pediu que eles lessem novamente, dessa vez, individualmente e em silêncio. Em seguida propôs uma discussão com os alunos sobre o texto. Posteriormente, ela pediu que os alunos fizessem os exercícios de interpretação de texto que estavam no livro didático, na p. 125, são elas:

  • Quando os homens descobriram que as chuvas eram provocadas pelos dragões, o que fizeram? Porque as chuvas continuaram caindo cada vez mais?

  • Qual foi a conclusão que a deusa tirou dos dragões?

  • Finalmente, quando a deusa ordenou que apenas o dragão do mar oriental ficasse responsável pelas águas, qual foi a reação dela? Por quê?

  • Qual argumento, o imperador celestial usou para convencer esse dragão a se encarregar das águas?

  • Para não serem transformados em camarão, quais foram os resultados do trabalho do dragão do mar oriental?

Os alunos responderam as questões no caderno.

Ao término da aula, às 11h, fizemos a entrevista com a professora, explicamos que havia terminado o período de observação necessário para nossa pesquisa. Depois da entrevista agradecemos a sua colaboração e a disponibilidade da professora em ceder espaço de sua aula para que pudéssemos desenvolver nosso trabalho.

5.1. Algumas Considerações a Respeito da Ação Pedagógica da Professora A e da Professora B.

Conforme o relato das observações realizadas nas duas salas de aula, podemos constatar que são poucas as situações de leitura e menos ainda as de interpretação de texto vivenciadas pelos alunos da sala da Professora A. Verificamos que durante as vinte aulas de Língua Portuguesa que assistimos, apenas em cinco foram feitas atividades de leitura.

# Dia 29 de maio, quando a professora distribuiu livros de literatura infantil para os alunos lerem após terminarem suas atividades, observamos que seu único objetivo era o de manter os alunos em silêncio enquanto outros alunos terminavam a atividade.

# Dia 09 de junho, em que os alunos leram o poema “A andarilha na trilha da ilha” e responderam a perguntas sobre os usos do lh e li.

# Dia 12 de junho, quando os alunos realizaram a leitura silenciosa de uma peça teatral baseada na história da Chapeuzinho Vermelho, após a qual, eles responderam a um questionário com perguntas diretas sobre o que leram. Essa atividade incluía perguntas cujo objetivo era identificar o tipo de texto que eles haviam lido.

# Dia 23 de junho, em que os alunos fizeram a leitura silenciosa da narrativa “O bisavô e a dentadura”, após a qual, também responderam a um questionário com perguntas diretas sobre o texto. E, no dia 26 de junho, quando os alunos conheceram outro tipo de texto, a imagem. Eles deveriam fazer uma leitura de imagem, mas a professora apenas pediu que eles observassem o desenho e o copiassem no caderno.

De todos os episódios de leitura que observamos, este foi o que mais nos intrigou, uma vez que esse tipo de atividade poderia suscitar um exercício criativo e interessante para as crianças, o que não foi incentivado pela professora. Era um momento propício para colocar em prática o que o professor aprende ao estudar os teóricos estudados em seus cursos de formação.

Uma vez que esse tipo de atividade possibilita aos alunos exercitarem a imaginação e a criatividade para interpretar, pois a leitura de imagem propicia diversas interpretações por parte dos alunos, resultando num rico e diversificado diálogo sobre o texto em questão. Com a ajuda e incentivo da professora era possível que eles elaborassem textos diferentes a partir do mesmo desenho. Além de colocar em evidência e valorizar a opinião e a participação dos alunos numa atividade interativa como esta.

Como vemos a leitura para essa professora, é entendida como um meio de ter acesso às informações, no caso, aquelas que os alunos precisam para apreender os conteúdos escolares e também com o objetivo de mantê-los “calmos” e “comportados”, uma vez que a leitura normalmente é feita de forma silenciosa e quase não há diálogo sobre a mesma.

Da mesma forma a interpretação de texto é tão ou mais ignorada que a leitura. As poucas atividades de interpretação que são feitas consistem apenas em responder questionários a respeito do que foi lido, geralmente as perguntas sugeridas pelo livro didático. O qual segue uma “abordagem tradicional” de ensino e aprendizagem com questões diretas sem oferecer espaço para reflexões ou críticas. As questões sugeridas, para interpretação de texto, quase sempre são objetivas e se referem apenas às informações que estão claramente explicitadas no texto, não exigindo do aluno que ele desenvolva um raciocínio lógico e tenha interesse em aprofundar suas reflexões a respeito das informações ali contidas.

A prática observada no cotidiano da sala de aula não condiz com o que estudamos na universidade a respeito da leitura e principalmente a respeito da interpretação de textos, uma vez que:

Para aprender a ler, as crianças devem ver formas de empregar a leitura para ampliar seus objetivos e interesses. Se a linguagem escrita tem significado para as crianças, elas aprenderão da mesma maneira que aprenderam a usar a língua falada (SMITH, 1999, p. 125).

Porém, a maneira como é ensinada a leitura faz com que os alunos não se interessam por ela e até consideram este tipo de atividade, um verdadeiro tédio, por não encontrarem sentido no que está no texto. O que, por sua vez, provoca a dificuldade em compreender e expressarem suas idéias sobre o que leram.

Houve uma atividade que “abria” espaço para ouvir os alunos, e que visivelmente eles gostaram: a do dia 09 de junho, em que a professora explicou que uma história pode ser contada de várias maneiras (narrativa, teatral, poética, história em quadrinhos, etc.), e perguntou aos alunos qual era a forma preferida por eles de ouvir história. Os alunos responderam dizendo em sua maioria, que era a história em quadrinhos, o que em nosso entendimento representava uma boa sugestão e uma pista que a professora deveria seguir para preparar uma aula de leitura a partir de uma seleção de portadores de texto que atraíssem o interesse de seus alunos.

Mas nos pareceu que as respostas dos alunos não provocaram uma mudança de atitude por parte da professora no sentido de entender que ao dar sentido a um texto, no caso histórias em quadrinhos eles estavam colocando em jogo muito mais que sua capacidade de decifrar sinais, revelavam os fatores pessoais e sociais que tomam parte do ler e interpretar.

Outra atividade - a do dia 19 de junho, em que a professora solicitou que os alunos produzissem sua própria história sobre a Chapeuzinho Vermelho, mas sem antes dar oportunidade para uma troca de idéias ou sugestões que pudessem aguçar o imaginário dos alunos e eles se entusiasmassem em produzir um texto.

Se estas atividades fossem mais bem trabalhadas e com mais freqüência, possivelmente, os alunos participariam da aula com maior entusiasmo e conseqüentemente aprenderiam mais, pois são exercícios que interessam aos alunos, pelo fato de se sentirem ouvidos ou desafiados. É exatamente através do fator desafiador que as crianças aprendem diariamente desde o momento em que nascem. Pois elas se desenvolvem através dos obstáculos que enfrentam no dia-a-dia, aos quais buscam soluções, o que resulta em um novo aprendizado a cada passo. Portanto, “As crianças aprendem testando hipóteses e avaliando o feedback. (Smith, 1991, p. 219, grifo do autor).

A aprendizagem da leitura e da interpretação não é diferente. O envolvimento dos alunos nas atividades interpretativas, tanto de textos, quanto de fatos ou situações, através de estratégias desafiadoras é fundamental para que eles se sintam instigados a encontrar respostas para suas perguntas e curiosidades. Para isso o professor pode se utilizar de vários instrumentos, ligados ao cotidiano de todos nós, articulando conteúdo teórico às diversas formas de comunicação encontradas atualmente na nossa sociedade, pondo os alunos frente a frente com as necessidades diárias de interpretação em diversas situações de comunicação presentes nas nossas vidas. “É preciso abrir os horizontes e incorporar às atividades escolares todas as formas de leitura que o mundo moderno da escrita põe diante dos olhos de todos.” (CAGLIARI, 1998, p. 321).

Nesse momento cabe fazer uma ressalva, através da observação nesta pesquisa e de outras realizadas nos estágios durante o curso de Pedagogia, verificamos um fato comum nas escolas públicas que é o grande número de alunos em sala de aula e a falta de disciplina dos mesmos. A disciplina da qual falamos se refere ao comportamento dos alunos dentro da sala de aula. Eles desafiam o professor a todo o momento com rebeldia e não se empenham em aprender. Os professores não encontram uma forma de motivá-los ou fazer com que se concentrem nas atividades propostas. Além desses problemas há a questão do pouco tempo e da cobrança dos superiores, que não permitem que o professor tenha autonomia para trabalhar da forma como gostaria. Daí, talvez, venha a dificuldade dos professores em inovar, pois isso implica em mudanças que muitas vezes não dão certo.

Somados a esses fatores, existem outras intervenções que acabam diminuindo o tempo que as professoras têm para ministrar suas aulas de Língua Portuguesa. Por exemplo, os ensaios para a quadrilha que ocorreu nos dias em que estivemos na escola, e as aulas do PROERD que tomavam praticamente uma hora de aula por semana sempre nos horários de ensino de Língua Portuguesa, prejudicando apenas essa disciplina.

Muitas vezes, é atribuído ao número de alunos em sala de aula uma das várias dificuldades enfrentadas pelos professores da escola pública em organizar e desenvolver atividades dinâmicas, lúdicas e significativas para a aprendizagem dos alunos. Porém, gostaríamos de fazer uma observação que põe esse discurso em questionamento, pois a sala que observamos na escola particular tem apenas quatro alunos e na escola municipal tem quarenta alunos. No entanto, apesar desta diferença, verificamos que a turma com menor número de alunos - da escola particular - apresenta os mesmos problemas de aprendizagem que a da escola pública.

Ou seja, a professora não aproveita para incentivar o trabalho em grupo e também não desenvolve um trabalho individualizado no sentido de conhecer cada aluno, suas capacidades, suas possibilidades e suas dificuldades. Constatamos que mesmo tendo poucos alunos o que possibilitaria uma prática “eficiente” com vistas a promover o sucesso na aprendizagem a Professora B e a Professora A procedem de forma idêntica.

Isso nos leva a pensar que o envolvimento dos alunos coma as atividades de sala de aula depende mais do professor, de sua formação e de seu interesse em propor situações de aprendizagem significativa, no caso deste estudo no mínimo trabalhar com textos relacionados ao cotidiano e interesse das crianças, como já assinalamos anteriormente, do que com o número de alunos em sala.

Na sala da Professora B, também verificamos poucos episódios de leitura, apenas em cinco dias, das vinte aulas observadas.

# No dia 19 de maio, ela solicitou aos alunos que fizessem uma leitura silenciosa e posteriormente fez a leitura oral e coletiva do poema “Bolhas”. Após a leitura pediu aos alunos que eles respondessem as questões de interpretação de texto (composto por perguntas diretas).

# No dia 27 de maio, os alunos leram a lenda “A princesa e o Saltimbanco” e, junto com a professora, fizeram uma breve discussão oral sobre o texto.

# No dia 03 de junho, a professora pediu que os alunos lessem um texto jornalístico e produzissem um texto desse gênero. E, no dia 24 de junho, os alunos realizaram a leitura coletiva da lenda “Muitos Dragões Juntos não Conseguem Cuidar das Águas” e responderam a questões diretas sobre o texto.

Notamos que a prática da leitura nessa sala é um pouco diferente da sala da Professora A. A Professora B, estimula a leitura individual, em voz alta e em silêncio, e também faz leitura coletiva com os alunos. Porém, as estratégias de interpretação de texto são as mesmas utilizadas pela outra professora observada, que são os questionários com perguntas diretas sobre o texto lido.

De acordo com os estudiosos que tratam da leitura e interpretação de textos como Cagliari, 1998; Freire e Macedo, 1990; Gaté, 2001; Lencastre, 2003; Smith, 1999, essa prática não é a mais adequada para ser desenvolvida no mundo contemporâneo, pois não estimula a reflexão, a criatividade e muito menos a habilidade de saber criticar e o mais grave não permite que os alunos aprendam realmente. São atividades que visam apenas identificar algumas características do texto, personagens, ações, enfim, referem-se às informações claramente explicitadas no texto, em momento algum exige que eles procurem raciocinar para melhor compreender o que lêem.

Para os autores citados, a prática de leitura e de interpretação deve ir além das informações óbvias, deve levar os alunos a pensar, a refletir sobre as informações ali contidas de forma que eles possam tirar, através desse exercício reflexivo, as informações contidas nos textos, transformando-as em novas aprendizagens das quais possam se apropriar, tirando lições para as suas vidas em sociedade.

Para tanto, o professor tem o desafio de conhecer e recorrer a estratégias que levem os alunos a desenvolver tais habilidades, proporcionando um ambiente favorável a práticas de interpretação de textos e ao pleno desenvolvimento dos alunos, a mais importante nesse processo, segundo os autores, é a utilização dos conhecimentos prévios dos alunos, pois:

Quando o contexto lingüístico não é favorável, ou quando não se dispõe das informações referenciais adequadas, interpretar um texto pode ser uma tarefa inútil ou, no máximo, de solução duvidosa, sem a possibilidade de se chegar a um resultado seguro (CAGLIARI, 1998, p. 334)

Portanto, a prática baseada em questões diretas sobre um texto que não é familiar para o aluno, não traz nada de novo para ele. É como se o mesmo não tivesse apreendido nada de significativo, o que nada acrescenta a sua bagagem intelectual, apenas memorizou algumas coisas que logo esquecerá.

Para Gaté (2001, p. 22 - grifo do autor),

[...] é preciso colocar a criança ‘à espera de significação’, e torná-la capaz de viver situações diversificadas de comunicação escrita, variando os suportes e os tipos de relação emissor/receptor, a fim de que ela descubra o conjunto das funções e das possibilidades que a escrita oferece.

Os textos utilizados para leitura e interpretação devem como destacamos anteriormente, variar de acordo com o interesse do aluno, contemplando seus referenciais e conhecimentos e agir como um estímulo e complementação do que ele já sabe. Levando em consideração os aspectos sociais, históricos e culturais que intervém em seu desempenho escolar.

Outro fato importante, é que as duas professoras observadas têm como principal ou único instrumento de apoio para suas aulas, somente um livro didático, e o seguem na íntegra. Acreditamos que é impossível que tal livro dê conta de toda a complexidade das práticas de interpretação de textos.

Segundo Bittencourt (2005, p. 300), existem muitas pesquisas que revelam que o livro didático é um instrumento a serviço da ideologia e da perpetuação de um ensino tradicional, que apresenta deficiências de conteúdos e erros conceituais ou informativos. Por outro lado, também há que se questionar se é possível existir um livro didático ideal, pois “O livro didático possui limites, vantagens e desvantagens como os demais materiais dessa natureza e é nesse sentido que precisa ser avaliado” (BITTENCOURT, 2005, p. 300-301).

A autora acrescenta que o livro didático “Possui ou pode assumir funções diferentes, dependendo das condições, do lugar e do momento em que é produzido e utilizado nas diferentes situações escolares” (BITTENCOURT, 2005, p. 301). Cabe, portanto, ao professor avaliar se o livro adotado pela escola, realmente contempla todas as dimensões do processo de ensino e aprendizagem e adaptar os conteúdos à realidade da sala, além de buscar outros materiais pedagógicos para complementar as lacunas que quase sempre existem nos livros didáticos.

Ao definir o livro didático, Bittencourt (2005, p. 301-302) chama a atenção para a sua complexidade uma vez que o seu processo de produção e elaboração envolve diversas interferências. E acrescenta que esse tipo de material caracteriza-se pelas seguintes dimensões: a dimensão material (mercadoria); a constituição como suporte de conhecimentos escolares propostos pelos currículos educacionais (interferência do Estado); suporte de métodos pedagógicos e também pode ser visto como um veículo de transmissão de valores e ideologias.

5.2. As Entrevistas

Nas entrevistas, utilizamos questões abertas referentes ao tema em estudo e também perguntas fechadas, voltadas o tempo de atuação no magistério, faixa etária, tempo de atuação no 5ºano do ensino fundamental.

Mediante as discussões propostas apoiadas em estudos teóricos, no inicio deste capítulo sobre o uso de entrevista na pesquisa qualitativa, os quais destacam que a entrevista é um processo interativo e deve ser realizada em condições que possibilitem a “cumplicidade” entre entrevistado e entrevistador, consideramos que em nossas entrevistas não alcançamos esse nível de relacionamento e atribuímos tal fato às condições “pouco confortáveis” em que as realizamos.

A entrevista com a Professora A, foi realizada, como já apresentamos, dentro da sala, durante a aula, por solicitação da mesma, o que dificultou o diálogo. A entrevista com a Professora B foi realizada após a aula, mas também foi feita às pressas, pois ela queria ir embora o mais rápido possível. Gostaríamos de salientar que estas foram as condições impostas pelas referidas professoras para que realizássemos as entrevistas.

Por falta de um gravador, tivemos que escrever as respostas das professoras enquanto elas falavam o que implica em ter que parar e esperar, fato que às vezes, se torna um empecilho e causa constrangimento tanto para o entrevistador como para o entrevistado e prejudica o levantamento das informações.

A primeira questão que fizemos às professoras que participaram deste estudo foi se elas consideravam importante para a aprendizagem dos alunos, ensinar a interpretar textos, ao que elas responderam:

Sim... Porque é através da interpretação que eu percebo se os alunos entenderam o que foi estudado... E a interpretação de texto é importante em todas as disciplinas para que os alunos possam entender o que está sendo ensinado (Professora A).

Sim, porque dá conhecimentos literários e trabalha com as expressões do texto e com a ortografia. Também ajuda os alunos na escrita de frases e textos (Professora B).

Percebemos pela resposta da Professora A, que no seu entendimento, interpretar texto é toda vez que faz uma leitura ou faz uma pergunta para os alunos sobre qualquer assunto, texto ou até mesmo um problema matemático. Segundo ela, pelas respostas dos alunos percebe se eles aprenderam ou não.

Porém, de acordo com os estudos que realizamos interpretar textos é muito mais do que isso. Pois as atividades de interpretação devem ser formuladas de tal forma que estimulem os alunos a pensar e ir além da informação escrita. Elas devem motivar o aluno a confrontá-las com os seus conhecimentos acumulados e buscar, através desta reflexão, novos conhecimentos e que possam fazer uso social dos mesmos.

Para Cagliari (1998) a interpretação de texto só faz sentido quando o professor oportuniza uma reflexão sobre o que foi lido, e até mesmo a realização de uma análise científica do mesmo “Não faz sentido fazer interpretação de texto com o simples pretexto de ver se o aluno entendeu ou não o que leu, através de perguntas de identificação de palavras ou de idéias”. (CAGLIARI, 1998, p. 336).

Para ele, fazer perguntas sobre o que o aluno leu, pressupõe que ele não é capaz de entender o que lê, é como se o professor o considerasse um “idiota”. Para o autor, o debate é mais interessante porque “[...] permite que as pessoas possam responder, levando em conta o que ouvem e, dessa forma, elaborar por etapas um comentário mais completo a respeito do que pensam” (CAGLIARI, 1998, p. 338).

Já a Professora B, acredita que a prática de interpretação de textos ajuda os alunos a conhecer melhor a escrita, os tipos de textos e até mesmo que facilita o trabalho com a ortografia.

De acordo com SMITH, 1999; LENCASTRE, 2003; SOLÉ, 1998, é preciso que o professor desenvolva estratégias diferenciadas para ensinar os alunos a interpretar, como, confrontar as informações do texto lido com os conhecimentos que os alunos já possuem e que adquiriram no seu cotidiano, fazer inferências, estabelecer objetivos de leitura, entre outras.

Solé (1998, p. 24) afirma que os alunos precisam “[...] dominar as habilidade de decodificação e conhecer as diferentes estratégias que levam à compreensão” para que possam interpretar corretamente um texto.

No que se refere à forma como as professoras realizam as atividades de interpretação de textos, elas foram um tanto quanto “vagas” em suas respostas:

Através de leituras de textos; perguntas a respeito do que foi lido; Filme; música... É isso! (Professora A).

Trabalhando com vários tipos de textos, tanto na oralidade quanto na própria escrita (Professora B).

Ambas as professoras têm praticamente as mesmas concepções e recorrem a semelhantes estratégias e técnicas para ensinar os alunos a interpretar textos, utilizam leituras, questionários e discussões livres. A Professora A, disse que utiliza filmes e músicas, mas nos dias em que estivemos na sala, não propôs nenhuma atividade em que esses instrumentos fossem utilizados como recurso didático.

O que a Professora B chama de “[...] trabalhar todos os tipos de textos tanto na oralidade como na escrita.” é fazer uma leitura, que tanto pode ser coletiva como silenciosa, e depois trocar algumas idéias sobre o texto e em seguida propor aos alunos responder um questionário sobre o texto lido que geralmente é o que está no livro didático.

Novamente aparece o livro didático como único instrumento de apoio para as aulas e, como já dissemos, ele geralmente não possui ou apresenta uma interpretação adequada, pois não sugere atividades reflexivas que possam levar os alunos a pensar além do texto.

Segundo Bittencourt (2005, p. 296),

[...] os materiais didáticos são mediadores do processo de aquisição do conhecimento, bem como facilitadores da apreensão de conceitos, do domínio de informações e de uma linguagem especifica da área de cada disciplina [...].

Ao professor cabe a incumbência de identificar e utilizar materiais didáticos que sejam de fato mediadores e facilitadores da aprendizagem dos alunos.

No que se refere à determinação de um horário especifico semanal para trabalhar com a interpretação de textos, as professoras responderam:

Não, a interpretação é desenvolvida todos os dias (Professora A).

Sim. Uma vez por semana trabalhamos novos textos (Professora B).

A Professora A diz que trabalha interpretação de textos todos os dias porque entende que a interpretação está em todos os exercícios ou atividades que os alunos realizam. Se considerarmos a atividade especifica de interpretação de textos, durante o tempo em estivemos na sala de aula, observando as aulas de Língua Portuguesa, podemos afirmar que estas não aconteciam todos os dias.

A professora trabalha com perguntas diretas sobre o texto, as quais são respondidas automaticamente pelos alunos, o que não significa interpretar textos. Pois a interpretação implica em utilizar as informações do texto para fazer outras descobertas que perpassam as entrelinhas do texto.

Esse procedimento da professora nos lembra Cagliari (1998, p. 317) quando afirma que:

Na nossa cultura existe a lei da fidelidade ao literal do texto que consiste em exigir do leitor que diga todas e somente as palavras que o texto transcreve. [...] Em vez de a escola explicar aos alunos o que fizeram e o que devem fazer, ela em geral pune esse tipo de leitor, obrigando-o a ler apenas o literal.

Na verdade, de acordo com o que observamos em sala, a Professora B segue o livro didático o qual sugere que se trabalhe com todos os tipos de textos, por isso ela diz que são trabalhados textos variados, o livro apresenta as questões de interpretação de texto, na forma de perguntas diretas sobre o assunto do texto. E, em raras situações, oferece a oportunidade de os alunos exporem suas opiniões. Portanto, na sua maioria, as atividades de interpretação de texto propostas pelo livro didático não proporcionam o desenvolvimento da capacidade criativa dos alunos que deve:

[...] ser estimulada não só no nível de individualidade do aluno, mas também no nível da sua individualidade num contexto social. Em vez de sufocar esse ímpeto de curiosidade, os educadores deveriam estimular e arriscar-se, sem o qual não existe criatividade (FREIRE e MACEDO, 1990, p. 39).

Nesse sentido, Cagliari (1998, p. 32), também, reafirma que o professor ao propor atividades de interpretação deve considerar que “A interpretação de texto deve ser, sempre, necessariamente criativa e individualizada.” Isto porque, como já discutimos anteriormente, o professor é o principal agente para que um processo de ensino e aprendizagem da leitura e da interpretação de textos aconteça numa perspectiva crítica. É ele quem propicia a partir de questionamentos um ambiente onde os alunos possam discutir a realidade, compartilhar suas experiências, dialogar e vivenciar a interpretação de texto como um meio de interação e como instrumento de ação e reflexão.

Quando indagadas sobre quais eram suas estratégias para ensinar os alunos a interpretar textos, as professoras, mais uma vez, responderam de forma sintética e semelhante:

Através de perguntas... No caso, questionários, ou oralmente em discussões espontâneas (Professora A).

Procuro chamar a atenção do aluno para o texto que está sendo trabalhado na sala de aula e também deixo em aberto para que eles próprios pesquisem textos de suas preferências (Professora B).

Como já explicitado anteriormente, as estratégias de ensino não variam muito, basicamente se resumem a perguntas de questionários do livro didático e discussões orais após a leitura coletiva ou individual, sem a preocupação das professoras com a compreensão ou não por parte de seus alunos. Se eles estabeleceram relações entre o que leram/discutiram com o seu cotidiano fora da escola ou não.

A Professora B, diz que deixa em aberto para que os alunos pesquisem textos diferentes e que sejam de seus gostos, mas provavelmente eles não farão isso sozinho, dependerão do estímulo do professor ou de algum adulto com o qual convivam, não percebemos por parte dela esse tipo de estímulo, em nenhum momento.

No período de observação não a vimos incentivando os alunos a procurar alguma informação em jornal ou revista, nem comentou algum fato que estivesse em foco na televisão, essas atitudes podem ser importantes para levar os alunos a elaborar uma crítica através do debate a respeito de algum fato atual e concreto para eles. “É preciso abrir os horizontes e incorporar às atividades escolares todas as formas de leitura que o mundo moderno da escrita põe diante dos olhos de todos” (CAGLIARI, 1998, p. 321).

Quanto aos recursos utilizados para a interpretação de textos, as professoras responderam:

Os recursos que eu uso... São os livros didáticos, apostilas, livros de literatura, gibis, filmes e jornais (Professora A).

Uso textos narrativos, resumos, notícias jornalísticas com fatos atuais ou pesquisas, ou seja, os recursos são os jornais e livro didático, de onde tiro a maioria dos textos trabalhados (Professora B).

Como é possível verificar nas falas das duas professoras que participaram desta pesquisa, os livros didáticos são os materiais mais utilizados por elas, é o material predominante nas aulas de Língua Portuguesa. Quando elas utilizam outros materiais, é para complementar a atividade proposta no livro, mas isso é muito raro.

De fato o livro adotado é seguido na integra pela Professora B, como já assinalado anteriormente, apresenta diferentes tipos de textos seguidos de questões em sua maioria fechadas para serem respondidas pelos alunos, poucas são as perguntas que oferecem a oportunidade para os alunos expressarem suas opiniões.

A Professora B também disse que utiliza jornais em suas aulas. Porém, nos dias em que observamos a sala, foi utilizado jornal apenas uma vez, pois ela estava ensinando os alunos a fazerem textos jornalísticos. Mas, percebemos que ela não havia planejado levar jornal para a sala. Na verdade, a professora só apresentou um texto jornalístico para os alunos após constatar que eles não tinham entendido do que se tratava e não conseguiam escrever o texto que ela havia solicitado. Então, ela pegou um “pedaço” de jornal que estava na prateleira e leu um texto para os alunos. A explicação que ela deu sobre textos jornalísticos, foi a mesma que estava no livro didático. Percebemos claramente que os alunos não entenderam quais são as características do texto jornalístico.

No período em que observamos a Professora A, ela utilizou livros de literatura e gibis apenas em uma aula, Percebemos que o seu objetivo com a atividade proposta era para manter alguns alunos em silêncio. O que sugere que os livros e gibis não são, ou não foram, pelo menos neste dia, utilizados para um trabalho planejado, intencional e sistematizado de leitura e interpretação, de modo a promover a compreensão e a construção de sentidos. Serviu apenas para passar o tempo, enquanto alguns alunos estavam atrasados na resolução dos exercícios propostos.

Eis aí uma prática que distorce a função da leitura na vida dos alunos, eles dificilmente a terão como uma prática de lazer ou como um meio de adquirir novos conhecimentos. A leitura vista dessa forma não cumpre sua função básica de construir um sentido para o leitor. Ela é vista como uma fonte de consulta, por meio da qual os alunos buscam respostas para questões objetivas claramente identificáveis no texto.

Esse procedimento é tão “castrador” que, não raras vezes observamos nas salas de aula que os alunos não se interessam em ler o texto para encontrar as respostas óbvias e ficam esperando que a professora leia e dê a resposta para eles.

Com essa prática os alunos não vêem a leitura como uma ferramenta, através da qual é possível descobrir coisas novas e interessantes, para eles, é apenas mais uma atividade tediosa exigida por uma “professora chata”. Segundo Gaté (2001, p. 23 - grifo do autor),

A natureza comunicativa da linguagem é uma mola poderosa com a qual pode-se contar para instaurar, na criança, o desejo de ler, suscitar e desenvolver sua motivação em relação à leitura; fazendo ‘falar’ a escrita ou propondo aos alunos textos que lhes falem e colocando-os em relação com uma realidade atraente e capaz de suscitar seu interesse.

Através dessa reflexão, podemos ver que é necessário utilizar textos que demonstrem a função comunicativa da linguagem escrita, pois dessa forma os alunos irão perceber que a escrita está presente no seu dia-a-dia, é indispensável e importante para uma boa convivência social, além de ser uma forma de descobrir conhecimentos novos e úteis para suas vidas.

Quando perguntamos em que aspecto a interpretação de textos ajuda o aluno a dar sentido ao que lê e a gostar de leitura, as professoras assinalaram que:

A interpretação ajuda no desenvolvimento da comunicação... Da linguagem... Tanto a oral como a escrita (Professora A).

É quando ele se envolve com o tema trabalhado em sala ou até mesmo em casa... Os alunos acabam gostando da leitura, o que facilita a interpretação e o entendimento. E... O professor deve sempre buscar novas alternativas de se trabalhar um texto (Professora B).

A Professora A acredita que o ensino da interpretação de texto desenvolve a comunicação e a linguagem, oral e escrita. Esse aspecto do desenvolvimento da comunicação, como já descrito acima necessita de um trabalho especifico do professor no sentido de desenvolver estratégias que mostrem para os alunos a utilidade e aplicabilidade da linguagem escrita no convívio social e na vida cotidiana.

A Professora B, acredita que a interpretação de texto ajuda o aluno quando ele se envolve com o que está sendo ensinado, isso o motiva e o ajuda a entender o texto. Ela aproveita para acrescentar que o professor deve facilitar esse entendimento buscando alternativas diferenciadas para interpretar textos.

De fato, quando o aluno se envolve com o tema trabalhado ele entende melhor por estar interessado no assunto, porém, segundo Smith (1999), o aluno se envolve com o estudo somente quando vê sentido naquilo que está estudando e só dessa forma é que ele aprende. O autor também diz que

[...] o que o professor precisa é uma compreensão das possibilidades e os custos específicos (de cada criança em particular) de diferentes métodos e materiais, um conhecimento de cada criança e daquilo que é fácil ou difícil para ela, além de uma compreensão da leitura e de como as crianças aprendem a ler (SMITH, 1999, p. 11).

Paulo Freire, em seu livro “A importância do ato de ler” enfatiza que a relação com o contexto torna o ensino mais fácil, pois tem sentido para o aluno. Para ele a leitura de mundo é fundamental para a compreensão da importância do ato de ler, de escrever ou de reescrevê-lo, e transformá-lo através de uma prática consciente.

Esse movimento dinâmico é um dos aspectos centrais do processo de alfabetização que deveriam vir, segundo o autor, do universo vocabular dos grupos populares, expressando a sua real linguagem, carregadas da significação de sua experiência existencial e não da experiência do educador, Freire enfatiza:

[...] Temos de respeitar os níveis de compreensão que os educandos – não importa quem sejam – estão tendo de sua própria realidade. Impor a eles a nossa compreensão em nome da sua libertação é aceitar soluções autoritárias como caminhos de liberdade (FREIRE, 1985, p. 31).

Quando indagadas sobre o que o aluno precisa para interpretar adequadamente um texto, elas responderam:

Em primeiro lugar, é necessário que o aluno saiba ler... Ler corretamente e que tenha gosto pela leitura (Professora A).

Em primeiro lugar ele precisa entender o que está lendo. Ele também pode consultar no dicionário as expressões que não conhece... O incentivo e a ajuda do professor também são fundamentais (Professora B).

As professoras consideram de fundamental importância, que os alunos saibam ler fluentemente. A Professora A, diz que o aluno precisa gostar da leitura e a Professora B refere-se ao entendimento do texto lido e, assinala que para isso ele pode contar com a ajuda do professor ou até mesmo do dicionário para decifrar as palavras desconhecidas.

Percebemos que as professoras desejam que os alunos saibam “ler bem”, na verdade o que há é uma preocupação para que eles conheçam e saibam decifrar a escrita fluentemente. O que não significa dizer compreensão daquilo que lê - base de uma “boa” interpretação de textos.

Não há, na visão das professoras, que participaram da pesquisa, uma preocupação em associar as atividades de leitura e interpretação de textos com a realidade do contexto que faz sentido para os alunos. O ato de ler, para elas, é algo mecânico e superficial, no qual as codificações, que deveriam ser representações da realidade, na verdade são muito distantes do contexto dos alunos.

Paulo Freire (1985, 21-22), diz que é importante considerar as representações de situações concretas, pois estas possibilitam aos alunos (das classes populares) uma “leitura da leitura” anterior do mundo, antes da leitura da palavra. O ato de ler implica na percepção crítica, interpretação e “reconto” ou “reescrita” do que foi lido pelo aluno.

Ao serem questionadas sobre o que elas entendem sobre ser um bom leitor, responderam:

Para ser um bom leitor é preciso ter gosto pela leitura [...] (Professora A).

O bom leitor é aquele gosta de ler todos os tipos de textos e conhece todos os tipos de linguagem e autores [...] (Professora B)

Tanto para a Professora A como para a Professora B, o bom leitor é aquele que gosta de ler. E a Professora B, ainda destaca que é importante que os alunos conheçam diversos tipos de linguagens e autores.

Para que o aluno tenha gosto pela leitura, o professor deve mostrar-lhe que a leitura pode ser prazerosa e útil. Pode fazer isto dando exemplo de si próprio, pois se ele não demonstra gostar de ler, também não consegue incentivar seus alunos a fazer o mesmo.

A Professora B, assegura que, além de gostar de ler, os alunos devem conhecer todos os tipos de linguagens. Porém o aluno só desenvolverá essas habilidades se elas forem trabalhadas e incentivas pelo professor ou por outras pessoas que fazem parte do seu cotidiano.

Alguns tipos de linguagens, as crianças podem inclusive aprender sozinhas por estarem vivenciando-as todos os dias. Isto porque elas elaboram e testam hipóteses todos os dias e assim vão construindo seus conhecimentos através da experimentação. A escola deveria possibilitar esse tipo de aprendizagem, pois da mesma forma como elas aprenderam a falar pela experiência espontânea, também poderiam aprender a ler (SMITH, 1999, p. 84-88).

O autor ainda destaca que:

Para aprender a ler, as crianças devem ver formas de empregar a leitura para ampliar seus objetivos e interesses. Se a linguagem escrita tem significado para as crianças, elas aprenderão da mesma maneira que aprenderam a usar a língua falada. (SMITH, 1999, p. 125)

Sobre o aluno ser um bom escritor, as professoras também apresentam as mesmas opiniões, para elas o gosto pela leitura determina o bom desenvolvimento da escrita, como é possível verificar em suas respostas.

[...] Pra ser um bom escritor... Bem, quem é um bom leitor automaticamente, é um bom escritor [...] (Professora A).

[...] O aluno que gosta de ler e possui conhecimentos sobre o que lê, ele também apresenta facilidade para escrever textos [...] (Professora B).

Devemos acrescentar que o desenvolvimento da escrita contribui para uma boa interpretação, pois a leitura, a escrita e a interpretação estão interligadas. Quanto mais se lê, melhor se escreve, e quem lê e escreve bem, provavelmente desenvolve habilidades para realizar uma boa interpretação. Porém, não é só isto, o professor precisa discernir se o aluno está apenas copiando ou repetindo palavras e frases que viu no texto, no caso percebemos que os alunos, em sua maioria, não desenvolveram a capacidade de reflexão e vêem apenas as informações diretas oferecidas pelo texto. Já, quando o aluno escreve com suas próprias palavras argumentando sobre as informações do texto, isso demonstra que ele tem capacidade ver outros apontamentos da leitura que não precisam necessariamente estar explicitados no texto lido. “Neste caso, o ato de aprender a ler e escrever é um ato criativo que implica uma compreensão critica da realidade” (FREIRE e MACEDO, 1990, p. 105).

Na seqüência, perguntamos do que depende a competência de saber ler e escrever. Elas responderam:

Essas competências dependem do professor... O professor deve utilizar meios para despertar no aluno o gosto pela leitura... Isso pode ser feito... Por exemplo, se os alunos não gostam de ler livros, o professor pode levar eles pra ver um filme, discutir sobre o filme que eles viram e produzir um texto sobre ele (Professora A).

Essas competências podem ser desenvolvidas pelo professor, através das suas formas de ensinar, das suas metodologias e também do esforço do aluno (Professora B).

A Professora A acredita que o docente tem a responsabilidade de desenvolver estratégias que incentivem os alunos a gostar de ler. Já a Professora B, também assinala que o professor é responsável em desenvolver essas habilidades nos alunos, mas acrescenta que os alunos devem se esforçar em aprender. Para ela, o aluno também tem responsabilidade sobre a aprendizagem da leitura e da escrita.

Ao falar do papel do professor em relação a esses dois objetos de conhecimento, Smith (1999, p. 127) nos diz que:

A sala de aula deve ser o lugar onde ocorrem as atividades de leitura (e escrita) significativas e úteis, onde é possível a participação sem coerção ou avaliação e onde sempre haja disponibilidade de colaboração.

Isso representa que, cabe ao professor, instaurar esse espaço pedagógico propiciador de diálogo e colaboração. Inclusive porque alguns alunos têm interesse pela leitura e facilidade para ler e entender um texto, talvez por serem incentivados pela família em seu cotidiano. Porém, uma boa parte dos alunos necessita da ajuda do professor para desenvolver tais habilidades.

Em nosso estudo percebemos que muitos procedimentos docentes ainda precisam ser aprimorados, pois como podemos constatar através da observação nas salas de aula as práticas e as falas das professoras não estão em consonância no que se refere a leitura e interpretação de textos.

Acreditamos que a interpretação de textos, foco de nosso estudo, pode ser considerada como forma de aprimoramento do conhecimento uma vez que possibilita uma maior integração e interação social. Para que isso aconteça, o diálogo é o melhor instrumento que o professor pode utilizar para promover uma educação crítica e motivar o aluno a interagir e criar significação a partir dos subsídios que lhe estão disponíveis.

É através da relação dialógica que os sujeitos expressam suas concepções, pressuposições e valores, argumentam, trocam idéias, constituem-se sujeitos ativos com o outro, no outro e pelo outro.

6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

As experiências vividas no decorrer deste estudo, especialmente durante o trabalho de campo, se configuraram de um valor inigualável, todos os entraves encontrados na fala, nas ações e principalmente nas exigências dos sujeitos que participaram da pesquisa em responder a entrevista, foram de grande valia para compreendermos quem são, as formas de pensar, as concepções, os procedimentos e como atuam os professores que trabalham no 5º do ensino fundamental com o ensino da Língua Portuguesa.

A preocupação inicial foi responder: Por que os alunos das escolas públicas e particulares apresentam dificuldades na leitura, produção e principalmente na interpretação de texto?

Buscamos entender como os professores do no 5º do Ensino Fundamental constroem as práticas de interpretação de textos, em meio às determinações sociais e experiências singulares num espaço cheio de contradições como é o da sala de aula tanto de escolas públicas como particulares.

As práticas de interpretação de textos estão submetidas à lógica do universo escolar, são instrumentos de aprendizagem. E o seu ensino está focalizado nos conteúdos, não tem como foco a interpretação propriamente dita, ou seja, a interpretação de textos é um pretexto para a instrução, o ensinamento, a transmissão de conhecimentos.

As observações que realizamos nas salas de aula deixaram evidente a importância de nosso estudo – “As coisas que acontecem fora da escola poderiam ser trazidas para dentro da escola”, ou seja, a escola não contempla o mundo da comunidade em que está localizada, ela é na verdade o pensar do poder público. A existência desses dois mundos separados, o mundo lá fora e o mundo da escola, é um obstáculo que vem impedindo o exercício pleno da compreensão/interpretação de textos por parte dos alunos.

Ao levarmos em conta os objetivos desta pesquisa refletir sobre a prática docente e a interpretação de textos por parte dos alunos na dinâmica da sala de aula, bem como de conhecer as estratégias que o professor do 5º ano do ensino fundamental utiliza para ensinar seus alunos a interpretar textos, nesta parte do texto, apresentamos alguns pontos de chegada a que o estudo nos levou, permitindo-nos fazer algumas colocações as quais consideramos importantes.

As professoras, sujeitos desse estudo, explicitam em suas falas a importância de trabalhar com a interpretação de textos, entretanto parecem desconhecer a importância de um referencial teórico construído com base em aquisições de conhecimento, no intuito de subsidiar a prática docente.

Os sentidos atribuídos à interpretação de textos, talvez advindos do seu cotidiano acadêmico e/ou profissional, parecem distanciados da realidade sócio-histórica dos alunos. Neste aspecto, prevalecem nas falas e nas ações observadas em sala de aula concepções de uma prática apoiada numa tendência tradicional de ensino e aprendizagem.

Entendemos que uma prática adequada de interpretação é aquela que permite ao aluno compreender o texto de forma que ele possa entender os “subentendidos” do texto, associando os diversos elementos que fazem parte do mesmo com o seu cotidiano para compreender as inter-relações entre informações que não estejam claramente explicitadas no texto. Significa ir além das palavras ou das informações ali contidas.

Portanto o ensino de interpretação deve ser articulado com os conhecimentos que os alunos possuem da sua própria realidade no sentido de despertar-lhes a necessidade de um olhar mais atento para o que se passa no seu entorno, uma visão crítica da sociedade e de sua condição de cidadãos ativos e agentes responsáveis pelas suas próprias decisões.

Em relação às estratégias utilizadas para ensinar os alunos a interpretarem textos as professoras revelam que interpretar é entender; mas completam sua resposta, dizendo: é ler um texto escrito ou um texto em imagem e responder as perguntas ali contidas.

As duas professoras observadas utilizam estratégias de ensino de interpretação de textos semelhantes: é questionário com perguntas diretas e objetivas sobre o texto lido, com pouco ou quase nenhum espaço para debate e reflexão. Além disso, observamos que há poucos episódios de interpretação de texto em sala, uma vez que elas priorizam outras habilidades, como por exemplo, a leitura fluente e o conhecimento gramatical, o que mostra que não é dada importância ao ensino de interpretação de textos.

Percebemos através da observação e das entrevistas, que tanto a Professora A como a Professora B atribuem uma boa interpretação por parte do aluno à condição de bom leitor, e que, elas entendem como “boa leitura”, a leitura fluente. Percebemos nas suas práticas que a visão que elas têm sobre “boa leitura” é no sentido de decifrar fluentemente a escrita, não demonstrando preocupação com o entendimento do texto, e se há, é no sentido de levantar as informações claramente explícitas, não um aprofundamento crítico do mesmo.

Observamos também que os alunos das duas salas apresentam os mesmos problemas relativos às dificuldades de interpretação, ou seja, não conseguem ir além do texto, não têm argumentos para questionar ou para acrescentar às informações que eles vêem nos textos trabalhados em sala de aula, possuem uma visão ingênua e fechada, ou talvez até tenham opiniões, mas preferem não se manifestar por não terem oportunidade, ou quem sabe até por medo.

Fizemos tal inferência porque percebemos que a Professora A é bastante inflexível e quase não deixa os alunos falarem, são quarenta alunos quietos e imóveis durante praticamente duas horas de aula. Eles ficam o tempo todo da aula, copiando e respondendo atividades do livro didático, individualmente.

A prática de leitura e interpretação de textos é pouco evidenciada nas salas observadas, não houve no período de observação, rodas de leitura, discussões circulares a respeito de algum texto. As professoras apenas lêem textos que se encontram no próprio livro didático, de forma rápida e já instruem os alunos a responder as perguntas que se seguem, com pouco ou quase nenhum debate sobre as informações que os alunos estão recebendo.

As considerações feitas aqui podem se entendidas como encaminhamentos pedagógicos propostos com uma única finalidade: suscitar a discussão sobre as práticas de interpretação de textos. Pois a adequada escolarização da interpretação de textos depende diretamente da participação daqueles que a mediam na escola; só eles podem assumir este papel. Portanto cabe aos professores o desafio em sala de aula.

7. Referências

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LENCASTRE, Leonor. Leitura: a compreensão de textos. Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2003.

LENER, Délia. Ler e Escrever na Escola: o real o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

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MINAYO, M. Cecília dos Santos. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 5 Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

OLIVEIRA, Martha Kohl de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997.

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SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Trad. Cláudia Schilling. 6. Ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

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VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. Trad. Jeferson Luiz Camargo. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

ANEXOS

ANEXO I

ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS

Nome:

Faixa etária:

Formação:

Curso:

Instituição:

Tempo de magistério:

Series/anos em que já atuou:

Há quanto tempo trabalha nesta série:

    1. Você acha que é importante para a aprendizagem de seus alunos, trabalhar com a interpretação de texto? Por quê?

    2. Com você desenvolve essa atividade com seus alunos?

    3. Você dedica um horário especialmente para a interpretação de texto?

    4. Quais são as suas estratégias para ensinar os alunos a interpretar texto?

    5. Quais são os recursos que você utiliza?

    6. Para você, em que aspecto a interpretação de texto ajuda o aluno?

    7. Em sua opinião, o que é necessário para que o aluno saiba interpretar adequadamente um texto? Justifique.

    8. Em sua opinião, o que é ser um bom leitor? E um bom escritor? De que depende essa competência?

ANEXO II

ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO:

Data:

Metodologia:

  1. A professora dedica um momento semanal específicos para leitura e interpretação de texto.

  2. Sim ( ) não ( )

  3. Quais são as estratégias que a professora utiliza para ensinar os alunos a interpretar texto.

  4. Discussões livres ( ) questionários ( )outros

  5. Que tipo de textos utiliza.

  6. Como a professora conduz as atividades de interpretação de textos.

  7. Quais os materiais de apoio que utiliza para o desenvolvimento dessas atividades.

  8. Qual é o envolvimento dos alunos nas atividades de produção de texto:

  9. Os alunos mostram-se interessados? ( )sempre ( )nunca ( )as vezes por que?

  10. Participam das atividades? ( )sempre ( )nunca ( )as vezes por que?

  11. Dialogam entre si sobre o texto lido?) ( )sempre ( )nunca ( )as vezes. O que interfere nesta prática.

  12. Quais as dificuldades mais comuns apresentadas pelos alunos nos momentos de interpretar textos?

1 Controlo: expressão escrita no texto original.

2 Utilizamos a palavra “professoras” porque os sujeitos que participaram de nossa investigação são do sexo feminino.

3 BURANELLO, Cristiane; REIS, Eliane Vieira. Língua Portuguesa, 4ª série. 1. ed. São Paulo: Escala Educacional, 2005.

Este livro é dividido nas seguintes sessões: Lá Vem Leitura; Escrever: Muito Prazer; Outra Leitura e Estudo da Língua.

4 Este livro de Língua Portuguesa é organizado nas seguintes sessões: Texto (lenda, conto, carta ou outros), Estudo do Texto (onde se trabalha a interpretação de texto), Gramática e, por fim, Ortografia.  


Publicado por: MARILENE PLIZZARI

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