Harry Potter e a remitologização na literatura infanto juvenil

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1. RESUMO

Assim Harry começa a viver uma jornada sensacional, que começa com a morte dos pais, do mundo infantil, da inocência, e acolhe a nova etapa, do amor, da ciência, da vida madura...

Esse recurso chamado da Jornada do Herói foi inspirado no trabalho de Joseph Campbell, escritor do Livro O Herói de Mil Faces.

Para entender a especificidade dessa “jornada do herói”, deve-se primeiro compreender a essência da história de Harry.

O desafio está em realizar a verdadeira re-ligação do mundo externo ao mundo interno, do concreto ao abstrato, do material ao espiritual, do mortal ao imortal e eterno.

Mielietinsky, ao longo de seu estudo sobre a mitologização da Literatura, observa diversas formas de utilização dos motivos mitológicos na literatura. Começando por observar a superação, na Idade Média, do paganismo antigo em favor da mitologia cristã.

Ao analisarmos a obra de J.K Rowling, percebemos muitos paralelos mitológicos diretos através da poética da mitologização. O mitologismo em Harry Potter reside principalmente à alusão não só ao mito do Herói que se faz presente em toda a obra, mas também como referências a outros aspectos da mitologia, tornando isso uma literatura sob muitos aspectos fantástica. .A literatura fantástica tornou-se, nas últimas décadas do século XX, um importante tópico da literatura contemporânea, sendo alvo de diversas análises literárias.

Algo sobrenatural ocorre, mesmo que a explicação apareça apenas no desfecho da obra. Deve haver uma pré-disposição do leitor para negar a alegoria e hesitar quanto à realidade do fato. Harry Potter, desde o seu primeiro livro, transita entre o estranho, entre o sobrenatural, entre o fantástico... Enfim, pode ser sir considerado um gêneros fantástico, pois está agrupado no subgênero da fantasia. Por se tratar da Fantasia, muitos escritores criticam o gênero que usam da magia e outras formas sobrenaturais como elemento principal do enredo.

Palavras-chave: Harry Potter; Mitologia; Literatura; Literatura Fantástica.

ABSTRACT

Harry begins to live an amazing journey that begins with the death of parents, the world of childhood, innocence, and welcomes the new phase of love, science, mature life ...
This feature called the Hero's Journey was inspired by the work of Joseph Campbell, author of the book The Hero With a Thousand Faces.
To understand the specificity of this "hero's journey," one must first understand the essence of Harry's story.
The challenge is to realize the true re-connection of the external world to the inner world, from concrete to abstract the material to the spiritual, the mortal to the immortal and eternal.
Mielietinsky over his study of the mythologizing of Literature, looks at several ways of use of mythological motifs in literature. Let me start by overcoming the Middle Ages, the ancient paganism in favor of Christian mythology.
In reviewing the work of JK Rowling, we see many parallels through direct mythological poetics of mythologizing. The HarryPotter mythology lies mainly to not only allusion to the myth of the Hero which is present in all the work, but also as references to other aspects of mythology, making it a fantastic literature in many ways. . The fantasy literature has become in recent decades of the twentieth century, an important topic of contemporary literature, the target of several literary analysis.
Something supernatural happens, even if the explanation appears only on the outcome of the work. There should be a pre-disposition to deny the reader the allegory and hesitation about the reality of fact. Harry Potter, from her first book, it traverses the strange, between the supernatural, between the fantastic ...Finally, Sir can be considered a fantastic genres because it is grouped in sub-genre of fantasy. Because it's Fantasy, many writers criticize the genre that uses magic and other supernatural forms as a core element of the plot.

Keywords: Harry Potter, mythology, literature, fantasy literature.

2. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como enfoque, analisar as influencia mitológicas presentes na obra de J.K. Rowling, Harry Potter.

Harry Potter antes de ser uma narrativa fantástica, é também um épico, gênero relacionado a heróis por descrever feitos extraordinários.

Por isto este trabalho tem por objetivo, analisar as influências mitológicas, presentes na saga, sendo que a principal influência mitológica se dá por conta da obra estar intimamente ligada ao mito do Herói.

Rowling nunca negou ou afirmou ter lido o Herói de Mil Faces, de Joseph Campbell, mas não seria surpresa se isso viesse a tona, pois Harry Potter possui muitas semelhanças com o monomito descrito por Campbell, isto é, todos os nossos mitos e heróis, é o que os torna universais – é o que faz com não envelheçam.

Talvez seja isto que torne a obra tão popular. Com uma roupagem relativamente nova e bem feita, Rowling retoma o herói clássico de nossas literaturas, de uma forma clara e objetiva, atingindo assim o seu público alvo: Jovens e adolescentes.

Não podemos creditar o sucesso da saga, exclusivamente a fórmula da remitologização da literatura, embora esse recurso vem a sendo utilizado para preencher possíveis lacunas que surgiram ao longo dos anos na Literatura Infanto Juvenil.

Para tentar trazer o jovem adolescente de volta ao mundo dos livros, muitos autores estão retomando sagas mitológicas, recriando universos, pessoas, criaturas, fazendo também com a imaginação seja mais uma vez despertada. Os nossos jovens e adolescentes estão com sede de heróis, mas não aqueles heróis que possuem super poderes, mas que sejam como eles: Possuam sonhos, desfrutem do amor, de perdas...

A história de Harry Potter prova que é possível se valer de um modelo tradicional para a recriação de uma história, em muitos aspectos inovadora, em que o fantástico mundo da magia retorna revelando a grande vontade em que o leitor jovem procurava para voltar ao mundo dos livros.

Harry é o herói detentor de poderes que nem ele mesmo imaginava. Conhecido e admirado por todos pelo fato de ter sobrevivido ao ataque mortal de Voldemort, em que seu pais morreram.

Assim Harry começa a viver uma jornada sensacional, que começa com a morte dos pais, do mundo infantil, da inocência, e acolhe a nova etapa, do amor, da ciência, da vida madura...

Harry Potter repousa numa camada muito antiga e poderosa de nossa percepção: Aquela que faz com que cada um de nós ser o individuo que somos. O jovem bruxo retrata em sua vida todos os passos necessários para sair da mera condição de ser vivo para a condição de homem.

Nisso também, J.K. Rowling tem demonstrado imensa habilidade. No complexo enredo que desenhou, com mundos paralelos, famílias de todo o tipo, adultos variados, uma escola com centenas de crianças e jovens, tudo atravessado pelo jogo da magia, a autora centralizou a história de um herói que é ao mesmo tempo especial, porque é bruxo, e muito parecido conosco, porque tem fraquezas e virtudes.

O herói, seja na Grécia, ou em Hogwarts, começa sua história por acaso. Está vivendo sua vida medíocre que lhe cabe quando algo inesperado acontece: Um chamado, um acidente, uma visão. Sente que está sendo convocado à uma jornada, mas resiste; finalmente cede. Esse recurso chamado da Jornada do Herói foi inspirado no trabalho de Joseph Campbell, escritor do Livro O Herói de Mil Faces.

No livro, Campbell, relata que todos os heróis passam por uma “Jornada” denominada “Jornada do Herói mitológico”. A expressão “jornada do herói” foi cunhada pelo escritor e professor norte-americano Joseph Campbell ao constatar essas semelhanças estruturais entre os mitos de culturas distintas. O Herói das Mil Faces, de 1949, mostra que cada herói adquire a face de sua cultura específica, mas sua jornada é sempre a mesma. É o mesmo herói que vive sempre o mesmo mito, um “monomito”. A jornada do herói se estruturaria em etapas bem definidas, embora não necessariamente rígidas. Apesar que Campbell definiu essas etapas com 12 passos que são seguidos em quase todas as estruturas narrativas.

Para entender a especificidade dessa “jornada do herói”, deve-se primeiro compreender a essência da história de Harry. Menino órfão de pai e mãe, afastamento esse que remete ao arquétipo da iniciação segundo Jung, cujos pais morreram para salvá-lo do mais poderoso bruxo de todos os tempos, deixando-lhe como herança seus poderes mágicos e o maior aliado possível: um amor incondicional, capaz de sobreviver ao tempo e à morte, ele nasceu bruxo. Ele não escolheu enfrentar Voldemort, antes, foi por este escolhido porque não morrera na tentativa de assassinato em que o poderoso bruxo conseguira matar seus pais, Lílian e James Potter.

Incapaz de entender o gesto dos pais do menino, não percebendo que fora precisamente o amor dos pais que o protegera, e que essa seria sempre sua maior arma para combater o mal, Voldemort voltará a tentar matar o jovem mago diversas vezes, sendo derrotado de uma vez por todas somente ao final do sétimo livro. Harry não é alto ou forte como o herói tradicional de outras histórias, o que o faz originalmente incompleto para a missão. Em princípio ele apenas tem um motivo real para lutar com Voldemort: a vingança pela morte de seus pais. Mas com o tempo, percebe que a derrota de Voldemort vai muito além de uma vingança: seria a restauração da paz e da justiça no mundo da magia. Ele sabe que precisa fazer algo, mas ao mesmo tempo reconhece que é incapaz de fazer isso sozinho. Inicialmente, será auxiliado pelos amigos Ron e Hermione, concretizando o arquétipo dos amigos fieis, a quem logo se juntam grandes mentores, como o Professor Alvus Dumbledore, diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, aqui representando a poderosa figura tutelar que, lhe permitiria realizar tarefas que lhe seriam impossíveis de executar sozinho, e Hagrid, seu fiel protetor, além de tantos outros em suas diferentes jornada.

Campbell descreve em seu livro que o Herói, seja ele em qualquer circunstancia deve passar por 11 passos ate chegar a seu objetivo geral que culmina com o 12º passo que e a ressurreição para uma vida nova. Os passos da jornada do herói são as seguintes:

  1. Mundo Comum - O mundo normal do herói antes da história começar.

  2. O Chamado da Aventura - Um problema se apresenta ao herói: um desafio ou a aventura.

  3. Reticência do Herói ou Recusa do Chamado - O herói recusa ou demora a aceitar o desafio ou aventura, geralmente porque tem medo.

  4. Encontro com o mentor ou Ajuda Sobrenatural - O herói encontra um mentor que o faz aceitar o chamado e o informa e treina para sua aventura.

  5. Cruzamento do Primeiro Portal - O herói abandona o mundo comum para entrar no mundo especial ou mágico.

  6. Provações, aliados e inimigos ou A Barriga da Baleia - O herói enfrenta testes, encontra aliados e enfrenta inimigos, de forma que aprende as regras do mundo especial.

  7. Aproximação - O herói tem êxitos durante as provações

  8. Provação difícil ou traumática - A maior crise da aventura, de vida ou morte.

  9. Recompensa - O herói enfrentou a morte, se sobrepõe ao seu medo e agora ganha uma recompensa (o elixir).

  10. O Caminho de Volta - O herói deve voltar para o mundo comum.

  11. Ressurreição do Herói - Outro teste no qual o herói enfrenta a morte, e deve usar tudo que foi aprendido.

  12. Regresso com o Elixir - O herói volta para casa com o "elixir", e o usa para ajudar todos no mundo comum.

3. Desenvolvimento

3.1. O que é mitologia?

.O mito é considerado umas primeiras formas de sistematizar algum conhecimento. O homem sempre teve muita necessidade de buscar no sobrenatural, algo que pudesse responder a muitas questões que afligiam a sua alma, por isso a necessidade de serem criados os mitos.

Os mitos fazem parte das diversas culturas humanas desde sempre, pois as diferentes histórias que vivem seus deuses e heróis acabam remetendo a uma mesma grande aventura: a difícil travessia do rio da vida, com as dificuldades e perigos que nos assombram.

O mito conta sempre o nascimento, a origem de algo, como começou a ser, não importa se algo concreto como a humanidade, o mundo, uma montanha, ou algo abstrato e impalpável como um sentimento, uma instituição, uma tradição. Assim define Mircea Eliade: “O mito conta uma história sagrada, narra um fato importante ocorrido no tempo primordial, no tempo fabuloso dos começos”.

Apesar do mito apresentar uma explicação atualmente encarada como fantástica e ilusória, não há como negar sua forte carga de imagens, símbolos e alegorias capazes de penetrar na mente humana, justificando sua apropriação pela psicanálise. Segundo Gilbert Durand o mito pode ser entendido como “um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas”.

A palavra mythos, significa história, as ma também pode quere dizer, esquemas, plano. Expressando a realidade através de representações em fábulas, o mito mostra abstrações típicas da existência humana. Portanto, mito, nada mais é do que um conjunto de narrativas, permeada de símbolos.

Segundo Cassirer associa o mito a realidade e a linguagem ao afirmar que:

Tudo a que chamamos de mito é, (...) algo condicionado e mediado pela atividade de linguagem: é, na verdade, o resultado de uma deficiência lingüística originária, de uma debilidade inerente à linguagem. (...) Mitologia, no mais elevado sentido da palavra, significa o poder que a linguagem exerce sobre o pensamento. (CASSIRER, 1992, p. 18 – 19)

Para Junito Brandão, o mito é o relato de um acontecimento ocorrido no tempo primordial, mediante a intervenção de entes sobrenaturais.

O mito narra um acontecimento, mas além disso, o mito das respostas a questões que a razão humana não pode compreender. Dessa forma o mito tenta explicar o inexplicável.

Portanto, o mito traz sempre a narrativa de uma criação, a partir da qual algo que não existia, passou a existir. Representa sempre algo coletivo, que transmitido através de gerações, traz uma explicação do mundo, desse modo, o mito passa a ser palavra revelada, sendo expressa por meio da linguagem.

“Conhecendo os mitos, é aprender algo sobre o segredo da origem das coisas” (Eliade 1978:18)

Por ser uma narrativa que descreve o sagrado, o mito serve de modelo exemplar a todas as atividades humanas significativas.

O estudo da Mitologia torna-se então essencial a todo aquele que pretende entender profundamente o Ser Humano e sua maneira de ver o mundo. Os deuses tornam-se forças primordiais da natureza psíquica humana e readquirem vida e poder. Nota-se a sua utilização no cotidiano em cada pequeno detalhe. A existência real dos deuses mitológicos antigos em todas as suas roupagens étnicas reafirma em última instância a idéia de divindade em si: através dos deuses encontra-se a "idéia de Deus" e, através dela, Deus em toda sua misteriosa ambigüidade. A Mitologia transfere o conhecimento humano de um plano meramente materialista (científico) para um plano psíquico vivo (Inconsciente Coletivo) e deste, para um derradeiro plano espiritual. O desafio está em realizar a verdadeira re-ligação do mundo externo ao mundo interno, do concreto ao abstrato, do material ao espiritual, do mortal ao imortal e eterno.

Tal influência é singularmente marcante nas artes, pois há uma simbiose vital, enquanto a mitologia inspira as artes, as artes imortalizam e projetam os mitos. Tanto os mitos quanto as artes narram, contam, ilustram e revelam o que não é visível a todos, mas totalmente claro para alguns, para aqueles que transmitem, seja através da voz, da escrita ou da pintura.

Novos mitos nascem constantemente, “influenciados” pelos antigos e com sua carga de originalidade. Daí a grande dificuldade em se agrupar os mitos segundo seu tipo, eles podem ser universais ou regionais, naturais ou construídos com uma proposta ideológica. As classificações mais comuns e fáceis de serem constatadas para os mitos contemporâneos são três: os literários, os político-heróicos e os cinematográficos.

Portanto, O mito possui três funções principais:

  1. Explicar – o presente é explicado por alguma ação que aconteceu no passado, cujos efeitos não foram apagados pelo tempo, como por exemplo, uma constelação existe porque, há muitos anos, crianças fugitivas e famintas morreram na floresta, mas uma deusa levou-as para o céu e transformou-as em estrelas.

  2. Organizar – o mito organiza as relações sociais, de modo a legitimar e determinar um sistema complexo de permissões e proibições. O mito de Édipo existe em várias sociedades e tem a função de garantir a proibição do incesto, por exemplo. O “castigo” destinado a quem não obedece às regras funciona como “intimidação” e garante a manutenção do mito.

  3. Compensar – o mito conta algo que aconteceu e não é mais possível de acontecer, mas que serve tanto para compensar os humanos por alguma perda, como para garantir-lhes que esse erro foi corrigido no presente, oferecendo uma visão estabilizada da Natureza e do meio que a cerca.

3.2. O Mito do Herói

Os heróis de todos os tempos a enfrentaram antes de nós. O labirinto é conhecido em toda a sua extensão. Temos apenas de seguir a trilha do herói, e lá, onde temíamos encontrar algo abominável, encontraremos um deus. E lá, onde esperávamos matar alguém, mataremos a nós mesmos. Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao centro da nossa própria existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do mundo todo.

3.2.1. Joseph Campbell

O herói é uma figura arquetípica que reúne em si atributos necessários para superar de forma excepcional um determinado problema de dimensão épica. Do grego “‘hrvV” para o latim heros, o termo herói designa originalmente o protagonista de uma obra narrativa ou dramática. Para os antigos gregos, o herói situa-se na posição intermédia entre deuses e homens, sendo em geral filho de um deus com um mortal (Hércules, Perseu) ou vice e versa (Aquiles)

O herói é marcado por uma projeção ambígua: Por um lado representa a condição humana em sua total complexidade e por outro lado transcede a condição divina na medida que em atravessa os obstáculos que o homem como não consegue, mas gostaria de atingir.

O herói será sempre guiado por idéias nobres, embora muitas vezes precise de alguém para relembrá-lo desses ideais, pois muitas vezes buscará sentimentos supostamente egoístas, como por exemplo a vingança); no entanto suas motivações serão sempre moralmente justas e aceitáveis.

Aqui é preciso observar que o heroísmo caracteriza-se principalmente por um ato moral. Existem casos em de indivíduos que não possuem vocação heróica, mas que protagonizam atitudes dignas de heróis. Há também aqueles indivíduos que demonstram atitudes que são motivados por sentimentos como vaidade, orgulho, ganância e ódio. Tais esses exceções são representadas como o Anti- Herói.

O herói é um ser transitório, uma personalidade quase mágica que nos fascina porque personifica o desejo e a figura ideal do ser humano. Ele defende a nossa causa e por isso identificamo-nos com ele. A luta heróica possibilita a superação dos medos, compensação das mágoas, humilhações e a expressão da raiva. É a transcendência dos impulsos em busca da totalidade ou “significado”.

Ele se atreve a viver a vida, em vez de fugir dela. Supera o profundo medo diante do estranho, do desconhecido e do novo. Trilha caminhos que, por um lado, tememos, mas que, por outro, percorreríamos prazerosamente em segredo: caminhos em esferas ocultas e proibidas do ser, de difícil acesso, ou seja, países estrangeiros ou galáxias distantes, fenômenos naturais incompreensíveis ou, ainda, a escuridão da nossa alma.

3.3. A jornada do heroi e a Ligação coma obra

A história de Harry, prova que é possível se valer de um modelo tradicional, para a criação de uma história em muitos aspectos inovadora.

Harry o arquetípico que estamos analisando aqui e detentor de poderes que nem ele mesmo acredita. Isso acontece para começarmos a analisar a obra pela Jornada do herói.

O 1º ponto que vemos e o chamado do personagem a aventura que surge quando cartas são enviadas a ele para que o mesmo possa ingressar na Escola de Magia a Bruxaria de Hogwarts.

Começando do início, Harry Potter é um jovem mago filho de Lilian e Tiago Potter que foram assassinados por Lord Voldemort, sendo que apenas Harry sobreviveu do ataque com uma cicatriz em formato de raio em sua testa.

Harry vivia em seu mundo comum (1º passo da jornada), morando com seus Tios Petúnia e Valter e seu primo Duda.

Harry vivia em baixo da escada no porão pelo fato dele ser bruxo, mas que ainda não sabia dessa historia. Para impedir que Harry descubra o seu passado “mágico” seus tios impõem a condição de que nunca faca perguntas a respeito da morte de seus pais por exemplo, que segundo os tios morreram num acidente de carro. Quando Harry completa 11 anos, fica sabendo que era bruxo quando começaram a chegar cartas endereçadas a ele da escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde seus pais também estudaram.

Rubeo Hagrid, guardião das chaves e das terras de Hogwarts, chega ao casebre onde os Dursleys se esconderam para que Harry não soubesse das cartas. No começo Harry fica assustado com essa noticia, pois se considerava um menino comum apesar de interiormente saber que não pertencia aquele lugar, nem aquela família.

A recusa do chamado não vem por parte dele, mas sim dês seus tios que não o deixam partir, fazendo com que Hagrid interfira,contando a Harry sobre o verdadeiro passado dele. Só assim Harry le a carta que lhe foi dirigida, pedindo para que ele envie uma “coruja” para confirmar sua entrada em Hogwarts. Tal descrição se encaixa perfeitamente em Harry Potter e a Pedra filosofal.

E neste momento que ocorre a partida de Harry para o mundo novo, ou seja, sai das casas dos tios para adentrar a um mundo novo e desconhecido.

Dentro desta etapa, Campbell aponta que o herói pode recusar o chamado, pelas mais diversas razoes,mas por mais que resista, vai acabar descobrindo que não tem escolha a não ser seguir o caminho que lhe foi designado. No começo Harry não da às costas ao mundo bruxo, mas no decorrer da saga ele tenta escapar da sua vocação de herói. Entretanto, as ocorrências ao seu redor o levam a seguir novamente o seu destino de herói.

Neste primeiro passo vemos que Harry já no seu embarque para Hogwarts conhece pessoas que irão auxiliá-lo na jornada como Ronald Weasley e Hermione Granger.

Harry ao longo de sua jornada conhece varias pessoas que o auxiliam e o protegem de alguma forma. Hagrid que desde pequeno já o protege, pois foi ele quem o tirou da casa destruída por Voldemort, Dumbledore (seu mentor), professora Minerva Mcgonagall, (chefe de sua “casa”) e também seus amigos.

O segundo ponto dessa jornada e o encontro do herói com seu mentor.

O mentor de Harry durante toda a jornada é Dumbledore que o auxilia em todas as suas jornadas, mas sem interferir diretamente sobre suas decisões. Segundo Campbell, o mentor pode auxiliar o seu protegido até certo ponto, como vemos também na clássica obra A Odisséia de Homero, em que Ulisses é guiado por Atena (deusa grega da sabedoria e da guerra justa), mas não interferindo em suas escolhas fazendo com que Ulisses muitas vezes se perca em seu caminho.

Dumbledore o guia em toda a saga mesmo depois de sua morte no 6º Livro da Saga, auxiliando por lembranças e às vezes até em revelações através de sonhos, ou de algum escrito que tenha deixado para Harry.

Dumbledore mostra a Harry que o caminho não será fácil, pois o bruxo que Harry enfrenta é um dos mais poderosos e que Harry corre grande perigo assumindo esta responsabilidade.

Finalmente o herói se compromete com sua aventura e entra plenamente no mundo especial ao efetuar a travessia do primeiro limiar. Dispõe-se a enfrentar o desafio do chamado à aventura. Este é o momento em que a história decola e a aventura realmente tem início. A partir desse ponto o herói não tem mais como.

No 1º Livro da saga, Harry enfrenta o seu 1º obstáculo que é tentar recuperar a Pedra Filosofal, cuja finalidade é tornar uma pessoa imortal. Nesta busca pela pedra ele caba encontrando Lord Voldemort pela 1ª vez.

Passado pelo 1º obstáculo, Harry volta com a Pedra e assim derrotando Voldemort pela 2ª vez.

No segundo livro da saga, Harry Potter e a Câmara Secreta, ele já está mais maduro e desenvolve mais a sua vocação de herói. Mas do desenrolar da história, sabe que já possui vários inimigos e enfrentará muitos obstáculos ainda e percebemos também que começam a surgir muitas dúvidas na cabeça de Harry. Neste livro Harry passa por mais testes, conhece mais aliados e surge mais e mais inimigos como a família Malfoy.

Apesar de Harry Potter estar sempre lutando contra seus inimigo nos 3 primeiros livros é a partir do 4º Livro, Harry Potter e o cálice de fogo, é que as aventuras começam a ficar mais perigosas, tanto que no final do livro Lord Voldemort retorna a sua forma humana, matando mais uma pessoa querida para Harry. Isso é o que Campbell chama da aproximação com a caverna oculta, em que o herói está perto de encontrar o seu objetivo e adentra o covil do adversário.

No 5º livro da saga, Harry Potter e a Ordem da Fênix, Harry passa pela provação suprema onde Voldemort descobre uma estranha ligação entre os dois e começa a “freqüentar a mente de Harry. No final do livro, Harry pela primeira vez, faz o desejo de morrer, para poder aliviá-lo das pressões, mas como sua saga ainda não chegou ao fim ele “expele” Voldemort de sua mente.

Após sobreviver a provação suprema, Harry recebe uma recompensa, não a recompensa definitiva, mas recebe uma afirmação de que ele mesmo terá que matar Voldemort.

Harry no último livro da saga começa a fazer o caminho de volta. Ele ainda está no mundo especial, em Hogwarts e corre perigo, mas agora já maduro o suficiente para aceitar a morte ou sobreviver. Ele refaz o caminho que o levou a Hogwarts, mas agora para livrar definitivamente o mundo de seu maior inimigo.

Recebendo a ajuda de todos, ele vence seu inimigo e retorna com o elixir para a salvação do mundo.

3.4. O herói Harry Potter

Estamos acostumados a pensar na figura do herói associado ao protagonismo das narrativas. O herói é aquele que realiza grandes feitos, que por algum motivo é centro das atenções. Flávio Kothe (1987, p.7) propõe que pensemos no herói como um princípio de organização, um fator que agrega e direciona situações e personagens, pois é ele quem separa as personagens boas das personagens ruins, atribuindo os papeis de vilão e amigo às personagens que partilham de um mesmo mundo ficcional. Nesse sentido, o autor aponta para três tipos de organização: a do herói trágico, a do épico e a do trivial. Segundo a tipologia de Kothe, o que fundamenta o herói trágico é a revisão de seus atos e o conseqüente arrependimento, que ocorrem no momento da reviravolta. A decaída na grandiosidade dos feitos resulta no crescimento em humanidade do herói. A caracterização do herói épico, por sua vez, constitui-se de modo contrário.

Ainda que passe por grandes dificuldades e provações, e ainda que venha a constituir boa parte de sua grandeza através de uma série de “baixezas” (matar, mentir, tripudiar cadáveres, enganar [...]) a narrativa épica clássica, adotando o ponto de vista do herói, trata de metamorfosear a negatividade em positividade, e o herói épico tem, por isso, um percurso fundamentalmente mais pelo elevado do que o herói trágico, cujo percurso é o da queda. [...] a queda do herói trágico é o que lhe possibilita resplandecer em sua grandeza, assim como as “baixezas” do herói épico é que o “elevam”. (KOTHE, 1987, p.12)

O herói trivial não apresenta uma reviravolta em seu modo de agir. Trata-se de uma personagem linear (ou plana pela definição de Forster) caracterizada em oposição ao vilão da história. A narrativa costuma ser marcadamente maniqueísta, exibindo as grandezas e virtudes do herói ao mesmo tempo em que as compara aos atos execráveis do vilão. A disputa travada entre herói e vilão, nesse tipo de narrativa, não produz mudanças em nenhuma das personagens: o herói reafirma as suas qualidades ao mesmo tempo em que certifica o mal caratismo do vilão. A narrativa desenvolvida para o herói trivial poderia ser representada, assim, pela figura do círculo, já que a jornada desse herói se apresenta como uma tentativa de restaurar o equilíbrio, de voltar ao ponto de distúrbio.

Essa restauração, por sua vez, nunca é completa, pois as aventuras, perigos e decisões que são vivenciadas e cobradas do herói lhe proporcionam um conhecimento maior dele mesmo e daquelas personagens que com ele partilharam dessa trajetória; e um crescimento como pessoa, como herói. Seguindo a tipologia de Kothe, Harry Potter se configura como um herói trivial. As atitudes de Harry, bem como a de seus inimigos, mantêm-se no desenvolvimento da narrativa, nas publicações seguintes. As vitórias do protagonista não resultam em mudanças comportamentais ou de valores em nenhuma das partes envolvidas, mas proporcionam um conhecimento sobre si mesmo, sobre esse mundo que agora é seu, sobre sua história individual.

Na série, Harry é construído sempre em oposição (física e psicológica) aos seus algozes: ele não é gordo nem mimado como seu primo Duda Dunsley; loiro nem alto, egoísta nem mau-caráter como Draco Malfoy; nem é um assassino como Voldemort.

É exatamente essa última característica que livra Harry de ser um herói épico. A violência de suas atitudes se apresenta de forma passiva ou como uma casualidade. Na

obra analisada, Harry derrota seus inimigos ao final da história, levando dois deles à morte. Sob essa perspectiva, Harry é tão assassino quanto seu inimigo, já que e este título é atribuído a qualquer pessoa que ponha fim a vida de outra, independente do número de vítimas. Contudo, o desenlace da narrativa é elaborado de forma a extirpar-lhe a culpa. No primeiro livro da série, Harry enfrenta o professor de Defesa contra as Artes das Trevas, Quirrell, que compartilhava seu corpo com Voldemort. Durante a luta, o herói percebe que ao ser tocado pelo inimigo, este se fere. Durante uma investida de Quirrell, Harry se defende e acaba por matar o professor. Esse desenlace tira de Harry a responsabilidade pela morte do professor, já que o próprio herói desconhecia a existência de uma magia que o protege. A explicação para o ocorrido é dada já no fim da história, por Dumbledore.

— Mas por que Quirrell não podia me tocar?

— Sua mãe morreu para salvar você. [...] Ele não entende que um amor forte como o de sua mãe por você deixa uma marca própria. [...] ter sido amado tão profundamente, mesmo que a pessoa que nos amou já tenha morrido, nos confere uma proteção eterna. [...] Por isso Quirrell, cheio de ódio, avareza e ambição, compartindo a alma com Voldemort, não podia tocá-lo. (ROWLING, 2000a, p.255)

Em Harry Potter e a câmara secreta, o vilão derrotado, Tom Riddle, não é propriamente uma pessoa, mas uma lembrança personificada. A destruição do inimigo ocorre de modo indireto. Ele não golpeia a lembrança, mas o local onde esta foi preservada: um diário. Então, sem pensar, sem raciocinar, como se tivesse pretendido fazer isso o tempo todo, Harry agarrou a presa do basilisco no chão ao lado dele e enterrou-a direto no centro do livro.

Ouviu-se um grito longo e cortante. Um rio de tinta jorrou do diário, escorreu pelas mão de Harry, inundou o chão. Riddle estrebuchava e se contorcia, gritando e se debatendo e então... Desapareceu. (ROWLING, 2000b, p.271)

O herói, em Harry Potter e o prisioneiro de Askaban, não enfrentam pessoas, mas criaturas monstruosas. Ainda assim, ele não as destrói, apenas as afasta para poder salvar seu padrinho. Neste livro, não há exatamente um vilão a ser combatido no final, somente estas criaturas que perseguem Harry durante todo o livro. É importante considerar os valores que regem a construção de Harry Potter como herói.

Suas ações são pautadas na amizade e no respeito aos outros. Suas vitórias, portanto, são resultados da conduta que prega. Harry Potter, por ser uma criança comum, mas também um herói permite uma maior identificação e admiração junto ao público-alvo. [...] não é o triunfo da virtude o que impressiona a criança [...] mas a possibilidade de identificar-se com o herói no desenrolar das peripécias e contrariedades que sofre a possibilidade de participar de suas atribulações e de sentir o triunfo como seu, quando o herói triunfa. A grande lição moral dos contos de fadas é o convencimento de que sempre se pode chegar ao final de todas as dificuldades.

Harry pode até não ser considerado como o herói perfeito com super poder, mas sem sombra de dúvidas, foi se esses incríveis super poderes que ele conseguiu cativar não só crianças, jovens e adolescentes, mas também conseguiu fazer com que a Literatura clássico-fantástica que há muito tempo parecia ter sido esquecido voltasse, trazendo consigo a vontade de descobrir o mundo de lendas e heróis.

3.5. O mito e a literatura

Não podemos pensar em literatura sem pensar em mitologia. Os primórdios da literatura foram histórias míticas narradas em comunidades primitivas com toda a emoção necessária para expressar o espanto ou a êxtase daqueles homens diante dos fenômenos desconhecidos.

Como vimos anteriormente o mito é uma narrativa passada de geração pra geração através da linguagem. Mas é no campo da Literatura que o mito encontrou abrigo e assim permanecendo até hoje, mesmo que sofrendo algumas alterações ele nunca perdeu a sua identidade de narrar feitos que o homem até então não conhecesse.

Prada tentar esclarecer essa relação entre o mito e a linguagem, Cassirer aponta a influência recíproca de uma sobre a outra:

A linguagem e o mito se acham originalmente em correlação indissolúvel, do qual só aos poucos cada um vai se desprendendo como membro independente. Ambos são ramos diversos da mesma formação simbólica que brota de um mesmo ato fundamental e da elaboração espiritual, da concentração e elevação da simples percepção sensorial. (1985:106)

Como Cassirer disse, as metáforas lingüísticas e míticas nascem ambas do mesmo esforço. Esse caráter metafórico da linguagem, é o que a aproxima do mito, contudo ele não é totalmente extinguido: Ele sobrevive em quase todas expressões artísticas, especialmente na poesia lírica e nas narrativas, onde a conexão entre o mito e a linguagem torna-se mais evidente.

No início tudo estava interligado a arte, a ciência-, o mito pode ser considerado realmente a primeira tentativa de racionalização entre as coisas.

Com a evolução do pensamento humano esses campos vão se distanciando progressivamente transformando o pensamento mítico em meras lendas ou somente para ligações históricas decorrer da evolução do pensamento humano, sendo deixa de lado por muitos anos, por causa da racionalização do pensamento humano.

Na Grécia antiga Homero, começa a colocar os mitos em forma de Literatura, escrevendo Ilíada e Odisséia, duas das maiores obras da Literatura Clássica colocando os mitos de volta no cenário mundial da cultura. A poesia lírica e a narrativa épica são os dois gêneros que evidenciam muito a questão do mito permanecendo assim na Literatura, podendo-se perceber a filiação da ficção mitologizada.

Em seu sentido mais direto e imediato o mito literário seria aquele que nasceu da literatura, como Fausto, Don Juan, Capitu, entre muitos outros. Esta classificação se mostra muito frágil se levarmos em consideração que todos os mitos gregos, por exemplo, de uma forma ou de outra foram imortalizados pela literatura ocidental. No entanto podemos usar o termo de uma forma mais simplificada, remetendo apenas àqueles nascidos da pena dos autores modernos (ou não pertencentes à antigüidade).

Mielietinsky, ao longo de seu estudo sobre a mitologização da Literatura, observa diversas formas de utilização dos motivos mitológicos na literatura. Começando por observar a superação, na Idade Média, do paganismo antigo em favor da mitologia cristã. Já com o Renascimento esses motivos são reabilitados, servindo como um arsenal de metaforicidade poética, uma fonte de temas e uma singular linguagem formalizada da arte.

Ao mesmo tempo, é também nos séculos XVI-XVII que se criam tipos literários não tradicionais de imensa força generalizadora representativos de comportamentos universalmente humanos, que se tornaram mitos literários, como Hamlet, D. Quixote, D. Juan, entre outros.

A partir do século XVIII até início do século XX, observa-se o abandono dos temas tradicionais, colaborando para o processo de desmitologização na literatura. Entretanto, surgem duas novas formas de relação com a mitologia: a primeira assenta-se sobre uma concepção antropocêntrica, que dá origem ao novo mito burguês e a segunda se apóia na tentativa de criação de uma nova mitologia que traduzisse a identidade entre natureza e espírito humano. Essas duas formas de relação com a mitologia se verificam respectivamente nas correntes realista e romântica. Segundo Mielietinsky, a nova mitologia dos românticos, que oscila entre o fantástico e o misticismo, foi um dos caminhos que levaram ao mitologismo no romance do século XX.

A Remitologização na Literatura não é algo novo, mas que agora na ficção moderna está tomando uma forma mais sólida, com a erupção da nova Literatura Infanto Juvenil.

Segundo Mielietinsky a nova mitologia oscila entre o fantástico e o misticismo, formando um caminho que levam muitos autores a remitologizar a literatura mais uma vez.

Outras peculiaridades da nova mitologia são: A síntese de diversas tradições mitológicas, a infinita repetição dos heróis no tempo e no espaço e a representação da dualidade dos mundos (oposição entre cotidiano e o fantástico), caso em que vemos em Harry Potter.

O mitologismo presente na Literatura Infanto Juvenil dos séculos XX e XXI, seja como procedimento artístico, seja como visão do mundo manifesta por um lado a superação do realismo critico tradicional do século XIX, mas que por outro lado mostra a percepção de certos princípios imutáveis que transparecem no fluxo da história.

É importante salientar que a poética da mitologização não representa um retorno espontâneo e intuitivo ao pensamento mítico-poético, mas se funda numa atitude intelectual e filosófica baseada no profundo conhecimento da cultura antiga.

Ao analisarmos a obra de J.K Rowling, percebemos muitos paralelos mitológicos diretos através da poética da mitologização. O mitologismo em Harry Potter reside principalmente a alusão não só ao mito do Heróis que se faz presente em toda a obra, mas também como referências a outros aspectos da mitologia. Outra forma de mitologização é observada por Mielietinsky chamada de realismo mágico, onde o mitologismo aparece na relação dos motivos críticos-sociais com os da tradição folclórico-mitológica local.

Essa modalidade literária é recorrente entre latino-americanos e afro-asiáticos, cuja situação histórico-cultural possibilita a coexistência e a interpenetração, que às vezes chega á síntese orgânica, de elementos de historicismo e mitologismo, realismo social e folclore autêntico.

Embora na vida moderna o pensamento mítico primitivo tenha sido suprimido em favor do pensamento lógico, essa supressão não pôde ser total, uma vez que as formulações míticas parecem ter suas raízes num imaginário universal que se manifesta no inconsciente coletivo. Dessa forma, por mais específicos que possam ser os dramas existenciais, ainda assim sua expressão pode pôr em evidência questões que dizem respeito à umanidade como um todo e à sua condição de existência. ”

3.6. Harry Potter e o Fantástico na Literatura

A literatura fantástica tornou-se, nas últimas décadas do século XX, um importante tópico da literatura contemporânea, sendo alvo de diversas análises literárias, nas quais se inclui a do livro O Fantástico (1988), de Selma Calasans Rodrigues, doutora em Letras e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na obra, Selma Rodrigues tenta introduzir o tema de uma maneira didática e sintetizada, devido às poucas páginas do livro (80 p.) e ao caráter da série à qual pertence que é destinada principalmente ao público universitário que pretende ter uma visão geral sobre o tema. A autora, logo no capítulo inicial, apóia-se em textos de dois autores consagrados da literatura fantástica, E. T. A. Hoffmann, Laura Esquível e Gabriel García Márquez, para conceituar e apontar as semelhanças e as diferenças dos textos que, apesar de ambos pertencerem à literatura fantástica, apresentam características peculiares que os enquadram em diferentes concepções do gênero. No segundo capítulo, Selma busca, ao longo da História, as relações entre literatura e realidade, apoiando-se desta vez em análises do escritor argentino Jorge Luis Borges e de Arvède Barine. Há também a seguinte distinção do gênero fantástico:

  • Fantástico lato sensu: refere-se a textos que fogem ao realismo estrito, tomando como referência o Realismo do século do século XIX. A partir desse ponto de vista, toma-se o Fantástico no seu sentido amplo, sendo assim possível afirmar que esta é a mais antiga forma de narrativa.

  • Fantástico stricto sensu: por se elaborar a partir da rejeição do pensamento teológico medieval e toda a metafísica, essa literatura teve suas origens no século XVIII, com o Iluminismo. Segundo o fantástico nasce daquilo que não pode ser explicado através da racionalidade e do pensamento crítico, como o complexo processo de formação dos indivíduos.

Já no terceiro capítulo, a autora passa a conceituar as diversas nomenclaturas utilizadas quando se refere à literatura fantástica, como o realismo mágico, o maravilhoso e o alegórico, que são posteriormente, no capítulo seguinte, utilizadas como apoio para comparar-se o Fantástico produzido na Europa com o Fantástico da “Hispano-América e Brasil”. De acordo com a autora, na literatura fantástica européia, ao contrário da produzida na América Latina, há uma preocupação em preservar o real quando algo sobrenatural ocorre, mesmo que a explicação apareça apenas no desfecho da obra. Visa-se, desta maneira, não se perder a verossimilhança, nem mesmo contestá-la. Já na literatura fantástica da América Latina, não há essa preocupação.

Assim o verossímil funde-se com o inverossímil, o com o sonho, como ocorre no caso da obra de Gabriel García Márquez, citada no início do livro cem anos de solidão.

O Fantástico é um gênero literário que invadiu o cinema, e que define narrativas ficcionais que possuem elementos não explicados pela lógica da nossa realidade. Ele agrupa três subgêneros: ficção científica, fantasia e o horror (ou Terror)

Tanto no cinema quanto na literatura o gênero fantástico possui as mesmas características.

Mortos andando entre os vivos, monstros das mais variadas formas, árvores, pedras e animais que falam etc., são uns dos eventos que não pertencem à nossa realidade. Nossa lógica não entende e não aceita tais fatos. Tzvetan Todorov cita em seu livro “Introdução à Literatura Fantástica”, que dentro da nossa realidade regida por leis, ocorrências que não podem ser explicadas por essas leis incidem na incerteza de ser real ou imaginário. Para Todorov, um evento fantástico só ocorre quando há a dúvida se esse evento é real, explicado pela lógica, ou sobrenatural, ou seja, regido por outras leis que desconhecemos. “Há um fenômeno estranho que se pode explicar de duas maneiras, por meio de causas de tipo natural e sobrenatural. A possibilidade de se hesitar entre os dois criou o efeito fantástico.” (TODOROV, 1968, p. 31).

Porém, a história não pode parecer de forma alegórica, pois, se o leitor ou espectador interpretar o sobrenatural como uma metáfora, num primeiro momento, ele perde o sentido fantástico. Deve haver uma pré-disposição do leitor para negar a alegoria e hesitar quanto à realidade do fato.

Ao estudar o gênero do fantástico, Todorov (1975) o situa entre o maravilhoso e o estranho. O fantástico se instaura quando há uma indecisão acerca da natureza de um acontecimento. Se decidirmos que se trata de um acontecimento sobrenatural, regido por leis estranhas às do mundo que conhecemos, então entramos no âmbito do maravilhoso. Se, ao contrário, conseguirmos dar uma explicação possível no mundo real, o acontecimento passa ao campo do simplesmente estranho. Portanto, para que o fantástico se sustente, é preciso que haja hesitação do leitor. Além disso, o leitor deve ler o texto de uma determinada maneira, que não pode ser nem alegórica, nem poética. Percebe-se, pois, que as fronteiras que separam os três gêneros são muito tênues, e o fantástico pode mesmo ser considerado um gênero sempre evanescente.

Considerando o tema do fantástico, Todorov se aproxima dos postulados da psicanálise, dividindo os temas em dois grandes grupos: Os temas do eu que concernem essencialmente à estruturação da relação entre o homem e o mundo (1975: 128); e os temas do tu que tratam da relação do homem com seu desejo e, por isto mesmo, com seu inconsciente” (1975: 148). Após uma análise temática da algumas obras do gênero fantástico, Todorov conclui que a função do sobrenatural é subtrair o texto à ação da lei e com isto mesmo transgredi-la” (1975: 168). O fantástico teria a função de possibilitar a livre expressão de temas considerados tabus, os quais aparecem transvestidos numa roupagem sobrenatural. Essa espécie de transvestimento torna-se desnecessária com o surgimento da psicanálise, pois os temas da literatura fantástica a tornarem-se os mesmos das investigações psicológicas, denotando, assim, a relação da literatura fantástica com as imagens submersas no inconsciente humano.

Harry Potter, desde o seu primeiro livro, transita entre o estranho, entre o sobrenatural, entre o fantástico... Enfim, pode ser sir considerado um gêneros fantástico, pois está agrupado no subgênero da fantasia.

Por se tratar da Fantasia, muitos escritores criticam o gênero que usam da magia e outras formas sobrenaturais como elemento principal do enredo.

4. Conclusão

Percebe-se, por essa análise, que a trajetória vivida por Harry Potter são retoma o mito do Herói tão utilizado no princípio de nossa literatura e assim podemos experimentar alguma das narrativas fantásticas produzidas pela humanidade

Além de serem tomados inúmeros elementos da mitologia, a própria construção da narrativa coloca como modelo as histórias mais antigas, principalmente das fábulas conhecemos. Harry Potter é herdeiro dessa forma de abstração conhecida como fantástico que, embora relacionada com a realidade, dela se desprende.

Por outro lado, a divisão mecânica entre o Bem e o Mal, que esta relacionada à época em que o homem encarava a natureza como um lugar desconhecido e temia o que considerava como seus perigos, vendo neles algo de mal, está fortemente presente nas obras a respeito de Harry Potter. Nessas obras tenta-se mostrar a força do Bem, ou seja, é previsível que o Mal será derrotado ao final de toda a trajetória de Harry.

Certamente não há que se criticar a vitória do Bem sobre o Mal, mas essa questão está muito mais no campo da Moral do que dos estudos sobre criação literária. Portanto, essa possível relação entre duas forças que se apresentam como antagônicas talvez seja mais emaranhada e complexa do que afirmam os textos sobre o fantástico até hoje produzidos.

Tomando por base esta conclusão devemos apoiar também nossos jovens e adolescentes a retomarem a viagem pelo fantástico e pelo universo de nossos heróis que andaram tão esquecidos, mas que com o ressurgimento dos mitos na literatura estão voltando a cena da Literatura Universal.

5. REFERÊNCIAS Bibliográficas

CAMPBELL, Joseph. 1995. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix.

CASSIRER, Ernst. 1985. Linguagem e mito. São Paulo: Perspectiva.

ELIADE, Mircea. 1978. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva.

TODOROV, Tzvetan. 1975. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva.

RODRIGUES, Selma Calasans. O fantástico. São Paulo : Ática, col. Princípios, 1988.

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Petrópolis: Vozes, 1996.

ROWLING, J. K. Harry Potter e a Pedra Filosofal Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

__________ Harry Potter e a Câmara Secreta Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

__________Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban Rio de Janeiro: Rocco, 2001.

__________Harry Potter e o Cálice de Fogo Rio de Janeiro: Rocco, 2001.

__________Harry Potter e a Ordem da Fênix Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

__________Harry Potter e o Enigma do Príncipe. Rio de Janeiro: Rocco, 2005

__________Harry Potter e as Relíquias da Morte. Rio de Janeiro: Rocco, 2007 


Publicado por: Mariana Costa de Oliveira Rocha

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