A cultura africana na educação brasileira

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1. RESUMO

O presente trabalho monográfico versa sobre a contribuição da cultura africana na sociedade e na educação brasileira. Tem como objetivo valorizar o negro, a sua cultura, a sua contribuição na construção da identidade brasileira, perceber como negro é visto e representado nesta sociedade, principalmente na educação brasileira. Trata-se de um estudo bibliográfico, enriquecido por autores e fontes sobre a temática em questão. O negro no Brasil sempre foi visto apenas como escravo servindo, apenas, para suprir o trabalho braçal em diversos setores da sociedade.  O estereótipo criado sobre o negro só serviu para minimizar a contribuição deste no processo histórico, cultural, econômico, político e social no Brasil, que sempre foi voltado para as tradições eurocêntricas, tendo estas como as únicas fontes mediadoras de crescimento e desenvolvimento. Para nós brasileiros é de total relevância colocar em foco os estudos sobre a África, considerando a matriz histórica e cultural que os africanos e seus descendentes tiveram na formação e desenvolvimento da sociedade brasileira, marcando profundamente a nossa identidade nacional. Enfim há que revelar todo esse processo histórico colocando em evidência o Negro, assinalar as políticas públicas em andamento como o Decreto-Lei nº 10.639 de 09 de Janeiro de 2003 que determina para todos os níveis de ensino: “O estudo da África, dos africanos, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra e do negro na formação da identidade nacional”.    

Palavras-chave: Cultura Africana.  Educação brasileira. Identidade

2. ABSTRACT

This present monograph treats of the African contribution in the Brazilian society and in the education. It has as objective to valorize the black culture, the black people and the contribution in the construct of Brazilian identity, to realize how the black people is seen and represented in this society, especially in the Brazilian education. It deals about a bibliographic study increased by authors and sources about this theme. The black people in Brazil have always been seen only as a slave, just doing the manual hard work in several sectors in the society. The stereotype created about the negro only served to minimized the contribution in the process historic, cultural, economic, political and social in Brazil, which was always turned to the Eurocentric traditions, having theses ones as the only mediators sources of growth and development. For the brazilian people is extremely important to put in focus the studies about Africa, considering the historic and cultural basis that the Africans and theirs descendants had in the formation and the progress of the brazilian society, marking our identity. Finally it has to reveal this all historic process evidencing the negro, to mark the publics politics in process as the Decree – Law 10.639 January 9th, 2003 that determines to the all levels of study: “The study of Africa, the Africans, the negro fight in Brazil, the black people culture and the national identity structure”.

Palavras-chave: African culture.  Brazilian education. Identity

3. INTRODUÇÃO

O tema do presente trabalho versa sobre a contribuição da cultura africana na sociedade e na educação brasileira, cujo objetivo é valorizar o negro, a sua cultura, bem como a sua importância na construção da identidade nacional.

Diante das desigualdades sociais e das discriminações raciais existentes no Brasil e, sobretudo, do desconhecimento da contribuição do negro para a formação e desenvolvimento da sociedade brasileira, assim como a importância intrínseca do continente africano na História Mundial foi instituída a lei 10.639/03 tornando obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas redes de ensino fundamental e médio.

Além do mais, as crescentes demandas da sociedade brasileira, em especial os afro-descendentes, e o novo patamar em que o Brasil está se inserindo no cenário mundial, urge a necessidade de se aprofundar nos conhecimentos sobre a África.

Esta lei é uma das muitas conquistas proveniente da luta de vários movimentos. Tais movimentos vêm, há longas décadas, tentando minimizar os efeitos das diversas condutas adotadas pelo colonizador que ao estabelecer a estratégia do racismo quis, na verdade, marcar uma diferença entre o colonizador e o colonizado, colocando o negro na condição de sub-humano.

A forma violenta com que foram tratados, e ainda são, deixaram marcas profundas, atingindo diretamente as gerações de crianças, jovens e adultos descendentes desta etnia, que vêm sofrendo o “peso” de ser negro em uma sociedade com um histórico de dominação eurocêntrica.

A escola, como sabemos, viveu durante séculos absorvida por teorias racistas, fomos vítimas de pensamentos científicos que fizeram do negro um povo subalterno do homem branco, colocando-o em condição de inferioridade. Tal condição era indispensável ao colonizador que procurava explicar e justificar a exploração ao mesmo tempo em que se tranqüilizava moralmente. (PEREIRA, 2006, p. 52).

Neste sentido, com a promulgação desta lei, espera-se que a educação brasileira possibilite a formação de uma identidade cultural negra positiva nas crianças, seja afro descendente ou não, assim como na sociedade de maneira geral, contribuindo para um despertar e um novo olhar de si e do outro, pois “o caráter de matriz histórica e cultural que os africanos e seus descendentes tiveram na formação e desenvolvimento da sociedade brasileira, marcaram de forma indelével a nossa identidade.” (Ibdem, p. 10).

Para tanto, o Ministério da Educação e Cultura através dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs busca: conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sócio cultural brasileiro, bem como aspectos sócio culturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais ou sociais. (BRASIL, 1997, p.6).

Faz-se necessário ressaltar, também, a Resolução 01/2004 do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno (CNE/CP), que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, “a serem observadas pelas instituições de ensino, que atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira” (BRASIL, 2004).

Desta forma, a relevância do tema pesquisado fundamenta-se na questão de um novo olhar sobre a história da África, a cultura afro-brasileira, os negros e os seus descendentes na sociedade e na educação brasileira.

Este Monografia foi ordenada em três capítulos pelos quais pretendemos esclarecer as proposições por nós formuladas.

No primeiro capítulo procuramos fazer uma reflexão do significado do termo cultura e as várias abordagens (etnológica, antropológica e sociológica) sobre a temática em questão. Tratamos, também, das regiões de origem dos africanos trazidos para o Brasil durante o tráfico negreiro, assim como, procuramos, sucintamente, apresentar de maneira geral, a cultura transportada pelos negros da África e a contribuição desta sob os diferentes âmbitos da sociedade e do cotidiano brasileiro.

O segundo capítulo permite a compreensão do período pós-abolição, da campanha do “branqueamento” promovida pelo governo republicano e pela elite dominante da época que tinha como objetivo excluir o negro da sociedade brasileira. Apresentamos, também, a luta por um espaço na sociedade, através dos movimentos negros, e as suas conquistas no cenário brasileiro, em particular a lei 10.639/03 que institui obrigatoriedade no currículo escolar do ensino fundamental ao ensino médio de História e Cultura afro-brasileira e africana nas redes de ensino pública e privada.

No terceiro capítulo tratamos de discorrer sobre a importância do continente africano na História Mundial, bem como a importância da cultura negra na construção da identidade brasileira. Procuramos destacar, sinteticamente, a forma como o negro é visto e representado nos livros didáticos das escolas brasileiras.

4. Cultura: Discutindo Conceitos

Iniciamos este capítulo abordando o significado do termo “cultura”. São várias as abordagens encontradas para a temática. Apresentaremos aquelas que são pertinentes aos nossos estudos.

Numa discussão antropológica o termo cultura possui duplo sentido: por um lado é considerado como o conjunto das representações e dos comportamentos adquiridos pelo homem enquanto ser social. Em outras palavras, é o conjunto histórico e geograficamente definido das instituições sendo característica de determinada sociedade, designando “não somente as tradições artísticas, científicas, religiosas e filosóficas de uma sociedade, mas, também suas técnicas próprias, seus costumes políticos e os mil usos que caracterizam a vida cotidiana” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1996, p. 61). Por outro lado, é o processo dinâmico de socialização pelo qual todos estes fatos de cultura se comunicam e se impõem em determinada sociedade, seja pelos processos educacionais propriamente ditos, seja pela difusão das informações em grande escala, a todas as estruturas sociais, mediante os meios de comunicação de massa. Neste sentido, a cultura praticamente se identifica com o modo de vida de uma população, vale dizer, com todo o conjunto de regras e comportamentos pelos quais as instituições adquirem um significado para os agentes sociais e através dos quais se encarnam em condutas mais ou menos codificadas. (Ibdem, p. 61)

No sentido mais filosófico, a cultura pode ser considerada como feixe de representações, de símbolos, de imaginário, de atitudes e referências suscetível de irrigar, o corpo social.

Ainda, para os autores supracitados, cultura é também considerada como tesouro coletivo de saberes possuído pela humanidade ou por certas civilizações: a cultura helênica, a cultura ocidental etc.

Para os etnólogos, a cultura é formada por uma complexidade de valores que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos como membro de uma sociedade. Este conceito foi definido pela  primeira vez por Edward Tylor  na década de setenta do século XVIII. (LARAIA, 2006, p. 25)

Ainda para LARAIA, (2006, p. 25 - 26 ), com esta definição Tylor abrangia em uma só palavra todas as possibilidades de realização humana além de marcar fortemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição à idéia de aquisição inata, transmitidas por mecanismos biológicos. Mas o que ele fez foi formalizar uma idéia que vinha crescendo na mente humana.

Já na abordagem sociológica, o termo cultura, no sentido que a palavra é usada, não se restringe a certos campos do conhecimento: envolve os modos de comportamentos derivados da esfera total da atividade humana e não tem existência independente fora do comportamento dos indivíduos. Envolve ações, idéias e artefatos que os indivíduos aprendem, praticam em conjunto e prezam. (MARCONI, 1982, p. 123). Para esta autora, todas as pessoas, à medida que participam de grupos e da sociedade global possuem cultura.

Ainda nesta mesma perspectiva, ARANTES (1990, p.34-35) afirma que em se tratando de vida social, a cultura (significação) está em toda a parte. Todas as nossas ações, seja na esfera do trabalho, das relações conjugais, da produção econômica ou artística, do sexo, da religião, das formas de dominação e da solidariedade, tudo nas sociedades humanas é constituído segundo os códigos e as convenções simbólicas que denominamos “cultura”.

Desse modo, interpretar o significado das culturas implica em reconstituir, na sua totalidade, o modo como os grupos representam as relações sociais que os definem enquanto tais, na sua estruturação interna e nas suas relações com outros grupos e com a natureza, nos termos e a partir dos critérios de racionalidade desse grupo. (Ibdem, p.34-35).

4.1. A cultura negra no Brasil

Antes de iniciarmos a análise da cultura transportada pelos negros da África, iremos situar as regiões de origens destes africanos que constituíram a maior parte da população imigrada no Brasil.

Os negros africanos trazidos para o Brasil colônia, na condição de escravos, vieram das principais regiões da África Subsaariana (Ocidental, Centro-Ocidental e Oriental). A África Ocidental compreende os territórios entre os rios Senegal e Cross. Além desses, estão localizados nessa região os rios Gâmbia, Volta e Níger, todos considerados as mais importantes vias de comunicação, desaguando no Oceano Atlântico; a África Centro-Ocidental é entendida como a área que se estende entre o rio Congo e o rio Cuanza, cujas nascentes estão localizadas no interior de Angola e na floresta equatorial central, lançando suas águas também no Atlântico. Já a África Oriental abrange os territórios entre os rios Limpopo e o Zambeze, que desaguam no oceano Índico. (MATTOS, 2008, pág 15).

No século XVI, cerca de 100 mil escravos africanos chegaram ao Brasil oriundos da região da Senegâmbia ( área entre o deserto do Saara e a floresta equatorial, nas bacias do rio Senegal e Gâmbia, África Ocidental), capturados entre os povos de mandingas, jalofos, balantas, bijagós,etc. Nesta época, muitos embarcaram em Pinda, no reino do Congo e da Angola. Só nas últimas décadas deste século as importações chegaram a quase quinze mil escravos por ano. No início do século XVII, Pernambuco recebeu  aproximadamente quatro mil escravos por ano e a Bahia , três mil. (Ibdem, p. 104) Já nos séculos XVIII e XIX, entre 1770 e 1850) foi a vez da Costa da Mina e do Benin, exportar mão-de-obra escrava. Ressaltamos que estes negros possuíam uma vasta experiência na exploração das minas, neste sentido, atendia a demanda de trabalhadores para a exploração das minas brasileiras, principalmente, nas Minas Gerais. (Ibdem, p. 105)

Podemos representar o total de africanos desembarcados no Brasil entre os anos de 1551 e 1870 da seguinte forma:

Tabela 01 - Número de africanos desembarcados no Brasil no período de 1551 a 1870

Período

Período

1551-1575

10.000

1781-1790

181.200

1576-1600

40.000

1791-1800

233.600

1601-1625

150.000

1801-1810

241.300

1626-1650

50.000

1811-1820

327.700

1651-1675

185.000

1821-1830

431.400

1676-1700

175.000

1831-1840

334.300

1701-1720

292.700 

1841-1850

378.400

1721-1740

312.400

1851-1860

6.400

1741-1760

1761-1780

354.500

325.900

1861-1870

Total

-

4.029.800

FONTE: ALENCASTRO apud MATTOS, 2008, p.105.

A tabela acima revela a crescente demanda de mão de obra escrava desembarcada no Brasil, com o objetivo de suprir todas as explorações econômicas realizadas nos períodos citados; o que intensificou a produção em grande escala como por exemplo: cultivo de cana de açúcar, a exploração das jazidas de ouro, o café e os demais trabalhos exercidos pelos escravos, como veremos mais adiante.

De acordo com os estudos realizados por Arthur Ramos, (ARTHUR RAMOS apud JÚNIOR, p. 103, 1980), pode-se afirmar que os negros entrados no Brasil eram agrupados conforme as culturas que representavam: os de culturas Sudanesas, culturas Guineano-Sudanesas Islamizadas e cultura Banta. Estes três grandes grupos proporcionam a seguinte distribuição: As culturas Sudanesas, representadas principalmente pelos povos iorubanos, da Nigéria (nagô, Ijechá, Eubá ou Egbá, Ketu, Ibadan, Yebu, ou Ijebu e grupos menores); Daomenos (jeje, Ewe, Fon ou Efan; Fanti –Ashanti, da Costa do Ouro (Mina propriamente dito, Fanti e Ashanti, grupo menores da Gâmbia, da Serra Leoa, da Libéria, da Costa da Malagueta, da Costa do Marfim etc.); As Culturas Guineano-Sudanesas Islamizadas, ou Negro-Maometanas foram representadas pelos seguintes grupos principais: Peuhl ( Fulah, Fula); Mandinga ( Solinke, Bambara etc.); Haussá; Tapa, Borem, Gurunsi.; As Culturas Bantas, constituídas por inúmeras tribos dos seguintes grupos: Angola-Congolês e Contra-Costa.

Estas classificações é que tem servido de base a todos os estudos sobre a contribuição cultural do negro africano na formação brasileira. (JÚNIOR, 1980, p. 103).

Através dos dados apresentados na tabela nº 1 podemos constatar a importância do negro africano na construção da estrutura da sociedade brasileira. Os africanos não contribuíram apenas como mão- de -obra escrava, mas marcaram a sociedade em outros aspectos : na forma como se organizavam em nações, na constituição de famílias, nas manifestações da religiosidade e na cultura.

Estes povos trabalharam e desempenharam diversas funções: nos engenhos de cana de açúcar; na exploração das jazidas de ouro; nos cafezais das grandes fazendas que eram produtos de grande fonte de economia e exportação. Porém não foi só neste tipo de trabalho que a mão-de-obra foi utilizada. Na zona rural, além das grandes fazendas, trabalhavam, também, em pequenas propriedades que tinha sua produção voltada o café para o milho, arroz, feijão, algodão, milho, fumo, farinha de mandioca, azeite de amendoim, aguardente, além da criação de gados e porcos. (Ibdem, p.109). Também era comum nas fazendas de café o cultivo de lotes de terras pelos escravos, destinados a sua subsistência. Faziam isso, sobretudo aos domingos, quando tinham um tempo destinado aos seus próprios afazeres.

Além da produção de gêneros agrícolas os escravos concentram-se, também, nas áreas dos centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, onde foram aproveitados em diversos setores da economia: cuidavam dos serviços domésticos, da manutenção da propriedade e de suas próprias plantações. Trabalhavam nos transportes destes produtos, em atividades artesanais, como o beneficiamento do couro e a fabricação de objetos de cerâmica, nas olarias, pedreiras, no corte de lenha e capim, nos transportes por água como canoas, barcos, levando mercadorias e pessoas, nos navios negreiros para aqueles que tinham alguma especialização, nos transportes de seus proprietários; as carruagens, eram responsáveis também pelo abastecimento de água, ficando encarregados de buscá-las nos chafarizes e bicas espalhados pela cidade, de limpar as ruas, de matar os animais, limpá-los e entrega-lós nos estabelecimentos nos quais eram vendidos. Outros escravos, a maioria presos ou alugados, trabalhavam em obras públicas, construindo prédios e estradas, abrindo ruas e canais, carregando terra e fazendo a pavimentação.

Existiam, também, os escravos de ganho ou aluguel. Estes, eram empregados em ofícios especializados como o de sapateiro, barbeiro, alfaiate e ferreiro, e também nos serviços menos qualificados de pedreiros, lavadeiras, quitandeiras e carregadores. O ofício de ferreiro era o que tinha melhor remuneração. Fabricavam quaisquer objetos em ferro, cobre, prata e ouro, desde panelas, caldeiras, correntes, algemas, lanternas até instrumentos musicais. Segundo Mattos (2008, p.111), muitos escravos eram barbeiros e “cirurgiões” ou sangradores. Tendo em vista a rara presença de médicos, os barbeiros cuidavam ainda do tratamento de doenças, utilizando sanguessugas para fazer o doente sangrar e, assim, eliminar as doenças. A maioria das parteiras era escrava ou liberta, colocava em prática seus conhecimentos da medicina natural utilizando ervas e plantas fáceis de obter nos matagais da cidade.

Destacamos que dentre os escravos existiam, também, aqueles que se dedicavam à arte, quando era permitido. Exerciam as funções de artistas, músicos, escultores e pintores. Tocavam em bandas públicas, das irmandades e nas missas das igrejas; confeccionavam altares e imagens de santos em madeira e pintavam os prédios públicos, residenciais e religiosos. Muitos escravos sabiam tocar vários instrumentos musicais, sobretudo aqueles de origem ou influência africana. Eles próprios fabricavam seus instrumentos, entre eles: tambores (tocados em festas, rituais religiosos e na prática da capoeira; marimba – feita de cuia ou cabaça – viola de angola – uma espécie de alaúde de arco  – e urucungo ou oricongo, que provavelmente deu origem ao berimbau.  (Ibdem, 2008, p. 111).  

Os escravos pertenciam a diferentes grupos africanos e passaram a ser identificados pelos europeus, por nações, quais sejam de mina, angola, nagô, jeje, cassange, benguela, entre outras. As chamadas nações eram as denominações dos portos de embarque ou dos principais mercados de escravo no continente africano. Muito raramente a etnia original do africano era identificada. Esta foi à maneira que os europeus encontraram para identificar e associar as características físicas e morais dos africanos, o que contribuiu para o estabelecimento de estereótipos dos diferentes grupos, facilitando e valorizando, desta forma, as negociações dos traficantes em ganhar a concorrência no comércio de escravos. Porém, não foi somente os europeus e traficantes de escravos que mantiveram a diferenciação e a classificação das nações africanas. Os próprios africanos passaram também a reconhecer-se e a diferenciar-se pelas “nações” criadas pelos europeus. Ao incorporarem, estas identificações se organizaram socialmente constituindo relações de amizade e de parentesco, com a idéia de pertencimento do grupo.

Conforme Mattos (2008, p.116), uma das formas mais comuns de reconhecimento do negro era por meio de “sinais de nação”, como se chamavam na época as escarificações (espécie de cicatriz) feitas pelos próprios africanos nos seus corpos, especialmente na face. Essas marcas tinham características específicas, permitindo saber a que “nação” pertencia o africano.   Assim, uma das formas de organização dos africanos levando em conta a nação que supostamente pertenciam, eram as irmandades religiosas. Estas com origem na Europa Medieval tinham dois objetivos principais: o de devoção, propagando a doutrina católica, e o de caridade, dando assistência aos associados e seus familiares. Embora as irmandades fossem de origem européia direcionadas para a catequese católica, os africanos e seus descendentes conseguiram, através desta, um espaço para exprimir as suas culturas, como por exemplo, através do uso de instrumentos nas festas religiosas. Deste modo, nestes locais, eles poderiam construir um novo tipo de família, já que a de origem já havia sido desestruturada no momento do embarque. Os africanos também levavam em conta os laços de nação nas relações de compadrio e da escolha dos conjugues. Em geral, eles escolhiam para padrinhos dos seus filhos e para cônjuge pessoas que pertencessem a mesma nação a fim de preservar suas tradições culturais. Outros africanos, em raríssimos casos, conseguiam restabelecer os vínculos familiares originais, sobretudo nas localidades brasileiras que receberam um número significativo de escravos oriundos de uma mesma região da África.

4.1.1. A religiosidade

Na questão da religiosidade os africanos trouxeram seus conhecimentos, tradições e  uma diversidade de crenças. Os de origem ioruba, por exemplo, possuiam influência islâmica, como os  Nupe, Oió e Borno (povos de língua e cultura semelhantes, habitantes na região a sudoeste da atual Nigéria e a sudeste da atual República do Benin ) , também conhecidos na Bahia por malês, palavra que se aproxima de ìmàle, que quer dizer “muçulmano em ioruba”(Ibdem, 2008, p.82 ,156).  Assim era chamado de malês quaisquer muçulmanos, fossem eles das nações haúça, tapa (Negro-Maometanas), nagôs ou jeje.

Os malês utilizavam como símbolo da sua religião os amuletos patuás ou bolsas de mandingas e também o abadá.  Os amuletos eram muito utilizados na África Ocidental e considerados verdadeiros talismãs contra o mal, protegendo os africanos contra ataques em guerra , viagens e espíritos do mal. No Brasil , eram feitos de pequenas bolsinhas de couro, onde eles acrescentavam muitas vezes búzios, algodão, ervas e areia. O abadá era uma espécie de camisola grande de cor branca, utilizada apenas nos rituais, além de utilizarem chapéus, turbantes e anéis de ferro. Organizavam-se em torno de um mestre e reuniam-se em casas de oração para o estudo do alcorão. Faziam preces, copiavam orações, aprendiam a ler e escrever em árabe. (Ibdem, 2008, p. 156).

Além dos africanos muçulmanos, como vimos anteriormente, encontramos, também, africanos que praticavam o calundu que representava a prática de curandeirismo e uso de ervas com a ajuda de métodos de adivinhação e possessão.  As pessoas que praticavam o calundu eram consideradas curandeiras e exerciam grande influência sobre as suas comunidades, pois eram considerados importantes líderes religiosos, pois detinham conhecimento de certas técnicas medicinais, sabiam manipular venenos, calmantes e por isso eram vistos como bruxos ou feiticeiros.

Segundo Mattos (2008, p, 157), pode-se afirmar que a prática do calundu ou do curandeirismo recebeu influência das tradições da África Centro-Ocidental. Além dos ancestrais, os indivíduos que possuía um status ocupacional no mais alto grau da hierarquia, seja dentro de uma sociedade mais ampla ou de um grupo institucional (familiar ou religioso) eram dotados de caráter sagrado. É o caso dos reis, chefes, pais de família, religiosos considerados líderes espirituais, assim como, aqueles que praticavam a adivinhação e o curandeirismo.

Para muitos africanos o calundu ou o curandeirismo, além de ser uma oportunidade de expressar suas visões de mundo e crenças religiosas, era, também, uma forma de resistência e de luta ao sistema escravista, muitas vezes sendo utilizada como arma ou defesa dependendo das circunstâncias vividas. No conjunto de crenças africanas sobre o universo, os africanos atribuíram, e até hoje atribuem, uma grande importância aos espíritos dos ancestrais, pois, são considerados os seres intermediários entre o homem e o ser supremo. Para os africanos, os ancestrais são dotados de muita energia, chamada de energia vital, adquirida e acumulada durante a sua existência na terra.  (SANTOS, 2008, p.102).

Sobre o culto aos ancestrais, Luiz Carlos da Silva Oliveira, sacerdote do culto do Candomblé nos concedeu o seguinte depoimento: “Os ancestrais foram grandes homens, que tiveram sua existência de ações dignas e realizações importantes, estão associados à estrutura da sociedade, à história dos seres humanos, deixaram, assim, uma herança a ser seguida pelos seus descendentes. (OLIVEIRA, 2009).

Sobre o culto aos ancestrais Mattos afirma:

Para se conseguir valores positivos e levar uma vida com harmonia, não se poderia deixar de cultuar os seus ancestrais mortos, agradando-os com oferendas, sobre tudo, aqueles que deram origem as comunidades. Ainda mais quando se acreditava que, com a morte, a energia vital poderia se dissipar.E, para que isso não ocorresse era necessário realizar oferendas, preces e rituais fúnebres, objetivando a manutenção da energia vital mesmo depois da morte. (MATTOS, 2008, p. 158).

Desta forma, a oferta de oferendas aos ancestrais como alimentos e bebidas em lugares sagrados vem sendo transmitida entre as gerações que fazem parte do culto a ancestralidade visando à manutenção da energia vital: o axé.  “O axé é a energia vital que movimenta o universo. Sem essa energia nada se transforma, nada se renova, não há absorção da energia positiva.” (OLIVEIRA, 2009) 

Nas questões culturais os africanos e seus descendentes aproveitavam as festas do calendário religioso católico, como o natal, a quaresma e a semana santa para realizarem suas tradições culturais: como danças, batuques e capoeiras que no capítulo seguinte veremos com mais detalhes. Nessas datas eles podiam circular com maior liberdade, tendo em vista o próprio incentivo dos proprietários à participação de seus escravos nessas celebrações. Desta forma evitavam que os escravos ficassem insatisfeitos e mostravam sua devoção e o seu prestigio social ao fazê-los desfilar pelas procissões. Com isso os africanos conseguiam se reunir com seus conhecidos e praticar suas tradições culturais durante os intervalos dessas festas, mantendo laços de amizades e solidariedade com seus povos de origem. E, também, para os africanos, a música e a dança possuíam uma relação direta com o universo religioso, eles utilizavam esses meios como fontes de comunicação com o mundo espiritual preservando, assim, suas tradições religiosas e culturais.

A contribuição do africano no Brasil foi essencial para a estrutura da sociedade brasileira, seja como mão-de-obra escrava que contribuiu ricamente com a gama de conhecimentos que os mesmos detinham sobre a agricultura, a mineração, entre outros , que elevou os setores econômicos do país, seja com suas crenças religiosas, suas tradições e manifestações culturais, que influenciaram e influenciam ainda hoje o cotidiano brasileiro.             

A cultura Africana esta presente na dança, na religião, na música, na culinária e no idioma aspectos mais visíveis que se manifestam no cotidiano brasileiro. Vejamos inicialmente a questão da religiosidade: a Umbanda Começou a ser praticada no século XX, na região sudeste do Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo. É resultado do processo transcultural, surgiu no Brasil sob influência dos povos africanos que mantiveram suas práticas religiosas sincretizadas com o catolicismo, na qual, eles associam os orixás aos santos católicos. O principio básico da umbanda é a crença na existência de forças sobrenaturais que interferem nesse mundo. O conhecimento e a relação com essas forças sobrenaturais requerem rituais e processos iniciáticos, como, por exemplo, banhos de ervas, oferendas, incorporação mediúnica. A umbanda faz a distinção entre as forças benéficas e maléficas. As forças benéficas são os chamados guias de caridade e as forças maléficas são os espíritos sem luz. (MATTOS, 2008, pág 171).

Além da umbanda, o Candomblé, também, é resultado do processo transcultural.  Surgiu no Brasil sob a influência de grupos africanos. As principais referências ao candomblé no Brasil datam do século XIX. É um culto voltado à ancestralidade, Orixás, Inkices e Voduns. (ancestrais relacionados à fundação das principais linhagens africanas). O candomblé recebeu  maior influência das tradições religiosas da região Ocidental da África, que tinham como prática o culto de imagens em pequenos altares e os sacrifícios de animais em oferendas às divindades, realizados em espaços especificamente destinados aos rituais coletivos. Dentre estas tradições africanas ocidentais três em especial, marcaram o candomblé: a jeje ou daomeana, dos cultos voduns,  a ioruba ou nagô, dos cultos aos orixás e a banta ou angolana, dos cultos inkices. (MATTOS, 2008, pág 161).

Segundo Santos, (2008, pág102), “Os Orixás ou Voduns são divindades que orientam o mundo dos vivos, estão especialmente associados à estrutura da natureza, à origem da criação e sua própria formação e seu axé foram emanações diretas de Olórun”(Deus Supremo).

No Brasil os principais orixás cultuados são: Exú ou Elegbara: é o mensageiro dos orixás, senhor da comunicação. Exú esta ligado a multiplicação e ao crescimento. Ele é transformação e vida, é o senhor do axé. As cores que representam esse orixá é o vermelho, preto e o dia da semana é segunda – feira; Ogum: é o orixá das guerras, criou as montanhas e minerais, tem o poder de abrir os caminhos para a evolução do mundo, é o senhor da agricultura. As cores que o representam são o azul escuro e o verde e o dia da semana é terça – feira; Oxosse: é o orixá da caça e junto com Ogum desbrava os caminhos e rema os obstáculos da vida. Não é a favor da caça predatória e é representado por Ofá (arco e flecha). Suas cores são azul claro, verde e branco e o dia da semana é quinta – feira; Ossaim: é o orixá das folhas e da medicina. As folhas são sempre portadoras de axé e no candomblé sem elas e sem Ossaim nada se faz. Sua cor é verde e o dia da semana é segunda – feira. “Kossi Ewe Kossi Orixá” (Sem folhas não há orixá); Omolu: é o orixá que está ligado ao sol, colheitas e ambivalentemente detém a doença e a cura. Suas cores são o vermelho, o branco e o preto, e ele usa palha nas costas que cobre da cabeça a cintura e o dia da semana é segunda – feira; Oxumaré: é o orixá que sustenta o universo controla e põe os astros e o oceano em movimento. Representa a continuidade do movimento e do ciclo vital. Sua essência é o movimento, a fertilidade, a continuidade da vida, suas cores são o amarelo mesclado com verde e o dia da semana terça-feira. Xangô: representa o dinamismo dos elementos da natureza de cujo encontro nascem este fenômenos metereológicos. Poder, fogo, movimento, vida e fecundidade. Orixá da justiça, suas cores são vermelho, marrom e branco e o dia da semana é quarta – feira; Logun Edé: é o orixá que propicia a caça e a pesca, suas cores são o azul celeste e amarelo e o dia da semana é quinta-feira; Oxum: Desempenha importante função nos ritos de iniciação, que são a gestação e o nascimento, sua cor é o amarelo dourado. E o ovo é a ela consagrado por representar a gestação e o dia da semana é sábado; Yansã: é um orixá feminino relaciona-se com todos os elementos da natureza. Possui o domínio dos ventos e das tempestades, suas cores são o branco, vermelho e rosa, o dia da semana é quarta – feira; Yemanjá: é um orixá feminino que rege a maternidade, representa a fecundidade, suas cores é o branco, o verde claro, a prata, o dia da semana é sábado; Nanã: é um orixá feminino, divindade dos primórdios da criação, associado a lama, água e a morte: recebe no seu seio os mortos, tornando possível o renascimento, suas cores são o branco com traços azuis ou roxos, o dia da semana é sábado; Oxalá: é o orixá detentor do poder genitor masculino. Todas as suas representações incluem o branco. É um elemento fundamental dos primórdios, massa de ar e massa de água, a protoforma e a formação de todo tipo de criaturas no aiye (terra) e no orun (céu), sua cor é branco leitoso, o dia da semana é sexta – feira. (MATTOS, 2008, p. 162 - 163).

Além da influência religiosa, a culinária africana tornou-se também presente no cotidiano brasileiro. Dos africanos vieram as técnicas e os modos de cozinhar os alimentos. Do comércio realizado com a África ,  uma variedade de produtos foram trazidos para o Brasil , como o azeite de dendê, a banana, o café, a pimenta malagueta, o óleo de amendoim,inhame etc... Os pratos de influência africana que são mais populares no Brasil são o vatapá que é feito com pão, azeite de dendê, leite de coco, pimenta, sal e camarões; o bobó que é feito de mandioca, leite de coco, azeite de dendê, pimenta, sal e camarões; o acarajé, feito com feijão fradinho, azeite-de-dendê, pimenta, sal e camarões; a moqueca, que é feita de peixe, camarões, azeite-de-dendê, leite de coco, tomate, pimenta e sal; o acaçá branco que é um mingau feito da farinha dos grãos da canjica e misturadas ao leite de vaca , de coco e açúcar; o axoxó que é feito dos grãos cozidos de milho com lascas de coco;o angu que é uma espécie de mingau feito da farinha de milho e pode ser doce ou salgado;a feijoada, que também tem a sua origem ligada a história dos primeiros africanos nas senzalas do período colonial misturavam feijões pretos com restos de carne de porco (pés, rabos, orelhas) e a carne seca., entre outros.

4.1.2. Outras manifestações culturais

Nas outras manifestações culturais como a música e a dança, os africanos possuíam uma relação direta com o universo religioso, eles utilizavam esses meios como fontes de comunicação com o mundo espiritual, assim preservando suas tradições religiosas e culturais. 

A capoeira é uma dança marcial praticada com instrumentos de percussão, música cantada, dança e, em geral, acrobacias. Tem sido bastante popularizada, sendo freqüentemente mencionada na música popular brasileira, em documentários e filmes. Era uma prática muito comum entre os negros de ganho e libertos que vendiam alimentos pelas ruas. Para proteger de roubos suas mercadorias, que carregavam em cestos chamados capoeira, os negros movimentavam o corpo, de maneira que pareciam fazer uma coreografia, com isso a capoeira se tornaria conhecida como uma dança ou brincadeira, feita por escravos e libertos nas horas vagas. A capoeira preservou a imagem de uma prática predominantemente escrava e africana.

Os grupos distintos de capoeiras eram conhecidos por maltas, e eram verdadeiras organizações, marcadas por hierarquias, rituais e símbolos específicos. As diferenças entre os grupos eram estabelecidas pelas cores dos objetos, como as fitas vermelha ou amarela, de acordo com a malta. A maior parte das maltas de capoeira no Rio de Janeiro era composta pelos africanos centro-ocidentais, por congo e cabindas, que na África eram povos vizinhos;

O batuque era uma manifestação cultural marcada pela música e por movimentos de dança, originário de uma dança chamada batuco, praticada pelos povos de Ambriz, do Congo, e nos territórios em torno de Luanda, e consiste de homens e mulheres que ficavam numa espécie de círculo, cantando músicas e acompanhando com o bater das palmas provocando movimentos no corpo;

O lundu era marcado pela introdução das palmas e pelo movimento do corpo de forma constante, também conhecido como umbigada, pois era realizado em pares e, em determinados momentos, os corpos dos participantes avançavam um em direção ao umbigo do outro, teria recebido influência de uma manifestação da região Congo-Angola, e hoje é uma manifestação existente no Maranhão conhecida como tambor-de-crioula; (MATTOS,2008, p. 184 - 194).

Os instrumentos musicais como tambores, atabaques, agogô, flauta, afofri, afoxé e berimbaus foram e ainda são usados também nas práticas religiosas.

Assim, os ritmos africanos são a base de boa parte da música popular brasileira como: samba, maxixe, choro, bossa nova e outros. O samba recebeu influências de danças originárias da África, mais especificamente da região congo-angola. A palavra samba neste país quer dizer brincar,divertir-se.

Durante a segunda metade do século XIX muitos africanos e seus descendentes nascidos na Bahia migraram para o Rio de Janeiro, tornando-se uma nova comunidade: a afro-baiana. Estas pessoas se reuniam nos quintais das suas casas e realizavam o chamado samba rural, caracterizado pela batida cadenciada das palmas, o toque do pandeiro e o raspar da faca no prato, o samba era dançado à moda das umbigadas. A partir daí, se deu origem ao samba urbano carioca, mais precisamente no inicio do séc. XX, quando o Rio de Janeiro passava por um processo de urbanização e intervenção pública onde a população pobre e negra carioca foi obrigada a morar nos morros.

Na década de 1910, o samba foi influenciado pelo maxixe (dança com movimentos requebrados, tornou-se gênero musical) revelou nomes como Donga, Sinhô, Pixinguinha. Depois da década de 20 o samba desceu o morro e passou a ser apreciado pela classe média e invadiu a avenida nos desfiles de carnaval, as residências cariocas por meio do rádio e da indústria fonográfica. Vejamos algumas variedades do samba: samba de partido alto recebeu a influência do batuque de origem angolana. É um samba realizado em roda, com palmas cadenciadas, no qual os participantes se desafiam cantando letras improvisadas e, a parte do solo improvisado, é seguida em coro; samba de roda é um samba rural de origem afro-baiana e com influência da capoeira. Em geral, são utilizados instrumentos como atabaque, berimbau, pandeiro, chocalho e viola, acompanhado de canto e palmas; samba-enredo é utilizado pelas escolas de samba, cuja as letras tratam de um tema específico.

A religiosidade afro-brasileira também foi um dos temas que marcaram a música popular brasileira desde o final do século XIX. Chiquinha Gonzaga, compositora, pianista, abolicionista, compôs em parceria com Augusto de Castro o batuque “candomblé, lançado em 1888. Na segunda década do século XX ,fez “pemberê”com Eduardo Souto e João da Praia  “macumba jejê”, lançada por Sinhô, em 1923. Na década de 30 o sambista Mano Elói destacou os cultos afro-brasileiros. Mano Elói fundou a escola de samba Império Serrano em 1936. Gravou um disco com músicas tocadas em cultos afro-brasileiro e com o conjunto africano.

Vários sambistas, nas décadas de 30 e 40 do século XX, reuniam-se na casa da “mãe pequena tia Ciata” ou Hilária Batista de Almeida (1854-1924). Tia Ciata nasceu em Salvador e era filha da orixá Oxum da casa de Bambochê, de nação queto. Chegou ao Rio de Janeiro, em 1876, com sua filha e passou a freqüentar a casa de João Alabá que era um famoso babalorixá (pai-de-santo). Seu nome revela sua origem nagô (alagba, chefe do culto de Egungun; significa pessoa respeitável). Nas festas que tia Ciata promovia em homenagem aos orixás não faltavam no final as rodas de samba. Em sua casa sempre reuniam-se músicos, que, na época, ainda eram desconhecidos do grande público, como: Donga, Sinhô, João da Bahia, Heitor dos Prazeres e Pinxiguinha. Tia Ciata lançou várias composições: “yaô”(Pixinguinha e Gastão Viana,1938),“uma festa de nanã”(Pixinguinha,1941); “macumba de Iansã”e “macumba de oxóssi”(de Donga e Zé espinguela,1946),etc. (MATTOS, 2008, p.198).

Tancredo Silva Pinto foi um dos principais representantes da umbanda e do samba tendo sido fundador, em 1947, da federação brasileira das escolas de samba e da confederação umbandista do Brasil. Clementina de Jesus, cantora carioca foi descoberta em 1965 interpretando, jongos, lundus, sambas rurais, e cantos rituais. Neste período, a religiosidade afro-brasileira ressurgiu com os afro-sambas,compostos por Bandem Powell e Vinícius de Morais,como “Canto de Ossanha”, “Ponto do Cabloco” Pedra reta” entre outros. E muitos compositores e cantores de vários gêneros mantiveram, conforme citado acima, uma ligação profunda da música com a religiosidade , conhecido Afro-Samba, e que ainda se mantém vivo nos dias atuais.” ( MATTOS, 2008, p.196 ).  A seguir duas composições de sambas afro-brasileiros: A primeira composição foi feita no século XX ,  e a segunda composição no século XXI.

Yaô (Pinxinguinha e Gastão Viana, 1938)

Aqui có no terreiro
Pelú adié
Faz inveja pra gente
Que não tem mulher (Bis)

No jacutá de preto velho
Há uma festa de yaô (Bis)

Ôi tem nêga de Ogum
De Oxalá, de Iemanjá

Mucama de Oxossi é caçador
Ora viva Nanã
Nanã buruku (Bis)

Yô yôo
Yô yôoo

No terreiro de preto velho iaiá
Vamos saravá (a quem meu pai?)
Xangô!
(MATTOS, 2008, p.200, 2001).

A letra do samba afro-brasileiro Yaô (Pixinguinha e Gastão Viana, 1938), retrata bem a ligação da música com a espiritualidade. Muitos compositores utilizavam a música para poder expressar através dela a sua ligação ou admiração pelos cultos afro-brasileiros, a fim de expandir esta cultura que, por muitos, era discriminada, e ainda é. Nessa perspectiva, os compositores de samba enredo contemporâneos, trazem para avenida essa relação da religiosidade com a música, valorizando-a como identidade nacional. Dentre muitas escolas de samba que valorizam as heranças africanas, podemos citar como exemplo a escola de samba Beija-Flor de Nilópolis que trouxe para a avenida, no ano de 2009, um samba enredo saudando as águas de Oxalá, Oxum, Yemanjá ...

Intérprete: Neguinho da Beija-Flor

"No Chuveiro da Alegria, quem banha
o corpo lava a alma na folia!"

No chuveiro da alegria
Salve! As águas de oxalá, embala eu babá
Feito um rio de magia que deságua luxo e cor
Banhando o povo vem a Beija-Flor

Águas do tempo
Fonte da vida pura inspiração
No azul da fantasia mergulhei
Nas ondas da emoção
Lá no Egito começou o hábito de se banhar
Um ritual de prazer que conquistou a realeza
No Oriente imperou e os males da mente expulsou
Nas ervas o aroma renovou, nas termas a luxúria e o
vapor
Chega a idade das trevas, o corpo se fecha, o sonho
acabou
E o que dava prazer, virou pecado, o banho foi
excomungado
As águas rolaram
As mentes lavaram, clareou!
O índio ensinou, o banho voltou
E o mundo se purificou

Renasce a esperança, toda corte é perfumada
A sujeira é disfarçada até que um francês descobriu
Corpo limpo, corpo são, o banho evoluiu
Banho de chuva, banho de cheiro oi...
Banho de felicidade, banho de gato amor

Relaxa e da calor de verdade, banho de lua ou de sol
Na cachoeira ou no mar, odoyá yemanjá
Oxum: a deusa do encanto estende o seu manto
Aos orixás a nossa fé, quem banha o corpo, lava a alma
E toma um banho de axé.
( www.beijaflor.com.br)

No âmbito da musicalidade, destacamos, ainda, Luiz Carlos Oliveira da Silva, escritor e radialista, grande conhecedor e difusor da cultura afro-brasileira, conhecido artisticamente como Lulla de Oliveira. Músico, compositor, maestro, multi-instrumentista, aprofundou-se em pesquisa sonora e registro de partituras da música afro-brasileira e suas origens, e também os desdobramentos da musicalidade africana nas Américas, particularmente o movimento do Blues e Jazz. (www.lullaoliveira.com.br).

Da interação que este músico faz das músicas sacros religiosas africanas com o jazz resulta-se o que há de melhor na música contemporânea brasileira: “O afro-jazz”. Devido ao trabalho que o músico desenvolve trazendo a religiosidade e transformando os batuques e as cantigas africanas em música instrumental, o artista citado é o único músico que conseguiu até o momento, essa grande metamorfose e alquimia musical.

Lulla de Oliveira, a partir deste (re) conhecimento musical, que resultou na gravação do CD “Makumba de Butique Sonora”, o lançamento do songbook “Ritmos do Candomblé” e da gravação do DVD, ao vivo, no Teatro Rival Petrobras, no Rio de Janeiro, o músico recebeu, em 2008, a moção de congratulação como representante de destaque da cultura afro-brasileira na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro”, conforme representado na figura 1 e 2.

Figura 01 - Moção de Congratulação como representante de destaque da cultura afro-brasileira na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. FONTE: www.lullaoliveira.com.br
Figura 02 - Show de lançamento do CD “Makumba de Boutique”, Lulla Oliveira no teatro Rival Petrobrás, Rio de Janeiro - 2008. FONTE: www.lullaoliveira.com.br

Além de todas as manifestações culturais e religiosas que herdamos dos africanos, que encontram-se presente em nosso cotidiano, como foi visto acima, podemos citar também  a enorme influência das línguas africanas no Português falado no Brasil. As línguas que exerceram maior influência no Brasil foram o iorubá e a do grupo ewe-fon, esta última falada pelos chamados africanos jejes e minas do Brasil.

A influência do grupo lingüístico iorubá é até hoje identificada em vários termos nos cultos aos orixás (Iemanjá, Oxosse, Oxum etc). Além da palavra axé que é conhecida em todo território nacional, existem palavras do grupo ewe-fon, sobretudo nos rituais religiosos do candomblé, como rum, rumpi, lé, peji, runcó, ajuntó, entre outras; algumas palavras de origem africana: mucama, dengo, quindim, caçula, xingar, cochilar, dendê, bunda, cachaça, carimbo, marimbondo, samba, candomblé, umbanda, tanga, cachimbo, fubá, feijoada, mocotó, cuíca, agogô, sunga, berimbau, entre outras. Apresentamos a seguir uma produção textual realizada por alunos do 6º ano do ensino funda mental II, construída com algumas palavras de origem africana:

O Fuzuê do Camundongo

Ontem cheguei a meu ilê um tanto borocoxô, com aquela vontade de que mamãe me fizesse um cafuné, mas infelizmente não pude tê-lo, porque estava em seu cafofo completamente assustada por ter visto, embaixo de sua cama, um camundogo muito do esperto e ágil. Vocês nem imaginam o que havia acontecido: foi um banzé daqueles, o maior fuzuê. Mamãe gritava muito e todos que passavam pela rua ouviam todo o auê em nosso ilê. Ela, com medo, arremessava trecos e cacarecos sobre o bichinho inofensivo, que só estava ali pra comer os restinhos e migalhas de comida na caçamba do passarinho que estava sobre o parapeito da janela.Quando, finalmente, consegui abrir a porta do cafofo, mamãe havia tido um chilique. O lugar parecia um mafuá. O camundongo, quando me viu, escapou capenga por debaixo da porta. Coitado do bichinho! Ele tinha sido atingido por uma estatueta feita da madeira do baobá. Olhei pela janela e vi que os vizinhos estavam fuxicando e fazendo o maior furdunço sobre o lelelê que tinha se passado lá em nosso ilê, todo esse estardalhaço só por causa de um animal catita.
Mayara Almeida, Ana Beatriz Silva, Thais Braga, Hugo Gomes (Turma: 602)(www.uniblog.com.br/nacoeseaculturadacor/107569)

A influência africana se fez sentir ainda na indumentária: panos vistosos e estampados, saias rodadas, xales da costa, braceletes, argolões, colares, chinelinhos, saias rendadas, turbante ou rodilhas na cabeça, objetos de bronze, de ferro ou de madeira e outras.(ARTHUR apud JÚNIOR, p. 103, 1980).

Todos os elementos mencionados neste estudo oriundos da África e transculturalizados, colocam em evidência a influência do negro, com a sua participação inapagável, determinante na construção da identidade brasileira.

5. O NEGRO NA LUTA POR UM ESPAÇO

O negro sempre foi visto pela sociedade como um indivíduo socialmente inferior. E esta visão perdurou após a abolição da escravidão quando tiveram que lutar para serem inseridos no mercado livre de trabalho. Como se não bastasse o governo republicano, promoveu uma campanha de branqueamento da população, visando a europeização do Brasil e a eliminação da herança biológica e cultural africana.

Para a elite brasileira da época o negro era um empecilho à formação de uma nação. Portanto, o mesmo deveria ser excluído da sociedade brasileira. Neste sentido, a imigração européia foi incentivada com o intuito de promover o branqueamento da população, o que proporcionou, em grande medida, a exclusão dos negros do mercado de trabalho formal.

Os imigrantes italianos, portugueses, espanhóis, alemães e outros, foram encaminhados para trabalhar tanto nas áreas rurais, quanto nas áreas urbanas. Em sua grande maioria os imigrantes trabalhavam como colonos, nas fazendas cafeeiras. Diante deste fato, aos negros sobraram as tarefas menos qualificadas e mais penosas e, em geral, sem qualquer tipo de contrato firmado.

Nas cidades os negros eram subempregados em atividades domésticas, no transporte, nas limpezas das ruas, no carregamento de cargas e na venda de jornais. Segundo, Lana Lage da Gama Lima, havia, porém, a necessidade de manter os negros como mão-de-obra barata, em especial nas regiões onde não incidiu a imigração em grande escala. A exclusão racial não aconteceu apenas no âmbito do trabalho, os negros foram, também, excluídos geograficamente. Por conta da situação financeira precária, foram obrigados a residir nas regiões periféricas das cidades, habitando cortiços e pequenas casinhas de aluguel nos bairros afastados do centro paulistano e favelas que surgiam nos morros cariocas. (LIMA apud ZAHAR, 1988, p. 83),

Sobre o negro no mercado de trabalho Mattos afirma:

Os negros, mesmo que de forma limitada, conseguiram adentrar nessas classes, trabalhando em algumas indústrias, ferrovias, empresas responsáveis pela eletricidade e pelo sistema de bonde, como a Light, a Tramway e a Power Company, e como jornalistas, músicos, advogados, literatos e funcionários públicos. (Mattos, 2008, p.187).

Os negros participaram das lideranças do movimento operário em São Paulo com o objetivo de enfrentar os empregadores e o governo, que exploravam tanto os imigrantes europeus, quanto os negros cada vez mais. Os europeus incorporaram os operários negros nestes movimentos a fim de não haver o enfraquecimento em caso de divisões entre os trabalhadores. Os jornais organizados pela população negra também incentivavam os trabalhadores a participar do movimento operário.

Os negros empenharam-se na criação de jornais que, além de divulgar a sua cultura, revelavam a luta pela igualdade de direitos e as suas reivindicações políticas. Vários jornais foram criados desde o final do século XIX: A Pátria (1889), O Menelick (1915), O Alfinete (1918), O Kosmos (1922), Tribuna Negra (1928), Progresso (1928) e o Clarim da Alvorada. (Ibdem, p. 188 ).

Com o surgimento da impressa negra, que serviu como suporte para a divulgação de denuncias sofrida, pode-se dizer que houve uma construção de uma sociedade paralela a da República:

Esses jornais enfocavam as mais diversas mazelas que afetavam a população negra no âmbito do trabalho, da habitação, da educação e da saúde, tornando-se uma tribuna privilegiada para se pensar em soluções concretas para o problema do racismo na sociedade brasileira. Além disso, as páginas desses periódicos constituíram veículos de denúncia do regime de segregação racial que incidia em várias cidades do país. Nesta etapa, o movimento negro organizado era desprovido de caráter explicitamente político, com um programa definido e ideológico mais amplo (DOMINGOS, 2007, p.106). 

Durante o século XX, os negros atuaram também em associações culturais. Foram fundados os grupos teatrais “Negros e Cia”, “Negra de Revistas” e “Cia. Bataclã Preta” no final da década de 1920. Em 1927 foi criado o Centro Cívico Palmares, com o objetivo de montar uma biblioteca de livre acesso à comunidade negra. Com o decorrer do tempo, esse centro ampliou suas atividades e passou a promover conferências sobre temas que diziam respeito diretamente aos negros. (Ibdem, p.188).

Na década de 1930 surgiu a Frente Negra Brasileira (FNB), fundada por Henrique Cunha e José Correia Leite, tendo grande receptividade em todo o Estado de São Paulo, Bahia, Minas Gerias e Rio Grande do Sul. Essa organização promoveu cursos de alfabetização para adultos, ofereceu serviços na área jurídica, fundou uma escola, uma clínica médica e odontológica e uma cooperativa de crédito para a compra da casa própria. “Na primeira metade do século XX, a FNB foi a mais importante entidade negra no país” (DOMINGOS, 2007, p.106).

Este autor apresenta três momentos para o Movimento Negro no Brasil: na República de (1889-1930), no Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945), e no pós-período ditadura militar (1985-2000), Assim, a organização social foi sendo reformulada, visando responder as opressões raciais e suprir o racismo. Exercendo, um papel educativo mantendo as peculiaridades negras. (Ibdem, p.117).

No período do Estado Novo, governado por Getúlio Vargas, a Frente Negra Brasileira e os jornais da imprensa negra acabaram extintos devido ao autoritarismo do governo que reprimia as organizações e os movimentos sociais. Após o fim do Estado Novo, em 1945, o movimento negro retomou a sua força e nesse mesmo ano promoveu a Convenção Nacional dos Negros Brasileiros a fim de apresentar propostas políticas à Assembléia Constituinte que formularia a nova constituição.                  

Ressaltamos que a imprensa negra também ressurgiu com os jornais Alvorada, Senzala, O Novo Horizonte, entre outros. Nessa mesma década, foi fundado pela Abdias do Nascimento, um dos representantes antigos da Frente Negra Brasileira, o Teatro Experimental Negro (TEN) com o objetivo de combater a exclusão dos negros no campo de Artes. O movimento cresceu e Abdias do Nascimento e Solano Trindade fundaram o Comitê Democrático Brasileiro Afro-Brasileiro, atuando, também, no campo político, reivindicando o acesso aos direitos trabalhistas e à educação.

A associação Cultural do Negro voltada para a organização de cursos, conferências e eventos culturais foi fundada em 1954 visando promover a igualdade racial, reivindicando os direitos da população negra e da preservação da cultura afro-brasileira. Nas décadas de 1960 e 1970, os negros destacaram-se nas lideranças do movimento sindical e novos grupos foram fundados. Nessa época , os jovens brasileiros começaram a participar mais de grupos e associações atraídos pelo movimento negro internacional, em especial, o Movimento pelos Direitos Civis nos EUA e pelas lutas de libertação das colônias portuguesas da África. Em 1978, o Movimento Negro Unificado (MNU) tinha por objetivo conscientizar a população negra da existência de desigualdades raciais e da necessidade de  lutar contra a discriminação e de promover políticas públicas geradoras de melhores oportunidades aos negros nas áreas da educação, saúde, economia e cultura. (MATTOS, 2008, p.191). 

Ainda sobre o Movimento Negro Nascimento afirma:

Evocar o tráfico, lembrar constantemente a escravidão, deve constituir para os brasileiros uma obrigação permanente e diária, sem que isso represente nenhuma forma de autoflagelação. Erradicá-los da nossa bagagem espiritual e histórica é o mesmo que amputar o nosso potencial de luta libertária, desprezando o sacrifício dos nossos antepassados para que nosso ovo sobrevivesse (NASCIMENTO, 2002, p. 98).

A evocação da ancestralidade, a morte de seus antepassados não deve perder significado. Os jovens negros devem assumir o passado e lutar por fortalecimento étnico, visando a superação da escravidão. (Ibdem, p. 99). Desta forma, compreendendo que o processo transcultural fundamentado na diversidade de grupos étnicos que vieram para o Brasil foi o que resultou na diversificação cultural existente nesse território, tornando-se um país pluricultural.

Nesse caminho, o Movimento Negro reafirma a cultura negra brasileira de origem africana e os processos de (re) significação à equiparação das desigualdades sociais são gerados cotidianamente por seus descendentes, que continuam lutando pela inclusão de sua população na sociedade, através de empregos dignos e geração de políticas afirmativas que promovam o grupo. Como resultado, em particular, podemos citar a lei de n° 10.639, de 2003, que tornou obrigatório o ensino da História da África e cultura afro-brasileiras nas redes de ensino.   

5.1. O ESTUDO DA CULTURA NEGRA NAS ESCOLAS: UMA QUESTÃO LEGAL

O Governo Federal sancionou a lei 10.639/03, tornando obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira no currículo do ensino fundamental e médio,  na rede de ensino pública e privada. Esta lei foi uma conquista das organizações do movimento negro para a sociedade brasileira.

A Lei 10.639/03 representa uma oportunidade única de resgatar a contribuição do povo negro na formação e consolidação da sociedade nacional. A inclusão da História da África nos currículos escolares é um grande desafio para os educadores brasileiros. Grande parte dos docentes necessitam superar o desconhecimento e a pouca familiaridade com essa temática, e, em alguns casos, superar a barreira do preconceito.     

A esse respeito, o Parecer CNE/CP 003/2004 – Sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino da História da Cultura Afro-brasileira e Africana – aponta a necessidade de uma mudança nos discursos, raciocínios lógicos, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras , buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira; mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingir os mesmos patamares que os não negros é por falta de competência ou de interesse, desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos para os negros. O mesmo Parecer ressalta, ainda, a importância de se questionar as relações étnico-raciais baseadas em preconceitos que desqualificam os negros e salientam estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que, velada ou explicitamente violentas, expressam sentimentos de superioridade em relação aos negros, próprios de uma sociedade hierárquica e desigual.

Os educadores devem ser incentivados a buscar soluções que auxiliem o fluir do tema e a desmistificação da democracia racial. Desta forma, devemos também buscar :

A reflexão sobre os nossos próprios valores, crenças e comportamentos é imprescindível para compreendermos as estratégias dos racismos na nossa sociedade, bem como de seus efeitos em nossas vidas. (CAVALLEIRO, 2001, p.68)

As unidades educacionais já reconhecem que é delas a tarefa de educar para a igualdade racial. É necessário uma proposta efetiva de capacitação de educadores, oferecendo conteúdos e uma prática que promova a igualdade racial. Trata-se de reformular não apenas os conteúdos, mas o olhar e os sentidos dados à diversidade étnico-racial. Nessa perspectiva, muitas práticas e recursos didáticos alternativos têm sido produzidos em todo país.  Bibliografias afro-brasileiras têm chegado às salas de leitura e bibliotecas; programas de formação continuada nas unidades escolares, nos horários coletivos. Nas universidades a aplicação de dissertação e teses sobre a temática; seleção, análise e disseminação de práticas educacionais para a igualdade racial, como as que são organizadas pelo Prêmio Educar e promovido pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – Ceert.

O prêmio educar para a Igualdade Racial apontou que a inclusão da história da África no currículo escolar tem provocado grandes mudanças no modo de ensinar, nas metodologias de ensino, nos recursos didáticos utilizados. Estas práticas tornaram-se mais participativas, contam com a presença da comunidade escolar em seu sentido mais amplo, estimulam a pesquisa, valorizam a oralidade, os símbolos, os mitos, a ancestralidade. No entanto, a ação política voltada para a ação educativa, e que se utiliza do currículo escolar como meio para mudança, necessita de suportes que garantam a implementação da lei 10.639/03, principalmente por parte dos relatores que elaboraram as diretrizes. É fato que uma prática voltada para a presença negra no cotidiano escolar, requer e necessita dos educadores muita aprendizagem e conhecimento. Além do valor afetivo nessa internalização, o gostar, o aceitar, o rever percepções passam, necessariamente, por uma vivência positiva no contato com o tema. Desta forma:

O desafio da promoção da igualdade de oportunidade é uma tarefa educativa que exige coordenação de esforços, recursos e ações no âmbito governamental e seus diferenciados níveis, na sociedade civil organizada, bem como na solidariedade mundial. (SANTOS apud PEREIRA, p. 08, 2006).

A escola é um espaço privilegiado de formação do indivíduo para viver em sociedade como cidadão e de valorização da diversidade, daí, portanto, a necessidade de se trabalhar para a identidade social dos sujeitos e dos grupos. Neste sentido, a escola ao abordar questões como o respeito à diversidade e a história da África, a valorização das contribuições dos afro-descendentes na formação do povo brasileiro, o resgate de personalidades negras que marcaram a história da luta dos negros no Brasil; o lugar ocupado pela religiosidade negra na resistência histórica desse povo, bem como as reflexões sobre as Ações Afirmativas, vêm atender as novas demandas que surgem nesse novo cenário nacional.

6. POR QUE ESTUDAR HISTÓRIA DA ÁFRICA?

Para nós brasileiros, afro-descendentes ou não, é de total relevância o conhecimento e a aprendizagem sobre a História da África, considerando a participação histórica e cultural que os africanos e seus descendentes tiveram na formação e desenvolvimento da sociedade brasileira, contribuindo para a formação da identidade nacional. Sendo assim, faz-se, necessário “se conhecer melhor, para ser melhor e construir uma sociedade melhor”. (PEREIRA, 2006, p.15).

O continente africano conquistou o direito à História com as primeiras descobertas de que é nesse território, as origens do planeta terra, sendo considerada, portanto, o berço da humanidade.  Com as primeiras descobertas do desfiladeiro Olduvai e de um vasto sítio arqueológico que acompanha o Great Rift Valley (uma ranhura geológica que se estende por um planalto interior da África Central , passa pela Etiópia e vai até o Iraque), e principalmente, a partir de 1960 quando, superadas as dificuldades de aceitação pela ciência desses achados, expedições de renomados cientistas aprofundaram seus estudo, não se pode mais negar a ancestralidade africana do gênero humano, concluiu Pereira.

Os processos de luta e as conquistas das independências foram fatores determinantes para que os africanos fossem visto como sujeitos pertencentes a sociedade , capazes de transformar e de assumir  responsabilidades de reconstrução nacional. Tal fato prendeu a atenção de todo o mundo.  Podemos citar entre alguns líderes e teóricos da luta de libertação das colônias africanas de Portugal: Amílcar Cabral (1924-1973), nascido na Guiné-Bissau foi o mais destacado nesta luta. Fundou o PAIGC- Partido Africano da Independência da Guiné e do Cabo Verde. Sua obra Unidade de Luta tem dois volumes: A arma da teoria e a Crítica das Armas. Foi assassinado por dissidentes do PAIGC com o apoio do regime colonial. (PEREIRA, 2006, p.63).Segundo este autor: “Foram e são ainda processos simultâneos e estreitamente correlacionados, a descolonização política e a descolonização das mentalidades racistas e etnocêntricas, ainda hegemônicas em todo mundo.” (PEREIRA , p.19, 2006).

Vários seminários e congressos voltados para História da nova África foram realizados. Foi um momento de grandes transformações, sobretudo aos conteúdos. Para Pereira, a partir daí, deve-se a avalanche de estudos e estudiosos sobre a África. Eram profissionais que assumiam cargos em universidades européias, com recursos e poder de influência.

O crescimento dessa articulação intelectual e política alcançou, então, os organismos permanentes internacionais na década de 60.  Nessa perspectiva, a História da África foi reescrita, entre 1965 e 1971, através de um projeto de vários pesquisadores e do financiamento da UNESCO. Nesse projeto, a intenção era retirar a História da África da obscuridade e lançar alguma luz sobre o conhecimento que se tinha desse continente. Para Joseph Ki-Zerbo, coordenador geral do projeto:

Com efeito, a história da África, como a de toda a humanidade, é a história de uma tomada de consciência. Nesse sentido, a história da África deve ser reescrita. E isso porque, até o presente momento, ela foi mascarada, camuflada, desfigurada, mutilada. Pela “força das circunstâncias”, ou seja, pela ignorância e pelo interesse.(1982, p.21).

O resultado deste projeto foram oito volumes de 800 páginas cada. A redação e a publicação das obras ficara a cargo de um comitê internacional de trinta e nove membros (dois terços de africanos) da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que tinha o objetivo de atenuar, antes de mais nada, a ignorância generalizada sobre o passado deste continente e de superar os preconceitos discriminatórios. Para atingir essa finalidade, a melhor maneira era atribuir aos africanos a tarefa de reescrever sua história com as garantias científicas indispensáveis. Para esse efeito, foi instalado um Comitê Científico Internacional composto por 39 “experts”, representando diferentes disciplinas das ciências sociais e humanas: dois terços de seus membros eram africanos a fim de facilitar uma perspectiva genuinamente africana que, nem por isso, deixaria de se confrontar com os pontos de vista dos especialistas não-africanos, são eles:
Cheik Anta Diop (Senegal), Hampaté Ba (Mali), Joseph Ki-Zerbo (Burkina Faso), Ali Mazrui (Quênia) e Théophile Obenga (República do Congo), para citar apenas os mais conhecidos. Estes empreenderam com seus pares oriundos de outras regiões do mundo, um fecundo diálogo intelectual que irá modificar o discurso sobre a África e os povos negros.

Publicados entre 1980 e 1999, os oito volumes da coleção percorrem o continente, conhecido como berço da Humanidade, desde a aparição dos hominídeos, há 3 milhões de anos, ao “horizonte de 2000”, passando pelo Antigo Egito, pela dinastia dos fatímidas, pela civilização swahili, pelos reinos do Chifre da África, pelo tráfico escravagista e pela independência dos diferentes países, tudo em cerca de 6.500 páginas. A obra refuta algumas idéias preconcebidas, como a que defende o isolamento do continente, ao demonstrar que o Saara, longe de constituir uma barreira, sempre representou um espaço de intercâmbios. Mostra, também, que a África manteve contatos permanentes com a Ásia, o Oriente Médio, a Europa e as Américas.

Mais de vinte publicações complementares, em particular sobre assuntos controversos, como as fontes da História, o povoamento do Antigo Egito e a descolonização da África, fazem parte dessa construção monumental que mobilizou mais de 230 especialistas. Desde a publicação dos primeiros volumes, a "História Geral da África" ganhou uma repercussão fenomenal nos meios científicos e universitários, dentro e fora do continente africano. Editada integralmente em inglês, árabe e francês, e parcialmente em chinês, coreano, espanhol, italiano, japonês e português, a publicação é considerada uma importante contribuição para o conhecimento da história e da historiografia africanas.( Onu/Unesco; Disponível em : (www.unesco.com.br) . Acesso em 04 de junho de 2010.

Sabemos que ainda há muito que fazer: pesquisar, (re) aprender e conhecer a história deste povo que foi a base fundamental na construção do país. Nós educadores devemos estimular e despertar em nossos educando um novo olhar à respeito da África e contribuindo, também, para a reescrita desta história.

Enfim, é preciso valorizar a História da cultura afro-brasileira e africana, colocar em relevância o estudo de temas decorrentes, pois esta aprendizagem diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que vivemos em uma sociedade multicultural e pluriétnica.

6.1. O NEGRO NO LIVRO DIDÁTICO

O livro didático como o depositório da verdade deve se relativizado, pois, muitos processos civilizatórios e muitas visões de mundo são omitidos e ou minimizados, na maioria das vezes, predominando a visão da classe dominante. Segundo Silva:

O livro didático, de modo geral, omite o processo histórico e cultural, o cotidiano e as experiências dos segmentos subalternos da sociedade, como o índio, o negro, a mulher, entre outros. Em relação ao segmento negro, sua quase total ausência nos livros e a sua rara presença de forma estereotipada concorrem, em sua grande parte para o recalque da sua identidade e auto-estima. (SILVA,2004, p.51).

Apesar de o livro didático minimizar a história, os valores culturais, o cotidiano e as experiências do negro, por outro lado, a crítica e a reflexão sobre o que é lido podem dar  oportunidade à diferenciação entre os aspectos úteis e os ideológicos do livro didático. O livro pode constituir-se em um importante instrumento de reflexão, um meio de desenvolver o senso crítico, através da análise, comparação e crítica dos seus textos e ilustrações.

A Professora Ana Célia da Silva, em uma de suas pesquisas, analisou 82 livros didáticos de Comunicação e Expressão do Ensino Fundamental para identificar estereótipos e preconceitos presentes nos textos e nas ilustrações. A referida autora constatou que nos livros didáticos analisados, a intenção de inferiorizar e desumanizar o negro é explícita, pois, é descrito e ilustrado de forma caricaturada, deformada, associando o negro a seres destrutivos e sujos. Além disso, o negro também aparece nos textos e ilustrações exercendo funções e papéis considerados inferiores na nossa sociedade. Geralmente o negro é ilustrado como escravo, mendigo, serviçal, entre outros. Ressaltamos, também, que a mulher negra aparece, na maioria das vezes, como doméstica, a criança negra como filha de empregada, executando trabalhos domésticos e recebendo de presente instrumento de trabalho braçal.

Desta forma, o livro didático omite toda a contribuição econômica e a diversidade de funções e papéis desempenhados pelo homem negro no Brasil, desde a sua chegada até os dias atuais. (SILVA, 2004, p. 59). Ainda sobre a análise dos livros didáticos, Silva afirma: “A análise do livro didático permite identificar a discriminação racial de forma explícita, contrariando o lugar comum popular que diz ser o racismo velado e dissimulado no Brasil. A depreciação do negro foi identificada em vários textos e ilustrações”. (SILVA, 2004, p.62)

Segundo esta autora, o exemplo mais explícito de depreciação apareceu no livro de 3º ano do Ensino Fundamental I, Aprenda Comigo (1980, p.12), no texto “A borboleta”, como veremos a seguir:

De manhã bem cedo
Uma borboleta
Saiu do casulo
Era parda e preta.

Foi beber no açude.
Viu-se dentro da água
E se achou tão feia
Que morreu de mágoa.

Ela não sabia
- boba! – que Deus deu
para cada bicho
a cor que escolheu.

Um anjo a levou,
Deus ralhou com ela,
Mas deu roupa nova
Azul e amarela.
(COSTA apud SILVA, 2004, p. 65).

Para Silva a intenção do autor supracitado foi de explicitar a  cor da borboleta que era “preta e parda”, como também a sua auto-rejeição: viu-se espelhada na água e morreu de mágoa. Por outro lado, Deus também rejeita a cor preta no texto, uma vez que “ralhou com ela, mas deu roupa nova, azul e amarela”(Ibdem, 2004, p.65).

Como vimos, o livro didático reproduz e reforça as relações baseadas na discriminação, apresentando como natural o tratamento desigual nessas relações. Como acontece no cotidiano, a criança negra quase nunca tem nome, ela é denominada por apelidos ou pela cor da pele, assim como é a maioria dos adultos e idosos.

Nos textos, os personagens negros recebem adjetivação pejorativa, sendo caracterizados como: feios, malvados, sujos, mentirosos, demônios, moleques, preguiçosos, desobedientes, ou, simplesmente, pretos e negrinhos. Deste modo, omite a importante participação do negro na construção da nossa sociedade, não se pode negar que o negro exerceu um papel fundamental na formação do povo brasileiro, com seus valores culturais e espirituais oriundos da civilização africana. Esta participação, até bem pouco tempo, não era considerada na história oficial, aparecia, somente, nas composições dos blocos afros e afoxés, com narrativas sobre a história do cotidiano negro na África e no Brasil.

Assim, o professor como mediador do livro didático deverá encontrar a melhor forma de utilizá-lo, podendo, também, solicitar às instituições governamentais a revisão do livro, denunciar junto aos pais seu conteúdo racista e o de outros materiais pedagógicos, além de discutir com os alunos o contexto do livro. Tais medidas pode se constituir em estratégias de denúncia e de organização para enfrentar o problema em questão. Desta forma, cabe ao professor fazer uso do livro didático como instrumento de reflexão crítico na sala de aula.

É, também, primordial que o professor conheça o contexto vivido por seu aluno, pois, é através desse conhecimento que será possível compreendê-lo e educá-lo, aproveitando e respeitando as experiências, a cultura, enfim a bagagem que este aluno traz consigo. Assim, o professor poderá conduzir o processo ensino aprendizagem de modo a levar o aluno a ser um agente desmistificador das ideologias veiculadas nos livros didáticos, bem como evidenciar os vários processos civilizatórios e culturais de um Brasil multi- étnico e multicultural.

Ainda, sobre essa temática a autora Celia Maria Escanfella, pesquisou 30 livros de literatura infantil do período de 1976 a 2000 (15 deles produzidos por editoras laicas e 15 por católicas), com base em análise comparativa, texto e ilustração, com o objetivo de compreender como o setor editorial representa à questão racial e étnica em livros literários para crianças. Os livros foram selecionados, aleatoriamente, do depósito legal da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. (ESCANFELLA, 2007, p.01).

Com base nas pesquisas realizadas, a referida autora constatou que apesar do aumento na representação de personagens negros na produção literária para crianças, ainda assim permanece pouco expressivo o índice de personagens negros no texto e nas ilustrações, tanto na produção de editoras laicas como católicas. E ao comparar esses resultados com outros estudos sobre a questão racial, Escanfella firma:

Que a literatura infantil contemporânea não sofreu grandes representações quanto aos aspectos raciais nela representado, principalmente quando se torna referência a produção de editoras católicas, permanecendo, portanto, uma fonte de produção, manutenção e reprodução das assimetrias raciais. (Ibdem, 2007, p.07).

Importante ressaltar que os Parâmetros Curriculares Nacionais, dentro do conteúdo temas Transversais e Ética, propõe uma educação comprometida com a cidadania. A cidadania está intimamente ligada ao respeito mútuo e deve fazer parte do convívio escolar, apesar das diferenças existentes entre cada pessoa.

O tema pluralidade cultural, que também é conteúdo dos temas transversais, permite por meio da vida escolar esclarecer eventuais preconceitos colaborando para um convívio democrático, reconhecendo a riqueza da diversidade etno-cultural, investindo na luta contra todo o tipo de discriminação e tomando como partida os direitos humanos. (BRASIL, 2000, p.59).

Desse modo, de acordo com estas abordagens, é possível promover uma educação democrática, valorizando a diferença como aspecto positivo à formação social do aluno, lembrando-se que as diferenças são aspectos que somam para a difusão do conhecimento.

Temos que considerar, também, que é através do manuseio de livros didáticos, que abordam o tema aqui discutido, com mais criticidade, ou seja, do uso de uma prática educacional que valorize a diversidade cultural e esteja atenta a qualquer forma de discriminação, é que avançaremos nas discussões a respeito das diferenças raciais, possibilitando chegar, talvez, a consolidação de uma democracia racial.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho desenvolveu-se a partir da importância do tema escolhido, sendo indispensável (re)conhecer a contribuição da cultura africana , dos negros e seus descendentes, para se entender o processo histórico, no qual, a participação do negro foi fator determinante na construção da identidade brasileira.

Faz-se necessário considerar que o negro exerceu papel fundamental na formação do povo brasileiro, com seus valores culturais e espirituais oriundos da civilização africana. E diante das pesquisas bibliográficas feitas, é de suma importância que o negro seja visto com um novo olhar, desmistificando o negro, apenas ,a condição de escravo e trabalhador braçal, sem reconhecer seus atributos e conhecimentos que este trouxe para o Brasil, contribuindo ricamente para o desenvolvimento cultural, econômico, político e social deste país.

É fundamental para que todo esse processo que estereotipou o negro, minimizando-o como um ser inferior na sociedade brasileira, reverta-se a seu favor, que o Ministério de Educação e Cultura que instituiu obrigatoriedade a lei 10639/03, bem como o parecer 003/2004, que institui as diretrizes curriculares nacionais para educação das relações étnico-raciais e para o ensino da História e cultura afro-brasileira e africana se faça presente no cotidiano escolar das unidades escolares, inclusive dando suporte adequado e qualificando o profissional da área de educação para ministrar tal conteúdo. Deste modo é possível promover uma educação democrática, (re)-conhecendo o negro, a sua história como aspecto positivo a formação social do individuo, propondo assim uma educação comprometida à cidadania. Espera-se que este trabalho monográfico seja uma contribuição que auxilie o trabalho de educadores/as no dia-a-dia escolar, os alunos e a sociedade. E ainda, através deste estudo, estes possam ter outra percepção da África e conseqüentemente outra percepção do negro(a), afro-descendente e cultura negra. Esta mudança de percepção refletirá na formação da identidade da criança, do individuo e de toda sociedade brasileira. Neste sentido, acredita-se também, que a lei 10.639/03, bem como o parecer 003/2004, sejam compreendidas e iniciadas, uma vez que as discussões desenvolvidas nesta pesquisas propiciaram abordar, o que tais documentos preconizam.

8. REFERÊNCIAS

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Publicado por: Bianca Maghelly Gonçalves dos Santos

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