Concepções do conceito de cidadania: análise da relação entre ensino de história e cidadania conform
Essa pesquisa trata sobre os conceitos de cidadania aplicada nos livros didáticos de História da 5ª série (antiga 4º série) do Ensino Fundamental, recomendados pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura) à rede de Ensino Fundamental do Brasil, aprovado pelo PNLD-2004 e 2007. Priorizamos o significado do conceito de cidadania, além da sua formação, e analisamos o aporte teórico 2001 e 2003. Pretendeu-se contribuir para o estudo da compreensão voltada à cidadania inserida nos livros didáticos. Utilizou-se, para análise desse trabalho, a metodologia histórico-bibliográfica. Os resultados atribuídos ao objetivo do trabalho foram atingidos, de modo que deixaram impressões bastante abrangentes em relação ao livro didático.
Palavras chaves: cidadania, livro didático, história.
INTRODUÇÃO | 8 |
CAPÍTULO I | 10 |
I - ASPECTOS HISTÓRICOS, CULTURAIS E LIBERAIS DA CIDADANIA: DO MUNDO GREGO À REVOLUÇÃO AMERICANA | 10 |
1.1 Aspectos históricos da formação da cidadania | 10 |
1.2 Grécia e a formação da cidadania: segundo Guarinello | 13 |
1.3 A cidadania e a Revolução Inglesa, por Mondaini | 14 |
1.4 A cidadania e a Revolução Americana, por Karnal | 16 |
1.5 Concepção Liberal de Cidadania: Direito Civil, Social e Político | 17 |
CAPÍTULO II | 21 |
II - ELEMENTOS DA CIDADANIA PLENA E O “WELFARE STATE” OU ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL NO BRASIL | 21 |
2.1 Cidadania plena | 21 |
2.2 “Welfare State” no Brasil | 23 |
CAPÍTULO III | 28 |
III - DOCUMENTOS ELABORADOS E DESTINADOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DA 5ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL, DENOMINADOS: “SEQÜÊNCIA DIDÁTICA” E “DIRETRIZES CURRICULARES”. | 28 |
3.1 Aspectos dos documentos analisados | |
CAPÍTULO IV. | 31 |
IV - PERSPECTIVAS DO LIVRO DIDÁTICO NUMA ANÁLISE EM TORNO DA CIDADANIA | 31 |
4.1 Um breve relato histórico sobre o Livro Didático no Brasil | 31 |
4.2 Analisando o Livro Didático “História” | 32 |
4.3 Conceitos de cidadania em trechos extraídos do Livro Didático da 4ª série do Ensino Fundamental: “História com reflexão” | |
4.4 Conceitos de cidadania em trechos extraídoS do livro didático da 4ª série do ensino fundamental: “Brasil de Todas as Gentes" | |
CONSIDERAÇÕES FINAIS | 40 |
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS | 42 |
Nesse trabalho, o objetivo aponta para compreensão da Cidadania inserida no Livro Didático, que conduzirá a uma investigação sobre os conceitos e a formação do objeto-cidadania. Assim, seguiremos os aspectos que venham a se caracterizar numa cidadania-plena, sendo essa, fruto de uma revolução interna nas pessoas, que segundo Covre (2005), é a conscientização do papel social para com a sociedade. Além da compreensão da cidadania formal que não garante uma expressão social condizente com a realidade, refletida muitas vezes em uma escrita sobre papel.
O estudo se volta em grande parte à autora Maria de Lourdes Manzini Covre, que trabalha o significado de Cidadania e sua relação dada pelas etapas do Capitalismo: monopolista, mercantilista e liberal, projetando, assim, conceitos e definições para a formação do cidadão. Também não se dispensam outros autores, que contribuem para o entendimento de Cidadania.
Os livros didáticos utilizados na análise da pesquisa apontaram como resultados, fatos ou contextos desprovidos da inserção de direitos, que sejam capaz de qualificar o indivíduo como um cidadão dos seus direitos. Não explorando a concepção cidadã no que se refere à constituição dos direitos, enquanto proposta de formação de um individuo-cidadão mais crítico e autônomo, em um sentido que especule as possibilidades de ação: “na defesa ou no requerer” dos direitos, valendo-se das dimensões mais abrangentes dos direitos sociais, políticos e civis. A cidadania inserida no livro didático mostra o quanto ainda se deverá tratar de tal questão, pois a cultura e a identidade do povo submetido a leis e os valores empregados nas lutas e conquistas de direitos, se aparentam marginalizadas.
A pesquisa também apontará ligações ao livro didático, que ora são provenientes de sujeitos ou agentes que interferem na sua prática, como professores, editoras, ideologias e Estado. E trará uma dimensão dividida em quatro capítulos, sendo que no primeiro capítulo propõe-se uma visão sobre Cidadania, desenvolvida do Período Clássico Grego até o Período Contemporâneo. Em que posteriormente coloca-se a discutir sobre as relações dos direitos civis, político e sociais, no âmbito da estrutura liberal do Estado Nacional.
No segundo capítulo, abarcam-se as dimensões da Cidadania, sobre conceitos que buscam compreender o sentido do ser cidadão. E a discussão do Welfare State no Brasil em relação à cidadania atribuída da década de 1920 até o fim do período de Ditadura no Brasil.
No terceiro capítulo analisam-se dois documentos referenciais para o ensino fundamental da rede municipal de Campo Grande-MS, utilizados como subsídio teórico para analise dos livros didáticos.
Em seguida, no quarto capítulo, analisam-se os livros didáticos através de comparações, procurando evidenciar suas concepções sobre cidadania.
Os resultados aparecem apresentados, em parte, nas considerações finais, que compreendem todo o esforço empregado nesse trabalho. De modo que sua proposta se revela na intenção de poder contribuir no entendimento da Cidadania, que sendo um tema tão acentuado e complexo nos dias atuais, faz-se seu entendimento inserido nos mais diferentes pontos-de-vista instalados na sociedade.
A formação da cidadania está relacionada a fatos históricos que percorrem o Período Clássico Grego, Feudalismo e os marcos revolucionários, em que Covre (2005) destacará a insurgência revolucionária francesa.
O Período Clássico Grego para autora Covre (2005), apresenta-se como raízes ligadas ao desenvolvimento social da vida humana, isso atribuído ao surgimento das pólis, antigas cidades gregas. As pólis garantiam uma intensa discussão política em torno das esferas privadas e públicas. Essa discussão estava relacionada a assuntos de interesses particulares e concomitantes aos interesses comuns a todos os cidadãos. A autora afirma que “o homem grego livre era, por excelência, um homem político no sentido estrito” (p. 17), de modo que os direitos e deveres estariam inseridos nessa conjuntura.
Jaeger (1994), argumenta que a pólis grega promovia ações culturais, através de jogos e lutas de ginástica, também musicais antigos e o cultivo da arte. A pólis inseriu a “dike” que tinha como significado o direito, assim buscava promover a “igualdade” entre as classes sociais privilegiadas e os menos privilegiados. O Estado ainda ministrava a educação aos seus cidadãos jovens, considerando suas ações culturais e educacionais como forma de celebração aos deuses, buscando estimular o orgulho dos cidadãos gregos em servir a pólis.
O princípio da Democracia germinava com a igualdade estabelecida pelos cidadãos gregos na pólis. Essa igualdade, enquanto direito edificador, caracterizava-se como sendo:
“a vinculação da pessoa a uma determinada pólis, por laços essencialmente familísticos e estabelece concomitamente e permanente obrigação de defesa da cidade e de contribuição para seu bem geral e o direito de opinar sobre seu destino.” (JAGUARIBE et al., 1982, p. 3).
Nesses traços da cidadania grega, a relação entre o público e o privado, a igualdade e a dimensão política, formam a grande contribuição do mundo clássico.
Covre (2005) caracteriza o Período Feudal como um processo de economia dependente do trabalho agrário e de uma sociedade autoritária que desprestigiava o trabalho, tendo-o como indigno para os nobres. A relação social entre senhor e servo era marcada através do direito de propriedade. O Período Feudal teria ainda levado os homens a saírem das cidades, condição essa que impossibilitaria o desenvolvimento do comércio, numa trajetória compreendida entre os séculos V e XIII.
O servo era frágil na liberdade que ocupava na sociedade feudal, pois não havia direito que regulamentasse sua liberdade. Segundo Covre (Ibid), “os servos e camponeses eram tratados como gado, agregados à gleba; não tinham escolha sobre seus destinos, nem arbítrio sobre seus valores” (p. 21). O declínio do Feudalismo significou um fato importante para o desenvolvimento da Burguesia. Provocou mudanças sociais, resgatando a Democracia distanciada do período clássico grego, resulta no que “[...] retorna pouco a pouco ao exercício da cidadania, como parte da existência dos homens vivendo novamente em núcleo urbanos”. (Ibid, p. 17).
O declínio do sistema feudal proporcionará o desenvolvimento do capitalismo liberal, originando, assim, os Estados Nacionais e a constituição do Estado de Direito, dividida entre os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Emergindo a consolidação do Estado Liberal no processo da então ocorrida, Revolução Francesa, instaurando “de vez a Burguesia como classe dominante e o Capitalismo como forma de produzir e viver” (Ibid, p. 18). Nesse contexto, para Covre, surgem margens necessárias para “compreender a cidadania [que] é ver como ela se desenvolve juntamente com o Capitalismo, pois estará também vinculada à visão de classe que o instaurou: a classe burguesa” (Ibid, p. 21).
É importante ressaltar que no Liberalismo, sendo produto de racionalidade extraída do pensamento iluminista, valoriza-se o trabalho e a partir de então se extrai a cidadania. Nas afirmações de Covre (2005) se aponta “valorização do trabalho – primeiro marco para a existência de cidadania – pode ter sua origem datada nas revoltas religiosas e a revolução protestante no século XIV.”
Não foi por ouro ou por prata, mas pelo trabalho, que foi originalmente comprada toda a riqueza do mundo; e o valor dessa riqueza, para aqueles que a possuem, e desejam trocá-la por novos produtos, é exatamente igual à quantidade de trabalho que essa riqueza lhes dá condições de comprar ou comandar (SMITH, 1996, p. 87).
Os criados, trabalhadores e operários dos diversos tipos representam a maior parte de toda grande sociedade política. Ora, o que faz melhorar a situação da maioria nunca pode ser considerado como um inconveniente para o todo. Nenhuma sociedade pode ser florescente e feliz, se a grande maioria de seus membros forem pobres e miseráveis. Além disso, manda a Justiça que aqueles que alimentam, vestem e dão alojamento ao corpo inteiro da Nação, tenham uma participação tal na produção de seu próprio trabalho, que eles mesmos possam ter mais do que alimentação, roupa e moradia apenas sofrível (SMITH, 1996, p. 125).
A cidadania sendo um produto de compensação dos esforços empreendidos para o capitalismo, Covre (2005) deixa dúvida quanto à estrutura de interesse na formação da cidadania contemporânea. Mas conclui afirmando não sendo de maneira nenhuma, uma categoria unicamente burguesa. “É uma categoria que pode também ser elaborada, apropriada e utilizada pelos trabalhadores, como foi pela burguesia revolucionária [...]” (Ibid, p. 30), assim, a cidadania que antes emergia da visão burguesa, agora em uma dimensão mais universal, é o trabalhador quem a amplia e constitui para si.
Covre (Ibid) irá tratar da Revolução Francesa considerando-a, um processo de evolução que o homem chegou, após passar pelas injustiças da Idade Média. Mesmo sabendo que essa evolução, em dado momento, se contrapõe através da exploração, “é difícil demarcar uma e outra em diferentes momentos históricos, num debate contínuo de aproximação e contrários, de evolução e de exploração” (p. 20).
A Revolução Francesa é tida como um marco histórico, que significou “um rompimento profundo com o direito obtido pelo nascimento. O Estado de Direito coloca-se como o oposto ao Estado de Nascimento, ao Estado Despótico, até então existente sob a regência da aristocracia” (Ibid p. 20). A Revolução Francesa registra seu valor de luta, pelo estabelecimento de cartas constitucionais de Direitos do Homem, já que esta é uma imposição contra o sistema feudal e o poder monárquico absolutista, oportunizando a criação do Estado de Direito e instaurando o direito democrático com base na igualdade, fraternidade e liberdade. Em que, a igualdade como direito é fundamentada pelas ideologias burguesas e acaba por se incorporar e moldar as diferentes relações humanas, tornando o direito de igualdade um parâmetro que da garantia ao direito de posse e deveres.
Covre aponta que,
“a ideologia é composta de idéias que, por sua vez, expressam valores capazes de serem incorporados pelos indivíduos ou pelos grupos de individuo [...] e é o que orienta o comportamento do individuo e grupos” (Ibid, P. 24).
Assim o direito democrático com base no direito de igualdade produziria ligações entre o direito e o dever, o que atenderia de forma ampla aos interesses dos burgueses. O homem que era servo, agora igualado a condição de cidadão, reproduziria o sentimento de igualdade, por exemplo: o dever cívico em defesa do país, algo concomitante em relação ao deveres dos burgueses em nome do Estado. É importante enfatizar que os indivíduos a partir da revolução francesa, adquirem uma cidadania de caráter formal, segundo Covre “Quando temos um conceito de cidadania vinculado reciprocamente à propriedade, trata-se da cidadania mais formal, a que serve à dominação” (2005, p. 24). Ou seja, as propostas apesar de igualarem os direitos dos homens, eram leis sob papeis que, uma vez utilizadas, beneficiavam a classe dominante, não tendo os servos meios de se apropriar da utilização dessas leis. Porém a carta constitucional de igualdade entre os homens teve uma elaboração de caráter universal, um legado que influenciaria outras cartas constitucionais pelo mundo.
Para Guarinello (2005), a cidadania de hoje não pode ser pensada como originária dos conceitos atrelados ao que foram as cidades-estados no período greco-romano. Isso porque as definições que temos a respeito de democracia, participação coletiva no meio político, social e mesmo a própria formação das leis tinham sentidos distintos dos atuais.
O que se tem ainda como conceito de Estado-nação é muito variável e de difícil definição, o que torna inviável uma comparação ligando-se as relações políticas, econômicas e sociais das cidades – estados.
Guarinello (Ibid) afirma que as cidades-estados foram uma questão mais geograficamente regional, situadas às margens do Mar Mediterrâneo. Sendo a estrutura dessas cidades relativamente frágil, pouco desenvolvida, mas que no século IX e VIII a.C., passam por transformações derivadas do crescimento do comércio, do artesanato, da fundição de ferro e criação da moeda.
As cidades-estados geralmente comportavam em torno de cinco mil habitantes, algumas chegavam até cem mil e, excepcionalmente, houve o caso da expansão romana, tendo chegado a um milhão de habitantes. Guarinello (Ibid) faz certa comparação observando a cidadania antiga das cidades-estados: os cidadãos tinham acesso a uma política aberta e ativa, e uma outra cidadania desenvolvida no Império Romano,
“[...] o próprio estatuto de cidadão perdeu sua capacidade de representar, politicamente, uma comunidade de direitos e deveres. O poder, centralizado na figura do imperador, passou a articular-se por grupos de pressão, vinculados à riqueza e influências pessoais, ou à proximidade com a casa imperial [...]” (Ibid. 2005).
Subtendendo que as cidades-estados enquanto regiões pequenas ou de médio porte, comportavam um tipo de cidadania. Logo, as de estruturas mais complexas, como no caso o império romano que englobou diversas cidades-estados se transformando numa metrópole, gerou outro tipo de cidadania, reflexo também da formação de outra sociedade. “[...] A própria comunidade cidadã acabou por dividir-se em duas classes, juridicamente distintas e com direitos diferenciados” (Ibid. 2005).
Guarinello (Ibid) propõe um olhar crítico, partindo do que foi a cidadania no mundo greco-romano, contrapondo-se veementemente aos que utilizam de objetos da estrutura do Estado Nacional, como se os sentidos e a compreensão se dessem por igual e, de mesmo entendimento, quando comparados às estruturas do que foram as cidades-estados. Considera que um legado capaz de referenciar o presente e que proporciona uma reflexão a respeito da cidadania que queremos.
Segundo Mondaini (2005), a Revolução Inglesa significou o rompimento com Estado absolutista, dando lugar a um novo sistema, que condizia com o interesse comercial, tornando a Inglaterra no primeiro país capitalista do mundo. Mondaini (Ibid) comenta sobre os conflitos dados ainda no início do século XVII, tendo como expoente nessa luta, o poder absolutista e o parlamento inglês.
O poder absolutista defendia o sistema feudal, e contava com o apoio da estrutura que compunha a igreja, além de alguns proprietários de terras. Já, os parlamentares tinham o apoio da burguesia, propunham a defesa dos pequenos proprietários de terras e a queda da tributação, visavam o controle sobre a igreja, a liberdade e igualdade intrínseca aos pensamentos liberais da época.
Mondaini (Ibid) parece não compartilhar da idéia de que a Revolução Inglesa tenha sido incompleta, como defendida por autores como o historiador Perry Anderson, já que o mesmo vem a citá-lo. A Revolução Inglesa significaria uma mudança nas relações sociais, em que o conflito revolucionário dado entre os séculos XVII (1640 – 1660) provocou a queda do poder régio,
o processo revolucionário inglês é um modelo de transição ao capitalismo industrial, primeiramente de forma violenta, em 1640, logo depois, em 1688, de maneira conciliatória. Ao término de quase um século de lutas, entre rei e Parlamento, com a solução monárquica constitucional, foi criada a condição primordial para o crescimento econômico de orientação capitalista –a estabilidade política sob a nova direção de uma classe burguesa que toma para si o poder estatal, fortalecendo-o na suas relações internas com outras classes sociais e nas relações externas com outras nações (Ibid. 2005).
Para Mondaini (2005), a Revolução Inglesa é a consolidação do início de uma cidadania moderna, pois enfatizará a visão liberal sobre a Revolução, que propunha maior racionalização do homem, liberdade diante das imposições religiosas, do respeito à individualidade, do direito à propriedade em vista do lucro, além de contrapor-se ao direito através do nascimento e o direito divido dos reis.
Se Locke pode ser acusado de estar na origem de um “individualismo possessivo” devido ao seu apego à “propriedade privada”, não se pode ocultar aquela que talvez seja a sua maior contribuição para a luta por uma sociedade fundada nos ideais de civilidade –a defesa da “tolerância”.[...] não é a diversidade ou opiniões (o que não pode ser evitado), mas a recusa de tolerância para com os que têm opinião diversa, o que se poderia admitir, que deu origem à maioria das disputas e guerras que se têm manifestado no mundo cristão por causa da religião (Ibid. 2005).
Os liberais defendem maior direito político, civil e a liberdade individual, além de limitar o controle do Estado sobre esses direitos, dando um objetivo intrinsecamente burguês, mas, que historicamente universaliza a questão da cidadania. “Chega a hora do liberalismo e da defesa implacável dos direitos civis. A palavra estava a partir de então com o filósofo inglês John Locke” (Ibid. p. 120).
Segundo o historiador Karnal (2005), os Estados Unidos construíram sua cidadania em princípios que se baseiam no direito e na liberdade. Nos Estados Unidos, enquanto colônia, já havia grupos de resistência (pais peregrinos - grupo de colonos advindos da Inglaterra) que reivindicavam por igualdade e justiça.
Karnal (2005), no entanto, aponta as contradições que colocam as aspirações de igualdade e justiça em evidência, que ora se oculta dos currículos escolares americanos, pois, os peregrinos colonos sendo a massa pioneira colonizadora dos Estados Unidos, buscavam por direitos que viessem a favorecê-los, reivindicam maior acesso ao voto, e “de rapinagem sobre as comunidades indígenas” (Ibid. p. 138). Karnal (Ibid) afirma ainda, que com a expansão do colono peregrino, a agressão ao povo indígena piorou. Passando a idéia de que com a vigência da instalação da Republica, a política de invasão sobre a terra indígena continuou em detrimento das pressões políticas.
A Revolução Americana, no seu sentido mais estrito, vai significar uma luta pelo direito de se tornar uma nação independente economicamente, sem a interferência ou taxação de impostos pela Inglaterra. A construção dessa luta revolucionária vai estar alicerçada, sobretudo, na ideologia liberal burguesa, assim como na própria diversidade religiosa que contribuiu para evitar o controle ideológico sobre o povo.
Para Karnal (2005), há um sentimento de origem quanto à própria historia dos colonos, que mesmo vivendo fora da Inglaterra, não se vêem excluídos ou expurgados. Invocando como de direito, a tradição Inglesa “com a remota origem na Magna Carta de 1215 e nos choques com os reis Stuarts no século XVII: todo imposto deve ser aprovado com participação dos representantes daqueles que vão pagá-lo. Sem representação, não há taxação” (Ibid. p. 155). Servindo desse modo, como argumento em defesa das imposições das cobranças de taxas inglesas, Karnal (2005) entende que a cidadania americana está ligada a fatos históricos, divididos em dois aspectos: sendo a atuação dos colonos peregrinos em busca de maior espaço político e ascensão social. E os ideais, que levaram o povo americano à luta por independência: o principio de igualdade, liberdade. Um conjunto de ideais e aspirações, que segundo Karnal (2005) “a construção dos conceitos de liberdade e de cidadania norte-americana teve várias origens: as condições específicas da colonização, o discurso religioso, a influência de [vários] outros pensadores e a luta contra a Inglaterra” (Ibid. p. 145).
Numa progressão da cidadania americana, Karnal (Ibid) entende que, apesar de afirmações e declarações em nome da igualdade e do direito, a cidadania americana sempre apresentou paradoxos, pois se apóia de um lado e reprime-se ou não reconhece o direito num outro lado. Mas que o conceito de cidadania se liga às lutas que relembram “tanto a tradição protestante como o movimento de Independência [que] são considerados bases para reivindicações de igualdade no século XX” (Ibid. p. 151).
A emancipação do pensamento liberal se vê tutelada em favor da liberdade individual do homem, emergindo-se através do Estado (nação) de caráter liberal que prove ao cidadão, o livre arbítrio de suas vontades e necessidades. Segundo Bobbio (1984, p. 132), o Estado liberal deve “[...] garantir para cada um, uma esfera de liberdade de maneira que, dentro dela, cada um possa, segundo as suas próprias capacidades e talento, perseguir os fins a que livremente se propõe”.
Bobbio (1984) informa ainda que o Estado liberal, apesar de não ignorar a liberdade, não é necessariamente um Estado democrático, uma vez que busca sim um Estado mínimo que não venha a interferir no que diz respeito à autonomia do mercado, que regule os interesses entre as esferas públicas e as privadas. A doutrina liberal irá propor que as ações e funções do Estado dêem maior autonomia ao mercado e a sociedade civil. Que conseqüentemente os poderes públicos fiquem regulados e subordinados através das leis. Assim possibilitando ao cidadão requerer seus direitos naquilo que considere improcedente, desenvolvendo desse modo, o processo de liberdade individual, diante dos poderes públicos. Tendo o cidadão, o direito à liberdade individual apoiado nos direitos civis que versam nominalmente a liberdade e igualdade para o homem, em uma dimensão universal.
A democracia será um prolongamento ou mesmo aperfeiçoamento da doutrina liberal, pois viria garantir a soberania popular através do direito de sufrágio, em que o cidadão “goza das liberdades de opinião, de imprensa, de reunião, de associação, de todas as liberdades que constituem a essência do Estado liberal” (Ibid, p. 44)
Entende Covre (2005) que há uma separação que vai se estabelecer entre direito civil, político e social, num apontamento cronológico. Os direitos civis, políticos e sociais criam um paradoxo, pois apesar de serem instituições independentes entre si, sua ação é dependente para que haja reais condições de conquistas e melhorias quanto à vida em coletividade.
Marshall (2002) também destacará uma divisão dos direitos pelos séculos “os direitos civis ao século XVIII, os políticos ao XIX e os sociais ao XX” (2002, p.12). Nesse contexto, os direitos vão se entrelaçar e dar forma à cidadania. Que segundo Covre (2005, p. 11),
“para que esses direitos sejam efetivamente atendidos, eles devem existir interligados. Por exemplo: o atendimento real dos direitos sociais – e mesmo dos civis – depende da atuação política, isto é, de que vigorem os direitos políticos”.
Covre (2005) verifica que os direitos civis fazem parte de um dispositivo capaz de garantir os direitos de locomoção e expressão do cidadão. Que esses direitos civis mesmo se referindo por vezes a assuntos tão elementares do cidadão como direito à locomoção, nem sempre acolhem o trabalhador em vista de suas condições fisiológicas. Assim, faz-se uma analogia criticando a atuação do Capitalismo para com os direitos civis, “quem disse que os trabalhadores escolhem onde vão colocar os seus corpos e em que condições e ritmos vão trabalhar” (Ibid, p. 13).
A exploração do Capitalismo para Covre compreenderá a personificação de um “agente” violador dos direitos civis, “um sistema de produção baseado em tecnologia cada vez mais complexa, exige corpos e mentes dos trabalhadores um esforço e um sofrimento desumanos” (Ibid, p. 13). Não proporciona uma autonomia laboral para o indivíduo-trabalhador.
A autora aponta que, caso os trabalhadores venham a se organizar e buscar defender seus direitos, poderão também utilizar-se do Capitalismo em benefício próprio, verá que esse também deixa brechas, que uma vez aproveitadas, certamente contribuirão para o amplo desenvolvimento dos direitos civis, políticos e sociais. Assim o trabalhador poderá criar “espaços para reivindicar os direitos, mas é preciso também estender o conhecimento a todos, para que saibam da possibilidade de reivindicar” (COVRE, 2005, p. 66).
O período que se encontra entre 1964 e 1985 é um expoente ditatorial para o Brasil. Período no qual os direitos civis se encontram reprimidos e a cidadania está à margem do abalo repressor do Estado. Caracterizando para Covre, “um período de anticidadania, de cerceamento da expressão e da liberdade, de trancafiamento, de tortura e mesmo de eliminação daqueles que se opunham à forma de pensar e agir então dominante” (Ibid, p. 12).
A ação da censura e do desrespeito pelos direitos civis, no regime autoritário exercido pelos militares, para o historiador Villa não pouparam adversários.
- Até outubro de 1964, foram obrigados a se aposentar 1.700 funcionários civis e quase 2.800 militares, todos por se oporem firmemente ao golpe de Estado.
- Centenas de políticos (...) tiveram seus mandatos cassados e seus direitos políticos suspensos por 10 anos.
- As emissoras de rádio e televisão passaram a ter seus noticiários vigiados pelo governo que, no caso de críticas, ameaçavam seus proprietários com a perda da concessão oficial.
- A igreja católica (...) ativistas católicos foram presos e torturados. (VILLA, 2001, p. 14)
Segundo Covre, “nem é preciso ater-se aos regimes de exceção, as ditaduras. No Brasil da chamada Nova República, e mesmo atualmente, assistimos a fenômenos que explicitam a nossa não-cidadania” (Ibid, 2005, p. 12).
Para se tratar de direito civil no Brasil de hoje, é necessário questionarmos até que ponto os direitos civis não exercem caráter de cidadania. A realidade em que o país se encontra, revela desacordos no processo de desenvolvimento da cidadania, como a violência desencadeada nas cidades e nos campos, revelando uma disparidade social, sobretudo injusta para a classe dominada, além das garantias inerentes aos serviços de necessidades básicas como a alimentação, habitação, trabalho, educação, saúde, sendo necessidades indispensáveis para qualquer ser humano, principalmente como qualificação do indivíduo-cidadão. Assim os direitos civis não devem ser entendidos como um produto pronto e acabado. Mas um provedor de cidadania, que depende da construção coletiva e, principalmente, da democracia para sua manutenção. (Ibid, 2005)
Covre trata dos direitos sociais como uma conquista do indivíduo-trabalhador, que visa proporcionar-lhe: alimentação, saúde, educação, habitação, etc. “São todos aqueles que devem repor a força de trabalho, sustentando o corpo humano” (Ibid, p. 14).
Para Covre (Ibid) os direitos sociais, devido à sua importância implicada diretamente na sustentação humana, fazem com que seja alvo de controle dos capitalistas e dos que controlam o poder. A manipulação das massas trabalhadoras através dos direitos sociais, transforma tais direitos em uma mera cidadania atribuída pelos conceitos da classe dominante, fazendo dos trabalhadores, massas de manobra para que os detentores do poder possam atingir seus objetivos. “Se, de um lado, isso pode ser um engodo, de outro pode vir a tornar-se realidade se os trabalhadores, cidadãos subalternizados, reverterem o quadro e procurarem ocupar efetivamente os espaços acenados para os direitos” (p.14).
Embora as instituições ligadas às questões dos direitos sociais, como conselhos e representantes, em defesa da cidadania pareçam estar em desenvolvimento, é necessário o domínio político da prática deliberativa junto a tais instituições. Só assim o indivíduo–trabalhador poderá efetivar e compreender um plano consentido, num conceito de cidadania mais universal, diferenciado das impostas pela classe dominante.
O direito político é também indispensável para a condução da vida em sociedade. Está engrenado por Covre, como um dispositivo essencial na ação dos homens junto à sociedade. Os direitos políticos são responsáveis ao que venha corresponder ao cotidiano dos cidadãos. Assim, os direitos políticos “relacionam-se à convivência com (...) homens em organismos de representação direta (...) ou indireta”. (Ibid, p. 15)
Assim, os direitos políticos assumem um papel tão decisivo, que é capaz por si só, de decidirem por garantias de direitos, “pois a ligação ou desligamento entre os dois, [direitos civis e sociais] a meu ver, levam a diferentes experiências de cidadania” (Ibid, p. 15). Além de enfatizar a importância do vínculo entre os três direitos: civis, sociais e políticos, para a existência de uma cidadania plena.
Para abarcar a cidadania plena na visão de Covre (2005), apresentamos uma estrutura que se compõe pela cidadania consumista, organização trabalhista, subjetividade e um contexto sobre os possíveis passos que levem ao caminho da cidadania plena.
Covre vai indiciar o sistema capitalista anunciando que, o mesmo visa não só à exploração da mão de obra do trabalhador, mas que também se abre oferecendo determinada cidadania dirigida como uma espécie de “manutenção” para aqueles que servem ao capital, ou seja, o indivíduo-trabalhador. Desse modo “a ideologia capitalista parece haver acenado com aspectos da cidadania (...) apontando para a melhoria nas condições de vida dos trabalhadores, mas guardando o caráter de como explorar esses trabalhadores” (Ibid, p. 38). Assim, o capital reflete uma cidadania formal sem dar um efeito que possa contemplar os anseios da classe trabalhadora de forma social mais abrangente. Covre delimitará a cidadania dizendo que “quando temos um conceito de cidadania vinculado reciprocamente à propriedade, trata-se da cidadania mais formal, a que serve à dominação. Num tipo de cidadania mais efetivo, os direitos são extensivos, quantitativa e qualitativamente, a todos” (Ibid, p. 25).
O capitalismo demanda por uma cidadania que venha a valorizar o consumo, propondo transformar os trabalhadores em consumistas, em que para Covre, a proposta de transformar o trabalhador em consumidor no sentido pleno: consumidor de suas necessidades básicas de novas mercadorias. De forma avassaladora, os meios de comunicação insistem nesse aspecto, procurando tirar do trabalhador o caráter político desenvolvido durante décadas na luta pela sobrevivência, despojá-lo da qualidade humana herdada da pólis grega. Metamorfosear o homem mais para animal social, minando o ente político cultural cuja qualidade seria pensar e repensar, discutir em público, criticar como cidadão as leis injustas (Ibid, p 47).
Em se tratando de superar a cidadania esvaziada e o ideal de cidadania consumista proposto pelo Capitalismo, para Covre deve haver uma revolução interna nos indivíduos.
Um dos níveis dessa revolução está na possibilidade de o homem contemporâneo romper cotidianamente com as trevas da alienação (e uma delas seria o consumismo no sentido amplo). Isso se daria a todo instante, nas relações diárias, criando relações que eliminem o homem ‘marcado’ historicamente e apontem, dentro desse homem, o ser universal que possui. (Ibid, p. 64)
A revolução interna apontada por Covre é o próprio ato de conscientização do homem. A autora não nega a condição do desejo humano, mas esclarece quanto à exploração exercida pelo capital e sua estrutura ideológica, bem como a influência da mídia e da cultura alienadora sobre o comportamento das pessoas, confundindo as reais necessidades da vida. Os objetos de consumo são equiparados à moral e a valores conjugados historicamente, acabam por se qualificar como juízo de valor. Esquecendo que existe “a possibilidade de fazer a ligação dos homens, enquanto indivíduos (subjetividades) e enquanto sujeitos grupais no bairro, nas fábricas, sindicatos, partidos, até chegar ao âmbito global da sociedade” (Ibid, p 63). Assim, a cidadania consumista não valoriza o debate público em favor da coletividade, cria sim, grupos separados pelo capital.
Para Covre (Ibid), a efetivação da cidadania depende da ação dos trabalhadores, da estrutura presente na sociedade, pois se a estrutura capitalista pode oferecer cidadania, cabe ao trabalhador apropriar-se dela e supostamente ampliá-la, tornado-a cada vez mais acessível e de qualidade caracterizando–se, desse modo, numa cidadania plena. Uma apropriação que depende dos integrantes das organizações trabalhistas infiltradas em sindicatos, empresas, escolas, bairros, partidos políticos, igrejas, etc. Além de políticas que almejem pela democracia, direitos, garantias e uma educação que possibilite o conhecimento dos direitos, de modo a contribuir para o estabelecimento de justiça e dignidade para o cidadão trabalhador. “É preciso criar espaços para reivindicar os direitos” (Ibid, p 66). Porém Covre (Ibid) não se limita e enfatiza: não bastam direitos ou garantias, numa cidadania que se apresente com uma face formal, é preciso extrapolar e ir mais adiante, transcender a cidadania formal que não garante acesso ou qualidade, muitas vezes apenas palavras sobre papeis.
O cidadão trabalhador necessita de meios em que se possam abranger as políticas econômica, social e cultural, resultando numa cidadania plena e efetiva.
A cidadania plena vai se caracterizar em subsidiar o trabalhador em suas carências sociais no sentido mais amplo, efetivando condições que venham atender ao trabalhador, visando não somente ao salário, à saúde e à alimentação, mas estender o direito a se educar e utilizar as políticas a seu favor.
É importante observar que numa cidadania plena, sua conquista se dá através de pressão sobre os governos e setores privados. Desafiando a estrutura capitalista, onde para Covre, “a bandeira de luta de cidadania plena deve transformar o cotidiano do trabalhador em algo bom, satisfatório, sob condições, que respeitem a própria vida, dando chance também à questão do desejo à identidade do indivíduo com as atividades que realiza” (Ibid, p 73).
Para Covre (Ibid), a concretização da cidadania plena também dependerá da revolução interna ou conscientização de cada indivíduo, ao passo de se exigir primeiramente, que haja democracia e luta contra a imposição consumista. Nas relações diárias, o individuo deve identificar as representações do capitalismo que ameaçam transformar o trabalhador em consumista e sobrepô-las, para um julgamento que contribua para uma coletividade mais justa, que possa integrar ações econômicas, políticas e sociais.
Segundo Singer (2005), a consolidação do Welfare State ou o Estado do Bem Estar é fruto teórico do economista John Maynard Keynes, porém seu desenvolvimento se verifica no transcorrer do antes e depois das duas grandes guerras mudiais.
Para Covre (2005), o Estado do Bem Estar é visto como uma proposta dos grupos monopolistas: uma maneira de suprir as carências sociais, na qual o Estado toma um sentido de utopia em querer agradar e promover a felicidade do trabalhador. Mas, nega a possibilidade de o indivíduo–trabalhador efetivar-se na conquista de garantias mais sólidas e abrangentes, num plano econômico, político e cultural. “Na etapa monopolista, a cidadania tem sua força no grande espaço criado para reivindicações; cabe aos trabalhadores se apropriar dele” (Ibid, p. 49), ou seja, o sistema capitalista estabelece garantias de direito ao trabalhador até certo ponto, a extensão desses direitos vai depender de luta trabalhista.
No Brasil, nas décadas de 1910 e 1920 iniciam-se movimentos impulsionados por ideais políticos e sociais conduzidos pela massa de imigrantes, que segundo Covre, estabelecerá um marco na conquista da política brasileira: “tratada até então como caso de polícia, a classe operária tornou-se um caso de política” (Ibid, p. 54). Assim, as experiências de luta dos imigrantes, na década de 1920, contribuem para a formação da cidadania do individuo trabalhador brasileiro.
Segundo Covre (Ibid) o avanço da economia do país, cada vez mais aberta à economia estrangeira, deixou-o em uma posição subserviente ao capital estrangeiro, mesmo sendo conduzido por uma ideologia nacionalista.
A sociedade brasileira conscientizando-se de que os direitos reivindicados não eram atendidos, de modo que pudessem melhor atendê-los, resolve organizar-se. “Povo” e burguesia se unem, porém, com interesses de conquistas diferentes, tendo esse movimento um caráter revolucionário, conhecido como “revolução de 1930”. O governo em uma estratégia populista, afirma Lamounier:
reivindicações operárias [que] foram atendidas nos anos 30 e 40 como se fossem doação paternal de uma ditadura que, por outra parte, tratava de construir a imagem de Estado Nacional avesso aos regionalismos e aos localismos privatistas das velhas oligarquias. (...) novo autoritarismo estatal assumia, para as massas trabalhadoras, através da concessão dos direitos sociais, uma feição democrático–igualitária, (1981, p. 145).
A atitude do Estado em atender algumas reivindicações do povo, para Covre (2005), é entendida como meio de burlar as pressões populares, e desorganizar os trabalhadores na sua frente de luta. Levine (1983) no entanto argumenta em alguns detalhes, e mostra o quanto o trabalhador diante dos direitos conquistados, logo também se via prejudicado pelas mesmas conquistas.
Praticamente todas as leis que fazem concessão aos trabalhadores ao mesmo tempo restringiam e limitavam seus direitos e previam sanções para a punições dos transgressores. Isso se deu até mesmo na década de 1930, quando a política oficial reconheceu o direito da classe operária e de se organizar. A lei de 1932, criando comissões de arbitragem, especificava ao mesmo tempo que os trabalhadores grevistas poderiam ser sumariamente despedido (Ibid, p 313).
No Brasil o desenvolvimento das cidades se dá contornado pela pregação do Estado Nacional por parte da classe política, causando um impacto social em virtude do êxodo rural.
Muitos vinham para as cidades como migrantes do interior rural, não apenas atraída pelo desejo de mobilidade ascensional, mas forçados pelo desespero: a vida no interior era ainda mais difícil do que a vida nas favelas das cidades. Até as áreas prosperas do café estavam tão bem supridos de braços para o trabalho, que muitos dos imigrantes que haviam sido recrutados (...) Em conseqüência, as redes de trabalho informal espalharam-nos entre vastos e instável bolo de homens e mulheres sem especialização (LEVINE, 1983, p 305).
Os anos que percorreram entre 1945 e 1964 para Covre (2005), estarão marcados, por atitudes políticas liberais e populistas, onde Barros (1994, p. 32), aponta Getúlio Vargas como um “líder de massas”, um ótimo entendedor da política populista. “Melhor do que ninguém, soube exercer uma política nacional e populista que canalizou essas massas e soube tirar proveito delas”.
Covre (2005) indica certos avanços para cidadania, em reflexo no que se deu como “doações” por parte do Estado na década de 30, a existência de certos direitos políticos: voto sistemático para todos os cargos (prefeito, governador, vereador, deputado, senador e presidente), processo de greve mais ou menos assegurado. Pressões políticas das organizações populares e, basicamente, o mínimo de respeito dos governantes pela constituição de 1946 fizeram também com que fossem um tanto atendidos os direitos sociais – educação, habitação, saúde, segurança no trabalho, aposentadoria etc. ( p. 55).
Uma reflexão dualista, em que Covre (Ibid), vê de um lado, tanto o poder de exercício quanto os direitos políticos e social,na década de 1950 as escolas publicas (e portanto, gratuitas), tão diferentes de hoje, eram as melhores do país. Ao freqüentá-las, os filhos dos trabalhadores podiam concorrer com os filhos dos ricos nos exames rígidos para o ingresso na universidade, que ofereceria pouquíssimas vagas. (Ibid, p 55).
A diferença na escola pública se estabeleceu depois de 1964, mais propriamente a partir de 1968, a partir do Ato Institucional nº. 5, deixando explícita a importância da democracia, no controle educacional. Romanelli (1991) numa analise sobre a crise educacional no período ditatorial afirma:
A política educacional adotada após 1964 [...] Todavia, sua ação vai resultar ineficiente, tanto mais quanto a crise econômica do inicio da década de 1960 vai exigir, por parte do novo regime e segundo sua ideologia, a adoção de uma política econômica de contenção. A expansão da rede escolar, segundo as exigências da demanda social de educação, poderia comprometer em parte a política econômica do Governo. Daí por que a expansão se deu em limites estreitos e, por não acompanhar nem ao menos o ritmo do crescimento da demanda, acabou agravando a crise do sistema educacional (ROMANELLI, 1991, p 206).
Segundo Covre (2005), após 1964 o Brasil, garantia o capital monopolista, tendo um Estado na forma tecnocrático-militar, nem promovendo cidadania. Visto que nesse período a democracia se encontra oprimida, “remédio” imprescindível para qualquer cidadania. Assim não há margem no país para a proposta de Estado do Bem Estar Social, no qual segundo Covre (Ibid), vai resultar em gastos econômicos, e nas crescentes dívidas financeiras.
Para Covre (Ibid), um comportamento chauvinista torna-se desnecessário, pois entende que, à medida que se está inserido no sistema capitalista, o melhor rumo é o de se apropriar das condições favoráveis às conquistas sociais. Condição permitida via–propostas como o Estado do Bem Estar Social e pelas próprias brechas nos avanços dados pelo capitalismo, elaborando a partir daí uma cidadania mais abrangente e eficaz para o trabalhador.
Para tanto, deve-se negociar a tecnologia que entra, o que é produzido, quanto se paga por isso, quanto se deve aos brasileiros pelo seu trabalho. Em vez de negar a tecnologia, trabalhar para que o vínculo entre ela e a cidadania se estabeleça realmente de forma favorável aos trabalhadores. Ou seja: para que a tecnologia venha a atender aos homens no caso, à maioria dos brasileiros. (Ibid, P. 59).
A viabilidade do processo de Estado do Bem Estar no período da ditadura não se deu como necessário, pois o povo tinha sua liberdade reprimida, e já estavam “condenados” às vontades do Governo, a preocupação se dava em criar estruturas sociais, que objetivassem, segundo Covre (Ibid, p. 60) “projetos empresariais, que primeiramente atendiam a grupos, em especial de classe média. Além disso, o financiamento desses benefícios foi feito pelos próprios beneficiados.” O Brasil caminha em direção ao capital monopolista, estrutura na qual é defendida pelo governo. Covre (Ibid), observa que a abertura da economia nacional acentuava-se para as empresas estrangeiras, subalternizando as empresas nacionais à tecnologia de países considerados desenvolvidos, gerando prejuízos para o Brasil. Além de impedir as garantias do Estado do Bem Estar Social, já que se paga impostos na obtenção de tal tecnologia.
A própria organização multinacional em que as subsidiárias recebem das matrizes os pacotes tecnológicos, alias, passam também para as grandes empresas nacionais, caso elas queiram manter-se no mercado, [...] Isso significa que a produção desses países está atrelada intimamente à forma de produção internacional, aos ditames dos centros tecnológicos e à transferência dos mesmos. (Ibid, p. 58).
No período ditatorial surge o que Covre (Ibid, p. 61) chama de “rede de organismos autônomos de exercícios democráticos”, células insurgentes, resultado da exclusão democrática no país, que mais tarde se veria fundida a um sistema de representação mais estrutural, partidos políticos e sindicatos. Desse modo, a autora leva-nos a entender que cada vez que o povo recebia o aceno do Estado com espaços propícios à democracia, logo esse se apropriava e, lutava em favor da democracia, o que levaria à condução para mobilização do país a conclamar por “Diretas já” em 1985. Assim, colocaria fim ao Estado ditatorial visto no Brasil, abrindo caminhos para emergir uma política liberal, possibilitando a instituição da categoria cidadania, se confundindo ora Populismo e, ora Estado do Bem Estar Social.
Quadro 1 - Conteúdo de ensino proposto para 5º série da disciplina de história, conforme Documento seqüencial (2001).
BIMESTRE | EIXOS TEMÁTICOS | NOÇÕES E CONCEITOS |
Primeiro | Relações sociais, trabalho e cultura regionais: nacionalidades e etnias regionais |
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Segundo | Relações sociais, trabalho e cultura regionais: origem geográficas das famílias (países, continentes e outras relações nacionais) |
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Terceiro | Relações sociais, trabalho e cultura regionais: deslocamento, das populações africanas para a América |
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Quarto | Relações sociais, trabalho e cultura regionais: formas de trabalho |
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Quadro 2 – Conteúdo de ensino proposto para 5º série da disciplina de história, conforme Diretrizes curricular (2003).
BIMESTRE | EIXOS TEMÁTICOS | NOÇÕES E CONCEITOS | HABILIDADES/ COMPETÊNCIAS |
PRIMEIRO | O Homem em seu tempo e espaço de vivência |
Os portugueses na América, influências culturais. |
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SEGUNDO | O Homem em seu tempo e espaço de vivência | Brasil colônia a sociedade, o trabalho escravo. |
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TERCEIRO | O Homem em seu tempo e espaço de vivência | A Guerra do Paraguai |
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QUARTO | O Homem em seu tempo e espaço de vivência | A divisão de MT A economia em MT e a formação das oligarquias. A divisão de MT |
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3.1 Aspecto dos documentos analisados:
No Documento Seqüencial (2001), temos uma visão sobre cidadania de forma ampla abarcando conceitos de constituição do Brasil, propondo conhecimento histórico quanto à origem e as relações sociais dadas pela colonização do Brasil. Sem deixar de lado à cultura, e a formação do povo brasileiro. Uma vez que são conhecimentos que se referem à consolidação do Brasil enquanto nação. Assim apresentando aspectos muito valido para cidadania nacional.
Porém, ainda que comentemos sobre o ensino de História na 5º série da educação fundamental, não se implica nos conteúdos à política, o direito civil e o direito social. De modo que possa vir a produzir conceitos que venha relacionar com uma proposta de direitos básicos do cidadão.
Comparando o Seqüencial (2001) e a Diretriz Curricular (2003), esse objeto do primeiro, vemos poucas mudanças tanto nas apresentações como em suas introduções. A proposta disciplinar da Diretriz Curricular, ora foi acrescida de novos temas a ser explorados para o ensino. O que aponta como grande diferença nos documentos são seus eixos temáticos, o que propõe uma visão de analise diferente para cada proposta pedagógica. Mas, que dependerá infinitamente de professores capazes de relacionar e experimentar tais documentos como propostas, a serem ampliadas no que se transmite como cidadania, sendo capazes de provocar a formação de cidadãos críticos e autônomo.
É imprescindível destacar que não se teve o propósito de qualificar ou verificar a respeito da cidadania inserida nos documentos, mas sim, considerá-los conteúdos de análise em que se verifica sua atuação e possível interferência junto aos livros didáticos.
O professor Gatti Júnior (2004) apontará que na Europa, antes da invenção da imprensa, devido a necessidade de livros por parte dos universitários, fazia com que estes viessem a produzi-los por conta própria. E que no século XVII, o livro didático era considerado como um portador do conhecimento científico.
No Brasil, o livro didático inicia-se como um produto de importação, na maior parte, produzido na França e Portugal. O autor lembra que tais livros didáticos, até a década de 1920, tinham por maioria autores estrangeiros, e de disponibilidade a poucos. Tendo a partir da década 1930, uma nacionalização das publicações do livro didático. Entres as décadas de 1930 e 1960, o livro didático tem aspectos de um produto artesanal, produção realizada sem muita preocupação com sua didática e a revisão metodológica, conhecidos como manual escolar. Mas, será nos anos 1960 que os livros didáticos começam a ter um foco de maior importância, refletindo tanto nos cuidados de sua produção quanto no seu aporte ideológico. Na década 1970 é que os livros didáticos começam a propor conteúdos mais críticos, fato intensificado nos anos 1980 e 1990, por influência de uma maior abertura política e mudanças sociais, além das alterações pedagógicas e acadêmicas.
Segundo Gatti Júnior (2004), com início da massificação da escola e do livro didático a partir dos anos 1960, tem se o aumento da desigualdade social. Pois, os livros didáticos vinham tendo transformações, devido às relações factuais ligadas às condições econômicas, políticas e sócias da sociedade, gerando assim, conteúdos mais críticos e reflexivos. Mas que não se deu acesso a todos, visto que a massificação das escolas em um curto período de tempo não teve o investimento desejado para os recursos humanos e matérias ou seja melhor capacitação de professores e melhor apoio didático.
4.2 Analisando o livro didático “HISTÓRIA”
O livro didático de História da 4ª série do Ensino Fundamental, de Ernesta Zamboni e Sonia Castellar com o título “História” como objeto de análise, está divido em duas unidades a serem trabalhadas. A primeira com subtítulo: “Novas paisagens”, dando seqüência aos seguintes capítulos: “A cidade e a cidadania, Mudanças no espaço urbano, A cidade do Rio de Janeiro e, A passagem do século XIX para o século XX e as novidades culturais”. A segunda parte apresenta-se com o subtítulo: “A conquista da cidadania”, com os capítulos: “Independência do Brasil”; “O fim da monarquia”; “Movimento Negro”; e, “A República e a prática da Cidadania”.
O primeiro capítulo da primeira unidade, “A cidade e a cidadania”, tem-se no contexto os seguintes períodos:
As ruas são lugares públicos. Cabe à prefeitura administrá-las e à população conservá-las.
O direito de as pessoas usarem os lugares da cidade sempre existiu.
Quando os grupos sociais se reúnem para protestar contra injustiças, manifestar opiniões ou comemorar fatos alegres é para praças, parques e avenidas que elas se dirigem.
Entende-se que as autoras trabalhem com um conceito de cidadania associado à civilidade, tendo os direitos e deveres como regras pautadas. Limita os direitos civis de forma a explicitar o direito do cidadão de se manifestar em público e enfatiza o direito primário de ir e vir.
Porém, os períodos apontados no livro não são suficientes para o esclarecimento na tomada de consciência dos atos e direitos que possam causar uma qualificação do ser humano, que tem o mundo por ele produzido. Ocorre de certa forma uma coerção didática, tratando-se “povo” sem relação com o poder de decisão, sem contato com os direitos, apenas tornando-o subjugado a conservar os lugares públicos.
A cidadania aplicada ao livro não estabelece condições e conteúdos propícios a causar-lhes uma revolução-interna, que apontada por Covre (2005) que é o próprio ato de conscientização do homem, que oportuniza às crianças possibilidade de conhecimento dos direitos e deveres, de forma mais estreita em relação a sua prioridade social, que a levem a distinguir uma cidadania plena e de outra consumista. Ainda, observar que seu dia a dia, há várias interferências que regem sua condição de vida, possibilitando uma nova visão de valores.
Para a ação da cidadania é necessário que haja a reivindicação de direitos, assim nas políticas liberais para Covre (2005), o povo enquanto cidadão deve protestar e aparecer publicamente, causando condições que o levem a negociar suas reivindicações, não somente se limitar a manifestos através das ruas e praças como forma de pressão.
No que o livro didático apresenta, não há propostas para que as crianças tomem conhecimento de forma esclarecedora dos meios dirigidos para conquista de direitos.
No segundo capítulo, “Mudanças no espaço urbano” as autoras relatam as diferenças entre o modo de vida das pessoas de antigamente, e as de hoje, ilustrando o cotidiano da classe média, que antes tinha poucas opções para consumir pelo fato da baixa escala de diversidade de produção. As pessoas representadas no texto possivelmente não estavam expostas à sedução das mídias estimuladoras dos dias de hoje, que pressionam para o acesso de bens da civilização.
Mas por volta de 1950 tudo começou a mudar: chegaram no Brasil os primeiros aparelhos de televisão [...] Chegaram também vários eletrodomésticos que começaram a mudar a vida das donas de casa: ferro elétrico mais leve, máquina de lavar roupa, aspirador de pó, geladeiras de diversos modelos, liquidificador, batedeira...[...] (Lacomb e Bojunga apud ZAMBONI e CASTELLAR, 2004, p. 20 ).
Está aí o período apresentado no livro didático que aponta o início de abertura econômica do país, para uma maior flexibilidade do mercado de capital oportunizando ao povo acesso a novas tecnologias.
O desejo pela comodidade e praticidade é algo que para Covre, não deve ser negado, pois é produto de sua existência. Porém não deve transformar-se em barreiras, prejudicando e “Desmobilizando, portanto, as organizações trabalhistas e, assim, melhor servindo à acumulação de oligopólios, o que resulta num conglomerado de consumidores” (Ibid, p. 71).
Comparando o texto “Mudanças no espaço urbano” com o parágrafo apresentado acima, nota-se uma descrição a respeito do desenvolvimento histórico sobre o espaço urbano, e um diálogo que não nega a tecnologia, porém propõe um consumo responsável o qual não se evidência no livro didático em questão, a responsabilidade do indivíduo na utilização da tecnologia e, os danos dos meios propiciadores da cultura do descartável. Não se vêem estímulos para debates sobre a consciência consumista.
O livro didático traz uma alusão ao progresso conquistado pelas cidades da região Sudeste no final do século XIX e início do século XX. Cria uma definição da cidade como proporcionadora de mão-de-obra, oferta de emprego, boa infra-estrutura. “Investiu-se em ferrovias, centrais de energia, redes de água e esgoto, novas vias de transporte e calçamento, garantindo tanto a produção como o deslocamento dos produtos” (ZAMBONI e CASTELLAR, 2004. p. 24). Tal citação leva a crer que os direitos sociais estão sendo empregados conforme a necessidade do cidadão, deixando de transparecer o interesse pelo capital.
O progresso da cidade por via das indústrias não apresenta relações com a miséria. As condições miseráveis estão vinculadas aos bairros operários, dando a idéia de serem a origem dos problemas sociais.
Também não apresenta nenhuma relação do operário. A ele era exigida uma extensa jornada de trabalho e colocado às nocivas condições das fábricas para com o trabalho, além do trabalho infantil e da mulher, que se submetia a tal labor como meio de sua sustentação. E cria-se um estereótipo dos “bairros operários”.
O livro ainda exclui as organizações operárias ocorridas nas décadas de 1910 e 1920, em que Covre (2005), destaca sendo como uma tomada para construção da cidadania, tendo a participação dos imigrantes italianos que formavam a classe operária nessa luta. “Por ocasião do recente movimento grevista, uma das reclamações mais insistentes dos operários era contra a exploração dos menores nas fábricas” (Ibid, p. 28), em que demonstra o reconhecimento por parte dos operários, do não-cumprimento das leis existentes por parte dos governantes.
No capítulo “A cidade do Rio de Janeiro”, o livro didático aponta a desorganização pública enquanto política social, no destrato com o saneamento da cidade. Retrata a cidade descrevendo apenas sua paisagem, sem dar fatos que liguem a algum acontecimento histórico. O escravo aparece como fator central, mas não menciona a exploração a ele imposta pelos meios econômicos. Enfim, o escravo é apenas apresentado nas suas funções de trabalho diante da sociedade.
Verificando a parte textual no capítulo “Chegada da Família Real”, constata-se a valorização da classe dominante, não se tem críticas, tudo parece favorável, ao contrário, descrevem-se as regalias reais e as provocações quanto ao comportamento social no país por conta do poder monárquico instalado no Brasil.
“A passagem do século XIX para o século XX e as novidades culturais”, aborda o período em que a elite dominante queria dar uma “cara nova” ao Rio de Janeiro, torná-la mais atraente aos olhos de quem enxerga o progresso. Tal período é marcado pela transgressão à propriedade privada, apontada pelo povo como uma política conhecida de “Bota-abaixo” onde moradores perdiam suas casas para dar lugar a uma paisagem urbana mais moderna e valorizada.
As autoras oferecem um texto fragmentado do livro “A República do progresso” para um trabalho de interpretação. Mas que se oferecido a um aluno da 4ª série, pode levá-lo a entender que a “gente pobre, negros forros, lavadeiras, costureiras” (Ibid, p. 40), eram os marginais e deveriam ser combatidos no Rio de Janeiro. Ficando sem um esclarecimento mais profundo, não aponta aos alunos uma direção para o seguinte debate: Seria possível reivindicar os direitos sociais ou civis nessa época?
A segunda unidade do livro com o capítulo “A conquista da cidadania”, inicia um trabalho sobre a Independência do Brasil. Resume a cidadania a um ensinamento cívico, aludindo aos “personagens” da Monarquia responsáveis pela Independência e, às datas relativas a esse fato histórico. Também evidencia os quadros e gravuras que retratam a Independência do Brasil. As ilustrações são utilizadas como corpo de questionários para que os alunos busquem respostas às expressões das pessoas pintadas, indicando no que estariam pensando naquele momento da Independência.
Também aborda a partida do rei D. João VI para Portugal, deixando no Brasil seu filho D. Pedro, a quem caberia dirigir o país. As autoras também - se preocupam em dar um caráter revolucionário ao Brasil, buscando despertar o nacionalismo e o amor à Pátria. Como aconteceu em alguns países com revoluções marcadas com sangue e violência, complementando essa cidadania cívica com a apresentação dos Símbolos Nacionais. Há também uma breve demonstração do autoritarismo por parte de D. Pedro I, ao impor uma nova Constituição em 1824 criando o chamado Poder Moderador, no qual o imperador estaria acima de qualquer poder do Estado. Nesse quadro possibilita aos alunos uma análise sobre a ausência da democracia na sociedade.
“O fim da Monarquia”, o período em que ocorre a Proclamação da República, é tratado de forma romantizada sem conflitos sociais. Num processo histórico que revela as insurgências advindas desde 1789 em contorno da Inconfidência Mineira, compondo uma cidadania valorizada através das contribuições culturais do século XIX, buscando fortalecer a identidade nacional.
Nota-se um estudo sólido no capítulo “Movimento Negro”. Considera o aspecto da cidadania, sendo nos dias atuais reflexo de questões sociais. Assim, é relatada a posição do negro na esfera social, mostrando a taxa de desemprego dividida por raça e sexo, bem como, a ausência de direitos políticos que possam valorização as pessoas e a cultura negra. Explora a figura de Zumbi, apontando certa resistência formada por escravos que fugiam formando quilombos e lutando contra o poder opressor; relaciona a abolição da escravidão com exploração econômica e, aponta os movimentos ou grupos que defendem melhores condições de direito para os negros. Porém, esses grupos envolvidos na luta pela cidadania, como são isolados, não oportunizam o esclarecimento de que a conquista da cidadania se dá através de toda a sociedade.
No capítulo “A República e a prática da cidadania” se esclarece as funções dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo no Brasil. Porém não se observa o comprometimento para com os alunos, em abordar uma visão participativa no processo de democracia. O que distancia no que se referi a uma cidadania mais plena, apresentando uma representatividade sobre uma única visão. Resumindo – se a questão da cidadania a uma simples condição de harmonia entre as pessoas, situação em que os impostos, o ato de votar e a fiscalização das ações do governo, são ações inquestionáveis que acaba não possibilitando uma reflexão do que se contribui e dos benefícios recebidos.
Mesmo ressaltando o poder de fiscal do cidadão, tais prerrogativas não exploram como essas medidas acontecem, de modo a produzir sentido. Assim, por que votar? Ou, qual a estrutura que cuida, ou como se dá a fiscalização dos impostos gerados pelo Governo? Mecanicamente os alunos são induzidos a manter comportamento dócil, não há estímulo para reivindicações sociais, o entendimento ou acordos coletivos são substituídos por regras de convivência. Não expressa os valores imbuídos na cidadania, nem relaciona uma cidadania plena, que não seja formal, estática, vista apenas através de papéis.
4.3 Conceitos de cidadania em trechos extraído do livro didático da 4ª série do ensino fundamental: “História com reflexão”
O livro didático propõe-se apresentar uma relação entre o homem e o tempo, trabalha-se com a utilização de letras de músicas, como a de Milton Nascimento “Que bom amigo” exemplificando as relações dadas entre indivíduos. Demonstra aí, uma aliança em que se estabelece a necessidade de um indivíduo com o outro. Uma necessidade que na música se apresenta de forma bem subjetiva, mas que certamente fortalece a construção da cidadania instituída em valores do coletivo (MARIN, QUEVEDO, ORDOÑES, 2001, p. 8).
O livro cria um entrelaçamento que vai dando uma incursão na história, buscando alocar o tempo através de um percurso cronológico. Assim, relaciona-se a evolução do homem enquanto ser social e a realidade de suas ações do hoje, que em conseqüência mostra a ação do passado. Essa ação se presume nos feitos do presente realizado pelo homem: objetos materiais, conhecimentos, regras sociais etc. Projeta o fruto da existência do passado. Tão logo se dá o homem como um ser intrinsecamente ligado a suas ações do presente e passado ou inversamente ligados a uma ponte temporal passado e presente.
Aplicam-se no livro conteúdos que tratam de despertar o interesse pela História, dão-se valores e conceitos a lembranças de tempos da vivência infantil, propõe trabalhar com textos na forma de reflexão ou poemas; além da presença de situações seculares, sugere-se que os alunos elaborem uma historização de suas vidas. O livro didático também é portador de uma linguagem que procura atrair o aluno, apresentando ilustrações coloridas, mas opacas (envelhecidas), buscando transparecer uma realidade. Utiliza-se de figuras representativas de idosos, crianças e ambientes que retomam a ação do passado sobre o tempo. (MARIN, QUEVEDO, ORDOÑES, 2001. p. 22)
Relaciona-se a história com diversos povos, destacando períodos históricos que se apresentam por fatos que conduzem, seja lá pelas descobertas científicas ou relatos históricos. Por exemplo: construção de Brasília, o homem no espaço e a chegada dos portugueses no Brasil (MARIN, QUEVEDO, ORDOÑES, 2001. p. 37).
O pau-brasil é tratado não só como objeto explorado tomado pelos europeus, mas também visto como produto da flora brasileira. Sua importância é refletida ao lado da importância dos recursos renováveis, abordando a economia açucareira, introduzindo-se sobre relações sociais, trabalho e economia. Abarcando, assim, as economias mineradoras e as atividades advindas de sua inserção, como exploração dos recursos naturais, descobertas de novas regiões, a utilização do negro-africano no minério, além do controle português na produção principalmente do ouro. Demonstra-se o paradoxo existente entre a miséria e a riqueza atribuída ao Período Colonial, sendo o Brasil um território considerado promissor cheio de riquezas naturais (MARIN, QUEVEDO, ORDOÑES, 2001. p. 75).
A conquista de Portugal sobre o território brasileiro dá a idéia de espaço enquanto território e extraterritorialidade. Deixa clara a condição do Brasil numa posição subserviente aos interesses portugueses, aponta a discordância entre Portugal e Espanha sobre a posse do território brasileiro, envolvendo tratados e bulas papais. Inclui objetivos portugueses, como a expansão da pecuária, a escravização dos indígenas, além das riquezas minerais do Brasil (MARIN, QUEVEDO, ORDOÑES, 2001. p. 93).
Descreve as relações sociais entre os indivíduos no âmbito familiar. Aponta convergência nas relações para com os escravos, criados e trabalhadores livres. Emerge-se num período em que vilarejos e feiras tendem a se tornarem cidades. As poucas cidades existentes até então, encontram-se nas costas litorâneas o que levará mascates, tropeiros, jesuítas e principalmente os bandeirantes a assumirem uma identidade de exploradores das regiões ainda não habitadas pelo interior do Brasil (MARIN, QUEVEDO, ORDOÑES, 2001. p. 130).
No processo político-histórico-brasileiro é destacada a Independência do Brasil de Portugal, D. Pedro I e sua abdicação ao trono. No Período Regencial, estende-se até o fato em que D. Pedro II vem assumir o trono. Em seguida, enfatiza-se a instauração do Período Republicano, o plantio e a produção cafeeira do Período Monárquico. Assim, demonstra até mesmo a prática do desenvolvimento da cultura do café, que implicará a expansão territorial para seu plantio e a utilização de escravos.
No que tange ao processo de industrialização no Brasil, apontará as condições precárias de trabalho dos operários do século XIX, conduzirá a reflexões acerca da composição e condição econômica, além das situações de insalubridade que mulheres e crianças enfrentavam nas fábricas. (MARIN, QUEVEDO, ORDOÑES, 2001. p. 158).
4.4 Conceitos de cidadania em trechos extraídoS do livro didático da 4ª série do ensino fundamental: “Brasil de Todas as Gentes”
As várias nacionalidades e a multiculturalidade são os pontos fortes no início desse livro. O trato com a diversidade de indivíduos é, o ponto-chave, dando forma a um conteúdo bastante amplo. Tomam-se assuntos que irão se ligar à Pré-história, que no decorrer do conteúdo se chegam às civilizações indígenas no Brasil. Assim, é passada a idéia de que um povo tem e carrega toda uma herança cultural, que abrange tradições, línguas, costumes, organização social e desenvolvimento que são transmitidas de uma geração a outra.
No caso dos índios, o livro didático enfatizará vivência dada entre os silvícolas os seus costumes, a presença nas matas, os valores sobre o mundo, sua medicina e sua alimentação.
O índio também é visto como um povo historicamente explorado e, num momento do livro, destaca-se adaptação desse povo aos novos tempos. Tendo o índio conquistado direitos que permitem a sua defesa através de leis, o que também os integra com a sociedade não-indígena (RICCI, SOUZA e HORTA, 2001. p. 66).
Os portugueses, apesar de todo foco como exploradores e dominadores, vão ter suas contribuições reconhecidas. Tais contribuições se referem ao legado cultural incorporado aos costumes dos brasileiros, na culinária, religião, língua nativa, etc. Mas, encara a situação do negro escravo com bastante foco. Apresenta uma série de situações que põem os negros trazidos da África, numa situação de desconforto o que os colocavam em revolta contra os mandos dos senhores do plantio no Brasil. O livro, consecutivamente, desenvolve-se em uma análise, comparando o desenvolvimento social do negro e do branco após a abolição da escravidão, por exemplo: condições salariais e escolaridade (RICCI, SOUZA e HORTA, 2001. p. 150).
O livro menciona em suas últimas páginas um resumo dos seus conteúdos, mas também irá trabalhar com comentários sobre cidadania, relacionando a importância das associações, votos, democracia, dos governantes enquanto representantes do povo, e das discussões entre autoridades no intuito de chegar a soluções para o país ou mesmo para própria construção da cidadania (RICCI, SOUZA e HORTA, 2001. p. 150).
Verificar a cidadania inserida no livro didático foi nosso objetivo. Assim, a impressão provocada pelo estudo demonstra que, estariam sim, os livros didáticos abarcados num processo que atinge mudanças: contextual, editorial, de divulgação e distribuição. Apontando que a sua posição enquanto portador de conhecimento, essencialmente factual, de cunho histórico, desenvolve-se conforme determinação do seu tempo. Visto isso, não somente pelo desenvolvimento didático e pedagógico, mas também por influência da extensão dada à democracia, que ora se liga ao direito de expressão e liberdade individual.
Quanto aos documentos servidos de referencial teórico e prática pedagógica para as escolas municipais, também se fazem valer oriundos de um plano democrático, pois, mencionam o direito à autonomia e a propõe como liberdade no que se refere às práticas ligadas às escolas e aos educadores, como elaboração e desenvolvimento de conteúdos pedagógicos. Mas posicionam-se como modelo programático disciplinar mínimo a ser seguido, visando não restringir sua adaptação e desenvolvimento. Logo, observa-se que o documento referencial planejado pelo governo municipal, não interfere na abordagem ou aplicação do livro didático. O livro didático traz uma carga periódica de conteúdos e temas disciplinares, mais abrangentes que os documentos opostos, mesmo entendendo que o objetivo dos livros e documentos sejam diferentes, haja vista que os documentos são uma normalização com conteúdos mínimos e de proposta curricular sistematizada a serem cumpridas. Assim, podemos desconfiar da posição do livro didático que tende a se tornar um modelo curricular a ser seguido, um organizador de conteúdos.
Através da pesquisa, percebeu-se que independente do tipo de cidadania inserida no livro didático, o livro didático caminha atrelado à ação do professor em sala de aula. De modo que o livro depende muito mais do professor que propriamente do seu conteúdo para que haja a emersão de uma cidadania plena. Nota-se nos livros didáticos, uma vaga identidade nas propriedades contextuais. O cidadão que se pretende formar está desprovido de propostas ou conteúdos que o qualifiquem no meio social. O livro não reflete o indivíduo como sujeito gestor das ações do Estado. Ainda, em consonância com a literatura destinada à verificação da cidadania, acredito que os livros didáticos desconsiderem uma importante direção a ser tomada. Tal direção refere-se aos conceitos básicos para inserção de direitos civis, direito do trabalho, direito do idoso etc. Sendo que não há explicitação de propostas que direcionam a conquista de autonomia, que venham a provocar uma relação de direito em favor da coletividade e conceitos que o institua no status de cidadão.
Os livros, basicamente, se enquadrarão numa categoria voltada à formação cívica e ao comportamento moral, porque não trabalham o usufruto dos direitos ligado aos fatos históricos, não entrelaçam relações com os direitos civis, políticos e sociais. Não há garantia de uma identidade e sentido de luta, que faça valer um legado que venha contribuir para condução das reivindicações de direitos a todos. Assim não possibilita maior efetividade dos direitos sobre as reais necessidades, que vão além de garantias básicas como alimentação, saúde, habitação, etc.
No livro didático “História”, a cidadania tem sua essência driblada, visto que o conteúdo textual está dividido na forma de tópico, na “unidade dois”, expõe certo sentido de luta democrática e social, mas, acredito que sejam, ainda, insuficientes para uma base cidadã, versada nos enlaces do direito.
Nos livros didáticos “História com reflexão” e “Brasil de Todas as Gentes” veremos duas produções que se aplicam a conteúdos relacionados a ações factuais históricas. De modo que, em alguns pontos, a atenção é tomada pela maneira exposta sobre os conteúdos relacionados à exploração, à cultura e ao trabalho. Mas carecem de abordagens em relação à conquista de direitos, e mesmo se tratando do aspecto histórico, veremos situações um tanto quanto abstratas, pois os personagens ou momentos ora são deslocados de origem.
Assim, proponho enfatizar que de tão necessário é o livro didático, logo seu conteúdo para formação de cidadãos, devem ser delineado por uma cidadania que preze pela conquista de direitos. Proporcionando senso critico capaz de direcionar o tempo do indivíduo com a consciência do seu passado histórico. Possibilitando uma nova forma de pensar e ver as relações humanas que regem a economia, sociedade e estado.
BARROS, E. L. O Brasil de 1945 a 1964. 4º ed., São Paulo: Contexto, 1994.
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Brasília: UNB, 1984.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 2º ed., São Paulo-SP: Brasiliense, 1988.
COVRE, M. L. M. O que é cidadania. 3º ed., São Paulo – SP: Brasiliense, 2005.
FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO – FNDE. Guia do livro didático-2004. História e Geografia. Disponível em:
Publicado por: ELISEU JOSÉ DE SOUZA
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