A realidade da sala de aula: Ensino de gramática ou ensino funcional da língua
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1. Resumo
O presente trabalho propõe uma análise sobre as práticas operadas pelos profissionais da educação em relação ao contexto em que os educandos estão inseridos. A pesquisa é fruto de observações iniciais de quatro aulas ministradas por uma professora de Língua Portuguesa especializada em estudos linguísticos, da rede estadual do município de Santo Antônio de Jesus, na Bahia. O passo seguinte processou-se em bases bibliográficas, com o estudo de teorias e documentos ligados à eficácia das aulas de Português. Por fim, a prática do docente é comparada as sugestões de especialistas da língua e os documentos advindos de suas investigações, a fim de ter conhecimento da ligação entre a prática e a teoria ou a falta de vinculo dos mesmos.
Palavras-chave: Ensino.Gramática.Contexto.
2. Introdução
Pesquisas comprovam que o rendimento escolar, principalmente nas redes públicas, está regredindo. Desde então, estudiosos e envolvidos na educação buscam respostas para, ao menos, subtrair esse retrocesso e melhorar o cenário do ensino. Uma das dificuldades mais enfrentadas pelos educandos, no que se diz respeito à Língua Portuguesa, está relacionada ao imenso número de regras descontextualizadas abordadas nas aulas de gramática, segundo algumas pesquisas, os discentes não conseguem se interessar pelas normas estabelecidas pela Gramática Tradicional, por conta do seu caráter prescritivo.
Há ainda questões relacionadas a formação dos professores, metodologia, práticas pedagógicas adotadas pelos docentes e vários outros fatores que colaboram para a queda do desempenho dos estudantes. Mas quais providencias foram tomadas para reformar essa situação? E quais providencias ainda devem ser tomadas? E ainda, quais profissionais a seguem?
Tendo em vista essas lacunas, este trabalho, de base bibliográfica, objetiva discorrer sobre as conclusões surgidas após as observações, leituras e práticas realizadas durante a pesquisa. Serão analisados documentos, teorias e principalmente a prática da docente contemplada. Inicialmente serão apresentados conceitos fundamentados por estudiosos da língua, em seguida serão articuladas as metodologias e abordagens da educadora.
Vale salientar que, foi realizada uma entrevista com a docente, mas somente serão levadas em conta falas que sejam pertinentes à pesquisa. O mesmo vale para a análise dos eixos explorados, apesar de serem citados eixos como o de leitura e produção, abordadas de forma tradicional, as aulas assistidas tiveram foco principal à análise linguística. Nesse sentindo, os eixos serão discutidos de maneira rasa, mas tendo a prática tradicional sempre como foco. O trabalho tem como público alvo estudantes da língua e professores interessados em aperfeiçoar sua prática profissional.
3. Ensino descontextualizado
Torna-se comum captar, em diversos espaços e contextos, discursos em que a sociedade se define como não domadora do português brasileiro. Isso ocorre porque, Segundo Antonio (2006), a Gramática Tradicional, trabalhada nas escolas, desde a alfabetização, compreende o caráter autônomo e homogêneo da língua e condena qualquer desvio da norma intitulada padrão, acarretando a um dogmatismo arraigado à cultura brasileira. O ensino da Gramática Tradicional que, segundo Ribeiro (2001), é definido como um "híbrido lógico-filosófico-normativo, incapaz, pela heterogeneidade de sua natureza, de oferecer caráter científico e por estar baseada unicamente nas línguas clássicas e, em razão de sua característica idiossincrônica, não poder ser aplicável à multiplicidade das línguas”, não contempla todos os contextos ao qual a população está inserida e colabora para uma concepção equivocada de “erro” nos discursos dos falantes.
Considera-se então a partir da observação desses fatos, para os estudiosos da língua, importante uma discussão a respeito do modelo tradicional que é imposto ao ensino da língua, levando em consideração as mudanças sociopolíticas enfrentadas pela mesma. Um dos produtos desses estudos são os PCN´s, que tem como objetivo principal “garantir a todas as crianças e jovens brasileiros, mesmo em locais com condições socioeconômicas desfavoráveis, o direito de usufruir do conjunto de conhecimentos reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania”. De acordo com o documento, seus “objetivos certamente não serão atingidos com um ensino conteudista e fragmentado. Por isso, o conhecimento que se quer proporcionar ou construir deve ser reflexivo”.
Conforme os estudos de Irandé Antunes é imperioso “promover transformações no ensino de Língua Portuguesa, transferindo o foco das classificações gramaticais à leitura e à produção de textos, de maneira contextualizada, abordando aspectos como a textualidade e a discursividade da língua, a diversidade dialetal e a pluralidade cultural.”
4. Teoria e prática nas escolas
A atividade do componente de estágio, realizada no Colégio Estadual Francisco da Conceição Menezes, proporcionou algumas reflexões a respeito do que se propõe, tanto na escola quanto nos documentos e estudos regidos para o aperfeiçoamento do aprendizado do educando e do que se pratica nas instituições de ensino. Nota-se, inicialmente que alguns docentes aparentam não planejar as aulas ou seguir um plano específico de aula, o que, na maioria dos casos, proporciona às aulas um caráter dissolvente. Ainda que alguns sigam, com o passar do tempo acabam não prosseguindo o planejamento. Gomes (2011) discorre sobre o valor de se planejar para a obter-se sucesso escolar, o teórico analisa coletivamente a ação de educar, fazendo menção ao vinculo da escola e da família como benefício para o desempenho do aluno. Thomazi e Asinelli (2009) discutem também sobre o planejamento das atividades pedagógicas na prática docente relacionando ações individuais e coletivas, pondo em foco atividades de leitura e sua implantação nos planos de aula. As teóricas categorizam três tipos de professores: os que planejam sem apoio nenhum, os que planejam individualmente por opção e os que planejam coletivamente.
Ainda sobre essa perspectiva, Santos e Santos consideram importante um planejamento que seja fruto do diálogo entre os educandos e o educador. Segundo eles, esse recurso pode facilitar o desenvolvimento dos alunos por surgir das principais necessidades deles. A prática efetuada pela docente observada pela dupla vai de encontro, na maioria das vezes, ao que é proposto pelo teórico, apesar de não obter resultados tão satisfatórios decorrentes à falta de tempo, o diálogo professor-aluno/aluno-professor ocorre, e suas dificuldades centrais são levadas em consideração pela professora.
5. Formação dos docentes
Outro aspecto importante a ser discutido após as observações é a discrepância entre a formação do professor e a área em que está ministrando. Segundo o Censo 2016, o atraso escolar é maior conforme a proporção de professores atuando fora da sua área. Com base nos estudos efetuados por Richard Ingersoll e Deborah Ball, nos Estados Unidos, “ensinar uma disciplina em que não é formado é prejudicial ao aprendizado do aluno e pode desmotivar o professor, levando-o, no limite, ao abandono da carreira.” Percebe-se então que, possuir alguma formação na área em que se vai lecionar é, no mínimo, necessário, tanto para os alunos quanto para os professores, pois ambos são prejudicados.
Possuir conhecimento da área é essencial, pois potencia o desenvolvimento dos discentes, diminui as dificuldades dos alunos e contribui para a elaboração de atividades mais criativas que despertam o interesse dos indivíduos. Mesmo que os docentes tomem as diretrizes curriculares como base, ter domínio sobre os conteúdos propicia uma extração mais ampla da matéria.
Pesquisas comprovam que, nos primeiros anos de carreira dos professores há uma insatisfação em relação às práticas fora de sua área de formação. Este fator influencia na eficácia de suas aulas e aumenta-se a carga de trabalho, utilizada para a preparação de aulas para disciplinas que não dominam (Johnson et al., 2005).
6. Pesquisas a respeito da formação dos professores no Brasil
O PNE (Plano Nacional de Educação) determinou como meta, a formação específica de nível superior para professores da educação básica. O Inep criou o Indicador de Adequação da Formação Docente, que informa a relação entre a formação inicial dos professores de uma escola e as disciplinas que eles são direcionados a lecionar, denominando os profissionais em cinco grupos. Quando um professor leciona duas matérias diferentes para a mesma turma, contam-se duas “docências”:
Distribuição de docências segundo o nível de adequação da formação, Brasil, 2016.
GRUPO |
PROPORÇÃO |
1. Docências com formação superior de licenciatura (ou bacharelado com complementação pedagógica) na mesma área da disciplina que leciona |
60,4% |
2. Docências com formação superior de bacharelado (sem complementação pedagógica) na mesma área da disciplina que leciona |
3,1% |
3. Docências com formação superior de licenciatura (ou bacharelado com complementação pedagógica) em área diferente daquela que leciona |
23,5% |
4. Docências com formação superior não considerada nas categorias anteriores |
6,9% |
5. Docências sem formação superior |
6,1% |
Fonte: Inep
Segundo o site Nova Escola, “poucos pesquisadores examinaram o impacto de conhecimentos específicos dos professores no desempenho escolar.” Fernandes (2013) aponta que alunos designados a professores com maior nível de conhecimento específico possuem um desempenho melhor em Matemática e Língua Portuguesa. “Carmo et al. (2015), único estudo focado no Ensino Médio, concluem que haveria impacto positivo e significativo do indicador de adequação da formação do docente sobre o desempenho escolar. “
Os resultados da pesquisa apontam para a magnitude do problema em questão, além de alertar os envolvidos na educação. As práticas da profissional contemplada na pesquisa remetem a uma possível ligação entre a disciplina ministrada e a sua área de formação, ao qual é confirmada durante a entrevista. Observa-se também que a especialização da professora possui bases teóricas nada tradicionais, mas que, infelizmente não estavam sendo colocados totalmente em prática, já dito anteriormente.
7. Práticas voltadas o PCNEM
Durante as aulas observadas, notou-se que a educadora tinha noção dos documentos destinados a apurar o desempenho dos indivíduos, porém alegava não ter tempo o suficiente e, além disso, ser criticada pelos colegas ao tentar desviar suas aulas do padrão. Foi verificável, por exemplo, que as aulas apontadas à leitura não possuíam caráter eficiente o suficiente para que se obtivessem resultados, no mínimo, bons. Fica evidente, em uma de suas respostas à entrevista, o desejo pela mudança e, em seguida, a dificuldade em alcançá-la: “Eu queria muito ler um livro completo com meus alunos, mas não há tempo, restam-nos os resumos e adaptações fílmicas”.
O ato de trabalhar adaptações não é totalmente considerado um hábito ruim, para alguns docentes. O problema está em trabalhar somente com as adaptações e descartar o material impresso e original. Segundo os Parâmetros Curriculares voltados às aulas de Língua Portuguesa do ensino médio, o ensino e aprendizagem de uma língua não podem abrir mão do texto, pois eles revelam os usos da língua e direcionam os alunos á reflexões que contribuem para a criação de algumas habilidades, como por exemplo: reconhecer, produzir, compreender e avaliar a sua produção textual e a alheia.
Vale salientar que a discente não trabalha os gêneros recomendados pelos Parâmetros. Essa prática, de acordo com os PCN´s, não dá espaço aos textos que mais circulam socialmente, o que impede o desenvolvimento de algumas das habilidades propostas pelo documento, que é a de saber interpretar qualquer tipo de texto em que se tem contato. (PCNEM, p. 74).
Os Parâmetros ainda discorrem sobre a vantagem de abandonar as aulas tradicionais em que se é considerado apenas a estrutura do texto e levar em conta a leitura e análise de poesias, jornais, notícias, reportagens, etc. (PCNEM, p. 75). Além disso, os alunos devem ser direcionados a não enxergar a língua puramente como forma de expressão e comunicação, mas como construtora de significados, conhecimentos e valores. (PCNEM, p. 87).
8. Práticas segundo Irandé
Com base nas dificuldades já apresentadas anteriormente, algumas medidas também foram tomadas pela Doutora Irandé Antunes. Em seus estudos, ela propõe uma prática pedagógica contextualizada e que comtemple todas as habilidades favoráveis aos indivíduos.
A pesquisadora recomenda o uso, nas aulas de Língua Portuguesa, tanto numa perspectiva formal, quanto na informal, mostrando aos alunos que existem duas formas de se comunicar e que não há erros, apenas desvios. Nas aulas observadas, notou-se que a professora fazia uso de uma linguagem mais voltada a realidade dos alunos pra, provavelmente, se sentirem mais confortáveis durante as aulas e aprimorar a relação professor-aluno, sem hierarquias excessivas. No entanto, a profissional não aproveitava a oportunidade para ratificar que aquele uso não é errado, como a maioria dos alunos deveria pensar, por isso, acredita-se que o essencial não foi captado pelos educandos.
A autora ainda trabalha outros eixos nos quais a escola acaba deixando passar despercebido, como a oralidade, pouco explorada, a escrita descontextualizada e a leitura de textos curtos, que não auxiliam e nem despertam o senso crítico dos discentes.
As aulas observadas foram direcionadas, principalmente, senão somente, a pura análise linguística. Os alunos estavam aprendendo a usar as locuções através da explanação de conteúdos e verificação de frases. Esse método, segundo Irandé, é uma prática fragmentada, descontextualizada, carregada de nomenclaturas e pura prescrição. Além disso, o imenso número de regras faz com que a língua perca o sentido para o aluno, distancia-se da realidade do mesmo, fazendo com que ele perca o interesse pelas aulas de português, por conta do ensino equivocado.
Para a teórica, deve-se partir da ideia de que não existe língua sem gramática, pois todos os falantes possuem suas próprias regras internas. Em seguida, é imperioso deixar claro que há várias formas de se comunicar em espaços diferentes e que nenhuma delas está correta.
Por fim, Irandé sugere a leitura e produção de resenhas, resumos, entrevistas e outros textos como um método mais eficaz e prazeroso para se trabalhar gramática. Acrescenta também a importância de explicar aos alunos que o padrão existe, mas que não é a única norma correta.
9. Considerações finais
Após o término do trabalho, as observações efetuadas, a comparação da prática com a teoria e o estudo de fundamentos que regem as bases curriculares das instituições de ensino, conclui-se que a implantação de princípios e documentos é essencial tanto para o desempenho dos educandos quanto para o aperfeiçoamento do educador como profissional. Os docentes que não os tomam como base, acabam tendo poucos resultados satisfatórios. Além disso, nota-se que as dificuldades dos professores vão além do não cumprimento dessas sugestões, alguns não atuam na sua área, se frustram e afetam a qualidade do conteúdo apresentado aos alunos.
O ensino da gramática pura e tradicional ainda assombra os estudantes e os fazem perder o interesse pelos estudos da língua. No entanto, estudiosos e linguistas ainda se debruçam para mudar essa realidade, provando que o ensino contextualizado deve vencer as práticas arcaicas para um bom desenvolvimento estudantil.
10. REFERÊNCIAS
MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio: Língua portuguesa. Brasília: 2000.
ANTUNES, Irandé. Aula de Português: Encontro & interação. São Paulo. Editora Parábola. Ed. 3. 2003.
ALMEIDA, N. M. Gramática metódica da língua portuguesa. 45. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
ANTONIO, J. D. O ensino de gramática na escola: uma nova embalagem para um antigo produto. Estudos Linguisticos, v. 35, p.1052-1061, 2006.
FERNANDES, M. M. Medindo os efeitos do professor na sala de aula: evidências a partir de promoção para professores em São Paulo. Dissertação de mestrado — Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2013.
GOMES É. M.F. A importância do planejamento para o sucesso escolar. Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Coordenação Pedagógica. Porto Nacional, 2011.
RIBEIRO, O. M. Ensinar ou não gramática na escola eis a questão. Linguagem e ensino, v. 4, n. 1, p. 141-157, 2001.
SANTOS, P.R.S.; SANTOS, S.R.S. O professor e sua prática - do planejamento às estratégias pedagógicas, p. 36-39, 2017.
THOMAZI, Á. R.G.; ASINELLI, T.M.T. Prática docente: considerações sobre o planejamento das atividades pedagógicas. In.:Educar, Curitiba, n. 35, p. 181-195, 2009. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/er/n35/n35a14.pdf 27/02 >Acesso em 28 fev. 2020
Publicado por: Tailine Silva
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