A Literatura da Cultura de Massa
INTRODUÇÃO
A literatura de massa, conhecida nos meios acadêmicos (entre outros) como produtos de mau gosto, destinados a um público semiculto e, às vezes, realmente inculto, tem, uma inestimável importância sociológica que precisa ser pensada. Não obstante sua grande penetração, possui, ainda, um peso não menos importante como produto que veicula ideologias.
Se, por um lado, sua qualidade estética não merece atenção, não tem condições de se tornar objeto de discussão científica, por outro lado, não há dúvida quanto à sua aceitação por parte do grande público que, não apenas consome em grande escala, como tem profundo respeito por seus criadores.
Esses motivos, já seriam suficientes para justificar a investigação científica, independente de qualidade estética.
Um fato, é incontestável: esses produtos ainda não receberam dos estudiosos a atenção compatível com sua importância.
Quando um autor como Paulo Coelho, entre outros, lança um novo livro, já se sabe antecipadamente do seu sucesso de vendas, embora os meios de divulgação não o projetem o suficiente para que isso ocorra. Isso é muito importante, porque alguns autores que se incluem na produção da “grande literatura” não conseguem o mesmo sucesso; com exceção, daqueles já consagrados, cuja crítica especializada costuma manter unanimidade quanto à qualidade do seu trabalho. É sob essa ótica, que o problema deve ser analisado.
A literatura de massa deve ter espaço para a discussão científica, não pela sua qualidade literária, mas pelo que ela significa e representa hoje para o leitor médio brasileiro, sem preocupações com a “grande literatura”. Para ele, aliás, é indiferente ler Guimarães Rosa ou Adelaide Carraro.
Como o primeiro exige conhecimentos anteriores, o domínio de um vocabulário mais rico, possui uma linguagem que menos o atrai, ele fica com o segundo, a quem vai entender muito bem e nada lhe exigirá, senão a leitura pura e simples do romance.
Para melhor entender o surgimento da literatura de massa, no primeiro capítulo, faremos uma breve abordagem histórica, acompanhando a sua trajetória, desde o surgimento com o folhetim, publicado nos rodapés de jornal, até os best-sellers.
No segundo capítulo, desvendaremos a receita do sucesso dessa literatura, que conquista um grande número de leitores. A diferença na linguagem, na estrutura desses romances, e seus diversos gêneros.
No terceiro capítulo, discutiremos um tema polêmico, a literatura de massa: simples lazer ou alienação? Abordaremos ainda, a ideologia constante nessas obras e se essa literatura acrescenta algo positivo à vivência dos leitores, além da satisfação da necessidade de lazer.
DO FOLHETIM AO BEST-SELLER: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA
A literatura de massa nasce com o surgimento do capitalismo e da ascensão da classe burguesa da época, que almejava a uma nova arte, mais popular, por isso, os escritores românticos romperam totalmente com o Classicismo, fazendo surgir então, uma literatura mais acessível, também na forma de publicação. Nessa época, criou-se um gênero literário mais inteligível à burguesia que a poesia épica: o romance. Com a invenção da imprensa por Gutenberg, tornou-se mais fácil produzir e reproduzir um grande volume de obras, porém a distribuição e o preço ainda eram inacessíveis para a maioria pertencente à classe proletária.
Pensando nesse impasse, um dono de jornal, com um ótimo senso de mercado lança o Folhetim. A expressão (roman-feuilleton) origina-se do jornal Lê Presse, de Émile di Girardim, por volta de 1836. Trata-se na verdade, de uma literatura não legitimada pela escola ou por instituições acadêmicas, mas pelo próprio jogo de mercado e, Girardim aproveitou, um gosto compulsivo por prosa de ficção (atestado pelas circulating libraries na Inglaterra e pelos 300 a 400 gabinetes de leitura existentes em Paris, que eram espécie de lojas de aluguel de livros do mais variado padrão cultural). O Folhetim era publicado em um espaço do jornal destinado à diversão, o rodapé, e publicado aos pedaços. Se a história agradasse ao público ela continuaria, pelo contrário seria substituída por outra.
A partir de então convidam-se escritores para escrever propositalmente para o jornal. O primeiro romance encomendado para a publicação em fatias é La Vielle Fille (“A solteirona”), de Honoré Balzac. As tiragens do jornal aumentaram consideravelmente durante a publicação da obra. No entanto, as cartas de indignação, denunciando a imoralidade do romance afluíram à redação do jornal e obrigaram Girardin a romper uma colaboração que deveria prosseguir. Ao sacrificar Balzac, o diretor do jornal fornecia um atestado de moralidade, do qual ele próprio reconhecia o poder dos consumidores e garantia a fidelidade desses mesmos consumidores.
No Brasil, alguns escritores se inspiravam nas obras dos folhetinistas estrangeiros como: Sue, Alexandre Dumas, Paul de Kock, Charles Dickens, Walter Scott, Ponson du Terrail e outros, tirando a receita deles e adaptando-as para a literatura brasileira.
E nesta linha enquadraram-se os romances de Joaquim Manoel de Macedo (A moreninha, que se tornaria uma espécie de fórmula para o autor, O moço loiro, Vicentina, Nina), Bernardo Guimarães (Ermitão de Muquém, O garimpeiro, A escrava Isaura, O seminarista), Visconde de Taunay (O Encilhamento), Franklin Távora (O Cabeleira), José de Alencar (A pata da gazela, Encarnação, Diva e outros).
E quem eram os leitores dessas narrativas românticas? Deixemos responder Alfredo Bosi (1983, 141-2): “Moços e moças provindos de classes altas e, excepcionalmente, média; eram os profissionais liberais da Corte ou dispersos pela província. Era o tipo de leitor que busca entretenimento.”. É preciso particularizar que, no Brasil, muitas vezes os romances eram publicados em jornal devido às dificuldades técnicas para a edição de livros. Como não raro o livro era impresso fora do País (Lisboa, Porto ou Paris), o jornal apresentava-se, então, como a solução. Romances que nada tinham de folhetinesco em sua estrutura textual podiam, assim, ser publicados em jornal (por exemplo, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis) e não ter nenhum sucesso de público.
O sucesso do Folhetim foi tão grande que eles passaram a manter a tiragem do jornal, já que as histórias eram publicadas em pedaços e os leitores se viam obrigados a adquirirem o jornal para poder acompanhá-las. As obras que se destacavam nos jornais eram posteriormente publicadas no formato de livro.
Através do folhetim originam-se algumas obras de literatura de massa consideradas best-sellers. Os Best-sellers não postulam qualquer reconhecimento artístico, conformando-se a um papel descartável, o que lhes faculta a multiplicação infinita de um único modelo. O Best-seller assimila da literatura os traços estéticos vigentes, e os atenua, para diluir o eventual caráter de constentação a algum sistema de dominação, seja estético, político ou ideológico, mas, para uma obra tornar-se um Best-Seller, ela deve passar pelo jogo do mercado, onde existem dois públicos: o investidor, que analisa a obra e sugere mudanças, visando aceitação do mercado e o público leitor, que opina sobre a obra.
Podemos citar como exemplo Doyle, autor de Sherlock Holmes, que criou um personagem forte na imaginação popular. A fama do personagem era tão grande que provocou o despeito do próprio criador. Este decidiu um dia matar Sherlock, fazendo-o cair num abismo, durante uma luta com o Prof. Miriarty, seu lendário inimigo. A reação do público foi pronta e indignada: Doyle recebeu cartas ofensivas e ameaças. Mas foi mesmo a oferta de um milhão de dólares por parte dos editores que o levou a ressuscitar o genial detetive.
Um dos maiores escritores de Best-Sellers até o momento, sem dúvidas foi Stephen King, senhor das histórias de terror. Para aqueles que acham que sua vida é sentar diante do computador e escrever quatro páginas por dia e receber 5 milhões de dólares de adiantamentos, Sthepentem uma empolgante história pessoal, que envolve livros recusados, falta de dinheiro, um princípio de alcoolismo e uso de drogas. Não é à toa que ele demonstrou tanta firmeza ao longo da sua carreira: "Os escritores possuem um ego imenso. Esta é a única maneira de obter condições para continuar a enfrentar todos aqueles bilhetes de rejeição.”, porém com toda esta fama Stephen King adverte: “a mídia é mestre em fazer trocas periódicas de mitos”.
No Brasil, também possuímos alguns fenômenos de vendas inclusive no exterior, podemos citar: Paulo Coelho, Cassandra Rios, Adelaide Carraro, entre outros. Alguns críticos dividem a literatura em duas: literatura propriamente dita e subliteratura. Às vezes, nem está em jogo a qualidade da obra, mas a penetração popular dela.
Veja o que escreveram os jovens hengelianos do Allgemeine Literaturzitung: “O pior testemunho em favor de uma obra é o entusiasmo com que a massa a recebe”
O próprio período romântico, em sua época, não se podia saber se mais tarde os críticos literários iriam atribuir-lhe o status de literatura culta. Aliás, o Romantismo como demonstra Alfredo Bosi (1983), “despertou indistintamente grande interesse entre os leitores cultos e semi-cultos do ocidente”.
A sua relevância no século XIX, se compararia hoje, a do cinema e da televisão. O romance romântico, dirige-se a um público mais vasto, que abranje os jovens, as mulheres, e muitos semi-cultos.
A literatura de massa está inserida na cultura de massa, pois utiliza-se das técnicas de marketing (capas chamativas, divulgação nos diversos tipos de mídia, o número de páginas do livro e o tema, que são quase sempre determinados pelo departamento comercial da editora. Livros grossos, de muitas páginas não vendem atualmente, por dois motivos: 1.° porque o leitor prefere um livro reduzido e, 2.° o preço interfere negativamente.
Vimos como o folhetim oitocentista era determinado pelas exigências industriais e comerciais da imprensa e como evoluiu até a fase atual das grandes editoras especializadas em best-sellers. Hoje, como qualquer produto de consumo, o texto folhetinesco pode ser submetido a controles de qualidade técnica e ter sua penetração avaliada sistematicamente, por institutos especializados.
No próximo capítulo, será apresentada, sucintamente a caracterização da literatura de massa para que se possa entender sua finalidade.
O QUE É LITERATURA DE MASSA?
Existe uma dialética na literatura. Alguns críticos a dividem como: Literatura Culta, que geralmente são as obras reconhecidas pelos críticos, academias e estudantes de letras e a Literatura de Massa que é considerada, muitas vezes, uma sub-literatura ou literatura marginal, pois está fora do circuito hermético da academia e da crítica.
No livro: Best Seller: A literatura de mercado, Sodré (1988) afirma que há dois tipos de literatura, com regras distintas de produção e de consumo: “a culta” e a “de massa”. A partir da análise de alguns dos livros mais vendidos até o século XIX, o autor confirma que a literatura de massa é a manifestação de um discurso específico e não uma utilização medíocre do discurso literário. Para ele, o estilo culto implicaria uma intervenção pessoal do escritor tanto na técnica romanesca corrente, quanto na língua nacional escrita. O autor, de certo modo, cria uma língua própria ao escrever. Seus textos não seriam comandados por fatos reais da história, conteúdos informativos ou pedagógicos que pretendessem chegar como “verdadeiros” à consciência do leitor. Já na Literatura de Massa o que importa são conteúdos fabulativos (a intriga como estrutura clássica de princípio-tensão, clímax, desfecho e catarse), destinados a mobilizar a consciência do leitor. O texto de massa é um tipo de produto capaz de aguçar a “curiosidade universal”: crime, amor, sexo, corpo, aventura, são alguns dos significados constantes, associados a informações técnico-científico-culturais. Esses conteúdos associados ao mito, constituem o material de consumo do leitor.
A literatura, para ser considerada “culta”, “artística” ou “elevada”, deve passar pelo reconhecimento de algumas instituições (escolas, academias) e os efeitos desse reconhecimento realimentam a produção. A literatura de massa, ao contrário, não tem suporte, escola ou academia: seus estímulos de produção e consumo partem do jogo econômico da oferta e procura, isto é, do próprio mercado. Apesar disso, nela se acham inseridos homens de cultura, para os quais o fim primeiro (nos melhores casos) não é o da produção de um livro para vender, mas sim a produção de valores para cuja difusão o livro surge como instrumento mais cômodo.
A literatura de massa, por estar inserida na cultura de massa, é manobrada por grupos econômicos que almejam fins lucrativos e realizada por “executores especializados” em fornecer ao cliente o que julgam ser mais vendável, sem que verifiquem uma intervenção maciça dos homens de cultura, que, logo são sufocados pelas leis inexoráveis do mercado.
Dizemos Leitor, mas também poderíamos utilizar expectador, pois, a narrativa de massa não se restringe ao texto escrito, podendo estender-se a outros meios e canais, como rádio, cinema e televisão.
A passagem para outros meios implica outros códigos (regras de organização dos conteúdos), mas não muda a estrutura básica da Literatura de Massa. No cinema ou no livro, uma história permanece fundamentalmente a mesma, porque o mais importante são os conteúdos (mito e informação). Com a Literatura culta, é diferente: a transposição da obra para outro meio altera sua natureza, pois ela está comprometida com a linguagem escrita. Segundo Sodré (1988, p. 17): “Não se trata de afirmar que o livro será melhor que o filme, mas que são duas coisas diferentes, quando se trata de Literatura Culta e Literatura de Massa.”
A Literatura de Massa não está para tomar o lugar da Literatura Culta, mas sim vem preencher uma lacuna deixada por ela. A lacuna é uma grande quantidade de pessoas que consideram a Literatura Culta hermética e complexa, mas sentem prazer na leitura. O leitor de hoje teve contato precoce com os meios áudio-visuais (televisão, cinema, etc.), esse contato segundo Ligia Averbuck (1984, p. 182) produziu mudanças significativas na estrutura da literatura: “A literatura, como forma romanesca ou outra, não cessará de existir, mas, por causa do áudio-visual, a relação das pessoas com o livro, com a leitura, sofrera uma transformação completa, radical.” A Literatura de Massa veio acompanhando essa evolução dos meios de comunicação de massa. Talvez seja por isso que a maioria dos livros são transformados em filmes ou se tornem seriados de TV.
Podemos citar o exemplo de Roberto Drummond, que publicou Hilda Furacão, o livro fez sucesso e se tornou seriado. E as inúmeras obras de Jorge Amado que são transformadas em novelas da televisão (folhetim eletrônico).
Da mesma forma que todos os produtos da cultura de massa, a Literatura de Massa sofre sérias restrições quanto a sua qualidade estética. É justamente no plano estético que está a principal diferença entre essas duas literaturas. Segundo Waldenyr Caldas (2000, p. 93), “No plano empírico, pode-se até abstraí-los sem qualquer prejuízo, mas quando se trata da discussão teórica da literatura, se, então, não há como prescindir deles.” É nesse momento que a Literatura Culta e a Literatura de Massa serão devidamente analisadas e suas diferenças serão constatadas.
O teórico assume a causa da Literatura Culta para justificar a diferença inevitavelmente encontrada. E o elemento central dessa justificativa não é outro senão estético. A Literatura de Massa é marginalizada, pois, para avaliá-la tomam a Literatura Culta e todo o seu instrumental teórico como parâmetros. Já que a Literatura de Massa não possui um instrumental teórico e um tipo de discurso próprios, não se constitui como objeto de estudo específico. Falta a noção de Literatura de Massa e, principalmente, a sua definição clara e objetiva como objeto de estudos. Todas as tentativas de análise da produção ficarão, então, por conta de outras disciplinas como a Antropologia Social, a Teoria da Comunicação, a Sociologia.
O estudo da Literatura de Massa, antes de ser centrado no objeto da literatura, deve ser visto a partir das suas próprias condições de produção. Devemos nos empenhar em saber quais os fatores de influência na formação do seu discurso, bem como colocar em relevo os principais elementos que compõem sua lógica interna. Sabemos que, em se tratando de uma produção cultural destinada ao consumo em larga escala, há diversas implicações a se ponderar: a primeira diz respeito ao talento e à criatividade do autor e ao mercado para o qual se dirige sua obra. Partindo da necessidade de agradar o público, passando pelas imposições do mercado, até chegar às questões das técnicas de marketing, a Literatura de Massa foi se adaptando. Esses fatores externos levaram o escritor a criar um modelo padrão de romance, a “fórmula de sucesso” desse tipo de produção cultural.
A comunicação dessas obras é feita através de emoções, sentimentos e sensações, levando seu público a momentos de profundo interesse pela leitura de entretenimento. Mas é precisamente usando esse arranjo simplista e de fácil interpretação popular, que homens reconhecidamente talentosos como Éugene Sue, Alexandre Dumas, Paul Féval, Ponson de Terrail, fizeram de seus escritos a grande sensação popular da Europa no século XIX, no campo das letras.
Da mesma forma, hoje, no Brasil, o grande público prefere, muitas vezes, Adelaide Carraro, Cassandra Rios, Paulo Coelho, Marcia Fagundes Varela, a Guimarães Rosa ou Machado de Assis. Essa literatura é sistematicamente excluída dos currículos escolares, apenas por ser considerada um trabalho de qualidade inferior.
Assim, tem-se subestimado a sua importância no plano social. Já que muitos escritores produzirem sob encomenda mas, nem por isso ela deixará de ser um canal de instrução para a maioria dos leitores. Podemos citar as obras de Adelaide Carraro quem as lê adotam-na como grande conselheira e orientadora dos assuntos sexuais, enfim, como uma mulher instruída, que enxerga além do que a média das pessoas, a temática ganha outra dimensão.
O gosto por essa literatura é assunto de pesquisa por alguns pensadores. Na área cultural, Bourdieu (1979) desenvolveu um estudo sobre os consumidores dos bens culturais e suas preferências, o gosto na escolha desses bens, demonstrado através de observações científicas, necessidades e práticas culturais, tais como freqüência a museus, concertos e exposições, preferências em matéria de leitura, literatura, pintura e música são um produto da educação, estando estreitamente ligados ao nível de instrução e não à origem social do sujeito. O estudioso desmistifica, assim, um determinismo social, segundo o qual o gosto é determinado pelas classes tidas como superiores.
AS CARACTERÍSTICAS DESSA LITERATURA.
A Literatura de Massa tem retomado a temática do mito heróico do passado, orientando a imaginação no sentido do consumo. A figura do herói tradicional – valente e sedutor – domina o texto literário. Não há romance policial, de ficção científica ou de aventuras que deixe de apresentar ao público um personagem heróico todo-poderoso, embora adaptado à linguagem da época, para gozar de credibilidade. A isso os teóricos dão o nome de verossimilhança – o conjunto de regras de credibilidade a que o texto tem de obedecer para ser aceito. Os heróis das histórias atuais, com aparências sempre novas, exigidas pelas regras da verossimilhança, os mesmos traços mitológicos dos heróis da Antigüidade: a solaridade, a resistência ao universo feminino (a mulher sempre foi apresentada como um obstáculo à realização do percurso heróico; são raros os casos de heroínas), a luta do bem contra o mal. A invulnerabilidade, a nobreza de caráter, o combate ao monstruoso. São características dos heróis do passado, comuns aos heróis contemporâneos.
Como no passado, o leitor continua a projetar-se nas aventuras heróicas, dando vazão ao seu desejo de potência, de aproximar-se dos deuses, e de poder, como o herói, escapar às leis do cotidiano repetitivo e monótono.
Outro traço dos romances da Literatura de Massa é a linearidade da narrativa, obedecendo a uma seqüência clara de início, meio e fim, dando livre curso a ação. A narrativa tem como objetivo o desenrolar de situações e fatos específicos, negligenciando os aspectos sociais e psicológicos envolvidos. Podemos afirmar ainda, que os romances dessa literatura são fechados, pois determinam à sorte de todas as personagens e os últimos acontecimentos. Concebida como uma narrativa que teve começo meio e fim bem delineados, o romance fechado apresenta sempre, como afirma Aguiar e Silva (1990, p. 92), “um breve capítulo final em que o autor, em atitude retrospectiva informa resumidamente ao leitor acerca do destino das personagens mais relevantes do romance”. Diferente do romance aberto onde o autor não elucida ao leitor o destino das personagens (o que permite várias leituras).
Um exemplo é o livro de Adelaide Carraro: Submundo da Sociedade (1978), em que estão presentes todas as características de um romance fechado. Além de se enquadrar na clássica estrutura do romance linear, no capítulo final, “Alta Classe”, a autora determina com muita clareza, o destino de cada uma das personagens.
Cristina, a milionária, prossegue seu romance com Lucas. Zé, o vigia, morre na condição de ladrão e as demais personagens (todos empregados de Cristina) permanecem na mesma situação desde o início do romance, semelhante ao que ocorre nas telenovelas (folhetim eletrônico), em que sempre no último capítulo é revelado o futuro das personagens.
Passaremos a analisar uma obra da Literatura de Massa, para compreender melhor suas características: o romance Tubarão (Jaws), do norte-americano Peter Benchley, poder ser tomado como exemplo da “fabricação de um best-seller”. Benchley era um jovem escritor interessado por assuntos de pesca, foi financiado pela editora – especializada em best-sellers – para escrever o romance. O texto era criticado e modificado pelos editores, à medida que era produzido. O próprio título do romance foi concebido no interior de uma operação de marketing.
A história é muito simples. Personagens principais: Brody, chefe de polícia; Hooper, oceanógrafo; Quint, pescador profissional; Vaughan, prefeito; Meadows, diretor do jornal.
O enredo gira em torno de um exemplar gigantesco de tubarão branco, que devora uma banhista nas proximidades da praia da cidade balneária de Amity. Brody quer interditar as praias, mas recua diante das pressões de Vaugahn e Meadowns, que temem os prejuízos causados pelo afastamento dos banhistas. Em face de novos ataques do tubarão, contrata-se um pescador profissional, logo devorado. A economia da cidade começa a sofrer com o fechamento das praias. Contrata-se o segundo pescador (Quint) que, juntamente com Brody e Hooper, partem em busca do monstro. Quint, que tinha um antigo ódio por tubarões, termina devorado, apenas se salvam Brody e Hooper.
Segundo Sodré (1988), Diante dos aspectos apontados no enredo, pode-se perceber os seguintes elementos estruturais:
1. Mito – Num artigo sobre essa narrativa (Tubarão o filho ilegítimo de Moby Dick em Comunicação – Teoria e Prática, n.° 19), a psicóloga Marina Martins de Carvalho (1984), levanta a hipótese da transposição do mito de Andrômeda. Assim:
(a)para resgatar a culpa de sua mãe que ofendeu as nereidas / para purgar o crime do seu prefeito que se associou ao mal, latino-russos (b) a princesa Andrômeda, filha do rei da Etiópia / uma cidade americana = filha da cultura americana / (c) foi amarrada às rochas, a beira-mar / situada à beira-mar (d) exposta à fúria do monstro marinho que assolava a região / viu-se exposta à fúria de estranho e monstruoso tubarão branco, (e), mas foi salva pelo herói Perseu / mas foi salva pelo herói Brody – que pelo braço do herói Quint em seu barco, (f) matou (ou petrificou) o monstro / levou à morte o monstro marinho, (g) e, posteriormente, desposou a princesa / e voltou à tranqüila chefia de polícia de sua cidade.
Perseu é um herói considerado ancestral direto de Hércules, suas façanhas dispõem de grande força de atração. Reencontram-se aí os elementos constantes do mito heróico e a eterna oposição entre o bem e o mal.
2. Atualidade informativo-jornalística – É a necessidade de transmitir ao leitor os grandes fatos, teorias e doutrinas O romance oferece inúmeras informações sobre oceanografia, o comportamento de grandes peixes, o universo de pesca. Além disso, sobre corrupção no setor imobiliário e práticas correntes da Máfia norte-americana. Isto aparece através do personagem Vaughan (o prefeito), chantageado por um grupo mafioso que pretendia entrar no mercado imobiliário da cidade. Muitas informações dessa obra são decorrentes do gosto do autor pela pesca, mas alguns autores realizam pesquisas ou até mesmo vivenciam a realidade que irão retratar. Um exemplo foi Éugene Sue (1836), escritor de uma obra modelar para a Literatura de Massa: Os mistérios de Paris. Sue era um homem culto e rico, para escrever Os mistérios de Paris se vestiu como um operário e perambulou por bairros pobres de Paris para tornar sua obra mais verossímil.
3. Pedagogismo – Os romances dessa literatura não podem ser considerados apenas como triviais, pois há a intenção clara de ensinar alguma coisa, isto é, um explícito pedagogismo. Por meio desse aspecto vislumbra-se a ideologia do autor.
No romance Tubarão, diversas mensagens implícitas e explícitas, procuram ajustar ideologicamente o leitor, isto é, encaminhá-lo no sentido de significações doutrinárias tranqüilizadoras. A mensagem geral (implícita) é de que nada se compara ao american way of life: o inimigo vem de fora, donde a melhor atitude para o cidadão norte-americano é isolar-se. O isolacionismo é uma das mais reacionárias ideologias circulantes nos Estados Unidos, veiculada por grupos políticos de direita.
Disseminam-se, por todo o romance, advertências contra negros (“costumam estuprar”, “retardam o progresso”), imigrantes (“fornecem drogas”, “são mafiosos”). Além disso, a esposa do chefe de polícia sente-se atraída pelo oceanógrafo que, embora norte-americano, é forasteiro. O tubarão branco, animal estranho e raro, sintetiza todo o mal quem vem de fora.
4. Presença da literatura culta - Os escritores retomam uma retórica culta ou consagrada, por obras publicadas anteriormente. Em Tubarão, Bench1ley vai buscar seus paradigmas literários em Moby Dick, de Melville. Não há em Tubarão, a profundidade épica e moral nem o sentimento de destino que presidem ao texto. O romance limita-se a reduplicar os efeitos épicos de Moby Dick.
Vejamos a homologia de algumas seqüências:
a) Hooper diz a Brody (Tubarão): “Não pode ficar com a idéia fixa de cometer vingança contra um peixe. O tubarão não é um agente do mal, não é um assassino. Está apenas obedecendo aos seus próprios instintos. Tentar vingar-se de um peixe é uma insensatez”. Starbruck diz a Ahab (Moby Dick): “Vingança contra um monstro marinho que o atacou apenas movido pelo instinto cego! Isso é loucura. Ter ódio a um animal até me cheira a blasfêmia.”.
b) Batalha final contra o monstro (Tubarão): “Três dias seguidos encontram o tubarão e tentam arpoá-lo; no terceiro dia, há o combate definitivo; Quint morre porque a corda do arpão enroscou-se em seu pé; o tubarão ataca o barco de Quint, mais tarde cai sobre ele que, em conseqüência, sossobra; salva-se uma única testemunha”. (Moby Dick): “Três dias seguidos defrontam-se com a baleia e travam combate; no terceiro dia, o combate definitivo; Ahab morre porque a corda do arpão enrosca-se em seu pescoço; a baleia ataca o navio Pequod, do capitão Ahab, que sossobra; salva-se uma única testemunha”.
Utilizando a forma já consagrada de Moby Dick, ele manipula significações capazes de se ajustarem ao gosto de um determinado mercado consumidor.
Há também o best-seller de boa qualidade técnico-literária, que não reduplica nenhuma outra grande obra ou o real-histórico, mas que permanece dentro do código folhetinesco, mesmo disfarçando-o.
A QUESTÃO DE GÊNEROS
Devemos entender gênero como o agrupamento de obras literárias baseadas na forma exterior (metro ou estrutura) como na interior (atitude, tom, propósito; ou seja: tema e público).
Tomando como referência a literatura culta, erudita ou de proposta (designação preferida por Umberto Eco), Todorov e Ducrot (1976, p. 189) caracterizam a literatura de massa como aquela em que "a obra individual conforma-se inteiramente ao gênero e ao tipo", ao contrário da alta literatura onde cada obra tem uma originalidade própria irredutível. Ou seja, para Todorov (1979 p.58) "a habitual obra prima literária não entra em nenhum gênero a não ser o seu, mas a obra prima da literatura de massa é precisamente o livro que melhor se insere no seu gênero".
Na literatura de massa, o que chamamos de gênero são as subdivisões por temática e público leitor, da narrativa romanesca. É fácil reconhecê-los pela natureza da atualidade informativo-jornalística veiculada. Vejamos:
a. Romance policial: Informações de natureza criminológica, psicológica, judiciária.
b. Ficção científica – Vulgarização e antecipação de grandes descobertas científicas ou então conjeturas sobre o relacionamento entre o homem e a tecnologia.
c. Romance de terror – Conhecimentos biológicos ou antropológicos em torno dos padrões de “normalidade” humana.
D. Romance sentimental – doutrina ou informações de natureza ética relativas aos fenômenos do amor ou sexualidade.
Qualquer outro gênero poderá ser determinado da mesma maneira, através da observação de seu “projeto informativo”. É preciso deixar claro, porém, que as informações não devem jamais pecar por excesso de informações, sob pena de cansar o público.
Pode-se afirmar que, todos esses gêneros articulam-se em função da identificação de um sujeito. Por exemplo, no romance policial, o que está quase sempre em jogo é identificar e punir alguém que rompeu o ordenamento jurídico, ameaçando a ordem social. O relato vai, assim, pôr em cena um personagem heróico (mito) que, munido de conhecimentos técnico científicos, oferecerá soluções (ideológicas), identificação e punição do culpado.
A LITERATURA DE MASSA: PURO LAZER OU ALIENAÇÃO?
Uma das questões mais discutidas atualmente, pelos cientistas que analisam os efeitos da literatura de massa é o que pode estar ocasionando sobre os seus leitores, se acrescenta algo positivo à sua vivência, além da satisfação da necessidade de lazer, ou se, ao contrário, a ação é uma tentativa de escapar da dura realidade do dia-a-dia, através de um mecanismo de evasão.
Conforme estudiosos, a fuga provoca a alienação do sujeito, tornando-o um leitor passivo, não questionador. Essa é uma longa discussão, que até a presente data não teve uma resposta concreta. Alguns combatem-na ardorosamente, taxando-a de alienadora, pois ela não incitaria o leitor a observar e questionar os problemas que o circundam, trazendo a acomodação.
Em contrapartida, existe uma ala moderada que, mesmo reconhecendo que essa literatura não possui os padrões desejáveis para ser considerada arte, sua leitura permite, através da ótica de cada leitor, o aproveitamento de alguma coisa, por mais ínfima que seja vindo acrescentar algo a sua vivência. Segundo esses teóricos e pesquisadores, qualquer leitura tem um potencial a acrescentar, a informar, e nunca a apaziguar ou embrutecê-lo.
Em geral, as críticas feitas à Literatura de Massa, é de que ela se inclui nos produtos da Cultura de Massa, recebendo, portanto as mesmas críticas a eles direcionada, no que se refere aos efeitos sobre os consumidores. São considerados instrumentos de dominação, muito eficazes, uma vez que homogeneízam os gostos, inibindo o questionamento e a criatividade, além de transmitir o discurso da classe dominante, induzindo o leitor à nele acreditar como sendo o mais correto.
Outra crítica à literatura de massa, é de que ela funcione como uma catarse, fuga ou evasão da realidade, proporcionando a alienação e utilizando para isso alguns mecanismos como reconhecimento e a consolação revelados no final feliz. Os maiores críticos da cultura de massa, sem dúvidas foram os componentes do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, fundado em 1926. Seus principais pensadores Marcuse, Adorno, Horkheimer e Benjamin, criadores da Teoria da Crítica, sustentam que a cultura de massa é manipulada pela própria dinâmica da evolução da indústria e que a técnica utilizada pela indústria cultural foi desenvolvida pelas classes dominantes.
A manipulação leva o sujeito a pensar segundo o que vem de fora, o que leva ao processo de alienação. Os pensadores da Escola de Frankfurt são pessimistas, mas devemos considerar o contexto da época, uma Alemanha à beira do nazismo e da perseguição semítica.
Com relação às publicações classificadas como de massa, segundo Stein (1972), ninguém desconfia de romances de espionagem ou sentimentais, que são instituídos para o lazer. A cultura popular é o lugar privilegiado para a difusão de ideologias dominantes.
Nesse sentido desenvolve o artigo “O sucesso do marketing popular”, publicado na revista Marketing (1989), no qual enfatiza que os publicitários da área editorial “descobriram alguns achados impactantes”. O artigo afirma que o vínculo entre leitor e revista popular é prioritariamente emocional.
Existem revistas que são lidas em estado de alerta, quando toda a razão e crítica do leitor estão em ação, são revistas conhecidas como instrumentais, como meios para alcançar objetivos pré-determinados. A revista popular, ao contrário tem a ver com um problema que todos vivem de forma parecida nos centros urbanos: a necessidade de relaxamento, de descarregar tensões. O momento da leitura da revista popular é quando o leitor baixa sua guarda e permite que o imaginário flua, é o que a diferencia das demais revistas. Este é o depoimento de um diretor de publicidade de revista popular.
Outro rótulo pejorativo empregado à literatura de massa é que ela promove evasão. Na realidade, toda leitura, em princípio, permite a evasão, mas há diversas maneiras de evadir e o essencial é saber em que direção se está evadindo.
Eco (1979) se mostra bastante crítico quanto à leitura de massa, ao definir o mecanismo de evasão como:
aquele elemento de jogo previsto e de redundância absoluta, típico da comunicação de massa. Perfeitas em seu mecanismo, tais máquinas representam estruturas narrativas que trabalham sobre conteúdos óbvios e que não aspiram a declarações ideológicas particulares. O fato é que, porém, tais estruturas conotam inevitavelmente posições ideológicas e que essas posições ideológicas não derivam tanto dos conteúdos estruturais quanto do modo de estruturar narrativamente os conteúdos (p.171). .
Zeffara (1971) possui uma postura menos radical e diz que não importa para onde o leitor está evadindo, mas é certamente para a liberdade: determinista ou anti-determinista, o romance organiza, harmoniza, realiza o desejo, o prazer e, sobretudo, a imaginação. Tal observação se fundamenta na constatação de que o romance mantém-se atado ao discurso social, seja este qual for, conservando como unidade de medida a lógica dos acontecimentos da sociedade.
Outro efeito atribuído a esses romances é a catarse, provocando um caráter reacionário e moralista da trama, e ao final da leitura, dando uma sensação de alívio, tudo dá certo segundo a moral vigente e essa impressão, segundo alguns autores, tem função catártica. A representação da tragédia, sempre concentrando e intensificando diferentes sentimentos como o ódio, o medo, o remorso, chega até o transbordamento, daí a necessidade da catarse para libertação do sofrimento do povo, através da autocondenação, como no exemplo clássico do Édipo. A leitura catártica tem uma estrutura linear, que atinge facilmente os leitores.
E assim, segundo Eco (1991), ela se torna veículo de ideologias reformistas como é o caso dos super-heróis.
Devemos questionar se há incorporação do leitor no papel do herói ou da heroína, durante ou após a leitura. Certo é que o romance pode ser vivido intensamente naquele momento e levar o leitor a sentir várias emoções: sentimento de alegria, dor, piedade, revolta, são as maiores constantes nos romances, e o leitor as experimenta, como se fossem fatos reais. Adorno e Horkheimer (1985) reconhecem que há regozijo de um sujeito com a felicidade do outro, entretanto o leitor não personifica integralmente uma personagem com o qual se identifica.
Outro mecanismo utilizado pelos autores é o artifício da consolação, onde tudo acaba como se desejava que acabasse. Referindo-se a mais essa característica Eco (1991, p. 24-6) afirma:
seria hipócrita ocultarmos os prazeres que propicia: no final, porque ele representa o enredo no estado puro; ileso e livre de tensões problemáticas. Cumpre reconhecermos que a alegria da consolação responde a profundas exigências se não de nosso espírito, pelo menos de nosso sistema nervoso [...] o romance torna-se então uma máquina gratificatória [...] para sonhar gratificações fictícias [...] tudo isso contrasta com uma idéia ‘revolucionária’ de literatura porque toda hipótese revolucionária se detém em contradições periféricas, mas tende imediatamente a individuar o fulcro das contradições e, para resolvê-las na raiz, postula uma subversão global da ordem dos eventos.
O final feliz é tido como uma das características do mecanismo de consolação o que Bosi (1992) relembra como um dos mecanismos mais utilizados na indústria cultural. Tudo o que é posto em crise, através de uma dosagem de realismo e conservadorismo ao mesmo tempo, é reestruturado no final.
Em contrapartida a essas críticas, os meios de comunicação de massa são avaliados positivamente por outros autores, que os consideram instrumentos da democracia, que podem veicular, também, valores das classes subalternas. Em se tratando de produtos mais baratos e acessíveis, podem promover cultura e instrução, além de lazer e descontração para grande parte da população.
Os leitores se interessam por determinados textos e não por outros. Qualquer escolha tem caráter seletivo, próprio do indivíduo.
Há, portanto, diversidade, tanto nas instâncias da produção como nas da recepção, que escapa de qualquer imposição. É interessante a observação de Escarpi (1958), pois aponta que em todas as camadas da sociedade, o comportamento de escolha das leitoras é mais homogêneo do que o dos homens.
Essa homogeneidade da leitura feminina se deve ao estilo de vida relativamente uniforme das mulheres, ou seja, os afazeres domésticos, filhos, aliados normalmente a atividades profissionais, que recortam um padrão análogo.
Nenhum texto pode ser taxado como alienante, ou indutor de determinada doutrina. A percepção do leitor é totalmente diferente da do crítico, pois ambos vivem de maneira diferente e percebem de modo diverso o discurso do que é novo e do que é repetido. Um texto bem simples pode ser questionador, enquanto um texto elaborado, direcionado, pode não lhe dizer nada. Não procede a suposição de que qualidades como exclusividade, complexidade e importância sejam elementos constitutivos do discurso informativo porque, embora possam em certos contextos ser condições necessárias para se chegar a uma exposição satisfatória dos fatos descritos, não representam, porém, condições suficientes para caracterizar o discurso como informativo.
Essa afirmativa é de Olsem (1979), que prossegue, esclarecendo que uma descrição pode muito bem ser complexa (num sentido positivo), coerente e interessante (em oposição ao trivial), e ser admirada exatamente por essas qualidades. E pode ser verdadeira, mas também pode ser falsa. A apreciação da verdade de um discurso pode exigir uma apreciação de sua complexidade e importância, mas a identificação dessas qualidades de pensamento não nos obriga à interpretação de um discurso como informativo.
Embora tal interpretação corresponda a vê-lo como um fim para um meio, isto é, como servindo ao objetivo do autor de modificar ou reforçar as convicções de alguém, a identificação de qualidades como complexidade, coerência e importância se pode fazer sem referência à sua intenção.
Os textos são neutros, esta afirmação é clara. Mas é ainda uma questão polêmica a interpretação e a absorção ou não do discurso subjacente. Não é possível prever o sentido que o leitor atribuirá, pode-se apenas afirmar que isso dependerá apenas de sua subjetividade. Ocorre então outra indagação, a leitura de romances pode ajudar a resolver problemas metafísicos? É interessante imaginar se o mundo da ficção pode estruturar a realidade, proporcionar a organização do mundo real. Se através da ficção, alguma coisa pode ser acrescentada à bagagem informacional do leitor e, se este reutiliza posteriormente o que foi incorporado pela leitura.
É possível haver um jogo de referências entre os dois contextos: nesta dinâmica não existem barreiras que impeçam a sua circulação. É sabido que as pessoas promovem um movimento circular contínuo entre o imaginário e o real – daí a explicação do sucesso inconteste dos romances. O texto possuiria uma espécie de cumplicidade com o leitor.
Já dissera Gramsci (1968, p. 173-4), que “o romance de flolhetim substitui (e ao mesmo tempo favorece) o fantasiar do homem do povo, é um sonhar de olhos abertos [...] existem todos os elementos para alimentar estas fantasias e; por conseguinte, para administrar um narcótico que acalme a sensação de dor.” Mas a história mostrou que o folhetim seriado não era só lido pelas classes populares. Os jornais eram burgueses e associados à elite. Por extensão, pode-se dizer o mesmo dos romances de folhetim que, como afirmava Gramsci, fazia ‘sonhar de olhos abertos’, estimulou leituras mais produtivas e até mesmo a tomada de consciência por parte dos sonhadores. Referindo-se particularmente aos Mistérios de Paris, Gramsci (1968, p.174) esclarece que o problema é muito sutil. Ocorre que as mensagens dentro de um circuito de massa são lidas em claves diferentes.
Se para alguns representam uma genérica mensagem de fraternidade, se para os burgueses perspicazes apresentaram-se como um protesto que não tocava o fundo das coisas, não podemos excluir que para outros, para muitíssimos, tenham constituído o primeiro grito de revolta formulado de modo acessível e imediato. Que fosse revolta ambígua e mistificada, não importa; isso são sutilizas de filósofo; para alguns permaneceu apenas o grito, o dedo de Sue apontando para o escândalo da miséria. As idéias embora equivocadas uma vez difundidas caminham sozinhas. Jamais se sabe exatamente onde irão parar.
Outra prova de que os folhetins e romances sociais e históricos desempenhavam uma função democrática foi à promulgação na França, em 1850, da reacionária Lei Riancey, com a qual se taxavam os jornais que publicassem folhetins. Tal medida prenunciava o golpe de estado que sobreveio em dezembro do mesmo ano, fazendo renascer o império na França. O folhetim, considerado um canal difusor de idéias a respeito dos problemas sociais, foi então proibido, atingindo e retaliando escritores como Dumas e Sue, tendo este último sido deportado daquele país. Os heróis dos folhetins não são mais os paladinos da luta social, conforme perspectiva de Marx e Gramsci. Não reparam injustiças, não subvertem a ordem da sociedade, tendem mais para ações caritativas. Mas, expõem problemas e retratam situações realistas como as desigualdades sociais, a criminalidade e o cotidiano das classes populares. “A crítica aparece como um discurso da história, isto é, como algo externo à ficção, que penetra no texto com foros de informação verdadeira”, conclui Sodré (1985, p.16).
Quanto à tendência dominante, em trabalhos publicados até o final da década de 70, de considerar a literatura de massa como transmissora das ideologias reformistas do poder, as afirmações não conseguem, não chegam a comprovar, com certeza, o efeito que o romance produz. Com isso acaba-se comprovando o contrário, este sim, tendo consenso: ainda não se pode afirmar com certeza os efeitos ocasionados pela leitura. Chega-se a essa constatação pela incoerência de autores renomados afirmarem que os romances privilegiam o conservadorismo, enquanto outros, também renomados, confirmam que os mesmos tiveram um papel importante na construção da consciência operária. Balzac é tido como um escritor conservador, mas é citado por Lukacs e Gramsci, por discorrer com primor sobre a sociedade burguesa.
Eugéne Sue era dândi, mas se sensibilizava ao escrever e trocar experiências com os seus leitores advindos da classe operária e se tornou deputado socialista; no entanto foi rechaçado por Marx. Poder-se-ia também citar como exemplo, a trajetória das idéias transmitidas pela obra de Umberto Eco, onde se nota um mudança, refletida no abrandamento da crítica às publicações populares.
Na “teoria do degrau” que tem como adepto José Paulo Paes, concebe-se a literatura de massa como uma primeira etapa, um degrau de preparação do leitor para torná-lo apto a enfrentar textos da literatura de proposta. Paes (Faz falta uma literatura brasileira de massa" in Folha de S. Paulo, 10/01/1989, caderno E, p. 8) afirma que:
Da massa de leitores destes últimos autores [Alexandre Dumas ou Agatha Christie] é que surge a elite dos leitores daqueles [Gustave Flaubert e James Joyce] e nenhuma cultura realmente integrada pode se dispensar de ter, ao lado de uma vigorosa literatura de proposta, uma não menos vigorosa literatura de entretenimento.
Citemos mais um trecho do texto de Paes (1898, p.8) para reforçar essa idéia:
...É em relação a esse nível superior, aliás, que uma literatura ‘média’ de entretenimento, estimuladora do gosto e do hábito da leitura, adquire o sentido de degrau de acesso a um patamar mais alto...".
A "teoria do degrau" se opõe ao que podemos chamar de "teoria do hiato e regressão", – ou seja, à afirmação de que há um hiato intransponível entre a alta literatura e a literatura de mercado, e que esta última jamais poderá ser via de acesso à literatura maior, uma vez que a literatura de entretenimento não só não se sedimenta como também é um instrumento da regressão do espírito, não é capaz de conduzir a uma consciência crítica autônoma.
Enfim, seja como forma de lazer, para adquirir conhecimentos, cultura ou educar-se, o interessante é o resultado. As variáveis do prazer da leitura, da comoção identificatória, da satisfação de uma curiosidade, ou do gosto pela repetição se transformará em um novo conhecimento, fruto da interação do texto com o contexto. Nenhum leitor vem ao texto sem histórico, traz consigo experiências que são determinadas pela sua vivência e seu modo de ver os fatos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos que a literatura de massa é fruto do processo de industrialização mercantil e efeito da ação capitalista sobre a cultura, inscrevendo sempre em sua produção as diretrizes ideológicas dominantes em interpelação e reconhecimento do sujeito humano. Vimos como o folhetim era determinado pelas exigências industriais e comerciais da imprensa, e como isto evoluiu até a fase atual das grandes editoras especializadas em best-sellers, regido por estratégias de programação.
É preciso observar que, ao lado de todos os fatores de racionalização da produção da narrativa em termos de escala e apesar da estereotipia das fórmulas, a literatura de massa é capaz de proporcionar momentos reveladores da consciência ocidental. Por trás da teia sedutora das dualidades míticas ou do alienante superficialismo das “curiosidades”, há também o tipo de narrativa que é uma poderosa estimuladora de leitura.
O fascínio duradouro dessa literatura indica que não se pode estudá-la como uma visão simplista e redutora, limitando-a ao campo de efeitos dos estratagemas mercadológicos ou dos subprodutos da literatura culta.
Tudo isto não implica negar que existam interesses de lucro e dispositivos de controle ideológico nas obras, como ressaltamos ao longo deste trabalho o que pretendemos deixar claro é que a literatura de massa não é apenas isso, que sua constância mítica (a persistência da mitologia heróica) e sua grande penetração em todas as camadas populacionais dos mais diferentes países constituem uma ponte para o entendimento dos modos de pensar, sentir e emocionar-se do povo.
VOCABULÁRIO CRÍTICO
Best-seller: todo livro que obtém grande sucesso de público. Um romance culto que se vende muito, um romance folhetinesco de êxito, um trabalho científico, filosófico ou religioso que conta com grande público, são best-sellers.
Folhetim: termo originado do francês roman-feuilleton: era inicialmente (segunda metade do século XIX) o romance publicado por partes, diariamente, no rodapé dos jornais. Passou a designar mais tarde um tipo específico de narrativa, em que predominam a “imaginação” (o lendário, o épico, o fantástico, o sentimental) e “curiosidades” (informações, doutrinas) de época.
Ideologia: aqui, o conjunto das representações (valores sociais, morais, políticos), que assegura o funcionamento de uma ordem humana. Aparece, portanto, como um princípio de conservação do status quo.
Literatura culta: conjunto de obras reconhecidas como de qualidade superior ou pertencentes à “cultura elevada” por instituições (aparelhos ideológicos) deireta ou indiretamente vinculadas ao Estado (escola, academias, círculos especializados).
Literatura de massa: vide literatura best-seller.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DUCROT, O e Todorov, T. Dicionário das ciência da linguagem, trad. A. Massano, J. Afonso, M. Carillo e M. Font, (Lisboa, Dom Quixote, 1976), 3ª edição, p. 189.
ECO, U. Apocalípticos e integrados. São Paulo, Pespectiva, 1979
ESCARPIT, R. Sociologie de la littérature. Paris: Presses Universitarie de France, 1958
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PAES, J. P, "Faz falta uma literatura brasileira de massa" in Folha de S. Paulo, 10/01/1989, caderno E, p. 8.
SODRÉ, M. Best-Seller: A literatura de mercado. Rio de Janeiro, Editora Ática, 1988
SODRÉ, M. Reinventando a cultura: A comunicação e seus produtos. Petrópolis, Editora Vozes, 1996
TODOROV, T., "Tipologia do romance policial" in Poética da Prosa, trad. M. S. Cruz, (Lisboa, Edições 70, 1979), p. 58.
ZEFFARA, M. Roman et société. Paris: Presses Universitarie de France, 1971.
Publicado por: Adriano Ramon Lani
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