A HISTÓRIA E A LUTA DA COMUNIDADE NEGRA BRASILEIRA QUE RESULTOU NA CONQUISTA DE DIREITOS CONTEMPORÂNEOS

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1. Resumo

Pretende-se com este artigo apresentar uma análise reflexiva sobre o contexto histórico da luta e resistência da comunidade negra ao sistema escravista desde século XV quando eram retirados forçadamente de suas tribos na África e escravizados em vários países do Continente Americano, inclusive no Brasil, bem como sobre a luta dessa comunidade pela garantia de direitos no Brasil nos tempos contemporâneos. Serão abordados temas históricos como a escravização do negro no Continente Africano, Europeu e Americano entre os séculos XV e XIX, as formas de resistências dos negros através de fugas e instituição de quilombos, e ainda sobre a influência da história da comunidade negra na contemporânea luta conta a desigualdade racial e social no Brasil.

Palavras-chave: Escravo. Escravidão. Mestiço. Negro. Quilombo. Direitos.

2. Introdução

O presente trabalho, através de pesquisa bibliográfica, busca a reflexão científica e objetiva de toda essa luta histórica da comunidade negra com a finalidade de trazer à baila que os direitos contemporaneamente conquistados são um reflexo de toda esse contexto histórico.

Antes mesmo do comércio europeu pelos Oceanos Atlântico e Índico entre os séculos XIV e XV, a escravidão ocupava um espaço importante entre as sociedades ou comunidades da África.

O século XV foi marcado pelas grandes navegações dos europeus que criavam rotas de acesso mais fáceis e conseguiam chegar à Ásia e à África Ocidental. Em razão dessas grandes navegações os europeus também conseguiam estabelecer relação com territórios até então sem contato com o mundo externo, como as Américas e a região Centro-Ocidental da África próxima ao Deserto do Saara ou região Subsaariana.

Apesar de haver escravidão entre tribos rivais, era o nefasto comércio de negros para outros continentes, inclusive para o Continente Americano, o que era realizado por mercadores europeus, em sua grande maioria.

Todo o contexto histórico mostra que a comunidade negra não se manteve inerte frente às questões da escravidão, havendo sempre lutas para garantia de sua dignidade e direitos naturais.

Em seu continente de origem a luta era para que outras tribos não destruíssem suas culturas e convívio natural. Ao ser capturado, iniciava a luta pela sobrevivência, seja nas mãos da tribo inimiga ou nos porões de algum navio negreiro. Ao chegar em outro continente a luta pela sobrevivência persistia, mas o objetivo maior é obter sua liberdade e dignidade como pessoa.

Assim, o objetivo precípuo deste artigo é trazer à baila quais foram os principais resultados da luta histórica da comunidade em relação aos direitos da contemporaneidade no Brasil.

Para a consecução deste trabalho científico adotou-se o método de pesquisa bibliográfica e a pesquisa da legislação brasileira.

3. Desenvolvimento

3.1. A escravidão do negro pelo negro na África

Antes da exploração dos negros pelos europeus no século XV, na África havia a escravidão “doméstica” entre as comunidades ou reinos africanos. A principal fonte de escravos era a guerra entre comunidades. Os derrotados na guerra se tornavam cativos, sendo utilizadas no interior das sociedades vencedoras nas funções de criados, soldados, concubinas, mas também eram vendidos no comércio realizado no Deserto Saara, Egito e em navegações no Oceano Índico.

SOUZA (2012, p. 55) afirma que:

As guerras entre tribos produziam prisioneiros para vencedores e eram utilizados tanto na agricultura quanto nos trabalhos domésticos. Assim, escravos de linhagem – aqueles que nasciam na condição de escravo sob o domínio do mesmo senhor ou tribo dominante – e os escravos por dívida eram utilizados comumente.

Algumas comunidades apenas faziam de escravos as crianças e mulheres. Os derrotados tinham, em particular, suas mulheres e crianças tornadas cativas. Os reinos de Cabem e depois o de Bornu acometiam, desde o século IX, os povos ao sul do lago Chade para escravizá-los. Reinos como Gana, Mali, Songai, Haúças, Futa Toro e Furta Jalom atacavam os inimigos logo após a época das colheitas. Matavam os idosos e os homens que sobreviviam. Capturavam mulheres e crianças, unindo-as pelo pescoço com um instrumento chamado libambo ou com uma corda. (MATTOS, 2012, ps. 58 a 59).

Além da guerra, a escravidão também era originada de sequestros e por imposição de castigos penais por prática de assassinato, adultério ou roubo. Respaldado em seu poder, um rei, chefe ou mesmo um membro da família de maior respeito, tornava escravo alguém que lhe contrariasse.

Alguns reis além de escravizar comunidades rivais, também cobrava tributos de seu povo mediante a prestação de serviços, entrega de produtos ou de escravos.

Em algumas comunidades o número de escravos era uma forma de comprovação de riqueza. MATTOS (2012, p. 59) afirma que “[...] os ibos costumavam enterrar com o morto um ou dois escravos, mas no caso de proprietários mais ricos, eram enviados até seis escravos.”

Também havia a imolação de escravos em rituais sagrados preparatórios para guerras, nas épocas de colheitas, para chamar chuvas, para saudar os mortos e para dar força espiritual ao chefe da comunidade.

Além da escravidão do negro pelo negro na África, as comunidades realizavam transações comerciais com europeus e asiáticos. Essas transações eram realizadas com produtos e iguarias, mas também havia a venda de escravos negros.

A partir do século XV, período das grandes navegações, descobertas de terras e sua colonização e exploração comercial, houve um grande crescimento na demanda de mão de obra. Desta forma, várias comunidades negras faziam grandes transações comerciais com os europeus e vendiam escravos negros que eram levados para trabalhar nas colônias americanas dos europeus.

O que se constata é que a história da escravidão do negro africano não teve início com as grandes navegações, mas sim, na própria África em razão de conflitos ou guerras domésticas entre as comunidades.

3.2. Escravidão nas Américas

Nos séculos XV e XVI os escravos ainda eram alvos de disputas de poder interno entre as comunidades da África. A comercialização de escravos com europeus e asiáticos permanecia, mas não na mesma proporção do século XVII em diante, que foi impulsionada pela produção de riquezas nas colônias europeias nas Américas.

Segundo MATTOS (2012, p. 59) no século XVI, o número total de escravos comercializados nas rotas do Oceano Atlântico ficou em torno de 800 mil a 1,3 milhões. Nos séculos XVII e XVIII o volume das exportações de escravos negros da África cresceu vertiginosamente, chegando a mais de 7 milhões, o que representaria 70% do total das exportações de escravos da África. Só para a América foram enviados, durante o século XVIII, cerca de 60 mil africanos por ano.

Conforme afirma Jaime Pinsky e Carla B. Pinsky (2012, p.447) nas Américas, o trabalho compulsório constitui –se em um fato social para o desdobramento da colonização e a produção de riquezas. No final do século XVI, índios aldeados e africanos trabalhavam juntos como escravos nas mesmas e péssimas condições nas unidades produtivas rurais.

Ao longo dos séculos XVII e XVIII, paulatinamente, escravidão vira sinônimo de escravidão africana, tendo em vista que em meados do século XVIII foi decretada, mesmo que ficticiamente, o fim da escravidão indígena. (PINSKY, J. e PINSKY, C., 2012, p.448). Fugas, revoltas, epidemias e dizimação de um lado, conflitos entre autoridades, colonos e setores da Igreja de outro marcam os debates sobre a escravidão, fosse ela indígena ou africana, ela estava totalmente contemplada pelo projeto escravista cristão. (VAINFAS, 1986)

Enquanto isso há a pressão das economias coloniais por braços de escravos e, fundamentalmente, o negócio lucrativo do tráfico no atlântico africano que envolvia, além de comerciantes europeus, as elites coloniais, sendo estas as que mais lucraram com o tráfico e constituíram sobre a escravidão negra suas riquezas. Assim, cada vez mais homens e mulheres africanos escravizados desembarcavam nas áreas coloniais. Calcula-se que no século XIX a quantidade de africanos transportados para várias regiões das Américas tenha chegado a 10 milhões, tendo Brasil recebido 40% destes. (PINSKY, J. e PINSKY, C., 2012, p. 448)

Segundo ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO (2006, p. 40) os números não são precisos, mas estima-se que, entre o século XVI e meados do século XIX, mais de 11 milhões de homens, mulheres e crianças africanos foram transportados para as Américas, não sendo incluídos nesse números os que não conseguiram sobreviver ao processo violento da captura na África e aos rigores da grande travessia do Oceano Atlântico.

3.3. A escravidão no Brasil

3.3.1. Da travessia do Atlântico à chegada no Brasil

Nos séculos XVIII e XIX, as embarcações que transportavam escravos da África para o Brasil tinham diferentes tamanhos. As embarcações mais comuns eram do tipo bergatim, galeão ou corveta que conseguiam embarcar em média, 500 africanos.

O transporte de negros era totalmente penoso. Eles eram transportados em porões do navio superlotados, se apertavam para conseguir dormir no chão duro durante meses de viagem. Os negros ficavam acorrentados quase todo o tempo de viagem. No momento do embarque, ou ainda nos barracões, costumavam ter o corpo marcado a ferro quente com as iniciais ou símbolos dos proprietários. (MATTOS, 2012, p. 101).

Durante a viagem, muitos negros morriam em razão das más condições em que viajavam, pela falta de higiene nos porões, por doenças que eram contraídas, pela má alimentação, pelas chibatadas ou surras que levavam nos navios, entre vários outros motivos que os expunham ao sofrimento. Os que morriam durante a longa viagem tinham seus corpos jogados ao mar.

Corroborando esses fatos SOUZA (2012, ps. 58/59) afirma que:

Antes mesmo de embarcarem nos navios negreiros, os africanos eram marcados a fogo com uma cruz no peito. A travessia para as América, e particularmente para a colônia brasileira, ocorria sob formas degradantes. Nas embarcações destinava-se ao cativo um espaço mínimo. Eram organizados de forma que coubesse o maior número de africanos (em geral sentados ou deitados retilineamente), sendo péssimas as condições de higiene. As epidemias eram comunas nas primeiras viagens e muitos sucumbiam às doenças.

Alguns africanos morriam antes mesmo do embarque, pois, sucumbiam a meses de espera do embarque em barracões em precárias condições.

No século XIX as condições das embarcações melhoraram, pois, passaram a contar com a presença de, ao menos, um cirurgião barbeiro, um capelão, uma botica. Também houve a separação entre homens e mulheres. Mesmo assim, as viagens continuavam penosas, com porões superlotados e com as mesmas condições degradantes, o que também os levava à morte. (MATTOS, 2012, p. 100/101).

Quando os navios chegavam ao Brasil, os escravos eram levados em pequenas embarcações até a alfândega para ser feita uma listagem com dados sobre o carregamento. Os negros eram levados para os estabelecimentos comerciais, local em que eram vendidos.

Na região Nordeste do Brasil, os fazendeiros e senhores de engenho faziam encomendas de escravos africanos aos traficantes baianos que estavam acostumados a buscá-los na região ocidental da África, por conta da preferência dos mercadores africanos pelo tabaco produzido na Bahia.

Os traficantes baianos sempre traziam uma quantidade maior de escravos que eram vendidos em lojas próximas ao porto ou em leilões. Muitos escravos eram enviados para outras localidades do nordeste como Maranhão e Pernambuco.

Na segunda metade do século XVIII foi criado o local chamado de Valongo, localizado no Rio de Janeiro, Freguesia de Santa Rita. Com a proibição de tráfico de escravos em 1830, dificilmente os negros passavam pela alfândega, ficando expostos nos estabelecimentos do Valongo para venda clandestina. (MATTOS, 2012, p. 102).

Assim que chegavam ao Brasil, os escravos tinham o cabelo e barba cortados, tomavam banho e eram vestidos minimamente, tudo para melhorar a aparência para a venda. Aqueles que estavam muito debilitados por conta de doenças, eram isolados e recebiam cuidado médicos e alimentação adequadas para que se restabelecessem para a venda.

Alguns negros eram levados em comboios em direção às cidades do interior ou comprados por tropeiros de São Paulo e Minas Gerais, configurando-se assim o tráfico interno de escravos. Os Estados do Sul do Brasil e outros países da América do Sul como Buenos Aires e Montevidéu também eram abastecidos pelo comércio carioca de escravos. (MATTOS, 2012, p. 103).

3.3.2. O trabalho dos escravos no Brasil

Para atingir os objetivos de exploração econômica das suas colônias na América, os europeus tiveram que escolher produtos de grande procura na Europa e que permitissem a produção em grande escala. A cana-de-açúcar enquadrou-se plenamente nesses propósitos.

O cultivo da cana-de-açúcar iniciou-se na península ibérica por volta do século XIV. No século seguinte, com a expansão marítima de Portuga e Espanha, a cana-de-açúcar passou a ser cultivada também nas ilhas do Atlântico como Madeira, São Tomé, Açores, Cabo Verde e Canárias, sendo necessária a utilização de mão-de-obra escrava para o seu cultivo. (MATTOS, 2012, p. 103).

No Brasil, não os colonizadores exploravam toda riqueza natural que conseguiram encontrar. Nos primeiros séculos de colonização (XV e XVII) além da cana-de-açúcar, também exploravam o pau-brasil, utilizando mão-de-obra escrava de índios e negros. Nos séculos XVII e XVIII há a consolidação da escravidão de negros.

Grande parte do trabalho escravo na produção de açúcar era realizada no campo ou nos canaviais. O cultivo de cana-de-açúcar e as colheitas eram tarefas muito cansativas que exigiam força.

Os escravos também eram utilizados no corte de lenhas para serem utilizadas nas casas de seus senhores, ficando ainda encarregados pela manutenção da propriedade, construção de cercas, perfuração de poços, fossos.

Em algumas fazendas ou engenhos, os negros escravizados deveriam manter a sua própria subsistência cultivando alimentos em um pequeno pedaço de terra fornecido pelo proprietário. No entanto, o cultivo para manutenção de seu próprio sustento só era permitido após a realização de todas as tarefas em favor de seu senhor.

No trabalho do dia a dia havia divisão por sexo, sendo que, enquanto os homens faziam os trabalhos mais pesados como corte de lenha, desmatamentos, perfuração ou escavação de poços, as mulheres eram utilizadas no corte da cana e na produção do açúcar. Algumas mulheres também realizavam trabalhos domésticos, mas a grande maioria era utilizada em serviços natureza rural.

Os escravos trabalhavam aproximadamente 20 horas nos engenhos, geralmente divididos em turnos. Acredita-se que eram necessários 25 escravos por turno. Dependendo da estrutura do engenho eram necessários de 60 a 80 escravos para o seu adequado funcionamento (MATTOS, 2012, p. 106).

A exploração dos recursos naturais do Brasil, desde o início de sua colonização, também era voltada para a exploração de metais preciosos, principalmente o ouro.

No entanto, apenas na última década do século XVII o ouro foi descoberto em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso pelos Bandeirantes Paulistas, que viajavam em busca de aprisionamento de índios para a coroa Portuguesa e para encontrar tal metal precioso.

Com a propagação da descoberta do ouro houve uma corrida desenfreada para essas regiões. As condições de trabalho no minério eram duras e, consequentemente, os escravos foram utilizados nesse serviço. Mesmo com a crise da mineração no século XIX, Minas Gerais continuou recebendo quase a metade dos africanos desembarcados no Rio de Janeiro, que era responsável pela metade das importações de africanos naquela época.

Em 1808 chega ao Brasil a família real portuguesa e, com a consequente abertura dos portos ao comércio internacional, as importações de escravos africanos cresceram enormemente.

Em 1810 a maior demanda de escravos passou a ser das fazendas de café. Apesar da produção de café ter início no final do século XVIII no Rio de Janeiro, no século XIX cresceu vertiginosamente ao serem encontradas terras férteis e clima propício em São Paulo, especialmente na região do Valei do Paraíba. (MATTOS, 2012, p. 108).

A rotina de trabalho dos escravos nas fazendas de café era árdua, pois, eles se levantavam antes do sol raiar, se dirigiam aos cafezais a pé ou em carros de boi e lá passavam 15 horas por dia trabalhando. Quando voltavam na sede da fazenda, ao anoitecer, ainda eram obrigados a cortar lenha, preparar comida e torrar o café. Se recolhiam nas senzalas feitas de pau a pique e sapé por volta das 10 horas da noite (MATTOS, 2012, p. 109).

Os escravos também trabalhavam em fazenda que plantavam outras culturas agrícolas, como algodão, arroz, milho, mandioca entre outros. Também trabalhavam na produção de farinha de mandioca, de milho e água ardente.

No século XIX o trabalho escravo também era explorado nos centros urbanos. Cuidavam de serviços domésticos, de manutenção de propriedades, abastecimento de água, limpeza das ruas, transporte de seus senhores em carruagens, cadeirinhas ou liteiras. Como carregadores, os escravos levavam sacas de café, arroz, sal até baús e móveis. Durante a noite, carregavam o lixo e os dejetos das casas até os rios.

A mão de obra escrava também era empregada em trabalho de ganho ou aluguel, em que o proprietário colocava o seu escravo para locação de outras pessoas acertando previamente a duração e o valor do serviço prestado. Os escravos alugados eram utilizados em tarefas simples como especializadas como pedreiros, lavadeiras, carregadores e quitandeiras. Também eram utilizados em ofícios mais especializados como sapateiro, barbeiro, ferreiro e alfaiate. (MATTOS, 2012, p. 111).

Vê-se, portanto, que a mão de obra escrava no Brasil foi utilizada em larga escala e em várias atividades diferentes, desde as rurais às urbanas.

3.4. Formas de resistência ao sistema escravista

Apesar de séculos de escravidão, a comunidade negra nunca sempre resistiu ao cativeiro. Eles regiam de diferentes maneiras diante da violência e da opressão provocadas pelo sistema escravista.

Os escravos promoviam fugas em busca de sua liberdade. Muitas vezes, realizavam as fugas com o propósito de negociação por melhores condições de trabalho.

MATTOS (2012, p. 124) afirma que:

Os escravos reagiam não somente em busca da liberdade, mas por outros motivos inerentes ao sistema escravista: maus-tratos recebidos injustamente, péssimas condições de trabalho e de vida, separação de parentes em caso de venda, proibição de realizar festas e reuniões, não cumprimento de direitos adquiridos (como cultivo de roças próprias para a própria sobrevivência.

A fuga era um dos meios de resistência à escravidão mais utilizados pelos cativos. Apesar de a maioria das fugas serem realizadas em grupos, o que resultava na formação de mocambos ou quilombos, algumas vezes elas eram realizadas individualmente, motivo pelo qual, os escravos procuravam abrigo na residência de algum liberto ou livre conhecido ou viajavam para outra região e fingiam ser libertos.

Também havia as revoltas, sendo a maior parte planejada com antecedência e organizada por líderes respeitados no interior do grupo de escravos. Mesmo que a revoltas fossem reprimidas e não atingissem o seu objetivo principal, de certa forma, elas ajudavam na promoção do clima de tensão que propiciava as negociações com os senhores de escravos por melhores condições de trabalho e de vida.

Mas o risco de fuga e revolta era muito grande, pois raramente o escravo escapava de castigos físicos, que compreendiam a prisão no tronco, o açoitamento e até o uso da gargalheira, uma espécie de coleira de ferro com hastes e ganchos em cima da cabeça.

Diante da difícil condição de vida no cativeiro, incluindo os castigos, agravado ainda pela separação de seus familiares e a saudade de sua terra natal, muitos escravos viam no suicídio a última forma de se livrar da escravidão.

3.5. Quilombos

Segundo SOUZA (2012, p. 16) contar a história do quilombismo no Brasil ainda significa pensar na história contra o discurso oficial e de uma historiografia tradicional que concebia os africanos escravizados como obedientes e completamente submetidos à lógica colonial escravista. Hoje sabemos que não era assim, pois, onde houve escravidão, houve também resistência.

Jaime Pinsky e Carla B. Pinsky (2012, p. 449) apontam alguns significados da palavra quilombo em algumas comunidades de negros na África:

A palavra quilombo/mocambo para a maioria das línguas bantu da África central e Centro-Ocidental que dizer “acampamento”. Em regiões africanas centro-ocidentais nos séculos XVII e XVIII, a palavra Kilombo significava também o ritual de iniciação da sociedade militar dos guerreiros dos povos imbangalas (também conhecidos como jagas).

GOMES (2011, p. 9/10) aponta como a palavra quilombo foi introduzida no Brasil com o significado hoje empregado:

Nas Américas, as comunidades de fugitivos receberam diferentes nomes. [...]. No Brasil, ficaram conhecidas como mocambos e depois quilombos, termos que, na maioria das linguas bantas da África Central, significavam” acampamento”. Em quimbundo e em quicongo, a palavra mukambu significa “pau de fieira”, um tipo de suporte vertical terminado em forquilhas utilizado para erguer choupanas nos “quilombos”, os acampamentos. Mas porque as denominações “mocambo” e “quilombo” se difundiram no Brasil e não em outras áreas coloniais que também receberam africanos da África Central e onde houve várias comunidades de fugitivos? Uma hipótese seria a propagação dessas palavras a partir da documentação produzida pela administração colonial portuguesa. Havia uma constante circulação de agentes administrativos pelas várias partes do Império Português na América, na Ásia e na África. [...] Esses agentes podiam tratar de assuntos diferente – acampamentos de guerra, prisioneiros africanos na África e comunidades de fugitivos no Brasil, mas os nomeavam de forma semelhante. [...] O termo “quilombo” só aparece para se referir a Palmares no final do século XVII. Em geral, o mais usado era mesmo” mocambo”, com variações locais.

A própria definição dos termos mocambo e quilombo remetem à resistência. De um lado, a palavra mocambo no sentido de instrumento (pau de fieira) para montagem de uma barraca ou acampamento. De outro lado, a palavra quilombo como o significado de acampamento.

Para os portugueses, tanto a palavra mocambo quanto a palavra quilombo não tinham o simples significado de um simples acampamento. Eles imaginavam essas palavras no sentido de um acampamento montado em razão da fuga ou da resistência à escravidão.

SOUZA (2012, p. 20) citando MOURA (1987, p.11) aponta que:

Quilombo foi um termo atribuído pela Coroa Portuguesa, em resposta à consulta do Conselho Untramarino, datada de 2 de dezembro de 1740, significando “... toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem polões neles.

A palavra quilombo, por seu turno, é a incorporação à língua portuguesa de um termo africano que significa esconderijo e incorpora linguisticamente no Brasil, o sinônimo de núcleo de escravos em

O que se constata, mesmo com a definição linguística empregada nas palavras, é que mocambo ou quilombo passaram a ser sinônimos de ajuntamento de negros em resistência ou fuga do sistema escravista.

Dentre as várias e complexas experiências históricas de protesto e agenciamento político nas sociedades escravistas destaca-se a formação de quilombos. Os quilombos tão somente abordados na perspectiva de protesto contra a escravidão podem ser analisados no contexto de formação de microssociedades camponesas de negros.

A formação de quilombos ao longo do Brasil escravista não ficou alheio ao sistema sociológico e econômica de algumas regiões ou do próprio país. Sem limites e entre fronteiras de relevante economia ou de estratégico localização demográfica, os negros dos quilombos, na medida do possível, articulavam-se com o restante da sociedade.

Nesse sentido PINSKY, J. e PINSKY, C. (2012, p. 453) apontam:

Do ponto de vista socioeconômico, estas relações sociais mantidas pelos quilombolas articularam alguns grupos ao mercado de abastecimento de alimentos e comércio clandestino. A frequência, volume, periodicidade, continuidade e importância dessas relações dependeram dos contextos específicos de algumas áreas e das estratégias dos grupos quilombolas que nelas se estabeleceram. Diversos fatores econômicos, geográficos e demográficos tiveram impacto sobre a formação de grupos de fugitivos. As estratégias dos quilombolas para manter sua autonomia relacionavam-se a contextos geográficos e socioeconômicos diversos.

A formação de quilombos não se resume à resistência da violência do sistema escravocrata. Também influencia na inserção do negro no sistema socioeconômico do Brasil, mesmo que de forma clandestina.

3.6. Quilombo dos Palmares

O quilombo dos palmares foi a maior comunidade de negros fugitivos no Brasil Colonial. Segundo GOMES (2011, p. 13) data de 1597 a primeira referência à Palmares.

Localizado entre Alagoas e Pernambuco. Situava-se à distância de 120 quilômetros do litoral pernambucano, nas serras, entre as quais a principal era chamada de Outeiro da Barriga, onde havia abundância de palmeiras, o que faz surgir o nome Palmares. (GOMES, 2011, p. 13).

Em Palmares, havia uma complexa estrutura de organização, com ruas, casas, muros, capelas, oficinas de fundição, produção de cerâmica e utensílios em madeira, lavouras de feijão, milho, mandioca e cana de açúcar. (MATTOS, 2012, p. 144)

O Quilombo dos Palmares era constituído de várias aldeias ou mocambos, numa extensão que ia do Rio São Francisco ao Cabo de Santo Agostinho. (GOMES, 2011, p. 13). Todas as aldeias tinham seus respectivos chefes, no entanto, essas aldeias eram comandadas por uma comunidade principal, onde ficava o líder do quilombo. Estima-se que a população de Palmares entre seis e dez mil pessoas.

Segundo MATTOS (2012, p. 144) entre 1645 e 1678, o líder do quilombo de Palmares foi Ganga Zumba. Desde 1612, os portugueses organizavam expedições militares para destruir Palmares.

O empenho das investidas militares contra Palmares se dava em razão do temor da noticiada dificuldade de sua destruição em razão da dificuldade territorial e da adaptação dos negros ao local, de difícil acesso, inclusive para fins de conflito.

A crescente população de negros que colocava Palmares como sinônimo de escapadas ou ajuntamento de fugitivos, o que conflitava ou desafiava o sistema escravista. Além disso, havia o interesse de fazendeiros pelas terras em que Palmares estava estabelecida.

Entre 1645 e 1678, o líder do Quilombo de Palmares foi Ganga Zumba. Diante de várias investidas militares para destruir Palmares, em 1678, Ganga Zumba fez um acordo com o Governador de Pernambuco, Aires de Souza e Castro, que culminaria com a liberdade dos negros de Palmares, a entrega das terras em que estava estabelecido Palmares e a posse das terras de Cucaú, ao Norte de Alagoas, aos Quilombolas.

Ocorre que, o acordo firmado por Ganga Zumba não foi consenso entre os quilombolas de Palmares. Além disso, o acordo não foi cumprido pelo Governo de Pernambuco e os quilombolas que se dirigiam a Cucaú foram reescravizados.

Não há um consenso sobre o ocorrido com Ganga Zumba após esse acordo. MATTOS (2012, p. 144) aponta que Ganga Zumba foi assassinado pelo seu sobrinho Zumbi e por outros quilombolas em razão de não haver consenso em relação ao tratado de paz proposto ao Governo de Pernambuco. No entanto, acredita-se que Ganga Zumba pode ter cometido suicídio.

Com a morte de Ganga Zumba em 1678, seu sobrinho Zumbi assume a liderança de Palmares.

Depois de várias investidas, Palmares foi destruído em 1694 por uma expedição comandada pelo paulista Domingos Jorge Velho. Esse conflito causou a morte e a escravização de vários quilombolas. Apesar de conseguir fugir, Zumbi foi preso em 20 de novembro de 1695. Foi morto e teve a sua cabeça decapitada e exposta em público. (MATTOS, 2012, p. 144).

3.7. Abolição da escravatura

Entre 1840 e 1860 a opinião abolicionista existente criou força, principalmente em razão das grandes transformações socioeconômicas do período.

MAESTRI (1994, p. 98) aponta que:

Desde 1847, devido a grandes secas no nordeste e sobretudo no Ceará, os cativos dessas regiões eram vendidos para o Centro-Sul cafeicultor. Antes da publicação da lei, grandes quantidades de cativos foram importados preventivamente quando elas se esgotaram, os cafeicultores do Centro-Sul passaram a comprar, a alto preço, cativos das cidades e das províncias do Brasil. Por décadas, o tráfico interno alimentaria as necessidades de produção cafeicultora. Porém, o novo comércio de trabalhadores escravizados modificaria, de forma revolucionária, a sociedade. Valorizados, cativos empregados em regiões ou em atividades menos produtivas eram vendidos, de todos os pontos do Brasil, aos cafeicultores. Pela mesma razão, os senhores urbanos desfaziam-se de seus negros. Com a concentração de cativos no Centro-Sul e importantes regiões despovoando-se de escravos, em poucos anos rompeu-se a unanimidade escravista no Brasil. Pela primeira vez na história do Brasil, surgem, nas cidades e nos campos, regiões e grupos sociais que não dependiam do trabalho escravizado.

A atuação do movimento abolicionista, especialmente em São Paulo, contou com a participação de advogados, jornalistas, estudante, lojas maçônicas, ferroviários comerciários entre vários outros.

Também no Rio de Janeiro, em meados de 1879, foi fundada por André Rebouças a Sociedade Contra a Escravidão. Nesse mesmo ano, surgiu a Confederação Abolicionista, composta por Joaquim Nabuco, João Clapp e José do Patrocínio. (MATTOS, 2012, 149).

O envolvimento governamental da efervescência das pregações abolicionistas e a posição conservadora dos cafeicultores chegaram ao ápice em 1871, quando acabou sendo aprovada a Lei do Ventre Livre. A Lei determinava que os filhos de escravas nascidos a partir daquela data seriam considerados livres. A tramitação da Lei do Ventre Livre afastou o governo das elites mais poderosas do país, fixadas no Centro-Sul do Brasil, que argumentavam que a medida era uma afronta ao direito de propriedade sobre os cativos.

Os efeitos da Lei do Ventre Livre não tiveram tanto efeito, eis que, o filho de escravos, ao nascer, permanecia sob a tutela de seus pais escravos até atingir 8 anos de idade. Nesse momento, o proprietário escolhia entre receber uma indenização ou explorar gratuitamente o trabalho escravo desse menor até que ele atingisse a maioridade aos 21 anos de idade. (VICENTINO e DORIGO, 1997, p. 255).

Em 1885, foi aprovada a Lei dos Sexagenários, que libertava os escravos com mais de 65 anos de idade. Obviamente, apenas um número muito reduzido de escravos chegou a essa idade, tendo em vista a crueldade do sistema escravista. Além disso, aos 65 anos de idade o escravo apenas representava custo ao proprietário por não mais conseguir trabalhar, tanto pela idade quanto pelo peso dos trabalhos e punições cruéis.

O apoio abolicionista também chegou ao exército brasileiro. Algumas províncias, como Ceará e Amazonas, anteciparam-se ao governo imperial, abolindo a escravidão em seus territórios desde 1884. Em São Paulo, surgia o grupo dos caifazes, voltados ao combate à escravidão através de medidas práticas e revolucionárias, através da infiltração em alojamento de escravos planejando e ajudando a realizar fugas em massa. (VICENTINO e DORIGO, 1997, p. 255).

Nos últimos anos do século XIX, a resistência escravista criou um tipo específico de quilombo, chamado abolicionista, tendo como líderes pessoas conhecidas do movimento pró-abolição e que eram influentes, tanto politicamente quanto socialmente. Por isso, esses quilombos tinham um contato maior com a sociedade.

A grande pressão exercida por escravos fugitivos e rebeldes, apoiados pelos abolicionistas, sem dúvida nenhuma, influenciou o governo imperial a promover a abolição da escravidão.

MATTOS (2012, p. 150) aponta que “no senado, alguns políticos também discursavam em favor da liberdade. Até mesmo na Corte essa ideia tornou-se viável, em particular, pela Princisa Isabel [...].

No ano de 1888, a Princesa Isabel, governando interinamente o país em lugar de seu pai, D. Pedro II, então em viagem, assinou a Lei Áurea, decretando a libertação de todos os escravos no Brasil.

Segundo VICENTINO e DORIGO (1997, p. 256) com o fim do tráfico de escravos, as fugas dos escravos ainda existentes e a expansão demográfica mais intensa de homens negros livres do que cativos, a Lei Áurea poderia ser considerada mais uma consequência da lenta decadência que pelo qual o sistema escravista estava passando do que propriamente uma causa do lento processo abolicionista.

Independente dos motivos que levaram à assinatura da Lei Áurea, o importante era que o Brasil estava livre de um sistema cruel e desumano que pairou por séculos em suas terras.

3.8. A luta dos negros pela dignidade desde a abolição até a atualidade

Passado o terror da escravidão, inicia a luta do negro por sua inserção na sociedade com igualdade de direitos. Libertos, os negros não encontravam local de trabalho e, sem condições sociais adequadas, acabavam se sujeitando a tarefas menos qualificadas e mais penosas, pagos com valores irrisórios.

Como se não bastasse, as ações do governo apontavam para uma campanha de branqueamento da população brasileira, através da europeização do Brasil.

Corroborando este fato, MATTOS (2012, p. 186) aponta que:

Para a elite brasileira, o negro, por conta de seu “caráter bárbaro” e “estado de selvageria”, era um empecilho à formação de uma nação, pretendida o mais próximo possível da civilização. Portanto, o negro deveria ser excluído da sociedade brasileira, sendo proibida a sua entrada no país. [...] O governo republicano, além de incentivar, destinou recursos próprios para a imigração europeia, proporcionando, em grande medida, a exclusão dos negros do mercado de trabalho formal. Italianos, portugueses, espanhóis e alemães foram chegando em grandes levas e encaminhados para trabalhar tanto nas áreas rurais, quanto urbanas do Brasil, mas principalmente como colonos nas regiões mais prósperas, isto é, nas fazendas do centro-oeste de São Paulo. Aos negros sobraram as tarefas menos qualificadas e, em geral, sem qualquer tipo de contrato firmado, sendo, portanto, empregados e pagos por cada serviço prestado.

O que se constata é que, a experiência secular de luta contra a escravidão não está marcada tão somente pela formalização jurídica decretada pela Lei Áurea. Com o fim da escravidão, passa-se ao processo de luta contra as desigualdades, a falta de oportunidade, o preconceito entre tantos outros males que são atuais desde 1888.

Apesar não sentir a dor das chibatadas, o negro sofre como a indiferença e se torna escravo de um sistema de exclusão social.

Nesse sentido PINSKY, J. e PINSKY, C., (2012, p.462) aponta:

O escravo vira negro. Como? Não mais havendo a distinção jurídica entre trabalhadores, a marca étnica – e histórica – da população negra é reinventada como fato social. A sociedade brasileira, mais do que permanecer desigual em termos econômicos, sociais e fundamentalmente raciais a partir de 1888 (portanto, temos que considerar as experiências desde a colonização), reproduz e aumenta tais desigualdades, marcando homens e mulheres etnicamente. A questão não foi somente a falta de políticas públicas com relação aos ex-escravos e seus descendentes no pós-abolição. Houve mesmo políticas públicas no período republicano reforçando a intolerância contra a população negra: concentração fundiária nas áreas rurais, marginalização e repressão nas áreas urbanas.

Mesmo com a desigualdade social que existe desde os tempos da abolição da escravidão a comunidade negra nunca perdeu a sua força e vem conquistando espaço na sociedade brasileira.

Ao longo do século XX os negros passaram a atuar em associações culturais, organizaram a Frente Negra Brasileira, fundaram o Clube Negro de Cultura Social, participaram de ativismo político desde a república velha, participaram de movimentos sindicais desde a década de 1960, lutaram contra as ditaduras e se organizam cotidianamente em favor da igualdade.

Especificamente na seara cultural, os negros, desde os tempos da colonização, contribuíram de forma significativa com o Brasil. Neste sentido MATTOS (2012, p. 156) aponta que:

Os africanos, quando chegaram ao Brasil, passaram a conviver com diversos grupos sociais – portugueses, crioulos, indígenas e africanos originários de diferentes partes da África. Nesse caldeirão social tentaram garantir a sobrevivência, estabelecendo relações com seus companheiros de cor e de origem, construindo espaços para a prática de solidariedade e recriando sua cultura e suas visões de mundo. Dessa maneira, integraram as irmandades católicas, praticaram o islamismo e o candomblé e reuniram-se em batuques e capoeiras. Com isso, os africanos influenciaram profundamente a sociedade e deixaram contribuições importantes para o que chamamos hoje de cultura afro-brasileira.

São séculos de contribuição cultural negra a preço de sangue, suor e dor. Nesse tempo, vários costumes trazidos da África foram adaptados à realizada do Brasil. A capoeira é um dos grandes exemplos, pois, apesar de ser praticada por negros, em sua maioria por africanos, teve sua origem em solo brasileiro.

O contexto histórico da escravidão e a incansável luta do negro desde o embarque no navio negreiro, mostra a força da comunidade negra mais forte principalmente pelas atuais conquistas que vêm alcançando no Brasil.

Podemos citar como conquistas da comunidade negra no Brasil as importantes aprovações de Leis que garantem a sua inserção plana no convívio social, com destaque para a Constituição Federal do Brasil de 1988 que em seu artigo 5º, caput, preceitua que todos são iguais perante a Lei.

A Constituição de 1988, também trouxe o art. 68 dos Atos das Disposições Transitórias prevendo que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”1 Trata-se de um reconhecimento relativamente contemporâneo da existência de quilombos garantindo direito de propriedade aos quilombolas descendentes de escravos.

Algumas leis criadas também são sinônimas das lutas da comunidade negra para defesa da igualdade e manutenção de sua identidade, social e cultural, como as seguintes:

A) Lei nº 7.660, de 22 de agosto de 1988 – Autoriza o Poder Executivo a constituir a Fundação Cultural Palmares e dá outras providências;

B) Lei nº 7.716 de 05 de janeiro de 1989 (Lei Caó) – Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor;

C) Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997 – Altera os arts. 1º ao 20 da Lei 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e acrescenta no art. 140 do decreto 2.848, de 7 de dezembro de 1940. (Estabelecendo pena para o crime de injúria racial);

D) Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003 – Estabelece as diretrizes e bases para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira;

E) Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010 – Institui o Estatuto da Igualdade Racial; Altera as Leis nºs 7.716, de 05 de janeiro de 1989; 9.029, de 13 de abril de 1995; 7.347, de 24 de julho 1985; e; 10.778, de 24 de novembro de 2003; e;

F) Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011 – Institui o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, e várias outras normas.

G) Lei nº 12.990 de 9 de junho de 2014 – Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

Lentamente mecanismos de combate à exclusão do negro vêm sendo criados e executados e alguns resultados do combate contra a exclusão social do negro vem sendo notados.

Destarte, toda a história da escravidão não é para ser apagada. É para ser vista do ponto de vista reflexivo para que a sociedade contemporânea não cometa os mesmos erros da exclusão social e exploração do ser humano em razão da cor da pele.

4. Conclusão

O presente trabalho mostrou o contexto histórico da luta da comunidade negra desde os tempos em que escravidão negra estava concentrada na África. A escravidão de negros por negros na África tinha como motivo, guerras, dívidas, punições, sacrifícios religiosos, entre outros. Logo houve o interesse de europeus e asiáticos na comercialização de escravos, o que, acabou se expandindo para o continente americano em razão das grandes navegações a partir do século XV.

O mercado de escravos era abastecido na África pelos próprios negros, que tornavam cativos negros de outras tribos, na maioria das vezes mediante sequestro. Os motivos que levavam o negro a vender outros negros eram vários, como o interesse por armas e outras especiarias fornecidas pelos europeus.

A dor do negro iniciava com a separação de sua tribo e de seus familiares, além de violência sofrida durante seu sequestro. Também era tortuosa a espera pelo embarque nos navios negreiros, momento em que tinham seus corpos marcados a de ferro quente, em especial na região da face.

Na travessia do Oceano Atlântico rumo às Américas, as viagens eram longas. O negro viajava em porões superlotados com aproximadamente 500 outros negros, com péssimas condições de higiene e de alimentação, além dos maus tratos e agressões físicas. Os negros ficavam acorrentados e dormiam no chão duro. Muitos não resistiam o sofrimento da viagem e acabavam morrendo, tendo seus corpos eram jogados em alto mar.

Quando chegavam ao seu destino, eram vendidos como simples mercadorias. Eram obrigados a trabalhar em fazendas, engenhos, minérios, exploração de recursos naturais, em outros serviços. Em geral, os escravos cumpriam uma jornada excessiva de aproximadamente 20 horas e exerciam tarefas extremamente pesadas. Viviam acorrentados em senzalas, que também possuíam péssimas condições de habitação e sofriam todo tipo de violência física e moral.

Os negros resistiam todo esse sofrimento como podiam, desde o momento em que eram sequestrados, até o memento em que se tornavam propriedade. Geralmente através de fugas, o que ocasionava a tortura por meio de vários instrumentos, não sendo raro o uso de chibatas. A fuga muitas vezes resultava na constituição ou ingresso em quilombos.

Na maioria das vezes em que eram capturados, os negros apanhavam, podendo chegar até a morte. Outros negros preferiam o suicídio a aguentar o sofrimento da escravidão. Quando formavam quilombos eram duramente atacados por senhores de engenho ou pelo governo. Quando não morriam ou conseguiam fugir nos ataques contra os quilombos, eram reescravizados.

Vários quilombos foram sinônimo de resistência negra, sendo o mais conhecido o Quilombo de Palmares, no Estado de Alagoas, liderado inicialmente por Ganga Zumba e depois por Zumbi, seu sobrinho.

Os quilombos, além de representação de resistência da comunidade negra, também influenciam na economia da região em que estão estabelecidos. Produziam vários alimentos e produtos que, inclusive, eram exportados para a Europa.

Em razão da queda do enfraquecimento da escravidão no Mundo, pela mudança no cenário econômico que influenciou na baixa utilização do negro cativo e pela pressão dos abolicionistas, em 13 de maio de 1888 foi assinada a Lei Áurea, pondo fim à escravidão no Brasil. Era o fim da dor ocasionado pela chibata do feitor e o início da dor causada pela exclusão social.

Apesar de já haver negros livre e mestiços no século XIX, houve um significativo aumento no número de negros em razão da abolição da escravatura. Desta forma, o problema passou a ser a falta de emprego, de moradia e de direitos iguais ao negro, que ainda era visto pela população burguesa, como pessoas bárbaras. Muitas vezes restava ao negro viver na condição de escravo ou análoga à de escravo para poder sobreviver ou manter o sustento de sua família.

De 1888 a 1988, a luta do negro pela conquista de igualdade nunca cessou, vendo acontecer nos séculos XX e XXI algum progresso na conquista pelo mínimo direito para subsidiar um mínimo de dignidade no Brasil.

A Constituição de 1988 e várias outras Leis posteriores vieram tentar amenizar a catastrófica história da degradação do negro desde o século XV. Alguns falam em dívida histórica, outros apenas em garantia de direitos contemporâneos.

Fato é que, várias conquistas são evidentes, principalmente no campo legislativo e de inserção do negro como agente de direitos, no entanto, muita há que se conquistar no Brasil em matéria de direitos e garantias à comunidade negra no Brasil.

Por trás de todo o sofrimento histórico que a comunidade negra passou, houve resistência, ou seja, todos os direitos contemporâneos conquistados pela comunidade negra são créditos de todos os negros que de alguma forma resistiram à dor à indiferença, mesmo que dentro de um porão de um navio negreiro no século XV.

A resistência persiste, mas o objetivo é lutar contra os grilhões contemporâneos do descaso, da desigualdade social, da desigualdade econômica e da ignorância. A conquistas, no Brasil, ainda estão no campo cultural. O brasileiro precisa ainda conhecer a história do negro e entender que se deve pugnar pela igualdade para constituir um país mais justo.

O passo inicial foi dado , pois a aprovação da Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira, visa construir, ao longo do tempo, uma sociedade que conhece e respeita a história, a luta, o sofrimento e as conquistas da comunidade negra, desde a sua retirada do seio materno africano a partir do século XV até a contemporaneidade no Brasil.

Conclui-se, portanto, que o processo histórico de resistência e luta da comunidade negra, desde sua história a partir do século XV até a até a contemporaneidade no Brasil, garantiu resultados e direitos importantes.

5. Referências

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BRASIL. Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011 – Institui o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, e várias outras normas. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 11 de novembro de 2011. Diário Oficial da União, Brasília-DF, 10 de junho de 2014.

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1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nº 1/92 a 53/06 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nº 1 a 6/94. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2007, p. 177. 


Publicado por: Fernando Augusto Fressatti

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