SUCESSÃO CAUSA MORTIS: HERANÇA DE BENS ARMAZENADOS EM AMBIENTE VIRTUAL.

índice

Imprimir Texto -A +A
icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

1. RESUMO

Devido ao acelerado avanço tecnológico da nossa era, que dá espaço a cultura atual de utilização, de criação e armazenamento de bens em ambiente virtual, é que a herança digital já é uma realidade que precisa ser amparada pelo Estado. Assim, o presente trabalho tem por objetivo analisar como se dá, na atualidade, a sucessão causa mortis de bens armazenados em ambiente virtual, em face da legislação vigente, do direito comparado norte-americano e dos posicionamentos judiciais a respeito do caso. A pesquisa se dará através de método qualitativo, utilizando-se de levantamento bibliográfico, legislativo e jurisprudencial, coleta de dados de construções científicas explanadas até então a respeito do caso, bem como as sugestões propostas e utilizadas na atualidade para tentar resolver à problemática, a luz do direito brasileiro comparado a legislações de alguns Estados norte-americanos. De forma explicativa segue um roteiro de abordagem histórica e conceitual do direito das sucessões e da internet; estabelecendo a possibilidade de existência de condição sucessória aos bens armazenados em ambiente virtual na sucessão causa mortis, as possíveis soluções doutrinárias e legislativas. Verifica-se, no entanto, que a ausência de norma específica regulamentadora provoca decisões judiciais divergentes para mesmo pedido - a herança digital, ora deferindo-a, ora negando-a, ora relatando ser direito heraditário a sucessão causa mortis de bens armazenados em ambiente virtual, ora tratando-o como direito de personalidade intrínseco ao de cujus e, portanto, intransmissível. Contudo, resta concluso a suma importância da criação de uma legislação que harmonize essas controvérsias, haja vista a realidade virtual da sociedade atual.

Palavras-chave: Morte. Sucessão. Herança digital. Internet. Bens armazenados virtualmente.

ABSTRACT

Due to the rapid technological advancement of our era, which gives space to the current culture of using, creating and storing goods in a virtual environment, digital inheritance is already a reality that needs to be supported by the state. Thus, the present work aims to analyze how the succession causes mortis of goods stored in a virtual environment, given the current legislation, US comparative law and judicial positions regarding the case. The research will take place through a qualitative method, using bibliographic, legislative and jurisprudential survey, data collection of scientific constructs explained so far about the case, as well as the suggestions proposed and used today to try to solve the problem, the Brazilian law compared to the laws of some US States. In explanatory form follows a script of historical and conceptual approach to inheritance law and the internet; establishing the possibility of existence of a succession condition to goods stored in virtual environment in succession causa mortis, the possible doctrinal and legislative solutions. However, the absence of a specific regulatory rule provokes divergent judicial decisions for the same request - the digital inheritance, sometimes granting it, sometimes denying it, sometimes reporting inheritance right to inheritance of property stored in the environment. virtual, sometimes treating it as a personality right that is intrinsic to that of cujus and, therefore, non-transferable. However, it remains to be concluded that it is very important to create legislation that harmonizes these controversies, given the virtual reality of today's society.

Keywords: Death. Succession. Digital heritage. Internet. Virtually stored goods.

2. INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa analisar se o patrimônio virtual, considerando a possibilidade de sua transferência causa mortis, é objeto de tratamento jurídico e previsão legal na nossa legislação vigente.

Esta pesquisa científica faz-se necessária devido ao aceleramento do avanço tecnológico, que dá espaço a cultura atual de utilização, de criação e armazenamento de bens em ambiente virtual, bem como a devida posse/propriedade dos mesmos, assim como a sua possibilidade de transmissão. E justifica-se pela proteção de tais bens ainda se dá de forma precária, sendo assegurada, relativamente, apenas de forma extensiva, análoga e superficial, por não possuir, ainda, uma legislação vigorando, específica a esse respeito.

O trabalho irá se deter a explicar a forma como estes bens surgiram e começam a ser adquiridos, bem como a necessidade atual de sua proteção, através de contexto histórico, social e conceitual, traçando um parâmetro com a evolução do direito das sucessões e também com a necessidade de garantia eficaz de um direito constitucional fundamental como o direito à Herança e à propriedade, e procurando possibilidades de satisfazer as questões desta sociedade que evolui e globaliza-se através de uma ferramenta importantíssima de comunicação, a internet.

A pesquisa se dará através de método qualitativo e de forma explicativa. Utilizando-se de levantamento bibliográfico, normativo e jurisprudencial, coleta de dados de construções científicas explanadas até então a respeito do caso, bem como as sugestões propostas e utilizadas na atualidade para resolver à problemática.

Os objetivos específicos são: abordar a evolução histórica e os principais conceitos referentes ao direito de sucessão; apontar os desdobramentos históricos, sociais e conceituais da internet; estabelecer a possibilidade da existência de condição sucessória aos bens armazenados virtualmente com o nosso sistema jurídico pátrio utilizando-se do direito comparado de Estados norte - americanos.

No primeiro capítulo constarão noções introdutórias sobre o direito das sucessões alinhadas a um breve histórico, conceitos, fundamentos, conteúdo e modalidades, juntamente com uma pequena explanação sobre o instituto da herança e o princípio da indivisibilidade, para que se possa promover a familiarização com o tema discutido no presente trabalho. O segundo capítulo adentrará na questão do bem digital, partindo do princípio histórico da ferramenta internet, seguindo com a constituição do patrimônio digital e na sequência, da herança deste patrimônio – a herança digital, relacionando aqui, tais institutos com o direito de sucessão. O terceiro e último capítulo propõe-se a explanar o que se tem na atualidade para garantir a sucessão causa mortis de bens digitais utilizando-se do direito comparado norte-americano, da legislação nacional, posicionamento doutrinários e judiciais, até as soluções propostas para tanto.

3. DIREITO SUCESSÓRIO

O presente capítulo demonstrará aspectos relevantes do Direito Sucessório, os principais conceitos, como este se construiu em linha histórica, relatando seu conteúdo e fundamentos para que se compreendam, em momento oportuno, as designações a respeito das modalidades de sucessão, bem como o instituto da herança.

3.1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Para que se compreenda o instituto do Direito das Sucessões conceituam-se as seguintes: Sucessão é o ato ou efeito de suceder, onde este, conforme dicionário da língua portuguesa de Cândido de Figueiredo (1913, p. 1.927) é o ato de “acontecer depois; vir em seguida; tomar lugar de outra pessoa”. Para a esfera jurídica, o significado de tais expressões não é tão distante, apenas temos a ocorrência prática desta sucessão entre vivos – inter vivos, como por exemplo, numa compra e venda em que o comprador sucede o vendedor na propriedade e consequentemente nos direitos e nas obrigações para com o bem adquirido, e a sucessão decorrente da morte de alguém - causa mortis, objeto do direito das sucessões em seu sentido estrito e deste trabalho, onde o herdeiro sucede o falecido na relação jurídica a qual este antes fazia parte (GONÇALVES, 2015).

No sentido amplo do termo, como esclarece Pontes de Miranda (1972, v. 55, p. 179), suceder é vir depois, colocar-se após, no tempo, tomando, na relação jurídica, o lugar que o outro tinha; no sentido estrito, suceder é herdar, ou haver por legado, supondo a morte de quem foi sucedido. É nesse segundo sentido que se pode falar de direito das sucessões. Para Orlando Gomes (1973, p. 25), a expressão “sucessão hereditária” emprega-se no sentido objetivo, como sinônimo de herança, e no sentido subjetivo, equivalente a direito de suceder. Clóvis Beviláqua (2000, p. 57) preferiu distinguir, chamando sucessão ao direito, e herança ao acervo de bens (LOBO, 2018, p. 17).

Neste contexto, Lobo pretende demonstrar que enquanto sucessão em sentido amplo engloba o direito das coisas, numa universalidade de fato relacionada à pluralidade de bens singulares de uma determinada pessoa, a sucessão em sentido estrito está intimamente ligada ao direito de sucessão numa universalidade de direito, onde os bens de uma pessoa são um complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico transmissível ao herdeiro legítimo ou testamentário (LOBO, 2018). Observa-se o art. 91 do CC/02: “Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”.

Corrobora Rodrigues (2017, p.03) ao dizer que “o direito das sucessões se apresenta como o conjunto de princípios jurídicos que disciplinam a transmissão do patrimônio de uma pessoa que morreu a seus sucessores”, tratando por patrimônio o conjunto não só dos bens econômicos considerados ativos, mas também as dívidas adquiridas pelo falecido, compreendendo o passivo (RODRIGUES, 2017).

Tem por objeto o patrimônio daquele que deixou de existir e por finalidade e segurança de lei, transmiti-lo aos seus familiares, dependentes, escolhidos pela vontade do morto quando em vida, etc., como ressalta Pereira (2017, p.10) que “a palavra suceder tem o sentido genérico de virem os fatos e fenômenos jurídicos ‘uns depois dos outros’ (sub + cedere), sucessão é a respectiva sequência”, sempre em um sentido de continuidade familiar, preservação da propriedade e extensão não da personalidade, mas da capacidade jurídica para demandar e ser demandado, já que aquela se encerra com o óbito.

Assim, ressalta Carlos Maximiliano ao dizer que,

Direito das Sucessões, em sentido objetivo, é o conjunto das normas reguladoras da transmissão dos bens e obrigações de um indivíduo em consequência de sua morte. No sentido subjetivo, mais propriamente se diria — direito de suceder, isto é, de receber o acervo hereditário de um defunto. (MAXIMILIANO, 1948, p.2)

Essa transmissão se daria na totalidade daquilo que outrora o morto possuísse em acervo hereditário - uma totalidade de bens, inexistindo assim bens que fossem considerados sem representação, ou seja, todo encadeamento de relações jurídicas valoráveis, sendo elas corpóreas ou incorpóreas, seriam incluídas, transmitindo-se de forma imediata, conforme o que preceitua o princípio da saisine constante no art. 1.784 do Código Civil de 2002: “Aberta à sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”, sem a necessidade de pleito em juízo. Conservando, além de tudo, a função social da herança.

Observe-se, ademais, que certos institutos, como o direito de representação tem um fundamento moral, respaldado no princípio da isonomia e da função social. Na medida em que visam a dar um tratamento equânime a herdeiros do autor da herança, poupando-lhes da dupla tristeza da perda de seu ascendente imediatamente direto e também de benefícios potenciais que lhe seriam garantidos, se não tivesse ocorrido o falecimento daquele. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p.69)

Trata-se, portanto, não só de uma continuação da propriedade, mas também das relações humanas, que antes existiam e posteriormente são perpetuadas com aqueles que sobrevivem e seguem através do direito de herdeiros, nesta relação sucessória contínua e infinita, geração após geração.

3.1.1. Breve Histórico

O direito a sucessão sofre várias mudanças ao longo da história. Há algumas teses de como este tenha se originado. E vários são os contornos que o mesmo percorreu até a atualidade.

Quando se fala em sua origem, entende Dias (2014, p. 29) que “o direito sucessório tem origem remota, desde que o homem deixou de ser nômade e começou a amelhar patrimônio. Os bens que antes eram comuns passaram a pertencer a quem deles se apropriou”. Por origem remota trata-se o período, intitulado pela história geral das civilizações (Crouzet, 1993), de neolítico, compreendido entre 12 mil a 4 mil anos a.c. (antes de Cristo). Neste contexto, compreende-se que a sucessão seria a transferência destes bens apropriados, alinhando-a a ideia de propriedade (DIAS, 2014).

Outros doutrinadores por sua vez, como Wilson de Oliveira, Alexandre Correia e Gaetano Sciascia, entre outros, antes de atrelar o direito das sucessões a um sentido econômico, diziam que sua origem estava na religião.

É o que remete Coulanges quando diz:

[...] A situação assim se apresentava porque o direito de propriedade estabeleceu-se para a efetivação de um culto hereditário, razão pela qual não se podia extinguir pela morte do titular. Deveria sempre haver um continuador da religião familiar, para que o culto não se extinguisse e, assim, continuasse íntegro o patrimônio. O lar não poderia nunca ficar abandonado e, mantida a religião, persistiria o direito de propriedade (COULANGES, 1957, p. 101 apud VENOSA, 2017, p.11).

Neste momento cada família possuía a sua religião independentemente das religiões das outras famílias ou da sociedade. E para que essa religião não padecesse com a morte do chefe de família, na Roma antiga (período monárquico compreendido entre 753 e 509 a.c.) praticava-se o culto hereditário, que garantia além da continuidade religiosa, a perpetuação da família, do patrimônio e da propriedade, em caráter sucessório “causa mortis”(VENOSA, 2017).

Ratifica Gonçalves (2015, p. 21) ao dizer que “em Roma, na Grécia e na Índia, a religião desempenha, com efeito, papel de grande importância para a agregação familiar”. Evidenciando, com isso, que o importante neste caso era dar continuidade a família. É nesse contexto, de representação do chefe de família, que “os primeiros legitimados a herdar foram os filhos homens, o primogênito em preferência aos demais, uma vez que este possuía maiores poderes no seio do grupo familiar” (CARVALHO, 2017, p.01). Herdava-se aqui por privilégio.

Com a Lei das XII Tábuas (450 anos a.c.), os privilégios vão perdendo a força frente à liberdade de dispor do seu próprio patrimônio através do testamento.

Conforme dispõe Carlos Roberto Gonçalves,

A lei das XII Tábuas concedia absoluta liberdade ao pater famílias de dispor dos seus bens para depois da morte. Mas, se falescesse sem testamento, a sucessão se devolvia, seguidamente, a três classes de herdeiros: sui, agnati e gentiles. (GONÇALVES, 2015, p.21)

A classe de herdeiros sui era composta pelos filhos, netos e esposa. A agnati compreendia os parentes mais próximos do falecido, tais como o irmão consanguíneo, o tio que fosse filho do avô paterno e o sobrinho desse mesmo tio (seguindo a ordem de descendência masculina). E os gentiles, eram os que na ausência dos anteriormente citados, seriam chamados a suceder dentro do mesmo grupo familiar, mesmo gens, mesma estirpe. (GONÇALVES, 2015)

Assevera Arnaldo Rizzardo que,

Teve grande preponderância o testamento no Direito romano, o que representava um forte individualismo, em contraposição com o Direito germânico, onde praticamente se desconhecia a sucessão testamentária. Vale recordar Washington de Barros Monteiro, a respeito: “Como adverte Sumner Maine (L’Ancien Droit, p. 207), os romanos tinham verdadeiro horror pela morte sem testamento. Para eles, nenhuma desgraça superava a de falecer ab intestato; maldição alguma era mais forte do que augurar a um inimigo morrer sem testamento. Finar-se ab intestato redundava numa espécie de vergonha”. (RIZZARDO, 2018, p.4)

Já o direito germânico praticamente desconhecia a sucessão testamentária porque, contrariamente aos romanos, considerava como únicos herdeiros, os consanguíneos (RIZZARDO, 2018). Mas na ausência destes, admitia-se a affatomia, que era a transmissão do patrimônio ao amigo perante o tribunal do rei ou assembleia do povo que posteriormente o restituía sob a condição de novamente empossar-se, uma espécie de condição análoga de testamento (MALUF; MALUF, 2013).

Com esse choque de concepções, romana e germânica, aludi Gonçalves (2015, p.25) “... resultou no direito sucessório contemporâneo, a fusão: os parentes, herdeiros pelo sangue, são os sucessores legítimos, se não houver testamento, ou se este não prevalecer.” Permanecendo assim, tanto a possibilidade de dispor a sua vontade, quanto o direito a herdar sem disposição, com o mesmo grau de importância, resultando no art. 1846 do CC/02, que torna 50% do patrimônio do falecido disponível, que poderá ser disposto em testamento, ao tempo em que resguarda os outros 50% aos herdeiros, os denominados legítimos.

Alguns acontecimentos históricos impulsionaram o direito de sucessão para o conjunto de normas que o disciplina hoje. Conforme Carlos Roberto Gonçalves (2015) segue algumas das mais importantes: A Revolução Francesa (1789 – 1799), com seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade extinguem de vez os privilégios do primogênito varão; o Código de Napoleão (1807), que estabelece distinção entre linha de herdeiros e seus sucessores; a codificação francesa, que influenciou o Código Civil Brasileiro de 1916 quanto à linha de vocação hereditária estabelecer-se por descendentes, ascendentes e colateral até o 10º grau, posteriormente o cônjuge supérstite e por fim o fisco. O princípio da saisine, que foi introduzido ao Código Civil português de 1867, teve a mesma solução, primeiramente na Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas (1858), seguindo ao Código Civil de 1916 e posteriormente no Código Civil Brasileiro vigente – o de 2002.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 vieram também importantes disposições acerca do direito sucessório, assegurando em seu art. 5º, XXX, o direito à herança como garantia fundamental; e a do art. 227, §6º, que assegura a direitos iguais aos filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, proibindo expressamente quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, o que ocorria com o Código Civil de 1916, uma vez que, este tratava os filhos havidos fora do casamento como ilegítimos, que não tinham direitos reconhecidos, em prol de garantir a integridade patrimonial da família. Não era reconhecido o instituto familiar se fosse formado por solteiros ou separados, mesmo que dessa união fosse gerada uma prole. No CC/16 receberia o nome de concubinato e não de família.

A CF/88 além das disposições referidas passa também, em seu art.226, §3º a reconhecer a união estável como entidade familiar. Mas apenas em 1994, que foi sancionada a lei que regula o direito dos companheiros a alimentos e sucessão, lei nº 8.971/94. (DIAS, 2014)

Assim, cabe salientar que as leis evoluem para resguardar direitos de uma sociedade em constante mutação, resultado, revogação do Código Civil de 1916 e instuição da Lei nº 10.406 de 2002, Código Civil Brasileiro vigente, que além de outras inovações, reduziu a ordem de vocação hereditária dos parentes colaterais até o 4º grau e incluiu o cônjuge como herdeiro necessário e concorrente com descendentes e ascendentes (art. 1.845 do CC/02).

Porém, apesar das inovações advindas com o novo código civil, o direito sucessório ainda se desenha precário perante a sociedade atual, uma prova disto foi à necessidade de o Supremo Tribunal Federal publicar no seu Informativo n.625 de 05 de maio de 2011, a conclusão histórica de reconhecer e tratar a união entre pessoas do mesmo sexo como comunidade equiparada à união estável do Direito Brasileiro, levando em consideração existência de mais uma nova unidade familiar, a decorrente da afetividade, e consequentemente, um novo desenho na linha sucessória.

3.1.2. Fundamentos e Conteúdo

Assim, o Direito das Sucessões, através da diversidade em que se desenhou, tomou para si vários fundamentos. Segundo Diniz (2015, p. 19) “o fundamento do direito das sucessões tem sido objeto de muitas discussões doutrinárias”.

A princípio, autores defenderam o fato do direito sucessório fundamentar-se na continuidade da vida do falecido, seja de ordem religiosa – herdando os hábitos de culto (CIMBALI, 1855), ou biológica - pela transmissão dos caracteres orgânicos, ou antropológica – pela transmissão cultural (D’AGUANO, 1840). Este entendimento foi superado, uma vez que a sequência da vida não poderia ser disposta a vontade do “de cujus” – termo derivado da expressão de origem latina "is de cujus successione agitur..." que significa aquele de cuja sucessão se trata - e nem relacioná-la a quem não fizesse parte da ordem de descendentes ou ascendentes, tais como cônjuge, colaterais e o Estado, uma vez que sua subsistência estaria restrita apenas ao instinto sexual e, neste caso, não depende de sucessão (MONTEIRO, 1981).

Corrobora Orlando Gomes (2004, p.03) com Monteiro quando diz que a sucessão possui fundamento racional, pois encontra sua justificação “nos mesmos princípios que explicam e justificam o direito de propriedade individual, do qual é a expressão mais enérgica e a extrema, direta e lógica sequência”. E Arnaldo Rizzardo (2018, p.10) quando fala que “os bens são o fulcro de toda a gênese e evolução do ser humano, motivo de suas aspirações e batalhas travadas no curso da História”.

Porém, há quem defenda que tal visão está em desacordo com princípios de justiça e interesse social, uma vez que tal justificação sobrepõe o individual ao coletivo. São exemplos destes, os socialistas – que vislumbram a riqueza coletiva, entendendo que os bens pertecem ao Estado (GONÇALVES, 2015).

Carlos Roberto Gonçalves assevera que

Os aludidos socialistas, ao negar letimidade ao direito de propriedade privada, entendendo pertecerem os bens ao Estado e a ele devendo retornar, em benefício de toda a comunidade, negam, em consequência, legitimidade à transmissão causa mortis de bens de produção e consumo, uma vez que, admitindo-a, estariam reforçando as desigualdades sociais existentes e permitindo a aquisição da propriedade por outra forma que não a única socialmente entendida como apta a legitimar a utilização dos bens que pertencem à sociedade como um todo, qual seja, o trabalho. (GONÇALVES, 2015, p. 27)

E ponderando entre o direito Estatal sobre o bem e o direito privado do mesmo, que conclui Sílvio Venosa (2005, p.10) ao afirmar que: “a ideia de sucessão por causa da morte não aflora unicamente no interesse privado: o Estado também tem o maior interesse de que um patrimônio não reste sem titular, o que lhe traria um ônus a mais”. Para ele, nesta perspectiva, o Estado estaria visando o social, dando meios necessários para proteger a família, garantindo-lhe sua própria economia, uma vez que sendo esta a base da sociedade, é dever do Estado protegê-la e garantir os mecanismos necessários para sua existência digna (art.226, CF/88). Dessa forma, além de livrar-se do encargo, conservaria as unidades econômicas a serviço do bem comum.

Assim, conforme Maria Helena Diniz (2015, p.22) pode-se-á dizer que o “fundamento do direito sucessório, devido à sua importante função social, é a propriedade, conjugada ou não com o direito de família”. Neste diapasão é que, na Carta Magna vigente, o direito a herança consta no mesmo rol que o direito de propriedade, como garantia constitucional fundamental, no art. 5º, incisos XXII e XXX.

Cabe ainda salientar, contudo, que a transmissão de bens não é absoluta em relação à família. O Código Civil de 2002, além de resguardar a transmissão dos bens ao herdeiro familiar tido por necessário, que são os descendentes, ascendentes e o cônjuge sobrevivente na forma do art. 1.845, relativiza esta transmissão dando ao “de cujus” o poder de dispor de metade do seu patrimônio, por meio de testamento, conforme autonomia da sua vontade, preceito do art. 1.857, §1º. E tal patrimônio herda-se em sua totalidade, uma vez que de acordo com Rizzardo (2018, p.10), no direito sucessório “assenta-se o fundamento no patrimônio constituído dos bens ou relações econômicas que vinculam alguém aos bens”, compreendendo assim, a ideia de acervo patrimonial valorável, tantos os direitos quanto às obrigações provenientes destes bens.

O direito das sucessões está garantido em texto Constitucional, no art. 5º, XXX, e disciplinado em legislação ordinária, Código Civil vigente, de 2002, em seu Livro V, que se subdivide em 04 títulos, onde o Título I traça normas de caráter geral: disposições gerais sobre a sucessão, da herança e sua administração, da vocação hereditária, da aceitação e renúncia da herança, dos excluídos da sucessão, da herança jacente, da petição de herança; no Título II, normas sobre a sucessão legítima, compreendendo: ordem de vocação hereditária, herdeiros necessários e direito de representação; no Título III, sucessão testamentária; e no Título IV, conforme bem explica Maria Helena Diniz,

[...] as normas sobre o processo judicial não contencioso, por meio do qual se descrevem os bens da herança, se lavra o título de herdeiro, se liquida o passivo do montante, se paga o imposto de transmissão mortis causa e se realiza a partilha entre os herdeiros. Ao lado dessas normas sobre inventário e partilha, há outras que disciplinam as colações e os sonegados. (DINIZ, 2015, p. 21)

3.2. MODALIDADES DE SUCESSÃO

Conforme dispõe o art. 1.786 do Código Civil de 2002: “A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”. Estas são as fontes das quais decorrem as modalidades de sucessão: a legítima ou a testamentária. Onde a primeira decorre de força de lei e a segunda pela disposição da última vontade do falecido. Salienta-se que uma forma não exclui a outra, dando a possibilidade de ambas coexistirem na medida em lhes cabem. Como será explicitado a seguir.

3.2.1. Sucessão Legítima

Também chamada de ab intestato, expressão originária do latim que significa “sem deixar testamento”, sucessão legítima está disciplinada do art. 1.829 aos 1.856 do CC/02. Outorga-se através da ordem de vocação hereditária, em chamamento de classes (art.1.829), onde a mais próxima exclui a mais remota, salvo o direito de representação (1.833). Compõem esta modalidade os herdeiros necessários e os herdeiros colaterais (1.829).

Aos herdeiros necessários – descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivente em concorrência com os anteriores – lhe são assegurado a legítima, que é o pleno direito a metade dos bens da herança (art. 1.846), restando ao falecido apenas o direito a dispor da outra metade, tempo em que coexistem ambas as modalidades (1.789). Não existindo herdeiros necessários, “para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar” (art. 1.850), razão pela qual estes também recebem o nome de herdeiros facultativos. Neste caso, a totalidade do seu patrimônio torna-se disponível.

Maria Helena Diniz, quanto à sucessão legítima, sintetiza:

É a resultante de lei nos casos de ausência, nulidade, anulabilidade ou caducidade de testamento (CC, arts. 1.786 e 1.788), passando o patrimônio do falecido às pessoas indicadas pela lei, obedecendo-se à ordem de vocação hereditária (CC, art. 1.829). (DINIZ, 2015, p. 33)

Esta modalidade de sucessão, para os brasileiros, sempre foi a mais utilizada. Para Gonçalves (2015), isto decorre de uma questão tipicamente cultural, por isso a escassez de testamentos e também o fato do legislador ter disciplinado muito bem a modalidade legítima.

Cabe salientar, ainda, que no caso de desconhecimento de herdeiros e inexistindo testamento, os bens da herança, depois de arrecadados, tornam-se jacentes (sem dono), sob a guarda e administração de um curador, até que surja um sucessor devidamente habilitado. Caso isso não ocorra dentro do lapso temporal de 1 (um) ano, assim como também caso renuncie todos chamados a suceder, a herança será declarada vacante (vaga), o que não prejudicará os herdeiros que legamente se habilitarem. Porém, decorridos o prazo de 5 (cinco) anos da data de abertura da sucessão, que ocorre no momento em que se consumou a morte e é neste momento que a herança é transmitida aos seus herdeiros – princípio da saisine (art. 1.784), sem habilitar-se qualquer herdeiro legítimo, os bens arrecadados passarão ao domínio público da sua respectiva circunscrição territorial (CC, arts. 1.819 a 1.823).

Ressalta-se que, antes que os bens incorporem o patrimônio público, “é assegurado aos credores o direito de pedir o pagamento das dívidas reconhecidas, nos limites das forças da herança”. (art. 1.821, CC/02)

3.2.2. Sucessão Testamentária

De acordo com Arnaldo Rizzardo

De outro lado, há também a sucessão testamentária, ou ex testamento, cujo significado exsurge da própria designação, ou a sucessão que se processa de acordo com a vontade do titular do patrimônio. Possui ele liberdade de dispor quanto à partilha dos bens que ficarão após sua morte. Assim, havendo herdeiros necessários, nesta classe considerados os descendentes e ascendentes necessários, unicamente metade dos bens disponíveis pode ser distribuída em testamento – não se permitindo olvidar que os bens disponíveis são aqueles que constituem a meação, em sendo casado o falecido, no tocante ao casamento pelo regime de comunhão universal; aos bens adquiridos na constância da sociedade conjugal, no regime de comunhão parcial; e aos adquiridos de forma onerosa, com algumas exceções, no regime de participação final nos aquestos. (RIZZARDO, 2018, p.06)

Esta modalidade, que se opera através da disposição da vontade do “de cujus” em testamento válido, apesar de ser pouco utilizada, está disciplina em um número maior de artigos do que a sucessão legítima, do art. 1.857 aos 1.990 do CC/02. Isto ocorre devido as suas inúmeras particularidades.

Segundo a legislação Civil vigente, o testamento é um ato personalíssimo que para ser considerado válido é necessário que sejam considerados os seguintes requisitos: capacidade civil de testar do testador e espontaneidade para tanto; que contenha objeto determinado e não contenha disposição excedente a quantidade patrimonial permitida caso existência de herdeiros necessários e compreenda os requisitos formais da espécie de testamento utilizada, sendo estes designados pelas condições de fato e de direito do testador.

Tais disposições testamentárias, além dos bens economicamente valoráveis, compreendem os insuscetíveis de valoração econômica, ainda que o testador se limite só a estes (art. 1.857, §2º, CC/02).

E é proibido, segundo o art.1.863 do CC/02, o testamento conjuntivo (feito no mesmo ato por duas ou mais pessoas), seja simultâneo, recíproco ou correspectivo.

3.3. HERANÇA

Para Venosa (2017) apesar de ser colocado o termo sucessão como sinônimo de herança, tal posicionamento é equivocado, uma vez que a sucessão refere-se a transmissão, que pode ser operada “inter vivos” ou “causa mortis” e a herança, àquilo que é transmitido somente em razão da morte de alguém. Sendo assim conclui “entender-se herança como o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem, em razão da morte, a uma pessoa, ou a um conjunto de pessoas, que sobreviveram ao falecido”. (VENOSA, 2017, p. 11)

Tais direitos e obrigações formam o patrimônio da pessoa, como um ativo e um passivo, explicam Gagliano e Pamplona Filho (2018, p. 48): “pouco importa se o patrimônio deixado pelo indivíduo incluía carros, mansões, lanchas ou uma única carroça; será considerado, após a sua morte, juntamente com os débitos porventura existentes, a sua herança”, que com o fato gerador morte, dentro da esfera jurídica, transmite a titularidade para os seus herdeiros e de forma imediata, como os ditames do princípio da saisine. Ou seja, há com a perda da titularidade originária deste patrimônio, uma aquisição derivada desta mesma titularidade através do mesmo fato gerador – a morte, e de forma simultânea.

Portanto, conclui Diniz (2015, p. 79) que a “Herança é o patrimônio do falecido, isto é, o conjunto de direitos e deveres que se transmitem aos herdeiros legítimos ou testamentários, (e acrescenta:) exceto se forem personalíssimos ou inerentes à pessoa do de cujus. Uma vez que estes não se transmitem, encerram-se com a morte.

Contudo, ressalta Maria Berenice Dias (2014) possuir a herança, um caráter temporário, uma vez que esta surge no momento da abertura da sucessão, mas encerra-se com a ultimação da partilha. Neste período a herança compreende um todo indivisível.

3.3.1. Princípio da Indivisibilidade da Herança

O art. 1.791 do CC/02 traz expressamente o princípio da indivisibilidade da herança ao dizer que “a herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros”, significando que no momento da abertura da sucessão o patrimônio transferido aos herdeiros, transfere-se em sua totalidade e de forma coesa.

Ratifica Gonçalves (2015, p.51) que, “por conseguinte, cada um dos herdeiros tem os mesmos direitos e deveres em relação ao todo, não cabendo a nenhum deles direitos e deveres sobre um ou mais bens determinados da herança; é esta uma universitas iuris”, ou seja, sucessão universal. É por este fato, que o §2º do art. 1.793 do Código Civil prevê que “é ineficaz a cessão, pelo coerdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente”.

Esta universalidade de bens designada como herança não possui personalidade jurídica, possui capacidade jurídica para demandar e ser demandada. Assim, uma vez que todos os herdeiros são condôminos, todos possuem legitimidade concorrente para reclamar de terceiros a herança, no todo ou em parte, através do uso de ações possessórias (DIAS, 2015).

Destaca Maria Berenice Dias (2015) ser importante salientar que a meação do cônjuge e do companheiro não faz parte da herança, uma vez que tal meação está designada como aquestos, ou seja, todas as propriedades ou bens materiais que o casal acumulou durante e a partir do momento em que estabelecem um contrato de convivência matrimonial.

[...] No tocante ao regime de bens legal ou obrigatório, é de se observar que há algum tempo vem gravitando em nossos tribunais a socialmente relevante Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual os bens adquiridos onerosamente – ou equiparados a tal circunstância– em conjunto ou separadamente, por qualquer dos cônjuges na constância da sociedade conjugal (isto é, os bens aquestos, aqueles que formam patrimônio comum no regime da comunhão parcial, presente no art. 1660, incisos I a V, do CC), comunicam-se igualmente ao nubente não adquirente. (CARVALHO, 2017, p.340)

Contudo, tem-se que como a herança encerra-se no momento em que se ultima a partilha, assim, cessa com ela o caráter da indivisibilidade, e divide-se o patrimônio em quota partes designada, a cada herdeiro legalmente habilitado e constituído. Este é o momento em que cada um integra apenas os direitos e deveres atribuídos ao seu quinhão. Prescreve o art. 1.792 do CC/02: “O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados”.

4. A ERA DIGITAL

A sociedade pós-moderna é marcada pela liquidez e efemeridade. Assim a velocidade das mudanças sociais e a velocidade com que as informações circulam pelo espaço de todo o globo terrestre vem provocando profundas e abruptas transformações no modo do ser humano e de se relacionar consigo mesmo e com seus semelhantes. A este respeito é imperioso considerar a lição de Lipovtsky (2005, p.65) para quem:

A nova era não apresenta caráter positivo, sendo marcada pelo individualismo e fragilidade nos laços coletivos. A nova sociedade seria ‘pós-disciplinar’, tomada pelo individualismo, pela mudança e pelo consumo, pela fragilidade dos laços coletivos e da própria existência individual.

Nesta nova configuração de vida social a internet é um instrumento hegemônico de relacionamentos interpessoais, inclusive como ambiente de prósperos negócios que sabem utilizar as “startups” - empresa emergente e tecnológica -, aplicativos, mídias e redes sociais como importantes mecanismos negociais e vitrines de seus produtos e marcas. Neste sentido, a internet abriu para o mundo empresarial uma relação cada vez mais próxima com a tecnologia que vem motivando os mais variados ramos de negócios a buscar se aproximar de novas ferramentas tecnológicas para as ofertas de seus serviços e venda de seus produtos. Tal realidade está assim por que:

Os funcionários podem acessar instantaneamente qualquer informação, em qualquer lugar. Os computadores de uma empresa podem interagir instantaneamente com os computadores de seus fornecedores, agentes, clientes e parceiros comerciais [...]. A cibercop - empresa da era do conhecimento, da sociedade pós-capitalista de Drucker – é mundial. Nela, à distância “desaparece” (MARTIN, 1996, p.162).

A internet trouxe um novo modelo econômico, em permanente transformação, cada vez mais abrangendo novas áreas de atuação, basta se perceber a existência de aplicativos vinculados à internet que atuam em quase todos os ramos comerciais, desde a contratação de serviços, a compra e venda de bens duráveis, troca de informação, fomento de relacionamento etc.

Nada no mercado ficou alheio a tal realidade a partir da criação por Tim Bernes Lee da “linguagem HTML”. Assim esclarece Peck e Rocha (2018, p.31):

Em 1989, Tim Bernes Lee criou a linguagem HTML language (Hyper Text Markup Language), para atender ao seu projeto chamado “the World Wide Web (WWW)” [...]. Mas o uso comercial da internet realmente se popularizou depois dos anos 1990. Em 1996, Larry Page e Sergey Brin, ambos da Universidade de Stanford University, criaram um buscador chamado “Google”. Assim, tudo passou a ser alcançado a uma distancia de um click.

Como cita Schwab:

Atualmente, enfrentamos uma grande diversidade de desafios fascinantes, entre eles, o mais intenso e importante é o entendimento e a modelagem da nova revolução tecnológica, a qual implica nada menos que a transformação de toda humanidade. Estamos no inicio de uma revolução que alterará profundamente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala. Escopo e complexidade, a quarta revolução industrial é algo que considero diferente de tudo aquilo que já foi experimentado pela humanidade (SHAWAB, 2016, p. 12).

O resultado disso é que o mercado passa a exigir novas habilidades, competências e saberes dos profissionais que devem estar habilitados a uma gestão mais dinâmica, flexível e produtora de bens e serviços adaptados à nova realidade tecnológica, visto que: “Esses conjuntos de recursos tecnológicos estão estabelecendo, em progressão geométrica, a flexibilização das organizações produtoras de bens ou prestadoras de serviços, do setor público ou do setor privado” (TENÓRIO, 2000, p.97).

Diante disso, o capítulo que se segue, pretende, em caráter liminar, apresentar desdobramentos históricos, sociais e conceituais da internet, para que, posteriormente, se possa inserir dentro deste quadro a análise sobre a possível herança de patrimônio digital.

4.1. INTERNET: DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS, SOCIAIS E CONCEITUAIS.

O Marco Civil da Internet, legislação brasileira que disciplina o uso da internet e que, mais pontualmente, será analisado no último capítulo deste trabalho, traz em seu artigo 5º, inciso 1º, o conceito de internet:

Art. 5º Para os efeitos desta lei considera-se: I - Internet: o sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes. (LEI Nº 12.965/2014)

Tal conceito estabelece a possibilidade de comunicação em controle de transmissão entre pessoas, ambientes e sistemas. Porém, para melhor entendimento faz-se necessário explanar, brevemente, a sua história.

Para Angelo Volpi Neto (2011), o surgimento da internet não foi oriundo de razões sociais ou culturais, mas sim de uma questão estratégica-militar do governo norte-americano, no Departamento de Defesa, que constitui a ARPAnet (ARPA: Advanced Research Projectos Agency – Agência de Pesquisas de Projetos Avançados), como sendo uma ferramenta que facilitaria a troca de informações entre governo e forças militares em meados da Guerra Fria (conflito entre Estados Unidos e União Soviética que durou de 1947 a 1991), por volta dos anos 60. Com o passar do tempo foi aprimorada para que se pudesse, em condições extremas, fornecer informações de forma e fonte seguras. Desempenhando com êxito seu papel, a internet ficou as vistas do mundo dos negócios e com o fim da guerra, tal tecnologia pode ser disposta aos civis.

Alberto Luiz Albertin relata que,

No meio da década de 80, a Arpanet foi segmentada em redes relativas ao Departamento de Defesa (DOD) e redes não relativas (non-DOD); a National Science Foundation assumiu o controle da rede de pesquisa civil, a qual tornou-se a Nfnet e mais tarde a Internet. Inicialmente, a internet era restrita ao uso de pesquisa e educacional; o uso comercial era proibido pela NSF Acceptable Use Policy. Entretanto, com a enorme pressão política para criação de uma superestrada de informação e o desenvolvimento de ferramentas amigáveis para organizar e localizar informações, as regras referentes aos tipos de uso ficaram difíceis de ser mantidas. Em 1993, a internet foi aberta para os negócios. (ALBERTIN, 2010, pp. 28-29)

Assim, na década de 80, a internet foi aberta aos civis, por meio das universidades, com redes de dados restritos à pesquisa e educação. Somente na década de 90, foi aberta ao comércio, através das grandes corporações que hoje empregam tal ferramenta, sob diferentes meios de conectividade, sejam eles: linhas telefônicas, antenas ou cabos de fibra ótica, todos dimensionados de um provedor de acesso que serve de uma espécie de base de comunicação.

Albertin (2010, p.29) enriquece a análise ao dizer que “o ambiente da internet é uma combinação única de serviço postal, sistema de telefonia, pesquisa bibliográfica, supermercado e centro de talk show” (centro de exposição de conversa) – mais conhecido como redes sociais onde as pessoas compram e compartilham as mais diversas informações.

Com isso, nos últimos anos, cresceu consideravelmente o número de usuários da internet e serviços on line, o mercado encurta as distâncias em meio a um sitema de globalização e promove aos consumidores interação uns com os outros, com a empresa e com produtos tipicamente formulados a partir desta relação digital.

Teixeira (2015, p. 130) traz um exemplo deste comércio digital ao dizer que, na internet, “há sites especializados em captação de investidores para novas criações em que os pretensos inventores disponibilizam informações básicas de um projeto a que se pretende desenvolver; assim, os interessados em financiar tornam-se sócios dos inventores”. Tomando por conta, que mediante a referida relação negocial, pode-se acumular bens, tais bens podem ser de caráter concreto/palpável ou de caráter digital/abstrato. E tais bens fazem parte de um todo: o patrimônio.

4.2. PATRIMÔNIO DIGITAL

Conceituar a palavra Patrimônio, de forma econômica – financeira, como sendo o conjunto de todos os bens de uma pessoa seja ela física ou jurídica, e deste ponto, sob uma visão jurídica, definir estes bens com sendo “valores materiais ou imateriais que podem ser objeto de uma relação jurídica” (GRECO; AREND, 2013, p.20). Assim, se o patrimônio pode incluir bens de caráter imaterial, ou seja, incorpóreo, não há óbice para que o acervo digital de uma pessoa, bens armazenados em ambiente virtual, também possa ser considerado parte deste patrimônio.

Mas o quê, de fato, são estes bens digitais? Tal definição é encontrada na doutrina.

Ferreira e Wilkens (2008, p. 02) conceituam bens digitais ao dizer que:

[...] são uma nova categoria de bens, e surgem com o comércio eletrônico e a Internet; são fornecidos através da própria rede via downloading (descarga), e existem de forma virtual, isto é, são incorpóreos no que diz respeito à materialidade; temos como exemplos: livros eletrônicos, programas de computador, músicas, filmes, jogos, entre outros. Vale lembrar que tanto a sua venda quanto sua entrega são feitas por meio eletrônico.

Neste contexto, pode-se compreender, pelas características dos bens digitais, que estes pertencem à categoria de bens imateriais ou incorpóreos. Esta classificação jurídica é de suma importância para a compreensão da transmissão de tais bens em decorrência da morte de seu titular, assim como também a ciência de que estes possam ser economicamente valoráveis como quando se adquire ebook’s, moedas virtuais, milhas aéreas, jogos on line, serviços de armazenamento ou até mesmo licença de softwares, entre outros de cunho monetário; bem como podem ser apenas afetivos, como fotos, textos, etc. Tudo isso decorrente de uma relação negocial praticada na internet.

Corrobora Lima (2013, p. 32) ao dizer que:

Além de senhas, tudo o que é possível comprar pela internet ou guardar em um espaço virtual – como músicas e fotos, por exemplo – passa a fazer parte do patrimônio das pessoas e, consequentemente, do chamado “acervo virtual”. Os ativos digitais podem ser bens guardados tanto na máquina do próprio usuário quanto por meio da internet em servidores com este propósito – o chamado armazenamento em “nuvem”.

Porém, ao remeter a discussão ao Código Civil de 2002, tem-se, expressamente, o patrimônio como uma “universalidade de direito, complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”. (CC/02, art. 91). E sob este viés, Venosa (2015) ainda lembra que a herança contém bens materiais ou imateriais, mas sempre haverá coisas avaliáveis economicamente. O que resta a entender que dentre os bens digitais, assim como existem aqueles detentores de valor; existem os que são valoráveis economicamente, vislumbrando aqui um lapso temporal futuro; os que são insuscetíveis de valor econômico, seja em qual tempo for a sua existência; existem também os que podem fazer parte da totalidade da herança do de cujus e os que possivelmente, não possam. Para isto cabe a análise das duas principais classificações dos bens: bens economicamente valoráveis e bens insuscetíveis de valoração econômica.

4.2.1. Bens Economicamente Valoráveis

De acordo com o Código Civil de 2002 não resta dúvida que os bens, que estão imbuídos de valor econômico, façam parte do acervo patrimonial transmitido com a morte do de cujus e que, facilmente, compondo este patrimônio, estejam bens digitais que possuam tal caraterística (Ex.s: ebook’s, moedas virtuais, milhas aéreas, jogos on line, serviços de armazenamento ou até mesmo licença de softwares) e que, consequentemente, possam ser amparados pelo direito sucessório, como parte integrante do todo unitário - herança. Cita Lima (2013) que, caso os bens digitais não sejam citados em testamento, ainda assim, devem integrar a herança, devido ao seu relevante valor econômico.

[...] uma parcela da doutrina defende a ideia de que parte dos bens como, por exemplo, músicas, e-books e outros arquivos comprados pela internet integram o patrimônio do autor da herança, porquanto, automaticamente fazem parte do espólio, do que dá direito aos herdeiros de acessá-los (PINHEIRO, 2013, apud PRINZLER, 2015, p. 57).

Porém, os bens considerados insucestiveis de valoração econômica, como os de cunho meramente afetivo (Ex.s: fotos, textos, e-mails ou perfil público em redes sociais), para que sejam transferidos, devem ser dispostos em testamento, respeitando-se a última vontade do falecido, em prol da mantença da privacidade e da reputação deste, uma vez que estes possuem um caráter íntimo e até personalíssimo (LIMA, 2013).

Há que se analisar juridicamente a questão à luz da teoria dos direitos da personalidade, pois o perfil público decorre de uma exteriorização da intimidade do usuário, além do uso de sua imagem, ambos direitos personalíssimos, com todos os atributos que lhe são inerentes (MELLO; VANNUCCI, 2008, p. 02).

Como os direitos tidos como personalíssimos são intransmissíveis, aduz o art. 11 do CC/02, leva alguns doutrinadores a defenderem a tese de que, sem valorização econômica, o bem não entra na partilha. Corroborando com essa tese o professor Frederico Viegas emitiu o seu entendimento, em uma entrevista, da seguinte forma: “existe para bens com conteúdo econômico [...], na grande maioria das vezes você tem bens que não tem conteúdo econômico, [...] O simples fato de serem bens de conteúdo afetivo, não gera direito sucessório” (VIEGAS, 2015).

Mas, se o bem não entrar na partilha, pela falta de valorização econômica na atualidade e, se posteriormente, este bem vier a ter valor? Costa Filho (2016) aduz que definir os bens virtuais passíveis de sucessão hereditária, usando como critério o valor, não é tarefa fácil, uma vez que um bem, que ao tempo atual, só possua valor sentimental, há um tempo futuro, poderá ter um valor econômico grandioso, como por exemplo, um dia se tornar fonte de propriedade intelectual, e este valor, apesar de inexistente a época do falecimento do titular deste bem, já possa ser vislumbrado em um tempo futuro.

Neste caso, a distinção entre bens economicamente valoráveis e insuscetíveis de valor, pode se tornar um problema, quando, ao momento da abertura da sucessão, os bens ainda não possuam valoração. Com base nisso, é de suma importância, a análise do que ocorre com os bens insuscetíveis de valoração econômica, uma vez que, quanto aos bens digitais economicamente valoráveis é indiscutível que sejam parte do espólio.

4.2.2. Bens Insuscetíveis de Valoração Econômica

Quanto aos bens insuscetíveis de valoração econômica, há quem defenda que em meio a um contexto social, a transmissão do acervo cultural e educativo do falecido preserva e dá à continuidade a identidade do de cujus, sendo, portanto, devida. É exigível apenas ponderar a cerca de conflitos existentes entre o direito à privacidade (direito do falecido) e o direito à herança (direito dos sucessores) (BARBOSA, 2017). E levar em consideração a última vontade do falecido, se era dispor de informações de cunho estritamente pessoais tais como e-mails, fotos, redes sociais, etc, ou não.

No mesmo sentido, Stacchini (2013, online) pondera:

Considerando que determinados bens digitais podem envolver a privacidade do falecido (i.e., mensagens eletrônicas, protegidas por senha antes de sua morte, passam a ser acessíveis aos herdeiros, após o seu falecimento) e que nem sempre é intenção deste que os herdeiros tenham acesso a tais conteúdos digitais, é importante que o titular determine por escrito sua vontade com relação ao acesso e utilização de tais bens, se possível por meio de um testamento.

Lima (2013) ainda destaca a importância da necessidade de mencionar no testamento não só a permissão do acesso e utilização de tais bens pelos seus herdeiros, como também, caso queira manter em segredo, o desejo de apagá-los ou até mesmo a proibição de tal acesso ou utilização, uma vez que existe a possibilidade de seus sucessores poderem pleitear este patrimônio judicialmente e obter o acesso. Assim, relata Perlingieri (2007) que mesmo que tais bens se encontrem com o entrave da intransmissibilidade do direito personalíssimo, a transmissão de tais bens é possível porque consiste num centro de interesses que reclama tutela jurídica.

Casos emblemáticos tais como o da jovem Anna Moore Morin, exemplifica esse centro de interesses que reclama tutela jurídica. Anna possuía um perfil social no facebook, que após sua morte repentina ser comunicada pela imprensa, passou a receber inúmeras mensagens de condolências e, por um longo período, o que, consequentemente, proporcionava a sua família o sentimento de dor e perda constante, ferindo assim o direito dos familiares de esquecer sendo este um “[...] instituto polêmico que, em linhas gerais, corresponde ao direito de não ter a memória pessoal revirada a todo instante, por força da vontade de terceiros, quaisquer que sejam as intenções” (SOUZA, 2015).

Tal situação ocorre em diversos territórios, o que leva a vislumbrar a adoção de medidas que possam solucionar as controvérsias desta situação de fato e gerar uma segurança jurídica.

No Brasil há um caso semelhante, da jornalista Juliana Ribeiro, que faleceu em maio de 2012, aos 24 anos, devido a complicações por conta de uma endoscopia. Na primeira tentativa da mãe da jovem de cancelar o perfil no Facebook diretamente pelo site, teve o perfil da filha transformado em memorial em resposta (QUEIROZ, 2013), sendo esta uma das políticas do site quando informado da morte de um dos seus usuários, a empresa torna o perfil em um Memorial, o que para mãe se transformou em um “mural de lamentações” (QUEIROZ, 2013, p. 46).

Hoje, o próprio facebook disponibiliza ao seu usuário a opção de manifestar a sua vontade em vida, do que será feito com a sua conta caso este venha a falecer, como uma espécie de testamento virtual, no qual o de cujus poderá optar por transformar seu perfil em Memorial ou que este seja excluído, ou ainda deixar a cargo de seus familiares tal exclusão mediante o envio de certidão de óbito escaneada.

Coelho (2014, on line) complementa ao mencionar que serviços de testamento virtual, além do Facebook, também são dispostos pelo Google para deixar de herança suas contas do Gmail, Google+, Picasa e Youtube. Porém, nenhum destes serviços é amparado pela legislação sucessória vigente brasileira, trata-se apenas de uma espécie contratual. O que, conforme relata Barbosa (2017), além de impor encargos aos interessados, deixa o exercício do direito à herança à mercê de decisão judicial.

4.3. HERANÇA DIGITAL

Assim, considerando os bens de natureza imaterial e a herança digital, “sobrevém o impasse a respeito de como se pode regulamentar a sucessão dos arquivos digitais quando se faz inexistente o testamento” (BARBOSA, 2017, p. 50).

Com base no exposto, é viável dizer que é fato a existência de uma herança digital e que esta pode travestir-se de bens econômicos ou não, a depender do caso concreto, como os exemplos emblemáticos citados outrora. E, neste último caso, remetendo-se ao direito do de cujus de dispor de 50% do seu patrimônio por meio de testamento ou mediante a reclamação de interesses de terceiros em processo judicial. Sendo esta, com a possibilidade de fundar-se em prejuízo próprio dos herdeiros do falecido.

Com praticidade, Juliana Evangelista de Almeida, conclui a seguinte maneira:

[...] os bens digitais podem ou não apresentar conteúdo patrimonial. Desta feita, quando apresentam conteúdo patrimonial são verdadeiro patrimônio do autor da herança e transmitem-se aos herdeiros com a morte seja pela sucessão legítima, seja pela sucessão testamentária. Contudo, aos bens digitais que contenham somente conteúdo existencial não haverá transmissão, mas pode haver, através de testamento, regulação em relação a sua destinação, ou ainda, a possibilidade de legitimação processual para o seu exercício (ALMEIDA, 2017, p. 49).

4.3.1. Testamento Digital

O testamento mencionado no Código Civil de 2002, além de regular a transmissão de direitos patrimoniais a herdeiros e legatários, também regula as disposições de caráter não patrimonial. Conforme cita o art. 1.857, § 2º: “são válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado”. Neste sentido, não há objeções no ordenamento jurídico brasileiro a cerca de um testamento com disposições baseadas em bens de caráter digital, sejam eles valoráveis ou não.

Observa-se o fato, de como foi dito outrora que, alguns serviços de internet, tais como facebook e google, já disponibilizam ferramentas para que seus usuários determinem a destinação de seus bens digitais para quando da sua morte. O que denota a existência concreta de um testamento digital, ainda que de forma análoga ao testamento disposto no CC/02. Uma vez que este não dispõe especificamente sobre a validade do testamento digital, mas também não dispõe sobre a sua invalidade.

Logo, pelo princípio da legalidade constitucional, o que não é tido como proibido, é admitido como tal. De acordo com o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Assim, tem-se que apesar da inobservância legal do testamento de bens intangíveis, o testamento previsto na legislação brasileira vigente não prevê especificamente limitação de testar quanto aos bens. Pelo contrário, o art. 1.857 do CC/02 prevê que: “Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte”.

Logo, apesar de o termo “testamento digital” ainda não se encontrar descrito na legislação brasileira, não resta dúvida, tratar-se de uma realidade aceitável socialmente.

O Superior Tribunal de Justiça possui precedentes reconhecendo a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre os usuários e os provedores de aplicações, considerando-se que “o fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo ‘mediante remuneração’ contido no art. 3º, §2º, do CDC deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor” (STJ, 3ª Turma. REsp nº 1.193.764/SP. Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14.12.2010. DJe, 8 ago. 2011).

4.3.2. Do Direito à Herança Digital

O Código Civil brasileiro assim como a Contituição Federal vigente não preveem expressamente o direito à Herança Digital, mas prevê o direito à Herança como garantia fundamental, o direito à propriedade, e o direito sucessório. Aos bens digitais que possuem valor econômico, a doutrina dispõe tratamento análogo, uma vez em que na legislação brasileira não há proibições. Aos bens que possuem apenas um valor sentimental, muitas contravérsias.

Com isso, não resta dúvida, que para uma maior segurança jurídica, faltam leis que disciplinem expressamente o direito à Herança Digital, já que na atualidade existem pessoas que possuem, como principal renda formadora de seu patrimônio, negócios na rede on line de internet, tais como Youtubers, Digital Influencers, entre outros. Como exemplo específico, temos:

Whindersson Nunes, que se prepara para lançar uma série de empreendimentos digitais como parte de uma estratégia de diversificação de suas linhas de negócio. O comediante, dono do segundo maior canal do YouTube no Brasil com mais de 34 milhões de inscritos e visualizações que ultrapassam a marca de dois bilhões, tem um show “muito bem pago” no Netflix e faz apresentações pontuais, após anos afastado dos palcos. Whindersson agora está interessado em lançar mais produtos e serviços no meio digital. Um deles é uma rede de conteúdo humorístico local, que o comediante idealizou com Diogo Moreira, criador de páginas que incluem Maceió Ordinário e Recife Ordinário, esse último com quase um milhão de seguidores (MARI, 2019, p. 01).

Sites como Youtube, Instagram e plataformas como o Google proporciona uma variedade de negócios rentáveis. O instagram, por exemplo, que incialmente surgiu como um aplicativo de compartilhamento de fotos, hoje é uma das maiores redes sociais da atualidade, onde além do compartilhamento de fotos e vídeos, há um compartilhamento de ideias, tendências de mercado, sendo neste último caso, uma incrível ferramenta de marketing negocial.

[...] o Instagram é muito eficaz. Possibilita um contato próximo entre marca e público, além de permitir mostrar um lado mais descontraído da sua empresa com os seus vários formatos de conteúdo. Recentemente, lançou o Instagram Stories, recurso que desbancou a preferência das pessoas pelo Snapchat e popularizou ainda mais a plataforma (GLOOR, 2018, p. 01).

Assim, pensar no direito à herança digital é uma necessidade frente à evolução tecnológica da atual sociedade.

Cabe ressaltar ainda que a utilização dessas redes sociais de internet gera lucratividade até em caráter póstumo. Morto há uma década, Michael Jackson ainda lucra com o seu legado. Relata a Forbes, revista americana que fala sobre economia:

Desde 2015, quando FORBES começou a reunir a lista de celebridades mortas mais lucrativas do ano, Michael Jackson é o campeão invicto. O Rei do Pop, que teve uma trágica morte por overdose, em junho de 2009, continua gerando fortunas por uma série de fatores. Em 2017, o astro teve como principal fonte de geração de riqueza o show do Cirque du Soleil inspirado nele, em Las Vegas, uma participação no catálogo de publicações da EMI e um novo álbum, “Scream”. A soma de tudo rendeu US$ 75 milhões, o que significa uma média de US$ 8.561,64 por hora em 12 meses (FORBES, 2017, p. 01).

Corroborando com isso, informa a Folhape.com.br, jornal eletrônico da rede record de televisão (R7):

[...] Com a apresentadora Oprah Winfrey contra e o ator Macaulay Culkin a favor, Janet Jackson, uma das irmãs de Michael, rompeu o silêncio depois da estreia de "Deixando Neverland". "Seu legado vai continuar", ela disse. Se algumas rádios pararam de tocar músicas do astro e as redes sociais ainda são hostis para seus defensores, o boicote, em geral, não teve grande efeito. Logo após a exibição do filme na HBO, aumentaram as vendas de álbuns e os acessos de Michael no streaming. [...] No centro do debate, está uma das questões fundamentais da atualidade: é possível separar a obra do artista? É como se Michael – uma entidade quase não humana – já estivesse tão incrustado na nossa cultura que talvez seja impossível apagar sua imagem. A sensação, na verdade, é a de que, se não for cancelado pela internet, Michael Jackson vai se tornar uma figura ainda mais mitológica, para o bem e para o mal. O editor da Forbes diz que, "apesar das controvérsias, ele seguirá entre as celebridades que mais faturam neste mundo ou no próximo". (FOLHAPRESS, 2019, p. 01)

5. ANÁLISE DO DIREITO COMPARADO

O propósito deste capítulo é explanar o que se tem na atualidade para garantir a sucessão causa mortis de bens digitais utilizando-se do direito comparado norte-americano, da legislação nacional, posicionamentos doutrinários e judiciais, até as soluções propostas para tanto.

5.1. LEIS ESTADUAIS NORTE-AMERICANAS E ATIVOS DIGITAIS

Conforme a evolução social do uso da internet bem como dos seus ativos, os estados norte americanos produziram estatutos, disposições legais, que se organizaram em forma de geração, primeira, segunda e terceira, uma complementando a outra, para proteção do direito sucessório de bens armazenados em ambiente digital.

Segundo Moisés Fagundes Lara (2016), a primeira geração surge em 2002, de forma limitada, regulamentando apenas as contas de e-mail (compreende a legislação dos estados da Califórnia, Connecticut e Rhode Island); a segunda geração em 2007, de forma mais aberta inclui registros armazenados eletronicamente (estado norte-americano: Indiana); a terceira em 2010, estados de Oklahoma e Idaho, incluem a mídia social e microblogging – redes sociais de mensagens curtas (v.g.Twitter).

Lara (2016) relata que o estado da Califórnia foi o primeiro a legislar sobre o assunto, porém seu estatuto era de pouca valia, uma vez que apenas atribuía as informações de acesso da conta a um representante legal. Já em Connecticut, em 2005, dois anos após o estatuto do Estado da Califórnia, para ter acesso à conta de e-mail, bastava apenas apresentar a certidão de óbito e uma cópia autenticada do certificado de nomeação como procurador ou administrador ou ainda por ordem judicial. E em 2007 Rhode Island corrobora com o estatuto de Connecticut, ressaltando a mesma disposição na sua legislação acerca do acesso as contas de e-mail e das condições para tanto. Tudo isso sem incluir o acesso a registros armazenados eletronicamente, o que ocorrera apenas com a segunda geração.

A segunda e a terceira geração tenta reconhecer que existe uma necessidade maior para ser satisfeita pelo direito de sucessão e tenta inovar trazendo em seus estatutos um alcance mais amplo.

Em 2010, o Estado de Oklahoma aprovou uma legislação com um amplo alcance, permitindo a possibilidade de procuradores e administradores encerrarem qualquer conta de uma pessoa falecida em qualquer site de rede social, microblog, site de mensagens curtas de serviço ou de quaisquer site de serviços de e-mail (LARA, 2016, p. 30).

Corroborando com isso temos os Estados de New York e Delaware:

No Estado Norte-americano de New York existe uma proposta legislativa de 2012 [...], qual seja: os decendentes poderiam encerrar ou continuar qualquer conta do falecido em qualquer site [...], porém estes poderes poderiam ser suprimidos pela vontade do falecido ou por ordem judicial. No Estado Norte-americano de Delaware está definido em lei que os bens digitais deixados pelas pessoas que morrem poderão ser passados para seus herdeiros, inclusive o acesso à conta do Facebook (LARA, 2016, p.32).

Ocorre que, em relação ao Facebook, a própria empresa já deixa claro em seu contrato de serviços para com o usuário, a impossibilidade de transferência da propriedade da conta sem a sua aceitação sequencial. Uma vez que a única possibilidade de se transferir a conta vem da proposta de gerenciamento de negócios em que alguém solicita a propriedade de sua página e você responde a solicitação de forma definitiva. Caso aceite, poder personalíssimo do titular, a conta passa a ser de propriedade do solicitante, dando-lhe a capacidade de gerenciar as funções administrativas. Mas para tanto, o proprietário precisa dá o aceite em vida.

Solicitações de propriedade

Uma alteração de propriedade é algo permanente. Aceite isso apenas se tiver certeza.

A empresa a seguir pediu para assumir a propriedade da sua Página. Se você aprovar a solicitação, a empresa assumirá a propriedade desta Página, dando aos respectivos administradores a capacidade de gerenciar funções administrativas.

Clique no botão “Responder à solicitação” que aparecerá ao lado da logo do Gerenciador de Negócios que está solicitando a página.

Em seguida escolha a opção “Transferir a propriedade da minha Página” e confirme a sua solicitação (DUARTE, 2019, p. 01).

Assim, deixa claro que o Estatuto de Delaware, apesar de ser o que possui uma abrangência maior em relação à herança de bens digitais, em temos de aceitação, ainda provoca diversas discussões. Diante do exposto, resta nítido não haver uma legislação que bem ampare o direito sucessório de bens digitais dentre os Estados Norte-americanos, apesar das propostas legislativas e dos Estatutos vigentes já serem um enorme avanço normativo.

5.2. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Na legislação brasileira, a situação não é tão divergente da disposta nos Estados Norte-americanos em relação ao amparo do direito a herança de bens armazenados em ambiente virtual. A maior diferença é a ausência de fato de qualquer norma que regulamente, pelo menos ao mínimo, o direito sucessório de bens digitais, apesar de já se ter algumas decisões a esse respeito, apesar da existência de projetos de lei, da necessidade da sociedade atual, e também da existência da Lei que regulamenta o uso da internet no Brasil.

De fato, não há qualquer menção na legislação brasileira, que dá juridicidade ao direito sucessório de bens imateriais armazenados em plataformas virtuais. Todavia, ao seguir o caminho da premissa de que aquilo que não está proibido, é permitido, encontrar-se-iam bases para a inclusão do “legado digital”, ou ao menos, não se vislumbraria barreiras para acolher aos direitos sucessórios destes bens (NASCIMENTO, 2017, p.47).

Hoje a tratativa se opera, apesar de encontrar algumas resistências jurídicas, por analogia ao direito sucessório disposto no Código Civil de 2002 e na Constituição Federal de 1988, uma vez que ambas as legislações vigentes não ofertam proibições para a sucessão causa mortis de bens armazenados em ambiente virtual.

[...] Em São Paulo, mesmo com a escassa discussão do tema, um tabelião já realizou um inventário cerrado com senhas de serviços utilizados pelo de cujus na internet, fato que aumentou a demanda da inclusão de bens digitais à heranças (ANTUNES; ZAMPIERE, 2015, p. 04).

5.2.1. Constituição Federal de 1988 e Código Civil de 2002

A sucessão de bens apresenta-se na história, há milênios, devido a sua importante função social perante a sociedade. Mas é somente com a Constituição Federal de 1988 que se obtêm o direito de sucessão em um patamar tão privilegiado. Nesta Carta Magna a herança não é só um direito, mas está alçada a categoria de direito fundamental (art. 5º, XXX).

Como direito fundamental, a herança, deve ser aplicada a proteção exigente das cláusulas pétreas bem como a vedação ao retrocesso, ou seja, o Estado não poderá cercear, suprimir ou embaraçar a concretização deste direito. Entende o Supremo Tribunal Federal – STF:

A PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. – O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. – A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados.” (ARE-639337- Relator(a): Min. CELSO DE MELLO).

Logo, não é absurdo mencionar que apesar do objeto da herança se modificar conforme a mutação da sociedade, tal direito ainda precisa ter sua eficácia garantida pelo Estado, uma vez que o direito acompanha a sociedade e não o inverso. Entretanto, sabe-se que não existem direitos fundamentais absolutos, a este respeito o STF já decidiu que “não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto” (STF - MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12/5/2000), o que faz perceber que o instituto da herança também sofre limitações legais. Neste contexto de limitações legais é que se observa o disposto no Código Civil de 2002.

A CF/88 dispõe de forma geral sobre o direito a herança, mas é no Código Civil de 2002 que este instituto se encontra pormenorizado. Tem-se nesta legislação um livro inteiro destinado ao direito das sucessões (Livro V). Destacam-se alguns dos mais importantes artigos:

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.

Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.

Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.

§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.

§ 2o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.

Nestes e nos demais artigos relacionados no Livro V do CC/02 não se vislumbra em específico a disposição a respeito da sucessão de bens armazenados em ambiente virtual. Porém, diante dos artigos mencionados acima, observa – se:

  • O §2º do art. 1.857 que oferece a possibibilidade de dispor em testamento de bens de caráter não patrimonial. Neste caso, bastaria que o proprietário dos bens virtuais testasse para que se pudessem transmitir tais bens;

  • E em análise ao caso de não haver disposição da última vontade do de cujus, a possibilidade partiria da regra geral do art. 1.788 do CC/02 que possibilita ainda assim a transmissão da herança aos herdeiros legítimos. Neste caso, a herença defere-se como um todo unitário em que dele faz parte também os bens armazenados em ambiente virtual.

Nestas situações, como não há uma especificidade legal, a transmissão seria aceita por uma interpretação hermenêutica extensiva que “também leva em consideração a mens legis, ampliando o sentido da norma para além do contido em sua letra, demonstrando que a extensão do sentido está contida no espírito da lei, considerando que a norma diz menos do que queria dizer” (FERRAZ JR., 2001, p. 290-292).

Em decorrência desta ausência normativa é que surgem as divergências quanto à permissibilidade da transmissão de bens armazenados em ambiente virtual, conforme já foi explanado no decorrer deste trabalho, ora com a concordância da possibilidade da aplicação do CC/02 por interpretação extensiva e/ou com analogias a legislações tais como o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14) ou a lei dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98); ora discordando através de tese baseada na impossibilidade de transmissão da herança digital sem testamento, por ofensa aos direitos de personalidade do de cujus.

[...] considera ser necessário a transmissão da herança digital aos herdeiros. Entende ser o caso de aplicação específica da regra prevista no artigo 1.788 do Código Civil.

Ou seja, “morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo”. Nesta situação, por aplicação analógica, os argumentos são de que outras Leis. Uma delas é o próprio Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965) e a que dispõe sobre Direitos Autorais (nº 9.610). Ambas já acobertariam situações de transmissibilidade de herança digital. [...] há quem defenda incompatibilidades de transferência automática da herança digital por ofensa aos direitos da personalidade do de cujus. Não podemos esquecer que contas em redes sociais, senhas, conteúdos de conversas via WhatsApp, e outras informações do mundo digital dizem respeito à intimidade, honra e imagem inclusive dos terceiros com quem o de cujus tenha se comunicado. Portanto, a transmissão automática destas informações violaria preceitos resguardados pela própria Constituição Federal (BELTRAME, 2019, p. 01).

5.2.2. Marco Civil da Internet, Lei dos Direitos Autorais e Projetos de Lei.

Quando se leva em consideração Leis como o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14) e a Lei dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) como fundamento análogo para aplicação da herança dos bens armazenados em ambiente virtual é mister salientar que tais dispositivos não compreendem em seu texto o instituto da herança digital em específico, mas compreendem bases principiológicas a respeito do tema, como será exposto a seguir.

O Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965 de 2014, tem como fundamento “estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet”. Segundo Ferreira (2015, on line), surgiu em um contexto onde a internet havia tomado grandes proporções, alterando as relações sociais, difundindo informações e globalizando culturas; o que, consequentemente, estava tornando vulneráveis institutos como a intimidade, a honra, a propriedade intelectual, entre outros direitos garantidos constitucionalmente a pessoa como fundamento para preservação de sua dignidade.

Assim, tal legislação, vem em resposta à obrigação do Estado de intervir para garantir os direitos do ser humano. Pois como aduz Ferreira (2014, p. 53), “a ideia de um mundo virtual anárquico perde força à medida que o Estado impõe, progressivamente, seu poder disciplinar, de ordenar e de vigiar a vida dos indivíduos”. Nesse contexto, até mesmo com o intuito de prevenir ilícitos.

Popularmente conhecida como a “Constituição da Internet”, o Marco Civil disciplina o uso da internet sob os princípios constitucionais da liberdade de expressão, manifestação e pensamento ao mesmo tempo em que dispõe sobre a proteção de seus dados, garantindo a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sigilo do fluxo de comunicações, bem como a possibilidade de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (arts. 3º e 7º da Lei nº 12.965/14).

Dentre seus fundamentos pode-se encontrar o respeito aos direitos humanos bem como ao exercício da cidadania em meios digitais (art. 2º, II, Lei nº 12.965/14). Observa-se aqui o que é ser cidadão segundo o DEDIHC – Departamento de Direitos Humanos e Cidadania do estado brasileiro do Paraná:

Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho justo, à saúde, a uma velhice tranqüila. (DEDIHC, 2019, p. 01)

Dentro deste contexto, não seria absurdo dizer que ser cidadão também inclui ter direito a herança e de transmití-la independente de suas peculiaridades físicas ou abstratas, sob a perpectiva do direito de preservação e continuidade da propriedade e da família.

Induz a um entendimento de formação de bens virtuais, quando a legislação dispõe a respeito da guarda e da disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet por um período de 01 (um) ano, tempo em que os registros devem ser armazenados por um servidor.

Lei nº 12.965/2014: Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. Art. 13. Na provisão de conexão à internet, cabe ao administrador de sistema autônomo respectivo o dever de manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 1 (um) ano, nos termos do regulamento.

Mas, caso a pessoa faleça e não deixe expresso sua vontade em testamento, após esse período de um ano, continuando o entendimento da formação de bens virtuais, terá seus registros, possivelmente, deletados. Esta seria uma aplicação análoga do uso do Marco Civil da Internet para fundamentar a sucessão causa mortis de bens armazenados em ambiente virtual.

Ainda em relação ao seu texto inicial, o Marco Civil traz uma regulamentação referente ao tempo que os registros devem ser armazenados por um servidor, qual seja, um ano. Sendo assim, se o dono do conteúdo virtual falecer e não deixar expressa sua última vontade em relação a esse material pode passar um ano sem que a família tenha conhecimento da existência do mesmo e ele ser deletado da rede, sem que os familiares possam ter acesso (LIMA, 2013, p. 51).

Mas, conforme art. 6º, apesar de serem levados em conta fundamentos, princípios e objetivos, bem como usos e costumes da internet para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural, e que todos estes fatores se coadunam com o direito a herança digital, o caso é que, o Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/14, nada dispõe a respeito da sucessão de bens armazenados em ambiente virtual, nem se quer aborda temas do direito sucessório, apesar de ser um importante passo para o direito digital.

Corrobora com esse entendimento Thamires Oliveira Nascimento ao dizer:

Ainda que não traga especificamente exposição sobre os direitos de sucessão do acervo digital, o marco civil da internet foi um importante passo para o Direito Digital e o Direito brasileiro como um todo. Porém, nem de longe os usuários da internet estão aparados por uma legislação satisfatória, uma vez que, não apenas os direitos sucessórios estão postergados da legislação pátria, como também outros temas decorrentes dessa interação social tão real e urgente (NASCIMENTO, 2017, p. 15).

Quanto a Lei dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) não convém alongar-se uma vez que a mesma corrobora similarmente ao Marco Civil da Internet, em nada trazendo de concreto a herança digital. Mas, é importante salientar que, difere-se ao fato de trazer disciplina a respeito da sucessão geral, o que a faz servir como fundamento análogo para a sucessão causa mortis de bens armazenados em ambiente virtual. Assim com também traz a perpectiva de proteção ao bem, sendo este, de caráter tangível ou intangível como o do bem digital.

Aduz o art. 7º da Lei nº 9.610/98:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

XII - os programas de computador;

XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

§ 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis.

§ 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras.

§ 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.

Existe aqui o entendimento de que o bem protegido pela Lei dos Direitos Autorais, a propriedade intelectual, possa ser imaterial, intangível e de natureza econômica atual ou futura, assim com também o bem digital.

Ademais, sobre o aspecto sucessório, convém mencionar os seguintes dispositos da Lei dos Direitos Autorais, para dar maior clareza à possibilidade de herança dos bens por esta legislação protegido:

Art. 24. São direitos morais do autor: I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; § 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.

Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.

Parágrafo único. Aplica-se às obras póstumas o prazo de proteção a que alude o caput deste artigo.

Diante dos fatos mencionados e da inexistência específica normativa sobre a sucessão causa mortis de bens armazenados em ambiente virtual, bem como a necessidade de criação de um dispositivo que ponha fim as contendas a respeito do caso, atribuindo-lhe uma resposta Estatal concreta e definitiva, ou pelo menos aproximada desta, uma vez que a sociedade é mutável e as leis caminham em constante aprimoramento para atendê-la, é que surgem projetos de lei brasileiros, como por exemplo: PL nº 4.099 de 2012 e o PL nº 7.742 de 2017.

O PL nº 4.099 foi apresentado em 20 de junho de 2012 pelo deputado Jorginho Mello do PSDB/SC com o propósito de alterar o art. 1.788 do Código Civil de 2002 da seguinte maneira:

Art. 1.º. Esta lei altera o art. 1.788 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que “institui o Código Civil”, a fim de dispor sobre a sucessão dos bens e contas digitais do autor da herança.

Art. 2.º. O art. 1.788 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

“Art. 1.788.............................................................................................. Parágrafo único. Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança.” (NR)

Art. 3.º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Segundo Mello, a legislação se faz necessário devido a recorrente procura da família ao judiciário para que lhe defiram acesso a e-mails e contas em redes sociais de falecidos e também para evitar decisões prolatadas de forma diversa para o mesmo pedido. A proposta garante aos herdeiros o acesso a contas e arquivos digitais do falecido.

O relator na comissão, deputado Onofre Santo Agostini (PSD-SC), disse que a proposta atende às demandas dos tempos modernos e atualiza a legislação. “Houve crescimento nas aquisições na internet de arquivos digitais de fotos, filmes, músicas, e-books, aplicativos, agendas de contatos”, disse o deputado, para justificar a demanda por prever o acesso dos herdeiros aos dados digitais (BERNARDO JR, 2013. p. 01).

Devido a sua importância, o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas restou infrutífero quando foi arquivado no Senado Federal ao final 55ª Legislatura devido ao princípio da prejudicialidade, que segundo o glossário do Congresso Nacional é o “efeito da perda de possibilidade de apreciação de uma proposição em razão de situação prevista nos regimentos, tais como o prejulgamento e a perda de oportunidade”. Neste caso a matéria é arquivada sem deliberação.

Outro projeto foi proposto no ano de 2012 sob a mesma temática, a PL nº 4.847, apresentada pelo deputado Marçal Filho do PMDB/MS em 12 de dezembro que estabelecia normas sobre a herança digital acrescentando o Capítulo II-A e os arts. 1.797-A a 1.797-C ao CC/02 da seguinte forma:

Capítulo II-A

Da Herança Digital

“Art. 1.797-A. A herança digital defere-se como o conteúdo intangível do falecido, tudo o que é possível guardar ou acumular em espaço virtual, nas condições seguintes: I – senhas; II – redes sociais; III – contas da Internet; IV – qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido.

Art. 1.797-B. Se o falecido, tendo capacidade para testar, não o tiver feito, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos.

Art. 1.797-C. Cabe ao herdeiro: I - def inir o destino das contas do falecido;

a) - transformá-las em memorial, deixando o acesso restrito a amigos confirmados e mantendo apenas o conteúdo principal ou; b) - apagar todos os dados do usuário ou;

c) - remover a conta do antigo usuário.”

Art. 3°- Esta lei entrará em vigor na data da sua publicação.

Marçal ressaltava que tudo que é possível guardar ou acumular em um espaço virtual faz parte do patrimônio das pessoas e, consequentemente, da chamada “herança digital”. Seu projeto de lei além de bem conceituar a herança digital, dispunha sobre como seria feita a sucessão causa mortis de bens armazenados em ambiente virtual. Este PL foi apensado ao anteriormente mencionado do deputado Jorginho Mello e com este arquivado sob os mesmos fundamentos.

Em cinco anos após, renovam-se as discussões a respeito da herança digital, devido às intervenções judiciais da sociedade, e surge o PL nº 7.742, apresentado em 30 de maio de 2017 pelo deputado Alfredo Nascimento do PR/AM com o propósito de acrescentar o art. 10-A à Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014 – o Marco Civil da Internet, “a fim de dispor sobre a destinação das contas de aplicações de internet após a morte de seu titular” da seguinte maneira:

Art. 1º A Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 10-A:

Art. 10-A. Os provedores de aplicações de internet devem excluir as respectivas contas de usuários brasileiros mortos imediatamente após a comprovação do óbito.

§ 1º A exclusão dependerá de requerimento aos provedores de aplicações de internet, em formulário próprio, do cônjuge, companheiro ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive.

§ 2º Mesmo após a exclusão das contas, devem os provedores de aplicações de internet manter armazenados os dados e registros dessas contas pelo prazo de 1 (um) ano, a partir da data do óbito, ressalvado requerimento cautelar da autoridade policial ou do Ministério Público de prorrogação, por igual período, da guarda de tais dados e registros.

§ 3º As contas em aplicações de internet poderão ser mantidas mesmo após a comprovação do óbito do seu titular, sempre que essa opção for possibilitada pelo respectivo provedor e caso o cônjuge, companheiro ou parente do morto indicados no caput deste artigo formule requerimento nesse sentido, no prazo de um ano a partir do óbito, devendo ser bloqueado o seu gerenciamento por qualquer pessoa, exceto se o usuário morto tiver deixado autorização expressa indicando quem deva gerenciá-la.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na da data de sua publicação.

Nascimento justificou seu projeto de lei, além de outros argumentos não menos importantes, na necessidade de uniformizar entendimento sobre a matéria de uso de algumas aplicações de internet após a morte de seu usuário a fim de assegurar aos entes do falecido uma solução prevista nestas mesmas medidas.

[...] Para evitar essa indesejável situação é que estamos propondo que as contas nos provedores de aplicações de internet sejam encerradas imediatamente após a comprovação do óbito do seu titular, mas com a cautela de serem tais provedores obrigados a manter os respectivos dados da conta armazenados pelo prazo de um ano, prorrogável por igual período, sobretudo para fins de prova em apurações criminais. Além disso, também estamos prevendo a hipótese em que esses mesmos familiares próximos do falecido resolvam manter uma espécie de memorial a partir dessa mesma conta, que, contudo, somente poderá ser gerenciadas com novas publicações no perfil do falecido e outras ações que se fizerem necessárias, se o falecido tiver deixado previamente estabelecido quem poderá gerenciar a sua conta após a sua morte (NASCIMENTO, 2017, p. 02).

No mesmo ano, em 12 de setembro de 2017, o deputado Elizeu Dionísio do PSDB/MS, apresentou um projeto de lei tratando sobre a herança digital – o PL nº 8.562/2017, que acrescentava o Capítulo II-A e os arts. 1.797-A a 1.797-C ao Código Civil de 2002, com o mesmo texto do PL proposto pelo deputado Marçal em 2012.

Este projeto de lei foi apensado ao PL nº 7.742/2017 e com ele arquivado sob os mesmos argumentos dos anteriores, restando aos herdeiros apenas promessas do direito de gerir o legado digital daqueles que já se foram.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se iniciou o presente trabalho de pesquisa, constatou-se que era de suma importância investigar a respeito da nova ordem cultural de uso da internet e de instituição de bens digitais pela sociedade e como esses bens adquiridos no decorrer da jornada do ser humano poderia ser preservado em razão da sua morte, através da sucessão. Assim, a pesquisa desenhou-se sob o tema de Sucessão Causa Mortis – Herança de Bens Armazenados em Ambiente Virtual.

Diante disso a pesquisa teve como objetivo geral analisar se o patrimônio virtual, considerando a possibilidade de sua transferência causa mortis, é objeto de tratamento jurídico e previsão legal na nossa legislação vigente.

Constata-se que o objetivo geral foi atendido no sentido de que, efetivamente, o trabalho conseguiu demonstrar tão logo a existência de um patrimônio virtual com possibilidade de transmissão. Porém, na legislação brasileira vigente, apesar da existência de ordenamento que disponha sobre a internet, da existência e possibilidade de transmissão de tais bens em razão da morte, inexiste lei que ofereça tratamento jurídico específico à herança de bens digitais.

O trabalho inciou-se tendo como primeiro objetivo específico abordar a evolução histórica e os principais conceitos referentes ao direito de sucessão. Tal objetivo foi atendido da seguinte forma: foi visto em processo histórico desde o início até os dias atuais de como a sucessão de bens se dá em meio à sociedade e porque ela acontece. Foram conceituados institutos de discussão tais como suceder, direito de sucessão, herança, universalidade de direito, entre outros, para melhor entendimento do processo histórico. E concluiu-se com esta abordagem que o que fundamenta o direito de sucessão é a função social, o direito de propriedade, conjugada ou não com o direito de família.

O segundo objetivo teve o desafio de apontar os desdobramentos históricos, sociais e conceituais da internet para que se pudesse entender como surgiram os bens digitais em meio à sociedade e como esta passou a acumulá-lo e designá-lo tamanha importância. Verificou-se aqui, a era digital como novo modelo econômico e de interação social, as transformações da internet para que se chegasse a esse quadro e o que seriam os bens designados como patrimônio digital, formadores da herança digital. Para isso, deixando claro, conceitos basilares como o da internet, por exemplo. Restando atendido mais um objetivo.

Por último, depois de explanados institutos como sucessão causa mortis e bens digitais, fez-se necessário, como terceiro objetivo, estabelecer a possibilidade da existência de condição sucessória aos bens armazenados virtualmente com o nosso sistema jurídico pátrio utilizando-se do direito comparado de Estados norte - americanos.

Neste contexto, observou-se que apesar de alguns Estados norte-americanos possuírem estatutos que dispõem especificamente sobre a matéria, ainda relatam o mínimo em relação às atividades desempenhadas na internet pelos seus usuários, bem como os bens digitais obtidos nesse meio. Mas, tais estatutos são de suma importância para as demais nações, refletindo a necessidade legislativa, uma vez que no Brasil, apesar dos inúmeros projetos de lei iniciados nas casas legislativas, ainda não possui nenhuma norma ou estatuto que disponha sobre a sucessão causa mortis de bens armazenados em ambiente virtual. Por conta disso é que a possibilidade de condição sucessória destes bens no Brasil tem se estabelecido por critérios de interpretação extensiva ou análoga a outros ordenamentos jurídicos.

Assim, estabelecida à condição sucessória destes bens, resta apenas uma legislação que garanta um melhor alcance do direito dos herdeiros, bem como, garanta a segurança jurídica desta transmissão causa mortis.

A pesquisa partiu da hipótese de haver ou não a existência da sucessão de bens armazenados em ambiente virtual, e foi confirmada a hipótese de que é possível a transmissão de tais bens, pois o que não é proibido é permitido em nosso ordenamento jurídico. Porém, a simples premissa não traz segurança jurídica ao pleito das famílias pelo direito a herança dos bens digitais, uma vez que se torna palco de inúmeras controvérsias quanto à possibilidade de colidir com outros direitos já positivados.

Diante desta problemática resta ao cenário jurídico brasileiro à criação, decretação e sanção de uma legislação que resolva estas controvérsias, e estabeleça uma forma de se alcançar o direito fundamental da herança, seja ela física ou virtual.

O presente trabalho monográfico classificou-se na área das ciências sociais aplicadas, ramo do Direito, em especialidade, Direito das Sucessões, que se concretizou a partir de uma pesquisa básica, com o propósito de preencher uma lacuna no conhecimento da sucessão causa mortis, em razão da possibilidade de garantia jurídica de herança digital de bens armazenados em ambiente virtual.

O processo de construção deste trabalho se deu utilizando-se de método qualitativo, de forma explicativa, através de levantamento bibliográfico, normativo e jurisprudencial, coleta de dados de construções científicas explanadas até então a respeito do caso, bem como as sugestões propostas e utilizadas na atualidade para resolver à problemática.

Em meio a esse processo deparou-se com alguns obstáculos, devido tratar-se de tema novo, apesar de estar sendo amplamente solicitado a palco de discussões, ainda possui poucas teses e posicionamentos doutrinários. A fonte de pesquisa, sem dúvida, foi a maior dificuldade encontrada. Posteriormente, e não menos importante, a luta contra o tempo para encontrar, discutir e formular algo interessante e que possa contribuir para a sociedade como um todo, e trazer resposta ao caso proposto.

Com isso, para uma melhor abordagem da questão, recomenda-se que as pesquisa futuras possam buscar além de uma pesquisa bibliográfica, uma pesquisa de campo que possa explanar as situações corriqueiras da sociedade com maior ênfase e propriedade, em relação ao armazenamento de bens digitais e a necessidade de garantir a sua sucessão. O que não foi possível ser feito devido à onerosidade da pesquisa em campo, bem como a necessidade de dispor de mais tempo para sua concretude, se doando a esta tarefa frente a outras do cotidiano.

Contudo o que foi exposto até aqui já é um importante passo para alertar a todos sobre a existência e importância do legado digital, do planejamento da transferência deste, e para que os herdeiros possam ter ciência do seu direito de herdar tal acervo.

7. REFERÊNCIAS

ALBERTIN, Alberto Luiz. Comércio Eletrônico: Modelo, Aspectos e Contribuições de sua Aplicação/ Alberto Luiz Albertin. Colaboração de Rosa Maria de Moura – 6.ed - São Paulo: Atlas, 2010.

ALMEIDA, Juliana Evangelista de; ALMEIDA, Daniel Evangelista Vasconcelos. Os direitos da personalidade e o testamento digital. Revista de Direito Privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 14, n. 53, mar. 2013.

BARBOSA, Larissa Furtado. A Herança digital na perspectiva dos direitos da personalidade: a sucessão dos bens armazenados virtualmente. Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, 2017. Disponível em: . Acesso em 15 out. 2019.

BELTRAME, Renan. Tudo que os advogados precisam saber sobre Herança Digital. 2019. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2019.

BERNARDO JR, Lucio. Câmara aprova acesso de herdeiros a arquivos digitais de falecidos. Câmara dos deputados, 2013. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2019.

BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 05 de ago. 2019.

BRASIL. Código do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: . Acesso em: 08 de ago. 2019.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 03 de ago. 2019.

BRASIL. Glossário de Termos Legislativos. Congresso Nacional. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2019.

BRASIL. Lei de Direitos Autorais. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2019.

BRASIL. Marco Civil da Internet. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2019.

BRASIL. PL nº 75/2013. Senado Federal. Disponível em: . Acesso em 02 nov. 2019.

BRASIL. PL nº 4.099/2012. Câmara Legislativa. Disponível em: . Acesso em 02 nov. 2019.

BRASIL. PL nº 4.847/2012. Câmara Legislativa. Disponível em: . Acesso em: 02 nov. 2019.

BRASIL. PL nº 7.742/2017. Câmara Legislativa. Disponível em: . Acesso em: 01 nov. 2019.

BRASIL. PL nº 8.562/2017. Câmara Legislativa. Disponível em: . Acesso em 01 nov. 2019.

BRASIL. STF, Informativo n.625, de 05 de maio de 2011. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2019.

BRASIL. STF - MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12/5/200. Supremo Tribunal federal. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2019.

BRASIL. STF - SP. ARE-639337- Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2019.

BRASIL. STJ, 3ª Turma. REsp nº 1.193.764/SP. DJe, 8 ago.2011. Rel. Min. Nancy Andrighi, j 14.12.2010. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2019.

CARVALHO, Luis Paulo Vieira de. Direito das Sucessões. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.

CIMBALI Enrico. A Nova Fase do Direito Civil – suas relações econômicas e sociais. Rede Virtual LexML, 1855.

CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano. Manual de Direito Romano, vol 01. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.

COELHO, Helena. Herança digital. Revista Jus Navigandi, Teresina, 2014. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2019.

CROUZET, Maurice. História Geral das Civilizações, vol. 03. Bertrand Brasil, 1993.

DEDIHC – Departamento de Direitos Humanos e Cidadania. O que é ser cidadão? Secretaria da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2019.

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol 06 – direito das sucessões. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

DUARTE, Felipe Mesquita. Gerenciador de Negócios, Propriedade de Página e Administradores no Facebook – Tudo o que você precisa saber. 2019. Disponível em: . Acesso em 21 de set. 2019.

FACEBOOK. Solicitação de memorial. Disponível em: . Acesso em: 08 set. 2019.

FARIAS COSTA FILHO, Marco Aurélio de. Herança digital: valor patrimonial e sucessão de bens armazenados virtualmente. Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco. 2016, n.09, 2016. Disponível em: < https://revista.jfpe.jus.br/index.php/RJSJPE/article/ viewFile/152/143>. Acesso em: 14 out. 2019.

FERRAZ JR, Tércio. Da hermenêutica jurídica na obra de Tércio Sampaio Ferraz Júnior à interpretação conforme a constituição. 2001. Disponível em: . Acesso em 25 set. 2019.

FERREIRA, L. F.; WILKENS, É. E. D. Aspectos conceituais da tributação de bens digitais. 18º Congresso Brasileiro de Contabilidade. Gramado: Anais dos trabalhos científicos, 24 a 28 ago. 2008. Disponível em: . Acesso em: 24 ago. 2019

FERREIRA, Giovana; FERREIRA, Fernanda; CARMO, Erinaldo ferreira do. O dilema entre a garantia da liberdade de expressão e o direito à privacidade no marco civil da internet: uma análise da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. 2015. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2019.

FIGUEIREDO, Cândido. Novo diccionário da língua portuguesa. 2 tomos. Nova ed. Lisboa [Portugal]: Liv. Clássica Ed.,1913.

FOLHA PRESS. Morto há quase uma década, Michael Jackson ainda lucra com seu legado. FOLHA PRESS. 2019. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2019.

FORBES. Mesmo morto, Michael Jackson ganhou US$ 8.561 por hora no último ano. FORBES – Redação. 2017. Disponível em: . Acesso em: 24 de out. 2019.

FRANTZ, Sâmia. Herança digital e direito sucessório: tudo o que você precisa saber. 2019. Disponível em: . Acesso em 18 out. 2019.

GAGLIANO, P.S.; FILHO, R.P. Novo Curso de Direito Civil, vol. 07: direito das sucessões/ Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. – 5ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2018.

GOMES, Orlando. Direito Civil: sucessões. 13ª ed. rev. Atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 07 - direito das sucessões. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

GOOGLE. Apresentar um pedido sobre a conta de um usuário falecido. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2019.

GLOBO. Tatiane. Mãe pede na Justiça que Facebook exclua perfil de filha morta em MS. Globo.com, 24 de Abril de 2013. Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2019.

GLOOR, Letícia. Entenda como funciona o Instagram e o porquê você deve usá-lo. 2018. Disponível em: . Acesso em 24 de out. 2019.

GRECO, Alvisio; AREND, Lauro. Contabilidade: teorias e práticas básicas. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Morrer e suceder: passado e presente da transmissão sucessória concorrencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

LARA, Moises Fagundes. Herança digital (livro eletrônico). Porto Alegre: [s.n.], 2016.

LOBO, Paulo. Direito Civil, vol. 06 - sucessões. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

LIPOVETSKY, G. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004.

LIMA, Isabela Rocha. Herança digital: direitos sucessórios de bens armazenados virtualmente. Monografia. (Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Direito) – Universidade de Brasília, 2013. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2019.

LULLO, Carolina di. Herança “digital” passa a ser uma realidade no Brasil. 2018. Disponível em: . Acesso em: 22 de set. de 2019.

MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas Dabus. Curso de Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2013.

MARI, Angelica. Windersson Nunes investe em plataforma de microinfluenciadores. Forbes Insider. 2019. Disponível em: . Acesso em: 23 de out. 2019.

MARTINS, Eliseu. Contabilidade de custos. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1996.

MAXIMILIANO, C. Direito das sucessões. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942.

MELLO, R. S. V.; VANNUCCI, F. H. Os dados pessoais em rede social e a morte do sujeito: considerações sobre a extensão da personalidade civil. 01 jun. 2008. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 2019.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, vol. 6. 303 ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

MORENO, Nayara Pereira. Aplicação do princípio da boa-fé. 2015. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2019.

NASCIMENTO, Thamires Oliveira. Herança digital: o direito da sucessão do acervo digital. Disponível em: . Acesso em 23 ago. 2019.

OLIVEIRA, Wilson. Sucessões: teoria, prática e jurisprudência. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de direito civil, vol VI - Direito das sucessões. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direiro Civil – Introdução ao Direito Civil Constitucional, tradução de Maria Cristina Cicco, 8ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

PINHEIRO, Patrícia Peck e Cristiana Moraes Sleiman. Tudo que você precisa saber sobre direito digital no dia a dia. São Paulo: Saraiva. 2009.

PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6ª ed. rev.,atual.e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

PRINZLER, Yuri. Herança Digital: novo marco no direito das sucessões. 2015. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito), Universidade do Sul de Santa Catarina, Florianópolis, 2015. Disponível em . Acesso em 20 ago. 2019.

QUEIROZ, T. 'Vai estar apenas no coração' diz mãe após exclusão de perfil de filha morta. 24 abr. 2013. Disponível em: . Acesso em: 12 out. 2019.

RAMOS, Chiara. Noções Introdutórias de Hermenêutica Jurídica Clássica. 2014. Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2019.

RIOS, Elisandra Zaiacz. A pós-modernidade: debates e reflexões. RC: 18989 – 22/08/2018. Disponível em . Acesso em 17 out. 2019.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões. 10ª ed. ver. atual. ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.

RODRIGUES, Fillipe Azevedo. Revista Juris Rationis / Universidade Potiguar. Revista Científica da Escola do Direito. – Ano 9, n.2 (abr./set.2016). – Natal: Edunp, 2017. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2019.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, vol. 7: direito das sucessões. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

SOUZA, Bernardo de Azevedo e. Direito de esquecer, direito de ser esquecido. Jus Brasil, 2015. Disponível em: . Acesso em 16 out. 2019.

STACCHINI, Fernando F. Herança digital. Última Instância, UOL, 2013. Disponível em: < http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/colunas/66633/heranca+digital.shtml >. Acesso em: 10 out. 2019.

SCHWAB, Klaus Martin. A Quarta Revolução Industrial. 1ª ed. Editora Pro, 2016.

TEIXEIRA, Tarcísio; LOPES, Alan Moreira. Direito das novas tecnologias: legislação eletrônica comentada, mobile law e segurança digital. São Paulo: Editora RT, 2015.

TENÓRIO, Fernando G. Flexibilização Organizacional: mito ou realidade? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.

VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil, vol 06: direito das sucessões. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2018.

VIEGAS, Frederico. O que fazer com os arquivos digitais de uma pessoa que já morreu: depoimento. [28 de janeiro de 2015]. Brasília: EBC. Entrevista concedida ao Repórter Brasil. Disponível em: . Acesso em: 07 out. 2019.

VOLPI NETO, Angelo. Comércio eletrônico – Direito e Segurança. Angelo Volpi Neto./1ª ed. (ano 2001), 9ª reimpr./ Curitiba: Juruá, 2011. 144p.

ZAMPIERI, Marcelo Carlos; ANTUNES, Nathalia Zampieri. A herança digital e sua necessidade de implementação no processo de modernização do ordenamento jurídico brasileiro. Anais da semana acadêmica. Revista Fadisma Entrementes. ISSN 2446-726X. ed. 12. 2015. Disponível em: . Acesso em: 19 ago. 2019. 


Publicado por: Francislete Pereira Fernandes

icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.