Responsabilidade Civil Por Abandono Afetivo: A problemática em torno da compensação

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1. RESUMO

Atualmente, o judiciário vem recebendo ações onde se discutem a responsabilidade dos pais que abandona afetivamente seus filhos. Esse assunto trouxe questões controvertidas e ainda não existe um posicionamento pacífico pela doutrina.  Tribunais e juízes acolhem o assunto em questão com insegurança e são repelidos pelas instâncias superiores. O objetivo do presente trabalho trata de uma pesquisa bibliográfica de cunho explicativo que pretende analisar a responsabilidade dos pais e o dever de compensar o dano causado aos filhos pelos transtornos relacionados á falta de afetividade, discutir a problemática em torno da valoração do afeto na seara jurídica.

Palavras-chave: Abandono Afetivo. Compensação. Responsabilidade Civil.

ABSTRACT

Currently, the judiciary has been receiving actions where they discuss the responsibility of parents who abandon their children emotionally. This issue brought the controversial issues and there is not a pacifist by doctrine. Courts and judges embrace the subject matter with insecurity and are repelled by the higher courts. The objective of this study is a literature survey of explanatory nature is to examine the parents' responsibility and duty to compensate for the harm caused to children by disorders related to lack of affection, discuss the issues surrounding the valuation of affection in the legal harvest.

Keywords: emotional distance. Compensation. Liability.

2. INTRODUÇÃO

O judiciário vem recebendo ações onde se discutem a responsabilidade dos pais que abandona afetivamente seus filhos. Esse assunto trouxe questões controvertidas e ainda não existe um posicionamento pacífico pela doutrina, os tribunais e juízes acolhem o assunto em questão com insegurança e são repelidos pelas instâncias superiores.

O presente trabalho trata de uma pesquisa bibliográfica de cunho explicativo que pretende analisar a responsabilidade dos pais e o dever de compensar o dano causado aos filhos pelos transtornos relacionados á falta de afetividade, discutir a problemática em torno da valoração do afeto na seara jurídica, demonstrando que nosso ordenamento jurídico tem a possibilidade de trazer soluções e a prevenção de situações onde se verifica a negligência inadmissível com os filhos e que o Estado deve dar garantias no que concerne os direitos fundamentais.

3. BREVES CONSIDERAÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

3.1. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A Responsabilidade Civil está vinculada ao dever em que alguém tem de reparar o dano, seja material ou moral, causado a outrem. Trata-se de medidas de coerção que são impostas ao causador do dano, seja este moral ou patrimonial, por ato próprio ou de pessoa ou coisa sobre a sua responsabilidade ou quando a lei assim o definir.

Sérgio Cavalieri Filho denota a ideia de responsabilidade civil da seguinte forma:

Em sentido etimológico, responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa ideia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.01

Ainda no entendimento de Sergio Cavalieri Filho02, a responsabilidade civil está ligada à de dever jurídico, com base na conduta de uma pessoa, imposta pelo direito positivo, por exigência da convivência social. A violação de um dever jurídico originário que cause dano vai gerar um novo dever jurídico sucessivo, no qual seja o de reparar o dano.

Na concepção de Carlos Roberto Gonçalves:

Toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte geradora da responsabilidade civil.03

Para Diniz04 a responsabilidade Civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

Com apoio de Savatier, Silvio Rodrigues define responsabilidade Civil como: “A obrigação que pode incumbir uma pessoa de reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam.”05

Diante de tais conceitos, pode-se verificar a infração de um dever de conduta como fundamento da responsabilidade civil, por isso a de que somos responsáveis por nossa conduta, representa que na vida devemos nos comportar de forma a não causar prejuízos aos outros. Assim, da mesma forma, as pessoas têm direito de não ter seus interesses invadidos injustamente, por força de nosso comportamento, ou seja, de nossa conduta. Se isso vir a acontecer elas terão o direito de ser indenizadas na proporção do dano sofrido.

3.2. TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade Civil é um instituto que se divide em teoria objetiva e teoria subjetiva. Para indenização da vítima, a teoria Clássica do direito tem como base três pressupostos, segundo Besson,06 “um dano, a culpa do autor do dano e a relação de causalidade entre o fato culposo e o mesmo dano”.

3.2.1. A TEORIA OBJETIVA

Nessa teoria basta o dano e o nexo causal para ser obrigado a reparar o ato lesivo. Essa teoria também é chamada “do risco”, reconhece que todo dano é indenizável e que, aquele que o pratica, deve repará-lo independente de culpa. Nessa teoria não se exige prova de culpa do agente para que este seja obrigado a reparar o dano, basta o dano e o nexo causal.

Em certos casos, a culpa, é presumida e o ônus da prova é invertido, ou seja, o autor só precisa provar a ação ou omissão e o dano causado pela conduta do agente. 07

3.2.2. A TEORIA SUBJETIVA

Essa é a teoria adotada em regra pelo Código Civil Brasileiro. Para a ocorrência da reparação do dano deve existir o descumprimento de uma obrigação, seja contratual ou extracontratual, que cause dano a alguém e o nexo de causalidade entre o fato e o dano procedido do fator culpa, ou melhor, para esta teoria exige provar a culpabilidade do agente para produção do evento danoso. 08

A culpa do agente é analisada com base na negligência que é quando se deixa de agir, na imprudência que quer dizer, agir de forma imoderada, sem os cuidados necessários e por Imperícia que é a falta de habilidade técnica para agir.

A culpa ou o dolo do agente devem existir para poder haver a indenização, motivo este que os juristas tanto defendem a existência de um dano na vida de uma criança como pressuposto para obter a indenização. 09

Esta teoria leva em consideração as atitudes do agente, dolo ou culpa, ou seja, quando este conhecer e querer o resultado ou quando embora não o conhecesse e não quisesse, agir com imprudência, imperícia ou negligência.

3.3. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

3.3.1. A AÇÃO

A responsabilidade civil esta atrelada à conduta que provoca dano a outrem. A ação, que deriva da capacidade de se conduzir, pressupõe sempre uma finalidade eleita pelo sujeito, ou seja, existe a pretensão de atingir um objetivo. A ação esta ligada com a Ética, conseqüentemente com o Direito, na medida em que se refere ao relacionamento entre as pessoas.

O ser humano tem a capacidade da conduta devido a sua capacidade de determinação. Logo, a ação é consciente, própria do ser humano, direcionada para uma finalidade, que compõe objeto da ética e do Direito. O artigo 186 do Código Civil ao tratar da cláusula geral de responsabilidade civil determina que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”10

Conseqüentemente, o conceito legal de ato ilícito acomoda tanto a conduta comissiva quanto a omissiva, gerando responsabilidade civil.

Sergio Cavalieri Filho11 explica que, em termos na responsabilidade civil, a ação comissiva é a forma mais comum de exteriorização da conduta, consistente em um movimento corpóreo comissivo, em comportamento positivo, como por exemplo, destruição de coisa alheia, a morte ou lesão corporal causada em outra pessoa. Mas com freqüência acontece de o dever de conduta se formar numa inatividade, ou seja, numa desistência da prática de atos que possam lesar os direitos e interesses de alguém. Em ambos os casos, fala-se de ação, entretanto no primeiro, ação comissiva e no segundo omissiva.

3.3.2. DANO MATERIAL E MORAL

O dano é o pressuposto mais relevante da responsabilidade civil, visto que não se pode falar em indenização sem sua ocorrência. Conforme diz Sérgio Cavalieri Filho: “Se a vitima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir.”12

O dano material, também chamado de patrimonial por Cavalieri Filho13, atinge os bens que integram o patrimônio da vítima, ou seja, suscetível de avaliação pecuniária. Pode ser reparado diretamente, por meio equivalente ou indenização em dinheiro. O dano material pode atingir também o patrimônio futuro da vítima, provocando a sua diminuição, a sua redução, como também, impedir o seu crescimento, se dividindo em dano emergente e dano cessante.

O dano moral seria aquele que não tem caráter patrimonial, ou seja, todos os danos imateriais. Este tipo de dano é o que vamos abordar no assunto em pauta, pois está dentro dessa classificação.

Sérgio Cavalieri Filho expõe que: “Segundo Savatier, dano moral é qualquer sofrimento que não é causado por uma perda pecuniária. Para os que preferem um conceito positivo, o dano moral é dor, vexame, sofrimento, desconforto, humilhação – enfim, dor da alma.” 14

Esses danos estão relacionados diretamente aos direitos da personalidade, ou seja, diz respeito de forma mais próxima ao valor fundamental da dignidade humana. Embora não tenha teor econômico, possuem um valor e merece tutela do direito. Ainda que não se possa dizer propriamente em indenização, podemos colocar como compensação da vitima, em caso de lesão ou simplesmente reparação.

3.3.3. NEXO DE CAUSALIDADE

O nexo de causalidade é o elo que liga o dano ao seu fato gerador. É preciso que o dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, e que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito.

O conceito de nexo causalidade não é jurídico decorre de leis naturais. É vinculo, é a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. Sergio Cavalieri Filho demonstra em suma que: “O nexo causal é um elemento referencial entre conduta e o resultado. É através dele que poderemos concluir quem foi o causador do dano.”15

No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves dispõe:

“É a relação de causa e efeito entre ação ou omissão do agente e o dano verificado. Vem expressa no verbo “causar”, utilizado no art.186. Sem ela, não existe a obrigação de indenizar. Se houve o dano, mas sua causa não esta relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e também a obrigação de indenizar.”16

Entre as várias teorias em relação ao nexo de causalidade, Sérgio Cavalieri17 destaca a teoria da equivalência dos antecedentes e a teoria da causalidade adequada.

A teoria da equivalência dos antecedentes que destaca que não se pode distinguir entre causa, isto é, aquilo de que algo dependa para existir; e condição, ou seja, o que permite que a causa produza seus efeitos. Se várias condições concorrem para o mesmo resultado, considera-se que todas possuem o mesmo valor, ou seja, que se equivalem para a produção do dano. Essa teoria também é chamada da conditio sine qua non, ou da equivalência das condições18. A crítica que se faz a essa teoria é que ela conduz a uma fragmentação da causalidade, numa regressão infinita do nexo causal até suas condições mais remotas.

A teoria da causalidade adequada estabelece que a causa, é tão somente aquele antecedente mais adequado à produção do resultado. De todas as condições consideradas necessárias à produção do evento, destaca-se aquela que é mais apta: a causa.

­­­­­­­­­­­­­De acordo com Cavalieri19, é a experiência comum que informa qual, dentre todas as condições concorrentes, é a mais idônea a produzir o evento. Esta é a teoria que nosso direito civil adotou.

O nexo de causalidade tem presença importante entre o ato ou fato do agente e o evento danoso, o dano não precisa ser imediato, mas ser demonstrado o vínculo entre o dano e o fato gerador. No nexo causal pode haver várias causas e agentes. De forma que, se ambos os pais contribuíram para o dano, ambos devem ser responsabilizados.

Entende-se que toda ofensa a direito personalíssimo constitui-se em dano moral e que por essa razão se deve presumir a dor moral sem necessidade de demonstração de dor ou prejuízo, assim Lobô20 afirma:

A responsabilidade opera-se pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa); assim, verificada a lesão em direito de personalidade, surge à necessidade de reparação do dano moral, não sendo necessária a prova do prejuízo, bastando o nexo de causalidade.20

Maria Isabel C. Pereira21 relata que apesar de tudo, não discorda da desnecessidade de prova do prejuízo, a avaliação de que o afeto seria indispensável nesse tipo de relação é tarefa muito difícil, por isso se faz necessária a atuação profissional da área de psicologia e/ ou psiquiatria para avaliar o grau de dano, que sofreu a criança ou o adolescente, em razão da falta de afeto dos pais para fins de que seja determinado o tipo de tratamento adequado.

4. O DANO MORAL NA RELAÇÃO DE FAMÍLIA E AFETIVIDADE

O problema da reparação de dano moral nas relações afetivas e de família permite-se reconhecer que são muitas as resistências diante da idéia de responsabilidade civil no recinto das relações de família, mas que aos poucos estão diminuindo, por causa da dignidade da pessoa humana que esta na essência da personalidade e que deve ser preservada em várias esferas dos relacionamentos interpessoais e principalmente da família.

Diante de uma análise do problema da reparação, Bernardo Castelo Branco ressalta:

Havendo violação dos direitos da personalidade, mesmo no âmbito de família, não se pode negar ao ofendido a possibilidade de reparação do dano moral, não atuando esta, como fator desagregador daquela instituição, mas de proteção da dignidade de seus membros. A reparação, embora expressa em pecúnia, não busca, nesse caso, qualquer vantagem patrimonial em beneficio da vitima, revelando-se na verdade como forma de compensação diante da ofensa recebida, que em sua essência é de fato irreparável, atuando ao mesmo tempo em seu sentido educativo, na medida em que representa uma sanção aplicada ao ofensor, irradiando daí seu efeito preventivo.22

Acredita-se que não é a ausência do amor e do afeto o fundamento do dano moral nas relações de família, uma vez que ninguém é obrigado a amar ninguém, mas a responsabilidade do Estado é ter de tratar das condutas ilícitas capazes de ofender o psicológico e a moral do individuo.

Segundo entendimento de Damian:

No que tange a responsabilidade civil dos genitores, estes além de presumidos laços de afeição, mantêm vínculos jurídicos com os filhos, por força dos quais devem prestações de ordem moral e material, cujo não cumprimento pode caracterizar um dano e, em conseqüência, o ensejo da responsabilidade civil.23

Castelo Branco24 ressalta que com o reconhecimento do novo perfil que representa o vinculo de filiação no direito contemporâneo, no âmbito do qual a proteção aos filhos assume papel de destaque, é possível estar diante de hipóteses, nas quais, alguns comportamentos adotados podem-se verificar o direito a reparação do dano moral por conta da violação dos direitos da personalidade de que os filhos são titulares.

Toma parte dessa opinião Roberto Senise Lisboa25 ao sustentar que a criança e o adolescente são sujeitos de uma proteção especial, na qual se inclui de uma forma especifica aquela conferida aos direitos da personalidade percebidos, em todas as suas dimensões, estejam eles ligados aos aspectos de seu desenvolvimento moral, físico e social, resultando daí a tutela à sua integridade física, psíquica, e moral, no âmbito da qual se insere também, entre outros instrumentos, o direito à reparação pelo dano extrapatrimonial.

As relações familiares têm ligação direta ao aspecto da dignidade de seus membros, especialmente relacionados com o crescimento das crianças em condições dignas, devido a isso, os papéis exercidos nessa ligação devem estar na lista da responsabilidade e da solidariedade, e os genitores devem assumir estes compromissos ao optarem por dar origem a uma vida.

Para Rui Rosado Aguiar Junior:

 A obrigação de indenizar é genérica, devendo ser reconhecida sempre que presente seus pressupostos; o direito familiar não tem direito a uma posição privilegiada, ficando exonerado da reparação dos prejuízos que causar; a falta de previsão genérica para o direito de família não impede a incidência, além das regras especificas, aquelas do instituto da responsabilidade civil.26

Apesar de a lei mencionar apenas ao dano moral, ou seja, aquele que atinge a honra e a reputação se aceita sem discussão que os danos à integridade psíquica estão nele incluídos. Devido à imprecisão da terminologia usada pelo legislador, que deveria ter usado o termo extrapatrimonial usou o moral, o dano moral é entendido num sentido amplo, englobando subespécies, e entre elas esta o dano psíquico.

Venosa entende da mesma forma, ensina que “o dano psíquico é modalidade inserida na categoria de danos morais, para efeitos de indenização. O dano psicológico pressupõe modificação de personalidade, com sintomas palpáveis, inibições, depressões, bloqueios, etc.” 27

O dano que ocorre na esfera psicológica de uma criança tem a proximidade de ser maior do que os danos materiais capazes de se refazerem com facilidade, porque os danos morais nem sempre podem ser apagados, assim é certo que as conseqüências deixadas na personalidade de uma criança a marcará na sua vida adulta. Existe quem diz que nas relações afetivas não cabem indenizações por falta de previsão legal, mas muitas ações têm sido propostas em nossos tribunais e precisam responder aos anseios sociais, já que a ação não busca obrigar a pessoa a amar e não adormece o desamor, mas tem a intenção de compensar os danos psicológicos causados.

5. OS TRANSTORNOS CAUSADOS PELO ABANDONO AFETIVO

Atualmente diante das mudanças dos tradicionais padrões de família e das novas representações sociais, vários são os casos onde pais não reconhecem e muito menos assumem o seu papel no desenvolvimento, formação, e convivência afetiva com seus filhos.

Para Gabriel Chalita:

O exemplo materno e paterno, a alimentação, os sons recebidos do mundo externo, os mitos que começam a se formar, os medos, as ambições, o aprendizado da linguagem esse processo continua por toda à vida. Mesmo que as relações familiares mudem, não há como negar que por toda a vida se carrega a estrutura básica obtida na formação da infância, que se dá fundamentalmente na família. Em muitos casos, essa convivência aprisiona e forma seres preconceituosos, medrosos. Em outros, o ambiente proporciona a harmonia e a alegria. De qualquer forma são marcas que podem ser trabalhadas, evoluídas, mas acompanharão o individuo.28

Anna Freud29 relata que para a criança, as realidades físicas de sua concepção e nascimento não são a causa direta de sua ligação emocional. Tal ligação resulta da atenção cotidiana às suas necessidades de cuidados físicos, alimentação, conforto, afeto e estímulo. Somente um pai e mãe que atendam a essas necessidades construirão um relacionamento psicológico com a criança com base no relacionamento biológico e, desta maneira, se tornam seus "pais psicológicos", sob cujos cuidados ela pode se sentir valorizada e "querida". Um pai ou uma mãe biológicos ausentes serão ou poderão tornar-se um estranho. Logo, melhor do que possuir um pai biológico distante é ter um pai psicológico presente.

Estudos concluem que cada criança desenvolve de acordo com as influências ambientais a que estiver convivendo. As capacidades intelectuais, emocionais e morais surgem dentro do relacionamento de família, e daí é determinada suas relações sociais. As crianças que crescem juntas de seus pais têm maior auto-estima, aprendem melhor e apresentam menores sinais de depressão.

Segundo Diana Ostam Romanini Mangella dos Santos:

A relação afetiva no desenvolvimento da personalidade do indivíduo é fator preponderante na prevenção criminal, uma vez que a ausência de afeto despersonaliza o indivíduo, que não consegue criar vínculos saudáveis, sendo que a ausência de vínculos facilita a entrada e permanência no meio criminoso. Daí a importância de orientar os pais e responsáveis a fortalecerem os vínculos que os unem aos seus filhos ou pupilos, cabendo ao Judiciário aplicar com maior freqüência as medidas protetivas aos adolescentes e as medidas pertinentes aos pais ou responsáveis previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.30

O abandono afetivo dos pais proporciona aos filhos, auto-estima baixa que acaba sendo a mediadora direta dos sintomas depressivos. Os pais têm papel importante para bom desenvolvimento da criança, as conseqüências de uma criação má conduzida é a principal fonte para o desajuste social de toda e qualquer pessoa.

Juliana A.B.31 relata que a família representa uma base segura de estabilidade emocional e uma diversidade de recursos de apoio, como processos interpessoais com elevada coesão, ausência de hostilidade e uma relação afetiva apoiadora para as crianças.

Nesse sentido, os pais que compartilham com a criança uma parte de seu tempo livre, proporcionando-lhe um elenco de atividades culturais e educacionais enriquecedoras, seja, no lar ou na comunidade favorecem o desenvolvimento cognitivo, o desempenho escolar e o ajustamento interpessoal.

Segundo Grunspun32 os suportes familiares proveniente dos progenitores envolvem as atitudes que vão acompanhar os seus filhos em todo o seu viver. A condição de paternidade implica em atitudes e práticas eficientes na educação dos filhos que tendem a influenciar a personalidade individual, especialmente dos filhos menores. Criando assim, indivíduos de personalidade normal e, também, a psicodinâmica das perturbações mentais e dos conflitos neuróticos. Podem surgir atitudes mesmo antes dos filhos nascerem, no entanto, há determinadas atitudes que surgidas em diferentes fases do desenvolvimento, podem acarretar distúrbios de personalidade e patológicas no adolescente e no adulto. De acordo com o autor, várias são as atitudes dos pais consideradas prejudiciais, dentre elas, a indecisão, rejeição, abandono, ansiedade, superproteção, perfeccionismo, sedução, hostilidade, indiferença, comodidade, rigidez, superautoridade e, ainda, superpermissidade. Existem, no entanto, algumas atitudes que podem ser descritas como úteis, opondo-se às atitudes consideradas patológicas, seriam elas o afeto e amor que se opõem a rejeição e abandono; a proteção que dá cobertura nas dificuldades, a serenidade enfrentando a ansiedade; a aceitação superando o perfeccionismo; a amizade que predispõem os pais a serem confidentes toda a vez que necessário; a compreensão contra a hostilidade e também, o interesse e atenção, ou seja, atender com consideração toda vez que é solicitado.

Enfim, para que a criança tenha um desenvolvimento pleno e com dignidade é necessário que ela viva num ambiente saudável dentro do seio familiar, sob pena de interferência na sua personalidade.

6. OS EFEITOS DA AFETIVIDADE PERANTE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E COMO DEVER FAMILIAR

Segundo Valéria Mariano da Costa:

O ordenamento jurídico pátrio contém ampla legislação no que se refere aos direitos das crianças e a proteção da família, tanto na esfera constitucional como infraconstitucional. No entanto, a violência psicológica sobre os menores exercida no âmbito familiar, ainda não é reconhecida pelo Estado como uma patologia social e nem tratada como tal. É considerada como uma situação existente dentro da família e, portanto, tratada como matéria privada e não pública. 33

A família é indispensável para que a vida se desenvolva de forma regular, assegurando a formação garantida da personalidade do futuro cidadão. O ordenamento jurídico oportunizou que as relações familiares passassem a ocorrer de acordo com a importância e individualidade de cada membro, começando pelo estabelecimento da igualdade entre homens e mulheres que se encontra disposto no artigo 5º inciso I da Constituição Federal, mesmo que estes se encontrem separados, a guarda é apenas um atributo do exercício do poder familiar.

Os pais têm o direito-dever de visitar, ter convivência harmônica e afetiva em relação aos filhos. O poder familiar é um direito-dever estabelecido em igualdade entre os pais. Podem-se comprovar tais deveres nas disposições legais, inseridas na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227 dispõe:

[...] dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 34

A Constituição Federal traz uma exigência de tratamento onde não existam maus-tratos, respeitando dessa forma, a efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente para que tenha além do desenvolvimento físico também o de sua personalidade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente35 Lei 8.069/90 reproduz a norma constitucional em seu artigo 19, determinando que:

Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

 Art.21- O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Art.22- o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

O Código Civil de 2002 estabelece a responsabilidade conjunta dos pais em relação aos filhos. O poder familiar, regulamentado do artigo 1630 ao 1638, foi criado intentando a proteção dos filhos menores pelos pais, defendendo seus direitos e deveres:

Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.

Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.

Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.

Art. 1.633. O filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiar exclusivo da mãe; se a mãe não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á tutor ao menor.

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:

I - pela morte dos pais ou do filho;

II - pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único;

III - pela maioridade;

IV - pela adoção;

V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

Art. 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro.

Parágrafo único. Igual preceito ao estabelecido neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que casarem ou estabelecerem união estável.

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar à medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. 46

7. POSICIONAMENTOS POSITIVOS RELACIONADOS À COMPENSAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO

A questão da compensação por abandono afetivo é polêmica e dividem opiniões, a questão é delicada é os juízes devem ter cautela para analisar o caso concreto, alguns julgados têm acolhido a pretensão de filhos que representam contra seus pais por abandono e rejeição, sofrendo dessa forma transtornos psíquicos em razão da falta de afeto e carinho na infância e na adolescência.       

No entendimento da juíza de direito Simone Ramalho Novaes:

A preocupação constante de alguns julgadores contrários à indenização por abandono moral é no sentido de que se estaria incentivando a indústria do dano moral” ao conceder ao filho, abandonado pelo pai, indenização pecuniária. Embora justificado o entendimento e considerando que muitas vezes a intenção seja somente financeira, não se pode generalizar, sendo necessário examinar cada caso isoladamente. A banalização do dano moral e a mercantilização das relações extrapatrimoniais irão sempre existir em um número de casos, valendo citar como exemplos, algumas reclamações que crescem assustadoramente na Justiça, tais como, negativações individuais no SPC e SERASA, corte indevido no fornecimento de energia elétrica, bloqueio de conta e cartão de crédito, sem que haja comprovado inadimplemento por parte do titular, bagagem extraviada, o sinal da loja que soa, porque o balconista esqueceu-se de retirar o alarme do produto, a mercadoria que não foi entregue dentro do prazo estabelecido.

Enfim, inúmeras situações presenciadas pelos operadores do direito e que, na sua grande maioria, são interpretadas como ofensa a dignidade moral da pessoa. Assim, não podemos deixar de entender que o abandono moral do genitor, o seu descaso com a saúde, educação e bem estar do filho não possa ser considerado como ofensa à sua integridade moral, ao seu direito de personalidade, pois aí sim estaríamos banalizando o dano moral.37

Walkyria Carvalho Nunes Costa entende que o abandono afetivo é tão prejudicial quanto o abandono material e relata:

Haveria, no Brasil, uma tendência coerente em se admitir ações de reparações de dano moral, quando o pai afetivamente abandona seu filho, deixando impresso em seu caráter a mácula do desprezo, se não fosse à decisão do STJ em refutar a idéia de reparação da responsabilidade civil. O abandono afetivo é tão prejudicial quanto o abandono material. Ou mais. A carência material pode ser superada com muito trabalho, muita dedicação do genitor que preserve a guarda do infante, mas a carência de afeto corrói princípios, se estes não estão seguramente distintos na percepção da criança. É o afeto que delineia o caráter e, como é passível de entendimento coletivo, é a família estruturada que representa a base da sociedade. É comumente a falta de estrutura que conduz os homens aos desatinos criminosos, ao desequilíbrio social. Não que seja de extrema importância manter os pais dentro de casa, ou obrigá-los a amar ou a ter envolvimento afetivo contra sua própria natureza, mas é de fundamental valoração a manutenção dos vínculos com os filhos e a sua ausência pode desencadear prejuízos muitas vezes irreparáveis ao ser humano em constituição.38

Silvio Rodrigues defende que: “O Estado verificando que o comportamento dos pais prejudica os filhos, deve reagir para proteger a criança, afastando-a da nociva influência do pai infrator. Cabendo a estes genitores, as sanções pertinentes conforme maior ou menor a gravidade da falta praticada.” 39

Walkyria Carvalho Nunes Costa resume a decisão do STJ no REsp 757.411-MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 29/11/2005  e expõe seu entendimento:

O STJ, no REsp 757.411-MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 29/11/2005, entendeu de forma contrária, publicando sua decisão que, a seguir, se resume: "Entendeu que escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar ou a manter um relacionamento afetivo, que nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada." Somos obrigados a concordar com o relator e dizer que, realmente, não há decisão judiciária no mundo que faça alguém sentir amor. Não se trata de uma obrigação de fazer, ou pior, de sentir. Respeita-se, neste diapasão, a posição manifestada pelo Ministro. A decisão favorável à indenização, no entanto, abriria um grande precedente aos pais que geram e não cuidam, às crianças que sentam horas em frente ao portão de casa à espera do pai, que não chega no domingo, às crianças que não sabem o que é desenhar, pintar, montar presentes para o dia dos pais e efetivamente entregá-los ao destinatário. Essas crianças precisam de apoio psicológico, de acompanhamento, pois fazem parte da secção anormal da criação no mundo, onde sabem que nasceram de ambos os genitores, mas apenas um lhes dá ciência do que é ser família. Não perderam o pai, mas o pai preferiu se perder deles, por espontânea escolha. Todas as escolhas na vida têm prós e contras, e um pai ausente deveria suportar o ônus financeiro de seu livre arbítrio, para que a Constituição Federal fosse respeitada na literalidade de seus princípios.40

Se existem maneiras de se aplicar a responsabilidade civil, que seja reparada com a devida compensação, o que se discuti é direito de crianças e adolescentes que foram violados. O Estado não se sente responsável, porque considera o abandono afetivo como uma situação que existe dentro da família e, portanto, deve ser tratada como matéria privada e não pública.

Encontra-se em tramitação o Projeto de Lei do Senado nº. 700, de 2007 que propõe a modificação da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 ("Estatuto da Criança e do Adolescente") para caracterizar o abandono moral como ilícito civil e penal. A justificação desse projeto expõe que:

 A Lei não tem o poder de alterar a consciência dos pais, mas pode prevenir e solucionar os casos intoleráveis de negligência para com os filhos. Eis a finalidade desta proposta, e fundamenta-se na Constituição Federal, que, no seu art. 227, estabelece, entre os deveres e objetivos do Estado, juntamente com a sociedade e a família, o de assegurar a crianças e adolescentes - além do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer - o direito à dignidade e ao respeito.

Mas como conferir dignidade e respeito às crianças e adolescentes, se estes não receberem a presença acolhedora dos genitores? Se os pais não lhes transmitem segurança, senão silêncio e desdém? Podem a indiferença e a distância suprir as necessidades da pessoa em desenvolvimento? Pode o pai ausente - ou a mãe omissa - atender aos desejos de proximidade, de segurança e de agregação familiar reclamados pelos jovens no momento mais delicado de sua formação? São óbvias as respostas a tais questionamentos.

Ninguém está em condições de duvidar que o abandono moral por parte dos pais produz sérias e indeléveis conseqüências sobre a formação psicológica e social dos filhos.

Amor e afeto não se impõem por lei! Nossa iniciativa não tem essa pretensão. Queremos, tão-somente, esclarecer, de uma vez por todas, que os pais têm o DEVER de acompanhar a formação dos filhos, orientá-los nos momentos mais importantes, prestar-lhes solidariedade e apoio nas situações de sofrimento e, na medida do possível, fazerem-se presentes quando o menor reclama espontaneamente a sua companhia.

Algumas decisões judiciais começam a perceber que a negligência ou sumiço dos pais são condutas inaceitáveis à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Por exemplo, o caso julgado pela juíza Simone Ramalho Novaes, da 1ª Vara Cível de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, que condenou um pai a indenizar seu filho, um adolescente de treze anos, por abandono afetivo. Nas palavras da ilustre magistrada, "se o pai não tem culpa por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a responsabilidade de tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever de assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não tê-lo educado, enfim, todos esses direitos impostos pela Lei". E mais: "O poder familiar foi instituído visando à proteção dos filhos menores, por seus pais, na salvaguarda de seus direitos e deveres. Sendo assim, chega-se à conclusão de ser perfeitamente possível a condenação por abandono moral de filho com amparo em nossa legislação.

Por outro lado, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça não demonstrou a mesma sensibilidade, como deixa ver a ementa da seguinte decisão: "Responsabilidade civil. Abandono moral. Reparação. Danos morais. Impossibilidade. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária." (Recurso Especial nº. 757.411/MG, Relator Ministro Fernando Gonçalves, julgamento em 29/11/2005).

Entretanto, com o devido respeito à cultura jurídica dos eminentes magistrados que proferiram tal decisão, como conjugá-la com o comando do predito art. 227 da Constituição?

"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

Ou, ainda, com o que determina o Código Civil:

Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002

Institui o Código Civil

"Art. 1.579. O divórcio não modificará os direitos dos pais em relação aos filhos.

Parágrafo único. Novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não poderá importar em restrição aos direitos e deveres previstos neste artigo.

.......................................................................................

Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quando ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.

.......................................................................................

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

.......................................................................................

II - tê-los em sua companhia e guarda;

Portanto, embora consideremos que a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil contemplem a assistência moral, entendemos por bem estabelecer uma regra inequívoca que caracterize o abandono moral como conduta ilícita passível de reparação civil, além de repercussão penal.

Fique claro que a pensão alimentícia não esgota os deveres dos pais em relação a seus filhos. Seria uma leitura muito pobre da Constituição e do ECA. A relação entre pais e filhos não pode ser reduzida a uma dimensão monetária, de cifras. Os cuidados devidos às crianças e adolescentes compreendem atenção, presença e orientação.

É verdade que a lei assegura o poder familiar aos pais que não tenham condições materiais ideais. Mas a mesma lei não absolve a negligência e o abandono de menores, pessoas em formação de caráter, desprovidas, ainda, de completo discernimento e que não podem enfrentar, como adultos, as dificuldades da vida. Portanto, aceitam-se as limitações materiais, mas não a omissão na formação da personalidade.

Diante dessas considerações, propusemos modificações em diversos dispositivos do ECA, no sentido de aperfeiçoá-lo em suas diretrizes originais. Ao formular o tipo penal do art. 232-A, tivemos a preocupação de dar contornos objetivos ao problema, exigindo o efetivo prejuízo de ordem psicológica e social para efeito de consumação.

Lembramos que compromissos firmados por consenso internacional, e ratificados pelo Brasil, também apontam para a necessidade de aprimoramento das normas legais assecuratórias dos direitos das nossas criança e adolescentes, vejamos:

Declaração dos Direitos da Criança

Adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº. 99.710/1990

PRINCÍPIO 2º

A criança gozará proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidade e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança.

........................................................................................

PRINCÍPIO 6º

Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material, salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. (...)

PRINCÍPIO 7º

(...)

Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.

Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.

CONVENÇÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA

Adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 1990

........................................................................................

ARTIGO 9

3. Os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse maior da criança.

Assim, crendo que a presente proposição, além de estabelecer uma regra inequívoca que permita a caracterização do abandono moral como conduta ilícita, também irá orientar as decisões judiciais sobre o tema, superando o atual estágio de insegurança jurídica criado por divergências em várias dessas decisões, é que confiamos em seu acolhimento pelos nobres Congressistas, de sorte a permitir a sua rápida aprovação."41

O ordenamento jurídico não altera a faculdade de estabelecer julgamentos morais de atos realizados pelos pais, no entanto pode trazer soluções e a prevenção de situações onde se verifica a negligência inadmissível com os filhos. O Estado deve dar garantias a todos os cidadãos no que concernem os direitos elencados na Constituição Federal principalmente no que diz respeito aos direitos fundamentais.

8. CONCLUSÃO

A Responsabilidade Civil está vinculada ao dever em que alguém tem de reparar o dano, seja material ou moral, causado a outrem. São medidas de coerção impostas ao causador do dano, seja este moral ou patrimonial, por ato próprio ou de pessoa ou coisa sobre a sua responsabilidade ou quando a lei assim o definir.

A responsabilidade civil esta atrelada à conduta, o ser humano tem a capacidade da conduta devido a sua capacidade de determinação. Logo, a ação é consciente, própria do ser humano, direcionada para uma finalidade, que compõe objeto da ética e do Direito. O artigo 186 do Código Civil ao tratar da cláusula geral de responsabilidade civil determina que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

O dano moral é aquele que não tem caráter patrimonial, ou seja, todos os danos imateriais. O abandono afetivo esta inserido nessa classificação, uma vez que esses danos estão relacionados diretamente aos direitos da personalidade, ou seja, diz respeito de forma mais próxima ao valor fundamental da dignidade humana. Embora não tenha teor econômico, possuem um valor e merece tutela do direito. Ainda que não se possa dizer propriamente em indenização, podemos colocar como compensação da vitima, em caso de lesão ou simplesmente reparação.

As relações familiares têm ligação direta ao aspecto da dignidade de seus membros, especialmente relacionados com o crescimento das crianças em condições dignas, devido a isso, os papéis exercidos nessa ligação devem estar na lista da responsabilidade e da solidariedade, e os genitores devem assumir estes compromissos ao optarem por dar origem a uma vida. Existe quem diz que nas relações afetivas não cabem indenizações por falta de previsão legal, mas muitas ações têm sido propostas em nossos tribunais e precisam responder aos anseios sociais, já que a ação não busca obrigar a pessoa a amar e não adormece o desamor, mas tem a intenção de compensar os danos psicológicos causados.

Os pais têm papel importante para bom desenvolvimento da criança, as conseqüências de uma criação má conduzida é a principal fonte para o desajuste social de toda e qualquer pessoa. Enfim, para que a criança tenha um desenvolvimento pleno e com dignidade é necessário que ela viva num ambiente saudável dentro do seio familiar, sob pena de interferência na sua personalidade.

 Os pais têm o direito-dever de visitar, ter convivência harmônica e afetiva em relação aos filhos. O poder familiar é um direito-dever estabelecido em igualdade entre os pais. Podem-se comprovar tais deveres nas disposições legais, inseridas na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil.

O ordenamento jurídico não altera a faculdade de estabelecer julgamentos morais de atos realizados pelos pais, no entanto pode trazer soluções e a prevenção de situações onde se verifica a negligência inadmissível com os filhos. O Estado deve dar garantias a todos os cidadãos no que concernem os direitos elencados na Constituição Federal principalmente no que diz respeito aos direitos fundamentais.

9. REFERÊNCIAS

A.B.,Juliana, Suporte Familiar e Depressão: Um Estudo Correlacional .Web Artigos. 27 abr. 2009. Disponível em:

BRASIL-Constituição da Republica Federativa do Brasil (1988)- I.Pinto, Antonio Luiz de Toledo. IIWindt, Márcia Cristina Vaz dos Santos. III. Céspedes, Lívia.-38.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006 p.159.

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ROSADO. Rui Aguiar Junior. Responsabilidade Civil no Direito de Família. Ex. Ministro do STJ. ADV Advocacia Dinâmica: seleções jurídicas, nº 2, p. 39-43, fev. 2005.

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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. v. 4. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.p.41.

________________________

01 CAVALIERI FILHO, Sergio - Programa de Responsabilidade Civil/ Sergio Cavalieri Filho- 8 ed.-São Paulo: Atlas, 2008, p.2.

02 CAVALIERI FILHO,op.cit.,2008, p.2.

03 GONÇALVES, Carlos Roberto, 1938 – Direito civil brasileiro, volume IV: responsabilidade civil .4. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009, p.01.

04 Diniz apud GRASSI NETO, Roberto. Curso de Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.209.

05 RODRIGUES. Silvio. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4.ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1979. p.04

06 Besson apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9. ed.rev. de acordo com o Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p.4.

07 GONÇALVES, op.cit, 2005.

08 GONÇALVES, op.cit, 2005.

09 GONÇALVES, op.cit, 2005.

10 BRASIL- Vade Mecum- I.Pinto, Antonio Luiz de Toledo. II. Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos. III.Céspedes, Lívia.-7.ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009 p.159.

11 CAVALIERI FILHO, Sergio - Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed.-São Paulo: Atlas, 2008, p.71

12 CAVALIERI FILHO, op.cit, 2008, p.71.

13 CAVALIERI FILHO, op.cit, 2008.p.71.

14 CAVALIERI FILHO, op.cit., 2008, p.79.

15 CAVALIERI FILHO, op.cit., 2008, p.46

16 GONÇALVES, Carlos Roberto, 1938 – Direito civil brasileiro, volume IV: responsabilidade civil.4. ed.rev. São Paulo: Saraiva, 2009, p.36.

17 CAVALIERI FILHO, op.cit, 2008,p.47-48.

18 CAVALIERI FILHO, op.cit, 2008,p.47.

19 CAVALIERI FILHO, op.cit, 2008,p.48.

20 Lobô 2001, p.80 apud MADALENO, Rolf.II Milhoranza, Mariângela Guerreiro. Direito de Família e sucessões – Sapucaia do Sul. Ed.Notadez, Vol.II, 2008, p. 287.

21 Pereira apud MADALENO, op.cit. 2008, p. 287.

22 CASTELO BRANCO. Bernardo. Dano Moral no Direito de Família. Ed.Método. Bela Vista – São Paulo. 2006

23 DAMIAN. Karine; A Responsabilidade Civil no Direito de Família. Disponível em: Acesso em: 30.mai.2010.

24  CASTELO BRANCO, op.cit, 2006.p.117.

25 LISBOA, Roberto Senise. Dano Moral e os direitos da criança e do adolescente. Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, Brasília, v.118, abr.jun.1993, p.451- 472

26 ROSADO. Rui Aguiar Junior. Responsabilidade Civil no Direito de Família. Ex. Ministro do STJ. ADV Advocacia Dinâmica: seleções jurídicas, nº 2, p. 39-43, fev. 2005.

27 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. v. 4. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.p.41.

28 CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto /Gabriel Chalita – São Paulo: Ed.Gente, 2001 1ª ed., 2004. p.123.

29 Anna Freud apud DIAS, Caroline Said. Os instrumentos jurídicos do Direito Civil disponíveis para fiscalização do cumprimento dos deveres parentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 583, 10 fev. 2005. Disponível em:. Acesso em: 30 maio 2011.

30 SANTOS, Diana Ostam Romanini Mangella dos; A importância do afeto na prevenção criminal. São Paulo: Scortecci, 2008.  p.159.

31 A. B., Juliana; Suporte Familiar e Depressão: Um Estudo Correlacional .WebArtigos. 27 abr.2009 Disponível em: .Acesso em 31 Mai. 2011.

32 Gruspun(1983) apud A.B.Juliana, Suporte Familiar e Depressão: Um Estudo Correlacional .Web Artigos. 27 abr.2009. Disponível em: Acesso em 31 mai. 2011.

33 COSTA, Valéria Mariano. Abandono Afetivo e seus efeitos. Disponível em   Acesso em :1 de junho de 2011.

34 BRASIL-Constituição da Republica Federativa do Brasil (1988)- I.Pinto, Antonio Luiz de Toledo. IIWindt, Márcia Cristina Vaz dos Santos. III. Céspedes, Lívia.-38.ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006 p.159.

35 BRASIL- Vade Mecum- I.Pinto, Antonio Luiz de Toledo. II. Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos. III.Céspedes, Lívia.-7.ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009 p.1046.

36 BRASIL- Vade Mecum- op.cit.2009 p.276/277.

37 EMERJ, Revista da EMERJ. Rio de Janeiro, trim. vol. 6 n.40, 2007, p. 40. 45.

38 COSTA, Walkyria Carvalho Nunes. Abandono afetivo parental. A traição do dever do apoio moral. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2017, 8 jan. 2009. Disponível em: . Acesso em: 1 jun. 2011.

39 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. 28ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v.6.

40 COSTA, Walkyria Carvalho Nunes. Abandono afetivo parental. A traição do dever do apoio moral. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2017, 8 jan. 2009. Disponível em: . Acesso em: 1 jun. 2011.

41 BRASIL. Senado. Disponível em: Acesso em 01 jun.2011.


Publicado por: Eveline de Amorim Figueiredo Brito

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