Relações Contratuais no Ciberespaço
1. INTRODUÇÃO
O homem como ser racional é dotado de interesses, que futuramente podem gerar situações conflituosas. Para conciliá-los, necessário foi regrar tais situações, nascendo deste modo um contrato, regulador dos negócios jurídicos resultantes de acordos de vontades, de maneira a excluir quaisquer controvérsias, conciliando os interesses de duas ou mais partes, criando, modificando ou extinguindo situações jurídicas.
Neste contexto, os avanços tecnológicos difundidos a partir das últimas décadas do século XX, resultantes do desenvolvimento vertiginoso da informática e das telecomunicações, ocasionaram mudanças profundas nas relações sociais. Em meio a este aparato tecnológico, insurge uma sociedade dinâmica, marcada pela multiplicidade de interesses, de negociações nas quais as relações de produção e consumo passam a se fundamentar na oferta e circulação de bens através de uma rede mundial sem fronteiras, a Internet. De fato, a Internet se tornou um ambiente propício para a comercialização dos mais diversos produtos no mercado global, sejam eles tangíveis (equipamentos eletrônicos, livros, cosméticos, artigos esportivos, etc.) ou intangíveis (softwares, livros digitais, músicas, vídeos, etc.). Destarte, com o advento dos chamados "contratos eletrônicos", a distância entre duas partes interessadas em celebrar um negócio jurídico assume um caráter secundário, e o velho papel assinado como instrumento representativo do acordo de vontades é substituído pelas trocas de dados instantâneas na rede mundial de computadores.
Em razão dessa nova realidade jurídica surgem os seguintes questionamentos: seria a internet um meio ou um local? Os contratos eletrônicos possuem os requisitos dos contratos em geral? Qual a legislação aplicável em se tratando de eventuais conflitos decorrentes dos mesmos?
O tema proposto justifica-se, tendo em vista a necessidade de solucionar os conflitos decorrentes dos contratos celebrados em ambiente virtual, bem como esclarecer pontos importantes que regem esse tema, com o intuito de propiciar o seu crescimento com a devida segurança. Por ser um tema bastante atual, os doutrinadores se manifestaram timidamente sobre o foco do presente estudo, quem dedicou uma obra para o tema foi à autora Sheila do Rocio Cercal Santos Leal, com o seguinte título: Contratos Eletrônicos: validade jurídica dos contratos via internet, publicada no ano de 2007, além de Maria Helena Diniz que reservou um capítulo para o tema em comento em sua obra: Tratado Teórico e Prático dos Contratos, vol.5, publicada em 2006.
A razão para a escolha deste tema é a atualidade e iminência do assunto no mundo jurídico, cita-se ainda que a sociedade será o público alvo da presente pesquisa. No que toca ao método, foi escolhido o método científico dedutivo, pois sua lógica analisa tal contexto, partindo para a verificação dos pressupostos de existência dos contratos eletrônicos, sua compatibilização com o Direito Pátrio e resolvendo assim a problemática em comento. Quanto à técnica, foi escolhida a pesquisa bibliográfica, por meio de livros, legislações nacionais e estrangeiras, e artigos obtidos na internet.
O presente trabalho monográfico foi divido em seis capítulos na forma dissertativa. Relatando o surgimento da internet e como esse meio vem se expandindo, influenciando e modificando a forma dos indivíduos de contratar. É feita ainda uma revisão da teoria geral dos contratos, como forma até de estabelecer a delimitação do tema a ser explorado. Feito isto, tratamos em específico sobre os contratos eletrônicos, seu conceito, sua base principiológica, além de seus demais aspectos. Posteriormente, é feito um estudo e análise dos Projetos de Leis sobre essa nova realidade negocial, bem como os projetos de leis que estão em tramitação no Congresso para regulamento do comércio eletrônico. E finalmente expomos os resultados e conclusões tomadas com a realização do presente estudo.
2. INTERNET
2.1 Antecedentes históricos
O homem como ser social e capaz de desenvolver a fala, buscou comunicar-se com seus semelhantes, para tanto criou instrumentos que disseminassem as informações, que podiam percorrer num curto espaço de tempo grandes distâncias, descartando assim a necessidade da presença física daqueles que pretendem manter ou constituir relações profissionais, sociais e ou afetivas, dentre outras.
Assim, debruçado sobre seus projetos, a humanidade avança e transforma o presente e constrói o futuro, num constante processo evolutivo, substituindo uma técnica por outra. A carta manuscrita por um bom período consistiu no principal meio de comunicação, pela simplicidade de ser feita, e baixo custo que demandava. Posteriormente foi desenvolvido o telégrafo, que transmitia mensagens codificadas de modo quase instantâneo, disseminou-se pelo globo, dada a sua impressionante rapidez na troca de informações em distâncias consideráveis. Depois o telefone possibilitou o que era impossível, duas pessoas comunicavam-se em tempo real, o telex outro meio, assemelha-se ao atual MSN, por meio do mesmo o emissor digitava as mensagens num ponto, que por sua vez eram recebidas pelo mesmo aparelho pelo remetente. Portanto, a incrível capacidade humanidade ia além, com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, emergiu uma nova área cientifica, denominada de universo da informação.
Em razão disto, ficou constatada a necessidade de difundir tais informações por meio de aparelhos que unissem a comunicação com o processamento de informações. Em tal contexto social surgiu a internet, tendo como instrumento necessário para o seu uso o computador. O primeiro computador, criação dos norte-americanos foi denominado de ENIAC (Eletronic Numeral Integrator Analyzer and Computer) e possuía fins militares. Em 1951 os ingleses lançaram o primeiro computador para uso comercial o LEO (Lyons Eletronic Office). A partir de então, a evolução do mundo virtual se deu de forma mais rápida, tendo sido projetada a primeira rede de computadores nos anos 60.
Destarte, de modo gradual as grandes corporações multinacionais buscaram adotar o modelo de rede de armazenamento de dados, que foi a posteriori disponibilizado para o uso comercial através dos provedores de acesso à rede, movimentação bilhões em negócios. Para Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia (GARCIA, 2002), fatores como “o barateamento dos equipamentos de informática e a constante melhora de qualidade nos serviços de telecomunicações têm atraído milhares de brasileiros à rede mundial de computadores que, com o passar do tempo, vem se tornando economicamente mais acessível a todos”.
Desta forma, da internet emergiu uma nova forma de comunicação entre as pessoas, por meio do qual dentro de sua própria residência poderá receber uma mensagem de outra pessoa do outro lado do mundo em questão de segundos, com um baixo custo. Jeremy Rifkin citado por Sheila analisa essa nova realidade, como uma:
“Propriedade sobre as coisas, embora importante, é menos importante do que obter acesso comercial em trabalhos interligados em interesses mútuos, teias de relações humanas e comunidades compartilhadas. Pertencer é estar conectado a muitas redes que fazem parte da nova economia global. Ser um subscritor, membro ou cliente torna-se tão importante quanto ser proprietário. Isto é, maior acesso do que propriedade tem crescentemente determinado o status de alguém nesta era” (LEAL, 2007, p. 07).
Diante deste fato, o Direito viu-se diante de uma situação fática sem regulamentação, tendo que verificar de acordo com a legislação já existente e os costumes, se aquela prática estava de acordo com a realidade jurídica do país para proteger os cidadãos dos riscos trazidos pela nova tecnologia.
Esse novo espaço até pouco tempo inexistente, cujos estudiosos costumam denominá-lo de “ciberespaço” ou espaço virtual, para Rodney de Castro Peixoto, transcrito por Sheila (LEAL, 2007, p. 10), seria “o conjunto de sites, computadores, pessoas, programas e recursos que formam a Internet”, tendo como principais características: intangibilidade, velocidade, quebra das barreiras geográficas e jurisdicionais, interatividade, facilidade de acesso e insegurança.
A intangibilidade significa que o mundo virtual não é um espaço físico perceptível aos nossos sentidos; trata-se de um espaço virtual, no que concerne à velocidade, um dado transmitido pela internet, pode chegar do emitente ao remetente em questão de segundos, não importando as distâncias, a terceira característica resume-se na quebra das barreiras geográficas e jurisdicionais, na qual as pessoas de diferentes partes do mundo podem transacionar sem a necessidade de deslocamento, neste aspecto, surge à dificuldade em determinar-se a legislação aplicável em eventuais conflitos oriundos em contratos dessa natureza, a característica da interatividade, tendo em vista que o ciberespaço é um meio de interação de pessoas em constante comunicação. Finalmente, no que tange ao aspecto vulnerabilidade, se reconhece que a insegurança ainda persiste, apesar dos crescentes avanços, os hackers ou crackers agem com considerável liberdade para cometerem fraudes, dada a facilidade de se obter dados pessoais de usuários da rede.
2.2 Definição e Natureza Jurídica
A internet pode ser definida como uma rede de computadores de grande proporção e ilimitado acesso às informações disponíveis no ciberespaço. Observa-se, assim, que nem toda rede de computadores constitui internet, pois a internet proporciona acesso irrestrito, enquanto uma rede de computadores dentro de uma determinada empresa (intranet) fica limitada àqueles que têm autorização para acessá-la. A Norma nº 004/95 editada pelo Ministério das Comunicações, aprovada pela Portaria nº 148/95 do Ministério da Ciência e Tecnologia, regulamenta o uso da rede pública de telecomunicações para acesso à internet, tal regra definiu a internet como sendo o “conjunto de redes, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre computadores, bem como o software e os dados contidos nestes computadores”.
Como foi anteriormente explicado, o conceito de rede de computadores não se confunde com o de internet, sendo assim, autores como Flúvio Garcia criticam tal conceito, afirmando que a definição dada pelo redator da referida norma é falha, considerando qualquer conjunto de redes de computadores interligadas, mesmo possuindo uma restrita amplitude como internet (GARCIA, 2007, pp.54-55). Pois sendo a internet uma espécie de rede de computadores na modalidade pública, a intranet é uma rede doméstica de uma empresa, que não podendo ser confundido como internet.
Realizando uma análise da natureza jurídica da internet, percebe-se que a doutrina ainda não amadureceu, pois a mesma diverge em considerar o ciberespaço como um meio ou um lugar.
Se entendermos que a Internet é um lugar, muitas das questões já previamente definidas pelo Direito. Tais como o foro competente, deveriam ser redesenhadas. Imagine um contrato celebrado entre uma empresa alemã e outra brasileira. Se a Internet é um lugar, onde seria assinado o contrato? A resposta, então, é nem no Brasil e nem no exterior, mas na Internet. A proposta e a aceitação também seriam realizadas na Internet. E, nesse caso, como definir o foro?
Tal idéia levanta a seguinte questão: se considerarmos a internet um lugar, em que local fora efetuada a celebração dos contratos virtuais? Considerar a internet de tal modo faz emergir um vazio jurídico de grandes proporções. Se do contrário considerá-la um meio de efetivação dos contratos, seria mais seguro? Sim, pois possibilita às partes contratantes a livre disposição acerca de cláusula que eleja o foro competente para dirimir eventuais dissensões.
Aliás, Flúvio Garcia num artigo publicado na Revista Consulex, denota a noção da internet enquanto meio do seguinte modo:
“Acompanhando o rimo dinâmico e crescente da INTERNET, as informações jurídicas têm conquistado um relevante espaço na rede, tornando a INTERNET um dos mais novos e eficazes instrumentos de cidadania e trabalho jurídico. Diversos serviços, como a declaração de impostos via net, o oferecimento de denúncias nos sites do PROCON e do Ministério Público e o fornecimento, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da certidão negativa da dívida ativa da União pela INTERNET, têm sito criados no sentido de apaziguar a burocracia, evitando que o cidadão gaste horas perambulando por repartições públicas” (GARCIA, 2007, pp.54-55).
Assim, entende-se que a natureza jurídica da Internet é de meio de comunicação e, portanto, um contrato celebrado pela internet apenas difere de outro contrato qualquer, pelo meio de comunicação escolhido para a sua efetivação. Na atualidade existem seis sistemas de comunicação via Internet tais como: correio eletrônico, lista de correio eletrônico, base de dados de distribuição de mensagens, comunicação em tempo real, utilização remota de ordenadores em tempo real e obtenção remota de informações.
O correio eletrônico, comumente conhecido como e-mail assemelha-se ao correio convencional, pois é uma via de troca de mensagens interpessoais. Difere, porém do correio postal, tendo em vista que suas mensagens são encriptadas, convertidas em códigos, dificultando assim o acesso no conteúdo das mensagens trocadas entre o emitente e o remetente. Cita ainda, a desnecessidade dos proponentes estarem conectados simultaneamente.
A lista de correio eletrônico, por sua vez funciona de forma automática, possibilitando a troca de informações entre pessoas que compartilhem interesses entre si, bastando apenas estar inscrito nela para enviar e receber mensagens de forma direta ou indiretamente, por meio de um moderador que detêm o controle do conteúdo das mensagens trocadas, trata-se de um meio pouco usual para a celebração de contratos, devido a quebra de sigilo do conteúdo das informações pelo moderador.
Outro sistema de comunicação é a base de dados de distribuição de mensagens (user sponsored newsgroups), que muito se assemelha ao anterior, diferindo apenas na forma de realizar a comunicação. Nas palavras de Sheila Leal:
Os USENET newsgroups utilizam conexões par a par/ ponto a ponto, entre aproximadamente 200.000 ordenadores, chamados de servidores USENET. Caracterizam-se por discussões abertas que diferem das listas de correio porque os usuários não necessitam inscrever-se previamente, podendo acessá-las a qualquer momento (LEAL, 2007, p. 20).
Os USENET em sua maioria são livres para o acesso, armazenando as mensagens durante um tempo no servidor e, após esse período, são permanentemente excluídas do sistema.
A comunicação em tempo real é o meio de comunicação existente mais avançado, em termos de tecnologia. Possibilitando assim, que uma ou mais pessoas conectadas à rede comuniquem-se em tempo real, ocorre de forma que esses usuários digitam suas mensagens que se tornam visíveis para os demais usuários quase que instantaneamente, possibilitando ainda o contato visual via webcam dos proponentes.
A utilização remota de ordenadores em tempo real, também é um sistema que proporciona o acesso às informações da Rede por meio de TELNET, um protocolo que permite o acesso remoto a um computador.
Por fim, tem-se a obtenção remota de informações por meio de FTP (file transfer protocol), que disponibiliza os arquivos localizados num ordenador remoto, transferindo os dados para um ordenador do usuário Gopher, que permite o acesso a Internet, direcionando as buscas de acordo com as informações disponibilizadas em um ordenador remoto, dentre estes, o sistema mais utilizado é a World Wide Web, popularmente conhecido como WWW, seu acesso se perfaz por meio de um protocolo de transferência de hipertexto (HTTP), que por sua vez faz a comunicação entre o usuário e a rede por meio da HTML (Hipertext Markup Language), que é a linguagem padrão geral na Internet.
2.3 Principais características jurídicas da internet
A Internet veio quebrar os paradigmas que regem os contratos em geral, relativizando as noções de espaço e tempo, diminuindo as barreiras geográficas e permitindo que o mundo inteiro comunique-se de forma mais célere. Então, algumas regras do Código Civil não se aplicarão aos negócios jurídicos via rede. Por exemplo, tal modalidade contratual figura-se na espécie de contrato entre ausentes. Assim sendo, o art. 428 em seus incisos I, II e III, seriam inaplicáveis aos contratos virtuais, dada a rapidez das trocas das informações, exigindo deste modo uma resposta instantânea do remetente da proposta. A não ser que o sistema utilizado pelas partes não permita uma resposta simultânea.
A rede ainda possibilita a realização das transações negociais fora do horário comercial, do estabelecimento físico do seu fornecedor, sua utilização é ilimitada, não possuindo fronteiras ou barreiras e neste último aspecto, deve-se informar que inexiste um órgão internacional responsável pela regulamentação de seus atos, ficando a critério de cada país disciplinar no seu ordenamento jurídico da forma mais conveniente. E para aqueles que ainda não estabeleceram um regulamento para o tema em comento resta um vazio normativo.
Os posicionamentos doutrinários divergem quanto à necessidade de legislação específica para tratar as questões travadas no ciberespaço. Os EUA adotaram a posição de deixarem a critério do setor privado a regulamentação de tal meio, porém, defende a necessidade de criação de um código para regramento do comércio eletrônico. Existe um posicionamento contrário a este, segundo o mesmo o comércio eletrônico deve ser regulado pelo método analógico, pelo direito comparado, sendo a Internet um meio auto-regulável. Finalmente existe o posicionamento de Arnoldo Wald e Ronaldo Lemos da Silva Júnior, citados na obra de Sheila, que defendem a “necessidade de uma legislação e regulamentação específicas, sem a perenidade dos códigos” (LEAL, 2007, p. 27).
Sheila assevera que uma futura regulamentação para o comércio eletrônico deverá ser:
“Supranacional, neutra, que transcendesse os limites territoriais dos países e alcançasse todo o mundo. Porém, essa solução, ao mesmo por ora, não se apresenta como viável, seja porque se está ainda muito longe de alcançar uma neutralidade, seja em razão da soberania dos Estados e de suas peculiaridades de ordem social, econômica e cultura, das quais derivam necessidades diversas que os distinguem dos demais Estados” (LEAL, 2007, p. 27).
Nesse sentido, qualquer legislação proposta deverá estabelecer normas de caráter geral, permitindo uma mobilidade maior do aplicador do direito para adaptar-se às diferentes e permanentemente mutáveis situações que surgem na Internet com reflexos no âmbito jurídico dada, cita-se como exemplo os serviços bancários, as compras, e até mesmo a processualística brasileira que caminha para dispensabilidade do uso de documentos físicos, representados por papel, e a utilização de dados digitais.
3.0 DOS CONTRATOS
3.1 Teoria Geral dos Contratos
O Direito Romano já previa a figura do contractus, sendo espécie do gênero convenção. A doutrina contratual moderna surgiu com a influência de diversas escolas clássicas, em especial a escola dos canonistas e a escola do Direito Natural. Os canonistas desenvolveram os princípios da autonomia da vontade e do consensualismo, valorizando o consenso e a fé jurada, para tal escola, a vontade é o cerne da obrigação.
Já a outra corrente que muito contribuiu para a disciplina do direito contratual moderno, a Escola Naturalista, construiu as teses do racionalismo e do individualismo, segundo a mesma, o fundamento do contrato residia na livre vontade, bastando o consentimento para que surgisse a obrigação. Pufendorf, um dos representantes desta escola, cujo pensamento foi transcrito na obra de Orlando Gomes, sustenta com argumentos que “o contrato é um acordo de vontades, expresso ou tácito, que encerra o compromisso a ser honrado sobre a base do dever de veracidade, que é de Direito Natural” (GOMES, 1998, pp. 05-06).
Com o tempo, o desenvolvimento econômico trouxe consigo a necessidade de aprimorar a regulamentação das relações de troca entre os indivíduos, tal papel coube ao Código Napoleônico que foi a primeira grande codificação moderna, tendo como foco a propriedade privada.
Contemporaneamente, o desenvolvimento da idéia de que a igualdade preconizada pela escola clássica não possuía aplicação prática, motivou a mudança da noção de contrato. Tendo em vista, o notório desequilíbrio existente entre as partes. Num cenário o qual, aquele que detinha o poder econômico ditava as regras a serem estabelecidas em contrato, em detrimento à outra parte, configurando assim na maioria dos casos um contrato de adesão, que destoava do princípio da igualdade que devia prevalecer nas relações jurídicas.
Diante disto, o estado interviu nas relações contratuais, modificando a sua estrutura, mitigando a autonomia da vontade, limitando a liberdade de determinar o conteúdo do contrato. Ao s eu turno, os legisladores redigiram leis de proteção ao hipossuficiente, ou seja, a parte mais fraca economicamente ou socialmente. Orlando Gomes assim refletiu sobre este contexto de dirigismo contratual:
“Determinado a dirigir a economia, o Estado ditou normas impondo o conteúdo de certos contratos, proibindo a introdução de certas cláusulas, e exigindo, para se formar, sua autorização, atribuindo a obrigação de contratar a uma das partes potenciais e mandando inserir na relação inteiramente disposições legais ou regulamentares” (GOMES, 1998, p. 07).
Realizado o estudo do contexto social que foi propício para o surgimento e desenvolvimento dos contratos, passamos a tecer breves comentários acerca da parte geral do direito civil. Quando se fala dos elementos constitutivos dos atos jurídicos em geral porque o contrato nada mais é do que uma modalidade de ato jurídico em sentido amplo, que se desdobra em ato jurídico no sentido estrito e negócio jurídico, este último, podendo ser unilateral ou bilateral.
Os negócios jurídicos bilaterais configuram os contratos, por outro lado, os unilaterais não possuem feição contratual, por falta do ajuste de vontades direcionadas no mesmo sentido que caracteriza os contratos, assim há uma importante diferença entre ato e negocio jurídico, pois apesar de ambos serem provenientes da vontade humana, no ato jurídico o agente apenas pretende declarar sua de vontade, inexistindo aí a escolha em relação aos efeitos pretendidos, que são previamente previstos pelo legislador.
No negocio jurídico por outro lado, a declaração da vontade do agente está direcionada ao efeito pretendido e esperado pelo agente, tendo ele o domínio em relação aos seus efeitos produzidos. Por exemplo, quem reconhece a paternidade sabe que terá que arcar com os deveres previstos em lei, tais como o amparo intelectual e material ao filho, que é diferente da declaração de vontade presente num testamento, esta é feita de forma direcionada, pois quem decide fazer um testamento dispõe no mesmo, por escritura pública ou particular quais serão os herdeiros aquinhoados, quais os bens serão entregues a esses herdeiros, ou quais serão os terceiros que receberão em legado uma ou outra parte do patrimônio desse testador. A grande diferença entre os dois exemplos é o direcionamento feito pelo agente do testamento.
Os contratos ao seu turno diferenciam pela existência de manifestações de vontades que convergem, para haver um contrato de compra e venda, é preciso que alguém queira vender determinado bem e que essa vontade coincida com a de outrem que queira adquiri-lo bem pelo mesmo preço oferecido pelo vendedor.
3.2 Novos e velhos paradigmas contratuais
Com o advento da Carta de 1988, fez-se necessário adaptar o ordenamento jurídico até então existente à nova realidade constitucional, de modo a preservar a hierarquia constitucional face às demais leis ordinárias. No campo contratual, a doutrina tomou a iniciativa de estudar a mitigação dos paradigmas contratuais até então existentes, a autonomia de vontades, obrigatoriedade, intangibilidade e relatividade dos efeitos. O Código Civil de 1916 partia do pressuposto da igualdade formal e liberdade absoluta dos sujeitos contratantes que advinham conseqüências como a obrigatoriedade dos contratos. O conteúdo do contrato não poderá mais ser modificado depois de acordado porque ele é fruto da liberdade de contratar e disso advinha outra conseqüência imediata que era o principio da relatividade dos efeitos, como o contrato é lei entre as partes ele prevalece apenas entre as mesmas. Os efeitos dos contratos não atingem terceiros assim como não há interesse de terceiros nos mesmos de acordo com o paradigma da intangibilidade.
Diante este cenário jurídico emergente, percebeu-se que a liberdade absoluta era quimera e principalmente a partir da revolução industrial se percebeu que a disparidade econômica, que o poder econômico que alguns grupos possuíam na ljes possibilitava o ditame as regras dos contratos estabelecendo tudo em seu próprio proveito, daí a necessidade, em alguma situações, da ordem jurídica interferir para prestigiar interesses mais relevantes do que o mero interesse dos contratantes, são os chamados interesses de ordem pública, surgindo assim uma “função social dos contratos” (GONÇALVES, 2006, p. 05), reforçando assim a tese oriunda da edição da súmula 22 do STJ, que “a função social do contrato, prevista no art. 421 do CC, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”, sendo estas palavras do Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior do STJ, durante a Jornada de Direito Civil que se realizou em Brasília de 11 a 13 de setembro de 2002.
Desta forma, surgiram leis reprimindo a usura, a interferência nos contratos para estabelecer que haja uma taxa de juros legal, não podendo ser ultrapassada determinada margem de ganho no contrato, o próprio direito do trabalho surgiu dessa percepção da hipossuficiência do trabalhador, da exploração econômica, do capital pelo trabalho, fez com que viesse um novo ramo que se desligou do próprio direito civil para atender esse interesse social que é o mínimo de condição de trabalho para o trabalhador porque o contrato de trabalho nada mais é do que um contrato civil.
Com a CF/88 e do CDC (Código de Defesa do Consumidor em 1990) foram lançados os fundamentos para a reflexão dos paradigmas da teoria dos contratos. Embora a esse tempo ainda não existisse tal percepção. O CDC despertou na teoria civil do contrato essa mudança de paradigmas, por meio do estabelecimento da obrigatoriedade da boa-fé na conduta dos contratantes, que “o fornecedor de produtos e serviços tem o dever de informação, o dever de garantia, não podendo constar cláusulas que excluam a responsabilidade objetiva dos mesmos e uma séria de normas que privilegiaram a lealdade e o dever de sigilo que os contratantes devem ter no momento da celebração do contrato, embora não seja expressa, nem muito menos escrita, tal dever que se impõe pela boa-fé que deverá existir” (GONÇALVES, 2005, p. 11).
Na verdade, trata-se de cláusula ética que passa a inspirar o CDC e a partir de sua vigência, passa a orientar, ainda que por analogia, alguns conflitos e relações contratuais eminentemente civis, mesmo que não configurassem uma relação de consumo. Foi também o CDC que previu a teoria da imprecisão ou onerosidade excessiva que antes era apenas refletida nas jurisprudências ou por interpretação doutrinária.
O art. 1º da CF trata da equidade nesse sentido, o Direito em função do homem e não mais o homem em função da ordem econômica, reflexo este do Principio da Dignidade da pessoa humana como fundamento no Estado democrático de direito, equilibrando valor social do trabalho e livre iniciativa como princípios e valores iguais, igualmente prestigiados.
Nesse sentido o art. 170 do mesmo diploma, refere-se à ordem econômica, como pautada no desenvolvimento econômico com a utilização do trabalho que é utilizado também na produção de riqueza como um todo com uma visão para o social.
Destarte, os novos paradigmas (Socialidade, Eticidade, Equivalência) servem para reinterpretar os três primeiros e não há em que se falar em revogação dos velhos princípios (A liberdade de contratar e a autonomia da vontade), tão somente uma mitigação.
A liberdade de contratar deve ser desenvolvida observando um conteúdo de eticidade, que é o principio da boa fé objetiva, tal principio é posto no sistema jurídico brasileira como uma clausula geral que se manifesta de três formas especiais: o dever de conduta, o princípio de interpretação do direito como um todo e dos contratos em especial e como limitação dos direitos subjetivos.
O principio da boa-fé objetiva se manifesta como dever de conduta, criando deveres laterais que estão implícitos nos contratos. A partir desse princípio, se pode extrair do conteúdo de cada um dos contratos, deveres paralelos que não precisam estar expressos, mas que se inferem dessa exigência de ética e lealdade em cada um dos contratos. Assim, não é preciso que esteja explicito um dever de informação, colaboração, sigilo, de respeito pelo contratante, de autenticidade, porque os contratantes conhecem todas as vicissitudes que envolvem aquela realidade fática que se quer contratar.
Essa é a postura nova que o CC/02 trouxe, e todos, precisam habituar-se a este comportamento moral e ético. Se vier a ser descoberto posteriormente que um contrato foi celebrado escondendo elementos essenciais que o outro contratante não tinha como verificar apesar do cuidado objetivo, isso pode implicar em rescisão do contrato ou indenização em virtude do dever ético que conta no CC como cláusula geral e que, portanto funciona como um dever de conduta.
O dever de sigilo que um técnico deve ter ao sair de uma empresa ou uma empregada doméstica acerca do que acontece na família para qual ela trabalha, são deveres éticos que todos os cidadãos médios e ate mesmo os mais ignorantes devem ter consciência. Precisa estar constando no contrato de honorários que o advogado tem que comunicar as perdas e ganhos, os riscos que advêm da situação, porque isso em determinadas situações pode resultar em quebra de um pequeno empresário numa situação trabalhista que o advogado recorra e perca, mas o empresário terá que pagar todos os salários atrasados do trabalhador ao tempo que correr o recurso.
A boa-fé subjetiva é de índole psicológica, trata-se de conduta ética individual do sujeito, às vezes o sujeito, no caso da empregada doméstica, não agindo de má-fé, viola a boa-fé objetiva, mas não viola a subjetiva quando conta a outras pessoas a briga de sua patroa com o marido, entretanto para ela aquilo é uma conduta absolutamente normal e por esse motivo não vê problemas em contar aos outros o que se passa em seu ambiente de trabalho.
O principio da boa-fé objetiva não se manifesta apenas criando deveres laterais, se manifesta também na interpretação do contrato. Esta norma está contida no art. 422 do CC: “Os contratantes são obrigados a guardar assim na conclusão do contrato, como a execução, os princípios de probidade de boa-fé”. Essa interpretação num momento futuro no caso de disparidade na interpretação do contrato e falta de consenso entre os contratantes com relação à interpretação de alguém efeito desse contrato, o juiz deve pressupor essa realidade fática e a conduta ética dos contratantes para daí extrair quais os efeitos que seriam esperados, se ficar constatado que um dos contratantes desvirtuou essa conduta ética, a ele será imposta interpretação desfavorável ou até mesmo pode levar à dissolução do contrato. Mas se ficar clara a boa-fé de ambos os efeitos que devem ser tirados desse contrato são aqueles pautados na declaração de vontade dos contratantes.
A terceira perspectiva do principio da boa-fé objetiva é a limitação ao exercício do direito subjetivo. Todos têm o direito à liberdade de contratar, todavia a depender do comportamento do contratante em determinada situação, esse conteúdo ético impõe uma obrigação de não ser contraditório nos seus atos que revela uma conduta não ética porque pode limitar a liberdade de contratar impondo uma reparação aquele que resolve não continuar com o compromisso de contratar.
O art. 422, ainda é objeto de muitos criticas pela doutrina, mas no art. 113 do CC: “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, quando o código cria a regra da boa-fé para os negócios em geral em geral ele sinaliza que a interpretação do art. 422 não deve ser apenas no momento da conclusão e execução do contrato senão ele não teria como dar suporte legal à situação ilustrada (de não ser contraditório) de vulneração ao principio da boa-fé na fase pré-contratual ou pós-contratual.
Quando se fala em socialidade está se falando da função social do contrato, à luz do CC/16 o contrato é lei entre as partes, com a função social do contrato, os contratantes passam a ter responsabilidade em relação às conseqüências que possam advim da celebração daquele contrato para a sociedade como um todo, daí vem o respeito às questões ambientais, aos direitos do consumidor, ao direito de não concorrência entre empresas que deve ser preservado no contrato. Esse principio da função social do contrato representa, flexibiliza, leva a uma reinterpretação, e não a uma revogação, do paradigma da relatividade dos efeitos.
Com paradigma da relatividade dos efeitos dos contratos é visto que o contrato tem que estar aberto para os efeitos que advenham da sua formação face à ordem pública, aos interesses sociais em geral. O último dos paradigmas é o da equivalência das prestações que está intrinsecamente relacionado com o paradigma da obrigatoriedade dos efeitos do contrato e da intangibilidade do conteúdo, esta, por sua vez, é uma conseqüência da eficácia obrigatória, sob o ponto de vista da teoria clássica do contrato, ele não poderia ser mexido justamente porque ele era fruto da autonomia da vontade e por conta disso uma vez pactuado não poderia ser alterado.
3.3 Requisitos
Os negócios jurídicos em geral exigem uma série e requisitos para validade dos mesmos, e para os contratos não seria diferente, que exigem os requisitos subjetivos, objetivos e formais:
Os requisitos subjetivos referem-se à capacidade, legitimação e declaração de vontade. Somente a pratica de ato jurídico por sujeito plenamente capaz, em determinadas situações não é suficiente para sua eficácia, a legitimidade também se faz necessária, tal como nos casos que exigem a outorga uxória, ou seja, a aquiescência do cônjuge para a alienação de algum imóvel, se a escritura publica for lavrada sem essa aquiescência, o ato de alienar não será válido e não produzirá os efeitos pretendidos pelos agentes apesar da convergência de vontades;
Os requisitos objetivos (art. 104, II do CC) traduzem a possibilidade material ou jurídica do objeto inserido na relação contratual. É preciso que o objeto seja possível de realização no mundo fático. A possibilidade jurídica é vinculada por alguns doutrinadores à ilicitude do objeto, embora haja uma pequena distinção entre ambos. A primeira estaria naquelas situações nas quais a ordem jurídica não veda a prática de determinado ato porque ele não ofende a moral, a ordem pública, ou os bons costumes já a ilicitude do objeto seria quando alem de vedar a pratica do ato, ele seria previsto como um ilícito isoladamente como um ilícito criminal, ofendendo diretamente a lei;
No que tange aos requisitos formais, a princípio, os contratantes têm plena liberdade de contratar, com a mera declaração de vontade convergente, sem a necessidade dessa vontade, ser manifestada por documento formal, muitos contratos se realizam com a mera declaração tácita de vontade, muitas vezes os contratantes não expressam de forma expressa, com gestual ou com palavras o desejo de contratar, mas do seu comportamento se insere a vontade, isso é muito comum nas relações de trabalho no meio rural. A declaração de vontade segundo o principio da liberdade das formas, em regra geral, pode ser expressa ou tácita mas existem alguns modelos contratuais a lei sugere uma maior cautela na colheita dessa declaração onde a forma tácita não é aceita. Tal como ocorre nos contratos ad solemnitatem, que exigem algo há mais para a plena eficácia do contrato, por exemplo, quando se exige escritura pública (art. 108 do CC) para a alienação de um imóvel.
3.4 Interpretação e momento de formação
A análise dos paradigmas interfere na interpretação dos contratos como atos a produzir efeitos jurídicos. Carlos Roberto Gonçalves (GONÇALVES, 2006. p. 40) classifica em duas as formas de interpretação contratual:
Interpretação com eficácia declarativa: art. 112 CC/02: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”. O interprete busca conhecer a intenção das partes, às vezes a linguagem não ajuda esse entendimento. A interpretação literal muitas vezes não conduz a um diagnostico preciso da intenção dos contratantes. Essa interpretação deve observar uma peculiaridade que advêm da autonomia da vontade e da liberdade de contratar que é a possibilidade que os contratantes têm de escolher o modelo contratual que melhor atenda aos seus interesses. Esses modelos podem estar previstos em lei que são os chamados contratos típicos e os seus efeitos são previstos pelo legislador, grande partes das regras presentes no CC/02 que existem para esses contratos são, em geral, regras supletivas porque elas só se aplicam quando as partes silenciam, pois se entende com esse silencio que as partes fizeram a opção de tais regras;
Na interpretação declarativa os dispositivos legais não possuem função de interpretação das lacunas deixadas pelos contratantes, pois o silencio já foi interpretado como concordância com as regras supletivas. A busca da interpretação dos contratantes é mais simples, porém se dificulta quando o contrato é atípico, fruto da criatividade dos contratantes, não previsto em lei e por isso mais complexo, não é um modelo contratual e os direitos e deveres são criados pelos próprios contratantes, o único entrave diz respeitos aos requisitos subjetivos e objetivos;
Interpretação com eficácia integrativa: busca o preenchimento das lacunas deixadas pelos contratantes, assim como a lei pode ser lacunosa no contrato pode se apresentar uma dificuldade em relação à interpretação dos efeitos por as partes não terem percebidos um aspecto importante e deixaram de tratar desse aspecto ao tempo que a legislação não apresenta uma norma supletiva a respeito desse determinado efeito. É a mais complicada, por ter que buscar na vontade das partes o complemento do contrato. Como a intenção dos contratantes é algo psicológico, a análise e interpretação tem que ser feita também no contrato como um todo, indagando ainda, qual o interesse econômico das partes quando pretenderam celebrá-lo.
No que diz respeito à interpretação, é também importante fazer uma distinção entre os contratos frutos de ajuste prévio de vontade, os considerados contratos simples e os contratos de adesão.
O contrato de adesão tem como características a predisposição, unilateralidade e a rigidez. São utilizados nas relações de consumo ou civis, os contratos que pautam as relações de consumos em geral são impostos a uma generalidade de pessoas indeterminadas, o consumidor é obrigado a aderir esse tipo de contrato pela necessidade do produto ou serviço oferecido. Por conta dessa generalidade, indeterminação e em face da hipossuficiência do consumidor, criou-se um mecanismo de interpretação diferenciado dos próprios contratos de adesão quer eles sejam redigidos pelo CDC ou pelo CC/02.
Art. 54 CDC:
“Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos e serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. § 1º a inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato. § 2º Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2º do art. anterior. § 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. § 4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”
Como dita o Art. 423 CC/02:
“Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente” e o art. 47 do CDC: “As cláusulas serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
O art. 51 do CDC trata, em seus dezesseis incisos, das cláusulas consideradas abusivas que não precisam ter um grau de abusividade elevado, o caput do art. em tela diz que “são nulas de pleno direito”.
Nos contratos de adesão regidos pelo CC/02, essa interpretação favorável ao aderente ocorre apenas nas situações em que houver contradição ou ambigüidade nas cláusulas, pois o CC/02 parte do pressuposto da igualdade entre os contratantes, igualdade essa que não é possível nesses contratos de adesão e de relações de consumo como um todo. O contrato de adesão não suprime a autonomia da vontade, mas limita a intervenção.
No art. 424 do CC/02 o legislador afirma que: “Nos contratos de adesão. São nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”, mais uma norma de restrição à autonomia da vontade, todavia o CC torna nula a cláusula e não o contrato, a intenção do legislador é preservar ao máximo o contrato.
Carlos Roberto (GONÇALVES, 2006, p. 51) elenca três fases que compõem a formação dos contratos sendo que duas delas possuem eficácia vinculante, “são: puntuação (negociações preliminares), policitação (ou proposta) e aceitação”:
Na puntuação, os contratantes estão nas meras tratativas, não é uma fase obrigatória, estão se conhecendo e analisando as possibilidades de contrato, no sentido de encontrarem um interesse comum e convergente, que possa justificar num momento seguinte uns deles tomar a iniciativa de fazer uma proposta e o outro aceita-la e assim celebrarem o contrato, não gera efeitos obrigacionais para os envolvidos, não possui vinculação jurídica. A qualquer momento uma das partes pode desistir sem que isso acarrete conseqüências, todavia a ilicitude pode surgir quando esses pretensos contratantes acabam gerando uma expectativa exagerada no âmbito psicológico do outro e essa expectativa saia da mera esfera psicológica e passe a envolver uma série de tomada de decisões por antecipação de atitudes, art. 186 do CC/02: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito;
Na policitação ou proposta existe a eficácia de vinculação, quando aquele que lança uma proposta se vincula ao conteúdo da sua proposta, é o primeiro passo para a constituição do contrato. Pra ser proposta é preciso que haja alguns elementos que caracterizem essa manifestação de vontade como proposta, o primeiro deles é que já estejam expressos os requisitos caracterizadores do contrato, principalmente em relação a tempo lugar e o próprio objeto do contrato;
Já a oferta, no âmbito do CC/02, não tem a mesma importância que a proposta. No CDC a oferta se equipara à proposta. No CC só a oferta pode ser negociada, a proposta não pode. A simples promessa de proposta já faz surgir direitos. Licitações e leilões são exemplos de propostas. Exemplo de distinção, dois anúncios de aluguel de casas, o primeiro tem escrito: aluga-se casa num lugar X, o segundo diz: aluga-se casa, ¾, dependência de empregada, varanda, 02 banheiros, na rua M. preço R$ 400,00. O primeiro é uma oferta já o segundo uma proposta.
No art. 429 do CC/02:
“A oferta ao público equivale à proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos. Parágrafo único: pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada.”
Esta é a forma que para o CC a oferta passa a ser proposta, ainda no art. 427 do CC/02: “A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar do negócio, ou das circunstâncias do caso (as circunstancias se refere a todo o art. 428), no art. 428 do CC/02:
“deixa de ser obrigatória a proposta: I – se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; II – se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; III – se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; IV – se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente”.
Nos contratos fundados na confiança, que pela própria natureza do contrato não seria licito afirmar que a proposta tem natureza vinculativa como por ex. contrato para a formação de uma sociedade ou o contrato de seguro (que é feito sob medida). A eficácia vinculativa desses contratos não surge no momento da proposta porque precisa haver a peculiaridade das características do outro contratante para que os demais elementos constitutivos do contrato se formem como o valor do bem.
A retratação no CC gera apenas uma exigibilidade por parte do contratante que foi frustrado de perdas e danos o que não ocorre no CDC, que a retratação só é aceita se houver menção anterior da mesma como reza o parágrafo único do já mencionado art. 429. Art. 35 do CDC:
“Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e a sua escolha: I – exigir o cumprimento forcado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III – rescindir o contrato, com direito a restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos”.
O artigo supra, trata da oferta quando não é honrada e não possui dispositivo correspondente no CC.
A proposta se diferencia entre presentes e ausentes: presente é quando há possibilidade de comunicação simultânea entre os envolvidos por ex. telefone ou MSN, por e-mail não é considerado presente; a proposta entre presentes é mais limitada, pois ocorre se for estabelecido o prazo para aceitação (nesse caso a proposta não pode ser alterada dentro do prazo de aceitação) ou não; quando a proposta é feita sem prazo a aceitação ou recusa é imediata. Já entre ausentes, existem duas situações: quando estabelece prazo e quando não estabelece (o legislador cria um tempo moral, prazo aceitável para a resposta, o prazo é estabelecido de acordo com a forma de comunicação – email, SEDEX, telegrama, fax, dentre outros.). Entre ausentes existe a possibilidade de retração desde que o instrumento chegue ao aceitante antes da proposta propriamente dita, isso só possível antes do conhecimento da proposta e por isso não é aceitável nos casos entre presentes.
A retratação no CC gera uma exigibilidade por parte do contratante que foi frustrado apenas de perdas e danos o que não ocorre no CDC, que a retratação só é aceita se houver menção anterior da mesma como reza o parágrafo único do já mencionado art. 429. A doutrina diverge no que tange a morte ou incapacidade do proponente no prazo de aceitação, uma parte diz que não havia ainda a efetuação do contrato e por isso não há possibilidade de vincular os herdeiros àquela proposta, já outra parte afirma que se a proposta tem eficácia vinculativa e os herdeiros sucedem em todo o acervo patrimonial formado tanto de direito como de obrigações eles também teriam que honrar a proposta, a única exceção seria para aquelas obrigações infungíveis, personalíssimas. A segunda opinião é mais consentânea com o ordenamento jurídico brasileiro.
3.5 Classificação dos contratos
A classificação dos contratos é uma matéria eminentemente doutrinária mediante o agrupamento desses tipos comerciais é possível se perceber alguns efeitos que são peculiares a determinados tipos de contratos, compreender a natureza jurídica de cada um dos contratos depende da compreensão dessa classificação doutrinária, aonde eles se inserem, pois alguns efeitos são específicos a certos tipos de contrato. Assim a classificação dos contratos proporciona a busca de solução de problemas no que tange a eficácia dos tipos contratuais existentes, inclusive por analogia, também para os não nominados, também conhecidos como atípicos.
Quanto à formação: consensuais ou reais – a rigor todos são consensuais, ou seja, se formam apenas com o ajuste de vontades seja ele expresso, tácito, escrito ou não escrito. Quando há o consenso entre as partes o contrato está formado e tudo que sucede esse momento já é eficácia do negocio jurídico como exemplo pode-se citar os contratos de compra e venda, exceto de imóveis. Nos contratos reais isso não basta, exigi-se um ato material, por força da lei, para que confirme o ajuste e constitua o contrato. Ex. mútuo e comodato (empréstimos de bens infungíveis) só se aperfeiçoam ao contrato quando existem a entrega do bem.
Os contratos, regra geral, são negócios jurídicos simplesmente consensuais, um contrato se forma apenas com a palavra ajustada, o termo por escrito serve de instrumento probatório do contrato e não de termo constitutivo, ele não precisa do termo escrito para ter valor, alguns contratos não exigem a forma escrita, esta é uma opção das partes por visarem uma maior segurança que é munir-se de instrumentos para a prova material em juízo.
Quanto aos efeitos: bilaterais, unilaterais, gratuitos ou onerosos – os bilaterais ou sinalagmáticos geram obrigações para ambos os contratantes (a equivalência não precisa ser uniforme, basta ser subjetiva). Nos unilaterais apenas um dos contratantes possui obrigações é o caso do mútuo e do comodato. A doação a princípio é unilateral, mas há divergência doutrinária quando ela possui encargos, pois alguns a consideram bilateral enquanto outros já defendem que seja unilateral. Bilaterais imperfeitos são os contratos que a rigor são unilaterais em relação a sua eficácia, entretanto no curso do contrato algumas situações excepcionais podem surgir que gerem, na esfera jurídica, obrigações para aquele que não teria obrigações a cumprir no contrato, apesar de não ser da essência do contrato essas obrigações. Ex: contrato de depósito gratuito. Essas obrigações recairão apenas sobre os acessórios do contrato e nunca ao objeto ou sujeitos. Essas circunstâncias excepcionais não desnaturam o contrato, ele continua sendo essencialmente unilateral, só o caso concreto poderá determinar o desvio de eficácia.
Gratuitos são aqueles que geram vantagens para um dos contratantes e que o outro acaba tendo uma diminuição do seu patrimônio, o melhor exemplo são as doações onde não exigem contraprestação ou os contratos de mútuo e de comodato. Onerosos são aqueles em que há aproveitamento econômico para ambas as partes. Na maior parte das vezes há uma associação entre contratos bilaterais e onerosos e unilaterais e gratuitos, mas não é uma regra geral que necessariamente todo contrato bilateral seja oneroso ou vice versa ou que todo unilateral seja gratuito. No mutuo com cobrança de juros temos um unilateral oneroso, por exemplo. O contrato de mandato não é obrigatoriamente bilateral. O comodato é sempre gratuito, pois quando passar a ter aproveitamento econômico passa a ser contrato de locação.
4.0 CONTRATOS ELETRÔNICOS
4.1 Conceito e momento de formação
Semy Glanz define o contrato eletrônico como aquele que “é celebrado por meio de programas de computador ou aparelhos com tais programas. Dispensam assinaturas ou exigem assinatura codificada ou senha” (Glanz, 2000, p. 290). Deve-se informar, que dada a forma de celebração dos mesmos, devem ser aperfeiçoados os processos de assinatura codificadas ou senha, por processos de codificação denominados criptografia.
Em análise ao vigente Código Civil, percebe-se que o mesmo não se conflita com a forma de composição contratual, coadunando-se com as regras previstas nos arts. 427 e 428 do CC, exceto no que tange as formalidades exigidas para a celebração de algumas espécies contratuais, tal como ocorre na vênia marital ou outorga uxória. Fora isto, uma vez demonstrada a proposta e a aceitação, por exemplo, pela remessa do número de cartão de crédito ao policitante, o negócio virtual terá existência, validade e eficácia. A aceitação será sempre expressa, podendo dar-se por clickwap acceptante, isto é, por um simples clique no botão do mouse, aderindo aos termos estabelecidos pelo policitante.
O momento de celebração será na modalidade inter presentes, caso a contratação seja on line ou entre ausentes via email, neste caso, o computador funcionará como uma caixa postal, cuja mensagem poderá ser retirada a qualquer momento pelo receptor. Ainda referindo-se aos contratos estipulados via email, surge questão curiosa: O momento da recepção seria aquele no qual o provedor do oblato recebe a proposta ou quando o provedor descarrega a mensagem? Melhor solução seria considerar a mensagem como recebida no momento em que o provedor envia o arquivo para seu usuário.
4.2 Princípios
Os princípios jurídicos refletem a cultura sócio-jurídica de uma sociedade em um dado momento (ou no decorrer) de sua história, sendo o conteúdo principal formado pelos valores superiores aceitos como verdade por essa sociedade. Assim, não deixariam de existir para os contratos eletrônicos uma base principiológica que é comum aos contratos em geral, bem como é dotado de princípios específicos que servem de fundamento para o ordenamento jurídico e atuam como vetor na construção e aplicação das demais normas jurídicas, que a seguir serão expostos.
O primeiro princípio o da equivalência funcional dos contratos realizados em meio eletrônico com os contratos realizados por meios tradicionais, serve para preencher o vazio normativo existente na regulamentação dos contratos virtuais. Assim, fundamentalmente, um contrato efetivado via web, possui as mesmas características e os mesmos efeitos que um contrato comum. E em razão da escassez de regulamentação específica sobre a matéria, a doutrina confere para estes, a mesma validade jurídica que os contratos já regulados possuem. Ainda, o art. 5º da UNCITRAL editada em 1996 pelos norte-americanos neste sentido, trata que “Não se negarão efeitos jurídicos, validade ou eficácia à informação apenas porque esteja na forma de mensagem eletrônica”. Corrobora-se deste modo uma prática já defendida pela doutrina, garantindo-se que os contratos firmados eletronicamente, sejam válidos e eficazes da mesma forma que um contrato celebrado de forma comum.
Dada a constante mudança no ambiente digital, tendo em vista o desenvolvimento da tecnologia e o surgimento de novos softwares e sistemas mais avançados, emergiram os princípios da neutralidade e da perenidade das normas reguladoras do ambiente digital consoante as palavras de Sheila:
“As normas devem ser neutras para que não constituam em entraves ao desenvolvimento de novas tecnologias e perenes no sentido de se manterem atualizadas, sem necessidade de serem modificadas a todo instante” (LEAL, 2007, p. 91).
Então, pode-se inferir das palavras da mencionada autora, que as normas regulamentares da situação em comento devem estar um passo à frente dos desenvolvimentos tecnológicos, prevendo situações futuras ainda não existentes.
Os contratos eletrônicos possuem as características básicas do contrato comum, aliás, independentemente de ser celebrado no mundo virtual, um contrato de compra e venda, por exemplo, não deixará de sê-lo apenas por ter sido concluído eletronicamente. Pois, se presentes os elementos essenciais dos contratos, dar-se-à aos contratos eletrônicos tratamento igual dispensado aos contratos comuns, daí surge o princípio da conservação e aplicação das normas jurídicas existentes aos contratos eletrônicos.
Assim, os juristas devem fazer uso de ferramentas, tais como o método analógico, justamente para resolver os problemas suscetíveis de solução por meio da legislação contratual em voga. Não obstante a isso, deve ser dito que existem aspectos específicos dos negócios virtuais que não encontram correspondentes na legislação, cita-se como exemplo o meio de prova e formas de pagamento. Neste caso, não se pode negar a necessidade da criação de regulamento específico que discipline tal instituto.
O princípio da boa-fé é comum aos negócios jurídicos em geral. Porém em relação aos contratos eletrônicos, devido a vulnerabilidade e aos riscos de fraudes existentes no ciberespaço serem acentuados, se justifica a preocupação em preservar ao máximo a boa-fé que em tese, deve reger os interesses dos contratantes.
O Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor, foi o primeiro diploma a expor tal princípio, conforme se pode perceber em seu art. 4º e inciso III:
“A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...]III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.”
Analisando o dispositivo normativo supra, verifica-se que tal princípio visa a proteção da parte mais fraca da relação jurídica (hipossuficiente), aguardando que a parte que seja economicamente mais forte, aja de forma justa e leal, honrando com a confiança que lhe foi depositada.
4.3 Classificação
Os contratos em termos gerais merecem uma atenção especial, quanto à sua classificação. Com a finalidade reduzir a multiplicidade de suas espécies para categorias singulares, com características próprias, bem como para facilitar a sua interpretação. Então, tomando como base o art. 422 do Código Civil de 2002: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé", somente se saberá os efeitos deste contrato, para cada parte, se feita inicialmente a sua classificação para sua posterior interpretação. Os contratos eletrônicos, também seguem este ritmo, podendo ser classificados do modo que se segue.
Os contratos eletrônicos intersistêmicos consistem na modalidade contratual no qual, grandes empresas servem-se de um sistema, para minimizar o trabalho de reposição de estoque. Tecnicamente denomina-se o referido sistema de EDI (Eletronic Data Interchange), traduzido para o português é conhecido como Troca Eletrônica de Dados, uma forma de comunicação, pela qual, diversos aparelhos eletrônicos trocam informações por meio de protocolos. Para Sheila “as empresas envolvidas na contratação, via EDI, precedentemente ao início das operações comerciais eletrônicas” (LEAL, 2007, p. 83), já disciplinaram e detalharam os termos do negócio jurídico, bem como os direitos e obrigações e as atribuições de cada um. Assim, após a programação dos programas aplicativos, não há mais manifestação de vontade humana, pois os sistemas operam, automaticamente, sem qualquer intervenção humana. Portanto, num primeiro momento existe a manifestação da vontade humana, quando se predeterminou as linhas gerais do processo de contratação, para posteriormente prevalecer a “vontade informática”.
Neste cenário, questão importante surge. Na eventualidade de falhas dos sistemas, sobre quem cairá a responsabilidade? Correto será, considerar que a mesma recairá sobre aquele o qual o benefício da máquina estava atuando, tendo em vista que, a opção por este método de contratação foi exclusiva daquela pessoa, mesmo sabendo que nenhuma máquina é imune a falhas. Existe assim uma aceitação tácita aos riscos do sistema no momento de sua escolha, da mesma forma como ocorre, por exemplo, no empréstimo pessoal e de limite ao cheque especial, oferecido pelos bancos aos seus clientes correntistas. Ainda, se verificada que a falha foi devido a defeito em um ou ambos os sistemas ou, se de fato, decorreu de descumprimento de obrigação contratual, ficará autoriza a rescisão imediata do contrato.
Os contratos interpessoais ao seu turno permitem a comunicação entre pessoas por meio de um computador, em todas as fases da efetivação do contrato. É mais comumente feito em salas de chat (bate-papo) ou e-mail (correio eletrônico).
Dada a grande semelhança desta modalidade contratual, para com aqueles efetuados pelo correio convencional, devido à comparação do caminho virtual que a mensagem eletrônica com o trajeto de uma carta ou sedex do emitente até o seu destinatário. Podemos denominá-los também como contratos à distância.
Cita-se ainda, que a comunicação entre o policitante e o oblato faz-se em tempo real, como se fosse realizado via telefone. Pois, a depender do software utilizado pelas partes, existe a possibilidade da comunicação dos contratantes via web ser efetuada oralmente. Sheila considera que os contratos eletrônicos interpessoais poderão ser simultâneos, quando “celebrados em tempo real, on line” (LEAL, 2007, p. 86), possibilitando a interação imediata das vontades das partes, a exemplo dos contratos em salas de conversação ou videoconferência, e, como tal, considerados entre presentes.
Por outra via, serão não simultâneos, quando entre a manifestação de vontade de uma das partes e a aceitação pela outra, decorrer espaço mais ou menos longo de tempo. A esta última categoria pertencem os contratos por correio eletrônico, equiparados aos contratos entre ausentes, já que mesmo estando as partes se utilizando de seus computadores, concomitantemente, faz-se necessária nova operação para se ter acesso à mensagem recebida.
Foi importante a distinção feita pela autora acima citada, pois a depender da classificação dos contratos (entre presentes ou entre ausentes), os efeitos jurídicos serão distintos.
A última forma de contratação virtual existente, os contratos eletrônicos interativos se caracterizam pela comunicação entre uma pessoa e um provedor de internet, tal como se percebe nas lojas virtuais. Deve ser dito, que o sistema foi previamente programado pelo seu criador ou seu operador, realizando operações automáticas com o contratante, de oferta de bens e serviços na rede. No tocante à divulgação dos produtos no ciberespaço, Sheila diz que a partir do momento que o produto está à disposição dos interessados em rede, “considera-se feita à oferta ao público e, conseqüentemente, manifestada a vontade do fornecedor” (LEAL, 2007, p. 87). A referida autora ainda assevera que a vontade do consumidor seria manifestada no momento o qual o mesmo acessa o provedor de rede, preenchendo os campos eletrônicos à sua disposição para obter o produto pretendido, e ao confirmar os seus dados pessoais aderirá aos termos do fornecedor, sendo, portanto o contrato perfeito e eficaz.
Na referida categoria existe uma prevalência dos interesses dos fornecedores. Os produtos são anunciados, contendo todas as especificações dos contratos de adesão, em vista a impossibilidade de discussão das cláusulas por parte do aceitante. Ele simplesmente aceita ou não as cláusulas unilateralmente estipuladas pelo fornecedor, após isso o consumidor manifestará a sua aceitação, por meio do preenchimento dos seus dados bancários para pagamento em um simples formulário disponibilizado pelo próprio provedor do site de compras.
4.4 Aspectos gerais dos contratos eletrônicos
A validade contratual está vinculada à segurança e estabilidade que se espera dos negócios jurídicos. Válido será aquele documento que servirá como prova processual ou como título representativo de uma obrigação. O ciberespaço, por si só, inspira insegurança aos seus usuários da Internet, em vista a fragilidade que tal ambiente transparece.
Válido, portanto, é tudo aquilo que está de acordo com o ordenamento jurídico em vigor, atendendo na mesma medida os princípios gerais do direito, bem como aquilo que é concebido como ético. Na avaliação da validade dos contratos em rede, é necessário observar os seus elementos de validade, ou seja, os subjetivos, objetivos ou formais, acrescendo-se uma análise do plano de sua eficácia probatória.
Os elementos subjetivos vinculam-se à manifestação da vontade de duas ou mais pessoas para a efetivação do ato negocial, manifestação esta não viciada, acrescido das características pessoas dos contratantes, ou seja, a capacidade civil das partes, neste aspecto, apenas é válido nos termos dos artigos 3º e 4º do Código Civil, o contrato realizado por maiores de dezoito anos, desde que não estejam com as faculdades mentais comprometidas, se menores de 16 anos serão assistidos.
Assim, os atos praticados por um absolutamente incapaz são passíveis de nulidade, enquanto que os praticados por um relativamente incapaz estão sujeitos à anulabilidade, como se vê nos artigos 166, inciso I e 177, inciso I, ambos do Código Civil. Tais imposições normativas têm por finalidade a proteger os incapazes e, portanto, na prática, são relativizados os atos cotidianos praticados por estes, pois se presume a aceitação dos representantes legais.
Porém, no que tange à contratação virtual, considerar-se como corriqueira a aquisição de produtos por menores através da Internet, pela facilidade de acesso e navegação. Deve-se analisar no caso em concreto se o ato praticado pelo incapaz era um ato em que se poderia presumir a aceitação dos seus responsáveis legais, ou se houve uma relativização da incapacidade para os atos corriqueiros, situação esta que considera a realidade fática da situação. Assim, a depender do objeto em negociação e dada à complexidade da relação estabelecida, cria-se um critério no limite da razoabilidade, para aferir à anulação ou anulabilidade, dos contratos celebrados por menores e incapazes ou até mesmo a sua validade.
O Código Civil, aliás, traduz uma situação específica do menor que omite a sua idade, fazendo-se passar por maior e capaz para celebrar um contrato, nos termos no art. 180, in verbis: O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.
Depreende-se do artigo supra que em relação ao menor aplicar-se-á o princípio da boa-fé e a máxima de que ninguém pode se beneficiar da sua própria torpeza, devendo então os seus representantes legais responderem pelos prejuízos causados. Para evitar tais situações, os provedores de compras pela rede fornecem formulários para preenchimento de alguns dados pessoais, tais como data de nascimento e, ainda advertem que é proibida a contratação com menores de dezoito anos.
No que concerne ao estudo da identificação dos celebrantes dos contratos no ambiente de rede (ciberespaço), num primeiro momento, deve-se considerar que o provedor não se figurará como parte, cabendo-lhe somente disponibilizar o espaço para a realização do negócio jurídico, mas não obstante a isso, responderá o mesmo na eventualidade de vazamento do conteúdo do contrato estabelecido pelas partes.
Outra questão que merece atenção é o problema da identificação dos contratantes, visto que diante da não presença física dos mesmos para a manifestação da vontade em suporte físico (no papel), fica possibilitado a terceiros passarem-se por um das partes, apresentando seus dados pessoais, obtendo vantagem indevida em prejuízo à lisura do conteúdo negocial. Pois, certo é considerar que a mera digitação dos dados pessoais dos celebrantes, não proporciona segurança acerca da identidade dos mesmos.
Como solucionar tais questões? Para tanto, aqueles que pretendem utilizar o viés eletrônico para realizar negócios jurídicos podem se servir de técnicas, que garantam na mesma medida a segurança da informação e da identidade das partes, Newton de Luca as denomina como sendo “técnicas de autentificação das comunicações eletrônicas” (LUCA, 2007, p. 60), tais como:
O código secreto, senha ou número de identificação pessoal, por meio deste sistema, será combinado num cartão magnético dígitos conhecidos somente por seus titulares ou usuário credenciado junto ao provedor, trata-se de um sistema ao alcance de todos, visto que os bancos oferecem aos seus correntistas e poupadores cartões magnéticos;
As entidades bancárias estão em vias de implantação, de um sistema inovador, que identifique seus clientes pela leitura da impressão digital da pessoa, combinando ainda a pulsação do usuário do caixa de auto-atendimento;
A LG Electronics vem promovendo o Iris Acess, aparelho contendo um sensor de leitura da íris dos olhos, efetuando a focalização automática, comparando-a com o padrão armazenado anteriormente do cliente, liberando o seu acesso;
A esteneografia consiste numa modalidade de criptografia, pela qual embaralha a mensagem enviada do ofertante para o ofertado, tornando-a ilegível, ainda será inserida uma marca d’água digital, sobreposta sobre o documento, pois a ausência do mesmo representaria um indício de adulteração do documento;
Por fim, cita-se a criptografia assimétrica que emprega uma chave de segurança, para cifrar e decifrar a mensagem, os contratantes serão identificado por duas chaves, a primeira de acesso geral ao provedor, denominada de chave pública e a segunda denominada chave particular que identificará os usuários, possibilitando aos mesmos a descriptografia das mensagens que lhe foram destinadas. Trata-se do sistema mais seguro existente, pois garantirá concomitantemente o sigilo da identificação das partes e do conteúdo negocial, aliado ao sistema criptográfico em si.
Em termos gerais, os elementos objetivos relacionam-se com o objeto da relação jurídica contratual e os meios eletrônicos de pagamento utilizados pelas partes contratantes. Tal como ocorre nos contratos em gerais, os contratos virtuais devem possuir um objeto lícito, possível e determinado ou determinável, conceitos estes já identificados no terceiro capítulo, no contexto da rede, podemos considerar que os contratos em seu bojo, representam bens imateriais, tal como a informação do conteúdo contratual. Assim, os provedores de acesso à rede, bem com os fornecedores de produtos e serviços na web ficam responsabilizados pelo sigilo das informações de seus usuários, adotando medidas cabíveis para a preservação da relação de confiança que o consumidor nele depositou.
No que tange ao provedor de acesso à Internet, existe uma relação jurídica de prestação de serviços, fixada mediante contrato e protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, respondendo assim, de forma objetiva pelos dados causados ao usuário devido à má prestação do serviço, como por exemplo, falhas do sistema que impeçam o envio de e-mails.
De outro modo, o provedor de acesso não é parte na relação jurídica firmada entre duas pessoas pela Internet, pois o seu papel é de fornecer apenas os endereços de IP. Assim, seria o mesmo que reconhecer a companhia telefônica como parte no contrato efetuado entre duas pessoas por meio de telefone.
Estabelecido o objeto do contrato, passa-se para a análise das formas eletrônicas de pagamento. Nesse sentido, a parte aceitante da oferta, se identifica através de uma senha que lhe dá acesso aos fundos de suas contas bancárias e, a partir de então, são transferidos os valores para o beneficiário. Rodney diz que:
“Os sistemas mais utilizados de pagamento em meio eletrônico são: cartões de crédito, cartões de uso exclusivo para uso em ambiente virtual (cartões inteligentes e e-cards), carteiras eletrônicas, dinheiro eletrônico e e-cash e cartão de débito” (PEIXOTO, 2001, p. 103).
Tais meios de pagamento se sujeitam a diversos procedimentos estabelecidos pelos fornecedores, para garantir ao consumidor a validade e segurança de suas transações, tais como assinatura digital, criptografia e certificação digital.
Ainda na seara dos elementos objetivos, surge questão importante que se refere à eficácia probatória do documento eletrônico. Consoante os arts. 332 e 371 do CPC, III, o documento eletrônico valerá como espécie de prova documental atípica, na qual, usualmente não se apõe assinatura. Maria Helena defende que tal documentação terá “presunção júris tantum” (DINIZ, p.767, 2007) dada à facilidade de vazamento das informações sigilosas.
Para assegurar a veracidade das informações contidas no documento eletrônico, existe no Brasil o sistema ICP-Brasil, que confere um certificado digital para conferir credibilidade, tal sistema foi regulamentado pela MP nº 2.220-2/2001, para tanto, servidores da web, poderiam prestar serviços como cartórios ou tabelionatos particulares que atribuiriam um código de barras ao contrato, servindo como selo de certificação para o mesmo.
Assim, a eficácia probante do contrato eletrônico, num eventual dissídio poderá ser atestada pelo prudente arbítrio do judiciário, mediante o recurso dos meios probatórios admitidos em direito, Vale ressaltar, que, de um modo geral, a prova da validade, em um processo, cabe a quem alega, porém, se ficar caracterizada a relação de consumo, e havendo as hipóteses do art. 6º, VIII do CDC, o ônus da prova será invertido. Sendo ainda plenamente viável o assessoramento de um técnico em informática, ou seja, da prova pericial para averiguar a autenticidade a integridade do documento informático, demonstrando que o estabelecimento virtual está organizado de maneira a conferir os maiores graus de segurança quanto à identidade das partes e inalterabilidade do registro.
Os contratos de rede possuem as mesmas fases de formação dos contratos já conhecidos, tais como as negociações preliminares, oferta ou policitação e aceitação.
A fase preliminar, ainda não obriga os contratantes, ocorre tão somente as especulações numa futura eventualidade de realização do contrato, existe sim a responsabilidade pré-contratual ou conhecido por muitos como o pré-contrato, tendo em vista a expectativa de negócio criada. No ambiente de rede, a oferta ou policitação inicia o contrato, pois o web site contém uma série de elementos essenciais e suficientes para constituir uma oferta, ficando o produto ou serviço disponível de forma permanente para que o oblato venha a contratar, tornando-se perfeito a partir do momento no qual o usuário transmite a sua declaração de aceitação, marcando assim a perfeição do negócio jurídico, com a adesão por parte do oblato à proposta formulada pelo policitante.
Dependendo do meio de celebração do contrato via web, poderão os mesmos ser considerados “entre presentes” ou “entre ausentes”, analisando o art. 428 do Código Civil, consideram-se efetivados os contratos celebrados em salas de bate-papo (chat), no momento exatamente posterior à proposta, por serem contratos entre presentes. Por outro lado, reputam-se formados àqueles contratos os quais a caixa de e-mail serve como correio, no momento da expedição da mensagem eletrônica sem o estabelecimento da comunicação instantânea entre as partes, neste caso, aplica-se a Teoria da Expedição, prevista nos arts. 428, III, e 434, caput, do Código Civil.
Nos contratos interativos, que são aqueles nos quais o consumidor e o fornecedor não se encontram presentes simultaneamente no mesmo estabelecimento (lojas virtuais), se formam no momento da expedição da aceitação pelo oblato, e são, por óbvio, denominados de contratos entre ausentes.
Por último vale dizer, que nos contratos intersistêmicos, realizados entre computadores, o momento da conclusão se dá quando da programação dos sistemas pelos seus operadores, serão posteriormente executados automaticamente e fielmente ao que foi programado.
Vale ressaltar que a contratação eletrônica traz um problema quanto à confirmação de que a mensagem chegou aos seus destinatários, já que a sua transmissão percorre vários caminhos até chegar ao destinatário final.
5.0 LEGISLAÇÕES APLICAVEIS E PROJETOS DE LEIS EM DISCUSSÃO
Reiterando tudo aquilo que já foi dito, considera-se que o comércio eletrônico atingiu uma dimensão global. Constantemente, são celebrados contratos entre indivíduos que residem em países diferentes, assim, qualquer pessoa pode acessar um site na Internet, pondo em dúvida onde estará o consumo, e qual o tipo de consumidor com o qual os agentes econômicos terão de tratar. Este é mais um dos desafios existentes na seara dos contratos virtuais. Por exemplo, no Brasil, o exportador na origem procurava atender a todos os requisitos da legislação brasileira, mas no ciberespaço é diferente, não se sabe, a priori, quem é o consumidor, não se sabe quais são, por exemplo, as exigências que vigoram num país distante quanto á linguagem utilizável, imagens consideradas ofensivas. Em suma os agentes econômicos não têm mais um local físico ao qual obrigatoriamente se reportem, podendo os mesmos estar alocados fisicamente em qualquer lugar do mundo, e virtualmente num endereço apenas eletrônico. E em virtude disto tudo, surge à problemática da legislação que será aplicável num eventual dissídio resultante deste contrato.
Desta forma, a inexistência ou dificuldade de localização de um local físico onde se estabeleça o fornecedor e, a falta de uniformidade das legislações no âmbito internacional, torna necessária a análise do instituto da legislação aplicável aos contratos eletrônicos.
Nesse diapasão, há uma relativização do princípio da territorialidade adotada pelos Estados, para que, de acordo com os limites instituídos pelos ordenamentos jurídicos de cada Nação, sejam aplicadas leis estrangeiras dentro dos seus territórios, não podendo tais leis contrariarem princípios e direitos fundamentais nacionais.
No Brasil, a possibilidade da aplicação do direito alienígena no território nacional, ou, quando incabível esta hipótese, a supremacia da lei brasileira sobre as estrangeiras, encontra-se disciplinada em diversos institutos jurídicos, como a Lei de Introdução ao Código Civil, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), e até mesmo a jurisprudência já firmou seu entendimento no caso concreto.
O art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil prevê a possibilidade da extraterritorialidade com o intuito de facilitar as negociações internacionais. Porém, o art. 17 do mesmo diploma legal, estabelece que não serão aplicáveis as leis estrangeiras na hipótese de ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes. O ordenamento jurídico brasileiro vai mais além e, no art. 5º, XXXII da Constituição Federal erige à categoria de direito fundamental os direitos do consumidor.
Nesse sentido, consoante o art. 1º do Código de Defesa do Consumidor, tem-se a conclusão de que aos contratos eletrônicos de consumo, são aplicáveis as normas constantes no CDC, pois Sheila Leal considera tais normas “de ordem pública, cogentes e indisponíveis, e, nessas condições, aplicáveis aos contratos internacionais de e-commerce, para a proteção dos direitos dos consumidores brasileiros” (LEAL, 2007, p. 121). Do mesmo modo, a 4ª Turma do STJ, em sentença de RESP 63.981, cuja relatoria ficou ao encargo do Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJU 20.11.2000, entendeu que:
“Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso país. II – O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje “bombardeado” diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha d conta diversos fatos, dentre os quais, e como relevo, a respeitabilidade da marca. III – Se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anuncia e comercializam, não sendo razoável destinarem-se ao consumidor as conseqüências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos. IV – Impõe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as situações existentes. V – Rejeita-se a nulidade argüida quando sem lastro na lei ou nos autos.”
Apesar do posicionamento do STJ neste sentido, o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil estabelece que a aplicação obrigatória da lei brasileira nos demais países depende de autorização expressa destes. Em razão disto, é preferível aos contratantes a utilização da arbitragem e da auto-regulamentação como forma de solução dos conflitos, sendo ainda mais célere e mais efetiva, tendo em vista que as partes envolvidas no litígio decidem acerca das peculiaridades das controvérsias, mas, desde que respeite a Constituição Federal, as legislações infraconstitucionais, tal como os princípios que regem os contratos em geral.
No que se refere ao foro competente, o art. 111 do CPC dispõe que será competente aquele eleito pelas partes. Não havendo eleição de foro, julgará a causa o juízo do domicílio do réu, conforme a regra do art. 94 do CPC, caso a ação seja fundada em direito pessoal e, bem como também será competente o foro do local onde a obrigação deva ser satisfeita em se tratando de cumprimento forçado desta, consoante a regra do art. 100, inciso IV, “d”, CPC.
Alexandre Vianna Berenguer em artigo publicado no Jus Navigandi diz que:
“Na ausência de uma legislação mais específica, entende-se que os juízes devem utilizar-se dos princípios gerais de direito e dos costumes que lentamente se fixam para reger as controvérsias oriundas dos contratos eletrônicos, a fim de melhor atender às exigências da sociedade”.
Porém, certo é considerar, que tal fato gera um desconforto, uma vez que fica por conta da interpretação doutrinária e dos tribunais a resolução de possíveis conflitos envolvendo tais questões.
Ao se falar em legislação específica, muitos países seguem a Lei Modelo UNCITRAL, criada em 1996 pela United Nations Comission in International Trade Law (Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional), que, como o próprio nome já denuncia, serve como modelo para os países dela fazerem uso, seja enxertando parte dela nas leis do país ou se utilizando de todos os seus termos na criação de lei especial. Aliás o Congresso sem medo de errar, deve-se encontrar referência para a elaboração de um Código Brasileiro Telemático, na Lei Modelo UNCITRAL.
Cita-se ainda, que países com um legislativo mais sério e atuante, cumprindo efetivamente o papel que lhes incumbe já se ativaram em seus respectivos territórios edições de leis como base na UNCITRAL, visando regulamentar esse novo tipo de comércio, a Alemanha, Portugal, França e a Itália foram os pioneiros. Como evidenciado, e diante disto, atualmente nos resta infelizmente à possibilidade de aplicação do Código Consumerista, tal como das normas do atual Código Civil, para regulação dos contratos em geral.
A realidade brasileira necessita de uma melhor e mais específica regulamentação do comércio eletrônico, para tanto, tramitam alguns Projetos de Leis no Congresso Nacional, como o PL 4.906/01, e o PL nº 1.589/99 de autoria da OAB/SP que já foi apenso ao anterior, cita-se também a medida provisória, MP nº 2.200-2/01 já mencionada em capítulo anterior, que seguramente complementarão as aplicações de relações jurídicas no comércio eletrônico. Muito embora existam esses projetos em trâmite no Congresso, estes se encontram parados desde 2002, apesar do pedido de urgência de análise, pela relevância da matéria.
Por conseguinte, um futuro código brasileiro do comércio eletrônico baseado na UNCITRAL, se apresentará como moderno que prescindirá de modificações prementes e, ademais, a grande conquista para àqueles que utilizam a rede mundial de computares como meio de celebração, será no sentido de que ocorrerá uma internacionalização da legislação telemática, ou seja, a lei não está sendo feita visando aplicação somente em solo pátrio, mas sim visando possíveis eventos que envolvam legislação internacional.
6. CONCLUSÃO
Diante dos argumentos expostos no presente trabalho, observa-se que o direito vigente precisa adaptar-se para melhor regulamentar as novas relações sociais advindas da evolução tecnológica e do avanço do comércio eletrônico.
A tecnologia, por meio da Internet, possibilitou aos indivíduos (compradores) fazerem compras sete dias por semana, 24 horas por dia e em qualquer lugar do mundo. Ao passo que os fornecedores podem manter suas lojas (virtuais) abertas 365 dias no ano, com baixíssimo custo de manutenção e sem grandes interferências humanas (mão-de-obra).
Em análise geral, os contratos eletrônicos são firmados utilizando a Internet como meio de comunicação e são considerados como um contrato como outro qualquer, apenas sendo efetivados de forma virtual, possuindo assim suas peculiaridades.
Destarte, tais contratos não consistem numa nova modalidade contratual, mas, sim, numa nova forma de sua celebração, pois diferem dos contratos tradicionais somente no que concerne à sua formação, que se dá em meio virtual. Celebrados à distância, cujos procedimentos de oferta, aceitação e pagamento são realizados em rede.
Foi possível constatar que, diferentemente do comércio tradicional, prepondera nos contratos eletrônicos a liberdade de uso (princípio da liberdade das formas), a escassa legislação, a despersonalização, a flexibilização dos conceitos de tempo e de espaço (atemporalidade e desterritorialização) e também a dispensabilidade, em regra, de contato físico, de documentos físicos, escritos em papel (desmaterialização).
Importante destacar também que o contrato eletrônico deve preencher todos os requisitos e pressupostos de validade aplicáveis aos contratos tradicionais e, em virtude da vulnerabilidade do ambiente digital em que ele se encontra presente, deve-se tomar todos os cuidados quanto à segurança dos procedimentos pré-contratuais.
Na ausência de uma legislação mais específica, entende-se que os juízes devem utilizar-se dos princípios gerais de direito e dos costumes que lentamente se fixam para reger as controvérsias oriundas dos contratos eletrônicos, a fim de melhor atender às exigências da sociedade. Porém, esta falta de normalização específica causa desconforto e certos conflitos nestas contratações, uma vez que fica por conta da interpretação doutrinária e dos tribunais a resolução de possíveis conflitos envolvendo tais questões.
Ressalta-se que na contratação pela Internet não há fronteiras, é um fenômeno global e de efeitos mundiais. Tratando-se de contratos de consumo, estes têm dominado o instituto dos contratos eletrônicos no mundo moderno, tendo em vista a facilidade que as pessoas e empresas têm hoje em se comunicarem, mesmo que estejam em lados opostos do mundo.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP 63.98, Da 4ª Turma, Brasília, DF, DJU 20.11.2000. Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia. Acesso em: 29 set. 2009.
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Contratos e atos unilaterais, 2ª ed. São Paulo, 2006.
GOMES, Orlando. Contratos. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
JORNADA DE DIREITO CIVIL, 2002 Brasília. Resumos. Brasília: Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. 2002.
LANNES. Carolina Nogueira. O novo Código Civil e os contratos eletrônicos via Internet..Acesso em: 30 de set 2009.
LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos: Validade jurídica dos contratos via internet. São Paulo: Atlas, 2007.
MILAGRE, José Antonio. A difícil legislação sobre os contratos eletrônicos . Acesso em: 30 de set 2009.
Rodney de Castro Peixoto http://www.wirelessbrasil.org/rodney_peixoto/rp01.html Introdução à tecnologia de infra-estrutura de Chaves Públicas
RIBEIRO DA SILVA, Rosana. Negócios Jurídicos na Internet. . Acesso em: 01 de set 2009.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: dos contratos e das declarações. 30 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2004.
STURION, Alexandre de Paula. Contratos eletrônicos na relação de consumo.. Acesso em: 30 de set 2009.
ANEXO
PROJETO DE LEI Nº 4.906, DE 2001
(PLS Nº 672, DE 1999) (APENSADOS OS PROJETOS DE LEI Nº 1.483, DE 1999 E Nº 1.589, DE 1999)
Dispõe sobre o comércio eletrônico.
Autor: SENADO FEDERAL
Relator: Deputado Júlio Semeghini
O Congresso Nacional decreta:
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º Esta lei dispõe sobre a validade jurídica e o valor probante do documento eletrônico e da assinatura digital, regula a certificação digital, institui normas para as transações de comércio eletrônico e estabelece sanções administrativas e penais aplicáveis.
Art. 2º Para os efeitos desta lei, considera-se:
I – documento eletrônico: a informação gerada, enviada, recebida, armazenada ou comunicada por meios eletrônicos, ópticos, opto-eletrônicos ou similares;
II – assinatura digital: resultado de um processamento eletrônico de dados, baseado em sistema criptográfico assimétrico, que permite comprovar a autoria e integridade de um documento eletrônico cifrado pelo autor com o uso da chave privada;
III – criptografia assimétrica: modalidade de cifragem que utiliza um par de chaves distintas e interdependentes, denominadas chaves pública e privada, de modo que a mensagem codificada por uma das chaves só possa ser decodificada com o uso da outra chave do mesmo par;
IV – entidade certificadora: pessoa jurídica que esteja apta a expedir certificado digital e oferecer ou facilitar serviços de registro e datação da transmissão e da recepção de documentos eletrônicos;
V – certificado digital: documento eletrônico expedido por entidade certificadora que atesta a titularidade de uma chave pública;
VI – autoridade credenciadora: órgão responsável pelo credenciamento voluntário de entidades certificadoras.
Parágrafo único. O Poder Público determinará a aplicação das disposições constantes desta lei para a assinatura digital a outros processos que satisfaçam os requisitos operacionais e de segurança daquela.
TÍTULO II
DO DOCUMENTO ELETRÔNICO E DA ASSINATURA DIGITAL
Capítulo I
Dos efeitos jurídicos do documento eletrônico e da assinatura digital
Art. 3º Não serão negados efeitos jurídicos, validade e eficácia ao documento eletrônico, pelo simples fato de apresentar-se em forma eletrônica.
§ 1º Considera-se original o documento eletrônico digitalmente assinado por seu autor.
§ 2º Considera-se cópia o documento eletrônico resultante da digitalização de documento físico, bem como a materialização de documento eletrônico original em forma impressa, microfilmada ou registrada em outra mídia que permita a sua leitura em caráter permanente.
Art. 4º As declarações constantes de documento eletrônico original presumem-se verdadeiras em relação ao signatário, desde que a assinatura digital:
I – seja única e exclusiva para o documento assinado;
II – seja passível de verificação pública;
III – seja gerada com chave privada pertencente ao signatário e mantida sob o seu exclusivo controle;
IV – esteja ligada ao documento eletrônico de tal modo que se o conteúdo deste se alterar, a assinatura digital estará invalidada;
V – não tenha sido gerada posteriormente à expiração, revogação ou suspensão das chaves.
Art. 5º A titularidade da chave pública poderá ser provada por todos os meios de direito, vedada a prova exclusivamente testemunhal.
Parágrafo único. Não será negado valor probante ao documento eletrônico e sua assinatura digital, pelo simples fato de esta não se basear em chaves certificadas por uma entidade certificadora credenciada.
Art. 6º Presume-se verdadeira, entre os signatários, a data do documento eletrônico, sendo lícito, porém, a qualquer deles, provar o contrário por todos os meios de direito
§ 1º Após expirada ou revogada a chave de algum dos signatários, compete à parte a quem o documento beneficiar a prova de que a assinatura foi gerada anteriormente à expiração ou revogação.
§ 2º Entre os signatários, para os fins do parágrafo anterior, ou em relação a terceiros, considerar-se-á datado o documento particular na data:
I - em que foi registrado;
II - da sua apresentação em repartição pública ou em juízo;
III - do ato ou fato que estabeleça, de modo certo, a anterioridade da formação do documento e respectivas assinaturas.
Art. 7º Aplicam-se ao documento eletrônico as demais disposições legais relativas à prova documental que não colidam com as normas deste Título.
Capítulo II
Da falsidade dos documentos eletrônicos
Art. 8º O juiz apreciará livremente a fé que deva merecer o documento eletrônico, quando demonstrado ser possível alterá-lo sem invalidar a assinatura, gerar uma assinatura eletrônica idêntica à do titular da chave privada, derivar a chave privada a partir da chave pública, ou pairar razoável dúvida sobre a segurança do sistema criptográfico utilizado para gerar a assinatura.
Art. 9º Havendo impugnação do documento eletrônico, incumbe o ônus da prova:
I - à parte que produziu o documento, quanto à autenticidade da chave pública e quanto à segurança do sistema criptográfico utilizado;
II - à parte contrária à que produziu o documento, quando alegar apropriação e uso da chave privada por terceiro, ou revogação ou suspensão das chaves.
TÍTULO III
DOS CERTIFICADOS DIGITAIS
Capítulo I
Dos certificados digitais e seus efeitos
Art. 10 Os certificados digitais produzirão, entre o ente certificante e a pessoa certificada, os efeitos jurídicos definidos no contrato por eles firmado.
Parágrafo único. Em relação a terceiros, a certificação produz os efeitos que o ente certificante declarar à praça, se mais benéficos a aqueles.
Art. 11 Para fazer prova em relação ao titular indicado no certificado, é necessário que, no ato de sua expedição:
I - o requerente seja pessoalmente identificado pela entidade certificadora;
II - o requerente reconheça ser o titular da chave privada, identificada com elementos suficientes para sua individualização;
III - sejam arquivados registros físicos comprobatórios dos fatos previstos nos incisos anteriores, assinados pelo requerente, a serem exibidos em juízo, quando necessário.
Art. 12 Os certificados digitais deverão conter pelo menos as seguintes informações:
I – identificação e assinatura digital da entidade certificadora;
II – identificação da chave pública a que o certificado se refere e do seu titular, caso o certificado não seja diretamente apensado àquela;
III – data de emissão e prazo de validade;
IV – nome do titular e poder de representação de quem solicitou a certificação, no caso do titular ser pessoa jurídica;
V – data de nascimento do titular, se pessoa física;
VI – elementos que permitam identificar o sistema de criptografia utilizado.
§ 1º Na falta de informação sobre o prazo de validade do certificado, este será de dois anos, contados da data de emissão.
§ 2º A regulamentação desta lei poderá determinar a inclusão de informações adicionais no certificado digital, em respeito a requisitos específicos conforme a finalidade do certificado.
Art. 13 São obrigações do titular do certificado digital:
I – fornecer as informações solicitadas pela entidade certificadora, observado o inciso
VII do Art. 18;
II – manter sigilo e controle da chave privada;
III – solicitar a revogação dos certificados nos casos de quebra de confidencialidade ou comprometimento da segurança de sua chave privada.
§ 1º O titular do certificado digital será civilmente responsável pela falsidade das informações fornecidas à entidade certificadora, sem prejuízo das sanções penais aplicáveis, bem como pelo descumprimento das obrigações previstas no caput deste artigo.
§ 2º Exclui-se a responsabilidade do titular do certificado, decorrente do inciso II do caput deste artigo, quando o uso da assinatura digital lhe for imposto ou os meios a ele fornecidos para a criação das chaves não ofereçam garantias de auditabilidade e controle do risco.
Capítulo II
Da suspensão e revogação de certificados digitais.
Art. 14 A entidade certificadora suspenderá temporariamente o certificado digital:
I – a pedido por escrito do titular, devidamente identificado para o evento, ou de seu
representante legal;
II – quando existam fundadas razões para crer que:
a. o certificado foi emitido com base em informações errôneas ou falsas;
b. as informações nele contidas deixaram de ser condizentes com a realidade; ou
c. a confidencialidade da chave privada foi violada.
Parágrafo único. A suspensão do certificado digital com fundamento no inciso II deste artigo será sempre motivada e comunicada prontamente ao titular, bem como imediatamente inscrita no registro do certificado.
Art. 15 A entidade certificadora deverá revogar um certificado digital:
I - a pedido por escrito do titular, devidamente identificado para o evento, ou de seu representante legal;
II – quando expirado seu prazo de validade;
III – de ofício ou por determinação do Poder Judiciário, caso se verifique que o certificado foi expedido com base em informações falsas;
IV – de ofício, se comprovadas as razões que fundamentaram a suspensão prevista no inciso II do Art. 14;
V – tratando-se de entidade certificadora credenciada, por determinação da autoridade credenciadora, na forma do inciso IX do Art. 24 desta lei;
VI – se a entidade certificadora vier a encerrar suas atividades sem que seja sucedida por outra entidade nos termos do § 1º do Art. 20 desta lei;
VII – por falecimento ou interdição do signatário, se pessoa física, ou no caso de falência ou dissolução de sociedade, se pessoa jurídica.
TÍTULO IV
DAS ENTIDADES CERTIFICADORAS
Capítulo I
Dos princípios gerais
Art. 16 A atividade de certificação digital será regida pelos seguintes princípios:
I - liberdade de contratação, observadas as normas de defesa do consumidor;
II - preservação da privacidade do usuário;
III - dispensa de autorização prévia;
IV - direito do usuário a ser adequadamente informado sobre o funcionamento dos sistemas criptográficos utilizados e os procedimentos técnicos necessários para armazenar e utilizar com segurança a chave privada;
V - vedação ao depósito de chaves privadas pela entidade certificadora.
Art. 17 Poderão ser entidades certificadoras as pessoas jurídicas de direito público ou privado, constituídas sob as leis brasileiras e com sede e foro no País.
Parágrafo único. O funcionamento de entidade certificadora independe do credenciamento previsto no Art. 21 desta lei, sendo obrigatória apenas a comunicação, ao Poder Público, do início das atividades.
Capítulo II
Dos deveres e responsabilidades das entidades certificadoras
Art. 18 As entidades certificadoras deverão:
I – emitir certificados conforme o solicitado ou acordado com o signatário da assinatura digital;
II – implementar sistemas de segurança adequados à criação, emissão e arquivamento de certificados digitais;
III – implementar sistemas de proteção adequados para impedir o uso indevido da informação fornecida pelo requerente de certificado digital;
IV – operar sistema de suspensão e revogação de certificados, procedendo à imediata publicação nas hipóteses previstas nesta lei;
V – tornar disponível, em tempo real e mediante acesso eletrônico remoto, lista de certificados emitidos, suspensos e revogados;
VI – manter quadro técnico qualificado;
VII - solicitar do requerente de certificado digital somente as informações necessárias para sua identificação e emissão do certificado;
VIII – manter confidencialidade sobre todas as informações obtidas do titular que não constem do certificado;
IX – exercer as atividades de emissão, suspensão e revogação de certificados dentro dos limites do território brasileiro.
§ 1º Os dados pessoais não serão usados para outra finalidade que não a de certificação, salvo se consentido expressamente pelo requerente, por cláusula em destaque, que não esteja vinculada à realização da certificação.
§ 2º A quebra da confidencialidade das informações de que trata o inciso VIII do caput deste artigo, quando determinada pelo Poder Judiciário, respeitará os mesmos procedimentos previstos em lei para a quebra do sigilo bancário.
Art. 19 A entidade certificadora é responsável civilmente pelos danos sofridos pelo titular do certificado e por terceiros, decorrentes da falsidade dos certificados por ela emitidos ou do descumprimento das obrigações previstas no Art. 18.
Art. 20 O registro de certificado expedido por uma entidade certificadora deve ser por ela conservado até o término do prazo exigido pela lei que regular o negócio jurídico associado ao certificado, não inferior, em qualquer caso, a vinte anos.
§ 1º No caso de pretender cessar voluntariamente a sua atividade ou tiver a falência decretada por sentença transitado em julgado, a entidade certificadora deverá:
I – comunicar a intenção à autoridade credenciadora com antecipação mínima de três meses;
II – comunicar aos titulares dos certificados por ela emitidos, com antecedência de trinta dias, a revogação dos certificados ou a sua transferência a outra entidade certificadora.
§ 2º No caso de revogação dos certificados mencionados no inciso II do § 1º, emitidos por entidade certificadora credenciada, a guarda da respectiva documentação será de responsabilidade da autoridade credenciadora.
Capítulo III
Do credenciamento voluntário
Art. 21 Poderão ser credenciadas pela autoridade competente, mediante requerimento, as entidades certificadoras que preencham os seguintes requisitos, conforme a regulamentação desta lei:
I - capacitação técnica para prestar os serviços de certificação, nos termos definidos nesta lei;
II – recursos de segurança física e lógica compatíveis com a atividade de certificação;
III - capacidade patrimonial adequada à atividade de certificação, ou manutenção de contrato de seguro suficiente para cobertura dos danos eventualmente causados;
IV - integridade e independência no exercício da atividade de certificação;
V – garantia da qualidade das informações transmitidas aos requerentes, quanto ao uso e procedimentos de segurança dos sistemas utilizados.
Art. 22 Às entidades certificadoras credenciadas será atribuído um sinal gráfico, atestando que atendem aos requisitos previstos no Art. 21.
Parágrafo único. O credenciamento permitirá à entidade certificadora utilizar, com exclusividade, o sinal previsto no caput deste artigo, bem como a designação de "entidade certificadora credenciada".
Art. 23 O credenciamento será revogado, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis na forma desta lei, nos casos em que:
I – for obtido por meio de declaração falsa ou expediente ilícito;
II – deixar de se verificar algum dos requisitos previstos no Art. 21;
III – deixar a entidade certificadora de exercer suas atividades por período superior a doze meses;
IV – ocorrerem irregularidades insanáveis na administração, organização ou no exercício das atividades da entidade certificadora;
V – forem praticados atos ilícitos ou que coloquem em perigo a confiança do público na certificação.
§ 1º A revogação compete à autoridade credenciadora, em decisão fundamentada, devendo a entidade certificadora ser notificada no prazo de sete dias úteis.
§ 2º A autoridade credenciadora dará ampla publicidade à decisão.
Capítulo IV
Da autoridade credenciadora
Art. 24 O Poder Público designará autoridade credenciadora, a quem caberá:
I – apreciar pedido de credenciamento apresentado por entidade certificadora;
II - solicitar emendas ao pedido ou informações complementares e proceder, diretamente ou por terceiros, às averiguações e inspeções necessárias à apreciação do pedido;
III – estabelecer condições adicionais desde que necessárias para assegurar o cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis ao exercício da atividade de certificação;
IV – expedir declaração de credenciamento, estabelecendo o seu prazo de validade;
V – conduzir auditorias periódicas para verificar se as condições do credenciamento se preservam, na forma da regulamentação;
VI – manter e divulgar relação de entidades certificadoras credenciadas;
VII – divulgar amplamente a suspensão ou revogação de credenciamento;
VIII – aplicar sanções administrativas nas hipóteses previstas nesta lei;
IX – determinar a suspensão temporária ou a revogação de certificado digital emitido por entidade certificadora por ela credenciada quando constatada irregularidade.
TÍTULO V
DO COMÉRCIO ELETRÔNICO
Capítulo I
Da contratação no âmbito do comércio eletrônico
Art. 25 A oferta de bens, serviços e informações não está sujeita a qualquer tipo de autorização prévia pelo simples fato de ser realizada por meio eletrônico.
Art. 26 Sem prejuízo das disposições do Código Civil, a manifestação de vontade das partes contratantes, nos contratos celebrados por meio eletrônico, dar-se-á no momento em que:
I – o destinatário da oferta enviar documento eletrônico manifestando, de forma inequívoca, a sua aceitação das condições ofertadas; e
II – o ofertante transmitir resposta eletrônica transcrevendo as informações enviadas pelo destinatário e confirmando seu recebimento.
§ 1º A proposta de contrato por meio eletrônico obriga o proponente quando enviada por ele próprio ou por sistema de informação por ele programado para operar automaticamente.
§ 2º A manifestação de vontade a que se refere o caput deste artigo será processada mediante troca de documentos eletrônicos, observado o disposto nos arts. 27 a 29 desta lei.
Art. 27 O documento eletrônico considera-se enviado pelo remetente e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrônico definido por acordo das partes e neste for recebido.
Art. 28 A expedição do documento eletrônico equivale:
I – à remessa por via postal registrada, se assinado de acordo com os requisitos desta lei, por meio que assegure sua efetiva recepção; e
II - à remessa por via postal registrada e com aviso de recebimento, se a recepção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao remetente e por este recebida.
Art. 29 Para os fins do comércio eletrônico, a fatura, a duplicata e demais documentos comerciais, quando emitidos eletronicamente, obedecerão ao disposto na legislação comercial vigente.
Capítulo II
Da proteção e defesa do consumidor no âmbito do comércio eletrônico
Art. 30 Aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de defesa e proteção do consumidor vigentes no País, naquilo que não conflitar com esta Lei.
Art. 31 A oferta de bens, serviços ou informações por meio eletrônico deve ser realizada em ambiente seguro, devidamente certificado, e deve conter claras e inequívocas informações sobre:
I – nome ou razão social do ofertante;
II – número de inscrição do ofertante no respectivo cadastro geral do Ministério da Fazenda e, em se tratando de serviço sujeito a regime de profissão regulamentada, o número de inscrição no órgão fiscalizador ou regulamentador;
III – domicílio ou sede do ofertante;
IV – identificação e sede do provedor de serviços de armazenamento de dados;
V – número de telefone e endereço eletrônico para contato com o ofertante;
VI – tratamento e armazenamento, pelo ofertante, do contrato ou das informações fornecidas pelo destinatário da oferta;
VII – instruções para arquivamento do contrato eletrônico pelo aceitante, bem como para sua recuperação em caso de necessidade; e
VIII – sistemas de segurança empregados na operação.
Art. 32 Para o cumprimento dos procedimentos e prazos previstos na legislação de proteção e defesa do consumidor, os adquirentes de bens, serviços e informações por meio eletrônico poderão se utilizar da mesma via de comunicação adotada na contratação para efetivar notificações e intimações extra-judiciais.
§ 1º Para os fins do disposto no caput deste artigo, os ofertantes deverão, no próprio espaço que serviu para o oferecimento de bens, serviços e informações, colocar à disposição dos consumidores área específica, de fácil identificação, que permita o armazenamento das notificações ou intimações, com a respectiva data de envio, para eventual comprovação.
§ 2º O ofertante deverá transmitir uma resposta automática aos pedidos, mensagens, notificações e intimações que lhe forem enviados eletronicamente, comprovando o recebimento.
Capítulo III
Da solicitação e uso das informações privadas
Art. 33 O ofertante somente poderá solicitar do consumidor informações de caráter privado necessárias à efetivação do negócio oferecido, devendo mantê-las em sigilo, salvo se prévia e expressamente autorizado pelo respectivo titular a divulgá-las ou cedê-las.
§ 1º A autorização de que trata o caput deste artigo constará em destaque, não podendo estar vinculada à aceitação do negócio.
§ 2º Sem prejuízo de sanção penal, responde por perdas e danos o ofertante que solicitar, divulgar ou ceder informações em violação ao disposto neste artigo.
Capítulo IV
Das obrigações e responsabilidades dos provedores
Art. 34 Os provedores de acesso que assegurem a troca de documentos eletrônicos não podem tomar conhecimento de seu conteúdo, nem duplicá-los por qualquer meio ou ceder a terceiros qualquer informação, ainda que resumida ou por extrato, sobre a existência ou sobre o conteúdo desses documentos, salvo por indicação expressa do seu remetente.
§ 1º Igual sigilo recai sobre as informações que não se destinem ao conhecimento público armazenadas no provedor de serviços de armazenamento de dados.
§ 2º Somente mediante ordem do Poder Judiciário poderá o provedor dar acesso às informações acima referidas, sendo que as mesmas deverão ser mantidas, pelo respectivo juízo, em segredo de justiça.
Art. 35 O provedor que forneça serviços de conexão ou de transmissão de informações, ao ofertante ou ao adquirente, não será responsável pelo conteúdo das informações transmitidas.
Art. 36 O provedor que forneça ao ofertante serviço de armazenamento de arquivos e sistemas necessários para operacionalizar a oferta eletrônica de bens, serviços ou informações não será responsável pelo seu conteúdo, salvo, em ação regressiva do ofertante, se:
I – deixou de atualizar as informações objeto da oferta, tendo o ofertante tomado as medidas adequadas para efetivar as atualizações, conforme instruções do próprio provedor; ou
II – deixou de arquivar as informações ou, tendo-as arquivado, foram elas destruídas ou modificadas, tendo o ofertante tomado as medidas adequadas para seu arquivamento, segundo parâmetros estabelecidos pelo provedor.
Art. 37 O provedor que forneça serviços de conexão ou de transmissão de informações, ao ofertante ou ao adquirente, não será obrigado a vigiar ou fiscalizar o conteúdo das informações transmitidas.
Art. 38 Responde civilmente por perdas e danos, e penalmente por co-autoria do delito praticado, o provedor de serviço de armazenamento de arquivos que, tendo conhecimento inequívoco de que a oferta de bens, serviços ou informações constitui crime ou contravenção penal, deixar de promover sua imediata suspensão ou interrupção de acesso por destinatários, competindo-lhe notificar, eletronicamente ou não, o ofertante, da medida adotada.
TÍTULO VI
DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS
Art. 39 As infrações às normas estabelecidas nos Títulos II, III e IV desta lei, independente das sanções de natureza penal e reparação de danos que causarem, sujeitam a entidade infratora à penalidade de multa de dez mil reais a um milhão de reais cominada, no caso de entidade credenciada, à suspensão de credenciamento ou à sua revogação.
§ 1º As sanções estabelecidas neste artigo serão aplicadas pela autoridade credenciadora, considerando-se a gravidade da infração, vantagem auferida, capacidade econômica, e eventual reincidência.
§ 2º A pena de suspensão poderá ser imposta por medida cautelar antecedente ou incidente de procedimento administrativo.
Título VII
DAS SANÇÕES PENAIS
Art. 40 A quebra de sigilo das informações de que trata o inciso VIIII do Art. 18 e os arts. 33 e 34 desta lei constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos.
Art. 41 Equipara-se ao crime de falsificação de papéis públicos, sujeitando-se às penas do art. 293 do Código Penal, a falsificação, com fabricação ou alteração, de certificado digital de ente público.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena de crime de falsificação de papéis públicos quem utilizar certificado digital público falsificado.
Art. 42 Equipara-se ao crime de falsificação de documento público, sujeitando-se às penas previstas no Art. 297 do Código Penal, a falsificação, no todo ou em parte, de documento eletrônico público, ou a alteração de documento eletrônico público verdadeiro.
Parágrafo único. Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aplica-se o disposto no § 1º do Art. 297 do Código Penal.
Art. 43 Equipara-se ao crime de falsidade de documento particular, sujeitando-se às penas do Art. 298 do Código Penal, a falsificação, no todo ou em parte, de certificado ou documento eletrônico particular, ou alteração de certificado ou documento eletrônico particular verdadeiro.
Art. 44 Equipara-se ao crime de falsidade ideológica, sujeitando-se às penas do Art. 299 do Código Penal, a omissão, em documento ou certificado eletrônico público ou particular, de declaração que dele devia constar, ou a inserção ou fazer com que se efetue inserção, de declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
Parágrafo único. Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aplica-se o disposto no parágrafo único do Art. 299 do Código Penal.
Art. 45 Equipara-se ao crime de supressão de documento, sujeitando-se às penas do Art. 305 do Código Penal, a destruição, supressão ou ocultação, em benefício próprio ou de outrem, de documento eletrônico público ou particular verdadeiro, de que não se poderia dispor.
Art. 46 Equipara-se ao crime de extravio, sonegação ou inutilização de documento,sujeitando-se às penas previstas no Art. 314 do Código Penal, o extravio de qualquer documento eletrônico, de que se tem a guarda em razão do cargo, ou sua sonegação ou inutilização, total ou parcial.
Título VIII
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 47 As certificações estrangeiras de assinaturas digitais terão o mesmo valorjurídico das expedidas no País, desde que a entidade certificadora esteja sediada e seja devidamente reconhecida em país signatário de acordos internacionais relativos ao reconhecimento jurídico daqueles certificados, dos quais seja parte o Brasil.
Art. 48 Para a solução de litígios de matérias objeto desta lei poderá ser empregado sistema de arbitragem, obedecidos os parâmetros da Lei n° 9.037, de 23 de setembro de 1996, dispensada a obrigação decretada no § 2° de seu Art. 4°, devendo, entretanto, efetivar-se destacadamente a contratação eletrônica da cláusula compromissória.
Título IX
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 49 O Poder Executivo regulamentará a presente lei no prazo de noventa dias.
Art. 50 Esta lei entra em vigor em cento e vinte dias, contados da data de sua publicação.
Sala da Comissão, em 08 de agosto de 2001.
Deputado JULIO SEMEGHINI
Relator
Publicado por: Pavel Paleologos
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