RELACIONAMENTOS ABUSIVOS A UM PASSO DO FEMINICÍDIO NO BRASIL

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1. RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo mostrar o feminicídio como consequência trágica e fatal de relacionamentos abusivos que já demonstravam sinais de abuso e agressão, seja ele físico, psicológico, emocional ou qualquer outro tipo, e, deste modo, poderia ter sido evitado se os atos contra a mulher não fossem banalizados e tolerados por diferentes setores da sociedade, sejam brancos ou negros, pobres ou ricos. Dados da Organização Mundial de Saúde apontam que o Brasil está na 5ª colocação no ranking de países com maior número de feminicídios. (NOBERTO, 2020). Deste modo, o feminicídio é um tema de relevante importância, devendo ser tratado com seriedade, visando conscientizar as mulheres da necessidade de perceber os sinais de abuso, violência e discriminação e denunciar seus agressores para que os casos de feminicídio e a luta pela igualdade e integridade da mulher possa ser respeitada. Para o desenvolvimento do trabalho, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, dissertando sobre o relacionamento abusivo, a história da mulher Maria da Penha e a e a criação da Lei nº 11.340/2006 e a Lei 13.104/2015 sobre Feminicídio, e, a importância de reconhecer os sinais de abuso, violência e discriminação buscando prevenir, combater e erradicar o feminicídio no brasil. Conclui-se que é preciso discutir sobre o feminicídio para que haja maior reflexão e, através do conhecimento dos sinais de abuso e da legislação no combater a violência contra a mulher, as mulheres possam denunciar e lutar pelo seu direito à igualdade, não se deixando coagir por qualquer tipo de abuso, para que os casos de feminicídio possam ser prevenidos, combatidos e, espera-se, erradicados.

Palavras-Chave: Relacionamento Abusivo. Violência. Discriminação. Legislação. Feminicídio. Combate.

2. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo mostrar o feminicídio como uma consequência trágica e fatal de relacionamentos abusivos que já demonstravam sinais de abuso e agressão, seja ele físico, psicológico, emocional ou qualquer outro tipo, e, deste modo, poderia ter sido evitado se os atos contra a mulher não fossem banalizados e tolerados por diferentes setores da sociedade, sejam brancos ou negros, pobres ou ricos.

Dados da Organização Mundial de Saúde apontam que o Brasil está na 5ª colocação no ranking de países com maior número de feminicídios. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, entre os anos de 2016, 2017 e 2018, 3.200 mulheres morreram vítimas de feminicídio no Brasil e, o Conselho Nacional de Justiça estima que este número deve ter um aumento de mais 3.000 casos que não foram contabilizados como feminicídio (NOBERTO, 2020).

Deste modo, o feminicídio é um tema de relevante importância, devendo ser tratado com seriedade, visando conscientizar as mulheres da necessidade de perceber os sinais de abuso, violência e discriminação e denunciar seus agressores para que os casos de feminicídio e a luta pela igualdade e integridade da mulher possa ser respeitada.

As relações abusivas ocorrem em todas as camadas sociais, profissionais, familiares, amistosas, e, particularmente neste estudo, serão tratados os abusos cometidos em relacionamentos amorosos praticados pelos homens em relação às mulheres, pelo fato único e exclusivo de serem do sexo feminino, por isto o nome feminicídio, como aponta Souza (2018).

Inicia-se o trabalho com uma síntese do que vem a ser um relacionamento abusivo, bem como as principais práticas inerentes à conduta do homem para com a mulher e o motivo pelo qual estas continuam nesses tipos de relacionamento tóxico, caracterizando-se por diferentes modos de violência, podendo assim evoluir para o desfeche mais triste e cruel que é o assassinato das vítimas pelo simples fato de representarem o gênero feminino, elevando assim o índice da estatística do feminicídio no Brasil.

Muitas mulheres demoram muito tempo para identificar que estão em um relacionamento abusivo, pois este se inicia de forma sutil, e, como ela está emocionalmente dependente do agressor, acredita que o abuso é, de certo modo, uma forma de carência e cuidado de seu companheiro para com ela, justificando que se caracteriza por ser uma demonstração de ciúme e amor.

O assunto, porém merece ser explorado não somente no âmbito da violência em si, mas na importância de se perceber os sinais de abuso que são características de relacionamentos deste tipo, que poderão levar à morte das mulheres vítimas de seus companheiros abusadores. Deste modo, é fundamental mostrar a evolução destes sinais, com o intuito de ajudar muitas mulheres que estão sofrendo deste mal, e possam, com isso, identificá-los mais rapidamente a fim de serem libertas desse tipo de relacionamento, ou até mesmo para aquelas que estão iniciando um relacionamento abusivo, possam estar atentas.

Posteriormente, será realizado um estudo da Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, contando um pouco da trajetória de vida da mulher que deu nome a esta Lei, mostrando o histórico de relacionamento abusivo, os maus tratos e a violência doméstica que lhe impunha seu marido.

Em seguida, será abordado sobre o feminicídio, que é a qualificadora do homicídio de pessoas do gênero feminino, consequência final de uma série de abusos anteriores que sofrem estas mulheres em seu relacionamento. A referida lei, então, busca punir mais gravosamente o assassino de mulheres, que, geralmente, é o próprio esposo.

Por fim, são destacados alguns passos para prevenir e combater o feminicídio no Brasil, objetivando minimizar os casos e obter sua erradicação.

A metodologia utilizada do ponto de vista da sua natureza é do tipo básica. Quanto a abordagem do problema é uma pesquisa qualitativa, isto é,  tem base no caráter subjetivo, usando narrativas escritas ou faladas. Sobre os procedimentos técnicos caracteriza-se por ser uma pesquisa bibliográfica, elaborada a partir de material escrito já publicado, constituído principalmente de livros, doutrinas, jurisprudências, reportagens e artigos veiculados em jornais, revistas jurídicas e científicas, bem como em sites da internet. Artigos, que atualmente são disponibilizados na Internet. E, quanto aos objetivos é do tipo exploratória, proporcionando familiaridade com o problema com vistas a torna-lo explícito (CERVO et al, 2007).

3. DESENVOLVIMENTO

3.1. RELACIONAMENTO ABUSIVO

Relacionamento abusivo nomeia um relacionamento afetivo amoroso onde existem abuso, coação, tentativa de controlar e ter poder sobre o outro (PESSOA, 2019). Está em evidência como objeto de discussão nos variados âmbitos sociais, da academia até as conversas cotidianas, passando pelas mídias de comunicação. Para Groeninga (2011), relacionamento significa a capacidade de relacionar-se, conviver bem com seus semelhantes, e abusivo é o uso excessivo ou imoderado de poderes.

Como bem assegura Barreto (2015), pode-se dizer que em uma relação abusiva predomina a vontade incontrolável de exercer poder sobre o outro, onde claramente é possível identificar como possessividade ou uma relação de posse, de pertencer ao outro. Importante destacar que esse tipo de comportamento é gradual, iniciando sutilmente, passando quase despercebido, e que, com o tempo, tende a ser cada vez mais agressivo, causando mais sofrimento à vítima.

Os relacionamentos abusivos acontecem geralmente por violência psicológica, sexual, moral e/ou física dos parceiros, maridos e namorados, podendo ocorrer de forma conjunta ou separadamente, acarretando consequências psicológicas. O abuso consiste em dependência emocional, manipulação, mentiras, torturas e violência de todos os tipos. Day et al (2013) revelam que “a agressão física é quase sempre seguida de agressão psicológica e de sexo forçado”.

Segundo Sotero (2017, n.p.):

Os relacionamentos abusivos nem sempre vêm com violência física e verbal tão perceptíveis, a violência geralmente é psicológica e silenciosa. O controle das roupas que podem ser usadas, dos lugares que podem ser frequentados, das pessoas com quem se pode andar, das atividades que se pode realizar e do domínio pessoal sob ameaça de término da relação são exemplos de comportamentos que indicam estar dentro de um relacionamento abusivo.

É importante identificar os diferentes tipos de violência presentes nos relacionamentos abusivos, pois em perpetrados num contexto, muitas vezes, doméstico e, por isso, entendido como privado e limitado à intervenção externa, podem ser mantidos de forma velada e muitas vezes causar autoculpabilização por parte da vítima que não percebe que está participando de um relacionamento abusivo, já que não ocorre violência física. Isso ocorre porque estas mulheres desconhecem os outros tipos de violência.

Além disso, como esclarece Sotero (2017), pode-se dizer que muitas mulheres mesmo sendo controladas pelo tom de voz de seus parceiros, que agem como fossem donos da mulher, invadindo sua privacidade, não respeitando limites, qual seja uma espiadela nas mídias sociais sem consentimento, talvez por insegurança, desconfiança ou ciúmes excessivo, pouco importa o motivo, já caracteriza um relacionamento abusivo com predisposição a evoluir para um relacionamento violento, podendo chegar ao feminicídio.

Existem diferentes tipos de abuso, segundo o autor supracitado, podendo ser citados, por exemplo: físico, psicológico, sexual e econômico. O abuso ou violência psicológica e silenciosa, como citou a referida autora, machuca tanto ou mais que o próprio abuso físico, pois passa quase imperceptível como forma de abuso, e suas consequências podem afetar, inclusive, a autoimagem e percepção da vítima. Envolve atos verbais ou não verbais que humilham, depreciam, rejeitam, desrespeitam ou punem através do uso de palavras de baixo calão ou que firam a integridade, bem como a imposição por parte do violador de um isolamento social, lavagem cerebral e destruição da autonomia da vítima.

O abuso físico é caracterizado pelas violências que marcam a pessoa fisicamente, seja por meio de tapas, socos, empurrões, sufocamentos, cortes, perfurações, isto é, o uso de força que visa ferir o outro, deixando marcas visíveis ou não feitas pelo abusador. Outro tipo de abuso é o sexual, onde a prática do ato sexual é realizada sem o consentimento da vítima, podendo ser caracterizada como estupro ou qualquer tipo de controle sexual ou de reprodução, ou quaisquer atitudes que deixem a vítima constrangida com relação ao ato, causando-lhe degradação emocional, física sexual. E, por fim, o abuso econômico, que se define por ser um ato do violador em subjugar a vítima a sentir-se dependente financeiramente dele para satisfazer desde suas necessidades básicas até as seculares, no intuito de mantê-la ainda mais sob seus domínios. Abusos estes, que são violências (MARQUES, 2005).

Day et al (2003, p. 15) destaca:

Na violência doméstica contra a mulher, o abuso pelo parceiro íntimo é mais comumente parte de um padrão repetitivo, de controle e dominação, do que um ato único de agressão física. O abuso pelo parceiro pode tomar várias formas, tais como: – Agressões físicas como golpes, tapas, chutes e surras, tentativas de estrangulamento e queimaduras, quebras de objetos favoritos, móveis, ameaças de ferir as crianças ou outros membros da família; – Abuso psicológico por menosprezo, intimidações e humilhação constantes; – Coerção sexual; – Comportamentos de controle tipo isolamento forçado da mulher em relação à sua família e amigos, vigilância constante de suas ações e restrição de acesso a recursos variados.

E, neste sentido, um dos principais indicadores de um abusador são ciúmes e possessividade em doses exageradas; querer exercer controle sobre as ações e decisões da parceira, privá-la do contato com a família e amigos, agredir verbal ou fisicamente, pressionar ou obrigar a parceira a ter relações sexuais.

Nestes relacionamentos, as maiores vítimas são as mulheres e os principais agressores são os parceiros íntimos (BARRETO, 2018; LEITE, 2019), fator também apontado por Day et al (2003):

A violência contra as mulheres é diferente da violência interpessoal em geral. Os homens têm maior probabilidade de serem vítimas de pessoas estranhas ou pouco conhecidas, enquanto que as mulheres têm maior probabilidade de serem vítimas de membros de suas próprias famílias ou de seus parceiros íntimos.

Esta fala comprova que a mulher pode sofrer de seu próprio parceiro as diferentes formas de abuso, devendo, assim, estar atenta a todos estes sinais de agressão e denuncie os abusos para que possa prevenir um mal futuro, aumentando ainda mais as estatísticas dos casos de violência contra a mulher no Brasil.

3.2. DA HISTÓRIA DA MULHER MARIA DA PENHA E A CRIAÇÃO DA LEI Nº 11.340/2006

Não há como falar em relacionamento abusivo e violência doméstica sem se falar na Lei Maria da Penha. Assim, com o objetivo de alcançar e educar mulheres que sofrem em seus relacionamentos é imprescindível conhecer a história de vida e, consequentemente, o surgimento da lei intitulada com o nome da mulher por trás da biografia.

Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica bioquímica (Universidade de São Paulo – USP) e mestre em Parasitologia em Análises Clínicas (USP), natural do Estado brasileiro do Ceará, nasceu em fevereiro de 1945. O caso desta mulher representa milhares de mulheres brasileiras que vivem a mesma situação de abuso doméstico. Criou o Instituto Maria da Penha e sua busca por justiça faz dela um símbolo na luta da vida sem violência (IMP, 2019).

Em 1974, cursando o mestrado, conheceu Marco Antônio Heredia Viveros, colombiano, que também estudava na mesma Universidade. No mesmo ano começaram a namorar e como todo abusador, no início ele demonstrava ser muito amável, atencioso e prestativo com todos à sua volta. Em aproximadamente dois anos se casaram e se mudaram para Fortaleza, onde iniciou seu processo de distanciamento social. Neste período já tinham três filhas, e, com cidadania brasileira e estabilidade financeira, seu marido iniciou o clássico caso de relacionamento abusivo (ibid).

Agindo sempre com intolerância, ficando nervoso facilmente, impaciente, com comportamento impetuoso, explosivo, não só com a Maria da Penha, sua companheira, como também com as próprias filhas. Estabelecendo-se então um clima de medo constante, com maior frequência da tensão cotidiana e das atitudes violentas. Formando-se então o ciclo do relacionamento abusivo, isto é, aumento da tensão, incidentes de violência e, após, o arrependimento, buscando assim se reconciliar com a vítima mostrando-se gentil, entrando no que é chamado de lua de mel (ibid).

Em 1983, Maria da Penha sofreu dupla tentativa de feminicídio, praticada por seu marido, que atirou em suas costas enquanto ela dormia, deixando-a paraplégica e com traumas psicológicos. No intuito de esconder sua identidade, Marco Antonio em depoimento à polícia, declarou que haviam sofrido uma tentativa de assalto, versão esta, contestada pela perícia (ibid).

Passados quatro meses, depois de duas cirurgias, Maria da Penha regressa a casa e é mantida em cárcere privado por quinze dias. Neste período, seu esposo faz uma nova tentativa de feminicídio, tentando eletrocutá-la durante o banho. Neste momento, sua família e amigos perceberam os abusos sofridos e resolvem tirá-la de casa com o devido amparo jurídico, para não configurar abandono de lar, visando proteger a guarda de suas filhas (ibid).

Lutando por justiça, Maria da Penha teve que esperar oito anos, quando somente em 1991 foi realizado o primeiro julgamento, onde Marco Antonio foi condenado a quinze anos de prisão. No entanto, devido a recursos apresentados pela defesa, ele saiu do Fórum em liberdade. Em 1996, houve o segundo julgamento que também foi descartado sob a alegação de irregularidades processuais (ibid).

Já em 1998, o caso tomou dimensão internacional ao ser denunciado pela própria Maria da Penha, em conjunto com órgãos competentes, para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Pelo Estado brasileiro se manter omisso, violando os direitos humanos e deveres protegidos por documento próprio assinado1, em 2001, o Estado foi “responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras, diante ao silêncio das denúncias” (IMP, 2019).

Galvão (2017, p. 7) afirma:

Assassinadas por parceiros ou ex, por familiares ou desconhecidos, estupradas, esganadas, espancadas, mutiladas, negligenciadas, violentadas por instituições públicas, invisibilizadas: mulheres morrem barbaramente todos os dias no país, mas os feminicídios não emergem como uma realidade intolerável para o Estado e nem para grande parte da sociedade.

Desse modo, a história de Maria da Penha representava um exemplo de impunidade recorrente no Brasil, mostrando mais que um caso isolado, mas, sobretudo, que os agressores de mulheres não eram devidamente punidos e conseguiam sair impunes mesmo depois de condenados.

E foi assim que, após as recomendações pela CIDH2 ao Estado Brasileiro, que em 2002 foi contemplada a necessidade de uma lei que atuasse em defesa de mulheres vítimas de relacionamentos abusivos, com qualquer tipo de violência já mencionada, como foi o caso de Maria da Penha.

Em virtude dessa questão, da ausência de medidas legais e efetivas, “como acesso à justiça, proteção e garantia de direitos humanos às vítimas”(IMP, 2019), em 2002 criaram-se as ONGs Feministas3, com o intuito de engendrar uma lei de combate à violência contra a mulher. E, a partir de isso, em 7 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei de nº 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, representando o reconhecimento da luta a favor do cumprimento dos direitos humanos das mulheres. O Estado do Ceará teve que lhe pagar indenização a título de reparação por danos materiais e morais (IMP, 2019).

A Lei Maria da Penha possui 46 artigos distribuídos em 7 títulos que buscam prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal (art. 226, § 8º) e os Tratados Internacionais ratificados pelo Estado brasileiro. O art.5º da Lei n º 11.340/06 dispõe:

Art. 5º - Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único.

As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual (BRASIL, 2006).

A Lei Maria da Penha surge como forma de punir mais severamente as agressões e abusos contra o sexo feminino, protegendo e lutando o direito à vida dessas mulheres, buscando, com isso, evitar o feminicídio. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2015), comprovaram que a partir da criação da Lei Maria da Penha, houve uma diminuição de 10% nos casos de feminicídio. E, para que esta porcentagem aumente, é importante que as mulheres reconheçam que estão sendo abusadas, conheçam a legislação e façam a denúncia.

E, assim, diante desta lei, fica assegurado os direitos humanos das mulheres contra qualquer tipo de violência doméstica e familiar, ou relacionamentos abusivos praticados contra a mulher, visando minimizar e, até mesmo futuramente, erradicar os casos de feminicídio no Brasil.

3.3. FEMINICÍDIO E A LEGISLAÇÃO

Com o surgimento da Lei nº 13.104, de 09/03/2015, o Código Penal sofreu alterações com o acréscimo do inciso VI com a finalidade de abordar o feminicídio, que é o homicídio doloso (consumado ou mesmo quando há a tentativa de homicídio) qualificado cometido contra pessoas exclusivamente do sexo feminino (VENTURA, 2015) e altera, ainda, o art. 1º da Lei 8.072/1990 (Lei de crimes hediondos), incluindo o feminicídio neste contexto.

Segundo Pereira (2015), existem três tipos de feminicídio: o íntimo, o não íntimo e o por conexão. No feminicídio íntimo, agressor e vítima tem ou tiveram algum tipo de relacionamento amoroso ou afetivo, seja ele cometido por familiar, parceiro ou amigo. No não íntimo, não há vínculo afetivo, como pessoas do trabalho ou algum desconhecido. E, finalmente, o feminicídio por conexão, que são os casos de mulheres que foram mortas no lugar de outras, ocorrendo, então, um “aberratio ictus”.

O artigo 121, § 2° do Código Penal, inciso VI esclarece:

Art. 121.

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

Feminicídio

VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

§ 2° A - Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I – violência doméstica e familiar;

II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher (BRASIL, 2015).

E ainda dispõe, em seu §7º, incluído pelas Leis nº 13.104/15 e nº 13.771/18, aumento de um terço até a metade da pena se o crime for cometido em algumas situações, a saber:

I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;

III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;

IV - em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

Neste caso, os incisos citados no parágrafo 7º são agravantes do crime e devem ser tratados como tal, para que outros casos possam ser evitados e que seus autores e os futuros tenham respeito pelas mulheres e seus direitos e sintam que deve ter justiça nos casos contra a mulher. No entanto, para que a justiça aconteça e haja a diminuição e mesmo a prevenção do feminicídio no Brasil, é indispensável que temas como este sejam abordados cada vez mais, encorajando as mulheres a se manifestarem e denunciarem os abusos sofridos e não tolerem demonstrações de violência e/ou discriminação.

O art. 1º do Decreto nº 4377/02 discorre sobre a discriminação contra a mulher, citada no inciso II, § 2° A, do art. 121:

[...] toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

Assim, qualquer ato praticado contra a mulher, por causa do seu gênero ser feminino, é uma forma de discriminação e deve, desta maneira, ser denunciada e punida. Entretanto, com efeitos de aplicação da Lei nº 13.104/15 é preciso recorrer à Lei nº 11.340/06 em seu artigo 5º, incisos I, II, III, citada anteriormente, para a compreensão, principalmente, de que o feminicídio acontece quando há uma relação de proximidade com entre vítima e agressor, independente da orientação sexual do agressor, no entanto, a vítima será sempre do sexo feminino.

Em caso da vítima ser transexual, Ventura (2015, n.p.) esclarece, conforme a lei, que há dois entendimentos:

a) não há Feminicídio contra transexual, pois é geneticamente homem (conceito biológico); b) adota-se o “conceito jurídico”, pois, se a Justiça autorizou a modificação do documento, pode ser vítima de Feminicídio.

Ainda que pese inúmeras discussões acerca do tema, prevalece o segundo entendimento na corrente majoritária.

Segundo o autor supracitado, o feminicídio incide na triste condição machista de acreditar que a mulher é um ser inferior e adverte que para se configurar como um feminicídio deve haver uma violência de gênero, não é qualquer homicídio contra a mulher que será considerado um feminicídio, e exemplifica que em uma discussão de trânsito, onde um homem mata uma mulher, neste caso, prevalece o artigo 121, § 2°, VI do Código Penal, que considerado o ocorrido um homicídio qualificado por motivo fútil.

A Constituição Federal de 1988 propõe em seu artigo 5º, inciso I, igualdade entre homens e mulheres, não obstante, essa é uma realidade que não vem sendo pregada, e, para que haja efetivação deste artigo, a lei Maria da Penha e a inclusão do feminicídio no Código Penal são formas de auxiliar e equilibrar este processo, buscando garantir a igualdade vigente na legislação. Gebrim e Borges (2014, p. 59) confirmam que historicamente e mesmo nos dias atuais, a mulher continua sendo considerada um gênero subordinado socioculturalmente e, por este motivo, os homens mantém uma “relação de poder”, onde perpetua um modelo de “dominação, controle e opressão” que desencadeia a “discriminação, o individualismo, a exploração e o estereótipo”. Este tipo de pensamento atrasado e nefasto levam a práticas de abuso e violência contra sua integridade.

Buscando minimizar este quadro, levando em consideração a legislação vigente que trata do assunto, é preciso conscientizar a população, em especial as mulheres, de seus direitos e de que estas consigam detectar os sinais de abuso para, então, denunciar e evitar um possível feminicídio, lutando, deste modo, por sua integridade física, emocional e psicológica.

3.4. RECONHECENDO OS SINAIS DE ABUSO, VIOLÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO BUSCANDO PREVENIR, COMBATER E ERRADICAR O FEMINICÍDIO NO BRASIL

No Brasil, com o alto índice de feminicídios e abusos contra a mulher, faz-se imprescindível tratar do tema, visando buscar meios para que seja possível reconhecer os sinais de abuso, violência e discriminação contra a mulher na tentativa de prevenir, combater e erradicar o feminicídio.

Segundo Araújo (2008, p. 4):

A ideologia de gênero é um dos principais fatores que levam as mulheres a permanecerem em uma relação abusiva. Muitas delas internalizam a dominação masculina como algo natural e não conseguem romper com a situação de violência e opressão em que vivem.

É preciso que as mulheres rompam com este estigma do “consentimento”, acreditando que a dominação de poder masculina é algo natural e inevitável. Um simples puxão de cabelo, um xingamento, um empurrão, o controle sobre a roupa que a mulher usa, com quem conversa, onde vai, o assédio no trabalho, uma tapa, uma facada, o cárcere privado, o menosprezo, o rebaixamento intelectual, cultural, de conduta, de limpeza, humilhação, repressão, chantagem, manipulação, e muitos outros, são consideradas agressões e não devem ser toleradas pelas mulheres.

Pessoa (2019) escreve que a manipulação é um meio para o agressor modificar a situação para que seu ponto de vista seja o correto e que a vítima sinta culpa e se redima de algo que ela não fez. Quanto mais a vítima perdoa os erros do agressor, piores são os abusos e a violência. Infelizmente, muitas mulheres tem medo e vergonha de denunciar ou de sair desse tipo de relacionamento abusivo, por diversos motivos, como dependência financeira, filhos, família ou mesmo por “terem esperança de que o companheiro mude” (FONSECA, 2016 apud PESSOA, 2019).

O feminicídio não deve ser tratado apenas como o ato final, a morte da vítima, pois para que isso aconteça, muitas mulheres sofrem ou sofreram tortura, agressões físicas, verbais, emocionais ou psicológicas. Foram forçadas, estupradas, banalizadas, negadas, oprimidas, desmotivadas, mutiladas, privadas e tantos outros sinais de violência que devem reconhecidos e pesar para que, de algum modo, se faça justiça por todo o sofrimento envolvido e as mulheres consigam perceber estes atos como sinais de abuso, violência e discriminação e que estas denunciem e busquem auxílio para que o feminicídio possa ser evitado.

As leis do feminicídio e Maria da Penha estão feitas com a intenção de coibir a violência contra a mulher, no entanto, é necessário que outras camadas da sociedade, não só a vítima, estejam no caminho para a erradicação do feminicídio. Diante disso, Prateano (2017) indica quatro passos no combate, prevenção e erradicação do feminicídio:

1) Capacitação de profissionais: no atendimento às mulheres vítimas de agressão;

2) Amparo às sobreviventes e suas famílias;

3) Educação e conscientização da população: buscando desestruturar o pensamento histórico de sexismo, misoginia e desigualdade de gênero;

4) Uma mídia consciente e responsável: com falas que estejam de acordo ao contexto da vítima, não menosprezando ou reproduzindo uma esfera de violência e sexismo.

Buscando reafirmar a importância desses passos e a garantir os direitos da mulheres estão a Lei Maria da Penha e a incorporação do feminicídio no Código Penal, como provas de que a luta por justiça tem sua representatividade e as mulheres não devem se calar diante de relacionamentos abusivos.

Por este motivo, desde 2005, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (BRASIL, 2020) possui uma “central de atendimento à mulher em situação de violência”, o Ligue 180, amparado pela Lei Maria da Penha, um “serviço de utilidade pública gratuito e confidencial” que funciona 24 horas, com o propósito principal de receber denúncias de violência, informando as mulheres sobre seus direitos.

4. CONCLUSÃO

É possível concluir que a violência e o abuso contra a mulher não é demonstrado apenas em agressões físicas, mas também emocionais, psicológicas, afetivas e é fundamental que estas mulheres possam reconhecer os sinais de alerta para identificá-los mais facilmente e para que não chegue ao desfecho mais cruel que é o feminicídio.

O trabalho buscou abordar os principais sinais de alerta que são inerentes ao comportamento do agressor, que acontecem gradativamente o que muito dificulta a identificação da violência, no intuito de contribuir e ajudar mulheres a identificarem relacionamentos tóxicos e abusivos.

A legislação vem sendo modificada a fim de combater a violência contra a mulher. No entanto, é de fundamental importância que as mulheres não se deixem coagir e denunciem qualquer tipo de abuso para que os casos de feminicídio possam ser prevenidos, combatidos e, espera-se, erradicados.

É importante que as mulheres conheçam a legislação, os sinais de abuso e a história de Maria da Penha para que não se sintam sozinhas e tenham força de lutar por seus direitos no combate ao relacionamento abusivo, à violência contra a mulher, a discriminação e o feminicídio, lutando, assim, pelos direitos iguais como propõe a Constituição Federal brasileira.

5. REFERÊNCIAS

ARAUJO, M. F. Gênero e violência contra a mulher: o perigoso jogo de poder e dominação. Psicol. Am. Lat., México, n. 14, 2008.

BARRETTO, Raquel Silva. Psicóloga explica relacionamento abusivos: o que é e como sair dessa situação. 2015. Entrevista. UNESP, São Paulo, 2015. Disponível em:. Acessado em: 05/02/2020

_________. Relacionamentos abusivos: uma discussão dos entraves ao ponto final. Gênero. Niterói, v. 18, n. 2, p. 142-154, 1. sem/2018. Disponível em: . Acesso em: 02 mar. 2020.

BRASIL, Lei n.º 13.104, de 09 de março de 2015. Disponível em Acesso em 01/05/2020

_______. Lei n.º 11.340, de 07 de agosto de 2006. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso em 01/05/2020

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1 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica; Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará; Convenção sobre a Eliminação do Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher) (IMP, 2019).

2 - Completar, rápida e efetivamente, o processamento penal do responsável da agressão e tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Maria da Penha Maia Fernandes.

- Proceder a uma investigação séria, imparcial e exaustiva a fim de determinar a responsabilidade pelas irregularidades e atrasos injustificados que impediram o processamento rápido e efetivo do responsável, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias correspondentes.

- Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o responsável civil da agressão, as medidas necessárias para que o Estado assegure à vítima adequada reparação simbólica e material pelas violações aqui estabelecidas, particularmente por sua falha em oferecer um recurso rápido e efetivo; por manter o caso na impunidade por mais de quinze anos; e por impedir com esse atraso a possibilidade oportuna de ação de reparação e indenização civil (IMP, 2019).

- Prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil. A Comissão recomenda particularmente o seguinte:

a) Medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica.

b) Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo.

c) O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às consequências penais que gera.

d) Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários à efetiva tramitação e investigação de todas as denúncias de violência doméstica, bem como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes judiciais.

e) Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará, bem como ao manejo dos conflitos intrafamiliares. (IMP, 2019).

3 Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA); Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos (ADVOCACI); Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE); Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA); Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM/BR); e Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero (THEMIS), além de feministas e juristas com especialidade no tema. (IMP, 2019). 


Publicado por: Fabiane Jose Mateus

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