Principio Constitucional da Livre Iniciativa
1.INTRODUÇÃO
Configurar os principais contornos do sistema, o histórico, a fundamentação, a aplicação, repercussão prática e casos atuais do princípio constitucional econômico da livre iniciativa será o principal desafio deste trabalho. Para tanto, inicialmente iremos determinar a natureza do instituto Sistema Jurídico, sistema constitucional, histórico dos direitos econômicos, Sistema econômico e Constituição Econômica, conceituando-os, até chegarmos ao subsistema constitucional econômico.
Antes de fazer quaisquer considerações sobre o assunto, retro, cumpre prima facie, fazer uma ressalva, pois o presente trabalho é um dissertação expositiva, sobre o princípio constitucional da livre inciativa, por isso, através de exposições o trabalho tem o direcionamento de tentar através de um todo, chegar ao restrito.
O início do trabalho pelo conceito e delimitação de sistema acontece justamente por ser de fundamental importância a compreensão deste tema (o todo) para que se possa transitar com serenidade, e, posteriormente, diante do contexto do Sistema-jurídico-econômico possamos fazer uma conclusão acerca da Ordem Econômica e de um dos principais princípios constitucionais do direito econômico, que é o princípio constitucional da livre iniciativa.
2. SISTEMA JURÍDICO
2.1.Conceito e classificações
O estudo dos princípios constitucionais econômicos demanda, previamente, a compreensão de sistema, o seu conceito e suas subdivisões, no tocante ao sistema jurídico. O conceito de sistema poderia inicialmente ser veiculado como um conjunto harmônico de proposições unitárias, relacionadas entre si e voltadas para um objetivo comum.
O ilustre Paulo de Barros, tratando do tema e delimitando-o a partir de seu significado de base, procura enunciar que:
"(...)Surpreendido no seu significado de base, o sistema aparece como o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema."
Desta forma, como o fenômeno do direito é um fenômeno de linguagem o conceito do Professor Paulo de Barros visa englobar não só o seu conjunto de elementos unitários, proposições unitárias ou o seu complexo de relações, mas sim, permite visualizar a completude do sistema.
Seguindo neste diapasão, CANARIS, conforme enuncia Juarez Freitas, entende que o fundamento do sistema jurídico encontra-se no princípio da justiça;
"A idéia de sistema jurídico encontra fundamento, segundo Canaris, no princípio da justiça e das suas concretizações no princípio da igualdade e na tendência para a generalização(p.22)."
Este seria, segundo CANARIS, o elemento fundante do sistema. A idéia do professor Canaris, apesar de colocar como elemento de suporte do sistema um elemento abstrato, de múltipla conceituação, indeterminado, encontra, em sua indeterminação, relativa proximidade com o postulado defendido por Paulo de Barros, ao qual compreende ser o elemento fundante do sistema jurídico a norma hipotética fundamental.
2.2 - SISTEMA CONSTITUCIONAL
Tendo-se conceituado sistema jurídico, podemos imediatamente passar ao nosso objetivo subseqüente que é elucidar alguns pequenos tópicos sobre sistema constitucional, mais propriamente, sistema constitucional brasileiro.
Dentro do conceito exposto anteriormente, podemos colocar a Constituição do Brasil como o último elemento de validade semântica de nosso ordenamento, que irradia efeitos para todo ele, condicionando-o no dizer de PAULO DE BARROS é o: "(...)fundamento último de validade semântica que é a constituição do Brasil."
Desta forma, impõe-se compreender o sistema constitucional como aquele que fundamenta toda a ordem jurídica, dada a condição de superioridade hierárquica de seus princípios e regras, iluminadores de todo o ordenamento.
Importante também ressaltar que a Constituição, conquanto seja um elemento sistêmico harmônico, não traduz uma completude plena de seus dispositivos no ordenamento, posto que é, fundamentalmente, um sistema aberto de regras e princípios, denotando, assim, a impossibilidade de compreender-se o sistema constitucional de forma fechada, completa.
As lacunas existem, os aspectos valorativos, a realidade conjuntural, a todo momento impõem um redimensionamento dinâmico de seus valores, não se podendo tratá-los de forma estática, o que, sem dúvida, torna a Constituição em um sistema aberto de normas e princípios.
O sistema jurídico constitucional configura-se aberto justamente porque necessita, para sua aplicabilidade, de se inter-relacionar com a realidade fática, estando propenso às mudanças históricas e valorativas, pois não é a constituição um fim em si mesmo, fechada às estruturas de interpretação dialógicas.
Deve-se ter por exato também que não poderia ser a constituição um sistema meramente prescritivo de regras, em que se pretenda exaurir a regulação das condutas humanas, seja em nível constitucional ou infraconstitucional, tornando o sistema completo em sua plenitude.
Esta não seria uma proposição possível, haja vista nenhum sistema ter capacidade de exaurir em regras a regulação das condutas humanas. Caso este intento fosse realizado, poder-se-ia ter um sistema dotado de plena segurança jurídica, porém desfalcado da necessária flexibilidade para trabalhar estas regras e, consequentemente, buscar um melhor balanceamento dos valores e interesses presentes em uma sociedade eminentemente pluralista, como as sociedades modernas.
Também não poderia um sistema constitucional ser meramente principiológico, dotado apenas de pautas direcionadoras de condutas, de princípios que, como sabemos, são dotados de conceitos jurídicos indeterminados no mais das vezes, o que, apesar de possibilitar o contrabalanceamento de valores, tornaria a segurança jurídica um fenômeno quase inexistente.
Ademais, não importa para isto que os princípios sejam expressos, pois é tendência do fenômeno jurídico trabalhar, deduzindo do próprio sistema como um todo, com princípios implícitos, normalmente supra-ordenadores o que, de qualquer forma, acabaria por redundar na falta de segurança jurídica acima mencionada.
3. HISTÓRICO DA GARANTIA DOS DIREITOS ECONÔMICOS
A disciplina dos direitos econômicos como categorias jurídicas não é um fenômeno recente. Suas raízes remetem-se ao início do século XX, quando as Constituições do México, de 1917, e de Weimar, de 1919, debutaram a consignação de normas sobre a ordem econômica em âmbito constitucional. Mas foi no cenário internacional, em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que esses direitos foram elevados à classe de direitos humanos, passando a receber o mesmo tratamento dos direitos individuais e políticos.
A universalização dos direitos econômicos consagrou-se como um engenhoso mecanismo de promoção da expansão do sistema capitalista, pois a tendência mundial de disciplina constitucional desses direitos observada em seguida possibilitou uma racionalização normativa da economia, criando condições para desenvolvimento e consolidação daquele modo de produção.
Contudo, a divisão ideológica entre capitalismo e socialismo que se disseminou no mundo na década de 1950 influenciou negativamente a harmonia até então existente entre os direitos econômicos e os civis/políticos, instaurando entre eles uma dicotomia aparente, segundo a qual os primeiros passariam a ter aplicabilidade progressiva, enquanto os últimos teriam aplicabilidade imediata.
A ordem internacional, destarte, foi vitimada por uma lacuna histórica no sistema de proteção aos direitos econômicos. Ao tempo em que na Europa a jurisprudência afastava a diferenciação em questão, na América, a mesma problemática apenas pôde ser suprida, em âmbito supranacional, com a adoção em 1988 do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador).
A despeito de tal conjuntura, observou-se que o referido movimento de positivação constitucional dos direitos de ordem econômica teve repercussão nos ordenamentos internos dos países da América Latina, mas sem uma autêntica reflexão acerca de seus fundamentos, em razão basicamente dos regimes de exceção que se fizeram presentes em certos Estados até a década de oitenta, causando-lhes um desenvolvimento marginal quando em comparação aos exemplos europeu e norte-americano.
No Brasil, o reflexo do movimento de internacionalização da garantia dos direitos econômicos pôde ser vislumbrado a partir da Constituição de 1934, influenciada pelas Constituições mexicana, de 1917, de Weimar, de 1919, e a espanhola de 1931, com repercussão nas Constituições pátrias de 1937, 1946, 1967, Emenda Constitucional de 1969, e Constituição de 1988.
4. SISTEMA ECONÔMICO E A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA DE 1988
O sistema econômico dever ser visto como o conjunto coerente de estruturas econômicas, institucionais, jurídicas, sociais e mentais organizadas em vista de assegurar a realização de um certo número de objetivos econômicos (equilíbrio, crescimento, repartição, etc...). O sistema econômico caracteriza, no plano teórico ou ideal, o espírito, a forma e a técnica da atividade econômica de uma Nação. Há um grande número de classificação dos sistemas. Como assinala AVELÃS NUNES, "os sistemas distinguem-se uns dos outros pela afirmação de determinadas forças produtivas e determinadas formas de organização material da produção, a base econômica (estrutura econômica ou infra-estrutura) no seio da qual se desenvolvem determinadas relações sociais de produção e a partir da qual se erguem e instalam determinadas estruturas políticas, jurídicas, culturais, ideológicas (superestrutura)".
Assim, diante do exposto, acerca do Sistema Econômico, prosseguimos para a conceituação da Constituição Econômica. A concepção de Constituição Econômica vincula-se ao conjunto de normas constitucionais (Ordem Econômica) que tem por objetivo disciplinar a atuação dos agentes econômicos através da determinação dos princípios que legitimam suas condutas. É a parte da Constituição que interpreta o sistema econômico.
Na concepção de Vital Moreira, ela é "o conjunto de preceitos e instituições jurídicas, garantidos os elementos definidores de um determinado sistema econômico, que instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica".
A Ordem Econômica constitucional de 1988 foi estruturada essencialmente tendo por base a livre iniciativa, que mereceu destaque no caput do Art. 170, e o dever de atuação subsidiária do Estado na exploração direta de atividade econômica, Art. 173, ambos determinantes indispensáveis à manutenção de um novo modelo estatal face ao pressuposto histórico da derrocada do liberalismo.
Para Eros Roberto Grau, "o declínio do Estado Liberal impõe a renovação do futuro do capitalismo e, para tanto, atribui a função de agente ao Estado, que passa a assumir a condução do processo econômico". Da mesma forma, afirma José Afonso da Silva que a "atuação do Estado, assim, não é nada menos do que uma tentativa de pôr ordem na vida econômica e social, de arrumar a desordem que provinha do liberalismo".
O modelo de Estado Liberal, marco histórico da Revolução Francesa concebido para fazer frente ao absolutismo vigente durante toda a Baixa Idade Média através da aplicação do princípio da não intervenção do Estado nas relações privadas (laissez-faire, laissez-passer), entrou em crise diante de sua incapacidade de atender à necessidade de reestruturação econômica dos países devastados pela Segunda Guerra Mundial, o que passou a ameaçar toda a estabilidade do sistema capitalista edificado sobre suas bases.
O abandono das amarras liberais foi marcado, em um primeiro momento, por uma intensa intervenção estatal nas relações econômico-sociais e pela direção do funcionamento e da organização da economia, tudo em busca da consolidação do capitalismo às custas do recém fundado Estado de Bem-Estar Social (Wellfare State). Contudo, em um segundo momento, tal realidade implicou um crescimento desproporcional do Estado e a constatação de sua ineficiência e falência em longo prazo.
O modelo de Estado Subsidiário que se impõe, hodiernamente, surgiu a partir da releitura do modelo de Estado Liberal, só que não mais pelo extremo da ausência de intervenção, nem pelo intervencionismo absoluto do Estado Benfeitor, mas segundo uma lógica neoliberal, em que a atividade econômica passa a ser exercida primariamente pelos particulares e apenas em alguns casos pelo Estado, a este restando apenas a função de fiscalização e regulação.
A restrição da atuação estatal na esfera privada preconiza os fundamentos da livre iniciativa e da livre concorrência, entendidos respectivamente, segundo o pensamento de Leila Cuéllar, como a faculdade de acesso ao mercado, ao exercício das atividades econômicas, sem a necessidade de autorização prévia do poder público, e a possibilidade de conquistar faixas de mercado da forma que for mais conveniente, sempre tendo em vista os limites legais.
O direito à liberdade, princípio do Estado de Direito e do sistema capitalista, quando inserido na Ordem Econômica, passa a ser encarado sob a forma de liberdade de iniciativa e liberdade de concorrência, delineados pelos princípios de similar denominação dispostos no Art. 170 da Constituição. Essa nova perspectiva se faz necessária para delimitar a esfera de liberdade privada nas relações econômicas, que passará a ser alvo de atuação do Estado Subsidiário regulador e fiscalizador.
A existência de uma atividade reguladora a encargo do Estado, atuante na mesma esfera de liberdade dos particulares, sem, conduto usurpar-lhes a função de agentes diretos e preferenciais da Ordem Econômica, inaugura um novo contorno no direito subjetivo individual à liberdade que, segundo a especificidade que lhe atribui a Ordem Econômica constitucional, passa a se subdividir em liberdade de iniciativa e liberdade de concorrência, ambas podendo ser referidas em conjunto como a "liberdade econômica", e assume a característica de direito subjetivo coletivo.
A ação reguladora não pressupõe ausência completa de intervenção do Estado na economia e, conseqüentemente, na liberdade individual. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o Estado pode intervir no domínio econômico, atuando de três maneiras diversas: 1ª) como sujeito ativo, assumindo participação direta nas atividades econômicas, enquanto prestador de serviços públicos; 2ª) na qualidade de agente regulador, disciplinando os comportamentos dos particulares, influenciando suas esferas de liberdade por intermédio do poder de polícia; e 3ª) através de ação fomentadora, propiciando benefícios e estímulos à propriedade privada.
Conforme sublinhou Eros Roberto Grau, para o seu cumprimento, "o modo de separação entre Estado e sociedade impõe a afirmação de que toda atuação estatal é expressiva de um ato de intervenção na ordem social". Neste mesmo diapasão se pronuncia Tércio Sampaio Ferraz Júnior ao afirmar que "qualquer influência na autodeterminação do sujeito é sempre uma delimitação em sua liberdade".
No âmbito do Estado Subsidiário, o serviço público, este compreendido como espécie do gênero atividade econômica, cuja prestação é preferencialmente conferida ao Poder Público, não é mais por este exercido com exclusividade, promovendo-se o setor privado como agente prestador de serviços de interesse coletivo mediante concessão ou permissão. (20)
Além disso, a realização da atividade econômica em sentido estrito, esta compreendida como a exploração de atividade economicamente lucrativa de titularidade tipicamente privada, é reservada apenas aos particulares, sendo facultada a atuação estatal apenas em casos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo.
Como conseqüência, pode-se afirmar que a premissa fundamental da regulação estatal reside num novo delineamento normativo que não resulta necessariamente em limitação da liberdade econômica (livre iniciativa e livre concorrência) através da imposição de sanções/restrições, mas na aplicação de um conceito negativo (status negativus) de atuação estatal, pois "o Estado interventor (organizador, protetor, estimulador, empresário, planejador) tornaria superada a concepção de ordem econômica como conjunto de meros imperativos sancionadores, percebendo nela a forte presença de normas permissivas. Com isso, a noção de liberdade como uma espécie de vazio marginal (aquilo que resta, retiradas as obrigações e as proibições) exigiria uma nova dimensão, dada a possibilidade de o Estado, por meio de estímulos, de organização, de planejamento, entrar na área marginal (que Jellinek chamara de espaço das condutas irrelevantes)"
A dogmática da liberdade elaborada por Jellinek, construída sob o conceito de direito subjetivo público, paralelamente ao conceito de direito subjetivo real, pressupõe que o dever de todos os órgãos administrativos, de não turbar o direito daquele com quem eventualmente venham a entrar em contato, é análogo ao dever negativo das pessoas de não turbarem aquele mesmo titular de direito (status negativus).
A estrutura dessa teoria contém não apenas um dever de omissão como objeto, mas também contém a finalidade de omissão de medidas realizadas pela autoridade pública como um conteúdo próprio, conjugação esta que faz com que a esfera de liberdade individual passe a ser caracterizada pela ausência de proibições ou obrigações, existindo tão somente um dever de omissão por parte do Estado.
Com isso o Estado passa a deixar indefinidas quais atividades poderão ser exercidas pelos particulares sem intervenção, definindo apenas aquelas que estariam sujeitas à regulamentação. Tal perspectiva, todavia, coloca em risco a justiça social (bem comum), na medida em que os interesses motivadores das atividades particulares nem sempre serão claros ou benéficos à coletividade.
Conforme alerta Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a possibilidade de associação de competidores em ambiente de livre mercado, com o intuito de aumentar a competitividade em restrição da liberdade econômica e, assim, obter lucro, pode vir a afetar os interesses dos consumidores (coletividade), surgindo, aqui, o problema das "externalidades" ou dos efeitos provocados no interesse de terceiros pela regulação das relações individuais.
Como medida preventiva do possível conflito entre liberdades individuais (principalmente as de cunho econômico) e interesses de terceiros (interesse público), a realização social da liberdade econômica (aquela que ocorre em harmonia com o bem comum) pressupõe uma deliberação prévia, a encargo do Estado (via poder regulador), acerca do que é melhor à coletividade (garantia do interesse público ou bem comum). Sob este fundamento a realização social da liberdade econômica está condicionada à uma identificação entre idéia de liberdade e a necessidade interna do agente (Estado-regulador) de querer a si mesmo (enquanto coletividade) como a mais alta possibilidade, conforme enuncia o conceito platônico de liberdade.
Segundo o pensamento de Platão, a liberdade possui um sentido político, sendo livre apenas o homem cuja ação se dirige ao Bem, pois esta o conduz a sua autarquia e, assim, à liberdade. Neste contexto, liberdade pressupõe deliberação por aquilo que é melhor. Liberdade é uma necessidade interna de querer o próprio ser como a sua mais alta possibilidade. Assim, o Estado-agente, querendo si mesmo (enquanto coletividade) como sua mais alta possibilidade, conseguirá promover a realização social da liberdade econômica, preservando ao mesmo tempo o interesse público.
O direito à liberdade econômica aliada à consecução do interesse público, portanto, como novos paradigmas para a atuação do agente regulador, é a pedra de toque para que se coloque termo definitivo à ineficácia os direitos sociais (leiam-se também direitos fundamentais), cujos efeitos obstam a realização do bem comum, da justiça social e do desenvolvimento nacional, princípios norteadores da atividade econômica e da república como um todo.
5. A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL: PRINCÍPIOS GERAIS
A Constituição Federal estabelece no Art. 170 que a Ordem Econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. A expressão justiça social, ainda que obscura, pode ser conceituada, em apertada síntese, como a busca do bem comum.
A importância dos princípios em um sistema jurídico encontra fulcro no fato que o Direito não é um simples amontoado de normas. É, acima de tudo, um sistema e, pois, dotado de unidade e coerência, que se dá pela existência dos referidos preceitos. Dessa maneira, é que a interpretação das disposições constitucionais deve ser feita em concordância com a força existente em cada um dos princípios, o que, indiscutivelmente, deve ocorrer ao se analisar as regras relativas à ingerência do Estado na economia.
A Ordem Econômica constitucional propõe-se em dois princípios elementares: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Esses princípios apresentam-se, pragmaticamente, como condições que se impõem à atividade econômica, cujo exercício, seja em sentido amplo ou estrito, deverá obrigatoriamente observá-los como norte, com a exemplo é o caso dos tabelamentos de preços de medicamentos, porquanto é imprescindível, ao se analisar a constitucionalidade ou não do tabelamento de preços de remédios pelo Estado, que se proceda à prévia análise do conjunto principiológico constante na CF/88, a fim de se verificar quais são as diretrizes por ela estabelecidas, na medida em que os citados preceitos se caracterizam como tal, de forma a concluir se a referida medida intervencionista está em conformidade com os dispositivos constitucionais, bem como objetivos. Desta feita, consagra uma economia de mercado com uma ordem econômica que prioriza os valores do trabalho humano sobre todos os demais. Essa importância objetiva delinear o caminho a ser seguido pelo Estado quando promover a eventuais intervenções na economia (tabelando preços, por exemplo), para que se façam valer os valores essenciais do trabalho, os quais, conjuntamente com a iniciativa privada, representam não somente o fundamento da ordem econômica, mas da própria República Federativa Brasileira (art. 1º, IV).
A soberania nacional, expressamente elencada como princípio da Ordem Econômica, está vinculada à idéia de insubmissão do Estado brasileiro à ingerência de Estados alienígenas.
O direito à propriedade privada, em sua perspectiva de Ordem Econômica, não pode ser exercido egoisticamente, de forma improdutiva e em afronte à dignidade humana, devendo cumprir sua função social.
A livre concorrência é princípio basilar não só do ordenamento econômico, mas também de todo o sistema capitalista, pois assegura a cada indivíduo a oportunidade de participar na atividade econômica de maneira isonômica e colher os frutos produzidos em razão de seus esforços.
A defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração do país, apresentam-se como os objetivos a serem buscados através do exercício da atividade econômica para fins de progresso e desenvolvimento nacional.
Pelo que se pode observar, os princípios gerais da atividade econômica são, de um modo geral, direitos fundamentais (propriedade e liberdade), fundamentos da República (soberania, dignidade, valorização do trabalho), objetivos da República (justiça social, redução das desigualdades regionais) e diretrizes de atuação estatal (nos demais casos), de modo que a sua eficácia está condicionada ao exercício da atividade econômica nos termos da norma contida no Art. 170, combinada, de forma una e sistemática, a todos os demais dispositivos da Constituição que lhe são correlatos.
CONCLUSÃO
A análise realizada no presente estudo nos leva às seguintes conclusões:
1. O movimento de internacionalização da garantia dos direitos econômicos pôde ser vislumbrado no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Constituição Federal de 1934, influenciada pelas constituições mexicana, de 1917, de Weimar, de 1919, e a espanhola de 1931, com repercussão nas constituições de 1937, 1946, 1967 e Emenda Constitucional de 1969, e 1988.
2. A crise do Estado Liberal consagrou-se como pressuposto para fundação das bases do Estado Subsidiário e da regulação da ordem econômica.
3. Os direitos econômicos, que consubstanciam o conteúdo da Constituição Econômica, compreendem um conjunto normativo de racionalização da economia.
4. A inserção de normas econômicas na Constituição Federal implica não só na garantia de estabelecendo um limite negativo de atuação do Estado e uma determinação positiva para sua conduta, mas, acima de tudo, numa nova dimensão do direito à liberdade pautada pela preservação e realização do interesse público.
5. A Ordem Econômica constitucional de 1988 foi estruturada essencialmente tendo por base a livre iniciativa, que mereceu destaque no caput do Art. 170, e o dever de atuação subsidiária do Estado na exploração direta de atividade econômica (Art. 173), características do Estado Subsidiário.
6. A ação reguladora imposta pelo Art. 174 da Constituição Federal de 1988 ao Estado, que passa a cumular as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, deverá ser exercida sob os ditames dos princípios gerais que regem a atividade econômica e pela supremacia e indisponibilidade do interesse público, os quais se aplicam tanto à atividade da própria Administração quanto à dos particulares.
7. A ação reguladora do Estado, pautada pela liberdade econômica e pela supremacia e indisponibilidade do interesse público, consagrar-se-á como verdadeiro instrumento para afirmação dos direitos sociais e do desenvolvimento nacional.
8. A ordem econômica é calcada na livre iniciativa e na liberdade de concorrência, por isso que é assegurado a todos o exercício de qualquer atividade econômica (art. 170, § único da Constituição Federal)
9. É vedado ao Poder Público e ao intérprete do ordenamento antever exegese que transponha a intangibilidade da livre iniciativa que a todos é assegurada em relação a qualquer atividade
10. O Princípio da Legalidade impõe que se permita o que a lei não proíbe, no campo da "livre iniciativa".
11. Diante dos princípios constitucionais que regem a ordem econômica nacional, notadamente o princípio constitucional da livre iniciativa, da livre concorrência e da proteção ao consumidor, bem como a determinação (também constitucional) de repressão ao poder econômico que vise a dominação do mercado, a eliminação da livre iniciativa, da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros, é inconcebível que uma norma legal delimite áreas para a instalação de estabelecimentos de determinado seguimento comercial, em detrimento de demais estabelecimentos do mesmo ramo a serem posteriormente instalados.
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Portanto, o sistema constitucional brasileiro, em face das premissas expostas, retro, é um sistema aberto de regras e princípios.
Publicado por: Juliano de Paula Dias
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