PRESTAÇÃO DE CONTAS EM ALIMENTOS

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1. RESUMO

O presente estudo examina a possibilidade de o alimentante requerer a prestação de contas sobre a quantia saldada por obrigação alimentar em face de seu gestor. Por meio de método dedutivo, para que se pudesse definir sua viabilidade, foram abordadas as relações que geram a expectativa da obrigação alimentar, o tema de alimentos o conceituando, traçando seus pressupostos e características, a fundação da prestação de contas e sua finalidade, e, por fim, a abordagem do tema, em que restou concluída a possibilidade do alimentante pleitear ação de prestação de contas sobre as verbas pagas ao guardião do menor e administrador, motivado pelos princípios constitucionais de melhor interesse e proteção da criança e do adolescente, e o resoluto poder familiar.

PALAVRAS-CHAVE: princípios constitucionais, prestação de contas, obrigação alimentar,  alimentos.

2. INTRODUÇÃO

Dentre as relações inter-humanas pode-se afirmar que a primeira que todos vivenciam, e a mais importante, certamente é a familiar. Logo, no primeiro capítulo será abordado as relações que se caracterizam como familiar, e, portanto, geram o direito a requerimento da pensão alimentícia, afim de determinar quem será o detentor deste direito, apresentando os princípios constitucionais nos quais se baseiam os alimentos e o poder de família.

Em seguida, expõe-se o próprio tema de alimentos, sua conceituação, seus pressupostos e principais características, demonstrando sua importância como um todo, e como é imprescindível para a manutenção da vida, bem como os direitos e obrigações gerados por este e os efeitos gerados por este em todas as relações familiares.

O último capítulo se destina a apresentar o instituto da prestação de contas, seus diversos propósitos e importância, os dispositivos legais que trazem o direito do pai que não possui guarda verificar o estado do filho menor, e, finalmente, empregando o método dedutivo, estabelecer a viabilidade ou não da possibilidade de requerer a prestação de contas em alimentos, utilizando-se de jurisprudência, demonstrando sua utilidade como ferramenta de manutenção dos direitos constitucionais da criança e adolescente.

3. RELAÇÕES JURÍDICAS QUE AUTORIZAM O PEDIDO DE ALIMENTOS

É indiscutível que o ser humano possui o direito à vida, desta forma, a Constituição Federal de 1988 dispõe o direito à existência como “o primeiro dentre todos os direitos fundamentais previstos” (MONTEIRO; SILVA, 2012, p.520).

Da Constituição Federal, os artigos que trazem os direitos e obrigações fundamentais, sendo o primeiro deles, e provavelmente o mais importante, o art. 5.º e seu inciso I:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição (BRASIL, 1988).

É pertinente também citar o art. 227 da Constituição Federal que reafirma a garantia a este direito às crianças, adolescentes e jovens, bem como, em seu § 6.º, estabelece que não há discriminação entre filhos, havidos ou não do casamento, e filhos adotivos:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 6.º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (BRASIL, 1988).

O direito à vida, assim como todos os direitos fundamentais, traz consigo a necessidade de sustentação deste direito, tendo como via para tal outros direitos e obrigações.

Não diferente, é o princípio da dignidade humana, que, da mesma forma, exige cuidados provenientes da sociedade como um todo, especialmente, atenção proveniente da família, que, por sua vez, possui poderes que objetivam manter tais direitos a todos os entes desta, concordando com este pensamento Cristiano Chaves:

Ora, reconhecido o direito à vida digna (CF, art. 1º, III) como substrato fundamental de nossa ordem jurídica, se alguém não tem como sobreviver, subsistir dignamente, impõe-se aos seus parentes o dever de lhe facultar meios de assegurar a própria existência. (FARIAS, 2005, p. 28).

De forma parecida discorre Yussef Said:

A obrigação de prestar alimentos fundada do jus sanguinis repousa sobre o vínculo de solidariedade humana que une os membros do agrupamento familiar e sobre a comunidade de interesses, impondo aos que pertencem ao mesmo grupo dever recíproco de socorro (CAHALI, 2013, p. 450).

Pensando nisto, o legislador traz formas de manutenção destes princípios, dentre elas está o direito a alimentos, que possui grande peso, já que é ligada diretamente com direito fundamental, e que afeta todos que são relacionados ao indivíduo, direta ou indiretamente, que o rogue e o discute. Desta forma, o direito a alimentos torna-se um pilar de sustentação do direito mais básico da sociedade.

Tendo em mente o peso deste direito, é necessário se fazer entender como o Código Civil dispõe quais relações e situações que se fazem valer referido direito:

O Código Civil disciplina tal assunto no Subtítulo III do Título II do Livro IV, preceituando, inicialmente, que “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação” (art. 1.694, caput). O Código Civil reúne num único subtítulo as normas sobre alimentos, com o propósito de sistematizar as matérias.

Observe-se, desde logo, que não só os cônjuges, mas também, os companheiros fazem jus aos alimentos, desde que observados os requisitos do art. 1.694 do Código Civil (MONTEIRO; SILVA, 2012, p. 521, 522).

“A obrigação alimentícia ou resulta diretamente da lei, ou resulta de uma atividade do homem” (CAHALI, 2013, p. 20).

Fica claro ao observar-se o art. 1.695 do Código Civil, que aquele que possui bens, ou possui condições de auto sustentar-se, não pode requerer alimentos (MONTEIRO, 2012), ainda argumenta Washington de Barros observando o mesmo artigo do Código Civil:

Verifica-se, por esse artigo, que não pode requerer alimentos nem viver a expensas de outro quem possui bens, ou está em condições de subsistir com o próprio trabalho. Consequentemente, só pode reclamá-los aquele que não possuir recursos próprios e esteja impossibilitado de obtê-los por menoridade, doença, idade avançada, calamidade pública ou falta de trabalho” (MONTEIRO, 2012, p. 534).

Os alimentos resultantes diretamente de lei, ou “legítimos”, são aqueles devidos por laços sanguíneos, por parentesco, e por relações geradoras do poder de família, ou seja, pelo matrimônio ou união estável, todos elencados no art. 1.694 do Código Civil (CAHALI, 2013).

O espectro de possibilidades não se estende muito mais longe, afinal a intenção do legislador foi a de limitar as possibilidades, e o fez estabelecendo os requisitos de forma condensada:

Para que os alimentos sejam devidos, três requisitos devem estar preenchidos: a) alimentante e alimentado são parentes, estavam casados ou conviviam em união estável; b) o alimentando não dispõe de patrimônio ou renda que lhe permita viver de acordo com a sua condição social; c) o alimentante tem patrimônio ou renda que lhe possibilita pagar os alimentos sem desfalque injustificado ao seu padrão de vida (CC, art. 1.695).

Presentes os três requisitos, nasce o direito do alimentando aos alimentos e a obrigação do alimentante de pagá-los. Os alimentos não se destinam à formação ou majoração do patrimônio do alimentando (RT, 830/323), mas unicamente ao atendimento das necessidades que ele não pode custear com seus próprios meios (COELHO, 2011, p. 213).

Por força de lei, este é o limiar das relações jurídicas que possibilitam a obrigação ou dever de alimentar.

3.1. RELAÇÕES JURÍDICAS DE PARENTESCO

Quanto às relações de parentesco, observa-se a função de assistência à família, parentes estes que independem de filiação biológica ou não biológica, seja este filho reconhecido voluntariamente ou por condenação em ação investigatória, adotado ou de sangue, Fábio Ulhoa coloca desta forma:

É irrelevante, para a imputação da obrigação alimentar aos pais e filhos, a espécie de filiação que os une. Tanto na filiação biológica como não biológica, é obrigação de ascendentes e descendentes alimentarem-se uns aos outros. Também, claro, o filho reconhecido – voluntariamente ou por condenação em ação investigatória – faz jus aos alimentos (art. 1.705) (COELHO, 2011, p. 219).

Apesar de a lei não fazer distinção entre filhos, ela estabelece uma ordem para que se faça cumprir a obrigação, atribuindo-a inicialmente aos ascendentes e, apenas em sua falta, aos descendentes, desse modo, se o necessitado tem pais e filhos, apenas seus ascendentes estarão obrigados a cumprir o pagamento de alimentos, resguardando a ordem natural anterior (COELHO, 2011). Sobre essa “ordem natural anterior”, Washington de Barros discorre que se os pais de um filho que lhes negou alimentos não o pudessem pleitear, seria “por assim dizer, a morte a quem lhe deu a vida” (MONTEIRO; SILVA, 2012, p. 529).

Nota-se também, que o artigo em questão, estabelece que a obrigação recairá sempre aos mais próximos em grau, sendo a obrigação dos parentes mais distantes apenas complementar (CC, art. 1.696), sobre a obrigação dos mais próximos Maria Berenice:

Ainda que a obrigação alimentar seja recíproca, a lei estabelece uma ordem de preferência, ou melhor, de responsabilidade. Os primeiros obrigados a prestar alimentos são os pais. Essa obrigação estende-se a todos os ascendentes. Na falta do pai, a obrigação alimentar transmite-se ao avô. Na falta deste, a obrigação é do bisneto e assim sucessivamente (CC 1.696). Inexistindo ascendentes é que o encargo passa a ser dos descendentes, não havendo igualmente, limite: filhos, netos, bisnetos, tataranetos devem alimentos a pais, avós, bisavós, tataravós, e assim por diante (DIAS, 2013, p. 56).

Da mesma forma, Yussef Said, discorre que a relação não se mantém de pai para filho:

Os sujeitos da relação jurídico-alimentar, portanto, não se colocam apenas na condição de pai e filho; estabelece-se, do mesmo modo uma obrigação por alimentos entre os filhos, genitores, avós e ascendentes em grau ulterior (em linha reta inexiste qualquer limite de grau), caracterizada pela reciprocidade (CAHALI, 2013, p. 451).

Washington de Barros ainda diz que o tratado artigo estabelece uma hierarquia nesta relação jurídica, o que se demonstra verídico:

Diante dos questionados preceitos legais, verifica-se que há quatro classes de pessoas obrigadas à prestação alimentícia, formando verdadeira hierarquia no parentesco: 1ª) pais e filhos, reciprocamente; 2ª) na falta destes, os ascendentes na ordem de sua proximidade como o alimentado; 3ª) os descendentes, na mesma ordem, excluído o direito de representação; 4ª) os irmãos, unilaterais ou bilaterais (MONTEIRO; SILVA, 2012, p. 530).

Como demonstrado, “no caso de vir a falecer o pai obrigado, os filhos dessa pessoa passam a dever-lhe alimentos” (COELHO, 2011, p. 219).

No caso de o necessitado não possuir pais ou filhos, este ainda pode pleitear a obrigação dos irmãos, tanto bilaterais como unilaterais (COELHO, 2011).

O artigo em questão é o 1.697 do Código Civil, que estabelece essa possibilidade. Fábio Ulhoa entende que “Os afins e os colaterais além do segundo grau não estão obrigados a prover alimentos uns aos outros” (COELHO, 2011, p. 219), sendo o mesmo de Maria Berenice, que tece comentários à vocação hereditária ao afirmar “apesar de todos reconhecerem que a ordem de vocação hereditária se estende até o quarto grau, de forma maciça a doutrina não admite que a responsabilidade alimentar ultrapasse o parentesco de segundo grau” (DIAS, 2015, p. 591).

Vale fazer a observação de “nosso código não assegura o direito de alimentos entre pessoas ligadas pelo vínculo de afinidade” (CAHALI, 2013, p. 478), sobre o assunto Monteiro discorre:

Quando decorrentes de vínculo de parentesco, só os parentes consanguíneos, isto é, as pessoas que procedem de um mesmo tronco ancestral, e aqueles parentes cujo elo decorre da adoção devem alimentos. A obrigação não tem limites na linha reta e é limitada ao 2º grau de parentesco na linha colateral (Cód. Civil, arts. 1.696 e 1.697) (MONTEIRO, 2012, p. 522).

Maria Berenice ao discorrer sobre o assunto consegue deixar claro o que é o parentesco por afinidade, ao mesmo tempo que defende que existe sim o pedido de alimentos por pessoa ligadas pelo vínculo de afinidade:

A lei impõe a obrigação alimentar aos parentes sem qualquer distinção ou especificidade (CC 1.694). Parentes são quem a lei assim identifica. Além do parentesco natural ou consanguíneo, existe o parentesco por afinidade, que decorre do casamento e da união estável e se estabelece entre o cônjuge ou o companheiro com os ascendentes, descendentes ou irmãos do outro (CC 1.595 § 1º). Com a dissolução do vínculo familiar, perpetua-se o vínculo na linha ascendente e descendente, dissolvendo-se somente a relação parental por afinidade na linha colateral [...]. Reconhecendo a lei a permanência do vínculo de parentesco sem fazer nenhuma ressalva ou impor qualquer restrição, descabe interpretação restritiva que limite direitos. Assim, dissolvido o casamento ou a união estável, possível é tanto o ex-sogro pedir alimentos ao ex-genro, como este pedir alimentos àquele. Também possível o enteado buscar alimentos do ex-cônjuge ou ex-companheiro do seu genitor. Não é necessária a existência de uma filiação socioafetiva ou a posse de estado de filho. Basta a presença de um vínculo de afetividade (DIAS, 2015, p. 592, 593).

Entretanto, ela mesmo admite que a doutrina não reconhece a obrigação alimentar por vínculo de afinidade ao afirmar que “a doutrina é contra o reconhecimento da obrigação alimentar, entendendo que a afinidade não origina parentesco, mas apenas aliança, não sendo apta a criar direito a alimentos” (DIAS, 2015, p. 592).

Resta claro que o entendimento sobre o vínculo de afinidade é firme no sentido de que este não gera obrigação de alimentos.

3.2. RELAÇÕES JURÍDICAS DE CÔNJUGES E COMPANHEIROS

Assim como nas relações de parentesco, as relações entre cônjuges e companheiros possuem a prerrogativa de alimentos, observado o dever de mútua assistência que surge com o casamento ou com a união estável, expõe Maria Berenice:

“A responsabilidade pela subsistência do consorte é um dos efeitos do casamento que acontece independentemente da vontade dos noivos. Tem origem no dever de mútua assistência, ônus que surge na solenidade das núpcias (CC 1.566 III). Mas sua exigibilidade está condicionada ao término da união, e pode ser buscada a título de alimentos [...] O dever de mútua assistência não existe somente durante a convivência. Persiste mesmo depois de rompida a união ou dissolvido o casamento pelo divórcio” (DIAS, 2013, p. 94).

Para Fábio Coelho a dissolução deste companheirismo ou da sociedade conjugal traz, também, como consequência a redução do padrão de vida da família (COELHO, 2011), já que a renda dos companheiros, enquanto juntos, era combinada, dessa forma:

O desfazimento da sociedade conjugal acarreta naturalmente a redução do padrão de vida da família. É fácil percebe-lo: o mesmo dinheiro que antes bastava para viverem todos sob um único teto deverá, agora, ser empregado na manutenção de duas casas. Isso é inevitável, e, independentemente de quem tomou a iniciativa de propor a separação ou foi o culpado pela dissolução da sociedade conjugal, sofrerão todos os membros da família – cônjuges e filhos – os efeitos econômicos e patrimoniais do término da sociedade conjugal (COELHO, 2011, p. 222).

Ao observar o art. 1.694 entende-se que a intenção do legislador foi de firmar o entendimento de que “findo o casamento, perdura o dever de mútua assistência e a obrigação alimentar após sua dissolução” (DIAS, 2015, p. 578), e isso fica mais nítido ao passo que este ainda faz a observação de que os alimentos se estendem ao objetivo de manter a condição social, e as necessidades de educação dos litigantes, nesse sentido é pertinente ao caso o pensamento de Yussef Cahali:

Liga-se, em substância, a obrigação legal de alimentos à ideia de sustento e satisfação das necessidades do favorecido, igualmente à ideia do cuidado da pessoa, entendido este não no sentido técnico da curatela de pessoas incapazes, e sim naquele sentido mais amplo de assistência e auxílio com vistas ao regular desenvolvimento do indivíduo; esse elemento faz com que, ainda quando a obrigação alimentar tiver sido concretizada numa prestação fixa em dinheiro, não basta que a prestação tenha sido satisfeita, para que se considere cumprida a obrigação, se o seu fim último não foi alcançado (CAHALI, 2013, p. 38).

Para explicar a motivação da obrigação de alimentos em relações de cônjuges e companheiros, Fábio Ulhoa exemplifica que durante um casamento, pode uma das partes se dedicar exclusivamente a manutenção e administração doméstica, usufruindo durante esse tempo do padrão de vida que o cônjuge mantinha sozinho, não se dedicando a nenhum tipo de formação acadêmica ou evolução pessoal que, eventualmente, lhe proporcione renda igual (COELHO, 2011), neste caso este individuo “só conseguirá viver de modo compatível com a sua condição social, se puder contar com os alimentos do ex-cônjuge” (COELHO, 2011, p. 223).

Também é pertinente a observação que Maria Berenice faz de que “a obrigação alimentar entre cônjuges e companheiros está prevista sem quaisquer restrições temporais ou limitações com referência ao estado civil dos obrigados” (DIAS, 2015, p. 579). Ou seja, mesmo com o fim do casamento, o dever de mútua assistência, e obrigação de alimentos perdura (DIAS, 2015).

Assim como no casamento, as mesmas regras se aplicam a união estável, dessa forma Fábio Ulhoa faz a explicação do art. 1.694 e seus parágrafos:

Se o vínculo de conjugalidade não era o casamento, mas a união estável, os critérios são rigorosamente idênticos. O companheiro ou companheira que não dispõe de patrimônio ou renda para se manter após a dissolução da união estável, tem o direito de cobrar alimentos do outro. Se não tiver sido o culpado ou culpada pela dissolução da união, o valor dos alimentos será o que sustente padrão de vida compatível com a condição social do alimentado; se tiver sido dele a culpa do fim do relacionamento estável, o valor será apenas o que bastar para a sobrevivência (COELHO, 2011, p. 224).

Portanto, resta fundamentado que as relações de afeto e união, tanto por casamento, como por união estável, geram o dever de alimentar.

3.3. RELAÇÕES DE PATERNIDADE

A própria lei diz claramente que os “alimentos” abrangem muito mais que alimentos e a Lei n. 11.804, de 5 de novembro de 2008 reafirma essa ideia, estabelecendo o direito da mulher gestante de receber alimentos, entretanto, antes mesmo do advento desta lei o art. 2º do Código Civil já disciplinava os direitos do nascituro, nas palavras de Cristiano Chaves:

A obrigação de alimentar pode começar antes mesmo do nascimento com vida, na fase de gestação, após a concepção (art. 2º, CC). Emana, nesse caso, da proteção jurídica concedida ao nascituro.

É natural que sejam devidos alimentos ao nascituro (FARIAS, 2005, p. 43).

Da mesma forma concordava Tânia da Silva, afirmando ainda que tal direito independe de casamento:

Independentemente da existência ou não do casamento dos pais, os alimentos representam um direito fundamental dos filhos, abrangendo não só a assistência material, mas envolvendo o seu desenvolvimento em todas as etapas peculiares (PEREIRA, 2005, p. 148).

A Lei 11.804, que disciplina sobre alimentos da mulher gestante, trouxe uma forma inovadora de tratar dos alimentos ao nascituro e estendeu a matéria de alimentos (VENOSA, 2014). Quanto ao termo usado para indica-lo, “alimentos gravídicos”, e o seu entendimento, Maria Berenice faz observação pertinente:

A expressão é feia, mas o seu significado é dos mais salutares. A L 11.804/08 concede à gestante o direito de buscar alimentos durante a gravidez – dai “alimentos gravídicos”. Apesar do nome, de alimentos não se trata. Melhor seria chamar de subsídios gestacionais. Ainda que não haja uma relação parental estabelecida, existe um dever jurídico de amparo à gestante (DIAS, 2015, p. 585).

Fábio Ulhoa consegue explicar o interesse pelo termo alimentos gravídicos e a relação que gera tal obrigação, bem como a motivação por trás do “achismo” de que os alimentos gravídicos poderiam ser chamados de “subsídios gestacionais”:

Durante a gestação, a gestante incorre naturalmente em certas despesas relacionadas à sua saúde e à do bebê. Necessitam ambos de exames médicos periódicos especializados e, por vezes, tratamento clínico ou até mesmo cirurgia. Essas despesas, que a lei chama de “adicionais do período de gravidez”, devem ser repartidas entre a gestante e o pai, na proporção dos recursos de cada um (COELHO, 2011, p. 224).

De forma igual pensa Yussef afirmando que os alimentos, aqui, não são exatamente a mesma coisa:

Em outros termos, a Lei 11.804/2008 procura proporcionar à mulher grávida um autêntico auxílio-maternidade, sob a denominação lato sensu de alimentos, representado por uma contribuição proporcional a ser imposta ao suposto pai, sob forma de participação nas despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

Portanto, este auxílio à mulher grávida, sob a forma legal de pensão alimentar, ainda que com similar eficácia e exigibilidade, nada tem a ver com o preceito genérico dos arts. 1.694-1.695 do CC/2002 [...] A típica “pensão alimentícia” em favor do filho menor, em forma de conversão, somente será devida com seu nascimento com vida, ao adquirir ele a condição de pessoa dotada de capacidade civil (CAHALI, 2013, p. 343, 344).

Ainda há de se esclarecer qual a relação jurídica que gera a obrigação de alimentos gravídicos, a qual pode ser estabelecida por meros “indícios da paternidade” (Art. 6.º, Lei nº 11.804/2008), sobre isso expõe Silvio Venosa:

A inovação mais significativa desse diploma legal está presente no art. 6º-, porque permite que o juiz estabeleça alimentos gravídicos, conforme denominação da lei, convencido da existência de meros indícios da paternidade. Esses alimentos perdurarão até o nascimento da criança, convertendo-se em pensão alimentícia a partir do nascimento com vida. O discernimento do juiz no caso concreto torna-se fundamental ao se examinarem os indícios, que devem ser claros e veementes: não se pode negar a ampla defesa ao indigitado pai. Há que se coibir também a má-fé, situação que, em princípio, não permite que se aplique o princípio da irrepetibilidade dos alimentos, ensejando perdas e danos (VENOSA, 2014, p. 400).

Dessa forma, “ainda que o pedido seja de alimentos, a causa de pedir da ação é a paternidade” (DIAS, 2015, p. 587), essa relação perdurará na forma de alimentos ao recém-nascido (Art. 6.º, Parágrafo único, Lei nº 11.804/2008), Yussef faz a observação quanto a essa permanência:

Portanto, até o parto, a gestante reclama o auxílio-maternidade do futuro pai, agindo em nome próprio, em função do seu estado gravídico. Somente depois de dar à luz ao filho, passa ela a agir como representante do menor na execução ou revisão da pensão alimentícia que passa a ser devida a este [...] A típica ‘pensão alimentícia” em favor do filho menor, em forma de conversão, somente será devida com seu nascimento com vida, ao adquirir ele a condição de pessoa dotada de capacidade civil (CAHALI, 2013, p. 343).

Há de se observar que em uma eventual interrupção da gestação, os alimentos se extinguem, entretanto, não existe forma de reembolso ou restituição de valores (DIAS, 2015), e que “na hipótese de a gestante não ter pleiteado os alimentos durante o período da gestação, nada impede que, após o nascimento, pleiteie o reembolso das despesas que integram o encargo que a lei atribui ao genitor” (DIAS, 2015, p. 587). Outra observação pertinente feita por Maria, é sobre a hipótese de má-fé na gravidez:

O ponto que gera maiores questionamentos diz com a possibilidade de a paternidade ser afastada. A preocupação é recente, mas este risco sempre existiu, ao menos desde o momento que a justiça passou a fixar alimentos provisórios mediante indícios do vínculo parental.

Mesmo que os alimentos sejam irrepetíveis, em caso de improcedência da ação cabe identificar a postura da autora. Restando comprovado que ela agiu de má-fé ao imputar ao réu a paternidade, tal gera o dever de indenizar cabendo, inclusive a imposição de danos morais.

O eventual pedido indenizatório há que ser dirigido contra a gestante que propôs a ação e não contra a criança, mesmo que já tenha ocorrido o seu nascimento (DIAS, 2015, p. 587, 588).

A relação de paternidade inicia-se durante a gestação e perdurará após o nascimento, gerando em ambas diferentes formas de obrigação alimentar.

4. ALIMENTOS

4.1. CONCEITO

Feita a análise sobre as relações que geram a obrigação de alimentar, fica claro que os alimentos têm significado mais profundo do que aparenta à primeira vista, desta forma, faz-se necessária a conceituação dos alimentos, para isto, observemos o que discorre Sílvio Venosa:

Assim, alimentos, na linguagem jurídica, possuem significado bem mais amplo do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação, também, o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução. Os alimentos, assim, traduzem-se em prestações periódicas fornecidas a alguém para suprir essas necessidades e assegurar sua subsistência (VENOSA, 2014, p. 379).

No mesmo sentido é a definição de Orlando Gomes, o qual os define da seguinte forma:

Alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. A expressão designa medidas diversas. Ora significa o que é estritamente necessário à vida de uma pessoa, compreendendo, tão-somente, a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação, ora abrange outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme posição social da pessoa necessitada (GOMES, 2002, p. 426).

Da mesma forma posiciona-se Yussef Cahali ao lecionar de forma sintética:

Na sua função ou finalidade, os alimentos visam assegurar ao necessitado aquilo que é preciso para a sua manutenção, entendida esta em sentido amplo, propiciando-lhe os meios de subsistência, se o mesmo não tem de onde tirá-los ou se encontra impossibilitado de produzi-los (CAHALI, 2013, p. 36).

Também de forma resumida Fábio Coelho diz que “os alimentos se destinam ao cumprimento, pela família, de sua função assistencialista e das relacionadas ao provimento dos recursos reclamados pelo sustento e manutenção de seus membros” (COELHO, 2011, p. 212).  De forma mais ampla, Carlos Gonçalves conceitua alimentos:

O vocábulo “alimentos” tem, todavia, conotação muito mais ampla do que na linguagem comum, não se limitando ao necessário para o sustendo de uma pessoa. Nele se compreende não só a obrigação de os prestar, como também o conteúdo da obrigação a ser prestada. A aludida expressão tem, no campo do direito, uma acepção técnica de larga abrangência, compreendendo não só o indispensável ao sustento, como também o necessário à manutenção da condição social e moral do alimentando (GONÇALVES, 2014, p. 503).

Em síntese, os alimentos consistem em prestações pagas com a finalidade de satisfazer as necessidades vitais básicas da pessoa que não possui condições de, por si só, provê-las, sendo o termo “alimentos” muito mais abrangente no âmbito jurídico.

4.2. PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

O Código Civil de 2002, através do art. 1.694 e 1.695, estabelece o direito e obrigação de alimentos. Com o estabelecimento dessas possibilidades, ele traz consigo diretrizes, pressupostos e características a serem observadas para a sua efetivação, para tanto há de se observar o que dispõe o art. 1.694, § 1º e § 2º do Código Civil:

Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1º. Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada

§ 2º. Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia (CC, art. 1.694, § 1º, § 2º).

Preceitua o art. 1.695:

São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento (CC, art. 1.695).

Dessa forma, o Código Civil estabelece o mais importante critério regulador do direito a alimentos, o binômio necessidade-possibilidade, bem como o pressuposto de que deve existir um vínculo de parentesco, e proporcionalidade.

Carlos Gonçalves lista tais pressupostos ao afirmar: “São pressupostos da obrigação de prestar alimentos: a) existência de um vínculo de parentesco; b) necessidade do reclamante; c) possibilidade da pessoa obrigada; d) proporcionalidade” (GONÇALVES, 2014, p. 536), e, que “só pode reclamar alimentos, assim, o parente que não tem recursos próprios e está impossibilitado de obtê-los, por doença, idade avançada ou outro motivo relevante” (GONÇALVES, 2014, p. 536).

Washington de Barros Monteiro faz exposição pertinente ao assunto, e quanto ao binômio necessidade-possibilidade, que se mostra ser critério de grande importância para determinar, não só o valor das prestações alimentícias, mas para determinar quem às prestará:

Verifica-se, por esse artigo, que não pode requerer alimentos nem viver a expensas de outro quem possui bens, ou está em condições de subsistir com o próprio trabalho. Consequentemente, só pode reclamá-los aquele que não possuir recursos próprios e esteja impossibilitado de obtê-los por menoridade, doença, idade avançada, calamidade pública ou falta de trabalho.

Em regra, todo indivíduo adulto e são deve trabalhar para o próprio sustento [...] Se, porém, o alimentando se acha em situação de necessidade, tem certamente direito de pedir alimentos. No entanto, segundo as novas regras do Código Civil de 2002, se for o culpado pela dissolução da relação conjugal ou pela própria situação de miséria, fará jus somente aos alimentos indispensáveis (art. 1.694, § 2º, e art. 1.704, caput e parágrafo único).

Mas é mister ainda o concurso de outro pressuposto legal para que o alimentado obtenha alimentos; é necessário que o alimentante se encontre em condições de fornecer ajuda, isto é, que não haja desfalque no tocante ao próprio sustento. Se o alimentante possui tão somente o indispensável à própria mantença, não é justo que seja ele compelido a desviar parte de sua renda, a fim de socorrer o parente necessitado, desde que não haja relação de pai ou mãe e filho menor, caso em que o dever de sustento é maior do que o dever simplesmente alimentar. A lei não quer o perecimento do alimentado, mas também não deseja o sacrifício do alimentante [...] Na fixação dos alimentos equacionam-se, portanto, dois fatores ou o seguinte binômio: as necessidades do alimentando e as possibilidades do alimentante (MONTEIRO, 2012, p. 534, 535).

Ante ao exposto por Washington de Barros, percebe-se que há critérios muito claros para o estabelecimento da obrigação alimentar, sendo tão somente a existência de um vínculo, insuficiente para se fazer cumprir a prestação alimentícia. Mostra-se também, a preocupação do legislador quanto ao alimentante, fazendo-se necessário o critério de possibilidade de alimentar, dessa forma, evitando lesão irreparável ao alimentante, e, por este motivo, um pressuposto tão importante dos alimentos.

Sobre o mesmo tema, Venosa leciona que não se pode prejudicar uma parte para beneficiar a outra, há sempre de observar os dois lados da obrigação alimentícia:

Não se pode pretender que o fornecedor de alimentos fiquei entregue à necessidade, nem que o necessitado se locuplete a sua custa. Cabe ao juiz ponderar os dois valores de ordem axiológica em destaque, bem como a vida com dignidade não somente de quem recebe, mas também de quem os paga. Destarte, só pode reclamar alimentos quem comprovar que não pode sustentar-se com seu próprio esforço. Não podem os alimentos converter-se em prêmio para os néscios, indolentes e descomprometidos com a vida. Se, no entanto, o alimentando encontra-se em situação de penúria, ainda que por ele causada, poderá pedir alimentos. Do lado do alimentante, como vimos, importa que ele tenha meios de fornecê-los: não pode o Estado, ao vestir um santo, desnudar o outro. Não há que se exigir sacrifício do alimentante. Lembre-se de que em situações definidas como sendo de culpa do alimentando, os alimentos serão apenas os necessários, conforme o § 2º do art. 1.694, mas os demais princípios continuam aplicáveis. O art. 1.694 assegura, em terminologia inovadora, que os alimentos devem preservar a condição social de quem os pleiteia. Assim, o novel ordenamento civil é claro de que os alimentos devem preservar o status do necessitado (VENOSA, 2014, p. 382, 383, 384). 

Concorda com o exposto Carlos Roberto afirmando suscintamente que “o fornecimento de alimentos, depende, também, das possibilidades do alimentante. Não se pode condenar ao pagamento de pensão alimentícia quem possui somente o estritamente necessário à própria subsistência” (GONÇALVES, 2014, p. 536).

Considerando o exposto, percebe-se dentre os pressupostos o requisito da proporcionalidade, descrito no § 1º do art. 1.694, estabelecendo que o juiz, no exercício de suas atribuições, não deve fixar prestações alimentícias de valor exagerado, nem medíocre, sempre a observar a necessidade e possibilidade.

Nesse sentido, Carlos Gonçalves faz adendo:

No exame da capacidade do alimentante deve o juiz ter em conta a renda líquida por ele obtida, pois muitas vezes, malgrado o expressivo patrimônio imobiliário, tais bens não lhe proporcionam renda suficiente para o pagamento de pensão elevada. O valor dos bens pode ser grande e pequeno o rendimento (GONÇALVES, 2014, p. 537).

Desse modo, ao se definir as necessidades do indivíduo que pleiteia alimentos, há de se atentar aos limites do indivíduo que será responsável por cumprir a obrigação alimentar. É inadmissível, nem justo, que o alimentante deva cumprir com uma obrigação que beneficia outrem antes dele mesmo. É fundamental a observância a ambos, necessidade e possibilidade das partes.

4.3. CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

O denominado direito aos alimentos, assim como outros direitos de caráter tão importante quanto, possui características que lhe são intrínsecas, as quais se devem digna atenção, pois tratam se de características de um direito fundamental que diz respeito à vida.

O direito a alimentos apresenta várias características que se passa a discorrer.

Direito personalíssimo e intransferível. É personalíssimo no sentido de que se deve a um indivíduo específico, observado suas necessidades pessoais.

Nas palavras de Carlos Gonçalves:

Esta é a característica fundamental, da qual decorrem as demais. Como os alimentos se destinam à subsistência do alimentando, constituem um direito pessoal, intransferível. A sua qualidade de direito da personalidade é reconhecida pelo fato de se tratar de um direito inato tendente a assegurar a subsistência e integridade física do ser humano. Considera a doutrina, sob esse aspecto, como uma das manifestações do direito à vida (GONÇALVES, 2014, p. 525).

Afirma Venosa que este direito é “personalíssimo, pois visa preservar a vida do necessitado” (VENOSA, 2014, p. 389).

Rodrigo de Cunha ao abordar o tema:

Os alimentos consubstanciam-se em um direito personalíssimo, ou seja, sua titularidade não pode ser transmitida a outrem. Podemos arriscar e dizer que trata-se de direito de personalidade, visto que imanente ao direito à vida, sem o qual ela não se torna materialmente possível [...] Se inexiste a necessidade de o alimentário receber alimentos, é lhe vedado transmitir tal direito a outrem, vez que tal obrigação foi fixada com o escopo de preservar o seu direito a uma vida saudável, que possa ser vivida de forma digna (PEREIRA, 2005, p. 5).

Estabelece-se que a característica de personalidade está intimamente ligada com o próprio direito a alimentos, visto que as circunstâncias concretas do indivíduo devem ser verificadas.

O direto a alimentos é intransacionável. Por ser personalíssimo, o direto a alimentos não pode ser objeto de transação, entretanto, apenas o direito é intransacionável, o valor das prestações, naturalmente, é suscetível à transação, nesse sentido leciona Silvio Venosa:

Assim como não se admite renúncia ao direito de alimentos, também não se admite transação. O quantum dos alimentos já devidos pode ser transigido, pois se trata de direito disponível. O direito em si, não o é. O caráter personalíssimo desse direito afasta a transação. O art. 841 somente admite transação para os direitos patrimoniais de caráter privado. O direito a alimentos é direito privado, mas de caráter pessoal e com interesse público (VENOSA, 2014, p. 393).

Carlos Gonçalves ainda faz breve adendo as consequências desta característica:

Sendo indisponível e personalíssimo, o direito a alimentos não pode ser objeto de transação (CC, art. 841). Em consequência, não pode ser objeto de juízo arbitral ou de compromisso. A regra aplica-se somente ao direito de pedir alimentos, pois a jurisprudência considera transacionável o quantum das prestações, tanto vencidas como vincendas (GONÇALVES, 2014, p. 528).

Ou seja, o direito a alimentos não pode ser objeto de transação, mas o resultado de seu efeito, as prestações devidas da obrigação alimentar, de qualquer momento, vencido ou vincendas, pode.

Outra característica é que o direito a alimentos é irrenunciável. O art. 1.707 do Código Civil estabelece, “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora” (CC, art. 1.707). O direito a alimentos está sempre disponível, por ser irrenunciável, sendo apenas seu exercício abdicável.

Sobre esta característica leciona Carlos Roberto:

O direito a alimentos constitui uma modalidade de direito à vida. Por isso, o Estado protege-o com normas de ordem pública, decorrendo daí sua irrenunciabilidade, que atinge, porém, somente o direito, não o seu exercício. Não se pode assim renunciar aos alimentos futuros. A não postulação em juízo é interpretada apenas como falta de exercício, não significando renúncia (GONÇALVES, 2014, p.530).

No mesmo sentido explana Washington de Barros:

Pode-se deixar de exercer, mas não se pode renunciar ao direito a alimentos, ou, por outras palavras, pode-se renunciar à faculdade do exercício, não a de gozo. Não é válida, portanto, declaração segundo a qual um filho vem desistir de pleitear alimentos contra o pai. Embora necessitado, pode ele deixar de pedir alimentos, mas não se admite que renuncie tal direito (MONTEIRO, 2012, p. 544).

Sobre a diferença entre “não exercer” e “renunciar”, Rodrigo da Cunha:

Nesta seara, vale ratificar a diferença existente entre renúncia e dispensa de alimentos. Renunciar se refere à disposição do direito, isto é, não mais lançar mão do direito de pleitear alimentos. Na dispensa, a pessoa continua titular do direito, sem exercê-lo naquele momento. Nada impede, porém, que ela o exerça posteriormente, caso surja a necessidade de pensão alimentícia (PEREIRA, 2005, p. 7).

Definiu-se, assim, que o indivíduo tem a opção de exercer o seu direito, não sendo lhe dado a mesma opção quanto ao próprio.

É incessível o direito a alimentos. Estabelecido pelo art. 1.707 do Código Civil, os alimentos não suscetíveis a cessão. Por ser um direito personalíssimo, este direito é ligado diretamente ao indivíduo, e, portanto, não pode ser objeto de cessão, como expõe Carlos Gonçalves:

Tal característica é consequência do seu caráter personalíssimo. Sendo inseparável da pessoa, não pode ser objeto de cessão de crédito, pois a isso se opõe a sua natureza (art. 286). O art. 1.707 do Código Civil diz expressamente que o crédito a alimentos é “insuscetível de cessão”. No entanto, somente não pode ser cedido o direito a alimentos futuros. O crédito constituído por pensões alimentares vencidas é considerado um crédito comum, já integrado ao patrimônio do alimentante, que logrou sobreviver mesmo sem tê-lo recebido (GONÇALVES, 2014, p. 525).

Silvio Venosa leciona de forma parecida:

Assim como não se admite renúncia ao direito de alimentos, também não se admite transação. O quantum dos alimentos já devidos pode ser transigido, pois se trata de direito disponível. O direito, em si, não o é. O caráter personalíssimo desse direito afasta a transação. O art. 841 somente admite transação para os direitos patrimoniais de caráter privado. O direito a alimentos é direito privado, mas de caráter pessoal e com interesse público (VENOSA, 2014, p. 393).

Em síntese, o direito a alimentos tem caráter pessoal, e, portanto, não pode ser objeto de cessão, entretanto, se um bem obtido através dos alimentos já estiver integralizado ao patrimônio do indivíduo, ele perde a natureza de alimentos, e eventualmente pode ser objeto de cessão.

É incompensável. Mais uma vez, essa característica se deve ao fato de se tratar de um direito relativo à própria vida. Este não pode ser objeto de compensação pois visa evitar que se perca o importante subsídio necessário a manter a vida do alimentando. Sobre o tema, explica Carlos Gonçalves:

A compensação é meio de extinção de obrigações entre pessoas que são, ao mesmo tempo, credor e devedor uma da outra. Acarreta a extinção de duas obrigações, cujos credores são, simultaneamente, devedores um do outro [...] O direto a alimentos não pode ser objeto de compensação, destarte, segundo dispõe o art. 1.707 do Código Civil, por que seria extinto, total ou parcialmente (CC, arts. 368 e 373, II), com prejuízo irreparável para o alimentando, já que os alimentos constituem o mínimo necessário à sua subsistência. Assim, por exemplo, o marido não pode deixar de pagar a pensão a pretexto de compensá-la com recebimentos indevidos, pela esposa, de aluguéis só a ele pertencentes (GONÇALVES, 2014, p. 527).

Da mesma forma concorda Sílvio Venosa ao afirmar que a compensação negaria ao indivíduo sua subsistência:

A lei expressamente ressalva que as obrigações alimentícias não se compensam (art. 373, II). Tendo em vista a finalidade dos alimentos, qual seja a subsistência do necessitado, a eventual compensação dos alimentos com outra obrigação anularia esse desiderato, lançando o alimentando no infortúnio (VENOSA, 2014, p. 392).

Rodrigo Pereira versa da mesma forma ao afirmar que sua imcompensabilidade trata-se da preservação da vida:

A vedação de se compensar o crédito advém da peculiaridade da dívida alimentar. Se se tratasse de uma dívida comum, não haveria problemas em efetuar a compensação. Entretanto, versa sobre o sustento dos alimentandos [...]. Essas proibições legais visam garantir a preservação da vida do alimentando, possibilitada materialmente pelo pagamento da pensão alimentícia (PEREIRA, 2005, p. 11).

A dívida alimentar, portanto, é incompensável pois necessariamente precisa materializar-se efetivamente em alimentos, que, por possuir caráter de sobrevivência, é indispensável para o subsídio do indivíduo.

O direito a alimentos é impenhorável. Da mesma forma que as anteriores, trata-se de um direito indispensável para a sobrevivência do indivíduo. A impenhorabilidade é mais uma forma de garantir que os alimentos não se transformem em crédito, negando ao alimentando seu subsídio, dessa forma “nenhum credor da pessoa alimentada terá direito de fazer incidir penhora sobre o montante das prestações devidas pelo alimentante” (MONTEIRO, 2012, p. 548). Os créditos de alimentos não podem ser penhorados, pois são destinados à sobrevivência (VENOSA, 2014), sobre o assunto Venosa observa que “essa impenhorabilidade, no entanto, não atinge os frutos” (VENOSA, 2014, p. 393). Orlando Gomes, ao lecionar sobre o tema, afirma, também, que os frutos da dívida alimentar já não têm o mesmo caráter:

A impenhorabilidade do crédito alimentar decorre do fundamento e da finalidade do instituto. Seria absurdo admitir que os credores pudessem privar o alimentando do que é estritamente necessário à sua mantença. Pretende-se que a proteção legal não se estenda à totalidade do crédito, no pressuposto de que, prestados alimentos civis, há sempre uma parte que não corresponde ao necessarium vitae, mas a dissolução é inadmissível. Os alimentos são impenhoráveis no estado de crédito, a impenhorabilidade não acompanhando os bens em que forem convertidos (GOMES, 2002, p. 433).

Seguindo o mesmo princípio de que os alimentos são estritamente necessários à sua sobrevivência, estes são impenhoráveis, no entanto, o que se converter em bem pode ser considerado supérfluo, tornando-se penhorável.

Trata-se, ainda, de direito imprescritível. O direito a alimentos perdura mesmo que não seja exercido pois este é indispensável a sua sobrevivência, e, portanto, necessário estar disponível a qualquer momento, entretanto, a pretensão de haver prestações alimentares, estas sim prescrevem, sobre o assunto, discorre Carlos Gonçalves:

O direito aos alimentos é imprescritível, ainda que não seja exercido por longo tempo e mesmo que já existissem os pressupostos de sua reclamação. O que não prescreve é o direito de postular em juízo o pagamento de pensões alimentícias, ainda que o alimentando venha passando necessidade há muitos anos. No entanto, prescreve em dois anos o direito de cobrar as pensões já fixadas em sentença ou estabelecidas em acordo e não pagas, a partir da data em que vencerem (GONÇALVES, 2014, p. 527).

Da mesma forma posiciona-se Venosa, ao fazer a observação de que o indivíduo pode necessitar dos alimentos a qualquer momento:

O direito a alimentos, contudo, é imprescritível. A qualquer momento, na vida da pessoa, pode esta vir a necessitar de alimentos. A necessidade do momento rege o instituto e faz nascer o direito à ação (actio nata). Não se subordina, portanto, a um prazo de propositura (VENOSA, 2014, p. 393).

Maria Diniz faz um adendo sobre ao prazo prescricional da dívida alimentar:

É imprescritível, ainda que não exercido por longo tempo, enquanto vivo tem o alimentando direito a demandar do alimentante recursos materiais indispensáveis a sua sobrevivência, porém seu quantum foi fixado, judicialmente, prescreve em 2 anos a pretensão para cobrar as prestações de pensões alimentícias vencidas e não pagas (CC, art. 206, § 2º, RT, 132:226, 211:251). Assim, se o credor não executar dívidas alimentares atrasadas, deixando escoar o biênio, não mais poderá exigi-las, visto que, por mais de dois anos, delas não precisou para prover sua subsistência. Justa a solução legal, pois como se poderia manter alimentante obrigado a um débito não executado, cujo valor poderá tornar-se vultoso, impossibilitando seu pagamento?

Não há, portanto, incidência do lapso prescricional sobre o direito dos alimentos, mas sim sobre as prestações já vencidas, mas não cumpridas pelo executado, extinguindo a pretensão de exigi-las ante a inércia do exequente (DINIZ, 2014, p. 656).

Resumidamente, o direito a alimentos é imprescritível, pois trata-se de direito indispensável a sua sobrevivência, entretanto, a dívida alimentar prescreve após dois anos, sob argumento de que, se o alimentado não executou a dívida após este prazo, logicamente ele não mais depende deste para sua subsistência.

O direito a alimentos é irrestituível. Os alimentos têm como destino ser consumido pelo indivíduo, este que tem necessidade absoluta deste direito para se manter, sendo os alimentos concebido como forma de dívida, e, portanto, irrestituível, uma vez pago. Dessa forma leciona Carlos Gonçalves:

Os alimentos, uma vez pagos, são irrestituíveis, sejam provisórios, definitivos ou ad litem. É que a obrigação de prestá-los constitui matéria de ordem pública, e só nos casos legais pode ser afastada, devendo subsistir até decisão final em contrário. Mesmo que a ação venha a ser julgada improcedente, não cabe a restituição dos alimentos provisórios ou provisionais. Quem pagou alimentos, pagou uma dívida, não se tratando de simples antecipação ou de empréstimo [...] O princípio da irrepetibilidade não é, todavia, absoluto e encontra limites no dolo em sua obtenção, bem como na hipótese de erro no pagamento dos alimentos (GONÇALVES, 2014, p. 528, 529).

Sobre a impossibilidade de restituição afirma Silvio Venosa:

Não há direito à repetição dos alimentos pagos, tanto os provisionais como os definitivos. Desse modo, o pagamento dos alimentos é sempre bom e perfeito, ainda que recurso venha modificar decisão anterior, suprimindo-os ou reduzindo seu montante. No entanto, como sempre, toda afirmação peremptória em Direito é perigosa: nos casos patológicos, com pagamentos feitos com evidente erro quanto à pessoa, por exemplo, é evidente que o solvens terá direito à restituição (VENOSA, 2014, p. 391, 392).

Maria Diniz complementa que há casos em que cabe devolução em forma de responsabilidade por perdas e danos:

É irrestituível, pois, uma vez pagos, os alimentos não devem ser devolvidos, mesmo que a ação do beneficiário seja julgada improcedente. Mas há quem ache que, em caso de dolo, p. ex., de ex-cônjuge que oculta novo casamento, haverá devolução por configurar enriquecimento indevido e gerar responsabilidade por perdas e danos. E, também, na hipótese de erro no pagamento de alimentos, caberá, no dizer de Arnoldo Wald, sua restituição. Assim, quem fornecer alimentos na crença de que os devia, poderá exigir a devolução de seu valor ao terceiro, que era o verdadeiro devedor da prestação (DINIZ, 2014, p. 658).

Da mesma forma, Washington de Barros esclarece que há casos em que o alimentante pode pedir indenização por danos materiais:

Outrossim, a extinção da necessidade não autoriza repetir o despendido com alimentos, pois quem satisfaz obrigação não desembolsa soma suscetível de reembolso. Trata-se do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, que, uma vez pagos, não podem ser exigidos em termos de devolução.

No entanto, deve-se observar que, em caso de pagamento indevido, como, por exemplo, à gestante em caso de alimentos gravídicos, sendo que depois do nascimento e da realização de exame de DNA verifica-se que o réu na ação de alimentos não era o pai do menor, ou a filho havido por presunção legal da paternidade que, depois, se revela como filho havido biológico de terceira pessoa, cabe o pedido de indenização pelos danos materiais causados àquele que se considerava alimentante, por tratar-se de ato ilícito praticado pela mãe do menor, com base no art. 186 do Código Civil, que é a regra geral de responsabilidade civil subjetiva (MONTEIRO, 2012, p. 553).

Portanto, não cabe restituição à prestação de alimentos uma vez que essa se caracteriza como de necessidade fundamental a sobrevivência do indivíduo, e, como tal, causaria prejuízo irreparável ao alimentando, entretanto, em casos de dolo e de pagamento indevido, cabe ao alimentante pedir indenização por perdas e danos, bem como por danos materiais.

5. PRESTAÇÃO DE CONTAS NOS ALIMENTOS

Até aqui o tema de alimentos e os seus aspectos, foi abordado tendo em vista a necessidade de estabelecer as relações as quais se atribui o poder de família, sendo este, como demonstrado, necessário para se determinar a prestação alimentícia em primeiro lugar.

Adiante, ficará exposto a possibilidade de se estabelecer a obrigação de prestação de contas, tendo como embasamento principal o dispositivo legal que se encontra no Código Civil, em seu art. 1.583, §5.º:

A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem saúde física e psicológica e a educação de seus filhos (CC, art. 1.583, §5.º)

Bem como o art. 1.589:

O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação (CC, art. 1.589).

E ainda o art. 550 do Novo Código de Processo Civil:

Aquele que afirmar ser titular do direito de exigir contas requererá a citação do réu para que as preste ou ofereça contestação no prazo de 15 (quinze) dias (CPC, art. 550).

Tendo em mente o que foi exposto sobre alimentos, ao analisar o dispositivo legal, percebe-se que o instituto dos alimentos é hipótese legal de pedir informações e/ou prestação de contas, visto que o este tem vínculo e efeito direto, sobre a saúde física e psicológica, bem como sobre a educação do indivíduo, entretanto, a doutrina e a jurisprudência não são unânimes na sessão deste direito através da prestação de contas.

5.1. O INSTITUTO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS

A ideia de prestar contas é antiga, com o objetivo de verificar o gasto feito pelo ente público, como demonstra Antonio Marcato, que traz um exemplo da antiguidade deste instituto, e um breve histórico:

Sujeita, nos direitos romano e germânico, ao processamento no rito comum, a ação de prestação de contas passou a ter procedimento específico após a Idade Média, em alguns estatutos legais, como o de Castiglione di lago, de 1571.

O direito comum deixava o juiz certa margem de arbítrio para decidir se as contas estavam ou não prestadas, merecendo destaque as regras ditadas por Menocchio, destinadas a guiar o procedimento e as decisões judiciais. Tais disposições foram incorporadas pelo direito francês e influenciaram a Ordenança de 1667, que continha normas compelindo o obrigado a prestar contas, atribuindo eficácia de título executivo à sentença que fixasse o saldo; também reservou título especial para o processo de prestação de contas, cujas linhas mestras foram posteriormente trasladas para o Código Civil de Napoleão.

Na vigência das Ordenações portuguesas, estabeleceu-se no Brasil a praxe de pedir contas pelo processo de preceito cominatório, ao final consagrada pela Consolidação de Ribas. Essa mesma estrutura foi adotada pelos Códigos estaduais e pelo Estatuto Proecssual de 1939, tendo modelo o Código de Processo Civil paulista (MARCATO, 2013, p. 126).

Naturalmente, este instituto vem evoluindo, sendo implementado em campos além do administrativo, e tendo procedimentos muito mais delimitados e especializados.

A Constituição Federal, em seu art. 70, parágrafo único, traz a primeira conceituação/delimitação:

Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária (BRASIL, 1988).

Luis Rodrigues e Eduardo Talamini abordam a prestação de contas da seguinte forma:

Sempre que alguém tiver a administração de bens de outrem, ou de bens comuns, surge a obrigação de prestar contas, ou seja, demonstrar, o resultado da administração, com a verificação da utilização dos bens, seus frutos e rendimentos (WAMBIER; TALAMINI, 2014, p. 266).

E ainda enunciam que “inúmeras são as situações em que há o dever de prestar contas, não sendo possível enumerá-las” (WAMBIER; TALAMINI, 2014, p. 266). Antonio Marcato ao abordar o tema conceitua e exemplifica:

Determinadas pessoas, às quais houver sido confiada a administração ou a gestão de bens ou de interesses alheios, têm a obrigação de prestar contas, quando solicitadas, ou de dá-las voluntariamente, se necessário. Nessa situação encontram-se o tutor em face do tutelado (CC, arts. 1755 a 1.762), o curador em face do curatelado (arts. 1.774 e 1.783, c.c. 1.755 ss), o sucessor provisório em relação aos bens do ausente (art. 33), o mandatário em face do mandante (art. 668), [...] o advogado em relação ao constituinte (Estatuto da OAB, art. 34, XXI – v., ainda, Lei nº 11.902/09), entre outros (MARCATO, 2013, p.127)

Sobre o assunto, Furtado Fabrício:

Prestar contas significa fazer alguém a outrem, pormenorizadamente, parcela por parcela, a exposição dos componentes do débito e crédito resultantes de determinada relação jurídica concluindo pela apuração aritmética resultantes de determinada relação jurídica concluindo pela apuração aritmética do saldo credor ou de sua inexistência (FABRÍCIO, 1980, p. 387,388).

Marcus Vinicius ao abordar a finalidade de se prestar contas traz noção pertinente para se determinar o conceito de prestação de contas:

Prestar contas é dizer o que estamos fazendo e como estamos fazendo, o que pode se dar de forma cotidiana ou em ciclos, para fins operacionais. A prestação de contas tem caráter mais relevante do que a transparência, a partir do momento que ela transcende a disponibilização de informações, constando desta a explicação do que foi feito na gestão, o como e o por quê, focado no receptor desta mensagem (BRAGA, 2013).

Como demonstrado, a prestação de contas pode ser conceituada como expor as transações financeiras feitas durante um determinado período a alguém, afim de provar o devido uso do dinheiro, não obstante, remanesce fundamentado que a prestação de contas não tem o mero intuito de se demonstrar valores e despesas, mas, tem o objetivo final de se verificar e corrigir dados gastos, para sua melhor gestão.

5.2. A POSSIBILIDADE DA PRESTAÇÃO DE CONTAS EM ALIMENTOS

Não há, na legislação brasileira, forma específica de se pedir a prestação de contas da prestação alimentícia, por mais que a própria estabeleça a possibilidade de se verificar as condições e necessidades do menor dependente. Portanto, há de se usar de formas indiretas para estabelecer a obrigação de prestação de contas, formas essas que estão previstas, como demonstrado, em nosso regramento. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência não chegam a consenso relativo à possibilidade ou não do alimentante requerer prestação de contas das prestações alimentícias em face do administrador destas (SANTOS, 2015).

O entendimento majoritário dos tribunais é pela impossibilidade de o alimentante requerer tais contas, como se observa no exemplo julgado pela 12a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, tendo como relator Costa Barros:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - DIREITO DE EXIGIR CONTAS QUE NÃO SE CONFUNDE COM O DE FISCALIZAÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 15 DA LEI Nº 6.515/77 - ALIMENTOS NATUREZA IRREPETÍVEL - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1) A genitora a quem se confiou a guarda de filho menor, não está obrigado a prestar contas ao outro genitor, que paga pensão alimentícia em favor do filho. A ação de prestação de contas não é meio hábil ao exercício do direito de fiscalização previsto no art. 15 da Lei nº 6.515, de 26.12.1977.2) O Apelante carece de interesse processual na medida em que sendo os alimentos irrepetíveis, eventual crédito existente não poderá ser executado, descaracterizando a finalidade da ação de exigir contas. (TJ-PR - AC: 4827930 PR 0482793-0, Relator: Costa Barros, Data de Julgamento: 24/09/2008, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 7718)

Analisando o julgado em questão, percebe-se que os Desembargadores entendem que não há interesse processual em pedir a prestação de contas observado a irrepetibilidade dos alimentos, ou seja, não há sentido em saber valores que podem ter sido usados de forma errônea, ao ver do alimentante, se ele não poderá reaver tal valor.

Da mesma forma se observa em julgado mais recente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS. IRREPETIBILIDADE. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Em que pese ser cabível a ação de prestação de contas relativa à pensão alimentícia destinada a filhos menores, tal providência somente é possível quando direcionada a bens e rendimentos das alimentandas e não da genitora, não se prestando tal ação a controlar gastos custeados por tal verba alimentar. 2. Sendo irrepetíveis os alimentos, nenhuma aplicação prática seria extraída da prestação de contas, que sequer chegaria a sua segunda fase, por não poder constituir crédito ou débito de alimentos, o que ressalta a falta de interesse processual do postulante diante da ausência de utilidade e necessidade da demanda. 3. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal. 4. Desprovimento do recurso. (TJ-RJ - APL: 00262338820128190202 RIO DE JANEIRO MADUREIRA REGIONAL 4 VARA DE FAMILIA, Relator: ELTON MARTINEZ CARVALHO LEME, Data de Julgamento: 23/10/2013, DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 30/10/2013).

Quando o julgador usa o argumento da irrepetibilidade, ele está desconsiderando a informalidade da relação entre alimentante, alimentando e seu responsável, ora, o pedido de prestação de contas não tem necessariamente o objetivo de reaver o valor dos alimentos, pode o requerente julgar o uso da prestação alimentícia inadequado, e eventualmente, de informalmente, sugerir nova maneira de usar o subsídio, ou pedir ao administrador que mude a forma de usá-lo, com o intuito de tornar dito subsídio mais adequado às necessidades do alimentando.

É justo que o alimentante tenha o direito de opinar sobre o devido uso do subsídio, não apenas pelo fato de este ser quem alimenta, mas pelo alimentando ser indivíduo necessitado e pessoa estimada.

Concorda com esta forma de pensar Marina Alice de Souza Santos, ao afirmar:

No exercício do poder familiar o genitor que presta alimentos tem direito de fiscalizar a manutenção dos filhos, podendo se utilizar das medidas judiciais e extrajudiciais pra fazer valer tal prerrogativa (SANTOS, 2015, p. 595).

Quanto a quem deve ser direcionada a ação de prestação de contas, observa-se que o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro é de que deve ser direcionada aos alimentandos, e não sua genitora, da mesma forma coloca o Relator Mario-Zam Belmiro do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. IRREPETIBILIDADE. 1. A ação de prestação de contas está prevista no artigo 914 do Código de Processo Civil e possui natureza condenatória, em que se visa o acertamento de despesas e receitas na administração de valores ou bens, podendo haver a condenação do saldo devedor apurado. 2. Ausente o interesse de agir no ingresso de ação de prestação de contas em face da guardiã da criança, haja vista a verba deixar de compor o patrimônio do alimentante, bem como possuir o caráter irrepetível, o que resulta na impossibilidade de devolução de qualquer quantia, caso exista a má aplicação dos recursos. 3. No caso dos alimentos, o direito de exigir o adequado emprego dos valores repassados pressupõe avaliar, além da mera análise matemática, a qualidade de vida vivenciada pelo alimentado, tendente a assegurar educação, saúde, alimentos, lazer, consoante a condição social da família, o que foge totalmente aos fundamentos lógicos e jurídicos da ação prevista no art. 914 do CPC. 4. Recurso desprovido. (TJ-DF - APC: 20140710055597 DF 0005423-60.2014.8.07.0007, Relator: MARIOSIMBOLOHIFENTJDFTZAM BELMIRO, Data de Julgamento: 04/03/2015, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 20/03/2015 . Pág.: 171).

A lógica deste argumento é de que, assim que cumprida a obrigação alimentícia, a verba passa a compor o patrimônio do alimentando, deixando de ser de interesse do alimentante.

Há ainda julgado em que se alega a impossibilidade da prestação de contas dos alimentos sob argumento de que não há relação jurídica entre alimentando e sua ex-cônjuge, acarretando a ilegitimidade da ação:

PROCESSO CIVIL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS. ILEGITIMIDADE ATIVA. O genitor não pode exigir, em nome próprio, a prestação de contas dos alimentos prestados contra a genitora, guardiã do menor, ante a ausência de relação jurídica material dele com a ex-cônjuge. (TJ-MG - AC: 10024113321657001 MG, Relator: Fernando Caldeira Brant, Data de Julgamento: 25/04/2013, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/05/2013)

Como se vê, vários são os argumentos usados pelos órgãos julgadores para justificar a impossibilidade da prestação de contas de alimentos, de ordem material ou processual, entretanto, a própria legislação estabelece a viabilidade para tal, e, assim como colocado anteriormente, os alimentos são fundados no próprio princípio da dignidade humana, dessa forma, Tartuce:

Como se pode perceber, o princípio de proteção da dignidade da pessoa é o ponto central da discussão atual do Direito de Família, entrando em cena para resolver várias questões práticas envolvendo as relações familiares. Concluindo, podemos afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana é o ponto de partida do novo direito de família (TARTUCE, 2008, p.40).

O citado princípio é o ponto de partida para o estabelecimento da possibilidade da prestação de contas em alimentos, é por meio dessa que será feita a verificação e possível proteção do alimentando, e é dessa forma que o Desembargador Fernando Carioni decide em julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE FISCALIZAÇÃO DE DESPESAS ALIMENTÍCIAS. DIREITO DE O ALIMENTANTE VERIFICAR O CORRETO EMPREGO DA VERBA ALIMENTAR. EXEGESE DO ART. 1.589 DO CÓDIGO CIVIL. IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS. PEDIDO RESTRITO À DEMONSTRAÇÃO DAS DESPESAS. PROCEDIMENTO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS QUE SE ESGOTA NA PRIMEIRA FASE. LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAL RECONHECIDOS. SENTENÇA TERMINATIVA CASSADA. RECURSO PROVIDO. "O genitor obrigado ao pagamento de alimentos possui legitimidade para o ajuizamento de 'ação de prestação de contas" (fiscalização) contra a pessoa que detém a guarda de seus filhos - e que, por conseguinte, administra a destinação da verba alimentar recebida pela prole. Não se pode olvidar que o alimentante encontra-se investido no direito de fiscalizar a manutenção e educação dos filhos em decorrência do poder familiar. Entendimento diverso é manifestamente inconstitucional por violar o direito de acesso à jurisdição, na exata medida em que o alimentante haveria de ficar impossibilitado de fiscalizar a pessoa responsável pela administração da verba alimentar no que concerne ao seu adequado destino. Nessa linha, afigura-se inconteste o direito do pai que presta alimentos aos filhos de acompanhar e fiscalizar a correta utilização dos alimentos prestados, donde exsurge o seu direito de pedir prestação de contas daquele que administra os alimentos da prole'" (TJSC, Ap. Civ. n. , da Capital, rel. Des. Joel Dias Figueira Junior, j. em 13-11-2007). (TJ-SC - AC: 149073 SC 2010.014907-3, Relator: Fernando Carioni, Data de Julgamento: 15/06/2010, Terceira Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Balneário Camboriú)

Ao decidir dessa forma, o Desembargador expressa perfeitamente o ponto a ser estabelecido neste estudo, pois faz observação ao constituído poder familiar, que perdura, e faz observação ao “direito de acesso à jurisdição”, bem como leva em consideração a vontade do pai de “acompanhar e fiscalizar a correta utilização dos alimentos prestados”. Sobre a persistência do poder familiar Marina Souza disserta:

[...] o alimentante tem legitimidade para exigir a prestação de contas, conquanto não tenha a rendição de contas o escopo de apurar crédito ou débito para fins de reembolso diante da irrepetibilidade dos alimentos, por que nada poderá ser restituído. Mas pode se valer da demanda para fiscalizar a exata e correta aplicação das pensões recebidas pelo credor e administrada pelo guardião, visto que o poder familiar o alimentante não perdeu, sendo dele co-titular, apesar de não guardião (SANTOS, 2015, p. 598).

Tal forma de decidir, tendo em mente principalmente o poder familiar, é reiterada:

AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PEDIDO AJUIZADO PELO ALIMENTANTE EM FACE DA EX-MULHER, GUARDIÃ DA ALIMENTÁRIA. Extinção do feito pronunciada em primeiro grau na forma do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil, reconhecida a inadequação da via eleita. Desacerto do decisório. Se a cada direito deve corresponder uma ação que o assegure, não há como negar ao autor apelante o direito de exigir da acionada esclarecimentos precisos acerca da administração da prestação alimentícia recebida por conta da filha menor, máxime diante da fundada suspeita de malversação. Incidência, no particular, do disposto no artigo 1.589 do Código Civil de 2002. Direito de exigir contas que, in casu , decorre do chamado poder familiar, sendo certo que o divórcio em nada modifica os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos (artigo 1.579, também do Código Civil de 2002). Recurso provido (TJSP, Ap. Cív. n. 262.041-4/3-00, rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. em 20-5-2003).

Dessa forma, percebe-se que o poder familiar, uma vez estabelecido, ainda persiste, mesmo após divórcio, entre pais e filhos, eventualmente se tornando uma condição que viabiliza a prestação de contas.

Como demonstrado pela jurisprudência, a prestação de contas vai além da vontade de verificar o destino da prestação alimentícia, ela se torna elemento de proteção ao alimentado.

Se faz pertinente ensinamento de Marina Alice:

A própria natureza da prestação de contas confirma sua adequação a essa hipótese, pois visa demonstrar situações em que os bens estejam na administração de terceiros, que se verifica na gestão do guardião sobre as verbas alimentícias do filho menor pagas pelo alimentante [...]. Assim, fundado na interpretação Constitucional, a viabilidade de manejo de ação de prestação de contas pelo não guardião do alimentado visa fiscalizar despesas, para se evitar o desvio de recursos destinados à criança e o adolescente, buscando-se a própria proteção integral da criança e do adolescente (SANTOS, 2015, p. 596).

A prestação de contas se mostra ferramenta útil para garantir que o menor em questão obtenha, de fato, o subsídio que lhe é destinado. Nesse sentido Farias e Rosenvald fazem esclarecimento sobre o assunto:

[...] impedir a propositura da prestação de contas poderia fazer periclitar os interesses menoristas que devem ser tutelados preferencial e integralmente. É que vedado o ajuizamento da ação, a má administração de verba pecuniária destinada à manutenção e educação de filho menor não seria passível de um eficiente controle. Por isso, na defesa do melhor interesse da criança e do adolescente, é reconhecida ao genitor-alimentante (bem como ao Ministério Público e a qualquer outra pessoa interessada, como os avós e tios) a legitimidade para requerer a prestação de contas do genitor que detiver a guarda e estiver administrando a importância pecuniária paga a título de alimentos (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 829).

Ainda leciona Marina:

Deste modo, se o genitor que presta os alimentos tem o direito de fiscalizar a manutenção dos filhos, a ação de prestação de contas é sem dúvida o instrumento próprio para a demonstração da aplicação dos recursos destinados ao alimentado, dirigido contra a pessoa do administrador [...]. Deixa se claro que o genitor guardião do filho deve aplicar os valores dos alimentos em beneficio do mesmo, não podendo utilizá-los em benefício próprio ou mesmo dilapidar os saldos dos valores eventualmente não aplicados, uma vez que o desvio de finalidade da verba poderá ocasionar prejuízo ao patrimônio da infante, sendo possível tal verificação através da ação de prestação de conta (SANTOS, 2015, p. 596, 597).

Está esclarecido a intenção do legislador ao inserir em diploma legal a alternativa do indivíduo de reclamar judicialmente informações relevantes e relativas aos filhos, bem como uma forma de supervisionar seu desenvolvimento, e ainda a intenção do julgador ao deferir tal pedido, e também sua impossibilidade.

Conclui de forma pertinente Marina Santos:

Desta forma, não há dúvida que é direito e dever de quem presta alimentos, fiscalizar a boa aplicação do numerário repassado em favor do alimentário, não apenas por constituir um dever de quem se preocupa pela formação moral e intelectual dos filhos menores, mas porque, advém de um comando jurídico aos pais em cuja guarda não esteja o filho, o que culmina na concretização do princípio constitucional da proteção integral da criança e do adolescente [...]. Considerando que a finalidade da ação de prestação de contas, em sede de obrigação de prestação alimentar a menores, visa prioritariamente a proteção deste, plausível é, permitir, assim como ao pai alimentante, a qualquer alimentante o direito de promover a fiscalização das referidas verbas por meio da prestação de contas em face do guardião, quando houver indícios de má administração das mesma(sic) (SANTOS, 2015, p. 599, 600).

Como demonstrado, apesar de o entendimento majoritário ser contrário, a possibilidade do estabelecimento de prestação de contas das prestações alimentícia existe, e é recorrente, sendo o argumento para se sustentar tal possibilidade é o de visar melhor interesse do filho que está sob guarda de outrem. Dessa forma, a ação de prestação de contas se mostra conveniente método para proteção e promoção do melhor interesse da criança, sendo que, se demonstrado que o subsídio alimentar está sendo mal-empregado, a ação de prestação de contas será modo viável de suprimir uso prejudicial do subsídio.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como constatado, a Constituição Federal estabelece princípios que dizem respeito à vida e à dignidade, que são o alicerce do direto de família. Dentro do direito de família, um dos mais importantes tópicos são os alimentos, que possuem três requisitos a serem preenchidos para ser estabelecido, os quais são, que exista uma relação de parentesco, conjugal ou de união, e, extraordinariamente, relação parental entre pai e nascituro; que aquele que pretenda a prestação alimentar, a requeira apenas sendo de absolutamente necessidade para sua subsistência ou manter sua condição social; e que se leve em consideração o binômio necessidade e possibilidade para estabelecer o valor das verbas alimentares.

Dentre as relações que estabelecem direito a reivindicar alimentos, a Constituição estabelece que não há diferença entre filho de sangue e filho adotivo, não sendo permitida qualquer tipo de discriminação quanto ao assunto e que a obrigação alimentícia estabelecida durante a gravidez perdurará após o nascimento do filho, não havendo direito a restituição do valor pago, visto que se cumpriu o objetivo final de garantir a subsistência do indivíduo.

Mostrou-se, que os alimentos consistem em prestações pagas com a finalidade de satisfazer as necessidades vitais básicas da pessoa que não possui condições de, por si só, provê-las, sendo o termo jurídico “alimentos” muito mais amplo do que se presume à primeira vista, ao ponto que abrange o objetivo de manter a condição social prévia do sujeito, sendo este cabível principalmente em casos de divórcio ou separação, bem como auxiliar nos estudos do sujeito. Não obstante, foram expostas as principais características dos alimentos, que se fazem necessárias se apresentar para se entender as peculiaridades do instituto de alimentos, sendo este de caráter personalíssimo, intransacionável, irrenunciável, incessível, incompensável, impenhorável, imprescritível e irrepetível.

A legislação estabelece que aquele que não detém a guarda unilateral poderá supervisionar os interesses dos filhos, sendo os artigos expostos os meios que se fazem possível a verificação, que é intrínseco ao poder de família já constituído.

Quanto a prestação de contas, esta tem o objetivo de verificar os gastos e receitas de um período específico, e, pela lógica, pode ser instituído sobre valores que se faça pertinente sua verificação, como no caso apresentado pela própria legislação. Todavia, não é unânime pela jurisprudência, o cabimento nesta hipótese, sendo o principal argumento a irrepetibilidade dos alimentos, ou seja, a jurisprudência entende que não há motivo por trás da verificação dos valores, se não o de reaver os que julgados terem sido usados de forma irregular ou imprópria. Entretanto, parte minoritária da jurisprudência entende que há a possibilidade de prestar contas das verbas alimentícias, sob o argumento de que é de melhor interesse que haja uma conferência mais rígida sob os valores cujos são de necessidade à própria subsistência do menor.

Em conclusão, apesar de a nossa legislação não estabelecer forma específica de requerer prestação de contas em alimentos, a mesma viabiliza o requerimento de informações pertinentes à supervisão dos filhos que permanecem em guarda de outrem.

Uma vez estabelecido o poder familiar, que se constitui com a relação de parentesco, conjugal ou de união, e de paternidade, ela perdura até mesmo após o desfazimento do casamento e/ou união, entre pai e filho. Este poder familiar que será o fator determinante da possibilidade do requerimento da prestação de contas em alimentos, prestação de contas, que se mostra ser muito útil para se verificar e manter o melhor interesse dos filhos.

Não importa se a motivação do pedido de prestação de contas é por altruísmo, visando a melhor administração dos interessados, ou egoísmo que gere vontade de controlar o gasto do ex-cônjuge, pois o órgão julgador só permitirá tamanha fiscalização se o real beneficiado for o alimentando que recebe subsídio.

7. REFERÊNCIAS

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Publicado por: Guilherme Gonzaga Mendes

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