Política e Direito em Hannah Arendt
RESUMO
O presente artigo cientifico, buscou traçar uma relação entre Direito e Política utilizando-se como marco teórico a obra O que é Política, da filosofa judeu-alemã Hannah Arendt, publicada postumamente e organizada por Ursula Ludz.
INTRODUÇÃO
Descobrir o mundo Arendtiano é uma experiência fascinante e entendê-lo completamente é de veras mirífico. Quem dera se tivéssemos conseguido tal intento com tão poucos meses de análise. Portanto, este trabalho configura-se, de fato, como uma singela tentativa de relacionar Direito e Política a partir dos conceitos construídos por Hannah Arendt a partir da obra a nós indicada.
Tivemos no livro, O que é política? , verdadeiro esteio para a consecução deste artigo, porém sempre atentos em apontar as relações materiais entre Direito e Política e não se preocupando tanto em elaborar uma resenha crítica de valoroso objeto. Assim, procuramos tomar Arendt como primeira premissa para elaborar silogismos que nos permitam criar uma visão sobre a dita relação.
Um fato importante a ser apontado é que Arendt não se preocupou em estabelecer entre Direito e Política qualquer ligação, mas atentamente podemos perceber, a partir dela, como o Direito está ligado, colado e imiscuído no fenômeno Político e vice-versa.
Cabe ressaltar, por fim, que é graças ao traço histórico, a compreensão da pragmática do fenômeno político, desde a Grécia até os nossos tempos que Arendt tão brilhantemente descreve em seus textos, que o trabalho dela se mostra único e que torna este artigo relevante, pois, humildemente, podemos dizer que com a mestra aprendemos como analisar um objeto com propriedade.
BIOGRAFIA
Cientista política germânica de origem judia nascida em Linden, Hanôver, Alemanha, consagrada como um dos grandes nomes do pensamento político contemporâneo por seus estudos sobre os regimes totalitários e sua visão crítica da questão judaica. Filha do engenheiro Paul Arendt e de Frau Martha Cohn, doutorou-se em filosofia na Universidade de Heidelberg (1928) e, vítima do racismo anti-semita, fugiu para Paris (1933), onde trabalhou como assistente social atendendo a refugiados judeus. Estudou com Karl Jaspers e Martin Heidegger e casou-se com o jovem filósofo judeu Gunther Stern (1930). Divorciada (1939) casou-se com professor de história da arte Heinrich Bluecher (1940) e com a ocupação da França pelos nazistas partiu para os Estados Unidos (1941). Em Nova York foi diretora de pesquisas da Conferência sobre as Relações Judaicas, mas teve que esperar vários anos até retomar o trabalho universitário. Naturalizou-se cidadã americana (1951) e publicou Origins of Totalitarianism (1951), obra pela qual se tornou conhecida e respeitada nos meios intelectuais. Com Eichmann em Jerusalém (1963), suscitou muitas polêmicas ao denunciar o papel das lideranças judaicas no extermínio nazista da segunda guerra mundial. Outra obra famosa foi Between Past and Future (1961), onde afirmava que a palavra e a ação, para se converterem em política, requerem a existência de um espaço que permita o aparecimento da liberdade. Ainda ensinou (1963-1967) nas Universidades de Berkeley e de Chicago e passando para a New School for Social Research, em New York (1967). Publicou Men in Dark Times (1968), enviuvou de Bluecher (1970) e morreu em 4 de dezembro, New York.
CAPÍTULO 1 – RELAÇÃO DIREITO E POLÍTICA
Alguns vão dizer que Política não tem nada a ver com o Direito. Outros, ao contrário, dirão que são fenômenos conexos e até mesmo indissociáveis. Afinal, que relação podemos emoldurar; que relação podemos apontar entre Direito e Política?
Fato é que entre Direito e Política são múltiplas as conexões, mas certo é que eles são fenômenos mais que interconectados. Isso fica bem claro ao ler os trabalhos de Arendt, em O que é Política? e em A condição humana onde ela analisa por meio das relações de poder desde a Grécia até a modernidade moldaram o homem e suas construções como a Política e o Direito. Não há erro em afirmar que pelo menos em nossos dias, Direito e Política tem uma verdadeira relação mutualística, em que um dificilmente sobreviverá sem o outro.
Já sabemos o quão é controverso tratar de uma definição do que seria o Direito. O mesmo acontece com a Política já que Arendt não é expressa em sua definição e nem poderia ser devido a complexidade de tais fatos. Recorremos, no entanto, a expressão “fenômeno” para delinear traços dessas “ciências” não cientificas. Mas o que significa essa “expressão”? Segundo o dicionário virtual Priberam.Pt:do Lat. phaenomenon < Gr. phainómenon, coisa que aparece s. m., toda a modificação operada nos corpos por agentes físicos ou químicos; tudo o que é percebido pelos sentidos ou pela consciência; Filos., o que parece ser, tal como realmente se manifesta, mas que pode ser qualquer coisa diferente e até oposta; fato de natureza moral ou social, regido por leis especiais;tudo o que de extraordinário, de surpreendente se observa no ar ou no céu; maravilha; pessoa que apresenta qualquer particularidade extraordinária ou se distingue por algum talento extraordinário;coisa rara e surpreendente.
Daí já vemos a primeira relação entre Direito e a Política. Podemos compreender do que se tratam mesmo que não consigamos ser absolutos em definir tais fenômenos, assim como acontece com o amor, o ódio, a justiça e a injustiça, por exemplo.
Por tudo isso, é que hoje podemos dizer que compreender o fenômeno Político é compreender o Direito e vice-versa, porque apesar de por vezes não aparentar, ambos os fenômenos tem em sua essência as mesmas qualidades. Prossigamos, analisando, de início separadamente os dois fenômenos.
1.1 – O QUE É DIREITO?
À esta pergunta cabem inúmeras respostas rápidas, obvias ou não: “trata-se de um conjunto de normas”; “é uma categoria que expressa ou sintetiza todos os ordenamentos jurídicos sistematizados”;” é movimento, é contradição, é história, é processo histórico”. Faz-se mister, para nós, utilizar os ensinamentos de Alysson Mascaro para podermos elaborar enfim uma resposta. Ele nos diz[1]:
“É preciso investigar fenômenos concretos e, a partir deles, alcançar uma concepção teórica posterior [...] para entendermos o fenômeno jurídico, é preciso, acima de tudo, utilizar-se da história”
1.2 – O QUE É POLÍTICA?
O que há de se ressaltar e aviltar é que a pergunta “O que é o Direito?” sem um contexto histórico bem desenhado é quase o mesmo que perguntarmos “O que é a verdade?” ou “ O que é a Justiça?”. É obvio que para nossa sociedade de VISÃO SOCIAL capitalista a idéia que mais apraz é a de que este multifacetário fenômeno que o Direito é plano. Este é nada mais que um mero conjunto de normas, denominadas jurídicas que servem para conferir segurança às relações mercantis pessoais, nacionais e internacionais. É preciso ir mais longe e se desalienar para poder tentar compreender melhor que é o Direito e como nossa consciência coletiva foi levada a ter nesse uma mera tecnologia. Há de se compreender que foi o processo histórico do homem, tanto o voluntário quanto o involuntário que fez o Direito nascer e que, na verdade, o Direito é a expressão de algo muito maior do que um mero conjunto de regras sistematizadas que são na verdade uma etapa da construção do fenômeno jurídico.
Por tudo isso, o Direito é na verdade um complexo fenômeno de relações sociais, políticas, econômicas e culturais. O Direito é comunicação, é fetiche, é liberdade, é sentimento, é proibição, é coação, é instrumento de mando. Temos que superar a simplificação que fizeram do Direito, transformando-o em uma técnica jurídica universal que os juristas médios consideram como o auge do fenômeno jurídico, mas que na verdade é uma mera tecnologia de decisão, a “ponta do iceberg”.
CAPÍTULO 2 – OS PRECONCEITOS: ESTABELECENDO LÓGICA NA RELAÇÃO DIREITO E POLÍTICA CONTEMPORÂNEA.
A política assim como o Direito é um fenômeno social em sua raiz e econômico e cultural devido ao seu desenvolvimento histórico. Como Arendt diz, a chave da Política está no nível de organização social. A política é então uma criação humana, uma ferramenta do homem que se desenvolveu junto com o homem, pelo homem e entre os homens.
Arendt diz que:
“A política baseia-se na pluralidade dos homens.[...]A política trata da convivência entre diferentes.Os homens se organizam politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto[...]Os homens organizam corpos políticos sobre a família[..] A política não está nos homens, mas entre eles.[Critica a idéia de Zoon Politikon]” (pp.21-23)
CAPÍTULO 3 – CONCEITOS ARENDTIANOS IMPORTANTES
A política nasceu como um instrumento, uma ferramenta de igualação, um modo de organização do homem para assuntos em comum, foi a ponte de migração do state of nature as a war of all against all e a mãe do Estado Moderno. Tornou-se um verdadeiro fenômeno pois o homem contemporâneo não pode, apesar de querer ou pensar que pode, viver sem a política. A política é, pois, nosso passaporte para paz e um bilhete para a destruição.
3.1- O SENTIDO DA POLÍTICA
O fato de Arendt trabalhar com os preconceitos humanos e demonstrar como estes influenciam na vida social humana facilita para estabelecer uma relação lógica (se é que isto é possível) entre o Direito e a Política na contemporaneidade.
Vimos no capítulo anterior, como a Política, assim como o Direito, são ferramentas que nasceram com a precípua função de manutenção da vida social pacifica entre os homens, e, como em essência, podem ser belas “coisas”.
Provavelmente não há discordância no fato de que em essência tanto o Direito quanto a Política tem muito sentido, mas não é a toa que se diz: teoria é teoria e prática é prática. Em nosso cotidiano, pelo contrário, vemos principalmente na política a causa dos problemas mais terríveis da sociedade. Sendo assim, tomando como ponto de partida os dias de hoje, teria ainda algum sentido a manutenção da política? A Política ainda é uma “ferramenta” importante? E o Direito? Como a sociedade percebe o Direito? Como o Direito influencia a vida social? Sem dúvida, tais questionamentos são mais facilmente compreendidos a partir da compreensão arendtiana dos preconceitos e, sobretudo dos preconceitos contra a política:
“ Preconceitos se antecipam.’jogam fora a criança junto com a água do banho’, confundem aquilo que seria o fim da política com a política em si[...] Não se precisa deplorar e , em nenhum caso, deve-se tentar modificar o fato de os preconceitos desempenharem um papel tão extraordinário no cotidiano – e com isso, na política. Pois nenhum homem pode viver sem preconceitos, não apenas porque não teria inteligência ou conhecimento suficiente para julgar de novo tudo que exigisse um juízo no decorrer de sua vida, mas sim porque tal falta de preconceito requeria um estado de alerta sobre-humano.”(pp.25-26)
Assim, a par da conceituação de Arendt acerca da negação da desnecessidade de preconceitos para nossa vida, podemos começar a compreender a visão contemporânea deturpada quanto aos fenômenos jurídicos e políticos, já que sabemos, e é até obvio, que nenhum homem vive sem preconceitos.
O que de principal há de se considerar nisso tudo é que o fato de não sermos “políticos profissionais” e por vermos por meio da mídia ou pessoalmente a corrupção de nossos especialistas em política, é que hoje em dia a maioria da população não vê sentido no voto ou na participação política, considerando o fenômeno político inútil, acontecimento que é fruto do preconceito de nossa consciência coletiva. No entanto, há algo de muito mais profundo nessa questão que precisa ser compreendido: o fato da maioria dos nossos políticos profissionais serem maus profissionais não torna o fenômeno político sem sentido ou inútil, pelo contrário, estimula, ou deveria estimular os cidadãos a escolherem melhor na hora do voto, que opostamente ao que muitos pensam não é o todo da política. O voto é apenas a ponta do iceberg do fenômeno político que é muito mais amplo (o mesmo que acontece com a norma para o direito). O fenômeno político carrega consigo um poder imenso e absoluto porque deriva diretamente do povo, e é aí que a política difere do Direito, pelo menos em tese. Mas, para que se adquira tal compreensão, de que a política é um fenômeno muito mais amplo é que está nas mãos do povo e não nas de seus representantes, é preciso superar dialeticamente nossos preconceitos enquanto consciência coletiva, e não simplesmente jogá-los fora como sugerem alguns positivistas mais conservadores.
Aceitando a compreensão de que o fenômeno político é um poder que emana do povo, e por isso é muito maior que “apenas” o voto ou uma eleição, o fenômeno jurídico, torna-se um poder que emana da política, e, por conseguinte, do povo também, mas, em escala diferenciada, por isso e que um preconceito surge quando tratamos do Direito. Fomentado pelos juristas e pela consciência coletiva de nossa sociedade, a idéia de que ele está numa redoma e seus membros são quase-deuses está muito enraizada no senso comum, embora isso não seja verdadeiro. A linguagem hermética, a dificuldade de acesso ao judiciário e a imponência dos tribunais, escondem um pouco a “verdade” sobre os direitos. Em muitos casos, o que o Direito denomina “justiça” é nada mais que uma vingança institucionalizada e em outros a “justiça” é dada àqueles que podem pagar melhores logografos autorizados. A sociedade não sente tanto os defeitos do Direito quanto da política, até ser afetada diretamente por uma lei injusta, ou quando o indivíduo é de fato processado e que sente o quanto dói o peso de uma norma jurídica.
Estabelecer lógica entre Direito e Política no mundo pós-moderno é compreender, pois, os seus vários aspectos em comum e suas diferenciações. É, na verdade, compreender seus liames e suas imbricações, é compreender e superar dia a dia nossos preconceitos, mas sem se esquecer que um novo conceito em breve se tornará um novo preconceito.
3.2 LIBERDADE DO AGIR E DO FALAR
O sentido da política é a liberdade? A pergunta sobre o sentido da política resulta de duas experiências: as formas totalitárias de Estado e o desenvolvimento das possibilidades de destruição, cujo monopólio o Estado detêm.
Nas formas totalitárias de Estado toda a vida dos homens foi politizada; assim a liberdade não mais existia. No pensamento totalitário o homem não deve obstruir o fluxo da história; através da coação, do terror, das pressões ideológicas, a abolição da liberdade é alcançada.
O Estado possui o poder de destruição que é usado dentro do ambiente político. Então o questionamento deve ser se a política é compatível com a conservação da vida.
Para Arendt, a política não deve ser vista como um meio para proteger o sustento da vida social, para conservar a vida da humanidade, pois assim a política não teria sentido.
Esta ausência de sentido é perceptível na falta de solução para as questões políticas isoladas. Como falta uma solução para a ameaça das formas totalitárias de Estado e das armas atômicas e para a ausência de sentido da política resta, somente, a crença em um milagre para que ocorra uma mudança.
O homem e seu poder de agir, de começar novos processos é capaz de fazer milagres, “o homem é em si um novo começo” Hannah Arendt.
3.3 PLATÃO E SUA ACADEMIA
O homem não é autárquico, depende de outros para existir, por isso surge a política, objetivando garantir a vida, o convívio. Para que isso ocorra, o Estado deve ter o monopólio do poder, impedindo a guerra de todos contra todos.
O objetivo da política na antigüidade era possibitar a poucos a ocupação com a filosofia, mas hoje ela busca garantir a vida, o ganha-pão. Na antigüidade a política e a liberdade eram idênticas, já na modernidade deve-se distinguir política de liberdade.
Na Grécia ser-livre e viver-numa-polis era a mesma coisa, pois para viver em uma polis o homem precisava ser livre, não estar subordinado como escravo, nem como trabalhador.
“ O homem precisava ser livre ou se libertar para a liberdade”.
Libertação esta atingida através da sociedade escravagista, da exploração do trabalho escravo, do uso da coação, da força e do domínio absoluto, assim os senhores ficariam libertos do trabalho para agirem na coisa política.
O sentido da coisa política na polis, e não seu objetivo, é centrado na liberdade, nas relações entre os homens, regida pela conversa mútua, uma relação de iguais com iguais. Na Grécia o conceito de igualdade é vinculado à liberdade, já para nós o mesmo está vinculado ao conceito de justiça.
Para a existência da liberdade não era preciso uma democracia igualitária, mas sim uma oligarquia ou aristocracia, para que poucos se relacionacem entre e como iguais.
A liberdade do agir e do falar, baseia-se na possibilidade que o homem tem em começar algo novo. As formas de dominação total tentaram exterminar a espontaneidade do homem. Mas o mundo se renova todos os dias por meio do nascimento, o curso do mundo só pode ser previsto, caso os recém-nascidos sejam privados de sua espontaneidade.
O conceito central da polis livre pode ser vinculado ao conceito da isonomia do grego iso (igual) + nômos (lei) e da isegoria (direito que todos os cidadãos tinham de manifestar sua opinião política na Ágora). Para Péricles “ A polis precisava ser fundada para assegurar um paradeiro para a grandeza do fazer e do falar humanos”.
No pensamento grego, desde Homero, o próprio falar era compreendido como uma espécie de agir, como pode ser observado em Antígona “grandes palavras replicam e pagam na mesma moeda os grandes golpes dos ombros altos”.
A liberdade do falar somente é possível no trato com outros; para compreender o mundo é preciso trocar opiniões, entendendo o mundo como algo comum a muitos.
A liberdade do agir (começar algo novo) e do falar (de se relacionar e trocar conhecimentos sobre o mundo) deve ser entendida como algo político, onde não existia esta liberdade não havia o espaço político. Para proteger este espaço, os gregos usavam da força (meio não político), se era um problema com outros Estados usava-se a pressão e a violência.
Platão, pai da filosofia política do Ocidente, tentou fundar a academia, substituindo a polis, como âmbito político. Os critérios da coisa política seriam criados a partir da filosofia.
A liberdade da academia seria alcançada por uma minoria que teria a libertação da coisa política., ou seja, seriam libertos da política para serem livres para o espaço acadêmico.
A proposta de Platão de conseguir a liberdade para filosofar através da dominação sobre muitos, não foi aceita por nenhum filósofo depois dele.
A academia para os filósofos era um espaço de liberdade para a minoria, afastado do falar enganador da polis, um lugar que usava da verdade, da retórica e da dialética. Diferente do pensamento de Platão a academia afastava-se da polis e não a determinava.
3.4 IGREJA E POLÍTICA
O cristianismo antigo buscava não participar dos assuntos públicos. Os primeiros cristãos se afastaram da política.
A mensagem cristã acreditava que os assuntos humanos deviam ser deslocados do âmbito público para um âmbito intermediário, este último entendido por eles como a esfera privada.
O caráter antipolítico do cristianismo alterou-se no decorrer histórico, surgindo assim uma política cristã. Então o corpo político percebeu que a política é um meio para um objetivo mais elevado e que a liberdade é tratada dentro da política, porque a coisa política deve libertar determinadas áreas.
O caráter público do espaço da igreja, um local reunidor de homens, mesmo não querendo era um espaço de aparição. A política cristã buscava proteger o lugar de reunião dos fiéis, pois não queria que a Igreja se transforma em um poder secular-mundano.
A política precisava da Igreja, pois através dela conseguiria provar o seu fim mais elevado, sua legitimação.
3.5 ESTADO NOS TEMPOS MODERNOS
Nos tempos modernos, os âmbitos pelos quais a política parece necessária mudaram, o âmbito religioso recaiu no espaço privado, já o âmbito da vida e de suas necessidades apareceu em público.
Assim torna-se obrigação do Estado garantir a libertação dos homens para o desenvolvimento das forças produtivas sociais, garantindo à manutenção da vida e da propriedade.
A participação dos cidadãos no governo é necessária para a liberdade, porque o Estado, que usa da força para garanti-lá, precisa ser controlado pelos governados.
O governo constitucional é um governo controlado pelos governados, pois são estabelecidos limites para o espaço estatal, possibilitando a liberdade fora deste espaço.
Nos tempos modernos a política é o meio para alcançar o objetivo mais elevado, a liberdade.
A política interna tem como objetivo a própria vida e a política externa busca a liberdade. O Estado precisa ser o portador da força para garantir a vida e a liberdade, mas a pergunta sobre o sentido da política deve ter relação com a conveniência ou não dos meios de força estatais, pois estes podem ameaçar não só a liberdade, como também a vida.
Um exemplo é a guerra, já que esta é uma continuação da política por outros meios. Desde a Antigüidade a guerra era evitável, pois era possível aceitar as exigências do outro, claro que a liberdade seria prejudicada, mas não a vida.
3.6 TRABALHO E DOMINAÇÃO
O não-ser-livre existe quando se é forçado por uma necessidade inerente à própria vida. O trabalho busca assegurar a própria vida.
Nas sociedades pré-modernas o homem poderia libertar-se do trabalho de buscar o necessário, forçando outros homens a trabalharem para ele.
Na sociedade moderna o trabalhador não está sujeito a nenhuma força ou dominação, mas é coagido pela necessidade. Logo, a necessidade substitui a força e é difícil saber qual é a pior coação.
3.7 FORÇA E PODER
Toda parte onde os homens agem em comum, surge o poder e esse agir acontece no espaço político, logo o poder se faz valer em um espaço dominado pela força.
Assim o poder e a força só podem existir na esfera estatal-pública, onde os homens agem em conjunto e geram poder, o qual se torna uma calamidade se concentrada em torno da força.
Homens → Agir → Poder → Espaço político → Dominado pela força
Assim surge a idéia de que a força e o poder são iguais, mas não são, pois a força é um fenômeno do indivíduo ou de uma minoria e o poder só é possível entre muitos.
Quando força e poder ligam-se, a força aumenta e se desenvolve às custas do poder.
CAPÍTULO 4 – A GUERRA TOTAL
É decisivo para o mundo de hoje, a existência de um equilíbrio entre o poder destruir e o poder construir do homem. Faz-se necessário, porém, destacar a situação possível para esse equilíbrio: este acontece apenas quando a técnica tem relação somente com puros processos de produção, mas esse já não é mais o caso desde a descoberta da energia atômica e a produção de bombas com tal energia, uma vez que o poder de destruição desta é superior ao poder de construção posterior do homem. Um exemplo interessante de perfeito equilíbrio entre destruir e construir é quando analisamos “politicamente” a situação da Alemanha. Sua catastrófica derrota na Segunda Guerra Mundial contribuiu, de maneira essencial, para tornar a Alemanha a potência econômica e moderna que é hoje, na Europa e no mundo.
O desequilíbrio causado pela guerra total – conseqüência da bomba atômica -, e o forte poder de destruição desta última – capaz de aniquilar em poucos minutos uma cidade inteira -, fizeram com que essa luta deixasse de ser a ultima ratio das negociações políticas e, por isso, deixou ela mesma de ser um meio da política no instante em que começou, na condição de guerra de extermínio, a quebrar os limites da coisa política. Assim, inicia também a se auto-exterminar a guerra total.
Esta é originária nas formas de domínio totalitário, sendo, portanto, a guerra de extermínio a única conveniente a tais tipos de governo. Importante se faz notar aqui a propagação de tal guerra a países não totalitários, a partir do momento em que estes são surpreendidos com os ataques daqueles.
A destruição de um povo, seja sob um regime totalitário ou não totalitário, não representa somente o fim das pessoas que formam determinado Estado. O fim de um povo destrói também tudo relacionado ao mesmo. Assim, chega ao fim as relações inter-humanas e todo o mundo surgido entre os homens.
CAPÍTULO 5 – GRÉCIA E ROMA
Nota-se que na Grécia houve um grande esforço para transformar a guerra de extermínio em uma guerra política, valorizando a “coisa política” de cada polis. Basta observarmos a estrutura desta última: a polis crescia em torno da ágora homérica, o local de reunião e conversa dos homens livres, assim centrando a “coisa política” – aquilo que só é próprio da polis e, por isso, era negado aos bárbaros e aos homens não-livres.
Em Roma, também percebemos uma tentativa de dirimir os conflitos em relação às guerras. Nessa cidade, a tática de finalizar a guerra era transformar os inimigos de ontem nos aliados de amanhã, findando assim qualquer indício de luta. Essa solução é a origem do conceito de lei, uma vez que, para os romanos, esta tem o significado de “ligação duradoura” e, consecutivamente, contrato tanto no direito de Estado como no direito privado. Assim, a mesma é algo que liga os homens entre si e se realiza através de um arranjo ou de um acordo mútuo; a lei e, mesmo, a atividade legisladora caíam realmente no âmbito da coisa política de Roma.
Contudo, na Grécia, a atividade legisladora era tão radicalmente separada das verdadeiras atividades e ocupações políticas que o.legislador nem precisava ser alguém da cidade, podendo ser contratado de fora. Em Roma, um exemplo da importância da atividade legisladora é a Lei das Doze Tábuas, obra de um contrato entre duas partes em luta – o patriciado e os plebeus. Assim, a lei romana instituía relações entre humanos – ligando os homens, não no sentido do direito natural, e sim, no sentido de acordo entre contraentes.
Para fazermos uma análise correta da intensidade da lei romana, devemos citar e verificar a lei grega e suas características, bem diferente da primeira e, portanto, moldada de um modo diverso do que entendemos, originalmente, por lei. Para os gregos, esta não era acordo nem contrato, e, conseqüentemente, não era algo inserido no âmbito político. A lei, na Grécia, era algo imaginado por um legislador, que precisava ser aprovado para, aí, entrar no âmbito da coisa política. Assim, pode-se dizer que ela, representando o direito, no país, é pré-política, uma vez que representa um todo para o ulterior agir político. A lei é a circunvalação-fronteira feita por um homem, dentro da qual nasce o espaço da coisa política. Ela não vale fora da polis, sua força estende-se somente sobre o lugar que a mesma encerra e limita. Por isso, dizia Sócrates, que violar a lei e sair da cidade significavam atitudes similares.
A lei, sendo produzida, é oposta ao que é natural. Ela, “ao criar justiça, desempenha a coisa mais violenta com mão prepotente”, como disse Píndaro num famoso fragmento (nº 48, ed. Boeckh). A “coisa violenta” expressa-se porque as leis ordenam e ninguém tem o direito de dar ordem a outra pessoa de igual categoria.
A diferença básica, então que podemos citar na constituição da formação de lei entre Grécia e Roma é a origem histórica de cada uma. Como já foi dito, na Grécia, só valia a lei dentro do limite da polis, assim, os povos conquistados não estabeleciam um contrato com os gregos em termo de lei. No entanto, em Roma, a lei surge para fazer um contrato entre os estabelecidos e os recém-chegados, contrariando a primeira.
Construindo uma analogia com o mundo moderno, podemos que dizer que, no caso dos romanos, a política começou como política externa, enquanto que, para os gregos, isso estava situado fora da política. Dos aliados daqueles, os socii – os antigos inimigos -, surge a societas romana, uma associação, um sistema de aliança dilatável, pois os povos e terras estavam ligados a Roma através de uma aliança eterna.
Assim, é que para relacionarmos direito e política, faz-se mister, recordarmos Grécia e Roma, berços de nossa civilização e, conseqüentemente, das atividades que nela desempenhamos. A lei, representando o que mais amplamente chamamos de direito, teve suas origens nessas duas gêneses do mundo. Não é à toa que temos hoje Códigos muito parecidos com os Códigos romanos, nem que vivemos uma democracia como a de algumas polis da Grécia Antiga.
CONCLUSÃO
Sair ileso depois de estudar Hannah Arendt é impossível.O pensamento da filosofa judeu-alemã principalmente no que se refere ao “o que é a política?” é de uma originalidade inconfundível. Sua preocupação com a verdade não procura estabelecer conceitos absolutos, mas dá margem a criação de novos conceitos que estão sempre em “evolução”. Suas teses, nos conduzem a uma ampla reflexão filosófica que permitiram e.g relacionar Direito e Política do modo que fizemos nesse trabalho.
Sempre procurando estabelecer uma lógica entre Direito e Política em Arendt e por Arendt conseguimos angariar alguns novos preconceitos para nossa coleção, certos de que em breve trocaremos esses por outros, quiçá melhores.
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[1] Op.cit. pp .9-10
Publicado por: Marlon carvalho de sousa rocha
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