Poder de Polícia: Possibilidade de delegação
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. PODERES ADMINISTRATIVOS
- 3.1 Poderes Administrativos em Espécie
- 3.2 Histórico do Poder de Polícia
- 3.3 Fundamentação e Finalidade
- 3.4 Poder de Polícia Latu Sensu e Strictu Sensu
- 3.5 Poder de Polícia e Poder Disciplinar
- 4. CARACTERÍSTICAS E ESPÉCIES DO PODER DE POLÍCIA
- 4.1 Discricionariedade, Coercibilidade e Auto-Executoriedade
- 4.2 Poder de Polícia como Fator Negativo
- 4.3 Espécies do Poder de Polícia: Polícia Administrativa e Polícia Judiciária
- 4.4 Polícia Militar como Polícia Ostensiva
- 5. POSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA
- 5.1 Delegação para Particulares
- 5.2 Ciclo do Poder de Polícia
- 5.3 Atividades Comunicadas
- 5.4 Limitação e Atuação Excepcional ao Exercício do Poder de Polícia
- 5.5 Abuso de Poder: Proporcionalidade, Razoabilidade E Prescrição
- 6. CONCLUSÃO
- 7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
1. RESUMO
O Estado como garantidor da Ordem Pública e na busca do bem-estar social, atua de forma discricionária e coercitiva quando violados quaisquer preceitos que prejudiquem ou contrariem o Interesse Coletivo. Através do chamado Poder de Polícia é que se dá margem ao Estado para que este atue com prerrogativas próprias e auto-executáveis, na buscada consecução do efetivo poder de punir, que dele é característico. Importante ressaltar que os meios utilizados por tal margem de atuação devem estar sempre limitados na lei e nos próprios direitos fundamentais do cidadão, devendo utilizar proporcionalidade e razoabilidade no caso concreto e observar ainda os casos excepcionais onde o Poder que lhe é atribuído possa ser excedido, tendo como finalidade a preservação do Interesse Público e a busca do bem-estar social. Quanto à função estatal, analisa-se a possibilidade de delegação para outros que não sejam o próprio Estado, com fulcro de que haja o fiel cumprimento de todas as atividades com cunho social, primando pela prioridade da ordem e interesses públicos. Tal delegação seria uma forma de auxílio para a persecução de atividades estatais e colaboraria para a preservação de uma sociedade ordenada e contínua em seus atos.
Palavras-chaves: Direito Constitucional. Direito Administrativo. Delegação. Poder de polícia. Proporcionalidade.
ABSTRACT
The State as guarantor of public order and in the pursuit of social welfare acts of discretionary and coercive when violated any provisions that undermine or contradict the collective interest. Through the so-called police power is given to the State margin to this Act with their own prerogatives and auto run, in achieving the effective power sought to punish, which is characteristic. Important to note that the means used by such a margin of action should always be limited in law and in the fundamental rights of the citizen, and must use proportionality and reasonableness in the specific case and observe the exceptional cases where the powers assigned to it can be exceeded, having as purpose the preservation of the public interest and the pursuit of social welfare. As for the State function, the possibility of delegating to others who are not the State itself, with fulcrum of the faithful compliance of all activities with imprint.
Keywords: Constitutional Law. Administrative Law. Delegation. Police Power. Proportionality.
2. INTRODUÇÃO
O Poder de Polícia é aquele inerente ao Estado, para que haja respeito do bem-estar social da coletividade e o cumprimento dos interesses públicos em primazia aos possíveis interesses Individuais.
Na busca desta efetivação de interesses sociais, a administração pública e o Estado em sentido amplo utilizam de mecanismos, ora restritivos e ora limitativos à atuação do particular, para que ocorra o fiel cumprimento da busca pela Ordem Social.
Tais mecanismos são cabíveis ao próprio Estado, por este possuir poder de Imperatividade e Soberania em relação aos demais, devendo ser analisada a possibilidade de se transferir tal titularidade ou execução para terceiros estranhos à administração.
A definição de limites a uma possível delegação à particulares é de suma importância, principalmente para que se investigue e analise a questão dos limites individuais em prol da coletividade, que está inserida diretamente no âmbito do poder de polícia.
O método utilizado foi o dedutivo, que parte do conhecimento geral, consubstanciado principalmente na análise da legislação, para o particular, que consiste em analisar as ações de polícia administrativa da sociedade.
O estudo foi resultado de uma pesquisa bibliográfica, onde as atividades se consubstanciaram na utilização de legislação e doutrinas, dentre estas as obras de renomados autores da área jurídica no ramo administrativo, analisando os pontos em comum e suas divergências em relação ao tema.
No primeiro capítulo, há uma conceituação do Poder de Polícia, analisando sua existência como necessária para a limitação das garantias individuais em situação da prevalência do Interesse Público e na busca da obtenção da Ordem Social. Busca-se a correta análise sobre a efetivação do bem-estar público, em razão das prerrogativas estatais ou poderes administrativos, analisando o fato de estar o Estado, amparado pelo princípio norteador da Administração Púbica: o da Supremacia do Interesse Público.
No capítulo seguinte, é abordado um estudo sobre as espécies e atributos ou características do Poder de Polícia, inerentes ao Estado. Suas espécies, de forma majoritária, são ramificadas entre Polícia Administrativa e Polícia Judiciária, observando-se ainda sobre o papel da Polícia Militar, que ainda hoje detém motivo de divergência quanto sua função como Administrativa, Judiciária ou meramente Ostensiva.
Quanto às características, a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade são verificadas estudadas com uma forte ligação ao próprio poder de polícia neste capítulo.
No terceiro Capítulo, iniciamos a análise sobre a possibilidade de delegação do poder de polícia, nosso foco de estudo, em relação especial ao particular, que, devido sua peculiaridade, será observado com mais destaque. Após, insere-se o estudo sobre o ciclo de polícia e suas subdivisões, buscando definir se há possibilidade de delegação em todas as etapas do ciclo ou em apenas algumas delas.
Por fim o capítulo diferencia o consentimento do poder de polícia em relação às atividades comunicadas e introduz a apresentação das limitações que incidem sobre o Poder de Polícia, os casos excepcionais de incidência, assim como as situações de abuso de poder e suas espécies e características.
Contudo, este trabalho busca analisar as características e a função do Poder de polícia, ligando tal importância social de atuação à possibilidade de existirem hipóteses onde se possa transferir o poder de polícia por meio da delegação, à particulares, em vista da importância jurídica de tal prerrogativa no âmbito social.
CAPÍTULO 1
3. PODERES ADMINISTRATIVOS
Pelo princípio da Supremacia da Administração, o Estado tem fundada a necessidade de possuir um Poder diferenciado, que por vezes será até mesmo Imperativo em relação ao particular, para que possa ocorrer o fiel cumprimento da execução de atividades estatais, quando da busca de uma vida social em comunidade.
Através de tal supremacia e por possuir a prerrogativa de jus puniendi em sua atuação em sociedade, são atribuídas ao Estado prerrogativas para que se efetive suas funções de forma suprema e célere. É aí que surge a ideia de Poderes administrativos.
3.1. Poderes Administrativos em Espécie
Poderes administrativos são prerrogativas instrumentais conferidas ao agente público para que, no interesse de suas atividades, alcancem o interesse público, chamado pela doutrina majoritária de Poder-Dever por parte do Estado.
São conferidos então, os poderes administrativos, que em um tradicional binômio trazido pela doutrina clássica, introduz a ideia de poder/dever. Por um lado, existem as prerrogativas reconhecidas ao estado, supracitadas, e por outro lado limites em sua atuação para que não se possa agir de forma arbitrária, devendo respeitar em suma os direitos fundamentais, sendo analisando o caso concreto e fazendo a ponderação de interesses.
Importante ressaltar que quando falamos em poder administrativo, este não se confunde com Poder orgânico ou político. Naquele encontramos as funções administrativas e neste os próprios poderes legislativo, judiciário e executivo.
Quando falamos em espécies de poderes administrativos, não há um consenso em relação ao elenco na doutrina. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2014, p.91), por exemplo, seguindo a maioria, cita como espécies o Poder Normativo ou Regulamentar, Poder de Polícia, Poder Hierárquico e por fim Poder Disciplinar.
Outros autores como José dos Santos Carvalho Filho (2014, p.51) e Hely Lopes Meirelles (2010, p.197) inserem neste rol os Poderes discricionário e Vinculado. Ao contrário da maioria, que entende a discricionariedade como característica ou atributo de atos administrativos ou de funções administrativas, estes autores colocam como sendo um Poder do estado a sua atuação de forma vinculada ou discricionária.
Não obstante, importante notar que os mesmos autores também tratam a discricionariedade como característica dos atos do Poder de polícia, por exemplo, induzindo um contrassenso, restando a controvérsia na leitura de tais obras, se poderiam ser ao mesmo tempo poderes e características.
De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “quanto aos chamados poderes discricionário e vinculado, não existem como poderes autônomos; a discricionariedade e a vinculação são, quando muito, atributos de outros poderes ou competências da administração”. (DI PIETRO, 2014, p.91)
Conclui-se então, que majoritariamente, se adotam 5 poderes, o Normativo, Hierárquico, Disciplinar e Policial, que é o nosso objeto de estudo.
3.2. Histórico do Poder de Polícia
Polícia é termo derivado do termo grego politeia, que era relacionada a toda a atividade realizada pela Polis, ou seja, pelo Estado.
Anteriormente, a expressão Poder de Polícia era substituída por “Estado de Polícia”, não sendo até então conferido de fato Poderes, mas sim meras características. Com a entrada do Estado Democrático de Direito em cena, a expressão Poder de Polícia passou a ter conceitos mais centralizados e relacionados com a própria Administração Pública.
Durante a Idade Média, no chamado Estado de Polícia, a ideia do Príncipe era tida como aquele que possuía autoridade para manter a paz e ordem social, sem a submissão dos Tribunais ou afins em relação à submissão ou aprovação.
Com o passar dos anos, a ideia do Príncipe começou a ter sua visão reduzida em relação à limites de atuação, passando a ser mais atuante apenas nas atividades internas da Administração e por consequência e adstrita ao princípio da Legalidade, se iniciou a concepção de uma Polícia coatora, sendo observada como exceção da atuação do Poder do Estado e não como regra. Era então uma Polícia Administrativa era então associada à noção de segurança Pública.
Após o Estado de Polícia e entrada dos princípios liberais que se preocupavam em garantir dentre muitos quesitos, o da liberdade, iniciou-se a ideia de um Estado Intervencionista, que analisa não mais somente a segurança social, mas como a ordem econômica como um todo.
Logo, analisado por um conceito clássico, ligado à concepção liberal do século XVIII, o poder de polícia compreendia a atividade estatal que limitava o exercício dos direitos individuais em benefício da segurança, de acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro. (2014, p.124)
De acordo com a mesma autora acima citada, de acordo com o conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia pode ser visto como a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. (2014, p.124)
Celso Antônio Bandeira de Mello considera incorreta a expressão “poder de polícia", acreditando ser mais adequado o termo “limitações administrativas à liberdade e à propriedade”.
De acordo com o autor:
Trata-se de designativo manifestamente infeliz. Engloba, sob um único nome, coisas radicalmente distintas, submetidas a regimes de inconciliável diversidade. Leis e atos administrativos; isto é, disposições superiores e providências subalternas. Já isto seria, como é, fonte das mais lamentáveis e temíveis confusões, pois leva, algumas vezes, a reconhecer à Administração, poderes que seriam inconcebíveis (no Estado de Direito), dando-lhe uma sobranceria que não possui, por ser imprópria de quem nada mais pode fazer senão atuar com base em lei que lhe confira os poderes tais ou quais a serem exercidos nos termos e forma por ela estabelecidos. (MELLO, 2010, p. 821)
Porém, usa-se a expressão poder de polícia de forma geral, inserindo as limitações legais e aos comportamentos administrativos, conhecidos como sentido amplo e sentido estrito do Poder de Polícia.
3.3. Fundamentação e Finalidade
Para melhor estudo sobre o tema, mister é que se analise o sistema por duas vertentes. Por um lado, temos o cidadão que quer ter acesso plenamente ao que de direito lhe é assegurado. Por outro, existe a Administração Pública, com o poder e dever de condicionar tais direitos privados em prol do bem-estar social e coletivo, empregando para isso seu Poder de Polícia.
A conceituação utilizada pelo Direito Administrativo em relação ao Poder de Polícia, deriva de um ordenamento jurídico legal situado no Código Tributário Nacional de 1966, que indica a possível função Estatal em relação à sua prerrogativa de imperatividade para a busca de uma ordem pública inserida no bem-estar da sociedade.
De acordo com o artigo 78 do Manual supracitado:
Considera-se Poder de Polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Em síntese, o Poder de Polícia é aquele concedido para a Administração Pública na busca da preservação do interesse Público. É através deste Poder, que o Estado garante a segurança e aplicabilidade dos direitos inerentes à toda a Coletividade, utilizando se necessário, de meios para que o Interesse do Particular seja limitado quando houver abuso ou perigo contra a Ordem Pública.
Não são preservados aqui apenas a segurança Pública, mas também a defesa de direitos inclusive de Personalidade e Sociais, como a Moral e saúde garantido a todos. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Esse interesse público diz respeito aos mais variados setores da sociedade, tais como segurança, moral, saúde, meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio cultural, propriedade. Daí a divisão da polícia administrativa em vários ramos: polícia de segurança, das florestas, das águas, d e trânsito, sanitária etc. (DI PIETRO, 2014, p. 124)
Observa-se, contudo, que os direitos podem ser limitados, mas jamais retirados. Os direitos Fundamentais previstos na Constituição Federal, embora não sejam absolutos, não podem ser retirados do portador do direito, por serem estes, irrenunciáveis. Logo, o que pode ocorrer é a mera limitação dos direitos, mas não sua exclusão por quaisquer que seja o motivo.
Pode ocorrer então, o condicionamento ou a restrição de propriedades, atividades e liberdades com a fundamentação de ajustá-los ao Interesse da Coletividade e para assegurar a Ordem da sociedade.
Através deste Poder de Polícia, o Estado organiza, fiscaliza e até sanciona o Particular que agir em desacordo ou tiver a pretensão de assim o fazer.
Sobre a finalidade do poder de polícia, Dirley da Cunha Júnior diz:
O exercício do poder de polícia tem por fim prevenir (justamente para evitar) ou obstar (paralisar) atividades contrárias ou nocivas aos interesses públicos e sociais. Manifesta-se, portanto, nas formas preventiva (esta será a preferência) e repressiva. (CUNHA JUNIOR, 2012, p.93)
Analisa-se então, que a finalidade do Poder de Polícia é a garantia da Ordem Pública e do bem-estar social, utilizando meios empregados de acordo com a Proporcionalidade do caso concreto, tendo prerrogativas de Coercibilidade para a execução de seus atos, desejando alcançar a proteção da Coletividade.
3.4. Poder de Polícia Latu Sensu e Strictu Sensu
A doutrina majoritária atribui dois sentidos para o poder de polícia, quais sejam: Poder de Polícia em sentido amplo e Poder de polícia em sentido estrito.
Em sentido amplo o poder de polícia é visto como toda e qualquer restrição ou condicionamento de direitos implementada pelo estado, em qualquer caso. Quando este trouxer limitação já podemos falar em poder de polícia em sentido amplo. Seria então a atuação do Estado que limita ações de Particulares na busca ao ajuste em relação à coletividade, seja prevenindo ou reprimindo pessoas, bens e direitos, de forma genérica.
Neste caso, por essa definição teríamos inserido o poder legislativo, por criar leis restringindo direitos, e o poder executivo que implementa e efetiva o cumprimento da lei. Abrangeria não somente aos poderes Administrativos, mas também toda ação do Legislativo e do Executivo em relação às normas, ampliando ou reduzindo seu conteúdo.
Neste sentido, Dirley da Cunha Júnior diz que “Num sentido amplo, poder de polícia é toda atividade estatal que condiciona liberdade e propriedade visando adequá-las aos interesses coletivos”. (CUNHA JÚNIOR, 2012, p. 92)
Tal conceito abrange tanto as leis limitativas no âmbito administrativo, como o Código de Trânsito Brasileiro, quanto a própria polícia administrativa fiscalizadora, quando passa a verificar se aquela está sendo cumprida ou não, como os agentes de trânsito por exemplo.
Por outro lado, temos o conceito de poder de polícia em sentido estrito, que seria a prerrogativa reconhecida à administração pública para restringir e condicionar direitos. Sempre fundamentado na lei e com o fulcro de atender o interesse público, destaca a atividade administrativa infralegal amparada pela lei, implementando a restrição e o condicionamento.
O mesmo autor supracitado, assim continua:
Num sentido estrito, poder de polícia é aquela atividade administrativa, a cargo dos órgãos e das entidades da Administração Pública, que se destina a condicionar e restringir o exercício das liberdades individuais e o uso, gozo e disposição da propriedade, objetivando ajustá-los aos interesses coletivos e ao bem-estar social da comunidade. (CUNHA JÚNIOR, 2012, p. 92)
É relacionado tão somente às atividades administrativas, condicionando ou restringindo o exercício dos direitos dos particulares em individual, na busca da preservação do bem comum. Atua então através de atos concretos, como as multas, e por atos normativos, a exemplo de regulamentos.
3.5. Poder de Polícia e Poder Disciplinar
Na atuação de Poder de Polícia, o Estado limita e restringe a atuação do particular primando o interesse público, sendo consequência direta do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o privado.
De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a ideia sobre o Poder de Polícia deve ser resumido nos vocábulos prerrogativas e sujeições. As primeiras concedidas à Administração, para oferecer-lhe meios para assegurar o exercício de suas atividades, e as segundas como limites opostos à atuação administrativa em benefício dos direitos dos cidadãos. (2014, p.121)
O Poder de polícia não pode se confundir com o Poder Disciplinar, embora parecidos e confundidos com frequência por suas semelhanças. Mesmo grandes autores que em suas obras não expliquem tal diferença explicitamente, todos colocam suas atribuições de forma separada.
No poder de polícia, o Estado é autoridade sobre todas as pessoas do seu território, na relação genérica do Estado de um lado e o cidadão do outro. Logo, todas as pessoas estão sob condição de sujeição geral em relação ao Estado, atuando de modo genérico e as pessoas se submetendo genericamente ao estado.
Por outro lado, temos o Poder Disciplinar, que é o poder que decorre de hierarquia da Administração, atuando na aplicação de punições aos agentes públicos que cometam infrações no âmbito interno da própria Administração, posteriormente a um processo administrativo.
No raciocínio de Marcelo Alexandrino, o Poder Disciplinar trata-se, a rigor, de um poder-dever, que possibilita a administração pública punir internamente as infrações funcionais de seus servidores e de particulares a ela ligados por algum vínculo jurídico específico. (2011, p.223)
De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o Poder Disciplinar não abrange as sanções impostas a particulares não sujeitos à disciplina interna da Administração, porque, nesse caso, as medidas punitivas encontram seu fundamento no poder de polícia do Estado. (2014, p.95)
Na mesma linha de raciocínio, Matheus Carvalho assim entende:
O Poder Disciplinar trata da atribuição pública de aplicação de sanções àqueles que estejam sujeitos à disciplina do ente estatal. Com efeito, é o poder de aplicar sanções e penalidades, apurando infrações dos servidores ou outros que são submetidos à disciplina da Administração, ou seja, a todos aqueles que tenham vínculo de natureza especial com o Estado, como é o exemplo daqueles particulares que celebraram contratos com o Poder Público. A função deste poder é sempre aprimorar a prestação do serviço público punindo a malversação do dinheiro público ou atuação em desconformidade com a lei. (CARVALHO, 2015, p.126)
Logo, o Estado exerce autoridade nas relações de sujeição especial em relação ao próprio Estado. Portanto, possui vínculos, e por possuir tais vínculos atua com disciplina e não com poder de polícia.
Analisando a atuação da Vigilância Sanitária, que enquanto aplica uma sanção a um restaurante atua de forma genérica, podemos dizer que aqui existe o poder de Polícia, não podemos dizer que há vinculo específico entre aquele e este.
Por outro lado, ao verificarmos a situação de uma sanção aplicada à um servidor público após processo administrativo disciplinar, em que o Estado atua para com ele por possuir um vínculo direto e específico.
Tais exemplos são de fácil assimilação e diferenciação quanto a eles, o que não ocorre no caso, por exemplo, de uma sanção aplicada à uma empresa privada que possui contrato pós licitação com a Administração Pública, e descumpre tal ato. Neste caso, embora muitos possam confundir, deve ser analisado o vínculo e por consequência confirmar ser a atuação do Estado por meio do Poder Disciplinar.
CAPÍTULO 2
4. CARACTERÍSTICAS E ESPÉCIES DO PODER DE POLÍCIA
O Poder de Polícia além de possuir atributos de forma geral cabíveis no âmbito da Administração Pública em preponderância com o Particular, como a Presunção de Legitimidade de seus atos, a Imperatividade em sua atuação e a possibilidade de Exigibilidade, possui características próprias relativas à sua função, então chamados de Atributos do Poder de Polícia, peculiares em suas atuações, que visam garantir a certeza ou a proximidade de sua execução correta e a preservação do Interesse Público.
A doutrina menciona serem 3 os mais evidentes e cabíveis na atuação do Poder de Polícia em sua essência, são eles: a Discricionariedade, a Auto-executoriedade e a Coercibilidade.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2014, p.128), quando presente o Atributo da Auto-executoriedade, o da Coercibilidade também estará presente, visto que não há como separar a independência do Estado com seu Poder Imperativo. Segundo a autora, a coercibilidade é indissociável da auto-executoriedade e o ato de polícia só é auto-executório porque dotado de força coercitiva.
Verificaremos que não há entre tais atributos a absoluta aplicabilidade de todos eles em todos os casos, devendo então ser analisado o caso concreto com suas especificidades, observando em todos os casos a lei e sua proporcionalidade para seu adequado cumprimento.
4.1. Discricionariedade, Coercibilidade e Auto-Executoriedade
Para a compreensão correta sobre a discricionariedade, mister é iniciar o estudo compreendendo sobre o princípio da Legalidade no âmbito da Administração Pública.
O princípio da legalidade pode ser visto sob dois prismas, sua aplicabilidade em relação ao particular e por outro lado sua atuação no âmbito da Administração Pública.
A Constituição Federal em seu artigo 5º inciso II, diz que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da Lei, o que é aplicado diretamente nas relações pessoais e particulares, concluindo que para o Particular é licito fazer tudo aquilo que não esteja vedado em Lei.
No âmbito Administrativo, o artigo 37 do mesmo Manual supracitado, encontra-se o princípio da Legalidade visto como parâmetro, como regra de validade. Aqui não é permitido fazer o que a lei não proíbe, mas há vinculação àquilo que esteja legalmente previsto, fazendo com que a atuação da Administração Pública deva ser aquilo que a lei está prevendo expressamente.
Partindo dessa premissa, a lei poderá definir em sua lei a forma como serão conduzidos os atos da Administração Pública, podendo deixar ou não opção de escolha do Administrador sobre sua forma de atuação.
Quando a lei mencionar a maneira como deve ser realizada a atuação Estatal, sem margem para escolhas do Administrador, estamos falando de uma atuação vinculada por parte da Administração. Em contrapartida, o ato será discricionário sempre que a lei trouxer margem de liberdade, devendo o Administrador atuar analisando a oportunidade e conveniência para o cumprimento de seus atos.
No entanto, mesmo nos casos Discricionários, o limite dessa atuação conveniente e oportuna deve ser o previsto em Lei, respeitando a Legalidade inerente à Administração Pública, havendo apenas a escolha de qual melhor opção entre aquelas legalmente previstos, em razão do Interesse Social.
Hely Lopes Meirelles assim nos ensina em seu Manual:
No uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas e na graduação das sanções aplicáveis aos infratores é que reside a discricionariedade do poder de polícia, mas mesmo assim a sanção deve guardar correspondência e proporcionalidade com a infração. (MEIRELLES, 2010, p. 178)
O administrador Público terá nesses casos a opção de escolha dentro das previstas em Lei, dando o poder de escolha em alguns casos, do momento em que será mais adequado para sua atuação. Um exemplo são as fiscalizações de trânsito ou blitz, onde o momento e o local são de faculdade do agente público.
A discricionariedade é tida como a regra no âmbito do Poder de Polícia, podendo ser mitigado em algumas situações a depender do caso concreto e da situação a ser resolvida. Grande exemplo desta mitigação está a Licença a ser concedida pela Administração em função do Poder de Polícia, sendo este um ato vinculado.
Esta margem de atuação é analisada olhando para a lei, se há um conceito aberto que deixa margem quanto à escolha do motivo e em relação ao objeto do Ato Administrativo.
Não há de se confundir a Discricionariedade com a arbitrariedade, que seria a ação que excede a Lei, sendo nula de direito por ser ilegítima e inválida por natureza, não havendo que se falar em discricionariedade, que é ato legal e válido no mundo jurídico.
Assim entende Hely Lopes Meireles, nos dizendo:
Ao conceituarmos o poder de polícia como faculdade discricionária não estamos reconhecendo à Administração qualquer poder arbitrário. Discricionariedade não se confunde com arbitrariedade. Discricionariedade é liberdade de agir dentro dos limites legais; arbitrariedade é ação fora ou excedente da lei, com abuso ou desvio de poder. O ato discricionário, quando se atém aos critérios legais, é legítimo e válido; o ato arbitrário é sempre ilegítimo e inválido; nulo, portanto (MEIRELLES, 2010, p. 136).
Assim, a discricionariedade do poder de polícia deve ser exercida dentro dos limites legais para não configurar arbitrariedade.
Em sua segunda característica temos a coercibilidade, característica inerente ao Poder de Polícia, baseado no Poder de império da Administração Pública, por sua relação de superioridade e de acordo com o princípio da Supremacia.
Aqui a Administração não faz meramente um aconselhamento ou dá margem de escolha ao particular. É então uma ordem do estado, impondo sua vontade no individuo mesmo contra a vontade deste em alguns casos
Não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles admitem a coerção estatal para torná-los efetivos, vinculado ao ser Poder de auto-executoriedade, que independem de autorização judicial.
Pelo poder de Império da Administração Pública, esta fica autorizada a utilizar os meios necessários para que haja cumprimento de normas de cunho Público, podendo inclusive utilizar da força para que sejam atendidos os fins, diante de eventuais resistências dos administrados.
O uso da força física é aceitável quando houver oposição ou ameaça do administrado, mas não admite o excesso e abuso por parte da autoridade, ensejando inclusive futuras ações penais e civis para a reparação de danos caso ocorram.
Sobre o assunto, merece destaque a lição de Hely Lopes Meirelles:
A coercibilidade, isto é, a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração, constitui também atributo do poder de polícia. Realmente, todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para seu destinatário), admitindo até o emprego da força pública para seu cumprimento, quando resistido pelo administrado. Não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles admitem a coerção estatal para torná-los efetivos, e essa coerção também independe de autorização judicial. É a própria Administração que determina e faz executar as medidas de força que se tornarem necessárias para a execução do ato ou aplicação da penalidade administrativa resultante do poder de polícia. O atributo da coercibilidade do ato de polícia justifica o emprego da força física quando houver oposição do infrator, mas não legaliza a violência desnecessária ou desproporcional à resistência, que em tal caso pode caracterizar o excesso de poder e o abuso de autoridade nulificadores do ato praticado e ensejadores das ações civis e criminais para reparação do dano e punição dos culpados. (MEIRELLES, 2010, p. 138)
É preciso salientar que o Atributo da Coercibilidade ou Imperatividade deve estar sempre amparado à Proporcionalidade da medida utilizada, estando os meios justificado com os fins com relação à sua necessidade e adequação, evitando a declaração de nulidade do ato ou até mesmo futuras e eventuais indenizações.
A Auto-executoriedade, terceiro atributo ou característica, diz respeito à possibilidade de a Administração agir sem a necessidade de prévia autorização Judiciária, utilizando apenas sua própria forma para a atuação, tendo a possibilidade de colocar sua vontade na prática sem ações ou autorizações judiciais.
A executoriedade está relacionada na discricionariedade que o Estado possui de utilizar os meios necessários, inclusive da força Pública, para garantir a decisão de suas execuções.
Para a doutrina embora seja característica marcante do exercício do Poder de Polícia, a sua ação nem sempre terá essa posição, sendo relativizado na atuação da aplicação pecuniária por exemplo. As multas aplicadas pelos fiscais de Trânsito, onde para ter efeito, o Judiciário precisa anuir o ato administrativo são resultado dessa mitigação. As multas, ainda que decorrentes do poder de polícia, só podem ser executadas por via judicial, bem como outras prestações pecuniárias que o particular deve ao Estado.
Tal posicionamento se vislumbra na súmula do Superior Tribunal de Justiça de número 312, que diz que no processo administrativo para a imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações de autuação e da aplicação da pena decorrente da infração.
Nota-se que apesar de estar elencada como atributo, somente estará presente a auto-executoriedade se tal estiver expressamente prevista em lei ou nos casos onde exista a urgência e não exista outro meio de a coibir.
O Superior Tribunal de Justiça teve o entendimento no informativo de número 331, de que a retenção de veículo de transporte rodoviário de passageiros por prática de irregularidades, onde havia falta de correspondência entre a lista de passageiros e as pessoas efetivamente transportadas, será ilegal o ato de autoridade que condiciona a liberação ao prévio pagamento de multa.
A doutrina brasileira inspirada na doutrina francesa, diferencia a auto-executoriedade da exigibilidade. Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 419) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2014, p.127) são exemplos, relacionam o primeiro caso ao fato de sua independência Administrativa para sua atuação, não dependendo da decisão ou autorização de terceiros para sua efetividade, utiliza meios diretos de coerção. Já na exigibilidade o Estado utiliza meios indiretos de coerção, não utilizando a força para seu adimplemento.
Exemplo citado por Celso Antônio Bandeira de Mello (2013, p.420) em relação à exigibilidade é o caso em que uma lei diga que deve se conservar a calçada em frente ao imóvel de sua propriedade.
Quando descumprido pelo particular, o Poder público não pode exigir o trabalho forçado para a efetividade da lei. É aí que entra a coação de forma indireta através da multa, ou até mesmo fazendo ela própria a conservação e debitando do particular, sendo uma ação de exigibilidade, por não obrigar materialmente o mesmo, e não de executoriedade, visto que precisaria neste exemplo da intervenção do Judiciário para a aplicação da multa.
Outro ponto interessante sob este aspecto, é a não igualdade entre a auto-executoriedade e as sanções de Polícia de punição sumária e sem possibilidade de defesa.
Hely Lopes Meirelles assim se refere:
A Administração só pode aplicar sanção sumariamente e sem defesa (principalmente as de interdição de atividade, apreensão ou destruição de coisas) nos casos urgentes que ponham em risco a segurança ou a saúde pública, ou quando se tratar de infração instantânea surpreendida na sua flagrância, aquela ou esta comprovada pelo respectivo auto de infração, lavrado regularmente; nos demais casos exige-se o processo administrativo correspondente, com plenitude de defesa ao acusado, para validade da sanção imposta. ( MEIRELLES, 2010, p. 127)
É preciso fazer a observação de que a atuação da Administração Pública embora possa aplicar sanções sumariamente sem qualquer defesa prévia nos casos em que houver necessidade e quando envolver risco de dano à coletividade, surge para os casos em que a urgência e relevância não estejam presentes, a necessidade da existência de um processo administrativo que garanta a defesa e todos os direitos constitucionais previstos, para a validade da sanção imposta.
4.2. Poder de Polícia como Fator Negativo
É preciso fazer a diferenciação entre o poder de polícia e o serviço público, entendido o primeiro como uma ação negativa do Estado e o outro como a atuação positiva.
Isso porque para alguns autores a atividade do poder de polícia é visto como aquele que impede a prática de atos atentatórios ao Interesse público, enquanto que o serviço público seria uma atividade positiva material que traz benefícios aos cidadãos em geral.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, a essência do poder de polícia é o seu caráter negativo:
No sentido de que através dele, o Poder Público, de regra, não pretende uma atuação do particular, pretende uma abstenção. (...) a utilidade pública é, no mais das vezes, conseguida de modo indireto pelo poder de polícia, em contraposição à obtenção direta de tal utilidade, obtida por meio dos serviços públicos. (MELLO, 2010, p. 830)
Ensina ainda o autor, que o poder de polícia é atividade negativa no sentido de que sempre impõe uma abstenção ao particular, negativa, uma obrigação de não fazer. E até mesmo quando impõe obrigação de fazer, não é esta a finalidade que a Administração Pública está buscando.
Desta forma, segundo o autor, "o poder público não quer estes atos. Quer, sim, evitar que as atividades ou situações pretendidas pelos particulares sejam efetuadas de maneira perigosa ou nociva, o que ocorreria se realizadas fora destas condições". (MELLO, 2010, p. 832)
Logo, concluímos que mesmo aparentemente sendo uma obrigação de fazer, o que o Estado objetiva é evitar provável dano existente ou ameaça de dano relativos ao abuso de atos de particulares.
4.3. Espécies do Poder de Polícia: Polícia Administrativa e Polícia Judiciária
A doutrina faz diferenciação entre Polícia Administrativa e Polícia Judiciária, havendo ainda a existência por alguns de uma Polícia Ostensiva.
Polícia Administrativa é atuação do Poder Estatal que previne, por regra, abusos em relação aos Atos Administrativos, de forma a evitar e até mesmo aplicar sanções em relação à abusos e crimes na esfera Administrativa, atuando repressivamente em casos específicos e excepcionais.
Ela tem caráter satisfativo, tendo um fim em si mesma, tendo objeto amplo de atuação, podendo inserir sobre pessoas, bens e/ou direitos. Na atuação da Vigilância Sanitária por exemplo, a Administração Pública pode retirar mercadorias, atuando sobre bens, e até interditar o estabelecimento, atuando sobre direitos e pessoas.
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 837), a polícia administrativa nada mais é que a atividade da Administração Pública, efetivada por em atos administrativos normativos ou concretos, que pela Supremacia do Estado, condicionam a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante fiscalização prévia ou repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo.
Na análise de Diógenes Gasparini (2003, p.123), a polícia administrativa tem caráter eminentemente preventivo, controlando e interferindo nos direitos e bens de particulares, com atuação prévia e repressiva por meio de órgãos Estatais. Mesma ideia trazida por Alexandre Mazza, (2012, p.273), que acredita também ser preventiva a polícia Administrativa, pois exerce seus atos anteriormente aos fatos, evitando que danos sejam cometidos.
Suas principais características estão em atuar na seara administrativa, de forma preventiva, atingindo bens e direitos daqueles que cometes ilícitos administrativos, atuando por meio de vários órgãos e custeados por taxas.
São representados por Entidades Administrativas como a Vigilância Sanitária, Polícia de Trânsito, Polícia Florestal, por exemplo. Estas fazem o controle preventivo para a defesa dos valores sociais, fiscalizando e concedendo sanções àqueles que descumprirem normas Públicas.
A Polícia judiciária tem em suma um caráter instrumental preparatório para uma outra atividade do estado complementar, atuando em regra de forma repressiva.
Exemplo disso é a atuação da polícia civil que se insere quando já cometida a infração penal, investigando os fatos para se chegar à a ocorrência e sua autoria, geralmente através do inquérito policial. De acordo com Gasparini, é do encargo da Polícia Judiciária “descobrir e conduzir ao Judiciário os infratores da ordem jurídica penal”. (GASPARINI, 2003, p. 123)
Na Polícia Judiciária a regra não é o oposto da atuação preventiva da Polícia Administrativa. Aqui, a regra é a ação repressiva do poder estatal, limitando e sancionando atitudes que não estejam de acordo com a Legislação e com as normas sociais.
Enquanto que a Polícia Administrativa visa proteger ilícitos administrativos, na esfera da Polícia Judiciária o bem protegido é o da esfera penal, não sendo bens e propriedades amparados e limitados em regra, mas o direito das pessoas em relação à estas estão tutelados por este Poder.
Concluímos aqui, que o objeto é mais restrito em relação à Polícia Administrativa, que versa sobre bens e direitos, sem deixar de lembrar que sua atuação é custeada por Impostos e não por taxas.
É exercida em suma pela Polícia Federal e pela Polícia Civil, sendo atuante na fase posterior à ocorrência do crime e à repressão imediata e ostensiva realizada pela Polícia Militar, investigando e fazendo a formalização legal da infração penal.
Ponto importante é mencionar a Súmula do Supremo Tribunal Federal de número 397, que diz que o Poder de Polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito.
Atuaria neste caso com o poder de Polícia Judiciária, já que seria uma atuação repressiva contra infrações penais atuando sobre pessoas.
De acordo com a doutrina majoritária, as principais diferenças entre a polícia administrativa e a polícia judiciária, se analisarmos de forma geral e se tomarmos como parâmetro a regra de atuação, temos a seguinte tabela:
POLÍCIA ADMINISTRATIVA |
POLÍCIA JUDICIÁRIA |
Caráter Satisfativo |
Caráter Instrumental Preparatório |
Objeto Amplo: Bens e Direitos |
Objeto Restrito: Pessoas |
Preventivo |
Repressivo |
Ilícito Administrativo |
Ilícito Penal |
Atua por vários órgãos |
Atua Pela Polícia Civil e Polícia Federal em suma. |
Custeada por taxas |
Custeada por Impostos |
4.4. Polícia Militar como Polícia Ostensiva
Para iniciarmos este assunto, importante é que se faça a diferenciação entre o Poder de Polícia e o Poder da Polícia.
No primeiro caso, encontramos o Poder de Polícia como uma prerrogativa Estatal de limitar o uso dos direitos e das propriedades individuais e condicionar a sua utilização de acordo com o interesse público, é então uma característica do próprio Estado, advinda da Supremacia em relação aos demais da sociedade.
Por outra vertente temos o Poder da Polícia ou atividade policial, que é a própria atividade exercida pelos agentes públicos investidos de poder de polícia e nesta função atuantes, realizando ações de policiamento preventivo, ostensivo ou repressivo.
A Polícia Militar, objeto de estudo deste capítulo, está inserida no artigo 144 da Constituição Federativa do Brasil vigente, e o parágrafo 5° é que define que cabem às Polícias Militares a competência de polícia ostensiva assim como a preservação da ordem pública.
Em uma análise doutrinária, há divergência quanto à Polícia Militar ser da esfera Administrativa, Judiciária ou meramente Ostensiva. Maria Sylvia Di Pietro (2014, p.126) e Marcelo Alexandrino (2011, p.238) qualificam o poder da Polícia Militar como judiciária, enquanto que Magalhães Noronha (2004, p.13) e Alexandre Mazza (2012, p.273) entendem ser da Polícia Administrativa.
Wander Garcia por outro lado, entende ter seu ramo de atuação meramente ostensiva, dizendo que “ A Polícia Militar, por sua vez, faz o chamado policiamento extensivo. Esse policiamento pode ser considerado uma espécie à parte de polícia”. (GARCIA, 2013, p. 671)
Dessa forma, pode-se concluir que a Polícia Militar exercendo sua competência constitucional de polícia ostensiva, responsável pela preservação da ordem pública, deve evitar os comportamentos individuais contra as normas legais, ou seja, comportamentos que violam a ordem social.
CAPÍTULO 3
5. POSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA
A competência para exercer o poder de polícia é aquele previsto na Constituição Federal para regular a matéria. Se não houver previsão expressa, deve ser analisado o critério da predominância de interesse, em que os assuntos de interesse Nacional cabem à União, regional aos Estados e os Locais aos municípios.
Ao lado da competência, temos as atribuições do Poder de Polícia, que podem ser feitos por dois modos, de modo originário ou delegado.
O Originário é mais abrangente, são as atribuições típicas do Estado, de forma plena, enquanto que a delegação é a prerrogativa do cumprimento de meros atos executórios, e não sua titularidade de exercício.
5.1. Delegação para Particulares
Um assunto que é frequentemente abordado por sua divergência doutrinária, é a possibilidade da Delegação do Poder de Polícia ao Particular.
A tese majoritária na doutrina e na jurisprudência é de que não cabe a delegação para pessoas privadas, sendo particulares ou entidades da administração indireta de direito privado, como empresas públicas e sociedades de economia mista, por exemplo.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p.839) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2014, p.129) entendem não ser possível a delegação do Poder de polícia para o particular por ser atuação típica do Estado, o que viria a ferir a isonomia por se tratar em tese da suposta autoridade estar em igualdade com os outros particulares.
O Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1717 entendeu que não há a possibilidade de delegação do Poder de Polícia para as pessoas jurídicas de direito privado, justamente porque através deste poder são realizadas as atividades típicas do Estado, onde não ocorre a possibilidade de transferência ampla.
No caso desta ação, defendeu o Supremo que os Conselhos Profissionais são Pessoas públicas e as equiparou às autarquias, possibilitando seu direito de exercer seu poder de Polícia.
A interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. (STF, ADI 1717)
Por outro lado, no informativo 430 da mesma Corte, entendeu que a Ordem dos Advogados do Brasil embora não seja Pessoa Pública e nem privada, contém as funções do Poder administrativo de Polícia.
Em outra Ação Direta de Inconstitucionalidade, de número 2310, o Supremo Tribunal Federal entendeu que para as agências reguladoras, o regime Jurídico a ser aplicado para as pessoas é o estatutário. Ao afirmar tal tese, concedeu Poder de Polícia visto que ele é inerente aos agentes públicos estáveis, até mesmo por gerar mais garantia por sua permanência no serviço e sua independência funcional.
Por fim, em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal, na decisão em uma Repercussão Geral de número 472 proferida no Recurso Extraordinário 658.570, ampliou a competência da Guarda Municipal.
A orientação na jurisprudência e na doutrina era de que a Guarda municipal não poderia exercer a competência no trânsito, tanto a fiscalização como a aplicação de multa e a realização de auto de infração.
O Supremo mudou de entendimento, alegando que agora a Guarda Municipal tem a competência para fiscalizar, aplicar multa e lavrar o auto de infração. Isso porque a Guarda Municipal tem o poder de polícia e a fiscalização no trânsito nada mais é que o exercício do poder de polícia.
De forma minoritária, mas não irrelevante, Carvalhinho admite a delegação para particulares desde que preenchidos alguns requisitos, no total de três.
Segundo o autor supracitado, o primeiro requisito para tal delegação seria a mesma ter sido feita por lei, não admitindo o contrato ou o mero ato administrativo. Em seguida, o autor menciona que não será qualquer etapa do Poder de Polícia que poderá ser delegado ao particular, vedando a delegação da Ordem de Polícia e a Sanção de Polícia.
Embora o autor não cite o consentimento de Polícia, subentende-se que ele também é vedado quando o autor menciona que apenas os atos de fiscalização poderão ser delegados.
Por fim e último requisito de acordo com o autor, essa delegação não poderia ser atribuída a qualquer particular, mas somente aqueles que fizerem parte da Administração Pública Indireta. Uma concessionária por exemplo, não teria tal privilégio.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p.841) traz em suas obras exceções sobre a impossibilidade de delegação, dizendo que, funções como do Comandante de aeronave, e o de navio podem sim ser delegadas.
Contudo, porém, em tese majoritária, existe a ideia de que não pode ocorrer a delegação do poder de polícia para o particular, tendo em vista que as limitações feitas podem recair sobre o direito destes. Segundo ainda a maioria, o que poderia ser transferido são meros atos materiais, mas não as funções típicas do Estado. Em um exemplo, quando o Estado dá ordens de demolição de um edifício, está atuando em seu Poder de Polícia, e quando contrata uma empresa para fazer a demolição, está transferindo para o particular apenas os atos meramente materiais, não típicos.
Alexandre Mazza assim entende:
O poder de polícia é a manifestação do poder de império do Estado, pressupondo a posição de superioridade de quem o exerce, em relação ao administrado. Por isso, a doutrina não admite delegação do exercício do poder de polícia a particulares. Entretanto, é possível delegar atividades materiais de apoio ao poder de polícia, já que elas não realizam a fiscalização em si, mas apenas servem de apoio instrumental para que o Estado desempenhe privativamente o poder de polícia. Exemplos: empresa privada que instala radares fotográficos para apoiar na fiscalização do trânsito; e manutenção de presídios ministrados pela iniciativa privada. Nos dois casos, o particular realiza atividades materiais secundárias, permitindo que o Estado exerça a fiscalização propriamente dita. (MAZZA, 2012, p.272)
Pode-se dizer que há a possibilidade de ocorrer a delegação das atividades de apoio ao poder de polícia, apenas como um apoio, para a execução de atos materiais apenas, atuando de forma atípica em relação ao poder público.
5.2. Ciclo do Poder de Polícia
É comum no âmbito do Poder de Polícia sua atuação dividida em etapas pela doutrina, chamado comumente de Ciclo do Poder de Polícia. São fases relacionadas ao tipo de atuação que é frequente a este Poder.
Diogo de Figueiredo Neto (2014, p.534-538) é referência no assunto, tendo difundido a ideia no ordenamento jurídico, citando as fases e explicando cada uma delas. Possivelmente tal posicionamento foi criado pensando em desmistificar a atuação da polícia como sendo somente o uso da força ou a aplicação da sanção, o que não é verdade visto que em relação à força, o que se utiliza na verdade é o uso potencial da força, já que se pode ter em muitos casos ter o uso do Poder de Polícia sem alguma sanção.
A primeira é a Ordem polícia, e em seguida temos o Consentimento de Polícia, a Fiscalização e da Sanção.
Considerando o desdobramento das quatro fases do exercício do poder de polícia, Diogo de Figueiredo Neto (2014, p.534) ainda nos informa que a ordem de polícia é reserva da lei, o consentimento e a fiscalização, segundo ele, são atividades administrativas e por consequência, delegáveis. Apenas a quarta etapa, a sanção, é que se se constituiria em uma atividade administrativa indelegável, por ser atuação coercitiva do Estado.
Importante ressaltar que apenas as fases de ordem de polícia e de fiscalização de polícia é que estarão obrigatoriamente em todos os atos de polícia, visto que o consentimento é apenas para alguns casos, como veremos, e a sanção será aplicada apenas quando do descumprimento ou irregularidade em relação às normas.
5.2.1. Ordem, Consentimento, Fiscalização e Sanção
O poder de polícia não significa necessariamente o uso da força ou uma sanção, mas sim a utilização potencial de tal força, visto que pode haver a atuação de tal poder sem necessariamente a aplicação de uma sanção.
Neste sentido, a atuação em relação à ordem de Polícia é verificada primariamente, com a instituição legal de limites e condicionamentos. É retratada quando o Estado na sua função de Poder de Polícia e amparado pela Supremacia, limita condutas preventivamente com o intuito de evitar o acontecimento de futuro dano ou prejuízo, através de atos legais.
Será através de uma norma jurídica, inicial, portanto, que será criada uma restrição ou o condicionante ao exercício do direito do indivíduo, podendo englobar não somente a lei, como também por atos normativos infralegais que irão mencionar a maneira de execução com a finalidade de uniformidade de observância do ato. Logo, poderá ser observada por até mesmo decretos regulamentares, embora estejam inseridos no conceito de norma jurídica secundária.
Sobre a segunda etapa, vimos que para algumas atividades particulares, pela sua importância, perigo ou até mesmo os possíveis reflexos sociais e sua relevância privada, o legislador entende melhor condicionar atividades a um prévio consentimento do estado, uma espécie de concordância do mesmo.
Na fase do consentimento de Polícia, há habilitação para a utilização de propriedade particular ou para a execução de atividade considerada privada, fazendo também este consentimento prévio, como supramencionado, em casos onde houver a necessidade de garantia do Interesse público de forma coletiva.
Conclui-se então que não são todos os atos que deverão passar por tal procedimento, a prática de atos que não estiverem aqui inseridos, embora não passem pelo consentimento, serão sujeitos à fiscalização e sanção pelo descumprimento de ordens policiais.
Sendo o ato de consentimento tido como formal, será materializado na forma de um alvará na maioria das vezes, embora existem outros instrumentos que formalizam esses consentimentos, tais como as carteiras, as declarações, os certificados.
Os atos de consentimento por parte do estado que são mais utilizados é a licença, quando vinculada a atuação do administrador no caso, e a autorização, quando existir possibilidade de discricionariedade por parte do Estado.
O alvará de licença é aquele que a Administração está vinculada à sua expedição, o consentimento independe de apreciação administrativa e se baseia estritamente na norma ou regulamento específico, que estabelecem condições de direito.
A administração Pública se obriga à sua outorga quando presentes os requisitos legais e de acordo com as exigências regulamentares. Exemplos de licença são aquelas necessárias para uma construção ser feita ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, “As licenças são atos vinculados e, como regra, definitivos, o passo que as autorizações espelham atos discricionários e precários”. (CARVALHO FILHO, 2014, p. 85)
A Autorização é então, por outro lado, ato discricionário, remetendo à análise da conveniência e oportunidade Estatal para sua expedição, podendo ser negada ainda que contenha todos os requisitos legais e estando regularmente inserida no âmbito administrativo.
Além disso, a autorização é precária, o que se quer dizer que pode haver o rompimento do vínculo particular/estado sem a necessidade de indenização por parte do Estado e a qualquer tempo.
De acordo com Marcelo Alexandrino,
A autorização editada com fundamento no poder de polícia é um ato administrativo por meio do qual a administração pública possibilita ao particular a realização de atividade privada de predominante interesse deste, ou a utilização de um bem público. (ALEXANDRINO, 2011, p. 239)
Um exemplo é a autorização para que alguém mantenha arma de fogo em casa, que depende de certificado de registro de arma de fogo, norma regulada nos termos do artigo 5º da Lei número 10.826 de 2003.
O terceiro ato do ciclo é o da Fiscalização de Polícia, que consubstancia não somente a fiscalização da execução das ordens de polícia, como também atua observando a possível existência de abusos nos atos dos administrados. Percebe-se então, que seu caráter pode ser tanto preventivo quanto repressivo.
É em suma, a atuação do Estado para a verificação do cumprimento pelo particular das normas estabelecidas no ordenamento jurídico, não só para analisar o cumprimento de ordens normativas em geral, como também para fiscalizar a atuação do particular que teve um direito através de uma licença ou autorização para sua efetivação.
Por fim e fechando este ciclo, temos a Sanção de Polícia, verificada quando há a atuação da Administração diretamente através de sanções, intervindo punitivamente sobre a propriedade e bens privados e particulares, unilateralmente, na busca pela repressão da infração e a preservação do retorno do Interesse público. Logo, atua repressivamente.
Marcelo Alexandrino assim ensina:
A sanção de polícia é a atuação administrativa coercitiva por meio do qual a administração, constatando que está sendo violada uma ordem de polícia, ou que uma atividade privada previamente consentida está sendo executada em desacordo com as condições e os requisitos estabelecidos no ato de consentimento, aplica ao particular infrator uma medida repressiva (sanção), dentre as previstas na lei de regência. (ALEXANDRINO, 2011, p.243-244)
Ponto importante é que não há que se falar em tipificação ou penalização por analogia. De acordo com o posicionamento do Ministro Teori Albino Zavascki do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do RMS 21.922/GO, Relator Ministro, publicado no Diário de Justiça no dia 21/6/2007, a aplicação de penalidades está sujeita ao Princípio da Legalidade Estrita de forma que a Administração não está autorizada a aplicar sanções não previstas em lei.
Concluímos aqui, que a sanção será aplicada somente se durante a fiscalização for encontrada infração administrativa, ou seja, quando houver irregularidades.
5.3. Atividades Comunicadas
A atividade econômica de acordo com o artigo 170 da Constituição Federal vigente, está amparada pela livre iniciativa do particular. Porém, a doutrina classifica tal liberdade em níveis de intensidade caso ocorra uma intervenção do Estado na ordem econômica.
Em um primeiro nível, encontra-se liberdade total da livre iniciativa, sem qualquer tipo de intervenção do Estado para sua atuação. Em um nível um pouco mais contido, encontramos a atividade comunicada, matéria que deve ser analisada para que não haja confusão entre esta e o consentimento de polícia.
A atividade comunicada é conceito de criação doutrinária minoritária, mas não menos importante para nosso assunto.
São analisadas como sendo restritivas da livre iniciativa, por exigirem do particular a comunicação do exercício de atos privados, de acordo com a relevância de sua atuação, para o Estado. Em princípio, são atividades privadas como outra qualquer, mas pela relevância no mundo administrativo e social, o estado vai exigir que exista a comunicação de seu exercício.
Essa comunicação deve ser feita para que se possa ter a fiscalização por parte do Estado em relação às atividades praticadas pelo particular, viabiliza então, a fiscalização mais eficiente por parte do Estado.
Exemplo de atividade comunicada é o artigo 8 da lei número 9.074 de 1995, que exige a comunicação de alguns atos do Poder Público. Outro exemplo é o caso dos Planos de saúde que o descredenciar um hospital, deve comunicar imediatamente o Estado esse acontecimento.
Não se pode confundir essas atividades com o consentimento de polícia, que se insere em uma gradação mais elevada de intervenção do Estado na atividade privada. Na atividade não há necessidade de autorização alguma por parte da Administração, mas mera ciência, o que não ocorre quando existe a necessidade de um consentimento de exercício particular por parte do Estado.
O consentimento de polícia como já visto, é a necessidade de um controle mais forte por parte do Estado, limitando a atuação do particular ao consentimento estatal por meio de licença e autorização, por exemplo.
Por fim, em grau mais elevado da atuação estatal, temos a declaração de uma atividade como sendo um serviço público ou nos casos em que a lei estabelece o regime de monopólio para algumas atividades. Neste último caso e o mais interventivo entre todos, os particulares não terão liberdade de iniciativa, será uma iniciativa condicionada, visto que não poderá o particular atuar caso o estado verifique sua atuação total para tais exercícios.
5.4. Limitação e Atuação Excepcional ao Exercício do Poder de Polícia
É importante que tenhamos sempre a ideia de que aquilo que é garantido no ordenamento jurídico, também encontra seus limites no mesmo ordenamento. Tal premissa nos leva ao Princípio da Legalidade, umbilicalmente ligado ao assunto de nosso estudo.
A atuação do Poder de Polícia jamais pode deixar de lado o Princípio da Legalidade, devendo estar sempre limitado ao que a lei expressamente diz, mesmo quando se tratar de atos discricionários.
Em relação à Polícia Militar, muito se discutiu nos anos de 2013 a 2015 os excessos cometidos por aqueles durante a repressão dos atos de particulares durante as manifestações populares.
Mister é notar que o Estado possui o direito/dever de preservação da Ordem Estatal, não pode ser violada e reprimida quando ameaçada. É então a função do agente público atuar nestes casos para evitar a desordem e a preservação do interesse social da coletividade.
Podemos fazer a análise então, de que, a faculdade repressiva não é, entretanto, ilimitada, estando sujeita a limites jurídicos: direitos do cidadão, prerrogativas individuais e liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis.
Assim como os direitos individuais gozam de relatividade, do mesmo modo o poder de polícia jamais poderá colocar em perigo bens tutelados ao longo da história como conquistas democráticas, sob pena de sua utilização excessiva resultar em abuso de poder. Restando, pois, o controle jurisdicional do ato de polícia.
Segundo alguns autores, existem regras que são como pilares para a análise do ato administrativo que não extrapole os direitos fundamentais do cidadão. Entre estes, está a necessidade, proporcionalidade e eficácia.
Estão relacionados à efetiva medida para evitar danos ou ameaça à danos que viriam a lesar ou ferir o Interesse Social da Comunidade, buscando o equilíbrio da ameaça em relação às medidas que vierem a ser tomadas. Necessária é a compreensão de que deve haver a atuação adequada em relação a todos os atos por parte da Administração Pública, quando necessária sua intervenção na vida em sociedade.
Por tal motivo, os meios diretos de coação só devem ser utilizados quando não houver outro meio eficaz para que se alcance o mesmo objetivo, não sendo viáveis quando utilizados de forma desproporcional ou excessiva em relação ao interesse tutelado e ao cumprimento correto ditado pela lei.
Por ser o Poder de Polícia sua atuação limitada, os limites ao Poder de Polícia encontram-se na própria lei. Ele é discricionário, mas jamais poderá ser arbitrário, isto é, ultrapassando os limites legais.
O limite do Poder de Polícia encontra-se na sua própria finalidade que é o bem comum para que possa ser realizado qualquer ato que restrinja os direitos do particular.
Para essa correta atuação, é preciso que os executores administradores dos atos de polícia tenham o correto acesso à treinamentos e conhecimentos dos direitos do cidadão, impedindo que a arbitrariedade seja utilizada em qualquer que seja o caso. Utilizando para tal, a valoração de cada medida a ser tomada e a relação necessidade e adequação em relação ao caso que venha a coagir terceiros particulares.
Deve-se, pois, se pensar o ato de polícia a partir da necessidade, se é de fato necessária para cessar a ameaça ou não, se o ato de polícia é justo e se há uma proporção entre o dano a ser evitado e o limite ao direito individual e se a medida tomada é adequada de fato para conter o dano. Se o ato de polícia é realmente razoável e não arbitrário.
Portanto, com os limites impostos à discricionariedade, o que se pretende é vedar qualquer manifestação de arbitrariedade por parte do agente do poder de polícia. A intenção não é extinguir os direitos individuais com as medidas administrativas referentes ao poder de polícia, dada a ordem jurídica de Estado Democrático de Direito, pelo que aplicar-se-ão os princípios da necessidade, proporcionalidade, eficácia e razoabilidade.
Conclui-se então, que os limites de atuação é a própria lei, devendo ser respeitados os direitos fundamentais dos cidadãos, aqui mencionados em sentido amplo, observando em todos os casos a necessidade da intervenção e sua devida proporcionalidade com o que se busca. Aqui deve se analisar o caso concreto e observar o limite de não poder retirar os direitos particulares, somente podendo restringir se for o caso.
A Constituição Federal vigente prevê casos onde poderá ser admitida a extensão do Poder de Polícia, na busca da defesa do próprio Estado.
O artigo 139 da supracitada norma, são mencionadas as medidas excepcionais que poderão ser aplicadas na vigência do estado de sítio, in verbis:
Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no artigo 137, inciso I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I- obrigação de permanência em localidade determinada;
II- detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
III- restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;
IV- Suspensão da liberdade de reunião;
V- busca E apreensão em domicílio;
VI- Intervenção nas empresas de serviços públicos;
VII- requisição de bens.
Por outro lado, o artigo 136 do mesmo ordenamento, traz outra possibilidade de atuação excepcional do Poder de Polícia, quando trata do Estado de Defesa, assim mencionadas em seu parágrafo primeiro:
O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
I - Restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
b) sigilo de correspondência;
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;
II - Ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.
Logo, concluímos que há então a possibilidade de tal excesso que em situações normais não caberiam, devendo, portanto, fazer a menção de que mesmo nestes casos críticos, os atos cometidos devem verificar somente a restrição de direitos e não a sua extinção e retirada do poder privado.
5.5. Abuso de Poder: Proporcionalidade, Razoabilidade E Prescrição
Os atos da administração, embora constituídos de discricionariedade e de eventualmente conter traços de coação, devem estar amparados aos limites das atribuições de competência e de finalidade, inserido no universo legal e buscando a efetivação da prevalência do Interesse Público.
De acordo com Código Tributário Nacional vigente, artigo 78, parágrafo único:
Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
Para as hipóteses onde há o extrapolamento dentro de tais atos, a doutrina esclarece sobre o acontecimento de um abuso de poder por parte do Estado. Tal concepção é ramificada em duas espécies, a depender da análise do que efetivamente foi violado e por obvio se observando o caso concreto com suas peculiaridades.
Podemos dizer que o abuso de poder ocorre quando a Administração Pública utiliza meios arbitrários, fazendo o uso irregular do Poder, desrespeitando os limites legais previstos no ordenamento.
A primeira espécie do Abuso de Poder assim analisada, é o denominado Excesso de Poder, que ocorre quando há o extrapolamento pelo agente administrativo dos limites conferidos em lei, atuando de maneira excessiva. Temos neste caso a hipótese de em uma fiscalização de trânsito, o agente utilizar força e agir com desrespeito com o particular sem qualquer justificativa plausível. Em tal caso, além de responder administrativamente, poderá incorrer em crime na esfera penal pelo abuso.
No excesso de Poder, há uma estrapolação na Competência dada pela Lei para o cumprimento correto das normas Sociais, fazendo com que se crie um vício de Competência em razão à tais atitudes exacerbadas.
De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, que o “Excesso de poder é a forma de abuso própria da atuação do agente fora dos limites de sua competência administrativa”. (2014, p.48-49329)
Em outro giro, temos a ocorrência do Desvio de Poder ou Desvio de Finalidade, verificada quando há contradição do ato com a finalidade pública, agindo o agente de forma a atender interesses outros não previstos em lei. Em suma, ocorre o favorecimento de outros interesses que não os públicos. Seria o caso de um agente beneficiar familiares e relações afetivas utilizando de sua função pública para tanto.
Portanto, no desvio de poder o vício não está na Competência, mas na finalidade. Há em suma o desvio toda vez que a Finalidade buscada pelo Agente Administrativo não for o Interesse Público.
O mesmo autor supracitado também conceitua que “já o desvio de poder é modalidade de abuso em que o agente busca alcançar diverso daquele que a lei lhe permitiu”. (2014, p.49)
Na lição de Hely Lopes Meirelles (2010, p.376), o desvio de finalidade se dá quando a autoridade embora competente para a prática do ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas.
Logo, atuando o Administrador com Desvio ou com Excesso, ensejará em vicio de competência ou de finalidade, podendo ter por consequência a verificação da prática do abuso de autoridade.
A Lei nº 4.809, de 9 de dezembro de 1965, regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de Abuso de Autoridade. Ficará o autor do abuso sujeito à processo administrativo de acordo com a instituição a qual faz parte, podendo ser repreendido, advertido, suspenso, destituído de função ou até demitido do serviço público de acordo com o caso, sem prejuízo das ações penais e cíveis.
A Constituição Federal brasileira de 1988 traz apenas implicitamente a figura do princípio da proporcionalidade. É na Lei nº 9.784 de 1999, que trata sobre processos administrativos, que encontramos de maneira expressa tal norma, que indica por tal ordenamento a necessidade de sua observância nos atos administrativos.
De acordo com a lei supramencionada, deve haver a adequação dos meios e os fins que se almeja alcançar, impedindo a exasperação de medidas além das adequadas para a satisfação do interesse público.
A Razoabilidade é entendida pela maioria dos doutrinadores como sendo o gênero na qual a proporcionalidade faz parte. De acordo com Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2014, p.175), aquele princípio está ramificado em três vertentes, quais sejam: a adequabilidade da medida buscando o resultado, a necessidade observando-se a impossibilidade de inserir outras medidas no caso, e por fim a proporcionalidade em sentido estrito entre as medidas tomadas e a finalidade que se quer alcançar.
De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, a razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa. (2014, p.41)
Por outro lado, quando analisada sob um olhar minoritário, o princípio da razoabilidade seria princípio autônomo, que tem por base o equilíbrio dos atos administrativos, não só analisando o limite da Lei, mas a adequação em relação a atitude que deva ser tomada em relação ao caso concreto.
É preciso analisar a proporcionalidade e a razoabilidade sempre vinculados com o poder discricionário inerente ao Poder de Polícia, verificando a oportunidade de aplicação e a conveniência de atuação como parâmetros de sua efetividade.
Em relação à oportunidade e a conveniência, importante ressaltar que tais possibilidade devem ser aplicadas sempre em coerência com a proporcionalidade e a razoabilidade, visto que embora esteja amparada pela característica da discricionariedade, há de ser razoável para assegurar a inocorrência de abusos, seja por desvio ou excesso, ou até mesmo sua desnecessidade para a finalidade do interesse público, caso em que há a possibilidade de se ensejar a revogação dos atos pela própria administração ou a nulidade por tal ente ou até mesmo pelo judiciário.
O Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento de que não cabe ao Poder judiciário adentrar no mérito do valor cobrado em multas aplicadas pela Administração Pública, com fulcro no princípio da proporcionalidade, visto que não há possibilidade de substituição do Administrador pelo Judiciário.
Quando praticado um ato ilícito administrativo, passa a administração pública a ter um prazo para exercer a ação punitiva, previsto na Lei nº 9.873, de 1999.
De acordo com o seu artigo primeiro, este prazo prescricional é de 5 anos caso o ilícito não seja considerado crime. Caso for, a prescrição será a mesma prevista na lei penal para o crime. Cabe ressaltar que o prazo é contado a partir da prática do ato, com exceção daqueles ilícitos permanentes ou continuados.
Por outro lado, temos a figura da prescrição intercorrente, que é configurada quando o procedimento administrativo ficar parado por mais de 3 anos, quando pendente de julgamento ou até mesmo despacho.
6. CONCLUSÃO
O estudo sobre o Poder de Polícia faz com que se note a relevância sobre sua atuação e seus métodos, podendo se analisar a busca incessante por parte do Estado, por uma sociedade em ordem, primando pelo interesse público em prol do interesse privado.
Como já vimos, o Estado possui prerrogativas de atuação, e por tê-las, assume papel importante e consequentemente típicos daquele que busca por um equilíbrio social e está em situação de Supremacia em relação aos demais. E, por ser típica sua função, somente podem ser exercidas tais atividades pelas pessoas jurídicas de direitos público componentes da Administração Pública.
Justamente por serem fortes tais prerrogativas e por se encontrarem em pé de desigualdade de atuação em relação aos demais, é que encontramos de maneira pacífica o entendimento da doutrina e jurisprudência que os atos que manifestem expressões típicas do Poder Público ou de autoridade pública, não podem ser delegados por neste caso ofender e colocar em risco a ordem social assim como a sociedade como um todo.
Porém, parte da doutrina admite delegação em situações especiais, desta forma, certos atos materiais que precedem a atos jurídicos de polícia podem ser praticados por particulares, por delegação ou simples contrato de prestação de serviços. O que ocorreria nestas situações seria a transferência das atividades materiais de execução para o particular, não estando presentes prerrogativas devidas à Administração Pública.
A doutrina majoritária entende ainda que não há possibilidade da delegação do poder de polícia, propriamente dito, inclusive para as pessoas jurídicas de direito privado da administração indireta.
Nesses casos, é possível transferir a esses entes somente o poder de fiscalizar e de emanar atos de consentimentos, não podendo legislar acerca da matéria ou aplicar sanções a particulares.
7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo Descomplicado. 19ª edição. São Paulo: Método, 2011.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 2ª edição. Salvador: Juspodivm, 2015.
CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Administrativo. 11ª edição. Salvador: Juspodivm, 2012.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.
GARCIA, Wander. Concursos Jurídicos. 2ª edição. Indaiatuba: Foco, 2013.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003.
MAGALHÃES NORONHA. Edgard. Direito Penal. 38ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010.
Publicado por: Marcela Camargo
O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.